Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Juan J. Linz e Alfred Stepan A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA A Experiência do Sul da Europa e da América do Sul Traduçao Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres PAZ E TERK A A DEMOCRACIA E SEUS CAMPOS :xr Na Parte i, examinaremos como o caráter dosTfiTerefítes regimes não- dcmocráticos afeta ou deixa de afetar as vias possíveis a serem tornadas para que a transição para um regime democrático venha a ser concluída. ínvestiga- rem ostãm Rm nr^^ dos regimes 11 ãu-dernuc rali cosranteri ores para as tarefas que provavelmente terão de ser enfrentadas, antes que esses regimes democráticos incipientes possam ser considerados como consolidados. Tendo estruturado dessa forma nossas questões, nosso argumento exige definições de transição d em o crá tica com p le ta e de d em o c ra c ia co n so lid a d a . Neste livro, sempre que tentarmos estabelecer até que ponto um determinado país conseguiu avançar na direção de completar a transição para a democracia, usaremos o seguinte padrão dc definição: lima transição democrática está completa quando um grau suficiente de acordo foi “alcançado quanto”aos procedimentos políticos visando obter iinT^Õveráõ'eleito; quando um governo chega ao poder como resultado _diretü do voto popular livre; quando esse governo tem. d e j u t o a autoridade de aviar novas polí ficas; e quando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, criados peia nova demoeraciãT"naíTfem quê.TTt' j u r e , dividir o poder com outros organismos. ' Com essa definição operacional, deve ficar darn o porquê de tanto os teóri cos quanto os militantes democráticos insistirem em distinguir entre libera lização e dem ocratização. Em um contexto não-democrático, a libera lização pode im plicar uma combinação de mudanças sociais c de diretnzeiTpoItncTs, tais como menos censura da mídia; um espaço um pouco maior para a organização_dq uüy.jdadcs liütonornas da classe trabalhadora; a introdução dc algumas salva guardas jurídicas para o indivíduo, como o habeas carpas: a libenaçãu dTmaior parte dos presos políticos; o retorno tios exilados: talvez algumas medidas vi A TRANSIÇÃO I- CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA sando a melhoria da distribuição de renda e. o que é mais importante, a tolerân cia à oposição. A íleinocraíisxiçãa implica a liberalização, porém, este é um conceito mais amplo e, especificam ente, político. A democratização requer a competição aberta ~pefõ dircíto”deAíÕnqltTsntri) controle do jqyerno. o que, porínüTvez. exige e leições cuinpHííKãísTmã^^ resultado determinará quem irá go vernar. Combase nessas deliníçoes, é óbvio que pode haver liberalização sem democratização.1 —— - 'NossITtlTscTissào sobre o que vem a ser uma transição democrática com pleta ajuda a ressaltar duas mitras questões. Bm primeiro lugar, pode haver transicõex-qiieuiümecemaiem.iamnjx cjiegarem ajermo, mesmo que um nova) regime autoritário não venha a assumir o poder. Nossa definição é útil para ev itara “falácia eleitoralisia", ou seja. eleições livres uma condição neces sária da democracia : Alguns dos exemplos mais comuns de não-transições eleitorálistas podem ser encontrados nos casos em que um governo militar anterior (por exemplo, na Guatemala na década de 80), embora aluindo mão do controle duelo do governo, retém prerrogativas tao amplas que o gnvernu democraticamente eleito náo e soberano sequei de juic. Km segundo lugar, ao incluirmos cm nossa definição a necessidade de que se chegue a um acor do quanto aos acenos institucionais específicos para se alcançai um governo "dKuioj^ n c o; sOInõslítertados-prara o processo'dé tomada de decisão dentro db campo político democrático A discordância entie democratas sobre ques- tões tais como um listado federal versus um listado unitário, uma forma monárquica ou republicana de governo, ou o tipo de sistema eleitoral podem levantar questões sobre a legitimidade do novo goveino democrático, sobre o processo decisório e, ainda, sobre o futuro do sistema político lassa j mdetcrminaçâo institucional sobre os procedimentos cen tra is jr ecessárms p;na g m nrim da democracia podem nãi apenas deixar incompleta a transi ,^o--enaiip^amnem adiar qualquet consolidação da democracia. Níío quete mos dizer com Aso quí1 não possa havei discordância sobre' quais devem sei as instituições A mocráticas mais desejáveis, nas primou as etapas da transi ção e do processo constituinte. dais diseordáncias são normais, b.ntrctanto, um profundoe contínuo confronto, e a ambivalência quanto às instiniições democráticas dentre as elites políticas e a maioria da população, sem sinais de acomodação as instituições implementadas, ceitanu. nie não tende a levai à consolidação Portanto, não e apenas a discordância quanto ao valor da democracia, na.,, também quanto às instituições especííícas da democraci.! (.pie podem driicubn: a c o tw *1 i d a s ao. A DEMOCRACIA E SEUS CAMPOS 23 Há uma ou ira vaniagem, em lermos políticos e intelectuais, quando se esclarece sobre o que é necessário antes de uma transição poder ser considera da completa. Os detentores do poder não-democrático, com frequência, argu mentam que algumas mudanças iiberalizantes introduzidas por eles são, em si, suficientes para a democracia. Introduzir um padrão claro sobre o que é real- .menle necessário para uma transição completa torna mais fácil, para a oposi- ÇÜQjjcmocfátlcaTapontar (pára seus aliãcfos Internos e internacionais, assim x o m o ptuaLQmc£Íüicjiã<>-dc{ni)crático) quais as mudanças indispensáveis, se xs houver, ainda por serem efetuadas, Taí padrão é também extremamente útil nüS-.casos-em-qumomjilfg,tij;egiine não-democrático tenha caído ou sido derrtP bado.eum_g_m:emi.1.pm,yisnnirççl_e dcr Momentos como esses são, em geral, repletos de entusiasmo, de reformas drásticas e de decretos. Entretanto, a não ser que haja um forte compromisso para com a tarefa de completar iodos x s -passos exigidos para a transição democrática, d govemo^provisório” pode rá vir a se tomai pci manente.' ' ”* Na maioria dos casos, mesmo depois de completada a transição democráti ca, testam ainda muitas tateias a serem cumpridas, condições a serem estabelecidas e atitudes e hábitos a serem cultivados, antes de a democracia po der ser constdeiada como consolidada. Quais são, então, as características de uma democracia ^ousulidadu',’ Muitos estudiosos, ao propor uma dcíint^ao para cia, enumeram todas as catai (ensticas do regime que poderíam aperleiçoar a qualidade gciai da demoeracta. Nós preferimos, ao contrário, uma definição mais estreita de consolidação democrática, que. entretanto, combina dimensões compotianieniats. aiiiudinais e constitucionais. Em essência, entendemos por democracia consolidada uma situação política o nde, numa frase, a democracia passou a ser ’o único püm disponível na sociedade".'4 Em termos com porta men ta is. a .democracia começa a ser o único-jogo dispom^eljiiL sociedade quando nenhunt grupir políücü dejtcsu-iaz tentativas serias deiíemihm_üxeglm^ crátteo. ou progoi a secessão do l otado. Quando uma tal situação se estabelece, o ci níipoftamen:: do m o o g' oCna>, eleito em icsulíado da Uansiçao democráti ca, deixa de sei dominado pelo problema de como evitar o colapso da democra cia. Em termos de atitudes, a democracia torna-se o único jogo disponível na sociedade quando, mesmo em meio a graves crises pontuais e economicns, a maioria esniumad- ingdajjopulnçãn eunbnua- aer-editandu qUC.qtLãiquccu.iudançç política adicional devaemeum do. bojo dos parâmetros das fórmulas democráti cas Em termos . 'institucionais. a democracia se torna o ún.icpjogo disponível na M jl Kaiaos ■ qiui; 'ão toi.Ii o u-; eti u c.s da cuii um oladi.' pe 1 \ t ;ca habiluunr se ai ' lato de qtte todi - o- ■ enfirloc poié. a. o' serão resolvidos de aeoido com s.s normas «„» »a«. . «w"“®JSSSE bS »* » “m seguinte: í lim reeime democrático, em um termo- / m édia-dacriação de um regime não-democráüco, lan^iidOuiõ deJ violência ou de intervenção estrangeira, visando a secessão do^stadO. / . Em termos de atitudes, um regime democrático está consolidado quan- \ do uioa^gnuid^iuaiQna .da opinião pública mantém a crença .de..que ..os. \ procedimentos e as instituições democráticas são a forma mais ade- \ quadapara o governo da vida coletiva cm uma sociedade como a deles. \ ~zex; uandop_apoio a alternativas contrárias ao sistema é bastante péqué- \ no, ou mais.ou menos isolado das forças pró-democráticas. » Em termos constitucionais, um regime democrático está consolidado quando tanto as íorças governamental'' quanto as não-governamentais, em todo o território do Estado, sujeitam-se e habituam-se à resolução y de .conflitos dentro de leis. procedimentos e instituições específicas. V . sancionadas pelo novo processo democrático, Duas advertências importantes. Primeiramente, quando dizemos que um regime é uma democracia consolidada, não afastamos a possibilidade de que. em algum tempo futuro, ele possa vír a entrar em colapso. Mas queremos -uílrnutr yue tal colapso não se relacionaria a fraquezas ou a problemas espeeí- _ÜCOS iiO_p£Qcesso histórico da consolidação democrática em si. mas a uma nova dinâmica na qual o regime democi ático se ja incapaz de resolver um con junto de problemas, a alternativa nao-dem ocraticun he apoio significativo e aqueles que eram leais ao antigo regime democrático comecem a se comportar de maneira constitucionaimenie desleal ou senu-ieal.'1 Nossa segunda advertência é que. obviameníe. não queremos sugerir que haja apenas um tipo de democracia consolidada. Uma nova e interessantíssi ma área de pesquisa trata, preci.saniente. da diversidade tias democracias con solidadas. Tampouco queremos sugerir que as democracias consolidadas não poderiam continuar a aperfeiçoar sua qualidade. c]c\,usüo o patamar econômi co mínimo no qual se encontram todos os seus cidadãos, e aprofundando a * TRANS,ÇÃOBCONSOUOAÇÀoa,«MOrRAC,A 25 A D E M O C R A C IA C S feUS C A M P cpmo aperfeiçoar 5 ^ i ,i ^ 4 ~ ~ S ê ê 5 5 6 5 f a seja 9® ® °-01113 vf quf da construção de UM fa O C Íffil CüffiOlluffi l i ) M r a Compreendidas. Lamentavelmente, uma parcela demasiadamente grande da discussão populdí e ideológica sobre a pKSCntt W & f o m o t i a f r t dom inada pelo eleitoralismo, per se, dou pelo suposto potencial democratizante cios meca nismos de mercado, de per se. Mas a consolidação democrática requer muito mais do que eleições e mercados. " ■— - - Os cinco campos de uma democracia consolidada Acreditamos que as democracias consolidadas têm, necessariamente, que ter estabelecido cinco campos em interação, para que tal consolidação possa existir. Há ainda um outro fator. A democracia é uma forma de governo do hstado. Nenhuma comunidade política, portanto, pode tornar-se democraticamente consolidada a não sêrqoe cia sela, antes. dO-Taaixmnda.-iim I^ ta d o rDêsse modo, a inexistência de um Hstado, ou uma falta de identificação tão intensa com ele, a ponto de grandes grupos de indivíduos habitando aquele território pretenderem juntar-se a um outro, ou criar um hstado independente, gera problemas fundamentais e mui tas vezes insolúveis. Uma vez que esses problemas de “estatalidade” são tão básicos, e têm sido objeto de tão poucas análises, dedicaremos o próximo capítulo ao exame desse tópico, hm termos de argumentação, contudo, neste ponto, basta dizer que, sem a existência de um hstado não pode haver um regime democrático moderno consolidado. be existe uní TÜstado que funciona, cinco outras condições interrelaciona- das. e que se reforçam mutuamente, devem também existir, ou.serem criadas, para que uma democracia venha a se consolidar. Primeiramente. deve haver condições para.o desenvolvimento de lima sociedade civil livre e ativa hm segundo lugar, deve haver uma sociedade política reiativ■amente autônoma e valorizada leiceuo. deve havei <> estudo de direito parà assêtmrar ;o eárautias 26 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA D LM OCR AC IA íegais relativas às liberdades dos cidadãos e à vida associativa independente. Quarto, deve existir uma burocracia estatal que possa ser utilizada pelo novo governo democrático. E por último.*" deve haver uma sociedade econômica institucionalizada. Expliquemos agora, o que está em questãíTnã'construção desse conjunto de campos inter-relacionados. Por sociedade civiL queremos dizer o campo da comunidade política na qual grupos, movimentos e indivíduos. nnin-oi-gfmizndns e relativamente inde- pendentes do_Estado tentam articular valores, criar associações e entidades de auAflie-ffróteo^jjelendèr sentrinteressesãTÃliocíériariê'civil pode incluir unia grande diversidade de movimentos sociais (grupos de mulheres, associações de vizinhança, grupos religiosos-e-organizaçoes intelectuais) e de associações cívi cas provenientes de todas as camadas sociais (como sindicatos de trabalhadores, grupos empresariais, jornalistas ou advogados). A idéia de sociedade civil como uma aspiração normativa e um estilo de organização teve grande capacidade de mobilizar a oposição aos regimes burocrálíeo-autontános liderados pelos mi li tares na América do Sul, de forma mais patente no Brasil, e toi de importância crucial no Leste europeu, como veículo para afirmar a autonomia daqueles que desejavam agir "como sc fossem livres", em especial na Polônia. Além de toda uma gama de organizações, tais como sindicato:-, Ueçai.. ou para-legais. comunidades religiosas, ordens de advogados; associações estudantis e docentes, que constituem a complexa Irama da sociedade-civil, não devemos nos esquecer de uma outra parle da sociedade: os cidadãos comuns, que não pertencem a qualquer organização. Esses cidadãos são. muitas' vezes, de importância crítica na alteração do equilíbrio regime/opo siçãq, porque eles vão às ruas ém passeatas de protesto, ridicularizam-a m 1 líclae as autoridades, manifestam sua discotdãncia. pnincn a mente a medidas específicas, para em seguida dar apoio a reiviiulu ações mais amplas e, por fim. acabam por desafiar o regime Em geri! ds. miei* ■ A; s são num;” -. a mente inexpressivos, mas tornam sc mais rmmeiosos c podem chegai a me-. síonar <>s representantes do regime, foiçando os a coir-.iderar a alternai r. a de uma liberalização crescente e. por fim. de urna mudança de regime. Poi man- importantes, numeio.sos e heróicos que selam esM-s g ru p o s jelamam,-i:U- não-organizados. não seriam capazes de derrubar o regime e de criar um regime democrático, não fosse pelos processos que localizamos neste h\;o. O fato de que nenhum dos icgirnes incluídos em nosso h\ro. duiam. u.- períodos de transição analisados, estivesse disposto a usar maciçameme a torça, dai ordem de atirar nas massa-., provocando assim um massa*, iv. c* -ms ■ acnnteicu na Praça de íàananmeti. em Pequim, levon-nos a dar relaie. amen ■ A DEMOCRACIA D SFUS CAMPOS 27 £e pouca atenção à possibilidade de esses regimes não-dcmocráticos serem mantidos pela força. Há indícios de que alguns dos líderes chegaram a con siderar essa possibilidade. Por vezes, eles colocaram suas forças de seguran ça em estado de prontidão (por exemplo, em Berlim, no dia seguinte à demolição do Muro). Hssa repressão, entretanto, acabou por não acontecer. O custo de uma repressão cm tal escala era demasiado alto, e a crença na legitimidade de uma tal reação, demasiado frágil. Os regimes não-democrá- licos, ao menos no Sul da Europa. no Cone Sul da América do Sul e em grande parte da Kuropa Comunista não desfrutavam de uma tal legitimidade, e muitas pessoas comuns e não pertencentes a organizações da sociedade civil muitas vezes chegaram a essa conclusão, praticamente antes dos pró prios governantes, isso se deu de forma mais contundente em partes da Eu ropa Comunista, como na Alemanha Oriental e na Tchecosiováquia. Por $üçicdaàe'poh 'tica cm um contexto cm vias de democratização quere mos dizer o campo m> qual a comunidade políticase organiza de forma espe cífica, visando reivindicar o diieiio legítimo de exercer controle sobre o poder público e o aparato estatal Na melhor das hipóteses, a sociedade civil pode destruir um regime níio-demoeráiivo.lhna transição democrática plena, no entanto, e principaimente a consolidação da democracia, têm de contar com a sociedade política. A óothp. .cu. ndt à. consolidação de uma comunidade polui ca democrática requu grau s reflexões e ação decidida com relação ao desen- volvinieniode uma apreciação no; mativamenie positivadas instituições centrais de uma sociedade política democrática - os partidos políticos, as eleições, as regras eleitorais, a liderança política, as alianças interpartidárias e as legislaturas pelas quais as sociedade', se constituem politicamente para escolher e monitorar o governo demo. rance f’ Para a teoria democnuiea moderna, em especial no tocante às questões sobre corno consolidar a democracia. c importante ressaltar não apenas as di- tejrença.s entre sociedade c;vh c ■ ■ .ovicdade política. mas_também sua complc; meniarnliule i ssa o ■ i11j>7..' ucnta; idaJv ucin sempre e reconhecida C uniu documentamos ao longo de mão este livro, uma dessas duas dimensões costu ma ser negligenciada em lavo; da ‘c h iu . H o que é pior, na comunidade demo crática, os deiensores. da socieiiaüe civil ou da sociedade política costumam .adotar um disçursrreáTrnTãuín.TnTniic práticas que são implicitamente contrá rios ao desenvolvimento nonrial dá outra, ( 'a m o essa oposição raramente é explícita, permitam-nos disLimr as formas que essa oposição implícita pode assumir, e o i orno c ,■ piaquí de.-.e discuiso e dessa prática prejudicam a consolidação . c iu o n atíca 8 civil versus Estado” . Essa dicotorma, e claro, tem uma longa genealogia filo ' s ^ i r fío q u ^ e n ^ is importante para nossos propósitos, essa tradição filoso- fica foi politicamente útil para os nmvhpemmdeniocráticos que surgiramjim^ contextos recentes, em que as organizações explicitamente políticas eram oû pTolHd^líü exirenTanrente fracas. A ldeia de uma sociedade civil opondo-se ao^HadÕTorpoliticamentedutn também quando a oposição tentava isolar o regime não-democrático e seu Estado, com a criação de uma ética política de "nós” versus “eles” . A sociedade civil, em muitos países, foi corretamênte considerada como a estrela da resistência e da transição democrática. Os problemas começam no momento da transição democrática. É comum os líderes democráticos da sociedade política afirmarem que a sociedade civil, tendo desempenhado seu papel histórico, deveria ser desmobilizada, de modo a permitir o desenvolvimento de uma política democrática normal.1' Um tal argu mento é má teoria democrática e má política democrática. Uma sociedade civil robusta, com a capacidade de gerar alternativas políticas e de monitorar o gover no e o Estado, pode ajudar a dar início à transição, a oferecer resistência a retro cessos, a forçar a transição até seu termo, e a consolidar e aprofundar a democracia. J im todos D-S-fislágios do processo de democratização, portanto, uma sociedade civil atíya p independente é de valor incalculável. Mas devemos também examinar como reconhecer, em termos concei tuais, e assim poder superá-las, as falsas contradições criadas por alinins entre sociedade civil e sociedade polííTcã. (TpérTgãTque os grupos democrá ticos antes situados na socíedadêcivil põüeriam representar para o desenvol vimento de uma sociedade política consiste em que as preferências normativas e estilos de organização períeitamente apropriados a sociedade civil pode ríam vir a ser considerados desejáveis ou. até mesmo. o único estilo legítimo de organização da sociedade política. Por exemplo, muitos lideres da socie dade civil vèem com antipatia moral o "conflito interno” e a "divisão” no interior das 1orças democráticas. A rotina institucional,-os intermediários e os acr)rfos_poEticos„ini!Íias.v.ezes são mencionados de forma pejorativa:'1 Cada um dos_formos acjma. porém, refere-se a uma prática indispensável da sociedade política cnLumariáêmocracia consolidada. A consolidação da de mocracia requer partidos, e uma dentre as tareias primordiais desses parti dos é precisamente agregar e representai as diierenças entre os democratas. A consolidação exige queseja desenvolvido o hábim ás normas e procedimen tos da regulação democrática do conflito. Um alto grau ifr rotina institucional A T R A N S ,Ç Ã ü E C O N S O U O A Ç Ã O a ,D B M O C RAa A 29 A democracia D SEUS CAMPOS mente tarefas legítimas e necessárias de uma sociedade poIlTícaTEm suma, a sociedade poMcàTuformadãrprêTsKM pela ^dciõdSdéímfdeve, de algUínanTanelra, a i i n g í r u m̂ acorÃtô VT̂ _ miriade de modos pelos_quaiso poder democrático vira a ser construícíõ ̂ exercido. Para que se alcance uma democracia consolidada, o grau necessário de autonomia e independência das .sociedades civil e golítica deverá também ser . .^&mba.sado_no estado de direito, nosso terceiro campo, e por ele apoiado. Todos os atores de importânciajdgnificativa — em especial o governo democrático e o'EstadtTT- devêm respeitar e defendeço esj adqjje. dire i U1. Para os tipos de sociedade civil e de sociedade política que acabamos de descrever, o estado de direito, corporificado em um espírito constitucionalista, é uma condição indis pensável. Um espírito constüucionalista requer mais do que o preceito do go verno da maioria, implicando um consenso relativamenie Jorte no que diz respeito à constituição e, em especial, ao com.pniuusso com procedimentos “de auto-limitação de governo", que exigem maiorias exêtrperonáís^ãra que mudanças sejam cíetuadasTElê requer também uma clara hierarquia das leis, interpretadas por um sistema judiciárioíTidependemc e apoiada por uma forte cultura legai na sociedade civil.10 ( . As'tres condiçôèíratima — urna^aciedade civil ativa c independente: uma so.çíejíüde política com auionotma~s iihc ientee consenso operacional quanto aos pnicbtifmenlos.de governo; c osTOnstitiicioniiÜMiuxjeo..i>.suido de direito — são. piaticamente, pré-requisitos por definição de uma democracia consolida- da. Pmietanto. é muito mais provável que essas condições sejam satisleitas se existir uma burocracia que possa ser utili/.ada pelos lideres democráticos e 11nK|_mKaedadc.econômica instiíuciona!izadu. A. democracia c uma lorma de governo da vula cm uma pólis. na qual os cidadaos possuem direitos que são assegurados e protegidos. A fim de prote ger os direitos de seus cjdadMsjcjj>r nece r os demais serviços básicos deman dados por eles. _um jgoverno democrático tem de ser capaz de exercer eíetivarnenie sua prerrogativa de inõmípdlío do uso legítimo da iorça naquele temióno Mesmo que o governtfnãíMn'ésSe outras funções que não essas, ele teria que impor tributos compulsórios para remunerar a policia, os juí/es e os serviços básicos. A democracia .moderna, pm tann ■, necessita da capacidade eletiva uc c<uuandar..iegülai: e cobrar. Para tal. precisa de um Fxtado opera-. ional e uma burocracia estatal vista como capaz de >cr uod.-md,; p„-;, mac. gwverno 30 A TRANSIÇÃO li CONSOLIDAÇÃO DA DKMOCRAC! A democrático. Como veremos no capítulo 2, há muitas razões para que, em muitos territórios do mundo, tal Estado não exista. Neste livro, a questão da desintegração estatal tem especial importância no tocante a partes da antiga União Soviética. Mas a insuficiência da capacidade tributária do Estado, ou uma presença fraca em termos normativos e burocráticos, em grande parte do territóTroTresh 1 tándcfêm que os cidadãos não possam efetivamente exígii que seusLdireitos .sejam respeitados, ou mesmo receber q u a isque rrEr c ii ós básicos adquiridos, é um problema dc grande dimensão cm muitos países da América Latina, como o Brasil. A questão dc a burocracia estatal sei' uiili/á\e! pelo novo regime democrático aparece também em países onde. ao deixar o poder, o sistema não-democráticoconcedeu estabilidade (como ocorreu no Chile) a muitos funcionários ocupando posições-chave na burocracia estatal, que de sempenhavam funções politicamente críticas na Justiça e na Educação (jucs toes importantes, relativas à possibilidade de a burocracia estatal ser ou não utilizável pelos novos democratas, fatalmente smgiiãoem casos (como na m a io r parte da Europa pós-comunista) em que a distinção entre n partido e o Estado fora virtuaímente obliterada e o partido veio a perder o poder, a desintegiar se ou a ser deslegitimado, AjUtima condição de apoio a u_nia clcmociacia ç oim ti Ij d a da jJiíicx pei (o ; i economia, ou melhor, a um campo que acteditamos deva '■<■< chaurado de so c íedadêETCüriúrTTrt r̂Uunpfeg a mt)s a expressão "sociedade econômica'' paia chamar a atençao para dois postulados que acreditamos serem corretos, tanto em termos teóricos quanto empíricos. Primeiro, jamais houve e não pode ha yen em tempos de paz, uma democracia consolidada em uma economia piam ficada. Segundo, nunca houve e quase certam enie.jam ais haverá uma democracia consolidada moderna em uma economia de mcieado pura Se íoi possível demonstrar que esses dois postulados são coiiciov podemos couchm que as democracias consolidadas modernas requerem um ■ .onjnnto de normas, instituições e regulamentações, construídas e ;u ou'.idas a, M íiki b o q obu ca. as quais denominamos sociedade eeonônm.a. ç t am,: :'.n;;o medmdoo' entre o Estado e o mercado. Em termos empíricos, nunca se chegou a aposentai pumas de que uma comunidade política que atendesse à nossa definição de democracia c .aisolu dada tenha jamais existido em uma economia centralizada. Mas a questão per manece. Haverá uma razão teórica para explicar esse resultado empírico universal? Acreditamos que sim. Em (ermos íeorn. ov nosso suposição é a de que pelo menos um giau significativo de .mt-, :: , do mercado e dc d:verc dr.de da propriedade, na economia, é necessário pm t j>r■ odr;ei; a independem, ta A DEMOCRACIA E SEUS CAMPOS 31 c a aljvidade da sociedade civil, de forma que esta possa dar sua contribuição à democ racia. Do m e s m (nhTToT^trt od a-a-p ropr-rettade es ti v er 'em 'mãos do Estado, e todas a^kçj^Qesrelativas ã preços, mão-de^Õbrã, oferta e distríBui- ção forem da alçada exclusiva cío Estado nô cdntrolecfã~e cõnofnIa planificada a relativa autonomia da sociedade política,'necessária à uma democracia con solidada, não poderia existir.11' " --------------- Mas por que os mercados completamente livres não podem coexistir com as democracias consolidadas modernas? Em termos empíricos, os estudos sé rios das comunidades políticas modernas constantemente verificam a existên cia de graus significativos de intervenção no mercado e de propriedade estatal, em intias_as ilcinoomeirp^unxulülaclas,|: Em termos teóricos, há pelo menos três razões para que isso aconteça. Em primeiro lugar, apesar das alegações neoliberais ideologicamente extremas, mas surpreendentemente difundidas e influentes, relativas à auto-suficiência do mercado, as economias de mercado puro não poderíam nem suigir nem se mantei sem algum grau de legulamcn lüçãu estatal. Os mercados exigem legislação empresarial, regulamentação das bolsas de valores, normalização de padrões de pesos, medidas e ingredientes, além da proteção da propriedade, tanto pública quanto privada. Todos esses fatores tornam necessária a participação do Estado na economia. Fm segundo, mesmo os melhotes meteados tem talhas que devem ser corrigidas paia qu< o mercado funcione bem .1' Ninguém menos que um defensor da "mão imt.si- v e f1 do mercado, como Adam Smith. reconheceu que o Estado c necessário para desempenhar uma série de funções. De fato. em uma passagem negligen ciada. porém importante de A R iqueza das N ações. Adam Smith eoníeriu ao Estado moderno toS tareias indispensáveis. Em primei]o legar, u devei de protegei a sociedade tia violènein e da inva são por outras sociedades independentes; em segundei, o dever de protegei, na medula dn envasei. IiaIüs os menifiias da sociedade da miusliça e da upiesvio pm paue J<r- deu-.es membros, ou o dever de criar a adimnistia- tção exala da jna j\a ; e, finai mente, o dever de erigu e manter de ten ninadas obras e liisliuneoes publicas as quais jamais um indivíduo ou um pequeno mimei o de indivíduos lera nueresse em criai e manta, porque o iucro ja mais recompensaria a despesa para um indivíduo ou pequeno número de indivíduos, emhou. Iicqüenleineníc, para uma grande sociedade, essas despesas --ejam mau do que L ompensadoras. ■ ‘ A terceua ra/aoqiu! a a í OlC U eimacuio mercado nasócm.oç.uitqas^unsvh- iladms, e que a dei:e s.iacm im plica a i i wc discussão pública relativa priuiidu- A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA des e políticas g o v e n ^ m ^ ? .-. ?e uma democracia jamais produzisse|ohULc\s a u ê l e i ^ b c n s públicos administrados pelo_govemo nas areasda educaçao, saúde e transppxte3jilguma rede de segurança para ós seus cidadãos que foram prljodicadoTpcfasrgrandes-oscUações do mercado, ejtfgum alívio paia-asçfon- mas mais grosseiras de desigualdade, a democracia não seria sustentável.15 Teo- ricarnênteTedã antidemocrático retirar essas políticas públicas da agenda do debate público legítimo. Desse modo, mesmo no caso hipotético extremo de uma democracia que tenha começado com uma economia de mercado pura, o próprio funcionamento de uma democracia moderna (é de uma economia capi talista avançada moderna) levaria à transformação daquela economia em uma economia mista, ou o conjunto de normas, regulamentações, políticas e institui ções a que denominamos de sociedade econômica.56 Qualquer que seja a forma pela qual analisemos o problema, a opmplida-. çÚQ^lemoaá^ aJnstilucküHillxação de um mercado social e política- mente, regulado. Para isso, é necessária uma sociedade ecõnôimcã^ jrezjre.quer.inn. Estado^eficaz. Mesmo unT~:rige riHMTbêrãl~junntí> o dc restringir a abrangência da propriedade pública (privatização) de forma ordeira e legal é, quase que certamente, posto em prática de forma mais eficaz por um governo mais forte (no sentido de capacidade) que por um governo mais fraco. Um grave colapso tios atuais níveis da economia, em razão da incapacidade do Estado de exercer qüãrqüer tipo iltMúnçã» regalãtiõflLlÃmtribui enrnnuittTpãra os problemas.das reformas econômicas c da democratização?7 Em suma, uma democracia consolidada moderna "poiKrser concebida como sendo composta de cinco grandes campos inierreiacionados^que. parti funcionar de maneira adequada, cada um dos quais tem seu próprio princípio organizador. Entendida de maneira correta, a democracia é mais que um regime; ela é um siste ma de interaçbes. Nenhum dos campos, por si só, num tal sistema, pode funcionar uJequndaménte sem algum apoio de outro. ou. na maíoi parte dos casos, dc todos os outros campos. For exemplo, a sociedade civ il, em uma democracia, necessita d<) apoio cie um esU^deriirciú > que garanta o direito de assoeia’yfí<Té’necessita do apoio cie unTapãniío estatal que impunha, de forma eficaz, sançõçsleganraqtieles que tentem usar de meios ilegais para impedir que os grupos exerçam seu direito democrático de se organizar. Além ’do mais. cndáX'íuúpd)rikrsrNremTS'dcmc>erático pnxluz eleitos sobre os outros campos. Por exemplo, a sociedade política constrói a Constituição e as leis maiores, administra o apaiato e,st ata! e pnxluz o arcabouço regulador geral para a sociedade econômica. Em uma dem<'cracia çonsijlidada. portanto, há mediações constantes emie os campos, cada.uni dos (j,yui>.c.Má, :!c .UKuiçmçc-pr^a.gio "campo" de forcas que emana dos demais (Tabela 1.1). A D E M O C R A C IA E S E U S C A M P O S 33 iá hc la i . I A ci nc o gr an de s c. m -.j vs d e ,:: iu d eu ,-.- .;r á,; u cu n. v.i iid ad s m od cn ot p rin ci pi as m te r-r da ci oi ui do s c ca m po s m ed ia do re s Ca m po Pr in cíp io org an iza do r p rim or di al Ap oio n ec es sá rio d e o ut ro s c am po s Pr in cip al m ed iaç ão so br e o ut ro s c am po s So ctc -ia dc -.i ’.'.! Li be rd ad e d e a s> oc .av ;o c . • mu m. aç. V. - l-A ud -.: ue d irc .to q :;e e >U be kv g ara nti as le ga is. Os in ter es se s e os va lor es d a s oc ied ad e c iv il sã o Ap ar at o es ta ta l p ar a up lm .ir , p el a to rç a d«s i ci , o s os p rin ci pa is g er ad or es d a so ci ed ad e po lít ic a, di re ito s cia s oc ied ad e ci \ i l. ca so s ej au vv io la do s, S o- A so ci ed ad e ci vi l g er a id éi as e a ju da a m o n it o ra r •-' .ed ad e e co nô m ic a su iic ie nt em cm e pl ur al is ta p ar a o ap ar at o es ta ta l e a s oc ie da de e co nô m ic a, as se gu ra r o g ra u ne ce ss ár io d e au to no m ia e a tiv i da de ci a s oc ie da de c iv il V i t i-d ad e r ô ;: a.i Co m pe tiç ão e ie ito ra l I n re e in cl us o. i 'P re ci sa d e le gi tim id ad e ao s ol ho s da s oc ie da de . El ab or a a Co ns tit ui çã o e as le is m ai or es . Pr ec isa d e g ara nti as leg ais a nc ora da s n o e sta do d e Ad mi nis tra o ap ara to es tat al, dir eit o c m an tid as po r u m ap ara to est ata l i mp arc ial . Pr od uz o arc ab ou ço re gu lad or ge ra l p ar a a so ci e da de ec on ôm ica , i . .. :d o de d ire it' Co n. m tu ci on ah .M ni .' Um a cu ltu ra le ga i c om fo rte s ra íze s na s oc ie da de Es ta be le ce a fi te i a rq ui a da s no rm as q ue to rn a le - civ il e re sp eit ad a p ela so cie da de po lít ica ep eio ap a- gít im as e pr ev isí ve is as aç õe s p or p ar te do s o u — rat o e sta tal tro s c am po s, e a s q ue so br e e las in cid em . A; -.: ’.; !;; v ;; .i. :: \ ”f m nv b i;r <K 'r. if; ea .> ra em n. uv e le ga i-. Ap oi o no rm at iv o po r p ar te d a so ci ed ad e ci vi l p ar a Ap lic aç ão im pe ra tiv a so br e as s oc ie da de s ci vi l. um a au to rid ad e ra ci on al l ec ai e o m on op ól io d a po lít ic as e co nô m ic a, d as le is d em oc ra tic am en te :o r, i l eg iti m a qu e a ac om pa nh a. sa nc io na da s e do s pr oc ed im en to s es ta be le ci do s Ap oi o m on et ár io a rre ca da do p el a so ci ed ad e po lít i- pe la s oc ie da de p ol íti ca . ~,i e pr od uz id o e p re st ad o ao li st ad o po r u m a so ci e da de e fic ie nt e, c ap az d e pr od uz ir um s uf ic ie nt e Mi jre r.i v it tri bu tá ve l, v„ . . c. i.! ;U M er ca du in st itu ci iin al iz ad :'' Ar ca bo uç o le ga l e re gu la do r p ro du zi do p el a so ci e- Pr od uz o su pe rá vi t im iis pe ns á v e 1 p ar a pe rm iti r q ue :c Á ue p olí tic a, re sp eit ad o pe la so cie da de c ivi l e o E sta do ex erç a s ua s f un çõ es pa ra o b em co let iv o im ple me nta do pe lo ap are lho es tat al. e o fer ec e u ma b as e n mt en a! pa ra o p lu ra lis m o e au ton om ia da s s oc ied ad es ci vil e po lít ica . 2 “Estatalidade”, Nacionalismo e Democratização Neste capítulo, examinamos a questão da estatalidade, uma variável muito pouco teorizada, mas de importância tão crítica para a democracia, a ponto de exigir uma análise completa, antes que possamos prosseguir. Centraremos nos so foco na relação entre FNtado. nnçãnines) e democracia.1 Um estado democrá tico moderno base ia-se na participação dodemos ia população), e o nacionalismo jornece uma defum/ao possível deste, que |x>de ou não coincidir com o d a n o s do 1 Niado. Uai derivam alguns dos piobfcmas que iremos analisar. Ao pensar na tiansiçã* i para a democracia, muitos tendem a pressupor qtn. está se desafiando o regime nan demoeraiico. e que. com a democracia, um novo sistema legítimo será estabelecido (Amimlo. em muitos países, a crise do regime naodemoctático mescla-se também a profundas discordâncias quanto a quem deveria, na verdade, ta/ei paite da comunidade política, e quanto a qual d e m o s ou (.piais d c n w i Ipopulações) seriam mem bros dela. Quando há diseoi Jáncia profunda quanto as lio iilenas lei m unais do estado da comunidade poli! tea. bem como (''rotunda dis<. i adam ia quanto a quem tem < t tf i rei to a cidada nia daquele estado, ham-no * ijue denominamos de um problema de "estatalidade”. f K p que aspirem a r dei a. m ,u. i:ts rn-- >dc' na-, pi >dem aj ae.--.mtaE mie usas \ aiiav. oes no que diz lespcih » a essa variável. indo desde comunidades políticas que nao apiesentam quaiqnei problema de c-statainlade ale aquelas nas quais a democracia ser;i invuivel ate que o problema da estabilidade seja -solucionado. I)-, ptimeitos trabalhos .sobre as paiisíçoe.s democráticas, ho|c clássi cos. não dedicaram muita reflexão ou atenção aos problemas da "estatalidade”, uma ve/ que grande paite dessa iiteiatura enfocava as transições do Sul da fòn opa e da Am ém a I suma. oi; Je. de maneira geral, o pn ildeina de naciona lidades mais dentro de um únii o errado ler riíoi i:d. ou a questão de (.piem era cidad.io da nova comunidade política nao íoiam lopicos impo; tantos.' Mcs mo o.-. na. amalisim;-' upu.m. lono-tas 1 visco c eaíaiá' >. na hspanhu. mai cht.-ga tam a ser tratados nu fio.iatura tcoruni. uma se ; que a ■e—doo-nad;' da A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA.16 estatalidade espanhola foi resolvida com razoável sucesso. O que segue re presenta nossos esforços no sentido de incorporar à teoria da transição e da consolidação democráticas uma abordagem sistemática para estatalidade. Daremos início a nossa tarefa explorando três questões diferentes. Por que a existência de um Estado soberano é um pré-requisito para uma democracia moderna? Por que a construção de um Estado e a construção de uma nação são processos distintos, tanto em termos conceituais quanto cm termos his tóricos? E, o que é mais importante, em que circunstâncias as nações-esta- dos e ã democracia representam lógicas complementares ou contraditórias, e o que pode ser feito para construir a democracia, no caso de elas serem lógi cas contraditórias? Um Estado soberano como pré-requisito para a democracia A democracia é uma forma de governo do Estado moderno. Desse modo, sem um Estado, a democracia moderna não é possível.J Essas afirmativas sus tentam-se tanto em termos teóricos quanto empíricos. Examinemos algumas das definições básicas, para ver por que isso é assim. Max Weber oferece uma discussão clássica e de grande clareza sobre os atributos do Estado nas socie dades modernas. As características formais primárias tio Estado moderno são as seguintes: ele possui uma ordem administrativa e jurídica sujeita a mudanças por meio da legislação, para a qual dirigem se as atividades conjuntas organizadas do pessoal administrativo, o qual também é regido por legislação. Esse sistema de ordem é fonte de direito, não apenas no que di/ tespeito aos seus mem bros, os cidadãos, a maioria dos quais obteve essa condição pelo nascimen to. mas também, em grande medula, quanto a todas as ações tendo lugar na áiea de sua jurisdição. E. potunio. uma associação compulsória com uma base teimosia!. Além do mais. nos dias de hoje. o uso da força é visto como legítimo quando ele é ou permitido pelo Estado ou prescrito por de [...] Sua prerrogalb a quanto ao monopólio tio uso tia Inrça c lhe tão essencial quanto seu caráter tle jurisdição compulsória ede organização contínua.'1 Charles Tilly propõe uma formulação mais recente, que também chama a atenção para a capacidade do Estado de controlar a população no território. Earu Tilly. ‘'uma organização que controla a população que ocupa um determi nado território é um Estado, na medida em que. 1 t cia se diferencie de outras ' ‘ESTATAL]DADE”, NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO 37 organizações que operem naquele território; 2) eia seja autônoma e 3) suas divisões sejam formalrnenie coordenadas entre si” .5 A não ser que uma organização com esses atributos exista em um territó rio, um governo (mesmo se “democraticamente eleito”) não pode exercer de fato sua prerrogativa de monopólio do uso legítimo da força naquele território, não pode arrecadar tributos (e assim fornecer serviços públicos) e não pode implementar um sistema judiciário. Com o ficou claro em nossa discussão dos cinco campos tia democracia, sem essas competências não pode haver gover no democrático. Em termos lógicos e empíricos, portanto, o argumento con duz à mesma conclusão, a de que a ausência de uma organização com os atributos de um Estado moderno (como na Somália, em 1992-94) impossibili ta o governo democrático sobre o território do Estado como um todo, embora talvez não impossibilite áreas de autoridade política segmentada. Caso se aceite a afirmativa de Weber — de que uma organização, antes de tornar-se um Estado, tem de ser fonte de direito eficaz cm um território e o pré-requisito de Tilly —- de que um Estado seja “autônomo” — , deve ficar claro, também, que esses fatures podem representai limitações graves (c, a nosso ver, insuperáveis) pavu w democracia, a não ser que a entidade territorial seja reconhecida como um Estado soberano. Iremos desenvolver esse argu mento através de um desvio que nos levará a Hong-Kong. O acordo básico entre o Reino 1 ’nido e a República Popular da China (RPC), dc 1984, confere prerrogativas constitucionais fundamentais a esta última. Até que a China ve nha a se tornar uma democracia, ou a conceder independência a ! long-Kong. Hong-Kong não poderá se tornar uma democracia, apesar da crescente ampli tude e força de vais movimentos democráticos. A formulação inicial, que data dc 1984, de “ Cm País Dois Sistemas", bem como o aeordu prometendo a manutenção dos atuais sistemas jurídico, econômico, social e poiífieo de Hong-Kong por cinquenta anos. a contar de 1° de julho de P-1' 1 dusiiain bastante hem as limitações da democratização sem a condição de Estado. Se substituirmos a expressão “ um pais" por “ um Esta do". ficará claro que a deemáo quanto a que tipo Je sistema político virá a prevalecer esta. em ultima análise, nas mãos daquele Estado. A República Popular, por razões suas. em especial seus planos pat a a reunificação de Macau e. acima dc tudo. de faiwan com a RPC, talvez se dCpuníta a conceder um maior ou menor grau de autonomia e de uiUoguverno à recuso administrativa especta! de Hong Kong. Mas essa decisão, em última análise. estaca rias mãos do gouvno chaiêv Apenas a-, instituições gaiantidas pelo aeordu entre o Rei no Unido e a China teriam alguma possibilidade de o s ruAMfidas: como parte A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA3 Si de um tratado internacional, e é por essa razão que o governo de Pequim vem consistentemente rejeitando, para Hong-Kong. quaisquer reíormas institucionais que pudessem sequer se assemelhar a algo a que chamaríamos de democracia política.6 O caso de Hong-Kong ilustra um problema não discutido na literatura sobre democratização. Sersa possível criar c manter em funcionamento um su bs is tema político democrático dentro de um Rs t ado não* democrático? Pode um subsistema político democrático existir dentro da estrutura geral de um Estado totalitário ou pós-lotalitário? Em termos políticos, provavelmente não, em virtude do exemplo que seria assim dado aos cidadãos da unidade maior, ao verem uma região desfrutando de liberdades às quais eles nao teriam aces so. Uma tal discrepância vi ri a a gerar, no Estado soberano, a persistente tenta ção de subverter aquelas instituições democráticas. Mas há uma dificuldade constitucional que e ainda mais grave, e que implica princípios. O R.stado to ia ainda o direito de modificar a condição política de qualquer uma de siras um dades componente';. E certo que fazê-lo podería getar um sério coulhio polui co, e um cálculo preconizado por Robcií A. Dahl d o u isío da iiptessuo. comparado ao custo da tolerância, poder ia inclinar o lotado s< ibe.vanu a loíeiar as instituições democráticas cm paite dn país. Mesmo a ■ •sim. a dehmit.c m- das areas de decisão reservadas ao que poderiamos chamai de nina Mibunidade federativa e das muras áreas de decisão reservadas ao poxcnm central nuo democrático, deixaria decisões importantes toíalmeníe fora do controle demo crático. Em qualquer Estado federativo dcmocríiiicm os ciJadaos de-uma subunidade, é claro, tèm sua cota de participação no processo dceí-.ono ccii trai. por meio da p.uticipaçào democrática nos orgàos tcpicscni.;';-.os fede rais. Mas em um sistema que e não democrát i c i i m m ilo . ele. n.>o Ictmm essa cota, e o sistema nao democrático tmnaiáa as do. a s o o de i.imor p< -.<> 1 V ntods >, um.! unidade !a! como 1 foug Kon g nao m ■ o S-- o. - hum ■ dois cnienos que Uahl xr m im necessários pai a uma tr< !emcao r o o ■ erntic.r sua exigência de que. "cm um sistema k-dctal. tuna man ata tio. n mm não pim - prevalecer sobre ama mim a ia que se constitui cm uma m aiaiu. eiu uma d.o unidades locais i onstituciotialmente pm ilegmdas" tem razão de i h og-Kong não ter status prr degiado cmistitucionalincnte assegurado j. ou mui exigência de que todas as unidades da federação sejam democmticas c. portanto. de que todos o,s diseiíos | oíilicos dos cidadãos individuais sejam iesjvil.nios ídri um sistema nao democrático, como o domínio Colonial da i da- Bretanha sobre a índia, pode haver progressos democmti-ó>s de esiu/ma iu1 p» maneia, e algum-: L ij ma de poiler partilhado e de o >um:í:.i jo;11; e ati\ .o- e ESTATAL! D ADE". NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO 39 representantes democraticamente eíeitos, mas um tal sistema, segundo nossa definição de democracia política, não podería ter sido uma democracia, tendo em vista os poderes privativos detidos pelo parlamento inglês, antes de o Rei no Unido reconhecer a independência da índia. A democracia exige a condi ção de Hstado. Sem um Estado soberano, não pode haver democracia segura.8 Estados e construção de estados, nações e construção de nações A o se estabelecer que o Estado moderno é indispensável para a democra cia. em seguida examinaremos porque a construção de estados \s ta te bu ih ling] e a construção de nações \n a iio n bn ih im g] são dois conceitos superpostos, embora constituam, em termos conceituais e históricos, em processos distin tos. Na medida em que a construção do listado e a construção da nação não são processos rigidamente superpostos e geral mente inseparáveis —- e demonstra mos que, muitas ve/es, não o são - a interação desses dois processos pode gerar problemas tanto para a estatalidude quanto para a democratização. A c■ onstiução do Estado acelerou-se com a crise do feudalismo e com o desejo o! vimento da Renascença e da Reforma". sendo o resultado da crise ilo Impeiiu Cristão e das nvalidades entre as monarquias emergentes da Eu rojia Ocidental e, mais tarde, do Norte da Europa. 0 Estado, como observou o grande historiador Bmddiardt, loi unia “obra de arte” e, desde seu come ço. leve urna qualidade ai o fic ia l.111 Nao ê por acidente que. ao descrever esse pioce^-o. imagens arquitetônicas foram invocarias. O processo de constru ção do I >tad<> não ie\e a ioimtaçáo de um cicsiim ento iagânico. que viría a prewilciei nas discussões posteriores sobre o nacionalismo. O Estado não rMavu a-. ■ ■ 'mudo à i f i.. de ualiue.-a. de nascimento oigàmco. mas a idéias de eugenia i e aite () p ii’iessi>tle construção do listado prolongou-se por vários séculos, antes que a idéia de nueao e. em especial, de "lêsuiclo nação” incendiasse a ituagmacao r i o s inteíeetuais e t i o povo. De fato. esse processo contribuiu de forma decisiva para a lenta redução rias centenas de entidades políticas exis tentes cm EH>() no mapa histórico da Europa, para cerca de apenas 25. por volta de jouO !1 Ate a Revolução Erancesa. o apoio prestado pela Republica Erauvem a independênv!:! republicana em sua p-Tilcria e. m,:;- ‘.arde, o apoít' liado poi Napoieão a .lEmns movimentos nar toiiaüsias. bem iom o a leaeão itacii audis' ■[ ao domn ia. ■ <upo!eomro. o pn n r - s > de consii uça<1 d< ■ I rstadi > pios- 40 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA seguiu sem estar fundamentado em qualquer sentimento, identidade ou cons ciência nacional.12 Os estados, tais como surgiram após o século XV, não exi giam a identificação intensa de seus súditos com fronteiras territoriais, história, cultura ou idioma. Na verdade, esperava-se, frequentemente, que a identifica ção e a lealdade para com o estado fossem tra n s feríre is meramente cm virtude de casamentos dinásticos. Ou seja, a lealdade pertencia à dinastia, não à nação (que, em muitos casos, não havia ainda sido “ inventada” ). Entretanto, resta pouca dúvida de que a identificação dos súditos com o Estado, ou a lealdade para com um rei comum aos povos vivendo nas diferen tes unidades que formavam as monarquias modernas, foi acompanhada por um sentimento protonacional.13 Mais cedo ou mais tarde, em muitos dos paí ses, o Estado veio a gerar um processo e s ta ta l de co n s tru çã o da n a çã o c, por fun, com a democratização, um processo de construção da nação. O que nos conduz aos difíceis termos de nação e Estado-nnção.14 Para Weber, o conceito de nação pertence n esfera dos valores; ele ‘‘signi fica, acima de tudo, que é correto esperar de determinados grupos um senti mento específico de solidariedade perante outros grupos".1'1 Com o Weber observa também, não há consenso de como esses grupos deve riam ser delimi tados. ou de que ação conjunta deveria resultar de uma tal solidariedade. Na linguagem comum, uma nação não é necessariamente idêntica ao povo do Estado, ou seja, ã participação cm uma determinada comunidade política. O que não significa que essa identidade não possa existir, apenas que ela não tem de existir necessariamente. A situação anterior à recente unificação alemã ilustra a diferença de forma bastante cima. Havia dois estados, embora houvesse uma temndicação compartilhada poi muitos, c fmalmeiue expressa nu colapso da República Democrática Alemã e na expressão Há/' s in d cin Volk, de que havia uma nação alemã dividida em dois estados.,f> Examinemos agora algumas da.s diferenças mais significativas enire os estados e as nações. Uma nação mio tem dirigentes, não há papéis definidos elo liderança, embora haja indivíduos que aluem na qualidade de portadores, no sentido weberiano de T razer, do sentimento nacional, em movimentos ou em organizações nacionalistas. As regras quanto ã condição de pertencer a uma nação não são claras, e tampouco há direitos e deveres definidos, cujo cumpri mento possa ser exigido de forma legítima (embora os nacionalistas, frequen temente. tentem impor comportamentos aqueles que se identificam com a nação ou que. no seu entender, deveríam com ela se identificar). No entanto, sem o controle do Estado, esses comportamentos desejáveis não podem ser exiuidos de maneira legai ou sequer legítima. Uma nação, c os I úleres nacionalistas que “ESTATALÍDADE”, NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO 41 falam cm seu nome, não possuem os recursos, tais como poder de coerção ou de tributação, para exigir obediência; apenas um Estado pode fornecer esses recurso;; para alcançar, de forma compulsória, os objetivos nacionais. À nação como tal, portanto, não tem características organizacionais com paráveis às do Estado. Ela não possui autonomia, agentes, normas, mas apenas os recursos derivados da identificação psicológica do povo que a constitui. Enquanto um Estado pode existir com base na conformidade externa a suas normas, a nação exige alguma identificação interior. Benedict Anderson está certo. Sem “comunidades imaginadas” não há nações.’7 Pode-se argumentar, é claro, que uma nação que se cristalizou a partir de um movimento nacionalista, mesmo quando ela não controla um Estado, pode exercer poder, empregar violência ou extrair contribuições, sem ter ainda al cançado a condição de Estado. Mas, em um sistema mundial de estados, isso significa que esse movimento está se apossando de algumas das funções de um outro Estado, subvertendo sua ordem, de modo que, nesse processo, ele está entrando em colapso. Os nacionalistas podem criar exércitos privados para impor suas aspirações e desafiar a autoridade do Estado que, cm alguns casos, pode perder o controle sobre um território. Nesse caso. estaremos falan do ilo desenvolvimento de uma guerra civil, ou de uma luta de libertação nacio nal, que poderá, ao final, terminar na criação de um novo Estado. Datamos o surgimento do Estado moderno no século XV, ao passo que as idéias modernas de nação e o nacionalismo moderno não vieram a surgir se não em fins do século XVIII, e as nações-estados só se tornaram forças impor tantes na segunda metade do século X IX .'8 Embora as “ nações” , em termos históricos, tenham começado a surgir no século XIX. e em grande parte na segunda metade daquele século, apenas poucas delas servuam de base para processos de construção de estados. Entre estas, a Itália, / .lemanha. Grécia e. de íoiiiia beiu peculiar, a Hungria da monuiquia dual. A Bélgica e um caso partículannenic interessante: um Estado que conquistou sua independência da 1 lolamia em i NJO (mesmo possuindo características políticas pióprias desde o século X Ví) e que talvez, em algum momento, parecia voltar-se para um pro cesso de construção de um Estado-nação, porém, no século XX, pressionada pelo nacionalismo flamengo, veio a criar instituições e práticas políticas que fizeram dela um Estado democrático multinacional. O nacionalismo húngaro loi um rios nuns lortes do século XIX. mas a coroa de Santo Estêvão estendeu ma autoridade sobre um Estado multinacional. Os historiadores da Itália dis- coidain quanto a ale que ponto o Kisorgimvnto e a unificação [oram mais um piocessu de construção de um Estado, sob a liderança de Casour. do que de 42 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA construção de uma nação, sob a liderança de Mazzini e Garibakii.|lJ Já na A le manha, apesar de ter havido um forte movimento nacionalista por trás dò pro cesso de unificação, o Reích alemão foi mais um produto da construção de Hslado efetuada por Bismarck do que obra dos nacionalistas. Os tratados de paz posteriores à Primeira Guerra Mundial representaram um ponto alto na construção de nações, com a proclamação, por Wilson, do princípio de autodeterminação. Mas os novos estados que surgiram após 1918 não eram;de fato, íodoseles, nações-esíados. Na dchecoslováquía. os (checos e os eslovacos representavam 64.8% da população da nova república; os ale mães, 23,6%; os rutenos, 3,5%; os judeus, 1,4%; e “outros” . 6,7%. Na Polônia, os poloneses eram 69,2%; os ucranianos, 14,3%; os judeus, 7,8%; ns alemães, 3,9%; e os russos, 3,9%. Na Letônia, a “ nacionalidade titular” representava 73,4%; na Lituânia, 80,1% e, na Estônia, 87.6%. A desintegração de três im périos em uma série de novos estados, e a redefinição das fronteiras desses estados, não foram, de forma direta, resultado tios esforços dos movimentos pela construção de nações. L difícil afirmar que tis novos estados que surgiram dos tratados de paz de Paris, ou aqueles eti|Os territórios Unam ampliados, fossem, em sua maioria, nações-estados, uma vez que partes significativas de suas populações não pertenciam à nacionalidade dominante Isso fi<, a evidente ao listai mos alguns dessesestudos: Iugoslávia. Tchecoslov ãqma. Polônia, a Romênia ampliada, Lituânia e Letônia As “ nações” fon populações) dominantes naqueles estados, ou seja. os sérvios. tehecos. poloneses, tiíuanos e letòes podiam se sentir "libeculos". mas não os outros povos sujeitos a eles. easo estes tivessem, ou viessem mais tarde a de mu volver uma conseiéncia de nacionalidade separada, a r i o os croatas e eslov enos Ja Iugoslávia. i»s alemães sitdetos da Tcheeoslnvaqma, os alemães e uaaníanos da Polônia, ou mesmo as diferentes nunorias dos países balimos. O gi aude lespeito ou de i vpi ess ao ,-in rri.i*. a-- mim-ous variava nos diferentes e-tados. A idéia de. coados multinacionais foi às ve/es defendíila, emboi a raramente posta em prática, em viiuide do apel* > exeicido pela idéia da “ construção de nações” . Na verdade, a dificuldade enlrentada pelos novos estados foi a da construção bem-sucedida de mu Lstado. Poder se ia analisar, em termos históricos, como. em alguns casos, a prioridade conferida pelo Estado à construção da nação conti ibuiu para a inviabilidade tia democracia, a crise e. nas décadas subsequentes, para o fim Jo piopno Estado. Pos rito novos estaiiivs formados n.; Idiropu apos a Pnnmira Om-na Mundial, apenas três - I inlândia. ÍYhecoónvaquia e Irlanda eram de moenu ias e s t á v e i f ;n contraste, dos quino.- estad* rs mais amou . novper- “ESTATALIDADF.'\ NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO 43 maneceram como democracias estáveis. Nenhum dos estados sucessores dos impérios derrotados Otomano e Romanov, com a exceção da Finlândia, veio a tornar-se uma democracia estável.20 Hsse triste histórico do vínculo entre o surgimento de estados que preten diam construir nações e a democracia consolidada leva-nos ao que é um dos tópicos principais deste capítulo. Nenhum dos dois brilhantes livros de auto ria dos mais influentes estudiosos do nacionalismo moderno, Frnest Gellner e Benediel Anderson, centra suas atenções nos vínculcxs existentes entre na cionalismo, Hstado e democracia.21 O restante deste capítulo se voltará para essa questão. listados-nações t democratização: fatos inconvenientes Sob que condições empíricas os “estado.s-naçõe.s” e a ' ‘democratização" formam lógicas complementares'/ Sob que condições eles formam lógicas c o n íl ila u ic s . ' Caso eles lo im e m lógicas conflitantes, que tipos de práticas e de instituições taião a consolidação democrática mais ou menos prováselV Muitos pcnsjdmcN c militantes políticos tomam por certo que os estados webenanos. os esiudos nauoes c a demociacra participam, juntos, da mesma gra mática das comunidades políticas modernas, Fm um mundo onde a França. Ale manha. Portugal. C jtecia, Japao e Suécia são, todos, estados no sentido wc baiano, estados-nações e demoeraeias. tal suposição pode parecer justificada. No entanto, em muitos países que ainda nao são democracias consolidadas, as políticas de um Fstado naçuo muitas \e/e-- apresentam uma lógica diferente da de uma poliiim demociniica Poi políticas di um Fstado-nação, queremos dizer políticas nas qn.iis os líderes do Fstado adotam <> qur Rogeis Bmbaker chama de "políticas estalais naei'um!i/antes" • • •':•]: ■ /-maHat a homogeiu-idade cultmal. ( i'nsaonte o i m ■ eonscíeitlemente. o-, lulcu - emiam mensagens de que o Fstado de\e sd "da e [nua a ’ nação.”' Nu-, eonsíuugurs que escrevem e na política que prutreain. pot tanto, a língua dominante da naeão torna-se a fmiea língua oficial e. por vr/es. a Única imgua aeetía . al pai a o-, r n/gi >c ios do Fstado e para a ei luca-,ao publica < e ate mesmo privaria), a religião da nação é privilegiaria (mesmo que não seja declarada oficial). e os símbolos culturais da nação dominante são também pró ilvgiadi o em todos os símbolos n.u mu.a , riais como bandeira, hino nacional e ainda a habilita ção paia aleuns tipos de '-av^o mtluai) e em Iodos os meios dt: sociah/.açao controlados pelo b tado. íuo > omo tadio, rdcMsao c liuos -tc\iu\ esc -laies. .N> et (Jüiano. m i proccs-.i *dc -o -u-m us ai u!o f.stado. as políticas danoi ralisas s,u > iiquela'. <14 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA que dão ênfase a uma cidadania ampla e inclusiva, na qual são dados a todos os cidadãos direitos individuais iguais. Sob que condições empíricas são congruentes entre si a lógica das políti cas estatais visando a construção da nação e a lógica das políticas estatais visando a construção da democracia? Os conflitos entre essas diferentes polí ticas são minimizados quando, empiricamente. praticamente todos os habitan tes de um Estado identificam-se com uma idéia subjetiva da nação que é praticamente contígua ao Estado. Essas condições são preenchidas apenas se não houver quaisquer áreas irredentas importantes fora de suas fronteiras, se houver apenas uma nação (ou uma nação com consciência despertada) no Es tado, e se, dentro deste, houver baixa diversidade cultural. Essas são, pratica mente, as únicas circunstâncias que permitiríam aos líderes governamentais seguirem, simultaneamente, políticas de democratização e políticas de Esta- do-nação. Uma tal congruência entre a comunidade política e o demos facili taria a criação de um Estado-nação democrático. Essa congruência elimina, empiricamente, a maior parte dos problemas de estatalidade, devendo então ser vista como uma condição faciütadora para a consolidação da democracia. No entanto, nas circunstâncias modernas, poucos estados nfto-democrátieos irão ingressar numa possível transição democrática contando com um grau muito elevado de homogeneidade de Hstado-nação.2-’ Esse fato, bastante in conveniente para os proponentes do Estado-nação, é insuO ciente mente reco nhecido e/ou levado em conta de maneira séria, o que tende a exacerbar os problemas da estatalidade. Muito frequentemente, as aspirações nacionalistas dos líderes políticos são incongruentes com as realidades empíricas dos dem oi (populações) de seu Estado. Há muitos tipos tio incongruência pólE/demos, e todos eles colocam problemas para a consolidação democrática, salvo se tratados de forma cuida dosa. I lá, na verdade, muitos estados (e não apenas governos) cuja legitimida de é questionada. Uma das principais razões para o seu questionamento é a existência de grupos de nacionalidades que reivindicam o direito à autodeter minação nacional, e de grupos dominantes ou. para usar a expressão soviética, a “nacionalidade titular", que negam o caiáier multinacional í lc fa c ío do Esta do, rejeitam qualquer tipo de compromisso com outros grupos c excluem-nos da cidadania plena. Uma outra razão para questioná-la surge quando uma grande maioria dos cidadãos de um Estado deseja se juntar a um outro - - como os austríacos, em 1919 e os alemães orientais, em 1*J89 - - em geral porque se consideram [tarte daquele, um Estado que é concebido corno encarnando o Esiado-nação. ■‘ESTATALIDADE", NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO 45 Ainda uma outra complicação para a democracia e, ocasional mente, até mesmo para a paz entre os estados, surge quando uma grande minoria em um país é — ou poderia vir a ser — considerada como irredenta por um Estado vizinho. O potência] de exacerbação desse conflito latente aumenta se os líde res da nação titular tentam seguir uma política agressiva de construção nacio nal. que aliene as minorias, as quais então se voltam para o país vizinho em busca de apoio. Essa política de construção nacional, por sua vez, pode atíçar um nacionalismo extremista no país vizinho que, em um círculo vicioso, po deria vir a deslegítimar o governo, por este não defender os interesses de seus “co-nacionais", ou por não adotar, de forma militante, uma política inedentista. Seja qual for a maneira pela qual elas comecem, as políticas irredentistas, quando se tornam dominantes, passam a representar uma grave tensão para a democracia, tanto na “pátria” externa da minoria como no país vizinho que adota políticas de construção de nação.24 E lamentável que a literaturasobre a transição e a consolidação democrá ticas tenha negligenciado a questão da legitimidade do Estado, uma vez que essa variável, embora nem sempre de grande importância para as comunida des políticas não-democráticas, é de fundamental importância teórica e políti ca para a democracia. Na verdade, a concordância sobre a estatalidade é, logicamente, anterior à criação das instituições democráticas. A formulação clássica desse problema é de autoria de Rubert A. DahJ: “Não podemos solu cionar os problemas da própria abrangência e campo das unidades democráti cas baseando-se na teoria democrática. Tal como o princípio da maioria, o processo democrático pressupõe uma unidade. Os critérios rio processo demo crático pressupõem que a unidade seja. ela própria, correia. Se a própria uni dade não íor [considerada] cone tá e lícita m> M ia abrangência e seu campo não lorem justificáveis -■■■■, ela não poderá ser legitimada simplesmente poi meio de procedimentos democrático'.".-^ Não acreditamos que a importante observação de Daijf Mgnilique que os piohlemas de estatalidade sejam sempre insolúveis. Ao contrário, negociações complexas, pados e. possivelmente, rearranjos territoriais e acordos consociávcis muitas, vezes são necessários, antes que. a iórinula ria maiona >cja aceita e acata da de íoniia legítima. Mas. como afirma Dahl, a simples insistência na fórmula da maioria, por si só, não será de nenhuma valia até que a legitimidade da unida de íique estabelecida. .Aqui. os regimes democráticos contrastam de forma panicuiarmente aguda com qualquer regime não-demoerátieo. quer seja este “auicanário", “ sultanis tmo ' totalitário” ou “ pós-totalitário” .'1. Os acordo.-, quanto ao domínio terri- 50 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA tionarmos a sua viabilidade no contexto contemporâneo. Nossa resposta, com base em uma análise sociológica, é que, independentemente de quão desejá veis forem tais processos (o que implica um juízo de valor), hoje estão fadados ao fracasso na maior parte das sociedades e, certamente, em todas as socieda des liberais democrática, rvdviíánius pauir pa;n uma análise üe por que isso se dá desse modo, mas temos de nos limitar a alguns pontos. No mundo mo derno, mesmo nas menos desenvolvidas minorias étnicas, culturais e linguísti cas, periféricas ou marginais, todas as sociedades produzem uma elite intelectual que, por razões emocionais e (não nos esqueçamos) por interesse próprio, irão defender seus valores e suas características “primordiais” . Elites como essas não existiam, como Gellner com razão ressaltou, nas sociedades pré-industriais agrárias. Hoje, até mesmo nessas sociedades agrárias elas existem. Nas circuns tâncias modernas, em que todos os grupos significativos possuem escritores e intelectuais que difundem a cultura nacional, onde os sistemas de comunica ção aumentaram em muito a possibilidade de os migrantes permanecerem con tinuamente conectados a suas culturas de origem, e as normas democráticas aceitam algum grau de muiticultundismo, as políticas homogenei/adoras, mesmo se não formalmente antidemocráticas, provavelmente não seriam propícias à construção ria democracia. Se a nação titular real mente deseja um Estado-naçao com população verdadeiramenle homogênea, uma variante da fórmula da “ limpeza étnica” pode parecer, muitas vezes, um método tentador. Nosso exame da impossibilidade de serem criados estados-nações e demo cracias em alguns tipos de comunidades políticas se baseia também na maneira pela qual a humanidade encontra-se espacialmente distribuída no mundo. Um dos elementos constitutivos das nações é. provavelmente, a língua, ('orno Ernerst Gellner observou, há talvez oito mil línguas no mundo (sem contar os dialetos importantes).33 As “ comunidades nacionais” talvez pudessem ser o elemento constitutivo, mas se, para fins de argumentação, supusermos que apenas um em cada dez idiomas serve de base para um nacionalismo “razoavelmente eficaz”, havería então cerca de 800 comunidades nacionais viáveis. ’4 Porém, o fato in conveniente mais importante não é quantitativo, mas sim a realidade existencial de que os grupos culturais, linguísticos e religiosos não estão ordenadamente segmentados em 800 ou oito mil nacionalidades, cada um deles ocupando terri tórios rcíativamente bem definidos, mas sim extrernameníe misturados e superpostos. A metáfora adequada não são os quadrados demarcados do tabulei ro de xadrez, mas os imrincadamente entrelaçados tons e miances de um tecido que se amarra para produzir manchas circulares após o lingimento. “ESTATALIDADE", NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO 51 Examinemos alguns dos padrões espaciais de línguas e etnicidade em algumas comunidades que aspiram à condição de Estado-nação. Não somos contrários aos “divórcios amigáveis” , aos quais se chega de forma democráti ca. No entanto, devemos observar que fronteiras culturais relaíivamente claras facilitam ♦ -'-ritcriai:: dcsrc nr(t” "cca A E rt"-' ’ '1 r!e ser um estado-nação, mas em nenhuma de suas sete cidades mais populosas o letão é falado pela maioria dos habitantes. Em Tallin, a capital da Estônia bem distante da fronteira com a Rússia, menos da metade da população fala estoniano. Para esses ê para muitos outros países, não é possível uma simples divisão de territórios, ou um “divórcio amigável” .35 Alguns analistas exultaram quando as nacionalidades separadas da antiga União Soviética passaram a se constituir em quinze repúblicas, todas estabelecidas em “ nacionalidades titulares” , supondo que seria então possível o surgimento de estados-nações democráticos. Na verdade, o que aconteceu foi que muitos dos governantes nessas repúblicas, por ocasião das primeiras eleições, entoaram te mas exlremamente nacionalistas Ce não democráticos). Uma das fórmulas possí veis para minimizar os conflitos entre as nacionalidades titulares e os “migrantes” c o que David Eaitin chama de “jogo de assimilação competitiva” . Ou seja, passa a ser do interesse de muitos tios migrantes de classe trabalhadora começar a sc deixar assimilar competilivamenle, de modo que aumentem as oportunida des de vida de seus filhos no novo ambiente. Isso podería ocorrer com os migrantes de classe trabalhadora espanhóis, na cultural e economicamente vibrante Catalunha. Mas será que havería alguma probabilidade de isso vir a suceder com os russos da Ásia Central? Ern 1989, em Alma-Ata, a capital do Kazaquistão, os russos representavam 59% da população e os kazaquistãos, a nacionalidade titu lar, apenas 22.5%. Menos de 1 % tios russos falava o idioma titular. Em Bishkek, a capita] do Kirgistão. os percentuais eram praticamente idênticos. Nenhum es tado-nação voluntário é plausível através do processo cie assimilação competiti va nesse contexto de “colonialismo de colonos” [settler colonialism ]. Nessas circunstâncias, se um estado-nação chegar a ser criado, não o será por meios democráticos. De fato, a própria tentativa de construí-lo só resultaria num incen tivo a que os “colonos coloniais” apelassem a líderes russos ex trem adam ente nacionalistas, do tipo de Zhirinovsky, ern busca de apoio,36 No ambiente internacional, há um outro fato inconveniente para os defen sores do Estado-nação. Muitas pessoas que vivem em estados multinacionais poderíam, por razões de identidade (ou para manter sua coleção de pontos de múltiplo acesso na economia), gostar dt) fato de possuírem identidades múlti plas e talvez oferecer resistência ao movimento em favor da homogeneização 52 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA étnica do Estado. Em gerai, elas são os primeiros alvos da coerção exercida pelos empreendedores do Estado étnico. O fato empírico e emocional é que muitos seres humanos, no mundo contemporâneo, há muito vêm-se identifi cando com mais de uma cultura e com mais de uma história, sofrem miscige nação, tem amigos de diferentes nacionalidades e já viveram em várias localidades de seu Estado. Não é de surpreender,portanto, que tenham dupla identidade. Os nacionalistas, representando tanto a nacionalidade dominante quanto a nacionalidade oprimida, querem obrigar as pessoas a abandonar essa dupla identidade e a escolher uma delas,'apenas. Aliás, muitas vezes, eles in ventam ou montam dicotomias onde antes nenhuma existia. Essa é uma das razões pelas quais os plebiscitos podem ser tão divisionistas, e destruir os verdadeiros laços sociais. Estados multinacionais e democratização: para além das lógicas conílitivas Como podería então a democracia ser alcançada em estados multinacio nais? Certamente, temos uma forte hipótese: quanto maior for a porcentagem nasciturna da população de urn determinado Estado ou que ah não tenha che gado percebendo-se como cidadãos estrangeiros, que vir negados seus direitos de cidadania, e cujas oportunidades de \ ida forem prejudicadas pur essa nega tiva. menos provável será que esse Estado venha a consolidar a democracia. Expressa de maneira mais positi\a: nossa hipótese é que. em um ambien te multinacional, as chances de consolidação da democracia são aumentadas por políticas estatais que assegurem cidadania ampla e igualitária, c que deem aos cidadãos a proteção a todos de direitos humanos individuais decretados u exigidos pelo Estado. Esses estados multinacionais, além disso, ainda mais que as eoi min idades políticas de outros tipos, têm necessidade de explorar unia vaiiednde de fór mulas não-major.itárias e não-plebiscitarias. Por exemplo, caso haja diferen ças espaciais rehtlivameníe fortes eiitie os grupos, poder-se-ia tentar u federalismo. 0 Estado e a sociedade poderíam também permitir uma varieda de de instituições comunitárias Emanei adas com dinheiro público, tais como meios de comunicação e escolas utilizando diferentes línguas, o reconheci mento simbólico da diversidade cultuial. a aceitação legal de diferentes códigos matrimoniais, a tolerância legal e política para com os partidos representando as diferentes comunidades, e h>do um ieperlótm de pnlecdimentos é mccaní “ESTATALIDADE”. NACIONALISMOE DEMOCRATIZAÇÃO 53 mos políticos que Arend Lijphart descreveu como a “democracia consociã- veE’.37 Em casos típicos, a representação proporcional (oposta aos grandes distritos que elegem apenas um representante, em eleições majoritárias) pode facilitar a representação das minorias espacialmente dispersas. A lguns irredutíveis defensores da tradição do liberalismo político, com seu foco nos direitos dos indivíduos e no universalismo, são contrários a qualquer forma de direitos coletivos. Acreditamos, porém, que a combinação dos d ire itos co le tivo s das nacionalidades ou minorias em uma sociedade e em um estado multina cionais e multiculturais, com os d ire ito s dos in d iv íd u o s p le n a m e n te p ro te g id o s p e lo E s ta d o . é, provavelmente, a maneira menos conflituosa de articular essa política democrática oposta à de Estado-nação.38 Nos casos em que a transição começa no contexto de um sistema federa tivo multinacional não-democrático, uma estratégia de construir um federalis mo democrático deverá, provavelmente, ser acompanhada de uma sequência eleitoral, primeiramente no estado centra), de modo que se gere um arcabouço legítimo para as deliberações posteriores quanto a como descentralizar a co munidade política de forma democrática. Se as primeiras eleições competiti vas forem regionais, as eleições tenderão a privilegiar os nacionalistas regionais, e etnocracias - ■ e não democracias — talvez venham a surgir. 3'7 No entanto, as forrnas específicas de estruturação da vida política em ambientes multinacionais têm de ser contextualizadas para cada país. Quanto a isso, acreditamos que seja tempo de reavaliar algumas das ricas experimentações com a a u to n o m ia não -terr ito ria l, que sc relacionam ao autogoverno de comunidades corporativas étnicas ou religiosas, tal como a Kabai judaica, na Comunidade Polonesa- Eituana: os mi tetos, no Império Otomano; ou as “cúrias nacionais'’, no antigo Império 1 iabsburgo.'111 Tais mecanismos não eliminarão o conflito nos estados multinacionais, mas poderão vir a moderá-lo. aj mi ando a tornar mais viáveis tanto o Estado quanto a riemoviacia. Acreditamos também que alguma atenção conceituai, política e normativa devei;! ser dada à possibilidade da existência de “ nações-estados” . Os estados a que gostaríamos de chamar de nações-esrados são multiculturais, ou até mesmo multinacionais, e no entanto, ainda assim conseguem inspirarem seus cidadãos forte identificação e lealdade, que os defensores do Estado-nação homogêneo creem que apenas cie seja capaz, de inspirar. Os Estados Unidos da América são um pais multicultural e cada vez mais muhiímgüe desse tipo. como também o é a Suíça. Nenhum desses dois países é. em termos estritos, um "Estado nação", mas acreditamos que ambos poderíam, hoje, ser chama dos de "nações-estados". Sob Jawahailal Neluu. a índia alcançou avanços sig- 54 A TRANSIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA nificaíivos no que diz respeito à administração das tensões multiculturais, por meio da hábil utilização consensual de numerosas práticas consociáyeis. Por esse processo, a índia tomou-se, na década de 50 e início da de 60, uma “na- ção-Estado” democrática. Porém, se os nacionalistas hindus conquistarem o poder na década de 90, e tentarem transformar a índia, com seus 110 milhões de muçulmanos, em um Estado-nação hindu, é quase certo que a violência comunal irá aumentar e a democracia indiana sofrerá graves ameaças.41 Vamos concluir com algumas palavras sobre as id en tid a d es p o lítica s . Muitos escritos sobre o nacionalismo centraram-se nas identidades “primor diais” e na necessidade de o povo escolher entre duas identidades mutuamente excludentes. Nossa pesquisa sobre as identidades políticas, contudo, nos mos trou duas coisas. Em primeiro lugar, as identidades políticas não são fixas ou primordiais, na acepção encontrada no O xford E n g lish D ic tiõ n a ry : “relativo a ou existente no (ou a partir do) começo mais remoto; primeiro, em termos cronológicos, mais antigo, original, primitivo, primevo” . A o contrário, elas são altamente mutáveis e socialmente construídas. Segundo, sc os políticos nacionalistas, com a atmosfera que criam (ou os cientistas sociais e os execu tores de censos, com suas cruas categorias dicotômicas) não forçarem a pola rização, muitas pessoas preferirão identificar a si próprias como possuindo identidades m ú ltip la s e co m p lem en ta res ,42 Na verdade, juntamente com a pro teção política comum dos direitos garantidos pelo Estado relativos à cidadania ampla e igual, a capacidade humana para identidades múltiplas o complemen tares é, precisamente, um dos principais fatores que tornam possível a demo cracia nos estados multinacionais. Como as identidades políticas não são fixas e permanentes, a qualidade da liderança democrática é de particular importân cia. Identidades políticas múltiplas e complementares podem ser cultivadas pelas lideranças políticas. Isso também pode acontecer com as identidades políticas polarizadas e conflitantes.4-’ Antes do uso consciente da limpeza étni ca como estratégia para a construção de nações-estados na Bósnia-1 íerzegovma, Sarajevo era uma área urbana multinacional, cujos cidadãos tinham identida des múltiplas, e verificava-se aíi um dos mais altos índices de casamentos inter-religiosos de todas as cidades do mundo. A proposição central deste capítulo foi a de que, se o objetivo for o suces so da consolidação democrática, os detentores do controle do aparato estatal que pretendem construí-la deveríam considerar cuidadosamente a mistura pe culiar de nações, culturas e de identidades políticas despertas presentes no território. Considerando como uniformes os níveis de desenvolvimento socio- eeonômico, alguns tipos de democracia seriam possíveis em um tipo de comu “ESTATAL1DADE” , NACIONALISMO E DEMOCRATIZAÇÃO
Compartilhar