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Módulo 2 - Vitimização, violências e danos à vítima

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Direito de Proteção às 
Vítimas de Crimes
Vitimização, violências e 
danos à vítima2
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Conteudista:
Rosana Cathya Ragazzoni Mangin, (Conteudista, 2021); 
Talita Arantes Cazassus Dall’Agnol (Coordenadora, 2021); 
Katia Silene Macedo Medeiros (Coordenadora, 2021); 
Diretoria de Desenvolvimento Profissional.
Enap Escola Nacional de Administração Pública
Enap, 2021
SAIS - Área 2-A -70610-900 - Brasília, DF
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Sumário
Unidade 1 – Vitimização e Violências .....................................................................................5
1.1 Conceitos de violências ................................................................................................................................. 5
Referências ............................................................................................................................................................... 8
Unidade 2 – A vítima em sua relação com o contexto criminal .........................................9
2.1 Relação vítima, ofensor e sociedade ......................................................................................................... 9
Referências .............................................................................................................................................................13
Unidade 3. Danos à vítima ...................................................................................................... 14
3.1 A multidimensionalidade dos danos: físicos, psíquicos e sociais ...................................................14
Referências .............................................................................................................................................................18
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Neste módulo, você vai avançar no estudo sobre a vítima de crime e os danos sofridos por ela. 
Para aproveitar bem o seu estudo, é importante que você conheça, também, o conceito de violências, aqui 
tratado no plural.
Reflita, a vítima pode sofrer mais de um tipo de violência e que esta pode, inclusive, ser pouco perceptível 
aos olhos das demais pessoas. Os danos, ou o sofrimento, originados da violência, são diversos e variam 
conforme as características da pessoa ofendida e do ambiente em que ocorre, podendo ser agravados ou 
atenuados a depender de fatores sociais e institucionais de proteção e cuidado à disposição da vítima. 
Compreendendo estes pontos iniciais do tema, você poderá verificar os possíveis danos provocados 
na vítima em consequência do crime (ou de uma violência). Você verá que estes danos podem ter uma 
dimensão múltipla, abrangendo fatores físicos, psíquicos e sociais, ou mesmo políticos, casos de imigrantes 
recém-chegados e que sofrem discriminação no novo território.
Vitimização, violências e danos à vítima
M
Ó
D
U
LO
2
O conteúdo lhe possibilitará refletir sobre as relações estabeleci-
das no encontro entre vítima e ofensor, inseridos no contexto da 
sociedade em que vivem.
Fonte: autor desconhecido, licenciada em CC BY-NC
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Unidade 1 – Vitimização e Violências
Você já viveu alguma situação de violência? Em casa, no trabalho, na escola, na igreja, num parque, na rua? 
É quase incontestável que não passaremos por esta vida sem que tenhamos tido essa experiência dura, 
amarga, triste e, em alguns casos, com marcas profundas deixadas no corpo e na alma. 
Na qualidade de vítima, a pessoa agredida e, também familiares, amigos, colegas, e a própria sociedade, 
sente-se ofendida, humilhada, maltratada, estigmatizada, “para baixo”. 
Os prejuízos são muitos e incluem danos físicos, psicológicos, patrimoniais, morais, dentre outros. Neste 
momento, você vai aprender a conceituar a violência e a relação, nem sempre facilmente entendida, porque 
multicausal, entre a vítima e o ofensor, que se inscreve no conjunto das relações sociais mais amplas, 
entendendo-a na interconexão com a história, com a cultura e com as instituições.
1.1 Conceitos de violências
Violências, no plural, e não violência, no singular, é 
a forma como se pode perceber a variedade desse 
fenômeno, assim como as suas múltiplas causas.
Mas, quais seriam as situações denominadas como 
violências?
Veja bem, essas situações compreendem desde 
os “pequenos insultos de cada dia”, passando 
pelo riso nervoso ao ouvir ou contar uma piada 
discriminatória, e chegando mesmo, a atos em que 
a violência é de tal monta que uma grande parte 
das pessoas se sensibiliza em razão do acontecido.
Desde tempos remotos, a maioria das sociedades 
existentes, conviveu com algum grau de violência entre 
as pessoas; entretanto, a forma como cada sociedade 
lidou e ainda lida com a violência, é diferente. 
O que se sabe é que, certa violência pode ser produzida 
socialmente, em razão de algumas particularidades, 
mas, sobretudo, em razão de sua formação e 
desenvolvimento como povo; em razão de suas 
instituições, de sua moralidade, de seus costumes, 
da desigualdade entre as pessoas e da relação que se 
estabelece entre vítima, ofensor e sociedade.
Um mesmo ato pode ser interpretado como 
violento por uma pessoa e não violento por outra. 
Trata-se, pois, de uma caracterização estritamente 
subjetiva, em quantidade e qualidade. 
No passado, não se conhecia o ato psíquico com 
o valor que lhe é atribuído atualmente. Ao longo 
da história, surgiram novos conhecimentos, 
originados de novos olhares para a realidade social, 
indicadores da existência de atividades mentais e 
seus efeitos.
Assim se evoluiu, gradativamente, até o início do 
século XX, quando a compreensão das atividades 
mentais, proporcionada pelo cientista austríaco 
Sigmund Freud (1856 – 1939), ganha um novo 
olhar e uma nova dimensão. O cientista constata 
que a maior parte dos processos mentais é 
absolutamente inconsciente, o que justificaria 
ações desprovidas do conhecimento e da vontade 
deliberados do indivíduo.
Com isso, surgiu o espaço para reconhecer e 
valorizar o sofrimento mental, consequente à 
existência de eventos desagradáveis ao indivíduo, 
entre eles, a violência. 
Conforme ensinou Sigmund Freud, existe um 
instinto de agressividade, não necessariamente 
visível nos seres humanos, que pode coexistir 
com a possibilidade de o homem desejar a paz ou 
empregar a violência.
Vásquez, por sua vez, alerta que a força em si não 
é violência, e sim, apenas força usada pelo homem. 
Daí o caráter exclusivamente humano da violência. 
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O conceito de violência implica, portanto, em fatores subjetivos, ou seja, a maneira de pensar, de agir, de 
sonhar e de sentir para cada indivíduo, modelada por sua história de vida e o contexto sócio-histórico de 
seu ambiente, permite a cada pessoa, interpretar, a seu modo, as situações e vivências que lhe são próprias. 
A violência apresenta-se de muitas formas e as tentativas de categorizá-las esbarram nessa diversidade, 
contudo, seguem algumas possibilidades de compreensão sobre o tema:
“(...) Uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, con-
tra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade 
que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicoló-
gico, desenvolvimento prejudicado ou privação”.
Violência banalizada
O indivíduo sai de um estabelecimento 
bancário, anda calmamente pela rua e recebe 
a abordagem do ofensor, que o assalta.
Violência provocada
Os veículos colidem e os proprietários 
discutem e brigam entre si.
Violência ritualizada
As torcidas organizadas, se não mantidas 
distantes uma da outra, dão demonstrações 
de conflitos que, invariavelmente, redundam 
em agressões mútuas quando se encontram.
Violência no trânsito
No interior do veículo (público ou privado) 
pessoas passam boa parte de suas vidas. As 
condições de convivência no trânsito podem 
tornar-se fonte de violência.
Há, pois, a necessidade de se denominar violência (violências!) de maneira ampla. A literatura é vasta sobre 
o tema; para este estudo, aponta-se o conceito adotado pela OMS – Organização Mundial de Saúde:
Violência social
Na História doBrasil evidenciaram-se as 
escravidões de índios e de negros e os 
horrores praticados em relação a esses dois 
grupos. A violência social permanece, contudo, 
pelo artifício da exclusão de vários grupos 
tornados vulneráveis. A consequência surge a 
médio e a longo prazo: os menos favorecidos 
residirão em locais com condições de vida 
mais precárias e se encontrarão no cerne 
da violência, muitas vezes na condição de 
vítimas, ou, ainda algumas vezes, etiquetados 
como algozes. Identificar a violência social, 
requer um olhar atento, crítico, inquiridor 
dos acontecimentos. Desenvolve-se pela 
persistência, pela observação constante, pela 
busca de informações especializadas. Não se 
trata de uma tarefa simples e banal.
Violência no Trabalho
Violência que encontra reforço na 
vulnerabilidade do trabalhador que atua 
numa relação desigual de poder e na sua 
dependência em relação ao emprego. O 
trabalhador dependente alimenta o poder do 
empregador. Surge, aqui, a forma moderna 
de escravidão, em que os direitos são 
reduzidos a um mínimo legal – nem sempre 
praticado pelo empregador. É o trabalho 
precarizado ou o subemprego.
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Violência financeira
Encontra-se comumente no lar e no mundo 
do trabalho. No trabalho revela-se na 
desigualdade salarial e de oportunidades. 
No lar, evidencia-se pelo regime de 
administração dos recursos. A Lei Maria 
da Penha (Lei 11.340/2006) a menciona 
expressamente em seu art. 7º, inciso IV: 
“violência patrimonial, entendida como 
qualquer conduta que configure retenção, 
subtração, destruição parcial ou total de 
seus objetos, instrumentos de trabalho, 
documentos pessoais, bens, valores 
e direitos ou recursos econômicos, 
incluindo os destinados a satisfazer suas 
necessidades”.
Violência Sexual
A violência sexual ocupa espaço nos 
noticiários cotidianamente. Esse tipo 
de violência humilha e reduz a pessoa à 
condição de objeto. São inúmeras as ações 
e condutas que podem levar a ela, como o 
assédio, em que o ofensor faz propostas 
consideradas indevidas ou indecorosas, até 
em sua forma mais grave, o estupro – crime 
com gravíssimas consequências. Qualquer 
pessoa pode figurar como vítima desse tipo 
de violência; contudo, apontam as pesquisas 
especializadas, as vítimas preferenciais são 
as crianças, adolescentes e outros grupos 
vulneráveis, como as pessoas com algum 
tipo de deficiência, em especial, a intelectual.
Conforme alertou-se acima, o rol de violências decorrentes de especificidades quanto à pessoa ou ambiente 
é numeroso. O conceito é polissêmico, universal, multideterminado, necessita de contextualização e tem 
dados geralmente subestimados. 
Violência contra a Criança e o 
Adolescente
A violência contra crianças e adolescentes 
demonstra a perversidade de caráter daqueles 
que a praticam. Infelizmente, estatísticas a 
esse respeito mostram-se falhas, tornando 
as crianças e adolescentes mais vulneráveis, 
especialmente porque, essa violência é 
praticada, geralmente, por quem deveria zelar 
pela integridade e dignidade dessas pessoas. 
Esse tipo de violência pode produzir marcas 
e afetar profundamente o desenvolvimento 
emocional, intelectual, cognitivo e social da 
criança e do adolescente.
Violência contra a mulher
A violência contra a mulher não se 
circunscreve ao lar, embora seja neste 
em que encontra a maior parte das 
manifestações. Por sua importância, sugere-
se que você leia a conceituação dos tipos 
de violências (física, psicológica, sexual, 
patrimonial e moral), elencadas na no art. 7º 
da mencionada Lei 11.340 de 2006.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
8
BRASIL. Lei Federal nº 11.340 de 07 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 09 de maio de 2021.
ELUF, L. N. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres: de Pontes Visgueiro a 
Lindemberg Alves. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: Edição Standard das obras psicológicas completas 
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XXI das Obras Completas.
MINAYO, M. C. de S. Violência e Saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. Disponível 
em: http://books.scielo.org/id/y9sxc. Acesso em: 23 de junho de 2021. 
MODENA, M. R. (org.) Conceitos e formas de violência. Caxias do Sul: Educs, 2016. 
Disponível em: https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-conceitos-formas_2.pdf. 
Acesso em: 09 de maio de 2021.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório mundial sobre violência e saúde, 2002. 
Disponível em: https://opas.org.br/relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude/. Acesso 
em 23 de junho de 2021. 
VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
Referências
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://books.scielo.org/id/y9sxc
https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-conceitos-formas_2.pdf
https://opas.org.br/relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude/
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Unidade 2 – A vítima em sua relação com o contexto criminal
As atitudes e comportamentos da comunidade influenciam – substancial, mas não definitivamente – os 
comportamentos de seus integrantes. 
A comunidade espera de cada um de seus membros, modos específicos de agir, elegendo aqueles pelos 
quais tem preferência e outros que repudia.
2.1 Relação vítima, ofensor e sociedade
Vítima
A noção de historicidade está presente no status vivenciado pela vítima. No entanto, é possível indicar três 
fases principais, as quais, geralmente, identificam a posição da vítima perante o processo penal: Protagonismo 
– Neutralização – Redescobrimento.
Os primeiros registros sobre a vitimologia 
(basicamente, o estudo da vítima), datam de meados 
do séc. XX e foram propostos por Von Hentig e 
Mendelsohn (advogado israelense e psicólogo 
criminal o primeiro e político alemão, o segundo). 
Tradicionalmente, foram atribuídas à vítima 
características, ações e omissões que, de algum 
modo, influenciariam a ocorrência criminal, 
indicando que, em tese, a vítima poderia contribuir 
para a existência do delito. A principal referência 
sobre o assunto coube a Benjamin Mendelsohn, 
que à época (por volta da década de 1950), 
apontava parcelas de responsabilidade à vítima.
Veja bem, julgamentos em relação à vítima podem 
afetar a responsabilização sobre a violência 
ocorrida, ou seja, o modo como se percebe o 
• Síndrome de Oslo, a pessoa vitimizada se acha merecedora do castigo. É comum em casos de violência 
doméstica, quando se observa a vítima assumir a responsabilidade pela violência sofrida, com frases do tipo: 
“ele bate porque eu mereço, sou muito nervosa e brigo quando ele chega tarde”.
• Síndrome de Estocolmo é resultado de um elevado estresse vivenciado pela vítima. Desencadeia-se, por 
exemplo, em situações de sequestro e cárcere privado. O comportamento da vítima é medido pelo grau de 
simpatia que ela mantém com o sequestrador.
comportamento da vítima e outros atributos 
desta, pode provocar mais danos e sofrimento à 
vítima, fazendo com que algumas vítimas recebam 
mais atenção do que outras. 
Destaque-se que, qualquer categorização para 
fenômenos complexos, como a vitimização, 
tende a reduzi-los e, eventualmente, banalizá-
los. Desse modo, apresenta-se a seguir, dois 
tipos de situações que podem levar a conclusões 
equivocadas, se o olhar adotado é superficial, 
moral e valorativo. 
Trata-se da Síndrome de Oslo e da Síndrome 
de Estocolmo, que podem levar, os mais 
imprudentes, a menosprezar o sofrimento da 
vítima, reconhecendo um aparente bem-estar, 
proximidade e empatia em relação ao ofensor.
Não se descarta a influência de modelos, como quando a vítima cresceu e conviveu em um ambiente onde, pessoas 
semelhantes a ela, enfrentavam ofensores e ofensas também similares. 
As “vítimas eternas”, ridicularizadas por uns, glorificadas por outros, encontram-se em inúmeras 
situações: no cônjuge massacradoemocionalmente (pelo outro cônjuge); no empregado explorado 
indefinidamente pelo supervisor, pelo patrão ou pelos colegas; no cliente enganado pelo vendedor 
reiteradamente, sem experimentar novas opiniões, etc.
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O ofensor sabe, e a vítima também – talvez muito mais – que as suas reclamações não encontrarão o suporte 
necessário. A ação da lei, ainda, pouco consegue alcançar em relação às necessidades da vítima. 
Cuida-se, portanto, de incrementar os fatores de apoio e proteção em relação à vítima de crime para que 
esta encontre espaço e condições para a garantia de seus direitos, o que, certamente, passa pelo conceito de 
solidariedade e de políticas públicas eficientes, direcionadas a cuidar do fenômeno criminal.
Há outros casos em que não existe um encontro pessoal entre ofensor e vítima, embora os danos provocados 
possam atingir inúmeras pessoas. São exemplos, os crimes de corrupção e fraude ao sistema público de saúde, 
que subtraem do tesouro da nação consideráveis quantias e prejudicam incontáveis pessoas, ou ainda, situações 
em que o bem diretamente atingido, parece distante do olhar das vítimas em potencial, como os crimes ambientais. 
Sintetizando, aponta-se o estudo de García-Pablos de Molina e Gomes que propõem como possibilidade 
de objetos de estudo da criminologia, o crime, a pessoa do delinquente, a vítima e o controle social do 
comportamento delitivo, demonstrando, pois, a complexidade do tema e a importância de se conjugar 
todos os fatores envolvidos no fenômeno criminal.
A respeito da vítima, os autores elencam alguns tópicos de importância para este estudo, quais sejam: 
• Percepção e atitudes recíprocas do delinquente e da vítima; 
• Vítima como partícipe na prevenção do delito;
• Vítima como fonte de informações (visão tradicional da vítima);
• Vítima que reclama atenção a seus direitos por todos os danos que sofre
Ações imediatas fazem-se necessárias para as questões críticas; contudo, há de se atuar para modificar as 
visões de mundo de ofensores e vítimas (e da própria sociedade!).
É inegável a influência dos fatores sociais sobre 
as pessoas, podendo levá-las, muitas vezes, a 
assumir posturas que não condizem com o melhor 
para elas e para a comunidade. Encontram-se entre 
os ofensores, indivíduos que se desenvolveram em 
contextos de violência, o que pode significar que, 
também, tenham padecido dela. 
Além disso, você já observou como a sociedade 
divide-se em grupos, estabelecendo pouca, ou 
quase nenhuma comunicação entre eles? 
Assim, colocadas essas questões, verifica-se que é 
importante refletir sobre a concepção de comunidade 
assumida pelo indivíduo, reconhecendo-se que um dos 
Ofensor
grupos pode conceber o outro como um inimigo a ser 
combatido e eleger pessoas a quem se deve combater, 
criminalizando pessoas ou grupos e não condutas. 
Por outro lado, há pessoas que, mesmo praticando 
condutas descritas como crime, são enaltecidas 
por sua posição social, como no caso dos crimes de 
colarinho branco. 
Canções e filmes, entre outros estímulos, produzem 
um efeito importante sobre a figura do ofensor: 
algumas pessoas tendem a reproduzir modelos 
e a criar expectativas em torno das personagens 
fictícias consideradas poderosas e bem sucedidas. 
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Ao focalizar o olhar na base da pirâmide social, nota-se que a luta pela sobrevivência constitui a motivação 
diária; aplicando o olhar ao topo da mesma pirâmide observa-se que a plenitude e a disponibilidade de bens 
e serviços, também não garante ausência de violências.
A respeito da subjetividade destaca-se, também, a concepção do filósofo espanhol, Adolfo Vásquez, 
segundo a qual não é no indivíduo que podemos encontrar a essência humana, mas nas relações sociais das 
quais ele mesmo é produto, porque o indivíduo isolado seria apenas uma abstração, validada sua existência 
somente no conjunto das relações sociais. 
É, portanto, nas relações sociais, que se deve investigar a violência e, não, em indivíduos isoladamente. 
Desse modo, mais uma vez, impõe-se alertar para a complexidade do assunto, envolvendo ofensor, vítima, 
comunidade e o sistema de justiça.
Fiorelli e Mangini comentam o inegável efeito da geografia na constituição de condições favorecedoras do 
crime e da violência. Com base nas teorias criminológicas da Escola Ecológica de Chicago, citam espaços 
nos quais, geralmente, os laços sociais estão mais enfraquecidos, por exemplo, as imediações de terminais 
rodoviários, geralmente com grande fluxo de pessoas.
A esse respeito, o neurocientista português, António Damásio, explicou que, de um lado, encontra-se a 
acomodação mental, quando o indivíduo entra em um processo homeostático e o cérebro acomoda-se à energia 
que isso demanda. Não há motivo para alterações, pois estas sempre requerem gastos adicionais de energia. 
De outro lado, a mente desenvolve um processo adaptativo, que lhe propicia benefícios para lidar com as coisas 
do cotidiano: os pensamentos automáticos.
Não há como evitar o pensamento automático, como o nome sugere. Contudo, tal tipo de pensamento, alertam 
os psicólogos Fiorelli e Mangini, ganha distinção porque provoca as emoções correspondentes.
Portanto, na combinação do pensamento com a emoção, influenciado por inúmeros aspectos sociais, históricos 
e culturais, frise-se: em processos de subjetivação, dependendo da forma e da intensidade, surge o crime e o 
processo de vitimização.
Considerando-se tais diferenças, a seguinte questão é pertinente: 
o que impede, nas duas narrativas, de o indivíduo migrar para 
comportamentos socialmente (in)aceitáveis?
Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Trassi Teixeira revelam na obra Psicologias que, 
com orientação da Psicologia Sócio-Histórica, não há como compreender um indivíduo sem 
conhecer seu mundo. Para compreender o que cada um de nós sente e pensa e como cada 
um de nós age, é preciso conhecer o mundo social no qual estamos imersos e do qual somos 
construtores; é preciso investigar os valores sociais, as formas de relação e de produção da 
sobrevivência de nosso mundo, além das formas de ser do nosso tempo.
Sociedade
Saiba mais
A Escola Ecológica de Chicago é uma teoria criminológica que apresenta uma proposta 
a respeito da influência do ambiente no comportamento disfuncional dos membros de 
uma comunidade, apontando, especialmente, a desorganização social e as altas taxas 
de imigração que enfraqueceriam os laços sociais
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O efeito disto sobre as percepções é inegável. Não há estranheza em relação a uma ocorrência, sob a 
perspectiva da sociedade, quando inserida nos costumes e nos padrões pré-estabelecidos. 
Outro aspecto fundamental apontado em relação à comunidade refere-se à desigualdade social; o privilégio 
de alguns em detrimento das necessidades de muitos, influenciando no acesso, mais ou menos adequado, 
aos bens e serviços disponíveis e necessários à manutenção da dignidade e da saúde humanas.
A cultura, a moralidade e os fatores sociais constituem aspectos 
de grande importância para a fixação e emissão de 
comportamentos
Conclui-se, pois, que a compreensão formada sobre violência ou crime recebe determinante influência 
no modo como a comunidade percebe esses fenômenos, podendo haver maior ou menor aderência do 
entendimento da comunidade em relação às leis e normas. 
Percebe-se, por exemplo, um determinado grupo social, privilegiado, que não acessa os demais grupos, 
a não ser para que as pessoas deste segundo grupo satisfaçam as necessidades e desejos do primeiro.
Zygmunt Bauman, em “Globalização: as consequências humanas”, refere que, a lógica que se desenvolve 
nos bairros de pessoas pouco instruídas será, provavelmente, de natureza diferente daquela que se 
desenvolve entre os viajantes internacionais das indústrias culturais, com sua instrução superior. A 
hibridização cultural dos habitantes globais pode ser uma experiência criativa e emancipadora, mas a 
perda de poder social e cultural dos habitantes locais raramente o é.
Ofensores e vítimas, portanto,encontram-se dentro desse contexto. Isso afeta como uns e outros 
percebem-se, a eles mesmos e ao conjunto maior da comunidade. Há, pois, importantíssima questão 
contextual nesta percepção.
13
BAUMAN, Z. Globalização: as Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1999.
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O. e TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DAMÁSIO, A. R. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FIORELLI, J. O. e MANGINI, R. C. R. Psicologia Jurídica. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2021.
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, A.; GOMES, L. F. Criminologia: introdução a seus fundamentos 
teóricos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
Referências
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Unidade 3. Danos à vítima
A dimensão dos danos causados pela violência depende de diversos aspectos relacionados entre si, o que pode 
provocar efeitos de ampliação, cronificação e multiplicação dos efeitos desta sobre as pessoas e sobre a sociedade. 
Pode-se relacionar os danos a fatores como os descritos no esquema a seguir:
3.1 A multidimensionalidade dos danos: físicos, psíquicos e sociais
A multidimensionalidade dos danos pode ser verificada de acordo com o tipo de dano provocado, conforme se 
observa no esquema abaixo:
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As categorias e os tipos de danos não são excludentes entre si e, destes podem derivar outros, como danos 
econômicos, morais, políticos e, ainda, podem coexistir em um mesmo evento. 
Pense, por exemplo, no caso a seguir:
As senhoras Adelaide e Mariana são vizinhas e cultivavam salutar hábito de amizade desde 
os tempos da juventude: todos os dias sentavam-se à porta de suas casas para compartilhar 
a vida. Relembravam os tempos da adolescência, confidenciavam histórias pessoais e faziam 
planos para o futuro; planejavam uma viagem de férias juntas. Certo dia, durante o costumeiro 
bate-papo, dois homens as interpelaram e, violentamente, as agrediram, levando alguns de seus 
bens pessoais. Os danos suportados por ambas se revelaram físicos (hematomas pelo corpo), 
psíquicos (com profunda alteração no ritmo do sono e ansiedade); e sociais (prejudicando o 
hábito de compartilharem aquelas tardes tão prazerosas, além de limitar suas atividades sociais). 
Com o decorrer do tempo e com suporte multidisciplinar e apoio familiar, ambas puderam retomar 
a rotina anterior, embora a sensação de insegurança estivesse, agora, presente.
Os danos referidos não são percebidos, do 
mesmo modo, para todas as pessoas, diferindo 
conforme características pessoais da vítima e 
características ambientais.
Ninguém se encontra imune a eles. O quadro, 
contudo, difere radicalmente entre a população 
que se encontra em ambiente de alto risco, mais 
vulnerável, e a parcela da sociedade, relativamente 
protegida em seus ambientes de vida. 
O ambiente que sugere maior risco para a 
ocorrência de violência e, portanto, para provocar 
maior dano e sofrimento, pode ser identificado nas 
áreas em que as políticas públicas e sociais são 
insuficientes, dificultando (ou mesmo impedindo) o 
acesso de pessoas aos serviços mais básicos, como 
os referentes ao saneamento básico, moradia, 
educação, transporte e saúde. 
O lar, quando situado em ambiente de alto risco, 
sofre os efeitos desse contexto. O indivíduo é 
afetado e a violência pode permanecer latente, 
prestes a se concretizar. 
A exposição à violência compreende a 
experiência direta com esta – ser vítima de 
algum ato violento – e a experiência indireta 
– testemunhar atos de violência. Cena comum 
nos casos de violência doméstica.
Saiba mais
A psicóloga Nanci Cardia denomina covitimização a situação de testemunhar 
a violência. A profissional aponta que estudos comprovaram que os efeitos 
de testemunhar a violência (assassinatos, espancamentos e outros) afetam 
sensivelmente as pessoas, principalmente crianças, quando ofensor, vítima, ou 
ambos, têm elevado valor afetivo para elas.
Estar mais ou menos exposto à violência não é um evento neutro na vida das pessoas; descreve não só 
diferenças de padrão de qualidade de vida como, também, de novos riscos de vitimização, conforme descrevem 
Chang e Hope, citados por Cardia; ou leva ao desenvolvimento de estratégias para lidar com a violência, como 
é o caso dos mecanismos de defesa do ego. 
Quanto mais presente a chance de ocorrência da violência, e quanto maior a expectativa de gravidade 
desta, maior o medo, sentimento que afeta sensivelmente os comportamentos e altera o estilo e qualidade 
de vida dos indivíduos. 
Como efeitos diretos do medo, tem-se a busca de proteção e suas barreiras. As pessoas passam a viver 
“enjauladas” em seus lares, quando estes têm estrutura para tanto. 
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A comunidade fragmenta-se e abre-se espaço para a desconfiança. Os problemas comuns deixam de receber 
adequado tratamento e reduz-se a chance de ações coletivas.
Outros sinais também podem ser percebidos, tais como, fobias diversas (principalmente as relacionadas 
com a socialização), pânico (manifestado sob diversas formas), pensamentos obsessivos em torno de ideias 
associadas ao medo, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, falta de concentração e outros.
A esse conjunto, que prejudica a aprendizagem, dentre outros aspectos, Warner & Weist, citados por Nanci 
Cardia, denominam “fadiga do sobrevivente”.
O estresse pós-traumático pode ser um dos sintomas relacionados a esse quadro de medo, com prejuízos 
emocionais e comportamentais importantes.
De acordo com o DSM V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, livro da 
Associação Americana de Psiquiatria) o estresse pós traumático constitui-se de lembranças 
recorrentes intrusivas de um evento traumático opressivo; as lembranças duram mais de 
um mês e começam em até 6 meses depois do evento. A fisiopatologia do transtorno não 
é completamente compreendida. Os sinais e sintomas também incluem evitar estímulos 
associados com eventos traumáticos, pesadelos e flashbacks. O diagnóstico baseia-se na 
história. O tratamento consiste em terapia de exposição e tratamento medicamentoso. 
Disponível no link. 
Esses prejuízos podem incluir a paralisação das atividades profissionais, sociais e conjugais, medo de sair 
desacompanhado(a), dificuldade para retomar as tarefas habituais e incapacidade para realizar outras tarefas. 
As consequências da fragmentação social vão muito além da simples separação física. Evidenciam-se no 
desenvolvimento de costumes e linguagem específicos, que refletem a diferença de estilos de vida entre 
comunidades diferentes. 
Há ainda, uma possível negação dos riscos, que se constitui em um potente mecanismo psicológico de defesa. 
É possível observá-lo na negação ante a doença, ante uma ofensa ou uma violência. Não encontrando (pessoal 
ou socialmente), suporte suficiente, o indivíduo necessita valer-se dos recursos de que dispõe para preservar 
o psiquismo, o que, pode torná-lo mais vulnerável.
O estudo sobre exposição à violência, conduzido pela psicóloga Nanci Cardia, menciona a afetação das crenças, 
dos valores e das expectativas de crianças e jovens em relação ao comportamento dos outros. 
A exposição de pessoas num ambiente no qual os conflitos são 
“resolvidos” com baseado na comunicação violenta, pode levá-las 
a desenvolver um estilo cognitivo que também privilegia a violên-
cia como ação e reação, especialmente em se tratando de pesso-
as em desenvolvimento e de relações íntimas, como é o caso de 
crianças e suas relações parentais e de cuidado.
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/ansiedade-e-transtornos-relacionados-a-estressores/transtorno-de-estresse-p%C3%B3s-traum%C3%A1tico-tept
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No ambiente de risco controlado a situação é diferente, 
embora a violência possa ocorrer por outras vias e ser 
praticada pelas pessoas que o habitam.
Pelo fato do grupo que habita esse espaço dispor 
de mecanismos de proteção relativamente mais 
eficientes em comparaçãocom os espaços de alto 
risco, identifica-se substancial distância entre ambos 
quanto à probabilidade de vivenciarem situações de 
determinados tipos de violência e de obter suporte e 
apoio. Para este grupo, os fatores de risco minimizam 
e os de proteção são incrementados.
A percepção e a expectativa de violência 
provocam um importante mecanismo de defesa 
nessa população: o distanciamento da população 
entendida como inimiga, contribuindo para 
relevantes distorções sociais.
No ano de 1999, Bauman já alertava para os efeitos 
da globalização, o apelo ao consumo e a busca 
por satisfações imediatas, levando à coisificação 
do sujeito, ou seja, à redução da pessoa a um 
objeto, desconsiderando aspectos emocionais, por 
exemplo, e à exclusão social. 
Portanto, atente para o modo de relacionamento social, os fatores 
que correspondem à inclusão ou exclusão de pessoas e a conse-
quente manutenção da violência e de seus efeitos deletérios.
Sintetizando, pela relevância do tema e pelos desdobramentos a longo prazo, destaca-se a diferenciação de 
valores e princípios críticos, o que, na base das teorias criminológicas corresponderia à Teoria do Conflito, 
com seus grupos e subgrupos sociais distintos. 
Os conflitos não são causados exclusivamente por aspectos internos dos indivíduos, pois, mesmo cultivando 
valores distintos, a realidade e a cultura social se impõem de maneira intensa nas relações interpessoais. 
O enfraquecimento da visão sistêmica conduz à busca de soluções imediatistas e improvisadas para a 
violência e elege seus alvos preferidos; geralmente, os já dantes vulnerabilizados social e economicamente.
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AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. (Orgs.). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno 
poder. São Paulo: Iglu, 1989.
BAIERL, L.F. Medo Social- Da Violência Visível ao Invisível da Violência. São Paulo: Cortez Editora, 2004
BAUMAN, Z. Globalização: as Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1999.
CARDIA, N. Exposição à violência: seus efeitos sobre valores e crenças em relação a violência, polícia e 
direitos humanos. Revista Lusotopie: São Paulo, 2003, pp. 299-328. Disponível em: https://nev.prp.
usp.br/wp-content/uploads/2014/08/down066.pdf. Acesso em: 23 de junho de 2021.
Referências
https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2014/08/down066.pdf
https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2014/08/down066.pdf
	Unidade 1 – Vitimização e Violências
	1.1 Conceitos de violências
	Referências
	Unidade 2 – A vítima em sua relação com o contexto criminal
	2.1 Relação vítima, ofensor e sociedade
	Referências
	Unidade 3. Danos à vítima
	3.1 A multidimensionalidade dos danos: físicos, psíquicos e sociais
	Referências

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