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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE LICENCIATURA KEVIN TORRES FERREIRA PAISAGENS PATRIMONIAIS DO BON ODORI NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA FORTALEZA 2021 KEVIN TORRES FERREIRA PAISAGENS PATRIMONIAIS DO BON ODORI NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA Trabalho de conclusão de curso (Monografia) apresentado ao Curso de Licenciatura em Geografia do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira. FORTALEZA 2021 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) F441p Ferreira, Kevin Torres. Paisagens patrimoniais do Bon Odori no contexto da educação geográfica / Kevin Torres Ferreira. – 2021. 92 f. : il. color. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências, Curso de Geografia, Fortaleza, 2021. Orientação: Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira. 1. Paisagens culturais. 2. Patrimônio cultural. 3. Bon Odori. 4. Nipo-brasileiro. 5. Exercícios imagéticos. I. Título. CDD 910 KEVIN TORRES FERREIRA PAISAGENS PATRIMONIAIS DO BON ODORI NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA Trabalho de conclusão de curso (Monografia) apresentado ao Curso de Licenciatura em Geografia do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Geografia. Aprovada em: 30/08/2021. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC) _________________________________________ Prof. Me. Marcos da Silva Rocha Universidade Federal do Ceará (UFC) _________________________________________ Prof. Dra. Laura Tey Iwakami Universidade Estadual do Ceará (UECE) Em memória de meus avós, Osmar Viana, Raimundo Vieira e Maria Neide Obrigado pelo “Deus te abençoe” nas entradas e saídas Que vosso legado continue sendo honrado. AGRADECIMENTOS A Ele que criou todas as coisas, que me sustenta nos montes e nos vales, que prometeu estar presente todos os dias e faz a vida acontecer em sua plenitude. Aos meus pais, Antônio Geomar e Cassiana Torres, que independente das dificuldades investiram na educação de seus filhos. Aos meus avós, Luzia Albuquerque, Maria Neide (in memorian), Raimundo Vieira (in memorian) e Osmar Viana (in memorian). À minha irmã Marjorye Torres e meu cunhado Jeziel Duarte. Aos meus amigos Gabriel Rodrigues, Carolina Castro, Ytalo Lemos, Matheus Souza, Emanuele Beserra, Lucas Lima e Renato Rocha. Aos meus companheiros de jornada na UFC: Karolayne Silva, Crislane Nascimento, Paulo Henrique, Tiago de Amorim, Victor Reis e Carlos Eduardo. As aulas de campo e os cafés na cantina da Geologia foram ainda melhores com eles. A Marcílio Batista, Felipe Rodrigues, Gerlaine Cristina e Sílvia Heleny, amados e amadas que não dispensaram conversas e conselhos. Ao Anderson Camilo, irmão que mesmo à distância sempre me ajudou. A Márcia Cristina, professora tão querida e inspiradora. A Marcos Rocha, professor e amigo que tantas vezes me ajudou nos percursos dos trabalhos acadêmicos. A Christian Oliveira, meu orientador no decorrer da graduação. Obrigado pelo cuidado, pela paciência e dedicação em seu trabalho. À Laura Iwakami Sensei, pela disponibilidade em ajudar-me nos estudos sobre cultura japonesa. Ao Yohan Ignas, Vanessa Ignas, Mírian Costa e Neto Lourenço: gente amada da igreja A Ponte Fortaleza. Não esquecerei das orações e do apoio em tantos momentos. A Tiago Cavalcante, Edivani Barbosa, Elisa Zanella, Alexandre Queiroz, Rubson Pinheiro e Clélia Lustosa, professores e professoras do Departamento de Geografia que me inspiram pela dedicação no trabalho que exercem. A Cynthia Rodrigues, professora do Departamento de Geologia, pelas orientações no decorrer da minha jornada no curso de Geografia. A Dora Gadelha, Fabiana Abreu e Tânia Noleto, professoras inspiradoras. Aos colegas do LEGES, principalmente Tiago Duarte, Lizandra Araujo, Djailson Ricardo, Ivna Marques, Aurislane Carneiro e Eduardo Alves. Aos colegas do Laboratório NihongoLab. Ao CNPq pelo fomento aos projetos de pesquisas aos quais eu fui bolsista de iniciação científica. A Universidade Federal do Ceará, minha segunda casa de 2017 a 2020. Arigatou Gozaimasu! Muito obrigado a todos! “Nesse rio torto Sem fronteiras pra ninguém Sem perder o rumo Vou me encontrar também” Marcos Almeida (2012)1 1 Rio Torto. Marcos Almeida. RESUMO O presente trabalho propõe uma sistematização dos aspectos geográficos e culturais de uma festa japonesa que foi contextualizada no maior território sul-americano por diversas comunidades nipo-brasileiras: o Bon Odori. O enfoque à patrimonialidade festiva nipo- brasileira é justificada pela importância de se estabelecer um diálogo intercultural sobre as culturas que integram os espaços locais e alternos dos educandos. O estudo fundamentou-se no conceito de paisagem patrimonial para tratar a festa enquanto construção social e simbólica. No âmbito educacional realizou-se uma análise sobre a função da imagem como parte da metodologia da Geografia Escolar. Na interação docente se apresentou um material didático que consistiu no uso de fotografias e infográficos para apresentar e mediar conhecimentos sobre os significados e a representação patrimonial do Bon Odori. A primeira parte deste trabalho apresentou os elementos que compõem a prática simbólica da festa realizada no Japão. Realiza- se um levantamento qualitativo sobre o Bon Odori no Brasil e em seguida são abordados os exemplos festivos praticados nas cidades de Pereira Barreto - SP, Campo Grande - MS, Maringá - PR, Atibaia - SP, Salvador - BA, Tomé-Açu - PA e Goiânia - GO para analisar esta patrimonialidade enquanto parte da identidade cultural nipo-brasileira. As localidades pesquisadas foram escolhidas a partir da disponibilidade de trabalhos acadêmicos, de imagens e de recursos audiovisuais sobre elas considerando as representações simbólicas de todas as cinco regiões do território brasileiro. A segunda parte deste trabalho apresenta a pesquisa, os procedimentos e as reflexões adquiridas na interação docente durante o quarto estágio supervisionado. Considerando o período pandêmico mundial decorrente da disseminação do vírus COVID-19, as atividades presenciais nas escolas públicas foram suspensas. Nisto, a pesquisa educacional se procedeu num contexto onde as interações entre professores e alunos aconteceram exclusivamente através dos recursos virtuais. Conclui-se que a representação simbólica do Bon Odori no Brasil se assemelha em vários aspectos à patrimonialidade verificada no Japão e que os estudos paisagísticos sobre esta festa devem continuar porque elas são parte das expressões imateriais das comunidades nipo-brasileiras. Apresenta-se também uma breve reflexão sobre os desafios da docência nas circunstâncias decorrentes de uma pandemia mundial, além da importância dos estudos patrimoniais e do cuidado no usodas imagens na Geografia Escolar. Palavras-chave: paisagens culturais; patrimônio cultural; Bon Odori; nipo-brasileiro; exercícios imagéticos. ABSTRACT The present work proposes a systematization of the geographic and cultural aspects of a Japanese festival that was contextualized to Brazil and is called Bon Odori. The focus on nipo- Brazilian festive heritage is justified by the importance of establishing an intercultural dialogue about the different cultures in the local and alternate spaces of students. The study was based on the concept of heritage landscape to approach the festival as a social and symbolic construction. In the educational field was made an analysis about the function of the image as part of the geographic education methodology. In the teacher's interaction, the teaching material consisted of the use of photographs and infographics to present and mediate knowledge about the meanings and heritage representations of Bon Odori. Thus, this analysis is divided into two parts: the first presents the elements of the symbolic practice in Japan Bon Festival is then presented with an initial quantitative survey about Bon Festival in Brazil. Then, the festive examples located in the cities of Pereira Barreto (São Paulo), Campo Grande (Mato Grosso do Sul), Maringá (Paraná), Atibaia (São Paulo), Salvador (Bahia), Tomé-Açu (Pará) and Goiânia (Goiás) to analyze Bon Odori as part of the Japanese-Brazilian cultural identity. The locations were chosen based on the availability of academic papers, images and audiovisual resources about them. The second part of this work consists of research, procedures and reflections acquired in the teacher interaction during the fourth supervised internship. In the school analysis, it was taken into account that the worldwide pandemic period, resulting from the dissemination of the COVID-19 virus, caused the restriction of on-site activities in public schools. In this sense, the research was carried out in a context where interactions between teachers and students were restricted to strictly virtual resources. It is concluded that the symbolic representation of Bon Odori in Brazil is similar to that observed in Japan. Landscape studies on this festival need to continue, as its symbolic practices are part of the immaterial expressions of the nipo-Brazilian communities. Furthermore, the challenges of teaching in the midst of a period of social isolation resulting from a pandemic are reported. Finally, we verified the importance of heritage studies and care in the exercise of images for school geography. Keywords: cultural landscapes; cultural heritage; Bon Odori; nipo-Brazilian; imageries exercise. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11 2 DO JAPÃO AO BRASIL: A PAISAGEM FESTIVA DO BON ODORI ........ 20 2.1 Geografia e patrimônio cultural: pressuposto teórico para a Paisagem Cultural................................................................................................................ 20 2.2 Do japonês imigrante à identidade Nikkei....................................................... 22 2.3 A volta dos ancestrais: o Bon Odori no Japão.................................................. 25 2.4 Bon Odori no Brasil: as paisagens culturais a partir da festa........................ 32 3 A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO BON ODORI NIPO-BRASILEIRO.. 47 3.1 Exercícios imagéticos: os signos e símbolos das festas Bon Odori no Brasil. 49 3.2 Reflexões sobre o ensino das paisagens simbólicas Nipo-Brasileiras............. 57 3.2.1 Reconhecendo as paisagens dos espaços de vivência.......................................... 57 3.2.2 Aprendendo sobre Paisagens Culturais no contexto da Educação Remota........ 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 77 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 79 APÊNDICE A – 1° QUESTIONÁRIO.............................................................. 82 APÊNDICE B – 2° QUESTIONÁRIO.............................................................. 88 APÊNDICE C – PLANO DE AULA ................................................................ 91 11 1. INTRODUÇÃO Em meados da década de 1960 o Brasil testemunhou o surgimento de uma festa que destoava da cultura nacional daqueles tempos. E na medida em que diversas comunidades de imigrantes japoneses e seus descendentes foram estabelecendo vínculos com o maior país da América do Sul, esta prática imaterial ganhou força e notoriedade em várias cidades brasileiras. Fundamentada sob uma crença religiosa advinda de um país localizado no Extremo Oriente, esta festa faz de um imaginário coletivo cujo propósito consiste em honrar e celebrar a vida dos antepassados. Tradicionalmente nessa celebração, um elevado palco costuma ser colocado no centro do espaço festivo. Nele, algumas pessoas tocam tambores e outras vão compondo uma dança sincronizada. Ao seu redor, os demais festeiros dançam em filas circulares ao som das melodias que denotam alegria, reverência e devoção. A festa que aqui estamos a conhecer conjuga parte da cultura imaterial da terra do sol nascente que foi trazida ao Brasil pela maior comunidade de descendentes japoneses para além do arquipélago nipônico. Esta festividade ficou conhecida no Brasil como Bon Odori. Nos dias atuais essa festa acontece em cidades de todas as regiões do Brasil. No estado de São Paulo, por exemplo, as cidades de Andradina, Atibaia, Registro e Pereira Barreto consolidaram o Bon Odori há mais de 50 anos. A celebração em Maringá-PR é esperada todos os anos por vários grupos que dançam o Bon Odori habilidosamente. No Nordeste brasileiro, a mesma festa tem a sua marca consolidada há 60 anos na Mata de São João-BA e há mais de 20 em Salvador-BA. Na capital goianiense, alguns noticiários indicam o Bon Odori dessa cidade como o maior festival de cultura japonesa do Centro-Oeste. Estes são alguns exemplos da festa Bon Odori consolidada como uma prática patrimonial que se constitui como paisagem cultural, conceito este que iremos nos debruçar no decorrer do presente trabalho para fins geográficos e educacionais. Nos estudos geográficos, as paisagens culturais expressam as marcas da existência humana no espaço seja na interação com a natureza, seja consigo mesma. Elas revelam as práticas simbólicas e materiais que concernem à história pessoal e a do outro. Neste sentido, o presente trabalho relacionou Geografia, Educação e Patrimônio para sistematizar aspectos geográficos e culturais sobre uma festividade de origem nipônica contextualizada ao Brasil graças à extensa comunidade Nipo-Brasileira. 12 A festa – ou festival – Bon Odori recebe o enfoque desse trabalho pela sua representatividade e visibilidade capaz de gerar estudos geográficos sobre as paisagens culturais japonesas e nipo-brasileiras. Seu cenário é tradicionalmente composto por lanternas de papel, tambores, vestimentas típicas e danças coletivas, pertinentes ao imaginário patrimonial nipônico. No Brasil as primeiras festas Bon Odori foram protagonizadas por várias colônias de imigrantes. Se revelando no espaço-tempo de maneiras específicas, tais festas apresentam paisagens semelhantes àquela que foi originada no Japão. A curiosidade em pesquisar sobre patrimônio japonês precedeu do desejo de estudar culturas alternas e suas manifestações simbólicas no contexto do espaço mundial globalizado. A paixão por essa temática, sobretudo pelos estudos das civilizações no Extremo Oriente, cresceu ainda mais ao assistir filmes, seriados, documentários e tantas outras produções culturais transmitidas na TV e na internet sobre o Japão, Coréia do Sul, China, Tailândia e outros países asiáticos.Além disso, a Geografia tem avançado nos estudos sobre imigrações, considerando que pesquisadores de várias áreas científicas têm se debruçado sobre temas que envolvem a Imigração Japonesa ao Brasil. Ao conhecer algumas práticas festivas japonesas, foi notado que o estudo de uma festividade como o Bon Odori é capaz de promover conexões paisagísticas entre dois países tão distintos em suas culturas e crenças. E considerando que hoje existem aparatos virtuais e digitais que facilitam a busca de fotografias, sons e vídeos sobre as paisagens patrimoniais, foi assim que o Bon Odori foi escolhido para ser estudado no contexto da educação geográfica e patrimonial. Os alicerces teóricos e metodológicos dessa pesquisa se deram durante os encontros do grupo de estudos sobre estética japonesa no Laboratório NihongoLab2 e durante os grupos de estudos sobre paisagens culturais no Laboratório de Estudos Geoeducacionais e Espaços Simbólicos – LEGES. O enfoque da pesquisa sobre as práticas simbólicas iniciou na execução do projeto de pesquisa “Paisagens Patrimoniais do Carnaval Latino: Mapeamento Simbólico de Urbes Turísticas”3. Partindo para um rumo independente, a pesquisa sobre patrimônio começou trazendo essa correlação entre paisagens culturais locais e alternas para o contexto da educação geográfica. Todo esse percurso da formação do professor de Geografia contribuiu de modo eficaz para a elucidação teórica e prática deste trabalho. 2 Nihongolab é um grupo de estudos japoneses vinculado ao curso de japonês e ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Ceará. 3 O projeto faz parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal do Ceará em parceria com a agência financiadora CNPq Brasil. 13 É importante esclarecer que ainda não se sabe, exatamente, quando e onde a prática do Bon Odori começou no Brasil. Sabe-se, porém, que várias associações (ou clubes) foram criadas no decorrer da história da Imigração Japonesa no Brasil. São estes ajuntamentos, compostos por imigrantes e Nikkeis 4 , que promoveram e continuam a fomentar projetos culturais, esportivos e sociais nos quais estabelecem vínculos entre as famílias e preservam a memória cultural. Em sua pesquisa sobre práticas corporais, Ledur (2017, p. 74) observou que a maioria dos Festivais Bon Odori são organizados pelas associações nipo-brasileiras e que se revelam como prática cultural que incentiva a preservação e a transmissão de seu patrimônio milenar, ao mesmo tempo que se contextualiza na sua nova realidade espaço-temporal. Quanto às origens da festa, alguns registros datam seu surgimento no século XIV. No Japão o Bon Odori faz parte um outro Festival chamado “Obon”5 (WIK, 2016). Esta festa se caracteriza pelos ritos budistas mediante os valores perceptivos à ancestralidade, à honradez e à devoção. Durante o verão nipônico, este festival é conhecido pelas práticas socioculturais voltadas à homenagem aos antepassados, justificando a crença da visita espiritual dos mortos aos vivos. A dança “Bon Odori” é uma das práticas que acontecem na passagem da tarde para noite, cuja mudança de cores no céu compõe a celebração que é testemunhada pela paisagem. Considerando todas as informações obtidas sobre esta festa, a pesquisa conduziu a reflexão sobre a prática do Bon Odori nipo-brasileiro para a educação geográfica. Assim, o presente trabalho se sucedeu durante a realização do Quarto Estágio Supervisionado sucedido na Escola de Ensino Médio de Tempo Integral (E.E.M.T.I.) Renato Braga na cidade de Fortaleza/CE, cujo trabalho foi articulado com as turmas da primeira série do Ensino Médio. Para tanto, dispondo de informações documentais e imagéticas disponíveis, questionou-se: como tornar acessível e instrumentalizado a compreensão simbólica da cultura nipo-brasileira na educação geográfica das escolas de Ensino Médio? Para responder a esta pergunta, este trabalho apresenta uma sistematização descritiva e reflexiva para os estudos patrimoniais na Geografia Escolar. O percurso empírico buscou informações sobre os festivais Bon Odori realizados no Brasil a partir de informações obtidas em trabalhos acadêmicos, além de páginas sobre associações Nikkeis, portais de notícias e conteúdos divulgados em redes sociais. Conferindo e checando todas as informações 4 Nikkei é o termo referente aos descendentes de japoneses nascidos fora do arquipélago japonês. Assim como “nipo-brasileiro”, utilizaremos esse termo no decorrer de nosso trabalho. 5 Obon (お盆) ou Obon Matsuri (お盆祭り) significam Festival das Lanternas ou Festival de Finados. 14 obtidas, foi possível, então, caracterizar e sistematizar os elementos culturais do Japão e do Brasil sobre o Bon Odori sob a análise paisagística, compreendendo o seu caráter patrimonial. Cientes de que todos nós vivemos numa sociedade etnicamente plural, é importante entender que a escola deve proporcionar uma educação intercultural para obter e propagar a consciência de personalidade e alteridade (SERVILHA, 2019), características estas que fazem parte do processo de formação cidadã das alunas e alunos desta pesquisa. Foi na busca por este diálogo intercultural que os saberes do patrimônio cultural alterno foram conduzidos ao ambiente escolar. Questionou-se, portanto, como a temática das paisagens patrimoniais nipo- brasileiras podem ser trazidas à Geografia Escolar no intuito de informar, visualizar e mediar conhecimentos de abordagem cultural. Aqui, a alteridade é definida como aquilo que pertence ao outro, bem como às minorias étnicas e imigratórias. Se cada sociedade revela a pluralidade em seu território, um diálogo intercultural com os espaços alternos (SERVILHA, 2019) permitirá um ensino transdisciplinar das ciências humanas e de suas implicações nas paisagens patrimoniais do Brasil e da América Latina. No planejamento do Estágio Supervisionado, foi levado em consideração que a cidade de Fortaleza-CE ainda não sedia uma festa Bon Odori como em outras cidades que foram pesquisadas. Para se pensar uma educação intercultural usando uma festa nipo-brasileira como exemplo, o professor deve considerar metodologias que sejam adequadas ao que o público-alvo entende sobre patrimônio local e o que se compreende enquanto “cultura japonesa”. O consumo da cultura pop e da gastronomia japonesa pelo público infanto-juvenil são exemplos capazes de auxiliar na criação de um ponto de partida para tratar sobre a festividade em questão. Outro desafio posto ao percurso educacional foi o cenário pandêmico ocasionado pela transmissão do vírus SARS-CoV-2 no ano de 2020. O Governo do Estado do Ceará decretou a suspensão das aulas presenciais no mês de março. Já em agosto do mesmo ano a Secretaria de Educação decretou o retorno às aulas das escolas públicas de maneira exclusivamente virtual/remota por tempo indeterminado. Foi nesse formato de ensino que a prática educacional se deu. A ação docente consistiu na elaboração de dois questionários estruturados, uma aula transmitida remotamente e um material de apoio elaborado com fotografias e infográficos próprios sobre o Bon Odori. Todos os recursos foram elaborados para que os alunos pudessem acessá-los nas plataformas virtuais em smartphones, tablets ou computadores. 15 A pesquisa conduziu um cuidado específico sobre o uso de imagens para a ação educacional. O exercício imagético é capaz de potencializar a visão do aluno sobre um determinado assunto na figura, mas seu uso inadequado pode inibir ou até anular seu propósito. Portanto, o trabalho vai explicar a importância do planejamento sobre a forma de expor e mediar o que se deseja explicar sobre uma imagem. Portanto, este trabalho é pautado por uma abordagem educacional e cultural. Enquanto conceito norteador deste trabalho, o conceito de paisagem cultural foi embasado nas leiturasde Serpa (2019), Rocha (2018), Marandola e Oliveira (2018). O patrimônio cultural e suas práticas simbólicas foram pautadas, respectivamente, nos estudos de Almeida (2013) e Oliveira (2007). Já as elucidações de Beltrão (2008), Takeuchi (2016) e Sakurai (2007) estruturaram as reflexões sobre Imigração Japonesa no Brasil. O conceito intercultural estudado por Servilha (2019) e Cavalcanti (2006) encaminhou a reflexão sobre educação geográfica pautada sob a alteridade, pois a festa em análise remonta o imaginário de diferentes comunidades nipo-brasileiras. O material didático foi elaborado considerando a definição e função da imagem discutida por Samain (2012) e Carvalho e Aragão (2012). Considerando o enfoque nos exercícios imagéticos, foi desenvolvido um trabalho visual que articulou textos, fotografias e pinturas através de um material didático disponibilizado virtualmente6. Composto por esse trabalho conhecido como infográfico, este material foi desenvolvido principalmente para conduzir os alunos a contemplarem as figuras que representam o saber festivo do Bon Odori desde suas origens japonesas até sua contextualização no Brasil. É importante relatar que a pandemia ocasionada pela transmissão do vírus SARS- CoV-2 incitou em mudanças e flexibilizações na execução da pesquisa. Com isto, as visitas de campo foram inviabilizadas e o acesso às informações sobre as festas se deu de modo estritamente online. Sem esquecer que todas as práticas culturais contendo aglomerações foram restringidas em seus modelos tradicionais em vários meses do ano de 20207. Este trabalho obteve sucesso graças à contribuição de tantos outros trabalhos de pesquisadores que testemunharam as práticas culturais de várias comunidades Nikkeis, bem 6 O material didático virtual pode ser acessado através do perfil @bonodoribr no Instagram <www.instagram.com/bonodoribr>. 7 Em decorrência da possibilidade confirmada dos altos riscos de contágio do vírus entre pessoas próximas, a Organização Mundial da Saúde aconselhou as gestões públicas a suspenderem quaisquer atividades culturais que estimulassem aglomerações. Nisto, festividades como Carnavais, São João e tantas outras foram oficialmente canceladas. http://www.instagram.com/bonodoribr 16 como dos festejos do Bon Odori. As fontes documentais e imagéticas na internet foram basilares para o exercício da prática científica e docente. Assim, foi possível avaliar a representação visual do Bon Odori enquanto patrimônio cultural que reconstitui ritos nipônicos e se consolida enquanto paisagem cultural nipo-brasileira. O mapa cognitivo a seguir representa a síntese do percurso metodológico que estrutura o presente trabalho: Figura 1 – Metodologia do trabalho. Fonte: Elaboração do autor (2021). Resumidamente, como objetivos específicos, foi realizada uma sondagem inicial sobre as festas Bon Odori no Brasil na compreensão das práticas simbólicas em suas origens nipônicas e na atuação de grupos nipo-brasileiros. As paisagens culturais foram pensadas através dos exercícios imagéticos. E por fim, foi avaliado o papel educativo do Bon Odori enquanto paisagem nipo-brasileira considerando os espaços locais e alternos numa discussão intercultural. No capítulo “DO JAPÃO AO BRASIL: A PAISAGEM FESTIVA DO BON ODORI”, é apresentado todo o referencial teórico sobre o significado das paisagens patrimoniais entendidas no contexto da festa nipo-brasileira Bon Odori. Primeiramente a ciência geográfica é associada ao conceito das paisagens patrimoniais. Em seguida, apresenta- se uma breve descrição do rito do Bon Odori na Terra do Sol Nascente e da história da Imigração Japonesa no Brasil. Reforçando o papel das associações Nikkeis no Brasil, é relatado um panorama sobre a história da imigração japonesa além da descrição de alguns exemplos festivos do Bon Odori no Brasil considerando os relatos de pesquisadores, de figuras importantes e do uso das imagens fotográficas para compreender a prática simbólica nos exemplos mais comuns deste país. O capítulo seguinte “A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO BON ODORI NIPO- BRASILEIRO” apresenta as práticas e as reflexões geradas pela pesquisa no espaço escolar adaptado para o meio digital. No tópico “Exercícios imagéticos: os signos e símbolos das festas Bon Odori no Brasil”, faz-se uma relação entre o conceito de imagem e a educação geográfica para justificar os planos de aulas e o material didático elaborado. No tópico seguinte, “Reflexões sobre o ensino das paisagens simbólicas Nipo-Brasileiras”, é apresentada a práxis docente que aconteceu durante o estágio supervisionado, além dos resultados obtidos na atividade de sondagem referente ao último questionário que finalizou a presente pesquisa. A partir dos dados e dos relatos dos alunos, todo o trabalho é pensado e realizado nas circunstâncias decorrentes de uma pandemia que prejudicou a educação e as expressões culturais que foram suspensas em sua natureza comunitária. Nas considerações finais o trabalho deixa uma reflexão a respeito da sistematização, da descrição do patrimônio festivo do Bon Odori e da atuação docente ao lidar com o desafio de ensinar as relações culturais ainda desconhecidas pelos alunos. Se bem articulado, os exercícios imagéticos encaminham rumos 19 educativos que dissolvem as fronteiras e estigmas sobre as culturas alternas e sobre tudo o que diz respeito à nossa identidade pluricultural. É relevante salientar que os estudos sobre o Bon Odori no Brasil estão começando e a mesma temática precisa ser estudada com mais amplitude no avanço das pesquisas acadêmicas. Por hora, resta a curiosidade em saber: será possível promover uma Educação Patrimonial conectando a patrimonialidade da Terra do Sol Nascente à capital da Terra da Luz? 20 2. DO JAPÃO AO BRASIL: A PAISAGEM FESTIVA DO BON ODORI Apresenta-se aqui o conteúdo e o referencial teórico que sustenta o percurso desta pesquisa: desde o que se propõe como paisagem e patrimônio até a caracterização geográfica da expressão cultural. Toda a base teórica é permeada pelo pensamento paisagístico que indaga quais são os motivos de uma Geografia que se importa com o patrimônio de um rito festivo que é estabelecido e celebrado em todas as regiões do Brasil. Compreendendo o levantamento bibliográfico enquanto natureza da pesquisa, a pesquisa procedeu pela busca e pela leitura de produções científicas, literárias e midiáticas que proporcionaram relatos, percepções e reflexões sobre as festividades Bon Odori, elucidando a análise sobre a paisagem imaterial enquanto expressão identitária cultural. Esta jornada começa com a estruturação dos fundamentos teóricos do trabalho. Com isto são descritos os significados da dança e da festa Bon Odori no Japão, é relatado um breve histórico sobre a imigração japonesa e a constituição de associações e entidades Nikkeis no Brasil. E, por seguinte, faz-se uma análise sobre a paisagem cultural nipo-brasileira, o Bon Odori, elucidando toda a paisagem patrimonial que se deseja analisar. 2.1 Geografia e patrimônio cultural: pressuposto teórico para a Paisagem Cultural A paisagem cultural é o conceito que permeia a análise deste capítulo. A paisagem representa o aspecto do espaço que é inerente à percepção do homem (ROCHA, 2018). Existem diferentes tipos e abordagens paisagísticas: a paisagem urbana, agrária, industrial, religiosa e muitas outras. Aqui o enfoque se dá na paisagem cultural, na qual propõe uma análise psicológica e fenomenológica da percepção do espaço. Nisto, é possível compreender os aspectos visíveis, táteis, audíveis, degustativos, olfativos e afetivos que integram um cenário em constante mudança. Ao considerar os estudos paisagísticos da escola alemã, Andreotti (2013) entende que o significado da paisagem vai além do passado, da memória e da reconstrução histórica. Apaisagem é “também uma atitude psicológica na direção do presente, um acolher o significado do atual” (p. 186). Ou seja, as marcas deixadas na paisagem revelam não somente as 21 transformações ao longo da história como também testemunham a relação dos homens no passado e no presente. Ao refletir sobre os estudos de Augustin Berque sobre o pensamento paisageiro e o pensamento da paisagem, Marandola e Oliveira (2018) concluem que: [...]a paisagem ultrapassa o aspecto visual e material da realidade, levando esses aspectos em conta, mas sempre em relação com aspectos subjetivos. Assim compreendida, a paisagem é a dimensão sensível e simbólica do meio, ou a própria manifestação da relação entre o homem e a superfície terrestre, expressão da existência humana. (p. 143, MARANDOLA, OLIVEIRA, 2018) Desta maneira, enquanto cenário integrado, a paisagem também é dotada de significados nos símbolos e signos que ela demonstra. Segundo Almeida (2013), quando a paisagem é institucionalizada, ela se torna um patrimônio de bens culturais. É definido, então, o conceito de patrimônio cultural: [...] um recurso para a conservação de símbolos e signos culturais. O patrimônio reflete a história de um povo, suas lutas e conquistas, seus valores e crenças em um dado momento de sua existência. Além disso, o patrimônio fortalece a identidade cultural de um grupo e estimula cada povo a ter um patrimônio cultural. (ALMEIDA, 2013, p. 425) Na Conferência para a Proteção do Patrimônio Mundial em 1972, a UNESCO estabeleceu uma definição de patrimônio cultural que dava abrangência somente às feições materiais da paisagem. Somente em 2003, na convenção realizada em Paris que os aspectos inerentes ao intangível passaram a compor o patrimônio cultural da humanidade. Dentre eles: as tradições e expressões orais, as expressões artísticas, as práticas sociais, os rituais, os atos festivos, os conhecimentos e as práticas relacionadas à natureza e ao universo, além das técnicas artesanais tradicionais (UNESCO, 2013). No Brasil a Constituição Federal de 1988 já considerava bens materiais e imateriais como parte integrante do patrimônio cultural. Mas só em 2000 que o registro de bens imateriais foi regulamentado no país. Em 2006 foi autorizada a lei de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (BRASIL, 2006), instância que a UNESCO já havia promulgado em 2003. Almeida (2013) também considera que no patrimônio “os grupos sociais reconhecem sua identidade e, uma vez assumidos, materializados são, no presente, transmitidos às gerações futuras.” (p. 426). Assim, o olhar humanístico e cultural das tradições de um povo nos conduz a uma leitura do patrimônio enquanto memória e afirmação da identidade social, concebendo a paisagem cultural na percepção dos sujeitos que a constroem. 22 Como expressão cultural e patrimonial, a festa tem o poder de transformar o espaço- tempo. A festa é uma prática coletiva (AMARAL, 1999; OLIVEIRA, 2007), dotada de práticas que concernem ao sagrado e ao profano (ROSENDAHL, 1996). A despeito de sua natureza carnavalesca, cívica, religiosa ou diversificada, uma celebração estabelece o elo comunicativo e comunitário (FERREIRA, 2006). São expressões culturais derivadas dos imaginários sociais inerentes às identidades coletivas e individuais. Na representação de cada elemento de uma festa, a paisagem simbólica estabelece o seu propósito festivo (OLIVEIRA et. al, 2013). Ao observarmos uma festa, nos deparamos com a fé, a devoção e a socialização reveladas no imaginário das práticas simbólicas. As festas dos espaços vividos apontam para as identidades locais como parte da realidade próxima do observador. É como para os fortalezenses que vivenciam a organização do Réveillon na Beira-Mar, desde o anúncio oficial divulgado pela gestão municipal até a sua realização. Ou como para os pernambucanos que testemunham o espaço-tempo das festas carnavalescas nas cidades de Olinda e Recife. Já as festas alternas conferem expressões simbólicas num país que não se isola internamente. As festas de diferentes grupos religiosos, as cerimônias cívicas, as festas onde direitos de grupos sociais são reivindicados (protestos políticos, por exemplo), as festas trazidas pelos imigrantes bolivianos, italianos, alemães, argentinos, japoneses e tantas outras nacionalidades. Essas e tantas outras práticas simbólicas dimensionam um país que precisa ser conhecido pela sua própria difusão e pluralidade étnica e cultural. Nesse sentido, como promover uma espacialização deste patrimônio se cada exemplo festivo é constituído por agentes, ritos e pela memória firmada em sua identidade patrimonial? Como será visto adiante, o Bon Odori uma paisagem de marcas devocionais pertencentes às gerações de imigrantes japoneses e nipo-brasileiros. Portanto, para realizar um estudo breve e sistemático sobre a paisagem da festa do Bon Odori, é preciso, antes de tudo, conhecê-la em suas origens. 2.2 Do japonês imigrante à identidade Nikkei O dia 18 de junho de 1908 marcou a história do país quando mais de 780 imigrantes japoneses chegaram ao Porto de Santos no estado de São Paulo. Este fato foi um marco histórico para o Brasil porque foi a primeira das muitas chegadas de imigrantes japoneses. Foram os 23 primeiros resultados visíveis do Tratado de Amizade entre o Japão e o Brasil, acordo diplomático assinado entre os dois países no dia 5 de novembro de 1895 em Paris, França. Com o passar das décadas, a crescente formação de colônias avançou pela extensão do território brasileiro, ainda que de maneira desigual. Mas a formação identitária das comunidades nipo-brasileiras aconteceu em meio a um cenário de altas demandas de trabalho e de práticas governamentais e sociais que demonstravam uma postura xenofóbica por parte de outros brasileiros. Primeiramente o governo exigia que não houvesse um proselitismo religioso fora do Japão (LESSER, 2001, apud. ANDRE, 2017). O regime trabalhista imposto aos imigrantes se baseava no sistema colonato. Logo, o enraizamento cultural das famílias era ainda mais dificultado (ANDRÉ, 2011). Muitos deles desejavam retornar brevemente ao Japão com boas condições financeiras8. Sobretudo, eles não demorariam a constatar que os cafezais, conhecidas no Japão como “árvores de ouro” não garantiriam as fáceis riquezas que se falavam do Brasil. A expansão identitária nipo-brasileira era dificultada, também, com o reforço à xenofobia por intelectuais e políticos da época quando estes usavam como pressuposto a “segurança do povo brasileiro” para defender teorias relacionadas ao “Perigo Amarelo”9. Não foi à toa que várias colônias foram perseguidas e controladas durante a ditadura estadonovista (TAKEUCHI, 2016) e durante a Segunda Guerra Mundial quando o Japão se aliou ao Eixo e se declarou inimigo dos Estados Unidos (SAKURAI, 2007). Em 1945 o Japão anunciou sua rendição na Segunda Guerra Mundial, revelando ao mundo sua drástica crise econômica e influenciando a mudança de perspectiva das colônias japonesas. Diante desse fato, o Brasil se tornou a opção mais viável para uma habitação permanente. A segunda metade do século XX indicou, então, uma nova fase na reestruturação social, econômica e cultural da comunidade nipo-brasileira: O pós-guerra foi um período de reorganização da colônia japonesa no Brasil que, após os tempos nebulosos da década anterior, encontrava-se desestruturada como comunidade étnica. [...] Diante desta realidade a maioria decidiu fixar residência permanente no Brasil e isto produziu uma profunda mudança no planejamento de vida dos imigrantes (BELTRÃO et. al, 2008, p. 264). 8 O fenômeno “dekassegui” (出稼ぎ, “trabalhando longe de casa” em tradução livre) compreende um público de imigrantes e de Nikkeis que retornam ao seu país de origem. Em outras leituras, enfatiza-se aqueles que tinham a premissa de “trabalhar, ganhardinheiro e voltar para o Japão” (BELTRÃO et al, 2008, p. 303). 9 O “Perigo Amarelo” (ou “Perigo Japonês”) foi um conceito idealizado no século XX que indicava um medo de que o militarismo japonês conseguisse dominar a raça amarela sobre a raça branca (UENO, 2019). 24 É importante ressaltar que os nipo-brasileiros não representam um grupo só, pois cada colônia era formada por famílias que vinham de diferentes regiões do Japão (BELTRÃO et al. 2008). Cada colônia precisou lidar com diferentes realidades físico-geográficas em todo o território brasileiro. Com a urbanização e o crescimento das cidades, algumas delas foram reduzidas, dispersas ou agregadas umas às outras. Deste modo, a identidade Nikkei está intrínseca às perspectivas e modos de vida em que as famílias nipo-brasileiras viviam e passaram a viver com a perspectiva de permanência no Brasil. O processo de integração à sociedade brasileira seria perceptível nas décadas de 1960 e 1970, sobretudo num período de inserção dos nikkeis nas universidades públicas e na ocupação de profissões de notoriedade social. Nesta fase da história dos nipo-brasileiros é possível contemplar um impulso na prática de atividades religiosas, culturais, esportivas e educacionais. Graças à cultura do associativismo, tradicional na Terra do Sol Nascente, os clubes e associações de Nikkeis também se tornaram comum no Brasil. As associações visam a confraternização entre os nikkeis e a valorização dos costumes da própria cultura nipônica. Atividades esportivas, educacionais e culturais se tornam bastante comum na preservação da memória cultural do país de origem. Segundo a Comissão de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil (1992): Desconhece-se o número exato de associações de japoneses existentes em todo o Brasil na época. Mas em 1932 havia 223 (Anuário Brasil), número que saltou para 480 em 1940, segundo Zaihaku Hojin Shakai no Bunka Oyobi Keizai Shosô (Diversos Aspectos Culturais e Sociais da Comunidade Japonesa do Brasil), de Kiyotaka Emi. A dimensão dessas entidades variava de alguns associados, quando pequenas, até 150 ou mais quando grandes. Quando existiam muitas associações de japoneses numa zona, nascia naturalmente uma federação. Conforme a região, organizava-se ainda uma entidade superior (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA JAPONESA, p. 209). Já havia, então, um número considerável de associações na primeira metade do século XX, principalmente no estado de São Paulo onde a história da imigração começou. Com a decisão da permanência fixa dos imigrantes e nikkeis no Pós-Guerra, o cenário social e cultural brasileiro passou a viver uma transformação ainda evidente. Uma pesquisa realizada em 2018 pelo Centro de Estudos Nipo-Brasileiros – CENB – constatou que existem cerca de 436 associações nipo-brasileiras em funcionamento 10 . 10 Os resultados foram apresentados em novembro de 2018 no Japan House São Paulo. Os dados quantitativos foram cartografados e disponibilizados em um mapa interativo virtual disponível em <http://nw.org.br/sistema/ctr_APIGoogleMaps_filtro/>. Fonte: Jornal Nippak. Disponível em: <https://www.jnippak.com.br/2019/cenb-disponibiliza-mapa-das-entidades-nikkeis-no-brasil/>. Acesso em 10 jul. 2021 às 18:45. http://nw.org.br/sistema/ctr_APIGoogleMaps_filtro/ https://www.jnippak.com.br/2019/cenb-disponibiliza-mapa-das-entidades-nikkeis-no-brasil/ 25 Considerando os dados divulgados, todas as regiões do Brasil contemplam associações nipo- brasileiras com diferentes atividades culturais. Dentre elas, uma das festas mais conhecidas e protagonizada por essas associações é aquela que recebe o enfoque da pesquisa: o Bon Odori. 2.3 A volta dos ancestrais: o Bon Odori no Japão Para compreender o Bon Odori, é importante entender o contexto em que a festa se insere, pois antes de tudo o Bon Odori é uma dança que compõe uma das práticas do Obon Matsuri11 (ou simplesmente Obon). Inicialmente é apresentado uma descrição breve sobre as práticas que fazem parte do Obon no desejo de obter uma compreensão sobre os valores que constituem essa festa: a percepção sobre espiritualidade e vida após a morte pautada num segmento do Budismo Japonês que endossa a prática do Bon Odori. O Obon é um festival popular celebrado durante 3 dias durante o verão japonês: geralmente no mês de agosto ou setembro nos dias correspondentes ao décimo quinto dia do mês de agosto. No imaginário budista japonês se acredita que, neste período, os espíritos dos antepassados visitam a dimensão terrena. Nisto o Festival contempla vários ritos mortuários que consistem em receber o espírito dos ancestrais, celebrar sua presença e enviá-los de volta às suas origens. Uma das tradições que começam o período do Obon é o Ohakamairi12, rito em que várias famílias visitam o túmulo de seus antepassados para rezar por eles e conversar, contando as novidades sobre a família e sobre o mundo aos mortos. Primeiramente, os túmulos são limpos num rito zeloso de purificação, sendo adornados com flores, principalmente com um crisântemo, ou a flor que o antepassado gostava quando era vivo (GEERAERT, 2020). A imagem a seguir representa o ato da purificação do túmulo. 11 Obon Matsuri (お盆祭り) significa literalmente “Festival das Lanternas” ou “Festival de Finados”. 12 Ohakamairi (お墓参り) é traduzido literalmente como o ato de visitar o túmulo de alguém. 26 Figura 2 – representação do ato de purificação no Ohakamairi. Fonte: https://kokoro-jp.com/culture/380/ . Fotografia de Aquico. Outro rito que introduz o festival é o Mukae-Bi13 em que os familiares chamam os espíritos para visitarem seus lares. Os símbolos que adornam o ambiente externo e interno das casas anunciam a delicada preocupação das famílias com a chegada de seus ancestrais. As lanternas, conhecidas por Chochin 14são colocadas na frente das casas no para guiar os espíritos até a casa. Um relicário budista comum nos lares é o Butsudan15: um altar adornado para fazer preces em honra aos espíritos. Existe também a tradição de oferecer alimentos aos espíritos que é chamado como Ozen16. Outras celebrações podem diferir pelas variações dos credos religiosos ou até mesmo pelas condições geográficas de cada lugar. Na província de Kyoto, por exemplo, o Gozan no Okuri-Bi17 é realizado como o momento culminante de despedida dos espíritos. Neste rito são acesas cinco fogueiras enormes nas montanhas da cidade, cada uma representando diferentes símbolos concernentes à fé Budista. São acesos os símbolos Dai que significa 13 Mukae-Bi (迎え火) é traduzido literalmente como “fogo de saudação” para receber os espíritos compreendendo a primeira noite do Festival Obon. 14 Chochin (提灯) significa lanterna de papel. Também é conhecida como lanterna japonesa ou chinesa. 15 Butsudan (仏壇) é traduzido literalmente como “altar de Buda” presente em muitos lares e templos cuja religião é o Budismo Japonês. 16 Ozen (お膳) é uma expressão que descreve uma mesa pequena de quatro pés semelhante a uma bandeja. No contexto do Obon, Ozen descreve a comida, colocada nessa espécie de mesa, compartilhada com os espíritos. 17 Gozan (五山) se refere às cinco montanhas mais importantes de uma região. Okuri-Bi (送り火) indica o fogo cerimonial de despedida dos espíritos. A junção dessas palavras compõe o nome do evento tal como ele é conhecido em Kyoto, Japão: Gozan no Okuri-Bi (五山送り火). https://kokoro-jp.com/culture/380/ 27 “grande” em japonês, Myo e Ho que são dois símbolos kanjis que formam a expressão “Darma Maravilhoso”18. Além desses, também são acesos os símbolos que representam um barco e a entrada de um santuário, o torii. Acredita-se que o conjunto dos símbolos representados nas fogueiras é transmitida uma mensagem de envio dos espíritos às suas origens. A figura a seguir traz um mosaico de fotos representando a cerimônia do Gozan no Okuri-Bi na provínciade Kyoto no Japão: Figura 3 – vistas dos símbolos acesos em montes de Kyoto, Japão. Fonte: https://www.japaoemfoco.com/daimonji-gozan-no-okuribi/ Outro rito relacionado à despedida dos espíritos é o Tooro Nagashi19(ou Toro Nagashi). Trata-se de um rito em que lanternas de papel flutuantes são colocadas no rio. Cada lanterna representa um espírito, a vida de alguém que faleceu. Dando ênfase à lembrança, à honra e a despedida dos antepassados, cada lanterna flutuante segue o curso do rio, no propósito de guiar os espíritos para suas origens. Esta cerimônia foi realizada pela primeira vez em 1946 no intuito de homenagear as vítimas dos bombardeios no arquipélago nipônico durante a Segunda Guerra Mundial. Uma das cerimônias de Toro Nagashi mais relevantes do Japão aconteceu pela primeira vez em Hiroshima em 1947 dois anos após o lançamento das bombas atômicas que 18 O “Darma Maravilhoso” (ou Myo-Ho [妙法]) se refere aos ensinamentos do Budismo Saddharma. 19 Tooro (灯籠) significa uma lanterna feita de madeira ou metal tradicionalmente utilizada dentro dos templos budistas. Já Nagashi (流し) é uma expressão que pode significar cruzeiro, passear, flutuar e outros significados. Na junção da expressão, Tooro Nagashi (灯篭流し) https://www.japaoemfoco.com/daimonji-gozan-no-okuribi/ 28 devastaram esta cidade e dizimou milhares de pessoas. Anualmente, cerca de 100.000 Toros são colocadas no rio Motoyasu no início da noite de 6 de agosto como uma forma de honrar a vida daqueles que morreram naquela época. Outro importante Toro Nagashi acontece em Tokyo, no rio Sumida, em homenagem aos que faleceram no terremoto em 1923 em Kanto20. A fotografia a seguir apresenta a tradicional cerimônia acontecendo no rio Motoyasu em Hiroshima: Figura 4 – Tooro Nagashi em Hiroshima, Japão. Fonte: http://www.culturajaponesa.com.br/wp-content/uploads/2014/08/tooro-nagashi-paz-registro-2014.jpg. Fotografia de Terry Kimura. O Bon Odori entra em cena como uma das tradições que intermediam os festejos do Obon, costumeiramente celebrado no anoitecer dos dias de festival. De maneira geral, textos acadêmicos e populares descrevem o Bon Odori como uma prática corporal que presta uma homenagem aos mortos: afirmação que está correta em sua finalidade. Entretanto, André e Luiz (2018) pesquisaram mais a fundo e afirmaram que a natureza religiosa do Bon Odori consiste em auxiliar os espíritos a transmigrar das dimensões de sofrimento. Uma lenda japonesa vai sustentar a prática budista e que leremos a seguir. A história conta que um monge, chamado Mokuen21, teve uma visão de sua falecida mãe sofrendo em um dos níveis astrais. Desesperado, o monge clamou a Buda que livrasse sua 20 Disponível em <https://theculturetrip.com/asia/japan/articles/the-history-of-toro-nagashi-japans-glowing- lantern-festival/>; <https://matcha-jp.com/en/2484>. Acesso em 15 ago. 2021. 21 Alguns trabalhos afirmam que o monge era chamado Mokuren (ANDRÉ, LUIZ, 2018). Outros trabalhos indicam Mokuen (KUBOTA, 2008; GOMES, 2020; AIHARA, 2008; LEDUR, 2017). http://www.culturajaponesa.com.br/wp-content/uploads/2014/08/tooro-nagashi-paz-registro-2014.jpg https://theculturetrip.com/asia/japan/articles/the-history-of-toro-nagashi-japans-glowing-lantern-festival/ https://theculturetrip.com/asia/japan/articles/the-history-of-toro-nagashi-japans-glowing-lantern-festival/ https://matcha-jp.com/en/2484 29 mãe deste tormento. Em resposta, Buda o sugeriu que reunisse os monges das redondezas dentro do mosteiro e ali permanecessem comendo e bebendo. Feito isto, os monges se reuniram, passaram um bom tempo neste festejo, onde conceberam a visão da mãe de Mokuen fora daquela dimensão de dor. E assim os monges se alegraram e começaram a dançar em círculos. É assim que a história introduz a prática do Bon Odori: uma prática corporal que justifica a festa repleta de júbilo e de devoção. Além dessa formação festiva oriunda da concepção religiosa, André e Luiz (2008) verificaram que o Bon Odori se trata de uma prática festiva que manifesta a concepção de morte na vertente Mahayana do Budismo. Este segmento flexibiliza as práticas culturais e as torna mais acessíveis à comunidade leiga (p. 799). Ou seja, em muitos casos a paisagem festiva do Bon Odori é composta por pessoas que não necessariamente compartilham da mesma fé ou devoção, mas que festejam por estabelecer um afeto com a festividade. Dos festejos tradicionais aos mais modernos, o Bon Odori no Japão protagoniza um cenário marcado pelos sons advindos dos taikos22, pelas pessoas vestidas à caráter23, pelos cheiros das comidas sendo feitas e vendidas nos quiosques, pela luminosidade vindas das lanternas e pelo yagura24. Este último se trata de uma espécie de palco localizado no centro do espaço festivo onde um pequeno grupo de pessoas dançam e tocam os instrumentos de percussão, incentivando os demais festeiros a dançarem de modo semelhante ao redor do palco, estabelecendo um movimento circular. 22 Taiko (太鼓) é a expressão que define os tambores japoneses. Garcia (2020) o define como “diversos formatos de tambores ou membrafones que compõem uma significativa diversidade de estilos, tamanhos, características e sonoridades” (p. 30). 23 A yukata (浴衣) é uma vestimenta (quimono) usada durante o verão nipônico feita de algodão. Devemos lembrar que o Obon Matsuri é, também, um festival de verão. 24 O Yagura (櫓) pode ser traduzido como torre de vigia ou espaço formado por andaimes ou por madeira. É a torre/palco inserido no centro do espaço festivo do Bon Odori. 30 Figura 5 – Exemplo de Bon Odori no Japão: enfoque no yagura. Fonte: https://shorturl.at/ajoBZ. Fotografia de Yuko Ueta. No distrito de Ebisu em Tóquio, o Bon Odori é celebrado frente a uma das saídas da estação de trem. Neste local é montado um andaime de 3 andares para ser o yagura, onde músicos tocam taikos e grupos dançam. O público tenta reproduzir os mesmos passos, aumentando a dimensão da prática corporal dentro da festa. Vale evidenciar a presença de diversos quiosques para a venda de lanches, deixando o espaço festivo ainda mais enérgico. Figura 6 – Festa Bon Odori no distrito de Ebisu (恵比寿), em Tóquio, Japão. Fonte: https://blog.brunchandmilk.com/ebisu_tokyo_bon-odori_2019/. Fotografia de Takuya Saeki. https://shorturl.at/ajoBZ https://blog.brunchandmilk.com/ebisu_tokyo_bon-odori_2019/ 31 No caso da festa Bon Odori em Nagano, Japão, percebe-se que a paisagem festiva evidencia a relevância do sagrado. Podemos justificar esse caráter pelo ambiente da festa, colocado próximo ao templo Budista Zenko-Ji. Apesar disso, aspectos como a presença do yagura, do taiko, dos chochins e das vestes de yukata revelam a semelhança da festa com aquela realizada na megalópole japonesa. A fotografia seguinte visualiza alguns aspectos da paisagem festiva em Nagano: Figura 7 – Festival Obon em Nagano, Japão. Fonte: https://www.instagram.com/p/CMS7pXtBRMQ/. Fotografia de Martin Fogaça. É compreendido, então, que o Obon reflete a concepção de morte e ancestralidade referente à fé Budista japonesa. A crença sobre a presença dos antepassados foi ensinada por gerações propagando as práticas festivas no Obon até os dias atuais. Todos aqueles que fazem este festival acontecer encaminham uma celebração que em sua essência reflete a honra, o respeito, a gratidão e a devoção. Observando as fotografias e textos sobre o festival em questão, é perceptível que várias cerimônias nipônicas de Bon Odori são frequentadas por pessoas que não necessariamente mantenham um vínculo direto com a fé Budista. Portanto, o Obon e o Bon Odori são descritos por seus espaços festivos e potenciais turísticos que conquistam repercussão internacional e alcançam popularidade até mesmo entre aqueles que não são japoneses. https://www.instagram.com/p/CMS7pXtBRMQ/ 32 2.4 Bon Odori no Brasil: as paisagensculturais a partir da festa No intuito de compreender a contextualização da prática do Bon Odori no Brasil, o levantamento bibliográfico foi essencial para conhecer as percepções daqueles que já estudaram a temática e/ou que testemunharam a paisagem consolidada no Bon Odori. Foi importante considerar outras fontes audiovisuais que assegurassem informações confiáveis. Assim, os dados foram checados com as fontes acadêmicas, consolidando um mapeamento seguro para este trabalho. É válido ressaltar que nem todas as festas Bon Odori no Brasil são divulgadas nas mídias de comunicação mais populares do Brasil (TV, Internet etc.). Alguns casos podem ter sidos ignorados desse levantamento e isso impossibilita uma quantificação exata das festas Bon Odori no território brasileiro. Independente disso, os dados obtidos são suficientes para o que a pesquisa deseja verificar. Com os resultados parciais obtidos, temos uma noção inicial sobre a dimensão patrimonial do Bon Odori no Brasil. Apresenta-se, então, um quadro com os dados qualitativos das festividades no Brasil categorizados por: aspectos regionais, aspectos locacionais, períodos de realização, agentes organizadores, edição25 a data de realização com o ano de referência em 201926: 25 Enfatizamos a chave “Edição em 2019” porque, ao verificar este dado, podemos prever a maturidade do evento por determinadas associações nas respectivas regiões e cidades. 26 2019 foi escolhido por ser o ano precedente à atual pesquisa. Nos casos onde existem um traço (-) refere-se à incerteza da realização do evento naquele ano. 33 Figura 8 – Quadro qualitativo sobre o Bon Odori no Brasil (atualizado até julho de 2021). Fonte: Elaboração do Autor (2021) REGIÃO UF CIDADE FESTIVAL ORGANIZADORES LOCAL EDIÇÃO EM 2019 PERÍODO PR Londrina Festival Bon Odori (Londrina Matsuri) Grupo Sansey - Cultural e Beneficente Parque de Exposições Ney Braga 17° 6 a 8 de Sembro PR Londrina Bon Odori (Expo Japão) Associação Cultural e Esportiva de Londrina - ACEL ACEL – 19 a 23 de Junho PR Maringá Bon Odori Aliança Cultural Brasil-Japão do Paraná ACEMA 40° 10 de Agosto MS Campo Grande Bon Odori Associação Esportiva e Cultural Nipo-Brasileira – AECNB – Campo Grande-MS AECNB 17° 17 e 18 de Agosto MS Três Lagoas Bon Odori Associação Nipo-Brasileira de Três Lagoas Associação Nipo- Brasileira de Três Lagoas 48° 7 de Junho GO Goiânia Bon Odori Associação Nipo-Brasileira do Estado de Goiás - ANBG Kaikan - ANBG 17° 23 e 24 de Agosto MG Ipatinga Bon Odori Associação Nipo-Brasileira de Ipatinga - ANBI ANBI – 19 de Outubro SP Andradina Bon Odori Associação Assistencial, Cultural e Esportiva de Andradina - AACEA AACEA 62 13 de Julho SP Atibaia Festival Bon Odori Associação Cultural Esportiva Nipo Brasileira De Atibaia - ACENBRA Associação Fukushima Kenjin de Atibaia Praça da Igreja Matriz - Atibaia-SP 51° 8 e 9 de Junho SP Pereira Barreto Bon Odori Associação Esportiva e Cultural Pereira-barretense - ACEP ACEP 58° 26 e 27 de Julho SP Registro Bon Odori Bunkyo de Registro Templo Honpa Hongwanji 59° 17 de agosto SP São Miguel Paulista Festa Japonesa Bon Odori de São Miguel Associação Cultural e Desportiva Nikkei de São Miguel Campo de Gueitebol (CDC - Jardim São Vicente) 7° 1° de Dezembro AM Manaus Bon Odori Associação Nipo-Brasileira da Amazônia Ocidental Manaus Country Club – 10 de Agosto PA Castanhal Bon Odori ACNBC Associação Cultural Nipo- Brasileira de Castanhal (ACNBC) ACNBC 17° 21 de Setembro PA Santa Isabel do Pará Natsu Matsuri Associação Cultural Nipo- Brasileira de Santa Izabel e Santo Antonio do Tauá Quadra do Gate-Ball da ACNIBRASS – 31 de agosto PA Tomé-Açu Bon Odori Associação Cultural de Tomé-Açu - ACTA ACTA 16° 20 de Julho BA Juazeiro Bon Odori Associação Cultural e Esportiva Nipo Brasileira do Vale do São Francisco ACENIBRA – 17 de agosto BA Mata de São João Bon Odori Núcleo Colonial Juscelino Kubitschek Associação Cultural Nipo- Brasileira da Colônia do JK 60° 4 de Agosto BA Salvador Festival da Cultura Japonesa de Salvador / Bon Odori Associação Cultural Nipo- Brasileira de Salvador (ANISA) Parque de Exposições de Salvador-BA 13°/28° 30 de Agosto a 1° de Setembro PE Recife Bon Odori Associação Cultural Japonesa do Recife (ACJR) ACJR 13 28 de Outubro S u d e st e C e n tr o -O e st e N o rt e N o rd e st e S u l 34 Com base nas localidades e no tempo de maturidade desses eventos, pressupõe-se que existem diferentes justificativas e maneiras na realização das festas em cada cidade. Com isto, entende-se que não existe uma paisagem festiva única do Bon Odori no Brasil. Há diferenças nas formas de fazer a prática simbólica em cada contexto espacial e temporal. Por outro lado, existem semelhanças entre essas festas e são nelas que este trabalho ancora o fundamento comparativo a fim de estabelecer a sistematização cultural e geográfica. Considerando as divisões regionais do Brasil, são selecionadas as festas Bon Odori nas cidades de Pereira Barreto-SP, Campo Grande-MS, Atibaia-SP, Tomé-Açu-PA, Salvador- BA 27 e Goiânia-GO. Esta seleção considerou a disponibilidade de trabalhos científicos, fotografias e notícias sobre estes exemplos, ajudando a elaborar, então, um acervo suficiente para o mapeamento desenvolvido. A cidade paulista de Pereira Barreto é palco de uma das festas Bon Odori mais antigas do Brasil, tanto que chegou a sua 58ª edição no ano de 2019. Ela acontece anualmente na Estância Turística da cidade, sendo reconhecida como um dos eventos mais relevantes na região. Nesta festa, um palco elevado é colocado no centro do espaço, cordas com luzes amarelas e chochins são ligadas do alto do yagura até as barracas onde as comidas típicas japonesas são vendidas e a dança é realizada de modo circular ao imitar os passos dos grupos que se apresentam no palco. A fotografia a seguir nos traz essa representação: 27 Faremos uma breve menção ao Bon Odori nas cidades baianas de Mata de São João e de Juazeiro para contextualizar as declarações da Federação Cultural Nipo-Brasileira da Bahia (FCNBB) sobre a relevância da patrimonialidade do Bon Odori no estado. 35 Figura 9 – Momento da dança Bon Odori em Pereira Barreto-SP Fonte: https://encurtador.com.br/pBNVX. Prefeitura de Pereira Barreto. Este Bon Odori já é conhecido pelos citadinos de tal maneira que a prefeitura incluiu o Bon Odori como parte dos eventos oficiais de aniversário da cidade. A popularidade e a representação circular pode ser melhor contemplada nas imagens aéreas da festa em Pereira Barreto como se vê na fotografia adiante: Figura 10 – Imagem aérea do 58° Bon Odori na Estância Turística de Pereira Barreto. Fonte: https://bit.ly/2Wc96Rg. Fotografia de Paulo Mitsuyoshi Chiesa Nishiyama. https://encurtador.com.br/pBNVX https://bit.ly/2Wc96Rg 36 Outro Bon Odori consolidado numa das colônias mais populosas do Brasil é aquele realizado na capital sul-mato-grossense, Campo Grande. Kubota (2008) pesquisou sobre a festa de Campo Grande - MS e relata que, antes da década de 1990, o Bon Odori era restrito à colônia japonesa/nikkei. Anos depois a comunidade externa passou a participar e conquistou popularidade à festa. Tanto que a Prefeitura Municipal de Campo Grande incluiu o Bon Odori no calendário oficial dos eventos da cidade (p. 112). As duas figuras a seguir representam a festividade realizada em 2018. Nelas são visualizadas um ambiente ornamentado por flores de cerejeiras, lanternas (chochin) e o palco (yagura) no centro do espaço de socialização do Bon Odori em Campo Grande – MS. Na primeira figura é possível observar o momento onde as pessoas dançam de forma semelhante. Na segunda fotografia há uma apresentação de tambores.Figuras 11 e 12 – Espaço festivo do Bon Odori em Campo Grande – MS. Fonte: <https://www.shorturl.at/inNY4>; <https://www.shorturl.at/crCL0>. Fotografias de Dione Hashioka O protagonismo feminino pode ser verificado nas fotografias referentes ao Bon Odori que acontece no Festival Nipo-Brasileiro em Maringá-PR. No espaço da Associação Cultural e Esportiva de Maringá – ACEMA – grupos locais e de outras cidades paranaenses se reúnem para celebrar a dança Bon Odori. Nas fotografias e vídeos encontrados, a presença das mulheres na condução da dança e na percussão musical são notórias. A figura a seguir demonstra esta paisagem no Festival Nipo-Brasileiro de Maringá. https://www.shorturl.at/inNY4 https://www.shorturl.at/crCL0 37 Figura 13 – Festival Nipo-Brasileiro em Maringá Fonte: https://shorturl.at/iuNP8. Fotografia publicada pelo Grupo Hikari de Londrina no Facebook. Enquanto exemplo de festa oficializada como parte dos eventos citadinos, o Bon Odori em Atibaia – SP é um exemplo de protagonismo. Realizada há mais de 50 anos, este Bon Odori é promovido não só pela Associação Cultural Esportiva Nipo-Brasileira de Atibaia (ACENBRA), como pelo grupo beneficente “Bon Odori Atibaia”. A festa acontece durante dois dias. Na paisagem festiva durante o entardecer, o público vai se achegando na Praça da Igreja Matriz, sendo convidados a participarem enquanto um grupo toca Taiko e as canções tradicionais ressoam. A fotografia adiante revela o yagura montado na frente da Igreja Matriz com a presença dos chochins nos varais montados saindo do palco para várias direções na praça: https://shorturl.at/iuNP8 38 Figura 14 – 50° Bon Odori de Atibaia-SP. Fonte: Fotografia de Giuliano Pieve. O exemplo de Tomé-Açu se mostra como uma festa simbólica e identitária numa colônia que ganhou visibilidade não só no estado do Pará como em todo o território nacional por causa de seu protagonismo histórico na região Norte do Brasil. A pesquisa de Aihara (2008) proporcionou uma descrição detalhada sobre as percepções dos amigos e parentes da família Onuma, os quais são o enfoque sociológico de seu trabalho. Sua descrição promoveu várias observações a respeito do Bon Odori naquela comunidade. Nas memórias sobre os ritos e socializações da colônia de Tomé-Açu no Pará, o Bon Odori foi um dos espaços simbólicos mais recordados. Seus relatos carregam informações concisas sobre a festividade, assim como carregam o afeto sobre a tradição ensinada por seus avós. E assim Aihara nos descreve um olhar atencioso sobre a festa em Tomé-Açu – PA: [...]o Bon-Odori realizado anualmente em Tomé-Açu, ressurgiu para mim a partir de imagens prenhes de emoções e de sentimentos relativos às experiências vividas em Tomé-Açu, como é esse culto tradicionalmente executado pelo japonês aos parentes mortos. As experiências que a minha memória guardou, foram aquelas em que dançávamos em forma de círculo em torno do yagurá, sobre o qual ficava o tocador de taykô. Éramos então, conduzidos pelas senhoras vestidas de kimono as quais ensinavam os passos cadenciados pelo toque do tambor que dava ritmo a música entoada pelos participantes. Agradecíamos dessa maneira, a visita de nossos antepassados que retornavam ao plano terrestre para nos desejar boa safra e longa vida. Ao longo do ritual ocorria a venda de comidas de origem japonesa, tais como o sushi e o udon, sendo ofertados e consumidos outros alimentos ocidentais, como o refrigerante e a cerveja, por exemplo. (AIHARA, 2008, p. 48 - 49) 39 Em 2019 o Bon Odori aconteceu no Festival que celebrou os 90 anos da Imigração Japonesa em Tomé-Açu28. Um yagura foi montado e nele a representatividade de luzes e cores se deram semelhantemente às representações do Bon Odori nipônico. Essa festa tem sido realizada no espaço da Associação Cultural e Fomento Agrícola de Tomé-Açu – ACTA. É possível visualizar o cenário deste Bon Odori na fotografia realizada em 2016. Figura 15 – Bon Odori em Tomé-Açu realizado no ano de 2016. Fonte: Fotografia de Ivi Tavares. Em Salvador-BA, o primeiro registro oficial de uma festa Bon Odori data no ano 1991. Em 2007 ela passou a ser chamada de “Festival de Cultura Japonesa de Salvador”, alcançando mais visibilidade ano após ano. Em entrevista ao coordenador do evento, João Koji Sunano, ele justificou que o Bon Odori foi inserido no Festival de Cultura Japonesa de Salvador no intuito de apresentar a cultura japonesa de modo mais amplo (JORNAL A TARDE, 2021). O Bon Odori se tornou posteriormente uma das atividades que integra o evento. Ao mesmo tempo, a vastidão de atividades culturais surpreende a festividade organizada pela Associação Nipo-Brasileira de Salvador – ANISA. Desfile de cosplayers, oficinas de chá, origami, bonsai, apresentações musicais, coreografias, etc. Nas edições recentes, o evento passou a receber apoio e patrocínio das entidades públicas (Prefeitura Municipal, Governo 28 <https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2019/07/22/terceira-maior-colonia-japonesa-do-brasil-tome-acu-festeja- os-90-anos-da-imigracao.ghtml>. Acesso em 18 ago. 2021. https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2019/07/22/terceira-maior-colonia-japonesa-do-brasil-tome-acu-festeja-os-90-anos-da-imigracao.ghtml https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2019/07/22/terceira-maior-colonia-japonesa-do-brasil-tome-acu-festeja-os-90-anos-da-imigracao.ghtml 40 Estadual e Federal), além de diversas empresas privadas. A fotografia a seguir apresenta o momento onde todos são convidados a dançar o Bon Odori em Salvador: Figura 16 – Momento de Bon Odori no Festival de Cultura Japonesa de Salvador. Fonte: https://bit.ly/3stgfZn. Fotografia Oficial do Bon Odori Salvador. Além do exemplo de Salvador, as festividades Bon Odori que acontecem em outras duas cidades baianas cativam pela organização e pelo tempo de maturidade festiva. É o caso do Bon Odori realizado na Colônia JK em Mata São João e na cidade de Juazeiro-BA. As festividades por lá são reconhecidas pelas parcerias estatais e privadas e pela própria Federação Nipo-Brasileira da Bahia – FCNBB. Na capital goianense o “Bon Odori” é realizado há 17 anos em um espaço chamado Kaikan 29 , organizado pela Associação Nipo-Brasileira de Goiânia – ABNG. Na edição realizada em 2019, o diretor do evento confirmou que a festa foi organizada por 400 voluntários e tinha a expectativa de receber mais de 8000 pessoas durante os dias 23 e 24 de setembro. Além do momento da dança Bon Odori, o festival também disponibilizou desfiles de cosplayers30, venda de alimentos gastronômicos típicos do Japão, apresentações musicais, jogos de videogames dentre outras atividades. 29 Dentre algumas traduções, Kaikan (会館) significa sala de reunião. No caso do Kaikan da ABNG compreende- se um espaço de socialização, palco do Bon Odori e de outros eventos culturais. 30 Formada pelas palavras inglesas costume (roupa) e player (brincar), cosplayer refere-se àqueles que se vestem com roupas de fantasias representando personagem de filmes, séries, livros, videogames etc. https://bit.ly/3stgfZn 41 O Bon Odori de Goiânia recebe o apoio do Governo de Goiás, do Município de Goiânia e de várias empresas privadas. Além disso, em 2019 ela foi contemplada pela cobertura jornalística da empresa de comunicação “TV Anhanguera”. As imagens a seguir mostram algumas perspectivas deste cenário festivo. Figuras 17 e 18 – Bon Odori de Goiânia-GO Fontes: https://bit.ly/3szxA2H e https://bit.ly/3svyAEW. Fotografias da ANBG. Nos casos festivos trazidos nesta seção, percebe-se que os símbolos usados para o Bon Odori brasileiro se assemelham na forma em que são apresentados. O yagura, por exemplo, é usado quase em todos os festivais observados. A sua função, todavia, pode variar enquanto palco de apresentação ou enquanto símbolo representativo da cerimônia. Nos exemplos em Campo Grande-MS e Maringá-PR,o yagura é colocado no centro do auditório, mas os músicos e percussionistas se apresentam num outro palco mais espaçoso. Independente disso, a dança circular dos grupos se dá em torno da pequena estrutura vermelha cumprindo o mesmo rito nipônico da festa. Através das fotografias e das leituras sobre as festividades em Maringá-PR e em Campo Grande-MS, nota-se o protagonismo feminino na condução da dança, rito semelhante às práticas originadas no Japão e que se estendem até aqui. O atributo do feminino nas festas do Bon Odori fez parte da análise de Kubota (2008) no contexto da festa em Campo Grande. A discussão sobre a temática precisa ser expandida ao ouvirmos prioritariamente aquelas que estão em seu lugar de fala. A presença dos taikos em todas as festividades é um reflexo do crescimento e fortalecimentos de grupos especializados a tocar estes instrumentos de percussão. É o caso de grupos como “Wadō” (Salvador-BA), “Kawasuji Seiryu Daiko” (Atibaia-SP) e “Hikari” (Londrina-PR). Sobre a contextualização do Taiko no Brasil, considera-se que: https://bit.ly/3szxA2H https://bit.ly/3svyAEW 42 [...] quando falamos de taiko brasileiro, não estamos nos referindo ao originalmente feito lá, pelos japoneses, mas de um taiko que atravessou o oceano e, ao longo das últimas décadas ganhou novas poéticas, acepções e estratégias tipicamente nacionais e regionais, sem perder de vista os seus princípios originais. (GARCIA, 2020, p. 62) Nos exemplos de Salvador-BA e Goiânia-GO percebe-se que o rito do Bon Odori foi incorporado às demais atividades culturais que conjugam um caráter amplo para serem considerados Festivais de Cultura Japonesa (ainda que no exemplo goianense seja chamado oficialmente de Bon Odori). Com isto, a festa foi alcançando novos status e investimentos para ampliar as possibilidades de realização de atrativos culturais. Para conduzir esta discussão à sistematização dos elementos representativos, é fundamental entender o significado e a relevância do Bon Odori para as colônias e comunidades que desenvolvem a patrimonialidade sob análise. As pesquisas de Ennes (2001) e Kubota (2008), além das considerações do presidente da Federação Cultural Nippo-brasileira da Bahia (FNCBB), Roberto Mizushima, ajudam a dimensionar essa análise. Roberto Mizushima comentou a importância do Bon Odori nas cidades de Juazeiro, Mata de São João e Salvador no editorial de um informativo: “[...]a Federação entende que o bon odori é um evento fundamental para a divulgação da cultura nipônica no nosso estado e das atividades desenvolvidas pelos nikkeis da Bahia” (FCNBB, 2017). Essa fala do presidente reforça a identidade étnica que se construiu no estado da Bahia tendo em vista o plano de formação de três colônias para povoar áreas como Una, Ituberá, Mata de São João, Caravelas, Teixeira de Freitas, Santa Cruz Cabrália e Jaguaquara (JORNAL A TARDE, 2021). Ennes (2001) observou a organização e a realização do Bon Odori em Pereira Barreto-SP na pretensão de entender o Ethos daquela comunidade Nikkei. Ele observou que a construção da festa não se dá exclusivamente pela colônia, como também por outras pessoas interessadas na festividade. Ele pondera essa importância na reconstituição da prática simbólica do Bon Odori: [...]não é apenas a festa que importa para a colônia mas também todo o processo de preparação, que inclui ensaios, fabricação da decoração, venda de anúncios publicitários e o envolvimento de toda a colônia. Nesse momento, também encontramos pessoas de fora da colônia: ajudam na organização da festa, participam dos ensaios. Momento privilegiado do processo de trocas simbólicas de disposições e práticas sociais. Momento de transformação e reafirmação do agente social envolvido. (p. ENNES, 2001) O Bon Odori Nipo-Brasileiro se desenvolveu para recriar a tradição e ressignificar seus símbolos. É perceptível como as paisagens festivas não revelam uma formação exclusiva por descendentes japoneses, mas também por outros brasileiros, que se interessam em conhecer 43 e se envolver na festividade sem necessariamente serem adeptos aos significados dos ritos em sua essência budista japonesa. Em seu trabalho de campo, Kubota avaliou o papel de restauração cultural que a festa representa não só para a comunidade nikkei como também aos demais moradores de Campo Grande - MS: O Bon Odori seria, portanto, uma tentativa de elo, de ligação da colônia japonesa no Brasil com o país de seus antepassados, mesmo que realizado de uma forma diferente da original. Percebe-se que o que se busca não é a realização da festividade “como ela era no Japão”, mas de uma festa que “os ligue ao Nihon”. Essa ligação é feita no momento em que elementos da cultura japonesa, tais como músicas, danças, comidas e decorações, são incorporados ao evento, apesar de não serem realizados rigorosamente dentro do modelo original. (KUBOTA, 2008, p. 12) Ao falar sobre a recriação da prática do Bon Odori, Ennes considera a relevância do Bon Odori enquanto parte da identidade cultural na colônia de Pereira Barreto, bem como de sua relação com os demais brasileiros: Talvez a festa do Bon-Odori é que melhor sintetize as relações entre brasileiros e nipo- brasileiros na cidade de Pereira Barreto. Por meio dela é possível perceber que se a colônia existe como um campo específico, sua existência concreta, no entanto, só se dá nas relações com o outro. Relação que reproduz e mantém a existência da colônia, e, ao mesmo tempo, a modifica e transforma. (ENNES, 2001, p. 1471) Com isto, a inclusão dos não-descendentes na prática do Bon Odori enaltece o caráter interétnico da prática simbólica contextualizada no solo brasileiro. Avaliando o Bon Odori enquanto rito, Gomes (2020) considera que “a prática da dança transforma a consciência individual, tanto dos nipo-brasileiros como dos não-nipo-brasileiros, em uma consciência coletiva.” (p. 80). Considerando os estudos de Rosendahl (2018) sobre os espaços sagrados e profanos, depreende-se que o patrimônio imaterial em questão se revela na dualidade do sagrado e do profano na medida em que os aspectos do mundo “não-sagrado” adentram a dimensão afetiva do Bon Odori. Não que os aspectos profanos estivessem ausentes na festa enquanto cultura do universo nipônico. Mas no solo brasileiro, os exemplos evidenciaram a restauração e a adaptação das práticas que compreendem os anseios de cada colônia ou comunidade Nikkei. Com as informações e reflexões registradas até aqui, o trabalho estabeleceu uma sistematização da festividade que pode ser visualizada através de um mapa cognitivo. Nesta representação, a prática simbólica no Japão (à direita) compreende a devoção inerente ao imaginário estabelecido a partir da fé budista japonesa. Na dimensão nipo-brasileira (à esquerda), a festa é recriada graças ao exercício de incentivo dos grupos comunitários, 44 estabelecendo o caráter de restauração cultural à dinâmica do Bon Odori brasileiro, sem olvidar dos aspectos da honradez, da socialização e da espiritualidade que se despertam nos símbolos de ambos os contextos territoriais. O mapa cognitivo é representado na figura a seguir: Figura 19 – Comparativo da patrimonialidade do Bon Odori no Japão e no Brasil. Fonte: Elaboração do autor. Este trabalho discorreu sobre as festas Bon Odori no Brasil enquanto expressão cultural Nipo-Brasileira e como outra maneira de reafirmação identitária das comunidades que se estabeleceram pelo Brasil. Muitas delas se unem enquanto associações para a celebração dessas e outras práticas recreativas e religiosas. Neste percurso metodológico a pesquisa segue conhecendo e refletindo progressivamente sobre uma paisagem simbólica que se estabelece dentro de um país onde tantas outras festas são celebradas. No devido tempo, o Bon Odori assumiu uma grande proporção enquanto um patrimônio intangível da
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