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Indaial – 2020 Teoria Sociológica ii Prof.a Franciele Otto Duque 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Franciele Otto Duque Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: D946t Duque, Franciele Otto Teoria sociológica II. / Franciele Otto Duque. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 191 p.; il. ISBN 978-85-515-0433-8 1. Sociologia. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 301 III apreSenTação Caro acadêmico! Este é seu Livro Didático de Teoria Sociológica II. Neste componente curricular você continuará seus estudos de teoria sociológica, iniciados em Teoria Sociológica I. Se em Teoria I você conheceu os clássicos da Sociologia, agora é hora de entender como essa ciência prosseguiu seu percurso e consolidou-se como área de conhecimento, desenvolvendo pesquisas, teorias e métodos. Com a difusão da ciência sociológica iniciada a partir da sua institucionalização nas universidades, muitas investigações foram realizadas com essa abordagem. No entanto, algumas delas se destacaram pelo seu caráter contributivo com essa área. Estudaremos três movimentos que influenciaram os rumos da sociologia em nível mundial: a sociologia americana (Escola de Chicago), a sociologia alemã (Escola de Frankfurt) e a sociologia francesa (Norbert Elias e Pierre Bourdieu). A divisão deste livro está baseada em três unidades, cada uma sobre uma frente de estudos sociológicos. As unidades dividem-se em tópicos que seguem uma lógica similar: o primeiro apresenta as bases teórico-metodológicas da perspectiva sociológica; o segundo apresenta os principais conceitos desenvolvidos nesse arcabouço; e o terceiro traz os desdobramentos de suas influências com os principais temas de estudo e como foram abordados pelos envolvidos. A primeira unidade trata sobre a sociologia americana, cujo principal expoente foi a Escola de Chicago. Nela desenvolveu-se a sociologia urbana. Inicialmente, você conhecerá as dimensões históricas de seu surgimento e desenvolvimento, as dimensões metodológicas de suas proposições sociológicas, um autor da primeira geração da escola (Robert Ezra Park), e um autor da segunda geração (Louis Wirth). Em seguida serão apresentados alguns conceitos consolidados pelo grupo da Escola de Chicago: a cidade, a estrutura urbana e a ecologia humana. Quanto aos desdobramentos de sua sociologia, trataremos dos estudos acerca da criminalidade, seus métodos de pesquisa empírica e os estudos sobre imigração. A segunda unidade apresenta a sociologia alemã, cuja importância está concentrada na Escola de Frankfurt. Ela é conhecida pelo movimento que consolidou o conceito de indústria cultural. Também começaremos pelas dimensões históricas que envolvem a escola, as influências filosóficas e as dimensões metodológicas. No segundo tópico estão apresentados alguns autores e conceitos desenvolvidos: Horkheimer e a Teoria Crítica, Adorno IV e a Indústria Cultural, Habermas e o conceito de ação. Para finalizar, os desdobramentos apresentados de suas análises sociológicas são: estudos sobre a racionalidade, estudos sobre a arte e alguns outros temas, como a autoridade, por exemplo. A terceira unidade apresenta a sociologia francesa, mais precisamente seus expoentes Norbert Elias e Pierre Bourdieu. Elias, embora seja alemão, apresentou uma perspectiva sociológica mais aproximada da sociologia francesa, além de investigar alguns objetos desse campo – como a sociedade de corte francesa. Para estudar a obra desses autores, no primeiro tópico temos seus contextos históricos e os aspectos principais de suas teorias sociológicas (Teoria dos Processos de Civilização – Elias e Teoria da Prática – Bourdieu). O segundo tópico apresenta conceitos fundamentais para o entendimento dos autores: figuração, interdependência e processos sociais (Elias); habitus, campos e capitais (Bourdieu). Para fechar, você verá a relação entre civilização, kultur e a sociedade de corte francesa, estudo de Norbert Elias e algumas dimensões da sociologia da educação e da sociologia da cultura de Pierre Bourdieu. Esperamos que esse caminho lhe permita entender os rumos que a sociologia tomou após sua institucionalização como disciplina científica, e como essas três grandes correntes sociológicas se difundiram e influenciaram estudos em todo o mundo. Não se esqueça de aproveitar as indicações de materiais complementares para aprofundar seus estudos, pois existe muito material disponível sobre todos os temas deste livro didático. Desejamos um ótimo percurso de estudos sobre as sociologias americana, alemã e francesa! Profª. Franciele Otto Duque V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VI Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VII VIII IX UNIDADE 1 – ESCOLA DE CHICAGO ................................................................................................1 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO ............................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 DIMENSÕES HISTÓRICAS ................................................................................................................4 3 DIMENSÕES METODOLÓGICAS ..................................................................................................11 4 PRIMEIRA GERAÇÃO:ROBERT EZRA PARK .............................................................................14 5 SEGUNDA GERAÇÃO: LOUIS WIRTH .........................................................................................18 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................23 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................24 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA URBANA PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE ............................................................................25 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................25 2 A CIDADE ..............................................................................................................................................25 3 ESTRUTURA URBANA ......................................................................................................................30 4 ECOLOGIA HUMANA .......................................................................................................................33 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................39 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................40 TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DOS ESTUDOS DA ESCOLA DE CHICAGO PARA A SOCIOLOGIA ..................................................................................................41 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................41 2 ESTUDOS SOBRE A CRIMINALIDADE ........................................................................................41 3 MÉTODOS DE PESQUISA EMPÍRICA ...........................................................................................46 4 ESTUDOS SOBRE IMIGRAÇÃO .....................................................................................................49 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................53 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................58 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................59 UNIDADE 2 – ESCOLA DE FRANKFURT.........................................................................................61 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE FRANKFURT .....................................................63 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................63 2 DIMENSÕES HISTÓRICAS ..............................................................................................................64 3 DIMENSÕES FILOSÓFICAS .............................................................................................................69 4 DIMENSÕES METODOLÓGICAS .................................................................................................74 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................78 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................79 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA ALEMÃ PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE .............................................................................81 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................81 2 HORKHEIMER E A TEORIA CRÍTICA ..........................................................................................81 Sumário X 3 ADORNO E A INDÚSTRIA CULTURAL ........................................................................................88 4 HABERMAS E O CONCEITO DE AÇÃO .......................................................................................94 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................98 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................99 TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DOS ESTUDOS DA ESCOLA DE FRANKFURT PARA A SOCIOLOGIA ................................................................................................101 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................101 2 ESTUDOS SOBRE A RACIONALIDADE .....................................................................................101 3 ESTUDOS SOBRE A ARTE ..............................................................................................................106 4 OUTROS ESTUDOS ..........................................................................................................................110 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................115 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................120 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................121 UNIDADE 3 – SOCIOLOGIA FRANCESA ......................................................................................123 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DE PIERRE BOURDIEU E NORBERT ELIAS ..........................125 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................125 2 DIMENSÕES HISTÓRICAS: ELIAS ..............................................................................................126 3 TEORIA DOS PROCESSOS DE CIVILIZAÇÃO: ELIAS ...........................................................130 3.1 SOCIEDADE GUERREIRA ..........................................................................................................132 3.2 SOCIEDADE FEUDAL .................................................................................................................133 3.3 SOCIEDADE DE CORTE ABSOLUTISTA .................................................................................134 3.4 SOCIEDADE BURGUESA ............................................................................................................136 4 DIMENSÕES HISTÓRICAS: BOURDIEU ....................................................................................137 5 TEORIA DA PRÁTICA E TEORIA DA DOMINAÇÃO SIMBÓLICA: BOURDIEU ...........140 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................146 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................147 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA FRANCESA PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE ..........................................................................149 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................149 2 FIGURAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA: ELIAS .........................................................................149 3 PROCESSOS SOCIAIS – ELIAS ......................................................................................................153 4 O CONCEITODE HABITUS – BOURDIEU .................................................................................156 5 OS CONCEITOS DE CAMPOS E CAPITAIS – BOURDIEU .....................................................161 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................165 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................166 TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DOS ESTUDOS DE BOURDIEU E ELIAS PARA A SOCIOLOGIA ................................................................................................167 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167 2 CIVILIZAÇÃO, KULTUR E A SOCIEDADE DE CORTE FRANCESA ...................................167 3 BOURDIEU E A EDUCAÇÃO ..........................................................................................................171 4 BOURDIEU E OS ESTUDOS SOBRE A DISTINÇÃO ...............................................................176 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................180 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................186 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................188 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................189 1 UNIDADE 1 ESCOLA DE CHICAGO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • situar as características e os principais aspectos das bases teóricas e metodológicas do pensamento sociológico desenvolvido na Escola de Chicago; • examinar as principais contribuições das pesquisas desenvolvidas na Escola de Chicago; • sistematizar os conceitos e metodologias utilizados na Escola de Chicago; • analisar os desdobramentos das pesquisas desenvolvidas na Escola de Chicago, cuja influência persiste nas interpretações contemporâneas da Sociologia. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA URBANA PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DOS ESTUDOS DA ESCOLA DE CHICAGO PARA A SOCIOLOGIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Este primeiro tópico de seus estudos sobre a Escola de Chicago inicia abordando os aspectos de base para o entendimento de como essa escola se formou e sua influência na sociologia mundial, ou seja, por que ainda a estudamos na contemporaneidade – principalmente quando tratamos do campo da Sociologia Urbana. Vamos iniciar pelas dimensões históricas, do que efetivamente trata a Escola de Chicago, como ela se formou alinhada à Universidade de Chicago. Após, veremos suas dimensões metodológicas, ou seja, as influências que desenvolveram nos autores de Chicago, uma linha similar nas escolhas para suas pesquisas, destacando-se o pragmatismo, o formalismo e as intenções de reforma social. Os últimos tópicos irão explicitar alguns autores das duas gerações da Escola de Chicago, com foco principal em Robert Ezra Park (primeira geração) e Louis Wirth (segunda geração). A passagem desses autores pela universidade e seus principais temas de pesquisa podem ser encontrados no texto, bem como sua relação com os demais autores dessas gerações. Ao longo desta unidade, há diferentes sugestões de materiais para que você possa aprofundar seus estudos, já que a obra dos autores norte-americanos é bastante vasta. Você perceberá que houve muitos professores e alunos vinculados à Escola de Chicago, e que produziram muitas pesquisas – especialmente na forma de dissertações e teses. Alguns marcaram mais, com pesquisas “famosas”, e outros menos, mas o legado de todo esse conjunto de trabalhos é muito importante para o campo da sociologia como ciência. Portanto, quando algum autor lhe provocar a curiosidade, pesquise mais sobre ele! Aproveite para conhecer as pesquisas desenvolvidas que mais lhe chamarem a atenção, pois elas estão sintetizadas aqui, vale a pena buscar materiais e entendê-las com maior profundidade. Vamos começar com um pouco de história... Bons estudos! UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 4 2 DIMENSÕES HISTÓRICAS Um primeiro item essencial que você deve saber para situar as terminologias no campo das Ciências Sociais é que a Escola de Chicago é o núcleo de uma sociologia norte-americana. Costumeiramente, ao se tratar sobre a sociologia norte-americana, aparecerá a indicação de uma sociologia bastante pragmática, cuja ênfase se dá em pesquisas com grande quantidade de dados empíricos e desenvolvida a partir da Escola de Chicago. Portanto, ao consultar materiais sobre a sociologia norte-americana, você encontrará menções à Escola de Chicago, que consolidou a influência mundial dessa linha de análise sociológica. O objeto principal de análise dessa escola sociológica foi a cidade, o modo de vida urbano e tudo o que o caracteriza. Ela se torna foco de análise após a industrialização, que traz do meio rural boa parte de seus habitantes para uma nova forma de viver, moderna e cuja lógica relacional é totalmente diferente da que viviam até então. O crescimento urbano provoca novas formas de controle social, modificando a influência das instituições sociais tradicionais, como família, igreja e escola. Antes, o controle social era exercido pela comunidade local, vizinhança, família, e a partir do crescimento urbano, a divisão do trabalho provoca um controle social baseado em outra solidariedade – cujas condutas individuais possuem mais peso nas relações (que passam a ter maior caráter de impessoalidade) e cuja pluralidade passa a ter maior espaço. Ou seja, mesmo vivendo próximas, as pessoas podem estar distantes em se tratando da vida na cidade. Os contatos são rápidos e parciais, as relações transitórias e superficiais. Isso é uma grande mudança se comparada à vida no ambiente rural até então vivenciada por grande parte das pessoas antes da industrialização. Essa dinâmica gera um conteúdo cultural específico das cidades, que se torna objeto de estudo sociológico. Há, entretanto, uma nova instituição que surge na cidade grande, especialmente entre os jovens das áreas ou classes menos favorecidas: a gangue. Certamente que não se trata de uma instituição no sentido formal, afinal, não se registra gangue na junta comercial. Porém, é instituição em seu sentido material, ou seja, uma entidade que agrega um grupo, possuindo um conjunto de regras e que tem por finalidade a satisfação de interesses coletivos (FREITAS, 2002, p. 37). Chicago oferece as condições para o surgimento de uma sociologia urbana na medida em que seu crescimento demográfico acelerou exponencialmente a partir de 1900. Essa explosão demográfica levou à construção de meios de transporte e ampliação dos meios de comunicação. Os prédios tomam o espaço urbano para que haja espaço para todos, gerando um rápido processo de urbanização. Além disso, acompanhou o crescimento populacional o aumento da criminalidade e problemas sociais similares. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 5 FIGURA 1 – CHARGE REPRESENTANDO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO FONTE: <http://www.blogdobraulio.com/2016/06/o-que-e-gentrificacao-e-por-que-se.html>. Acesso em: 17 jun. 2019. Nesse contexto está inseridaa Universidade de Chicago, berço de propostas para a sociologia urbana que surgem em um departamento específico da instituição. É a partir dali que se pode dizer que se originou a Escola de Chicago. Para conhecer os primórdios históricos da Escola de Chicago, vamos nos apropriar do resumo publicado por Freitas (2002, p. 49-53): FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE E DO DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA A Universidade de Chicago foi fundada sob os auspícios do milionário americano John D. Rockfeller, que desejava que o meio-oeste americano tivesse uma instituição universitária de primeira linha para fazer frente às universidades do leste. O primeiro presidente da Universidade de Chicago foi William Rainey Harper, que, como Rockfeller, era batista, tendo sido pastor, professor no Baptist Theological Seminary em Chicago e fundador do The Journal of Religion em 1882. Harper realizou o que David Downes e Paul Rock chamaram de “pilhagem”, eis que atraía os profissionais das outras instituições oferecendo-lhes vantagem salarial, o que muitas vezes representava pagar ao novo contratado o dobro de seu salário anterior. Harper incentivou a instalação de departamentos novos, o que resultou na instalação de muitos deles praticamente ao mesmo tempo. Como resultado desta política, a Universidade de Chicago, inaugurada em 1891, foi a primeira instituição de ensino norte-americana a ter um departamento de sociologia, fundado em 1892, sendo também responsável pelo primeiro periódico importante sobre a disciplina, o American Journal of Sociology, que passou a ser veiculado a partir de 1895. O primeiro diretor do departamento de sociologia foi Albion Woodbury Small, que, embora não tenha ficado conhecido por sua obra escrita, ganhou notoriedade pelo trabalho que desenvolveu à frente do departamento de UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 6 sociologia da Universidade de Chicago, onde demonstrou seu espírito empreendedor. Segundo Small, antes da Escola de Chicago, a sociologia americana não era marcada por um corpo substancial de conhecimento, um ponto-de-vista constituído e nem um método rigoroso de pesquisa. Quanto ao termo “Escola de Chicago”, foi cunhado ao longo de muitos anos, sendo que o primeiro a utilizá-lo em sentido similar ao que tem hoje foi Luther L. Bernard, no texto Schools os Sociology, publicado em 1930. Maurice Halbawachs, em Chicago, expérience ethnique (1932), reconheceu a existência de uma escola de sociologia original na Universidade de Chicago. Milla Alihan, na obra Social Ecology (1938), utilizou o termo “Escola de Chicago” e, apesar das críticas que fez, identificou-se como uma escola com seguidores, um arcabouço teórico e estilo próprio. A denominada ‘primeira Escola de Chicago’ compreende o período de 1915 a 1940. Apesar de Andrew Abbott considerar que esta fase tenha tido seu término em 1935, Alain Coulon esclarece que ela se estendeu até 1940 e que o ano de 1935 apenas marcou a perda de influência exercida por membros da Escola de Chicago na American Sociological Society, quando outro grupo conquistou o poder nesta associação. Morris Janowitz, na introdução que escreveu para reimpressão de 1967 do clássico The City, confirma a continuidade do maior período (1915 a 1940). Coulon esclarece, ainda, que na mesma reunião que os sociólogos de Chicago perderam poder na American Sociological Society se decidiu editar, diretamente pela associação, o American Sociological Review, pelo que a publicação da Universidade de Chicago, o American Journal of Sociology, deixava de ser a única. A ‘segunda Escola de Chicago’ designa fase posterior à Segunda Guerra Mundial, indo de 1945 a 1960. Quando nos referimos à Escola de Chicago, especialmente nesta sua primeira fase, estamos a falar de uma tradição marcada pelo pragmatismo filosófico, a observação direta da experiência e a análise de processos sociais urbanos. A obra de seus sociólogos é caracterizada por três vertentes principais, a saber: 1) o trabalho de campo e o estudo empírico; 2) o estudo da cidade, a envolver problemas relativos à imigração, delinquência, crime e problemas sociais, o que se relaciona diretamente com a teoria ecológica e que tem em Robert Park, Ernst Burgess e Roderick McKenzie seus maiores expoentes, sendo que Louis Wirth também se destacou no estudo da cidade, mas não era propriamente um ecologista, tendo estudado o fenômeno urbano pela trilha da ideia do ‘urbanismo como estilo de vida’, por ele preconizada; 3) uma forma característica de psicologia social, oriunda principalmente do trabalho de George Herbert Mead e que veio a ser denominada interacionismo simbólico. As três vertentes referidas serão consideradas, porém, o enfoque principal deste trabalho e recairá sobre o estudo da cidade, notadamente pela lente da teoria sociológica, como destacado na introdução. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 7 A Universidade de Chicago assumiu posição mundial de destaque em sociologia. Poucas universidades mantinham centros de pesquisa em ciências sociais no início dos anos de 1920. Segundo Martin Bulmer, a única instituição de ensino que se equiparava à Escola de Chicago durante a década de 1920, em termos de escopo de trabalho e de um corpo docente de elevado nível internacional, era a London School of Economics and Political Science, que integra a Universidade de Londres, Inglaterra, embora esta fosse menor que a primeira, tanto em corpo docente quanto em alunado. A Universidade de Columbia, em Nova Iorque, só consegue rivalizar a sociologia de Chicago no final da década de 1930, período que coincide com a perda da influência da Escola de Chicago. Vejamos uma imagem do prédio da Universidade de Chicago na época: FIGURA 2 – PRÉDIO DA UNIVERSIDADE DE CHICAGO FONTE: <https://www.colegioweb.com.br/historia/voce-conhece-escola-de-chicago.html>. Acesso em: 17 jun. 2019. Um nome de fundamental importância para o surgimento da Escola de Chicago foi Albion Small, o primeiro diretor do departamento de sociologia a ser convidado para tal função. Vamos conhecer suas influências a seguir: Small (1854-1926) teve um grande papel na instalação da sociologia, não só em Chicago, mas igualmente no conjunto dos Estados Unidos. Após ter iniciado estudos de teologia, foi estudar em Berlim – onde conheceu o então estudante Georg Simmel, que viria a marcar a sociologia alemã e europeia – e, em Leipzig, de 1879 a 1881, cidade em que estudou a história, a filosofia e a sociologia alemãs. Voltou depois disso aos Estados Unidos, concluiu seu doutorado em história em 1889 na Universidade Johns-Hopkins e tornou-se professor de história do Colby College, cargo em que permaneceu até 1892. UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 8 Começou ensinando sociologia, principalmente a alemã. Em 1890, por sua própria conta, publicou uma obra que, durante 20 anos, seria lida por todos os estudantes de sociologia dos Estados Unidos, e cujo título seria retomado em 1921 por Robert Park e Ernst Burgess em sua obra de introdução à sociologia, com a significativa troca da palavra sociology por society: desse modo, ao se passar da primeira para a segunda geração dos sociólogos de Chicago, passa- se de um projeto de conhecimento científico da sociedade à construção de uma teoria que, segundo se julgava, permitiria estudar essa sociedade. Os escritos de Small não sobreviveram a ele, e seus desenvolvimentos teóricos – sobretudo a sua classificação das motivações humanas em seis categorias: a saúde, o bem-estar material, a sociabilidade, o conhecimento, a beleza e a retidão – não deixaram marcas profundas na sociologia. Hoje em dia, ele só é lido, como sociólogo, por pesquisadores interessados no desenvolvimento da sociologia americana. Contudo, deve-se observar que ele insistia que seus alunos fizessem pesquisas de campo ativas e observações diretas e que não se entregassem a reflexões teóricas “de poltrona”. Na obra que publicou em colaboração com George Vincent em 1894, Small, que chamavaseu próprio livro de “guia de laboratório”, consagrou dois capítulos à conduta empírica da sociologia. Sublinhando a importância do habitat para as relações sociais, estimulou os estudantes a observar as comunidades em que viviam, analisar este “mosaico de pequenos mundos”, estudar a sua história e levantar mapas de suas características. Por outro lado, propôs a seus colegas do departamento de sociologia usar a cidade de Chicago como objeto e como campo de pesquisas. Esta ideia, portanto, prefigurava os princípios de pesquisas sobre a cidade que, 20 anos depois, Park e Burgess aplicariam de maneira ainda mais sistemática. [...] Enfim, a influência decisiva de Small sobre a Sociologia foi sobretudo de ordem institucional, e todos os seus contemporâneos reconhecem-lhe um extraordinário talento de administrador e organizador. Por um lado, dirigiu o departamento de sociologia desde a sua criação, em 1892, até aposentar- se, em 1924, data em que a sociologia já se tinha implantado firmemente em Chicago como uma disciplina importante. Por outro lado, seguindo conselhos do presidente Harper, fundou em julho de 1895 – ou seja, um ano antes de L’année sociologique de Durkheim – o American Journal of Sociology, do qual seria redator-chefe por 30 anos, até 1925. Esta revista, que existe ainda quase um século após ter sido fundada, foi assim a primeira revista sociológica do mundo e também, durante algum tempo, a única existente nos Estados Unidos, posto que foi preciso esperar até 1921 para ver a publicação da Sociology and Social Research, e até 1922 para que a Social Forces aparecesse. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 9 Albion Small contribuiu também para a fundação, em 1905, da American Sociological Society, que se transformaria em 1935 na American Sociological Association. Este elo, estabelecido por Small, entre a associação nacional de sociologia (cujos trabalhos e debates ele mesmo publicou em sua maioria) e a revista de sociologia de Chicago teria uma influência considerável sobre a sociologia americana, fundamentando por muito tempo a liderança da Escola de Chicago. FONTE: Coulon (1995, p. 14) FIGURA 3 – ALBION SMALL FONTE: <https://prabook.com/web/albion.small/3734829>. Acesso em: 17 jun. 2019. O interesse por temáticas da vida urbana deu-se entre professores e alunos da universidade, já que estavam no meio de todas as mudanças sociais e do crescimento urbano que geravam crimes e delinquência, um dos temas mais buscados para investigações. Uma característica importante do trabalho dos sociólogos de Chicago foi a de terem reunido dados estatísticos e qualitativos que evidenciavam que o crime era um produto social do urbanismo, o que representou um novo enfoque teórico, pois, até então, as causas da criminalidade eram explicadas por diferenças individuais, biológicas (positivismo biológico) e psicológicas (positivismo psicológico) (FREITAS, 2002, p. 54). Muitos professores integraram as pesquisas da Escola de Chicago, que prezava por uma sociologia pragmática, cujo valor prático pudesse ajudar a entender a origem dos problemas sociais específicos do meio urbano. Vejamos a seguir o tempo de atuação de cada um dos nomes mais conhecidos relacionados à Escola de Chicago. UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 10 FIGURA 4 – RELAÇÃO PROFESSORES x PERÍODO: ESCOLA DE CHICAGO FONTE: <https://www.revistas.usp.br/plural/article/view/68042/70612>. Acesso em: 17 jun. 2019. No entanto, diante da pluralidade de nomes que se pode observar vinculados à Escola de Chicago, pode-se afirmar que: Todavia, é o caso de ressaltar que o escopo da escola de Chicago de sociologia sobre um âmbito amplo, no qual se destaca a orientação ou perspectiva de teorização da ecologia humana, que durante muitos anos foi seguida em seu interior e incentivou grande número de estudos empíricos, centrados sobretudo na cidade de Chicago; no período em que vigorou, as formulações que contemplaram de modo mais específico a temática da estrutura espacial da cidade – por vezes denominada de “ecologia urbana” e que constitui, hoje em dia, um capítulo próprio da sociologia urbana – formam um núcleo de um desenvolvimento muito inspirado e que levou a descobertas originais; e o estudo das relações entre os diferentes grupos culturais, étnicos e raciais, no qual se salienta a situação dos negros nos Estados Unidos, em especial nas grandes cidades do norte do país, introduzido por Thomas e continuado por Park, teve grande relevo na sociologia americana (EUFRÁSIO, 1999, p. 37). No subtópico a seguir entenderemos de maneira breve como funcionava o programa de pesquisas da Escola de Chicago, quais suas características, para que nos aprofundemos nos conceitos principais no próximo tópico. Após o estudo do programa de pesquisas seguiremos pelos autores principais da primeira e segunda geração desses grupos. Mas antes, uma sugestão importante de leitura! Para estudar de modo mais aprofundado o surgimento da Escola Sociológica de Chicago, veja o artigo disponível em: https://www.revistas.usp.br/plural/article/ view/68042/70612. A referência é: EUFRÁSIO, Mario A. A formação da Escola Sociológica de Chicago. Revista Plural: Sociologia, São Paulo, nº 2, USP, 1º semestre de 1995, p. 37-60. DICAS TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 11 3 DIMENSÕES METODOLÓGICAS A Escola de Chicago possui características específicas do ponto de vista das formas metodológicas utilizadas em suas investigações, que interferiram também no desenvolvimento das teorias de seus autores. Freitas (2002) explica que três características peculiares foram o formalismo, o pragmatismo e a reforma social. Vamos entender melhor cada um deles a seguir. O formalismo busca identificar uma fórmula da vida social, objetiva “captar as formas subjacentes de relações sociais e, assim, fornecer uma espécie de geometria da vida social” (FREITAS, 2002, p. 55). As situações sociais, neste caso, são tratadas como parte de um quadro maior de processos formais. Como exemplo podemos citar um juiz que esteja avaliando uma causa, ele pode agir em função das leis já existentes e não pode criar novas leis naquele momento – portanto, sua ação individual terá embasamento em processos formais preexistentes. Um dos autores que desenvolve essa perspectiva é Simmel. O pragmatismo busca a ênfase no valor prático, sendo este o critério de verdade, e rejeitando a busca por uma verdade absoluta. Verdadeiro é o que pode ser feito com êxito, segundo esta corrente (FREITAS, 2002). Pode-se dizer que uma pessoa pragmática vive sempre pela solução de seus problemas de maneira imediata, e utiliza as ideias e lógicas de qualquer pessoa sempre para isso – considerando apenas as que são úteis para esta situação imediata. Os proponentes do pragmatismo foram John Dewey, Charles A. Peirce, William James e George H. Mead. Juntos, pragmatismo e formalismo trouxeram um toque especial ao trabalho sociológico. Era argumentado que o objetivo da pesquisa é entender o mundo social e que o mundo social, por sua vez, é fabricado pela experiência prática daqueles que nele vivem. É nesta experiência que a sociologia deve se concentrar, não em alguma ordem alternativa predita por uma teoria abstrata. Tal teoria lida com uma série de “fatos” e processos que são menos sólidos do que o conhecimento pessoal concreto daqueles que atualmente produzem o comportamento que é para ser explicado (DOWNES, ROCK, 1998, p. 63 apud FREITAS, 2002, p. 56). FIGURA 5 – CHARGE EXEMPLIFICANDO PRAGMATISMO FONTE: <https://aminoapps.com/c/universodiverso/page/blog/pragmatismo/ xGWo_6mh2uxbYzEXz841oZpKKpe3bpxeN5>. Acesso em: 17 jun. 2019. UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 12 Também permeou o desenvolvimento da Escola de Chicago a ideia de contribuição para uma reforma social, por meio de propostas de intervenção. Dewey, por exemplo, que era do departamento de Filosofia da Universidade, mas trabalhou em parceria com o departamento de Sociologia,fundou uma escola primária experimental para utilização de uma nova proposta de currículo, a fim de melhorar a educação. Sobre as ideias de reforma social: Pode-se dizer que a sociologia da Escola de Chicago é uma representante paradigmática dessa mudança, seguindo as tendências do desenvolvimento da disciplina nessa época: os esquemas teórico- conceituais deixam de ser elaborados especulativa e aprioristicamente, para se tentar derivá-los empiricamente (com esperança até numa construção indutiva) e, em contrapartida, em vez de usar as informações acumuladas por assistentes sociais como base empírica, os sociólogos passaram a entrar em contato direto com os objetos de suas pesquisas, levantando seus próprios dados em combinação com o processo de construção de suas categorias teóricas. Visavam com isso satisfazer a exigência de cientificidade e objetividade buscava pela sociologia nessa fase de consolidação e busca de legitimidade acadêmica e de solidez teórico-metodológica em face às demais disciplinas sociais (EUFRÁSIO, 2008, p. 16). O formalismo, pragmatismo e as intenções de reforma social aparecem nos dois programas de pesquisa principais que, segundo Eufrásio (2008), se destacaram na Escola de Chicago: um a partir do autor Thomas (publicando o artigo Race Psychology – 1912) e outro a partir de Park (publicando The City – 1915). Thomas propõe o estudo de comunidades de diferentes composições raciais e das relações entre elas, bem como da aceitação ou imitação da cultura desses grupos. Deste modo, a abordagem seria de uma psicologia racial e social, como subcampo da psicologia social. Ele indica que do ponto de vista do método, a coleta de dados poderia obter material a partir de três princípios: observação pessoal (viver junto ao grupo, observação participante), registros não planejados (cartas, diários, jornais etc.) e registros planejados (história, etnologia). Explicando a etnologia, ela pode ser definida como o estudo ou a ciência que estuda os fatos e documentos obtidos por meio de etnografia – método de coleta de dados comum no âmbito da antropologia cultural e social, que consiste no estudo descritivo da cultura de diferentes grupos sociais. NOTA TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 13 Park desenvolve uma abordagem cujo objeto principal é a cidade grande, a partir de uma psicologia social urbana. Acrescidos ao artigo The City foram, anos mais tarde, as noções de ecologia humana e a teoria ecológica da estrutura urbana que desencadearam o projeto de pesquisa “A Cidade como Laboratório Social”, em que Park define um programa de pesquisas empíricas da área de ciências sociais para entender a cidade. Estudaremos a ecologia humana no Tópico 2. A partir dessas formulações, tornaram-se viáveis numerosos temas identificando possibilidades de projetos específicos de pesquisa empírica; assim, nas duas décadas seguintes aproximadamente cinquenta dissertações e teses acadêmicas foram completadas (das quais aproximadamente trinta foram publicadas como livros), num caso singular de pesquisas coordenadas e sob orientação compartilhada, com o que se desenvolveu a linha de pesquisa em sociologia urbana que constituiu o eixo central da pesquisa da escola de Chicago, cujas aquisições e elaborações marcam até hoje essa sub- disciplina (EUFRÁSIO, 2008, p. 24). Dadas as características de programas de pesquisa comuns, orientações compartilhadas, entre outros, Eufrásio (2008) explica, a partir do autor Bulmer (1920), nove características presentes na criação e manutenção de uma escola em ciências sociais. A partir disso é possível definir a Escola de Chicago como tal. São elas: 1- Uma figura central em torno da qual se organiza; 2- a localização numa universidade importante, bem organizada e com boa presença na área de estudos e motivada pela comunidade local; 3- as características da cidade ou metrópole e a relação da universidade com essa cidade; 4- a personalidade dominadora da figura central da escola, para inspirar admiração, respeito e lealdade; 5- o líder da escola deve ter uma visão intelectual clara e um impulso missionário; 6- deve haver intercâmbios intelectuais frequentes e intensos entre o líder e os outros membros do grupo: tal “rede” acadêmica deve ser mais fortemente unida do que normalmente ocorre (por meio de seminários, publicações, orientações, núcleos de estudos e discussões etc.); 7- para desenvolver pesquisa empírica deve existir uma infraestrutura adequada: métodos de pesquisa, boas ideias, ligações institucionais, apoio financeiro externo etc.; 8- a escola persiste enquanto permanece atuante a geração de seu(s) fundador(es); 9- deve haver abertura para ideias e influências de outros campos e boas relações interdisciplinares (EUFRÁSIO, 2008, p. 14). Essas características aplicam-se à Escola de Chicago e fazem dela uma grande influenciadora na consolidação das pesquisas na área de sociologia urbana e sociologia do imigrante. Houve, portanto, duas fortes gerações de autores envolvidos com essa perspectiva de investigação, cujos principais feitos conheceremos a seguir. UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 14 O programa de pesquisas da Escola de Chicago é sistematizado por Eufrásio (2008) no capítulo A Escola de Chicago de Sociologia: perfil e atualidade. A referência é: EUFRÁSIO, Mario A. A Escola de Chicago de Sociologia: perfil e atualidade In: LUCENA, C. T.; CAMPOS, M. C. S. S. (Orgs). Práticas e representações. São Paulo: Humanitas/CERU, 2008. p. 13-28. DICAS 4 PRIMEIRA GERAÇÃO: ROBERT EZRA PARK Um dos autores mais fundamentais para a consolidação da Escola de Chicago, em sua primeira geração, foi Robert Ezra Park. Ele é considerado um de seus principais fundadores. Desenvolveu o conceito de ecologia humana, a qual estudaremos no próximo tópico. Por hora, vamos iniciar com sua biografia. Robert Ezra Park (1864-1944), um dos fundadores da Escola de Chicago, estudou na Universidade de Michigan. Seu interesse pelas questões sociais, especialmente as questões raciais e urbanas, levou-o a trabalhar como jornalista em Chicago. Depois de ser jornalista, estuda Psicologia e Filosofia em Harvard. Vai à Alemanha onde permanece por quatro anos estudando com Simmel e Wilhelm Windelban. Retorna aos Estados Unidos em 1903, tornando- se assistente em Filosofia em Harvard em 1904-1905. Park lecionou em Harvard até quando, por um convite de Booker T. Washington, passou a trabalhar no Instituto Tuskegee, desenvolvendo estudos sobre questões raciais do sul do país. Ingressou no departamento de Sociologia da Universidade de Chicago em 1914 onde permaneceu até sua aposentadoria em 1936. No entanto, Park continuou a lecionar na Universidade Fisk, até sua morte, ocorrida em Nashville, aos 79 anos de idade. Figura reconhecida nos círculos acadêmicos, foi presidente da Associação Sociológica Americana e da Liga Urbana de Chicago, além de membro do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais. FONTE: Silva (2009, p. 67) TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 15 FIGURA 6 – ROBERT EZRA PARK FONTE: <https://www.britannica.com/biography/Robert-E-Park>. Acesso em: 17 jun. 2019. Park, ao se debruçar sobre a ideia de consolidar uma Sociologia Urbana, indica que o espaço de investigação desse ramo da sociologia seriam as mudanças sociais, espaciais e residenciais. A mobilidade de um indivíduo ou grupo, para ele, mede-se não apenas pela mudança de local, mas pela quantidade e variedade de estímulos aos quais respondem. Esse autor se aproxima da obra de Durkheim quando tenta estabelecer o tipo de solidariedade que ocorre nas cidades, em função da divisão do trabalho. Essa divisão gera, para ele, uma interdependência entre as pessoas – acompanhada por uma solidariedade social baseada em um grupo de interesses. A partir da discussão da divisão do trabalho o autor construirá um quadro comparativo das diferenças entre a cidade grande e o campo ou comunidades de vizinhanças. Somente na cidade,para Park, é que se encontra o fenômeno da multidão, conjunto de indivíduos que perdem a sua capacidade de manifestação de interesses individuais, torna-se um ente irracional e, portanto, pode ser manipulada e controlada. A multidão só é possível na cidade, pois exige alto estágio de mobilidade, bem como relações modernas e industriais (SILVA, 2009, p. 71). Para este autor, a cidade é um espaço privilegiado de investigação sobre o comportamento humano, já que as relações tendem a ser impessoais e racionais, com a predominância do interesse pessoal – especialmente no que tange ao dinheiro. Além disso, as relações primárias são substituídas com frequência pelas relações secundárias, em função da rapidez de meios de transporte e comunicação. Trata- se da substituição das relações próximas, ocorridas entre família, amigos, vizinhos, pelas relações mais distantes, geradas no trabalho, relações comerciais, entre outros. A relação com grupos primários reduz-se e ocorre a perda de funções de instituições como família e igreja, alterando a vida social e ampliando situações como vícios e crimes nas cidades (SILVA, 2009). Park trata essa situação como objeto de investigação, tais como “enfraquecimento da família e da igreja; a crise e os tribunais; o vício comercializado e o tráfico de bebidas; política partidária e publicidade [...]” (SILVA, 2009, p. 71). UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 16 Seria possível estudar o controle social na cidade não mais realizado pelas instituições clássicas, mas apoiado em normas jurídicas. Também as tentativas de repressão ao vício e de controle do tráfico seriam objetos de investigação, já que o espaço urbano torna-se o campo ideal para sua disseminação. O controle social – entendido como os mecanismos que estabelecem a ordem social – manifesta-se, também, na publicidade e propaganda nos espaços urbanos. São estes os meios de controlar a opinião pública nas sociedades, especialmente se tratando da organização dos governos que, com a complexidade das cidades, necessitam administrar os grupos e suas relações secundárias. Park propõe algumas categorias para comparação da vida na cidade e no campo, conforme é possível observar a seguir. Se no campo as relações são fundamentadas nos sentimentos, nas ações de cooperação e no conservadorismo – por exemplo –, na cidade temos relações movidas a interesse, competição frequente e excentricidade. QUADRO 1 – CATEGORIAS PROPOSTAS POR PARK FONTE: Silva (2009, p. 74) Cidade Campo/comunidades de vizinhanças Interesse Sentimento Mobilidade Isolamento Divisão do trabalho Simplicidade do trabalho Raciocínio abstrato Raciocínio Homem síntese: judeu Homem síntese: campones Competição Cooperação Mores ( usos sociais, maneiras de agir racionais) Folkways (costumes tradicionais, derivados de agrupamentos homogêneos e simples) Excentricidade Conservadorismo Aventura Acomodação Silva (2009) destaca que Park indica que na cidade existem os chamados tipos temperamentais, frutos das relações sutis causadas pela forte mobilidade social. Neste sentido, Park destaca três eixos de estudos sociológicos: • a mobilização do homem individual; • a região moral; • o temperamento e contágio social. Vejamos como Silva (2009, p. 73) descreve cada eixo de acordo com as obras de Park: TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 17 No primeiro eixo, da mobilização do homem individual, destaca que a cidade proporciona muitos contatos, mais transitórios e menos estáveis, a substituição das associações mais íntimas e permanentes da comunidade por uma relação causal e fortuita, o peso do status, ou seja, da aparência. A cidade é o ambiente para a emergência de outro temperamento humano apoiado em elementos do acaso e aventura, funcionando com atração especial aos “nervos jovens e frescos”. A cidade é sinônimo de um clima moral que lhe dá liberdade, é o espaço para excentricidade e para a livre manifestação dos talentos. Do estudo desses tipos excepcionais e temperamentais, deveríamos distinguir entre as qualidades mentais abstratas em que se baseia a excelência técnica e as características inatas mais fundamentais que encontram expressão no temperamento. Esta outra dimensão da cidade como região moral é importante para os estudos sobre a cidade, pois para Park, a segregação ocorre não apenas por interesses, mas de acordo com os gostos e temperamentos de seus habitantes. Assim, pode ser tomada também como apenas um ponto de encontro, um local de reunião ou um local de moradia. Para entendermos o surgimento da região moral é necessário perceber o que o autor chama de teoria dos impulsos latentes do homem. A verdade parece ser que os homens são trazidos ao mundo com todas as paixões, instintos e apetites, incontrolados e indisciplinados. A civilização, no interesse do bem-estar comum, requer, algumas vezes, a repressão, e sempre o controle, dessas disposições naturais. No processo de impor sua disciplina ao indivíduo, de refazer o indivíduo de acordo com o modelo comunitário aceito, grande parte é completamente reprimida, e uma parte mais encontra uma expressão substituta nas formas socialmente valorizadas ou pelo menos inócuas. É nesse ponto que funcionam o esporte, a diversão e a arte. Permitem ao indivíduo se purgar desses impulsos selvagens e reprimidos por meio da expressão simbólica. É esta a catarse de que Aristóteles escreve em sua Poética, e à qual têm sido dadas significações novas e mais positivas pelas investigações de Sigmund Freud e dos psicanalistas. (PARK, 1979, p. 65). Somente a vida na cidade permite “contágio” de tipos excêntricos, em que os tipos diferentes podem se associar com outros de sua laia, pois a cidade lhes dá o suporte moral. Dessa forma, a região moral é uma categoria analítica para se aplicar a regiões onde prevaleça um código moral divergente, por uma região em que as pessoas que a habitam são dominadas de uma maneira que as pessoas normalmente não o são, por um gosto, por uma paixão, por algum interesse que tem suas raízes diretamente na natureza original do indivíduo. FONTE: Silva (2009, p. 73) UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 18 Park introduz a dimensão moral nas análises sobre as relações no meio urbano, passando de uma abordagem ecologista para uma abordagem culturalista. Mais adiante, essas duas correntes irão se consolidar e separar autores da Escola de Chicago, sendo que a vertente ecologista será guiada por Ernest Burgess e a vertente culturalista por Louis Wirth. Uma obra muito importante para o estudo do autor Park, publicada no Brasil e muito recente é: VALLADARES, L. P. A Sociologia urbana de Robert E. Park. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018. DICAS 5 SEGUNDA GERAÇÃO: LOUIS WIRTH Na segunda geração de sociólogos da Escola de Chicago temos Louis Wirth, que revisitou os clássicos da sociologia e pôs sobre eles suas análises, originando novas formas de compreender o contexto urbano a partir da sociologia. Louis Wirth nasceu na Alemanha (1897-1952), mas fez seus estudos nos Estados Unidos, na Universidade de Chicago. Formado pela primeira geração dessa escola, este autor iria tornar-se, mais tarde, um de seus mais importantes professores. Suas principais obras são O Gueto, publicado em 1928, e o texto O urbanismo como modo de vida. Publicado originalmente no American Journal of Sociology, em 1928, tornou-se o seu texto mais popular, muito utilizado pela Antropologia em seus estudos sobre a cidade (SILVA, 2009). FIGURA 7 – LOUIS WIRTH FONTE: <https://www.isa-sociology.org/en/about-isa/history-of-isa/isa-past-presidents/list-of- presidents/louis-wirth>. Acesso em: 17 jun. 2019. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 19 Para entender o desenvolvimento de seu pensamento, nos basearemos no autor Silva (2009). Wirth busca entender como o modo de vida urbano funciona, e para tal divide sua análise em quatro aspectos: • a cidade e a civilização contemporânea; • a definição de cidade a partir da sociologia; • uma teoriasobre o urbanismo; • a relação entre a teoria do urbanismo e a pesquisa sociológica. Wirth inicialmente articula a civilização contemporânea com o conceito de cidade, indicando uma polarização entre o rural – que seria a ligação com o tradicional – e o urbano – que seria a materialização do que é moderno. A civilização moderna, portanto, apresentaria uma tendência a viver em cidades, e estas, por sua vez, se sobrepõem a tudo o que é ligado ao campo, ao rural. Do ponto de vista evolucionista, a cidade seria a evolução de outros modos de vida, que não deixam de existir, mas que passam a ser tradicionais, ultrapassados. Para analisar essa polarização, Wirth revisita o clássico Weber e seu conceito de tipo ideal, lançando mão de dois tipos ideais: a comunidade rural de folk e a sociedade urbano-industrial. Segundo ele, esses dois tipos permitem a análise das associações humanas, pois existe uma tendência dos conglomerados a se dispor de acordo com esses dois polos, que representam o meio rural (folk) e o meio urbano (industrial). O conceito de Tipo Ideal na obra de Weber é um dos temas de estudo do componente curricular Teoria Sociológica I. Retome este material para relembrar as características e o funcionamento desse conceito. ATENCAO Definida essa polarização e consolidando a cidade como espaço da civilização moderna, Wirth passa a definir sociologicamente a cidade. Segundo ele, esta promove uma personalidade humana diferente naqueles que vivem no meio urbano, por meio das suas instituições, meios de transporte e comunicação. O modo de vida dos indivíduos na cidade, portanto, deve ser investigado em suas características peculiares – e analisado a partir das características da urbanidade em que vive. A análise sociológica do urbanismo deve dar conta da descoberta das variações nas características essenciais da cidade, bem como deve ser suficientemente inclusiva para conter quaisquer características essenciais que os diferentes tipos de cidade têm em comum. Trata-se então de encontrar no urbanismo o ponto central de investigação de uma Sociologia Urbana e tratá-lo como um complexo de caracteres que formam o modo de vida peculiar das cidades (SILVA, 2009, p. 81). UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 20 O desenvolvimento e a extensão desse modo de vida peculiar das cidades mencionado por Wirth é, em suas definições, a urbanização. Esses fatores são encontrados especialmente em regiões metropolitanas, mas existem em todos os agrupamentos urbanos. E uma última definição, porém não menos importante, indica que a cidade é – para Wirth – um “núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos” (SILVA, 2009, p. 81). Wirth volta suas análises para a cidade e para o urbanismo por identificar a ausência de hipóteses sobre esses temas nas análises sociológicas. Para tanto, ele baseia-se em Park e Weber, e busca analisar a cidade, desenvolvendo os seguintes postulados, elencados por Silva (2009, p. 82): - quanto mais densamente habitada, quanto mais heterogênea for a comunidade, tanto mais acentuadas serão as características associadas ao urbanismo; - como o modo de vida urbano se espalha para além da cidade, ele poderá ser perpetuado sob condições bem diferentes daquelas necessárias para sua origem; - a quantidade populacional conduz à alta densidade; - a heterogeneidade dos habitantes e da vida social resulta tanto do crescimento próprio dos centros urbanos como da migração. Wirth também buscou analisar as questões relativas à densidade populacional, ao tamanho das cidades e tudo o que envolve essa problemática: Ao detalhar o tamanho do agregado populacional, Wirth afirma que quanto maior o número de indivíduos participando de um processo de interação, tanto maior a diferenciação potencial entre eles e tais variações dão origem à separação espacial entre os indivíduos. Este processo leva ao afrouxamento dos laços dos grupos primários ou comunitários: em comunidades (folk) imperam os vínculos de solidariedade, ao passo que na cidade (city) são os mecanismos formais de controle e a concorrência que predominam. Na cidade os contatos são muito mais frequentes e menos intensos. O indivíduo depende de mais pessoas, o que leva a uma maior segmentação de papéis (SILVA, 2009, p. 82). Esta segmentação de papéis mencionada na citação anterior também aparece na especialização dos trabalhos, que traz o utilitarismo para as relações entre as pessoas, a predominância da segmentação nas relações. Muitas vezes, o mínimo de comunicação prevalece entre as pessoas, o que torna os contatos e associações superficiais. Boa parte das cidades, e as norte-americanas na época das análises ainda mais, são/eram formadas por grupos culturais diferenciados, cujo modo de vida diferente reflete em uma tolerância ou indiferença, gerando apenas a mínima comunicação. Além desses contatos indicados por Silva (2009), como contatos secundários, é possível identificar nas pesquisas de Wirth outras características que indicam o urbanismo como forma de organização social. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DA ESCOLA DE CHICAGO 21 A esfera pública amplia seu domínio sobre o indivíduo, na medida em que funções das instituições familiares passam a ser funções da esfera pública. A família nuclear passa a predominar em relação aos grupos de parentesco, refletindo em divergências entre estes núcleos – em função da ênfase maior no indivíduo. O custo de vida é maior no meio urbano, a necessidade do consumo é ampliada, e o lazer surge como escape à rotina, nesse contexto. Essa dinâmica gera o movimento do indivíduo de participação em grupos de interesses semelhantes aos seus, organizações voluntárias, a fim de atingir seus fins. Os sindicatos são exemplo desses grupos (SILVA, 2009). Em função dessas características, para Wirth torna-se difícil prever as associações que irão ocorrer no meio urbano, pois trata-se de uma busca por organizações que auxiliarão o acesso aos seus interesses – portanto, é possível haver incongruências e contradições – diferentemente do meio rural, onde a partir de alguns aspectos institucionais é possível prever o pertencimento a grupos e a aproximação com associações. O urbanismo torna-se objeto sociológico, portanto, em função das personalidades individuais que são moldadas pelos comportamentos coletivos estimulados pelas instituições urbanas. “Na cidade, o homem urbano exprime e desenvolve plenamente sua personalidade, adquire status e consegue desempenhar a quantidade de atividades que constituem sua carreira na vida” (SILVA, 2009, p. 86). O controle social resultante do tamanho, da densidade e da heterogeneidade das cidades deve processar-se tanto por meio de grupos formalmente organizados como através dos meios de comunicação. Nesse sentido, a manipulação das massas através de símbolos e estereótipos comandados por indivíduos “operando de longe” é um dos fenômenos urbanos da maior importância (SILVA, 2009, p. 86). Esses grupos operando de longe se organizam de acordo com interesses, baseados em uma solidariedade social gerada com base em interações mínimas e pouca comunicação, mas ainda assim geram uma coesão social – proporcionando um equilíbrio entre as forças sociais. Segundo Wirth, a partir do entendimento desses quatro aspectos da vida urbana é possível estabelecer análises sociológicas a respeito da cidade, do urbanismo, do modo de vida urbano. Deveria, portanto, ocorrer a construção de uma sociologia urbana. Ele escreve: Somente na medida em que o sociólogo tiver uma compreensão clara do que seja a cidade como entidade social e possuir uma teoria razoável sobre urbanismo, poderá ele desenvolver um corpo unificado de conhecimentos, pois aquilo que passa por “Sociologia Urbana” certamente não o é atualmente. Se, se tomar como ponto de partida uma teoria sobre urbanismo como delineada nas páginas anteriores, a ser elaborada, testada e revista à luz de mais análises e pesquisa empírica,pode-se esperar que seja determinado o critério de relevância e validade de dados concretos. Esse sortimento heterogêneo de informações UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 22 Para complementar seu conhecimento acerca deste autor, o texto mais conhecido de Wirth sobre o urbanismo pode ser buscado na seguinte publicação: WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, Otávio (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979. Vale a pena a leitura! DICAS separadas que foram incorporadas em tratados de Sociologia sobre a cidade poderá, assim, ser filtrado e incorporado num corpo coerente de conhecimentos. A propósito, somente por meio de uma teoria desse tipo, o sociólogo escapará da fútil prática de enunciar em nome da ciência sociológica, uma variedade de julgamentos, às vezes insuscitáveis, relativos a problemas, tais como pobreza, habitação, planejamento urbano, higiene, administração municipal, policiamento, mercadologia, transporte e outros itens técnicos. Embora o sociólogo não possa solucionar qualquer desses problemas práticos – pelo menos não por si só – ele poderá, se descobrir sua função apropriada, contribuir para a sua compreensão e solução. As perspectivas de fazê-lo são mais claras através de uma abordagem geral, teórica, do que por uma abordagem ad hoc (WIRTH, 1979, p. 112 apud SILVA, 2009, p. 86). É dessa maneira que Wirth propõe que haja a construção de uma Sociologia Urbana, tornando-se um dos precursores dessa abordagem. Uma teoria do urbano, portanto, seria desenvolvida a partir de pesquisas e investigações que tratem a cidade como objeto sociológico, considerando suas peculiaridades em relação ao rural/tradicional. 23 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • A Escola de Chicago é o núcleo de uma sociologia norte-americana, cujo principal objeto de análise desta escola sociológica foi a cidade, o modo de vida urbano e tudo o que o caracteriza. • No contexto de uma cidade que sofre explosão demográfica está inserida a Universidade de Chicago, berço de propostas para a sociologia urbana. É a partir dali que se pode dizer que se originou a Escola de Chicago. • Um nome de fundamental importância para o surgimento da Escola de Chicago foi Albion Small, o primeiro diretor do Departamento de Sociologia a ser convidado para tal função. • Do ponto de vista metodológico, a Escola de Chicago sofreu influências do formalismo, pragmatismo e das intenções de reforma social. • Um dos autores fundamentais para a consolidação da Escola de Chicago, em sua primeira geração, foi Robert Ezra Park. Ao se debruçar sobre a ideia de consolidar uma Sociologia Urbana, Park indica que o espaço de investigação deste ramo da sociologia seriam as mudanças sociais, espaciais e residenciais. Um de seus conceitos importantes é o de ecologia humana. • Na segunda geração de sociólogos da Escola de Chicago temos Louis Wirth, que revisitou os clássicos da sociologia e pôs sobre eles suas análises, originando novas formas de compreender o urbano a partir da sociologia. Um de seus conceitos importantes é a ideia de urbanidade. 24 AUTOATIVIDADE 1 A Escola de Chicago tornou-se célebre na Sociologia ao utilizar metodologias de forte caráter empírico. É conhecida por privilegiar a pesquisa prática. Para tal, sofreu influência de algumas perspectivas, citadas a seguir. Sobre estas perspectivas, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Formalismo II- Pragmatismo III- Reforma Social ( ) Utiliza-se de propostas de intervenção aliadas à pesquisa científica. ( ) Objetiva captar as formas subjacentes de relações sociais e, assim, fornecer uma espécie de geometria da vida social. ( ) Busca a ênfase no valor prático, sendo este o critério de verdade, e rejeitando a busca por uma verdade absoluta. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) III – I – II. b) ( ) II – I – III. c) ( ) I – II – III. d) ( ) III – II – I. 2 A Escola de Chicago é o berço da Sociologia Urbana, desenvolvendo estudos que tiveram influência mundial nesta área. Sobre a Escola de Chicago, analise as seguintes sentenças: I- A Sociologia Rural também é desenvolvida na Escola de Chicago, com estudos que comparam a vida urbana ao meio rural. II- O objeto principal de análise desta escola sociológica foi a cidade, o modo de vida urbano e tudo o que o caracteriza. III- Robert Park desenvolveu estudos sobre a ideia de ecologia humana e Louis Wirth estudou o urbanismo. IV- O crescimento urbano provoca novas formas de controle social, modificando a influência das instituições sociais tradicionais, como família, igreja e escola. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta. b) ( ) Somente as afirmativas I e II estão corretas. c) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. d) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas. 25 TÓPICO 2 CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA URBANA PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Agora que você já sabe como se originou a Escola de Chicago, as influências que sofreu nas dimensões metodológicas e um pouco sobre alguns de seus autores e pesquisas, é hora de adentrar no mundo dos seus conceitos. Muitas noções sociológicas foram utilizadas, versões clássicas revisitadas e outras criadas. A Sociologia Urbana esteve em formação durante o desenvolvimento das investigações na Escola de Chicago, portanto, além das discussões metodológicas que estavam em andamento, também se desenvolveu um arcabouço próprio conceitual – para que a área pudesse ser consolidada como legítima dentro das pesquisas sociais. Dentro do espaço que temos para estudo não seria possível esgotar todos esses conceitos, portanto, novamente sua tarefa é ir além! Procure ampliar os estudos com as leituras indicadas e pesquisar mais quando algum conceito lhe chamar a atenção. Por ora, vamos conhecer a ideia de cidade apresentada por este grupo, a noção de estrutura urbana e suas características, e a ecologia humana. Este último marcou fortemente toda a trajetória da Escola de Chicago, portanto, dê especial atenção a este conceito/teoria. Desejamos uma ótima leitura! 2 A CIDADE A cidade, nos estudos de Sociologia Urbana, possui sempre um peso central nas análises – por ser uma categoria que aglutina a relação entre o comportamento humano urbano e as instituições nesse espaço. Em se tratando da Escola de Chicago, o autor clássico acerca do estudo da cidade é Park, conforme vimos no primeiro tópico desta unidade. A cidade é o espaço de análise do sociólogo, ela é entendida nesse contexto como laboratório social. UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 26 Antes de Park, um outro membro do Departamento de Sociologia, Charles Richmond Henderson, já havia se interessado por estudar a cidade, embora seu interesse estivesse mais próximo do humanitário do que do cientista objetivo. Nos primeiros anos da universidade, Henderson costumava enviar alunos da pós-graduação para observarem o que ocorria em várias áreas da cidade. Faleceu em 1916, sendo sucedido por Ernest Watson Burgess, que havia sido seu aluno e cuja associação com Park resultou no período de intensa produção acadêmica e influência da Escola de Chicago (FREITAS, 2002, p. 63). O artigo que Park escreveu sobre esse tema e que se tornou um marco para a consolidação de uma tradição de pesquisa fortemente pragmática e de cunho empírico foi A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano, em 1915. A publicação ocorreu no periódico American Journal of Sociology, que – como já vimos – foi o principal meio de comunicação da Escola de Chicago. No artigo, Park apresenta as potencialidades da etnografia urbana, indicando que os “métodos pacientes de observação utilizados por antropólogos como Boas e Lowie para estudo dos povos primitivos poderiam ser ainda mais vantajosamente empregados na investigação dos costumes, crenças e práticas sociais do homem civilizado”(FREITAS, 2002, p. 64). E por meio de métodos como a etnografia seria possível pesquisar empiricamente a vida social ocorrida na cidade, especialmente suas nuances. Ele pedia aos seus alunos que observassem tudo o que estava ao seu redor. A cidade, especialmente a grande cidade, onde mais do que em qualquer outro lugar as relações humanas tendem a ser impessoais e racionais, definidas em termos de interesse e em termos de dinheiro, é num sentido bem real um laboratório para a investigação do comportamento coletivo (PARK, 1925 apud FREITAS, 2002, p. 64). Park entendia que a sociologia deveria compreender como as pessoas reagiam aos fatos, e para tal, sugeriu a participação direta do pesquisador com o objeto de estudo. Essa experiência prática dentro do rigor científico passou a ser o método da observação participante (que consiste na coleta de dados por meio da participação direta do pesquisador no fenômeno social estudado, seja como observador ou como interventor), e que inova no sentido de permitir o acesso das próprias percepções ao pesquisador, e não apenas a percepção de outros sujeitos. Com o estímulo à exploração por esse método, Park e seus colegas na Escola de Chicago desenvolveram importantes pesquisas, cujas diferentes dimensões foram analisadas pelos mesmos participantes destes grupos de pesquisa. Assim, a cidade de Chicago tornou-se um grande laboratório da vida social entre 1920 e 1930, quando os professores guiavam investigações – principalmente sobre a criminalidade que crescia no espaço urbano. TÓPICO 2 | CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA URBANA PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE 27 FIGURA 8 – CHICAGO EM 1920 FONTE: <https://www.reddit.com/r/oldcities/comments/77si71/chicago_in_1920/>. Acesso em: 17 jun. 2019. Park concebe a cidade como instituição, por isso ela se torna objeto sociológico, sendo observada como estrutura externa ao indivíduo e que interfere na sua subjetividade. De forma mais completa: A cidade (ou seja, “o lugar e as pessoas, com toda a maquinaria, sentimentos, costumes e recursos administrativos que as acompanham, a opinião pública e os trilhos de bondes nas ruas, o homem individual e as ferramentas que ele usa”) pode então ser pensada como “alguma coisa mais do que uma mera entidade coletiva”; pode ser pensada “como um mecanismo – um mecanismo psico-físico – no qual e através do qual os interesses privados e políticos encontram expressão associada [corporate]”. Grande parte do que comumente se considera como a cidade “– sua legislação, organização forma, edifícios, trilhos nas ruas e assim por diante – é, ou parece ser, mero artefato. Todavia, só quando, e na medida em que, por uso e costume, essas coisas se associam [...] às forças vitais que residem nos indivíduos e na comunidade, é que assumem a forma institucional. Como um todo, a cidade é uma produção. É o produto não-intencional [undesigned] do trabalho de sucessivas gerações de homens (EUFRÁSIO, 1999, p. 49). Assim, Eufrásio (1999) destaca que a cidade integra a estrutura física com elementos espirituais, que são a ordem moral – e todo esse mecanismo é resultado de um processo histórico. Ambas se moldam, se modificam, conforme interagem. A organização espacial da cidade, por exemplo, pode ser geométrica (como em cidades planejadas) – sendo que o planejamento impõe uma organização específica. No entanto, é difícil controlar a expansão, especialmente em se tratando de propriedades privadas, seguindo gostos e conveniências pessoais. Em função disso, a organização pode ser modificada e, portanto, não controlada. Inicialmente, a geografia local, os meios de transporte etc., podem ser determinantes para a distribuição populacional – mas conforme a cidade cresce outro item auxilia essa distribuição: as rivalidades, as simpatias, as necessidades econômicas, entre outros. Surge, então, a vizinhança, e cada uma delas dá continuidade aos processos históricos, que se impõem aos indivíduos. UNIDADE 1 | ESCOLA DE CHICAGO 28 Assim se formam os setores que Park chama de vizinhanças, pequenas células da comunidade que precede e da qual parte a formação da cidade (EUFRÁSIO, 1999). Elas são as formas mais elementares das associações urbanas, existindo sem uma organização formal. Nas cidades grandes, a vizinhança perde grande parte da sua importância, pois a facilidade aos transportes e meios de comunicação permite que o sujeito distribua sua atenção, não a mantendo centrada apenas no seu entorno. Ainda assim, vizinhanças formadas por grupos segregados nas cidades tendem a existirem em suas margens, ou seja, em seu entorno – distantes das áreas centrais. Outro item que auxilia a definição espacial da cidade é a organização econômica: o comércio é determinante para a formação das cidades, na medida em que a população se organiza em torno dele. O desenvolvimento industrial estimula o comércio e os grandes mercados passam a ser centrais no espaço urbano. Além da análise das organizações espaciais citadinas, Park analisa a ordem moral disposta nas cidades, e traz a noção de regiões morais. Segundo ele, grupos com interesses similares formam grupos que possuem regras morais específicas, e que não se interpenetram com outros grupos. Ele diz: É inevitável que indivíduos que buscam as mesmas formas de empolgação [excitement] (sejam corridas de cavalos ou óperas) devam se encontrar de tempos em tempos nos mesmos lugares. O resultado disso é que, na organização que a vida da cidade espontaneamente assume, se manifesta uma disposição da população para se segregar, não meramente de acordo com seus interesses, mas de acordo com seus gostos ou seus temperamentos. A distribuição da população resultante deve ser provavelmente muito diferente daquela trazida por interesses ocupacionais ou condições econômicas (PARK, 1915 apud EUFRÁSIO, 1999, p. 55). As regiões morais podem ser regiões habitacionais ou mesmo regiões de diversão, habitadas por pessoas como um gosto ou interesse comum, e que possuem um certo isolamento moral por se diferenciar de outros grupos. Para finalizar este tópico, vamos ao texto do próprio autor: Esse texto é parte da publicação mais determinante de Park sobre a cidade e está em: EZRA PARK, Robert. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. In: VELHO, Otávio (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979. DICAS TÓPICO 2 | CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA URBANA PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE 29 Segundo o ponto de vista deste artigo, a cidade é algo mais do que um amontoado de homens individuais e de conveniências sociais, ruas, edifícios, luz elétrica, linhas de bonde, telefones etc.; algo mais também do que uma mera constelação de instituições e dispositivos administrativos – tribunais, hospitais, escolas, polícia e funcionários civis de vários tipos. Antes, a cidade é um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição. Em outras palavras, a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial. Está envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem; é um produto da natureza, e particularmente da natureza humana. A cidade, como Oswald Spengler observou recentemente, tem sua cultura própria: “A cidade é, para o homem civilizado, o que é a casa para o camponês. Assim como a casa tem seus deuses lares, também a cidade tem sua divindade protetora, seu santo local. A cidade, como a choupana do camponês, também tem suas raízes no solo”. Em tempos recentes a cidade tem sido estudada segundo o ponto de vista de sua geografia, e ainda mais recentemente segundo o ponto de vista de sua ecologia. Existem forças atuando dentro dos limites da comunidade urbana — na verdade, dentro dos limites de qualquer área de habitação humana — forças que tendem a ocasionar um agrupamento típico e ordenado de sua população e instituições. A ciência que procura
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