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Câmpus de Presidente Prudente 
 
Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) 
Convênio UNESP/INCRA/Pronera 
 
 
 
 
 
 
TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO 
JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E 
TERRITÓRIOS COMO RECURSO DO CAPITAL 
 
 
ENIO JOSÉ BOHNENBERGER 
 
Monografia apresentado ao Curso Especial de 
Graduação em Geografia (Licenciatura e 
Bacharelado), do Convênio 
UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título 
de Licenciado e Bacharel em Geografia 
Orientadora: Dra. Mirian Claudia Lourenção 
Simonetti 
Monitor: Leandro Nieves Ribeiro 
 
 
 
Presidente Prudente 
2011 
 
 
 
 
 
 
TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO 
JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E 
TERRITÓRIOS COMO RECURSO 
 
 
ENIO JOSÉ BOHNENBERGER 
 
 
Trabalho de monografia apresentado ao Conselho 
do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e 
Tecnologia, campus de Presidente Prudente da 
Universidade Estadual Paulista, para obtenção do 
título de Licenciado e Bacharel em Geografia. 
 
Orientador: Dra. Mirian Claudia Lourenção 
Simonetti 
 
Monitor: Leandro Nieves Ribeiro 
 
 
 
 
 
Presidente Prudente 
2011
 
 
Enio José Bohnenberger 
 
 
 
 
 
 
TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO 
JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E 
TERRITÓRIOS COMO RECURSO PARA O CAPITAL 
 
 
Monografia apresentada como pré-requisito para 
obtenção do título de Bacharel em Geografia da 
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita 
Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora 
composta pelos seguintes membros: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Presidente Prudente, novembro de 2011 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao MST, que faz parte de minha caminhada 
desde 1989, que nos proporcionou e 
proporciona tantas oportunidades de lutar 
por uma vida digna em todos seus aspectos. 
Que nos permite construir nossa formação 
em sua totalidade. 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A minha companheira Helenice, que com sua serenidade e ternura me ajuda a 
enfrentar os desafios da luta por um mundo mais humano e justo; 
A Ana Clara, que há 8 anos caminha conosco, exalando seu perfume, seu 
carinho e nos contagiando com sua alegria; 
Ao Pedro Ernesto, que desde cedo aprendeu a ser poeta para cantar a vida com 
mais alegria e para ajudar a superar a minha ausência; 
À Marina, que mesmo distante de minha presença, mas não se ausenta na 
lembrança e no carinho; 
Aos meus pais Egidio e Xênia, camponeses que às custas de uma enxada, 
criaram e educaram sete filhos e filhas. Foi com eles que aprendemos a ser resistentes 
nesta vida dura que os camponeses brasileiros enfrentam; 
À Mirian, minha orientadora e toda sua equipe (Alex,...) que me ajudaram a 
descobrir e a escrever os territórios de vida digna dos camponeses do Vale do 
Jequitinhonha e do Brasil; 
Ao Leandro Nieves Ribeiro, pelas contribuições técnicas (gráficos, mapas, 
tabelas...) e pela paciência e compreensão na correção dos trabalhos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As monoculturas ocupam primeiro a mente e depois 
são transferidas para o solo. As monoculturas mentais 
geram modelos de produção que destroem a 
diversidade e legitimam a destruição como progresso, 
crescimento e melhoria (...) A expansão das 
monoculturas tem mais a ver com política e poder do 
que com sistemas de enriquecimento e melhoria da 
produção biológica. 
Vandana Shiva 
 
 
RESUMO 
O presente trabalho buscou analisar a territorialidade em tensão no Vale do 
Jequitinhonha.-MG; tendo como referencia os territórios de vida e os territórios como 
recurso do capital. Portanto as contribuições realizadas neste trabalho estiveram 
vinculadas de analise a questão agraria no Vale Jequitinhonha, durante os anos de.2009 
2011, desde a perspectiva da geografia critica. As informações colhidas durante o tempo 
de pesquisa permitiram analisar a realidade da estrutura fundiária no município de 
Jequitinhonha e suas contradições históricas e geográficas no contexto do Brasil. Para o 
qual se utilizou a metodologia de ação e investigação de trabalhos acadêmicos sobre a 
regiao, bem como junto as comunidades de resistência camponesa, o que possibilitou 
compreender as mudanças ocorridas no território. A pesquisa se fundamentou em 
diferentes modelos de desenvolvimento da produção nos territórios camponês e do 
agronegócio e também buscou-se compreender a luta pela terra e as formas de 
resistência dos trabalhadores Sem Terra no território. 
 
Palavras chaves: Agronegócio, território camponês. 
 
 
 
 
RESUMEN 
 
El presente trabajo buscó analizar la territorialidad en tensión en el Vale do 
Jequitinhonha, en el Estado de Minas Gerais – Brasil; teniendo como referencia los 
territorios de vida y los territorios como recurso del capital. Por lo tanto las 
contribuciones realizadas en este trabajo estuvieron vinculadas al análisis de la cuestión 
agraria en el Vale do Jequitinhonha, durante los años.... desde la perspectiva de la 
geografía critica. Las informaciones recogidas durante el tiempo de investigación 
permitieron analizar la realidad de la estructura fundiária en el Municipio de 
Jequitinhonha y sus contradicciones históricas y geográficas en el contexto de Brasil. 
Para la cual se utilizó la metodología de acción-investigación participativa junto a las 
comunidades de resistencia campesina, lo que pemitió comprender las transformaciones 
ocurridas en el territorio. La investigación se fundamentó en los diferentes modelos de 
desarrollo de la produción en territorio del campesinado y del agronegocio, también se 
buscó comprender la lucha por la tierra y las formas de resistencia de los trabajadores 
Sin Tierra en el territorio. 
 
Palavras chaves: Agronegocio, territorio campesino. 
. 
 
 
Lista de Siglas 
 
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário 
EMATER- Empresa de Assistencia técnica e extensão rural 
ATER- Assistência técnica e extensão rural 
IBGE- Instituto Brsileiro de Geografia e Estatística 
MST- Movimento dos Trabalhadores |Rurais Sem Terra 
STR- Sindicato dos Trabalhadores Rurais 
CODEVALE- Companhia de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha 
CEMIG- Companhia Energetic de Minas Gerais 
DER- Departamento de Estradas e Rodagem 
BEMGE- Banco do Estado de Minas Gerais 
BNB- Banco do Nordeste do Brasil 
IBDF-Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal 
IEF- Instituto Estadual de Florestas 
CGIAR- Consultative Group on International Agricultural 
PSN- Plano Siderúrgico Nacional 
MRH- Micro-região homogênea 
MIBA- Mineração Minas Bahia 
EUA- Estados Unidos da América 
INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
UFJF- Universidade federal de Juíz de Fora 
EJA- Educação de Jovens e Adultos 
ITERRA – Instituto Técnico de Capacitação Pesquisa da Reforma Agrária 
UNESP- Universidade Estadual Paulista 
 
 
 
 
 
Lista de figura 
 
Figura 1 - O Vale do Jequitinhonha e as três microrregiões: o Alto, o Médio e o Baixo.
 ........................................................................................................................................ 26 
Figura 2 – Povos Indígenas em Minas Gerais na segunda metade do século XVI. ....... 31 
 
 
Gráfico 1 – Produção agropecuária no Baixo Jequitinhonha ......................................... 20 
Gráfico 2 – Área plantada em lavouras no Baixo Jequitinhonha, segundo o Censo 
Agropecuário de 2006. ................................................................................................... 23 
 
Lista de quadro 
Quadro 1 - Principais povos indígenas em Minas Gerais, no século XXI. .................... 32 
Quadro 2 - Comunidades rurais no municipio de Jequitinhonha ................................... 64 
 
Lista de tabela 
Tabela 1 – População urbana e rural .............................................................................. 21Lista de fotos 
 
Foto 1 – O leito do rio Jequitinhonha, a cidade de Jequitinhonha, os grotões e as 
chapadas. Fonte: Decanor Antunes, 2009. ..................................................................... 15 
Foto 2 – Médio Jequitinhonha, cujos Vales são mais estreitos, pois as terras são mais 
acidentadas em relação ao Baixo Jequitinhonha. Na foto, temos à frente a plantação de 
Eucalipto. Fonte: Decanor Antunes, 2009. ..................................................................... 16 
 
Lista de Mapas 
Mapa 1 - Localização do Vale do Jequitinhonha e suas microrregiões .................................. 15 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
Introdução ....................................................................................................................... 11 
I - Territórios e contradições .......................................................................................... 14 
1.1 - A caracterização histórica e geográfica do Baixo Jequitinhonha ................. 14 
1.2 - A estrutura fundiária e a produção agrícola do Baixo Jequitinhonha ........... 19 
II - O Vale do Jequitinhonha: índios, negros e camponeses ........................................... 26 
2.2.1 - O território indígena................................................................................... 27 
2.2.2- O território dos negros ................................................................................ 33 
2.2.3 - O Território do campesinato: destruição e resistência ............................... 35 
III- O território como recurso para as empresas de eucalipto e mineradoras no município 
Jequitinhonha .................................................................................................................. 44 
3.1- As políticas de implantação do eucalipto no Vale do Jequitinhonha ............ 44 
3.2 - Uma tragédia anunciada ............................................................................... 45 
3.3 - O monocultivo do eucalipto no município de Jequitinhonha ....................... 50 
IV - Territórios em disputa: um novo período na luta pela terra .................................... 58 
4.1 - A luta por territórios de vida – a luta pela terra na região ............................ 58 
4.2 – Os assentamentos como territórios de vida. ................................................. 62 
Considerações finais ....................................................................................................... 67 
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 70 
 
 
 
 
 
 
 
Apresentação 
 
Este trabalho foi possível graças ao MST, ao qual ingressei em 1989 ainda no 
estado do Rio Grande do Sul. Foi lá que aprendemos a ser militantes da vida e enfrentar 
as elites agrárias deste país, para realizar a tão sonhada Reforma Agrária. Foi no MST 
que construímos nossa formação política e nos ajudou a assumir a identidade de classe 
camponesa e trabalhadora. 
Em 1996 fomos convocados a realizar um trabalho militante no estado de 
Minas Gerais, criamos raízes por lá e por lá estamos, no ao de 2000 participamos do 
primeiro curso da Realidade Brasileira em parceria com a Universidade Federal de Juiz 
de Fora. Foi a primeira vez que entramos formalmente em uma Universidade. De 2003 à 
2005, o MST nos proporcionou um curso de Ensino de Jovens e Adultos de Nível 
médio através do ITERRA-RS o qual participamos nos formando em 2005. Nesse 
período surgiu o trabalho de construção do curso de Geografia em parceria com a 
UNESP Presidente Prudente, o qual ingressamos em 2007. 
Este trabalho de pesquisa que resultou na monografia é um aprendizado que 
construímos coletivamente, portanto fruto de um grande mutirão de pessoas no sentido 
de buscar conhecimentos para continuar rompendo as cercas do latifúndio, do capital e 
do saber 
11 
 
Introdução 
 
Este trabalho de conclusão do Curso de Geografia é um esforço de entender a 
disputa territorial entre o capital e os camponeses no Vale e no Município de 
Jequitinhonha, fundamentalmente a terra e a água, em uma região semiárida como é o 
Vale do Jequitinhonha. 
Por ter um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano(IDH) do 
Brasil, o Vale do Jequitinhonha, desde a década de 1970 é conhecido como “vale da 
miséria”, pelos órgãos governamentais. Verifica-se porem, que esta região já foi uma 
das mais cobiçadas do país, em primeiro momento para a extração do diamante e das 
pedras preciosas no século XVII, e logo depois para a expansão da atividade 
agropecuária. Já a partir de 1970, passa a ser alvo das empresas monocultoras de 
eucalipto, principalmente o Alto e o Médio Jequitinhonha. Mais recentemente, a a partir 
de 2005, também o Baixo Jequitinhonha também passa a interessar ao capital 
monocultor de eucalipto. 
O que nos chama a atenção para a realização de nosso trabalho, que mesmo o 
Vale sendo uma região considerada pobre pelos índices de desenvolvimento,tem atraído 
investimentos por parte do capital. E sempre que aparecem os investimentos, vem junto 
o discurso de levar o desenvolvimento econômico local, geração de empregos e renda 
para tirar o vale da miséria e da pobreza. Passados alguns anos se percebe que a 
população local não melhorou de vida e as tais melhorias não atingiram os seus 
propósitos. Ou pior ainda, os modelos de desenvolvimento acabam destruindo a cultura 
local, seus modos de vida e seu território. 
Dessa maneira, o que se percebe, é uma disputa pelos recursos naturais do 
território , principalmente terra e água. Os camponeses que esperam e lutam há anos por 
Reforma Agraria e por melhores condições de vida no campo, acabam sempre ficando 
de fora destes projetos. A conflitualidade se desenvolve entorno de dois projetos, o do 
capital, que busca aumentar seus lucros a traves da exploração intensiva dos recursos 
naturais, e os camponeses que querem melhorar suas condições de vida. 
Entorno destes dois projetos distintos, acontece a conflitualidade, se por um 
lado o capital busca se territorializar através de projetos incentivados pelos governantes 
e pelo Estado, principalmente o monocultivo de eucaliptos. Por outro lado, os 
12 
 
camponeses vão criando formas de luta e resistência para manter e até ampliar seus 
territórios e seu modo de vida. 
Para a realização deste trabalho, nos preocupamos primeiramente em compilar 
informações sobre a região, em trabalhos acadêmicos, não se preocupando tanto com a 
área do conhecimento. também buscamos informações locais com lideranças e pela 
própria vivencia nossa na região. 
Para discutir a questão do território, nos referenciamos em vários autores, mas 
fundamentalmente entendemos o território em seu sentido amplo. Concordamos com 
Fernandes 2008 de que o ponto de partida para discutir o território é o espaço. “o 
espaço é a materialização da vida humana”. Ele é por tanto, uma totalidade. As relações 
sociais produzem espaços, e os espaços produzem relações sociais. o conceito de 
território no sentido mais amplo, o da multidimensionalidade, defendido por Fernandes, 
que também considera o território na multiescalaridade, que significa levar em conta as 
diferentes classes sociais. Por tanto, no nosso entender, o território possui toda essa 
dimensão da vida. 
Concordamos com Porto-Gonçalves que afirma que 
é o espaço apropriado, espaço feito coisa própria, enfim, o 
território é instituído por sujeitos e grupos sociais que se 
afirmam por meio dele. Assim, há, sempre, território e 
territorialidade, ou seja, processos sociais de territorialização. 
num mesmo território há, sempre, múltiplas territorialidades 
(apud FERNANDES, 2008,p. 5). 
Dentro deste processo dialético, é que analisamos a territorialização, tanto dos 
camponeses, como do capital. Se por um lado o capital vê o território apenas como uma 
fonte de lucros, o território camponês tem um sentido maisamplo, acontecendo portanto 
uma disputa territorial. 
Os projetos que ora estão em disputa, conformam duas paisagens diferenciadas. 
Por um lado a homogeneidade do agronegócio e por outro a diversidade dos territórios 
de vida, como afirma Fernandes 2008 
A composição uniforme e geométrica da monocultura se 
caracteriza pela pouca presença se pessoas no território, porque 
sua área está ocupada por mercadoria, que predomina a 
paisagem. A mercadoria, é a expressão do território do 
agronegócio. A diversidade dos elementos que compõem a 
paisagem do território camponês é caracterizada pela grande 
presença de pessoas no território, porque é neste e deste espaço 
que constroem suas existências, produzindo alimentos. Homens, 
mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias, produção de 
13 
 
mercadorias, culturas e infra-estrutura social, entre outros, são 
os componentes da paisagem dos territórios camponeses.(p. 11) 
 
Quanto a estruturação do trabalho, dividimos em quatro capítulos. No primeiro 
buscamos desenvolver os aspectos geográficos e históricos da região, desde sua 
colonização. As características físicas e sua localização no estado e no país, bem como 
sua estrutura fundiária. No segundo capitulo a formação do campesinato no Vale do 
Jequitinhonha, sua destruição e resistência, o território indígena e o território negro. 
Veremos que mesmo depois de seculos de colonização e povoamento da região, a 
resistência dos índios, negros e camponeses continua forte. Tanto é que temos ainda 
32% da população morando no campo no Baixo Jequitinhonha, enquanto no Brasil, 
temos apenas 15%. 
No terceiro capitulo, buscamos desenvolver o território como recursos do 
capital, principalmente a monocultura do eucalipto. Os projetos que se desenvolveram 
ao longo de sua colonização e povoamento, bem como os novos projetos que estão 
sendo planejados para a região. 
E por fim, no quarto capitulo, trabalhamos com a luta pela terra, sua 
territorialização na região. A isso chamamos de territórios de vida, onde são construídos 
as alternativas no enfrentamento ao capital. 
Desta maneira, o trabalho pretende mostrar a grande disputa que há entre dois 
modelos de desenvolvimento na região do Baixo Jequitinhonha, os territórios de vida e 
o território como recurso para o capital. Os resultados de tal disputa são imprevisíveis, 
mas de qual quer forma, eles se confrontam com certeza, seremos chamados a nos 
posicionar sobre eles. 
 
14 
 
I - Territórios e contradições 
 
1.1 - A caracterização histórica e geográfica do Baixo Jequitinhonha 
A mesorregião do Vale do Jequitinhonha está localizada no Nordeste mineiro e 
faz parte do semi-árido brasileiro que está distribuído em três micros regiões, o Alto, o 
Médio e o Baixo Jequitinhonha. É chamado de vale, pois o Rio Jequitinhonha atravessa 
toda sua extensão, em torno de 1080 km, desde sua nascente na localidade de Serro, 
próximo a Diamantina, até a sua foz no litoral baiano. Sua bacia abrange 63 municípios, 
sendo 41 totalmente incluídos e 22 parcialmente (IBGE, 1997). A palavra 
Jequitinhonha, vem dos índios Borun, do tronco Aimoré. “O topônimo Jequitinhonha é 
de origem indígena e tem o significado de rio largo e cheio de peixes”
1
 (IBGE, 2010). 
O Rio Jequitinhonha foi, na época da colonização, o principal meio de 
locomoção, tanto para o deslocamento humano, como para o escoamento das riquezas, 
diamantes, ouro e pedras preciosas. Desde então, as atividades para fins de 
agropecuária, garimpagem, mineração, represas, desmatamentos etc., têm causado 
muitos danos ambientais no rio e seu entorno. Mesmo assim, ainda é o principal recurso 
hídrico da região, responsável pelo suprimento de água de grande parte dos municípios 
que compõe o vale. 
Segundo Ribeiro (2004), as características fisiogeográficas do Baixo 
Jequitinhonha, são de terras planas e férteis, vales abertos e serras com poucas 
diferenças acentuadas entre ambas, bem diferentes do alto. 
Nas matas as terras possuem fertilidade bastante uniforme e, embora 
também formada por vales e serras, apresentam diferenças pouco 
acentuadas de uso dos solos entre terras altas e baixas. Vales largos, 
cobertos por florestas, chapadas extensas e férteis, grandes áreas 
planas formando horizontes abertos marcam o Baixo Jequitinhonha. 
(RIBEIRO, 2004, p.05) 
 
 
1
 Página do IBGE: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
15 
 
 
Mapa 1 
 Foto 1 – O leito do rio Jequitinhonha, a cidade de Jequitinhonha, os grotões e as 
chapadas. Fonte: Decanor Antunes, 2009. 
A ocupação do Vale do Jequitinhonha inicialmente se deu pelos índios Borun, 
que no século dezoito se viram ameaçados e perseguidos pelas expedições portuguesas 
em busca de ouro, posteriormente vieram os colonizadores em busca da terra fértil e 
“sem dono”
2
. 
 
2
 Terras livres, não ocupadas economicamente pelos colonizadores. 
16 
 
 
Foto 2 – Médio Jequitinhonha, cujos Vales são mais estreitos, pois as terras são mais acidentadas 
em relação ao Baixo Jequitinhonha. Na foto, temos à frente a plantação de Eucalipto. Fonte: 
Decanor Antunes, 2009. 
Segundo Silva 2008, “a história do município do Jequitinhonha é a história da 
guerra contra os índios Borun”. O povoado que deu origem ao município se formou a 
partir da instalação do quartel da Sétima Divisão Militar, denominado Quartel de São 
Miguel, conforme descreve o Diário do Executivo: 
 
A origem de sua fundação, como a de várias cidades baianas e 
mineiras, assenta-se nas guerras feitas ao gentio pelos vice-reis e 
governadores gerais do Brasil desde o primeiro século da descoberta. 
Sendo a vasta região do Médio e Baixo Jequitinhonha ocupada 
inteiramente pela numerosa tribo dos Botocudos, determinou que o 4º 
vice-rei, Vasco Fernandes César de Menezes, que governou o Brasil 
de 1720 a 1735, que o capitão-mor Antônio Veloso da Silva 
continuasse nas guerras então feitas ao gentio bárbaro [...]. a criação 
dos governadores provinciais, continuaram estes nas guerras 
indiscriminadas para posse do vale do Jequitinhonha. [...] Quando se 
constituíram, em março de 1808, as divisões militares, não se pensou 
logo em colocar uma às margens do Jequitinhonha. Foi somente em 
1811 que se criou a que ocupa atualmente o povoado de São Miguel, e 
que lhe deram por comandante o alferes Julião Fernandes Leão (...). 
Por ter sido o Rio Jequitinhonha considerado diamantífero e 
pertencente à Coroa todas as riquezas do sub-solo, determinou o 
governo da Metrópole que o grande rio fosse guarnecido por tropas de 
dragões (...), distribuiu companhias de dragões numa extensão 
superior a cinquenta léguas, até os limites da província, que foi 
17 
 
escolhida para sede da Sétima Divisão. (DIÁRIO EXECUTIVO, nº. 9 
– 15/11/1960, apud, SILVA, 2007). 
 
Em sua trajetória administrativa o povoado foi elevado à condição de Vila-
Distrito, de vários municípios chegando a pertencer ao Estado da Bahia e por último ao 
município de Araçuaí. Somente em 1911 é que o distrito vai se constituir como 
município de Jequitinhonha, elevando os povoados, que são atualmente os municípios 
de Almenara, Bandeira, Salto da Divisa, Jacinto, Joaíma, Felisburgo, Rubim, Rio do 
Prado, Santa Maria do Salto, Jordânia e Palmópolis, a condição de distritos e que, mais 
tarde também terão sua emancipação política. O município do Jequitinhonha ficou 
confrontando à Leste e Nordeste com o Estado da Bahia, à Oeste com o município de 
Araçuaí e à Sudeste com o município de Teófilo Otoni (SILVA, 2008). A seguir, a 
Mapa 1 mostra a localização do Vale do Jequitinhonha no Estado de Minas Gerais e suas 
respectivas microrregiões. 
 
 
. 
18 
 
Mapa 1 – Localização do Vale do Jequitinhonha e suas microrregiões 
 
 
19 
 
1.2 - Aestrutura fundiária e a produção agrícola do Baixo 
Jequitinhonha 
 
O território do Baixo Jequitinhonha é formado por 16 municípios, tem uma 
população total de 175.991 habitantes, sendo que 67,6 % residem na área urbana 
(118.970 pessoas) e 32,4 % na área rural (57.021 pessoas) (BELO HORIZONTE, 
2009). Neste sentido, pode-se verificar que a população rural ainda é expressiva nessa 
região, visto que está acima da média nacional
3
. Vale ressaltar, que parte significativa 
da população residente na cidade desenvolve atividades no meio rural, trabalho este que 
pode ser temporário, como nas lavouras de café ou como diaristas, ou, na condição de 
assalariados nas plantações de banana, eucalipto, entre outros. 
Desta maneira, verifica-se que a economia da região está ligada ao meio rural, 
sobretudo pelo fato da região não ter atraído empresas relevantes que proporcionasse a 
sua industrialização. A exceção é a extração de rochas de mármore e granito, mas como 
sua extração é mecanizada, os empregos são insignificantes. Há também uma pequena 
extração de grafite no Município de Salto da Divisa. 
Segundo os estudos do Ministério de Desenvolvimento Agrário (BELO 
HORIZONTE, 2009), em 2009, a renda per capta média do território do Baixo 
Jequitinhonha é de R$ 114,65 ao mês, que é inferior se comparado com outras regiões 
do Estado e do país. Grande parte das terras dos municípios está ocupada com pastagens 
(59,7%), seguido das matas (31,1%)
4
. Em seguida vêm as lavouras que ocupam 7,3% 
das terras (gráfico 1). Ressalta-se que no Baixo Jequitinhonha os plantios de eucalipto 
são mais recentes a partir de 2005. Já em termos de valor da produção, 62% vêm de 
origem animal e 30% das lavouras, portanto esses dados dão conta que 92% da 
economia da região vêm da agropecuária. (BELO HORIZONTE, 2009) 
 
3
 Segundo o Censo do IBGE de 2010, o Brasil conta com 15,65% da população no campo, ou seja, 
29.852.986 pessoas. 
4
 Quanto às matas, somente no município de Jequitinhonha há um parque florestal de mais de 50 mil 
hectares 
20 
 
Gráfico 1 – Produção agropecuária no Baixo Jequitinhonha 
 
 
Em termos da estrutura fundiária, a região segue o país, apresentando uma 
grande concentração de terras. As áreas acima de mil hectares, que representam 2,6% 
dos estabelecimentos concentram 30% da área total, porém se ressalta que um 
proprietário pode ter vários estabelecimentos o que demonstra uma concentração maior 
das terras. Já as propriedades com menos de dez hectares representam 16,4% dos 
estabelecimentos e detém somente 0,4% da área. 
Por outro lado, as propriedades acima de mil hectares que ocupam 30% das 
terras são responsáveis por apenas 6,8% das pessoas ocupadas no meio rural e apenas 
12% do valor anual de produção. Enquanto os estabelecimentos com menos de cem 
hectares, que ocupam apenas 13,3% das terras são responsáveis por 59,5% das pessoas 
ocupadas e por 38% do valor anual de produção. Estes dados demonstram que o 
potencial para o desenvolvimento socioeconômico está nos pequenos e médios 
estabelecimentos (BELO HORIZONTE, 2009). 
Outra questão a ser ressaltada refere-se ao potencial de desenvolvimento local 
dos pequenos e médios produtores, pois a dinâmica de produção e comercialização se dá 
no próprio município, através das feiras livres e do mercado tradicional. Enquanto que 
os grandes proprietários mantêm uma relação externa ao local e uma maior relação com 
os municípios de porte médio, tal como o Município de Teófilo Otoni, que se 
caracteriza como centro regional de serviços. 
É importante também ressaltar que no Vale do Jequitinhonha existem vários 
programas governamentais e políticas públicas voltadas para o atendimento da 
31,1%
1,9%
7,3%
59,7%
Matas
Outros
Culturas
Pastagens
Fonte: IBGE, 2006.
21 
 
população mais pobre da região, entre os quais se destacam o programa Bolsa Família 
que ajuda na complementação da renda familiar. Outra fonte de recursos é a 
aposentadoria, que muitas vezes é a principal fonte de renda das famílias. O PRONAF 
(Programa Nacional de Agricultura Familiar) também atua como fonte de recursos para 
algumas famílias. 
Em que pese à importância da agricultura na região verifica-se a precariedade 
com relação à assistência técnica realizada pela EMATER (Empresa de Assistência 
Técnica e Extensão Rural), através do programa ATER (Assistência Técnica e Extensão 
Rural). Nos 16 municípios do Baixo Jequitinhonha, há apenas 50 técnicos para atender 
os mais de 57 mil camponeses e fazendeiros da região (BELO HORIZONTE, 2009). 
Esse dado equivale a um técnico para cada 1140 pessoas do meio rural, isso 
contabilizando com os técnicos de escritório que não vão a campo, enquanto que seria 
necessário um técnico para cada 100 pessoas. Ou seja, dentre as políticas publicas dos 
governos estadual e federal, o desenvolvimento e melhoramento da produção não é 
prioridade.. Verificamos que o governo federal prioriza os programas assistenciais, tais 
como o “Bolsa Família”, que não resolvem os problemas das famílias e nem visam a 
maior autonomia e soberania da população. 
O município de Jequitinhonha, localizado no Baixo Jequitinhonha, segue a 
mesma realidade da região. É o maior município em extensão do Baixo Jequitinhonha, 
com 3517 km², possui uma população de 24.131 habitantes, sendo que destes, 7.070 
habitantes residem no meio rural, ou seja, mais de 30% da população total do 
município. Vale ressaltar que dentre esses habitantes da área rural, estão sete Projetos 
de Assentamentos de Reforma Agrária, com 372 famílias e aproximadamente 1480 
pessoas. Esses assentamentos foram realizados a partir 1990 e possuem as mais diversas 
orientações políticas: MST, STR, Banco da Terra, além dos assentamentos criados pelo 
governo estadual. 
Tabela 1 – População urbana e rural 
 Pop. urbana Pop. Rural Total 
Jequitinhonha 17.061,00 70,7% 7.070,00 29,3% 24.131,00 
Baixo Jequitinhonha 118.970,00 67,6% 57.021,00 32,4% 175.991,00 
Minas Gerais 16.715.216,00 85,3% 2.882.114,00 14,7% 19.597.330,00 
Brasil 160.879.708,00 84,3% 29.852.986,00 15,7% 190.732.694,00 
Fonte: IBGE, 2010 e MDA, 2009. Org: Enio J.B e Leandro N.R. 
 
22 
 
Nos municípios do Baixo Jequitinhonha, como vimos anteriormente no gráfico 
1, a produção agropecuária responde por 59,7% de pastagens. Apesar das pastagens 
serem dominantes, estas contribuem pouco para o desenvolvimento social da região, ao 
contrário causam impactos negativos no modo de uso e posse da terra, na produção de 
alimentos e nas relações sociais de produção e provocarem grandes alterações nos ciclos 
hídricos. Segundo Carneiro e Fontes, estas atividades tem contribuído para ampliação 
fundiária nesta região, alem de pressionar a agricultura em função da monopolização da 
terra e contribuição para a redução da mão-de-obra empregada. 
Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 1995/1996 constatou-se, neste 
período, uma área total utilizada de 1,157.917 hectares, enquanto, em 2006, a área 
passou para 1.114.707 ha, isto é, houve uma pequena redução da área utilizada. 
Contudo, verifica-se que houve uma redução de quase 33% da área utilizada para 
pastagens, enquanto as matas e florestas mais do que dobraram em sua área utilizada 
total e as culturas aumentaram de 21.707 para 81.645, isto é, aumentou quase em quatro 
vezes no período de pouco mais de 10 anos. Isso significa que, está havendo uma 
tendência de expansão da agricultura e reflorestamento em detrimento das atividades 
pecuárias, pois se em 1995 as pastagens representavam 85% de toda a área utilizada, em 
2006 este valor caiu para 60%. 
Se, por um lado, a área total utilizada em hectares reduziu-se entre 1995 e 
2006, por outro, o número de estabelecimentos rurais aumentou significativamente 
neste mesmo período. Segundo Belo Horizonte (2009), verifica-se um aumento de 15% 
no número de estabelecimentos no BaixoJequtinhonha. Dentre os municípios que 
aumentaram o número de estabelecimentos, Almenara teve 40% de aumento, 
Divisópolis quase dobrou e Jequitinhonha, em 2006, superou em 3 vezes o número de 
estabelecimentos de 1995. Isso ocorreu devido aos assentamentos de reforma agrária 
instalados neste município no período que iremos tratar com mais detalhes no capítulo 
4. 
23 
 
 
 
Gráfico 2 – Área plantada em lavouras no Baixo Jequitinhonha, segundo o Censo Agropecuário de 
2006. 
 
 
No gráfico 2, se verifica que a produção agrícola responde por 7,3% da área 
ocupada e apresenta uma produção diversificada. 
Dentre os 7,3% da área ocupada por produção agrícola no Baixo 
Jequitinhonha, em seus municípios as culturas e lavouras permanentes são bastante 
significativas, sendo a banana o principal produto de Jequitinhonha e Joaíma, o café em 
Divisópolis, o Coco-da-Baía e o café, os principais produtos de lavouras permanentes 
de Almenara. O cultivo do café, com 26,7% do total, possui a maior área plantada na 
região, seguida por feijão (21,5%) e mandioca (21%). Já a produção de Banana está 
presente em somente 3,2% do total da área plantada. Embora pequena, a produção de 
banana é destinada ao mercado externo da região, pois é produzido por uma associação 
de grandes e médios produtores de banana. Com relação ao café, a mandioca, o feijão e 
outras plantas a área plantada é proporcionalmente superior a da banana (26,7%, 21% e 
15,4% respectivamente), e são importantes produções das unidades camponesas, quer 
para o consumo quer para o mercado local (BELO HORIZONTE, 2009). 
 
III - A formação do campesinato no Vale do Jequitinhonha 
 
 
3.1 – A ocupação do Vale do Jequitinhonha no contexto da formação do Brasil 
1,1%2,1%3,2%
8,9%
15,4%
21,0%
21,5%
26,7%
Coco-da-baía
Milho
Banana
Cana-de-açúcar
Outros
Mandioca
Feijão
Café
Fonte: BELO HORIZONTE, 2009.
24 
 
 
Mesmo que de maneira breve gostaríamos de inserir a história do Vale do 
Jequitinhonha no contexto da história do Brasil, pois acreditamos que os fundamentos 
do lugar foram gestados ao longo da história brasileira. 
Segundo Porto-Gonçalves, em 1492 com o Tratado de Tordesilhas, se constitui 
um padrão de governar o mundo, a partir desta data se estabelece uma nova historia e 
uma geografia mundial. Este modelo trouxe consigo a idéia da exploração da natureza e 
ao mesmo tempo a dominação de alguns homens sobre outros homens, ou seja, da 
cultura européia sobre outras culturas e povos. E que inclusive num primeiro momento, 
o ideário dessa dominação se justificava por razões naturais, segundo os quais, certas 
raças eram inferiores naturalmente. Esse padrão de governar e de dominar pode vir de 
fora, como pode ser assumido por governantes locais, o que é chamado pelo autor de 
“colonização do pensamento” (PORTO-GONÇALVES, 2006). 
Em termos gerais podemos destacar que o Brasil teve três modelos de 
desenvolvimento. O primeiro e mais longo foi o modelo agroexportador do Brasil 
colônia, que vai do século XVI ao inicio do século XIX. Desde o inicio da colonização, 
este modelo econômico esteve voltado para exportação. A maior parte da produção de 
nossa sociedade era organizada em torno de produtos agrícolas destinados a exportação 
para a metrópole européia. Assim, o colonizador impôs um modelo ao nosso povo e ao 
nosso território, onde a prioridade era produzir bens para suprir a necessidade externa 
em detrimento da necessidade interna. A economia então passou a funcionar em torno 
do cultivo da cana-de-açúcar, do algodão, da pecuária extensiva, do cacau e mais tarde 
do café. As principais características deste período foram: o latifúndio por extensão, a 
monocultura, a venda para o mercado externo e o trabalho escravo (OLIVEIRA & 
STEDILE, 2005). 
Esse modelo criou enorme dependência e devido à ela, se implantou um modelo 
de exportação de matéria prima e produtos agrícolas que vai garantir o mínimo de 
receita para pagar as importações de produtos industrializados. Para Oliveira (2001) 
 
O Brasil desse modo continua sendo uma sociedade apoiada 
inteiramente, em ultima instancia e organizada para isso na produção 
em larga escala e estritamente comercial de gêneros primários e 
semimanufaturados demandados por mercados exteriores. É com essa 
produção e exportação que fundamentalmente se mantém o Brasil (...) 
é com essa receita que são pagos os serviços financeiros e outras 
remunerações aos trustes que aqui operam (p. 297-298). 
 
25 
 
 O segundo modelo foi o da industrialização dependente. Com a crise do modelo 
agroexportador no final da década de 20 do século passado, as elites passam a 
desenvolver a industrialização, se intensificam a presença de fábricas e aumenta o 
processo de urbanização. A agricultura passa a produzir matérias primas para a 
indústria. Esse processo de industrialização se deu com a junção do capital nacional 
privado e estatal e, capital estrangeiro. Assim começam a vir para o Brasil às grandes 
transnacionais para implantar suas fabricas. Como essas transnacionais eram detentoras 
da tecnologia, esse novo modelo continuou a ser dependente do capital estrangeiro. 
Embora a prioridade fosse implantar indústrias em território brasileiro, as grandes 
fazendas dedicadas à exportação continuaram intocáveis (OLIVEIRA & STEDILLE, 
2005). 
O terceiro grande modelo surge na década de 1980 com a crise do modelo de 
industrialização. É o chamado modelo neoliberal. Novamente a economia é subordinada 
ao capital internacional, só que desta vez ao capital financeiro e já sem o controle 
estatal. Esse modelo econômico que atua na economia como um todo, passa a ser 
dominante também na agricultura, o qual recebeu o nome de agronegócio. As principais 
características deste modelo são: o controle do comercio agrícola por grandes grupos 
transnacionais; estimulo a implantação de grandes fazendas para produção de 
monocultivos para exportação; controle das agroindústrias pelos grandes grupos 
transnacionais; a destruição das instituições públicas voltadas para agricultura. E se 
intensifica a implantação de um novo modelo tecnológico baseado nas mudanças 
biotecnológicas. Percebe-se nestes mais de cinco séculos, uma constante dependência 
externa, com a produção voltada para fora do país; a concentração de renda e riqueza 
causadora de uma extrema desigualdade no país (OLIVEIRA & STEDILLE, 2005). 
Desde o inicio da colonização, o modelo de desenvolvimento se dá de forma 
concentrada. No primeiro modelo a ocupação se deu a partir do litoral nordestino. O 
segundo modelo se desenvolve nos grandes pólos industriais com a industrialização 
centralizada, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. 
A região do baixo Jequitinhonha, embora tenha sido ocupado economicamente 
desde o final do século XVIII com a extração dos minerais, somente verá uma ocupação 
mais significativa em meados do século XX como veremos nos capítulos a seguir. 
 
 
26 
 
II - O Vale do Jequitinhonha: índios, negros e camponeses 
 
A Mesorregião do Vale do Jequitinhonha é dividida em três Microrregiões, o 
Alto, o Médio e o Baixo (Figura 1). O Baixo Jequitinhonha, que é o objeto de nosso 
estudo, tem uma aproximação geográfica com o litoral da Bahia e teve um processo de 
colonização realizado durante o processo de ocupação da região de Diamantina em 
meados do século XVIII até o final do século XIX. 
 
 
Figura 1 - O Vale do Jequitinhonha e as três microrregiões: o Alto, o Médio e o 
Baixo. 
 
Fonte: IBGE 
 
Havia uma política da Coroa Portuguesa em dificultar ao máximo à ocupação do 
Baixo Jequitinhonha, para coibir o contrabando, e evitar que a sua riqueza natural se 
esgotasse rapidamente, pois com o ouro e o diamante brotando a céu aberto, fazendo 
com que houvesse um rápido deslocamento populacional para esta região. Segundo 
Moreno 
 
 [...] vendo isso, a Coroa mandou fechar o caminhoda Bahia para 
Minas e todos os outros caminhos para as regiões mineradoras. 
Ninguém saía, nem entrava sem a permissão da Coroa ou de seu 
representante legal, o Governador. (MORENO, 2001, p. 23). 
 
Desta maneira, o Baixo Jequitinhonha só foi ocupado após a decadência do ouro 
e do diamante nas regiões de Vila Rica (hoje Ouro Preto), e Diamantina, quando não era 
mais necessário vigiar o contrabando destas riquezas. Assim, a região que antes era 
27 
 
vigiada e com um rígido controle para não ser povoada, passa a ser incentivada para a 
exploração e produção agropecuária, como explica Moreno: 
Com a mineração em franco declínio, a metrópole propõe a 
colonização dos sertões do leste mineiro que tinha limites com a mata 
virgem povoada pelos Borun. As terras desta região, incluindo aqui o 
baixo Jequitinhonha, deveriam ser ocupadas por colonos para 
intensificar o comercio e implementar a agricultura, buscando desta 
forma o povoamento do interior e o abastecimento da corte 
(MORENO, 2001 pág. 31). 
 
2.2.1 - O território indígena 
Essa região não foi diferente com seus primeiros ocupantes – os indígenas – o 
mesmo massacre vivido por outros grupos indígenas em outras regiões do país também 
assolou os grupos indígenas dessa região. A região do Leste de Minas Gerais foi 
habitada pelos índios Borun. Os invasores os chamavam de Botocudos, eram os índios 
mais temidos do povo branco. Segundo Moreno (2001), 
[...] na definição dos próprios índios, Borun, significava -“os homens 
verdadeiros”-serve a representar essa nação temida, valente, guerreira 
e resistente. Enquanto o termo Botocudo é genérico e tem conotação 
pejorativa e discriminatória, um apelido ofensivo dado aos Aimoré, 
MORENO,2001 p. 79/80). 
 
Esta imensa região passou a ser um território em disputa, entre os índios e os 
colonizadores. Ainda segundo Moreno, “Através de formas mais variadas de incentivos 
materiais e morais, expande-se a fronteira colonial e desestruturam-se as comunidades 
indígenas” (MORENO, 2001, p. 31). 
Neste período, o leste mineiro era todo coberto pela mata atlântica, incluindo 
aqui o Baixo Jequitinhonha, o norte do Espírito Santo e o extremo sul da Bahia. Esta 
região do Baixo Jequitinhonha era todo habitado pelos índios Borun, que no início do 
século XIX começaram a ser massacrados e em poucas décadas foram dizimados pelos 
invasores. Oficialmente, o Baixo Jequitinhonha foi colonizado em 1811 com a 
implantação da Sétima Divisão Militar em São Miguel, hoje município de 
Jequitinhonha. Houve porem, uma forte resistência indígena em defesa do seu território, 
e os conflitos eram muito violentos, conforme destaca o trecho seguinte: 
 
Na resistência, as tocaias e armadilhas na mata representavam o 
singular e o forte na tática guerreira dos índios, que ficavam 
28 
 
escondidos pela mata, camuflados e colocados em posições 
estratégicas e invisíveis aos invasores, atirando flechas de modo 
que deixavam os invasores indefesos (MARCATO, 1979, apud 
MORENO, 2001, p. 124). 
 
Ou como relata Soares (1992), 
 
 (...) jamais se entregaram, nem renunciaram a sua liberdade, sua 
independência, nem se submeteram aos que, de forma feroz e 
impiedosa, os caçaram feito animais, para civilizá-los, e para que eles 
se transformassem em brasileiros bons, pacíficos e (...) sem identidade 
(SOARES, 1992 apud, MORENO, 2001, p. 123). 
 
 Porém, a superioridade dos colonizadores, em uma luta desigual, usaram de 
todos os meios para eliminar ou escravizar os indígenas. Estes relatavam à Coroa de 
Portugal que os índios não eram catequizados, eram antropófagos (canibais) exigiram 
que a Coroa tomasse medidas contra eles. Estes povos indígenas foram declarados 
inimigos da Coroa de Portugal em 13 de maio de 1808, (o mesmo ano da fuga da corte 
de Portugal para o Brasil). A coroa ordenou uma "guerra ofensiva e justa" contra os 
índios para demonstrar a superioridade dos "brancos civilizados". Segundo Moreno 
(2001), segue alguns trechos da carta de declaração de guerra aos Borun: 
 
Sendo-me presentes as graves queixas que da capitania de Minas 
Gerais tem subido a minha real presença, sobre as invasões que 
diariamente estão praticando os índios botocudos antropophagos (...) 
horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropophagia (...) deveis 
como principiado contra estes índios antropophagos uma guerra 
ofensiva, sempre em todos os anos, não terá fim, se não quando 
tiverdes a felicidade de vos senhorear de suas habitações e de os 
capacitar da superioridade nas minhas reaes armas de maneira tal que 
movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz e sujeitam-se ao 
doce jogo das leis e prometendo viver em sociedade possam vir a ser 
vassalo úteis(...) que sejam considerados como prisioneiros de guerra 
todos os índios botocudos que se tomarem com as armas na mão em 
qualquer ataque; e que sejam entregues para o serviço do respectivo 
comandante por dez anos, e todo mais tempo que durar sua ferocidade 
(...) empregá-los em seu serviço particular (...) concedo a todos os 
devedores da minha real fazenda uma moratória de durar seis anos(...) 
(MORENO, 2001.p. 63 e 64). 
 
O resultado de tal política foi um verdadeiro genocídio dos povos nativos. De 
uma maneira rápida e massiva 
[...] através de cinco meios principais o branco varreu de grande parte 
do território mineiro os primeiros senhores do mesmo: O trucidamento 
29 
 
do indígena; a tuberculose; a água ardente; a sífilis e a varíola. 
(MORENO, 2001, p.108). 
 
Com o massacre indígena abre-se o caminho para o povoamento dos homens 
brancos e a colonização do território, e ainda no inicio do século XIX, 
Formam-se os primeiros núcleos de povoamento as margens do 
rio e seus afluentes, com a agricultura, a pesca e a caça em 
abundancia, como recursos para a sobrevivência. (MORENO, 
2001) 
Após a ocupação, começaram as concessões de terras em forma de sesmarias e 
que depois eram vendidas para outros agricultores interessados na exploração. Como 
explica Ribeiro: 
Após a ocupação militar sucedeu a concessão de terras na margem do 
rio, a colonos vindos das povoações próximas do Termo Minas Novas, 
que recebiam áreas de meia légua quadrada, isentas de impostos por 
dez anos (...) Assim, a área produtora de algodão se estendia desde as 
proximidades de Minas Novas até em torno do quartel de São Miguel, 
tendo como centro comercial São Domingos (RIBEIRO, 1996, apud 
MORENO, 2001,p. 141). 
Novamente o Estado assume o papel para a constituição e formação dos 
latifúndios. Os fazendeiros se instalam e ocupam esta grande região contando com 
benefícios e incentivos. A atual estrutura fundiária concentrada do Vale do 
Jequitinhonha teve inicio neste período. 
 Inicialmente, foi dada a concessão de meia légua
5
 para desenvolver a agropecuária, mas 
com a possibilidade autorizada pela coroa de “ampliar à vontade a sua propriedade para o 
interior e cultivá-la. E no decorrer de meio século, a região já estava habitada”. (MORENO, 
2001, p. 138) 
Assim, o que antes era considerado um grande espaço “vazio” se tornou alvo 
de interesse dos exploradores. A ocupação deste território vai ocorrendo na medida em 
que os colonizadores vão criando a sua organização social. Essa organização estará 
associada às condições climáticas e físicas, como explica Silva (2008). 
É bom lembrar que entre 1822 e 1850 a concessão de sesmarias no 
Brasil estava suspensa e não havia uma política de terra, quando em 
1850 se institui a política de terra, com a chamada Lei de Terras, essa 
passou a ser vendida. O povoamento da região se deu ao longo do 
século XIX, para cá vinham fazendeiros que buscavam ampliar as 
fazendas para criação do gado (...) Também vinham lavradores tentar 
a sorte abrindo pequenas posses em volta das fazendas, muitos libertos 
 
5
 Uma légua equivale a 6 km. Portanto, meia légua é igual a 3km.30 
 
também vieram tentar a sorte nas matas jequitinhonhense. 
Primeiramente vieram migrantes das regiões do litoral em direção ao 
interior e do interior, região de Minas Novas, sentido litoral. A partir 
da segunda metade do século vieram milhares de baianos que subiam 
o rio Jequitinhonha, com a seca no final do século aumenta o fluxo 
migratório para a região, eram pessoas que vinham do norte de Minas, 
da Bahia e de outros estados do nordeste fugindo da seca. (SILVA, 
2008, P.29). 
 
Mesmo não tendo uma política de terras definida, em um primeiro momento, as 
concessões ocorreram até a Lei de Terras de 1850, que abre o caminho para a 
propriedade privada da terra no Brasil. Porém, esse povoamento não foi tão 
significativo como se parece. Para Ribeiro (2004), no inicio do século XX esta região 
ainda era considerada abandonada e com pouco povoamento. Para este autor, até o 
inicio do século XX, esta região poderia ser considerada como uma grande fronteira 
agrícola, ou seja, ainda pouco povoada. Segundo Ribeiro (2004) 
Um bom exemplo da imagem da “parte de cima do mapa” de Minas 
Gerais está na literatura de viagem de Álvaro Silveira, nas memórias 
de Frei Olavo Timmers, no estudo de John Wirth, nas lembranças de 
Ceciliano de Almeida. Para eles esse era um local de doentios e 
violentos, que contrastavam duramente com o cenário do rural 
bucólico (RIBEIRO, 2004, p.02). 
Passados dois séculos de colonização, persiste esse modelo concentrador de 
terra, de riquezas, que não permitiu que a maioria da população tivesse acesso a ela 
como proprietários. As matas foram violentamente devastadas, os córregos e rios 
diminuíram, as cidades cresceram, muitos camponeses migraram para as grandes 
cidades. Mesmo assim, os camponeses, os negros e os indígenas continuam resistindo 
física e culturalmente. Estes últimos chegaram a ser considerados em extinção no Brasil. 
Segundo Soares (2010), “nos anos 70 a população indígena chegou a ser considerada 
em vias de extinção, com a população estimada em cerca de 100 mil pessoas”. Porem, 
ainda na década de 1970 é retomado o levantamento da situação indígena, bem como 
um trabalho junto a estes povos. “A luta da sociedade brasileira em prol da 
democratização contribuiu para que estes povos pudessem ressurgir no cenário 
nacional”. (SOARES, 2010, p.171). 
A luta pela democratização do Brasil, a nova constituição de 1988, permitiu 
que estes povos indígenas obtivessem importantes conquistas. A demarcação de suas 
terras, mesmo que de forma lenta e burocrática, foi sem duvida, a mais importante delas, 
mas também ocorreram avanços nas áreas sociais, como saúde, educação, 
sustentabilidade entre outras. Estas poucas conquistas obtidas permitiram que os Povos 
31 
 
Indígenas pudessem voltar a ter uma expressão política e social importante em nível 
nacional e internacional. 
Mesmo vivendo em situações diversas, os povos indígenas representam hoje 
256 povos em todo Brasil, com 187 línguas falantes. No Estado de Minas Gerais, a 
população indígena aproxima-se de 12 mil pessoas, com três línguas falantes: Borun, 
Maxakali e Pataxó (SOARES 2010, p. 183). Neste caso, não estão incluídos os povos 
ainda não reconhecidos e nem os indígenas urbanos. 
Figura 2 – Povos Indígenas em Minas Gerais na segunda metade do século XVI. 
 
Fonte: SOARES, 2010. 
 
 
 
 
32 
 
A figura 2 apresenta a ocupação do território mineiro pelas populações 
indígenas. Verifica-se que essas populações ocupavam toda extensão do que veio a ser o 
estado de Minas Gerais. Os nomes das cidades representam o nome dos grupos 
indígenas que foram dizimados. Desde os Araxa no triangulo mineiro até Pankararu em 
Araçuaí no Vale do Jequitinhonha. 
- 
Quadro 1 - Principais povos indígenas em Minas Gerais, no século XXI. 
Povo 
Municípios 
Nº de 
pessoas 
Nº de hectares 
demarcados 
Krenak Resplendor 200 4039 
Pankararu Araçuaí 30 S.I* 
Xukuru e 
Kariri 
Caldas 
150 172 
Xakriaba São Jõao das Missões e Vale do São Francisco 8000 51900 
Caxixó Pompéo e Martinho Campos 74 S.I* 
Maxakali 
Santa Helena de Missas, Bertópolis, Ladainha e 
Teófilo Otoni 
1500 5375 
 Sistematização e organização: Leandro N. Ribeiro e Enio J.Bonhenberger. Fonte: SOARES, 2010. 
*S.I = Sem informação 
 
No quadro 1, os grupos sobreviventes ao genocídio contra essas populações. 
Nele verificam-se os povos que sobreviveram as terríveis investidas dos colonizadores 
durante 5 séculos. Em nossa pesquisa não foi possível fazer um levantamento do 
número de indígenas que habitavam o Estado de Minas Gerais antes da colonização. 
Mesmo em nível nacional não se tem dados precisos, isso dificulta para fazer um 
comparativo do numero de povos que habitavam essa região e que foram destruídos. 
Porem, através da figura 2 podemos ter uma idéia da sua presença no estado de Minas 
Gerais. 
É importante ressaltar que dentre as conquistas que estes povos realizaram 
recentemente, a principal delas foi a retomada de seus territórios, visto que nele é que 
podem resgatar sua cultura fundamental na construção da identidade indígena. Uma 
grande dificuldade que estes povos enfrentam ao retomar o seu território, é que suas 
áreas foram totalmente degradadas ambientalmente pela ação dos latifundiários que 
estavam em sua posse anteriormente. Hoje, algumas aldeias são construídas no meio do 
capim colonião. Então o processo de recuperação destas áreas se torna prioritária para 
que estes povos possam retomar a convivência com a natureza. 
33 
 
2.2.2- O território dos negros 
Os negros tiveram importante contribuição no povoamento da região. O primeiro 
processo de extração do ouro e do diamante no Alto Jequitinhonha foi através da mão 
de obra escrava. Antes da abolição, estes já formavam quilombos em vários distritos da 
região. Segundo levantamentos de Santos & Camargo (2008), já foram localizados 105 
comunidades quilombolas no Vale do Jequitinhonha. 
Os Quilombos significaram para os escravos e a comunidade negra um 
instrumento de luta e resistência. Segundo Santos & Camargo (2008) a palavra 
quilombo ou “cachambo” é de origem banto, e significa “acampamento” ou “fortaleza” 
e foi denominada de quilombo pelos portugueses para referenciar as povoações 
construídas por escravos fugidos. 
O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, foram três séculos deste 
regime de exploração da força de trabalho. Ribeiro (1995) relata que não há números 
exatos sobre a quantia de negros que foram trazidos para o Brasil através do trafego 
negreiro. “A coroa permitia a cada senhor de engenho importar até 120 „peças‟, mas 
nunca foi limitado seu direito de comprar negros trazidos aos mercados de escravos” 
(RIBEIRO, 1995, p.161). 
A escravidão se tornou um grande negócio para os europeus, os negros foram 
transformados em mercadoria “legalizada” pelos brancos. Foram os negros que 
aumentaram os rendimentos das “empresas açucareiras, auríferas, de algodão, de tabaco, 
de cacau e café” (p. 161). Sobre as estimativas da quantia de negros pra cá trazidos, 
Ribeiro afirma que não se sabe oficialmente dos números exatos. Para o autor 
 
As primeiras estimativas relativas à quantidade de negros introduzidos 
no Brasil durante os três séculos de tráfico variam muito. Vai desde 
números exageradamente altos, como 13,5 milhões para Calógeras 
(1927) ou 15 milhões para Rocha Pombo (1905), até cálculos muito 
exíguos, como 4,6 milhões para Taunay (1941) e 3,3 para Simonsen 
(1937). Lamentavelmente, não há estudos demográficos 
criteriosamente elaborados que permitam substituir avaliações tão 
desencontradas por um cálculo bem fundado. (RIBEIRO, 1995, 
p.161/162). 
 
 Ainda segundo o mesmo, as estimativas mais próximas foram feitas por M. 
Buescu (1968), que, 
Admite um ingresso global de 75 mil negros para o século XVI, 452 
000 para o XVII, 3 621 000 para o XVIII e 2 204 000 para o século 
34 
 
XIX, o que somaum total de 6 352 000 escravos importados de 1540 
a 1860. Esses números, de demografia hipotética, não contam com a 
quantidade geralmente admitida nas fontes primarias (apud RIBEIRO, 
1995 p. 162). 
 
Assim, mesmo contra a sua vontade, os negros foram os principais responsáveis 
pela construção das riquezas do país. Na região diamantífera localizada no Alto 
Jequitinhonha, a exploração do diamante se deu com a mão de obra escrava, isso 
possibilitou a formação de quilombos ao longo do vale. Os amplos espaços desocupados 
ou „incultos
6
 localizados no entorno do Distrito Diamantino permitiram, tanto antes 
como após a abolição, a instalação e sobrevivência, até os dias atuais de inúmeros 
quilombos (SANTOS & CAMARGO, 2008, p.113-114). 
Já no Baixo Jequitinhonha que teve uma ocupação mais tardia e era pouco 
ocupada pela população branca, até início do século XIX, os quilombos foram 
organizados pelos negros que fugiam da escravidão na região diamantífera e depois da 
abolição. Pelas dificuldades da região árida do Alto Jequitinhonha, foram se deslocando 
em direção ao litoral a procura de terras e de trabalho. Segundo os mesmos autores, 
 
 Até o momento foram levantadas 105 comunidades espalhadas por 
todo território do vale, a maioria se localiza em grotões e áreas de 
difícil acesso, enfrentam problemas de toda ordem e são parcamente 
assistidos pelos poderes públicos (SANTOS & CAMARGO, 2008, p. 
114). 
 
Os negros foram se instalando em regiões mais distantes, nos grotões de difícil 
acesso, mas nestes locais distantes que eles puderam permanecer e realizar sua 
reprodução social. A população quilombola de Minas Gerais, em sua maioria, é oriunda 
do Sul e Sudeste africano, de origem Banto, mas também foram trazidos escravos do 
Norte e Nordeste da África, pois estes últimos tinham habilidades na extração de 
minérios (SANTOS & CAMARGO, 2008, p. 42). 
A população quilombola no Estado é estimada entre 100 e 115 mil pessoas, 
sendo que 97% se localizam em áreas rurais. Ainda segundo os estudos do Santos & 
Camargo (2008), até 2007 haviam sido localizados 435 comunidades quilombolas no 
estado, sendo que a maioria deles (59,2%) está localizado no Norte e Nordeste de Minas 
Gerais (SANTOS & CAMARGO 2008, p. 43-47). A maioria destes quilombos, 79% 
deles, ainda não estão em processo de titulação, 20% em fase de titulação e somente 1 
quilombo, dos 435 localizados possui titulação (SANTOS & CAMARGO, 2008, p. 53) 
 
6
 Terras incultas segundo o dicionário Caldas Aulete se refere a terras não cultivadas. 
35 
 
Os conflitos mais expressivos por que passam essa população quilombola se 
relacionam a grilagem, 61% e 12% com projetos de silvicultura, ou seja, com eucalipto. 
Neste sentido, percebe-se, que as comunidades quilombolas enfrentam as mesmas 
dificuldades que os povos indígenas, os sem terra e as comunidades camponesas na luta 
pela conquista e manutenção do seu território. 
 
2.2.3 - O Território do campesinato: destruição e resistência 
Há polemicas no meio acadêmico sobre a formação do campesinato no Brasil. 
Nosso objetivo nessa pesquisa não é entrar neste debate, mas mostrar alguns aspectos 
do campesinato na região do Vale do Jequitinhonha. 
O Brasil até a década de 1950/60 era um país rural, com uma ampla maioria de 
sua população morando no campo
7
, mas com a aceleração do processo de 
industrialização (que se inicia na década de 1930, e se acelera nos anos de 1950), é que 
o país vai se tornando cada vez mais urbano. Em 2010, segundo o censo demográfico do 
IBGE, aproximadamente 85% da população do país vivem nas cidades. 
Em que pese essa urbanização, os camponeses tiveram e tem um importante 
papel na história brasileira, tanto em termos econômicos como políticos e sociais. 
Os dados indicam que a estrutura agrária brasileira é uma das mais 
concentradas do mundo. Desde a Lei de Terras de 1850, quando se instituiu a 
propriedade privada da terra, que foi a base legal para impedir que a terra fosse 
democratizada para os camponeses e ex-escravos que se viram livres em 1888 através 
da Lei Áurea. Segundo Stédile (2005) 
A lei nº. 601, de 1850, foi então o batistério do latifúndio no Brasil. 
Ela regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade rural, 
que é a base legal, até os dias atuais, para a estrutura injusta da 
propriedade de terras no Brasil (STEDILE, 2005, P. 23). 
É no fim do século XIX e inicio do século XX, em meio à crise do modelo 
agroexportador, que, nasce, no campo brasileiro, o campesinato. Ainda, segundo Stédile 
(2005) o campesinato brasileiro nasce por um lado dos aproximadamente 
[...] dois milhões de camponeses pobres da Europa, para habitar e 
trabalhar na agricultura nas regiões Sudeste e Sul, do Estado do 
Espírito Santo para o sul. A segunda vertente de formação do 
 
7
 São respectivamente 63,84% e 55,3%. 
36 
 
campesinato brasileiro teve origem nas populações mestiças que 
foram se formando ao longo dos 400 anos de colonização, com a 
miscigenação entre brancos e negros, negros e índios, índios e brancos 
e seus descendentes. Essa população em geral, não se submetia ao 
trabalho escravo e, ao mesmo tempo não era capitalista, eram 
trabalhadores pobres, nascidos aqui. Impedida pela lei de terras de 
1850 de se transformar em pequenos proprietários, essa população 
passou a migrar para o interior do país, pois, nas regiões litorâneas, as 
melhores terras já estavam ocupadas pelas fazendas que se dedicavam 
à exportação (STEDILE, 2005, p. 27). 
No caso dos camponeses do Jequitinhonha, foi esta segunda vertente que deu a 
sua origem, através da mestiçagem e dos quilombos. Continua Stédile: 
Não tinham a propriedade privada da terra, mas a ocupavam, de forma 
individual ou coletiva, provocando, assim, o surgimento do camponês 
brasileiro e de suas comunidades. Produto do sertão, local ermo, 
despovoado, o camponês recebeu o apelido de “sertanejo” e ocupou 
todo o território do Nordeste brasileiro e nos Estados de Minas Gerais 
e de Goiás (STEDILE, 2005, p. 27). 
A ocupação do Vale do Jequitinhonha começa na região de Diamantina, na 
nascente do Rio Jequitinhonha, com a corrida atrás do ouro no século XVIII. Essa 
ocupação trouxe um enorme contingente populacional para a região. Porém, a busca do 
ouro, diamantes e das pedras preciosas fez com que a produção de alimentos ficasse em 
segundo plano, preferindo importar alimentos de outras regiões. Ao desenvolverem um 
trabalho sobre a formação do campesinato no Vale, os autores Graziano & Graziano 
Neto nos relatam: 
 
Esse rápido povoamento possuía um objetivo dominante: a descoberta 
do ouro e das pedras preciosas. Não se estabeleceu, portanto, como 
consequência, empreendimentos de médio e grande porte que se 
dedicassem à agropecuária. O abastecimento alimentar e dos meios de 
produção necessários para a mineração foi satisfeito através de 
importações de outras regiões brasileiras (GRAZIANO & 
GRAZIANO NETO,1983, p.86). 
 
A extração do ouro levou a uma alta nos preços dos produtos alimentícios, o 
que induziu a população a produzir alimentos para sua subsistência. Mas somente com a 
decadência da mineração no final do século XVIII e inicio do século XIX é que a 
atividade agropecuária comercial irá se desenvolver. 
A massa da população trabalhadora, homens livres ou escravos 
libertos ou refugiados (...) dispersaram-se pelo meio rural, dando 
origem certamente ao campesinato ali hoje estabelecido. O garimpo 
praticado por essa população nunca deixou de existir, mas passou, 
com o tempo, a se constituir em atividade complementar a produção 
agrícola, salvo raros locais onde tem produção marcante. 
(GRAZIANO & GRAZIANO NETO, 1983, P.86). 
37 
 
 
Mas também ao lado dessa população camponesa surgem as grandes fazendas 
para produção pecuária comercial. Os antigos empreendedoresda mineração passaram a 
investir na criação de gado, tropas de muares e comercio com outras regiões. Assim 
descreveu Silva (2008): 
Também vieram lavradores tentar a sorte abrindo pequenas posses em 
volta das fazendas, muitos libertos também vieram tentar a sorte nas 
matas jequitinhonhense. Primeiramente vieram migrantes das regiões 
do litoral em direção ao interior e do interior, região de Minas Novas, 
sentido litoral. A partir da segunda metade do século vieram milhares 
de baianos que subiam o rio Jequitinhonha, com a seca no final do 
século aumenta o fluxo migratório para a região, eram pessoas que 
vinham do norte de Minas, da Bahia e de outros estados do nordeste 
fugindo da seca. No início do século XX a região era densamente 
povoada com imensas fazendas criadora de gado e muitos pequenos 
lavradores que viviam da agricultura que faziam o comércio nas feiras 
livres. Em suas andanças pela região Tettero (1919, p. 54) assim a 
descreveu: “Não vendo meios para levar os seus mantimentos a 
alguma feira, devem contentar-se com empastar os seus lugares, razão 
porque também por lá infelizmente grassa largamente o mal de 
colonião”. E outras passagens, ele também lamenta que a falta de 
estradas e pontes que davam acesso aos distritos do município de 
Jequitinhonha, para transporte do mantimento, desestimulava a 
plantação de cereais e induziam a formação de pastos com a esperança 
de obter algum gado à meia de quatro por um. (TETTERO, 1919, p. 
53, apud, SILVA, 2008, p.29). 
 
É neste período também que se estabelecem os conflitos pela posse da terra. 
Como afirmam Graziano & Graziano Neto (1983). 
Os conflitos pela posse da terra tem como fundamento a tentativa 
constante dos grandes proprietários de aumentarem seus domínios 
(territorial, social e político) por sobre os grupos camponeses. Nota-se, 
inclusive, que o interesse dos grandes proprietários pelo domínio de 
amplas parcelas de terra dá-se não pela terra em si ou pelo que possa 
produzir - como mercadoria que se valoriza ou como meio de 
produção - mas sim pela possibilidade de dominar os homens que 
trabalham a terra. Dominar a terra é condição essencial para se 
dominar os homens, para se dominar o trabalho e as atividades 
políticas dos camponeses (GRAZIANO e GRAZIANO NETO, 1983, 
p.86). 
 
Nota-se a importância da dominação do território para se dominar as pessoas 
que ali habitam, exatamente pelo fato do território ser uma totalidade, ele se torna 
multidimensional, ou seja, não se resume aos aspectos meramente econômicos. 
Em meio a esse processo distinto de relações sociais se dá à criação do 
campesinato na região. Esse processo foi possível pelas várias relações sociais 
instituídas na região, como afirmam Graziano & Graziano Neto 
38 
 
 
A nova situação social ao criar um espaço social e físico e liberto da 
dominação, permite a produção camponesa o estabelecimento de um 
modo de vida próprio que lhe tem assegurado sua reprodução social. 
(GRAZIANO e GRAZIANO NETO, 1983, p.87) 
 
Este processo da criação e reprodução do campesinato e sua territorialização na 
região, começada ainda no século XVIII, vai até o inicio de 1970, quando se inicia o 
processo de desterritorialização, com a expulsão dos mesmos pelas empresas de 
eucalipto e pastagens. Na década de 1980, parte do território camponês será retomado 
pelas lutas com Reforma Agrária como mostraremos em nossa pesquisa. 
A década de 1970 passa a ser um marco no Vale do Jequitinhonha por dois 
motivos principais. Primeiro o governo através de suas agencias caracterizam a região 
como “vale da morte”, de “pobreza absoluta”. E no segundo motivo, para combater a 
pobreza e a miséria propõe o “progresso e o desenvolvimento econômico” como, saída 
para a condição de miséria da região. (CALIXTO, 2006, p. 06). 
Para tanto, os governos estadual e federal criaram subsídios para as grandes 
empresas capitalistas através dos incentivos fiscais, principalmente para incentivar a 
formação de grandes plantações de eucalipto. Com isso, inicia-se o processo de 
expropriação do campesinato em todo o Vale do Jequitinhonha. As chapadas que eram 
utilizadas em comum pelos camponeses são privatizadas. É também nesse período em 
que se dá uma grande migração de camponeses para São Paulo, Belo Horizonte e Rio de 
Janeiro. 
Apesar deste modelo que expulsa os camponeses, priorizando o modelo 
capitalista de incentivos as grandes empresas, os camponeses continuaram resistindo, 
seja através das posses, ou se organizando em sindicatos ou mesmo através das 
ocupações de terra. 
Ferreira (2002) realizou uma pesquisa sobre as comunidades tradicionais no 
Extremo Norte do Estado do Espírito Santo, destaca que o modo de vida das 
comunidades tradicionais antes da implantação da monocultura do eucalipto naquela 
região, se baseava em um modo de vida próprio, singular e que apesar das 
transformações ocorridas no meio rural continua resistindo, 
Baseava-se no trabalho familiar, no uso predominante extrativista e 
comunal do meio natural coberto pela floresta tropical litorânea- que 
supria as necessidades de água, frutas, madeira, ervas medicinais, 
pescado, caça- e na disponibilidade de terras que permitia o cultivo 
dos roçados (FERREIRA, 2002, p.05). 
 
39 
 
Assim, as comunidades tradicionais têm seu modo de vida próprio, diferindo conforme as 
condições climáticas e físicas de cada região. Mas são semelhantes no que se refere aos valores 
fundamentais relativos ao trabalho, as relações familiares, a convivência com a natureza, bem como 
os valores morais e religiosos e as relações de parentesco e vizinhança. Tais valores são elementos 
centrais do modo de vida camponês. 
Ferreira (2002) ao descrever a cultura camponesa cita Antonio Candido que utiliza o termo 
“rústico” ao abordar a cultura camponesa, cabocla ou caipira, cujas características são as do 
“isolamento, da posse da terra, do trabalho domestico” (p.40) para ele a questão organizacional das 
comunidades é uma forma para garantir sua reprodução social. 
Para Ferreira (2002), destaca que a terra é um elemento fundamental na cultura destes 
povos. Para autora, citando Woortman, “a terra camponesa constitui a expressão de uma 
moralidade (...) algo pensado e representado no contexto de valorações éticas, e não simplesmente 
como objeto de trabalho ou mercadoria” (p.40). 
Para Ferreira (2002) o tripé das sociedades camponesas está estruturado na terra, na família 
e no trabalho. Neste sentido, a autora afirma que o território camponês é o espaço da reciprocidade, 
A terra é o chão da moradia, „um espaço onde se reproduzem 
socialmente varias famílias de parentes, descendentes de um ancestral 
fundador comum‟(WOORTMANN). É o espaço da reciprocidade, 
principio moral onde a pratica da troca de tempo responde a satisfação 
das necessidades de trabalho. A troca articula os elementos terra, 
trabalho e alimentos, que expressam uma relação também moral entre 
os homens e deles com a natureza. No uso da terra, o trabalho dá-se 
como valor ético, construindo a família enquanto valor. O valor 
monetário do trabalho, embora expressão da autonomia camponesa 
frente à sociedade como um todo, acontece preferencialmente na feira, 
que é o espaço do negocio, fora do território camponês. (FERREIRA, 
2002, P. 40). 
 
Para estas comunidades tradicionais, a exploração do homem pelo homem, a 
busca do lucro, não faz parte do seu cotidiano. Assim, “o limite da produção, momento 
de deixar de trabalhar, é quando há superexploração da força de trabalho [...] o limite 
[...] situa-se até onde se mantém uma certa quota de utilização do trabalho familiar” 
(FERREIRA, 2002, p. 40). Ou seja, a exploração não é aceita pelos camponeses e não 
se refere apenas a valores monetários, esse princípio também é aplicado na relação 
homem-natureza, e ai também o cuidado do aproveitamento racional dos recursos 
naturais para não criar desequilíbrios.Isso para nós é um dos aspectos que caracterizam 
o território de vidas. Segundo Ferreira 
Produzir muito além do que se necessita é algo desvantajoso para 
estas comunidades, pois requer mais tempo de trabalho, que poderia 
ser usufruído para outras atividades lúdicas, religiosas e de lazer, que 
40 
 
ocupam um espaço significativo e valorizado no cotidiano marcado 
por relações de solidariedade (FERREIRA, 2002, p.40). 
 
 Desta maneira, o modo de vida destas comunidades tradicionais, não se 
enquadra no sistema capitalista, de exploração do trabalho, do acumulo de riquezas, da 
destruição do meio ambiente. Um sistema mundo que valoriza em demasia o avanço da 
ciência e da técnica e desrespeita os saberes populares acumulados em séculos. 
 Segundo Ferreira, a conceituação teórica sobre modo de vida nasce no século 
XIX com Karl Marx, que, “entende que as condições de produção material vividas por 
uma sociedade caracterizam suas diferentes formas de organização social, política e 
econômica. Entremeados por sua elaboração cultural” (FERREIRA, 2002, p. 43). 
No campo da Geografia, “esta discussão é iniciada por Vidal de La Blache, cuja 
elaboração teórica está na formulação do conceito gênero de vida”. (FERREIRA, 2002, 
p. 43). No entanto, embora gênero de vida e modo de vida apresentam “proximidades de 
entendimento, permanecem as diferenciações como veremos nas explicações da autora 
 
O gênero de vida nasce na Geografia Positivista Francesa que é 
definida por seu objeto: ciência dos lugares diferenciados a partir das 
relações sociedade/natureza, onde a escala privilegiada é o lugar. O 
modo de vida traz as diferenças dos grupos sociais originadas das 
suas condições materiais, ou seja, a diferenciação social, política, 
econômica e cultural nascida na produção da própria existência, 
inserida também no sistema produtivo dominante, onde a escala é a do 
mundo. (FERREIRA, 2002, p.44, grifo da autora). 
 
No Baixo Jequitinhonha, o processo do surgimento dos camponeses se dá de 
forma muito semelhante com as demais, porém, há uma particularidade que precisa ser 
registrada. Os primeiros camponeses foram se instalando através de posses, mas uma 
grande massa que formou a população rural desses camponeses veio junto com os 
fazendeiros, o que resultou na formação diferenciada de lavradores. Isso se deu na 
forma: 1) escravos em primeiro momento; 2) agregados, onde o sujeito morava com sua 
família na fazenda e trabalhava para o fazendeiro embora produzisse para o seu 
consumo; 3) sitiante lavrador que possuía um pequeno sítio, onde morava com sua 
família e realizava alguns roçados na fazenda ou prestava serviço em empreitadas ou 
como diaristas para o fazendeiro; 4) posseiros que ocupavam terras devolutas. A 
particularidade dos camponeses do Baixo Jequitinhonha é que estas categorias citadas 
(lavrador, sitiante e posseiro), estavam totalmente dependentes da grande fazenda. 
Como estes camponeses não tinham seu território, ou mesmo quando tinham era na 
41 
 
forma de posse, ou seja, não tinham documentos legais das terras, criou-se então, uma 
dependência econômica, política e até cultural com relação a grande fazenda. 
Ribeiro (1997) define a fazenda como “um governo de terras e homens, um 
poder, e, até uma economia”, que nasceu baseada quase sempre no trabalho dos outros. 
Silva (2008) analisa esse processo 
A fazenda foi montada no Nordeste de Minas com base no trabalho 
escravo, trabalho de índios agregados. As duas características 
principais da fazenda era o trabalho alheio e a divisão do espaço da 
fazenda, por parte do fazendeiro, com outros com os quais o 
fazendeiro mantinha relações de mando, amizade e gerência de tipos e 
gradações diversas. Mesmo aqueles que não eram obrigados a prestar 
serviços, eram subordinados por fortes laços morais, outros ligados 
pelo favor, proteção. Era o fazendeiro quem dizia de quem era a terra, 
quais as relações que vigeriam ali, a quem se devia respeito e como 
ele se manifestaria. (SILVA, 2008, p. 31) 
 
Assim, as relações sociais estabelecidas no espaço da fazenda, eram de 
obediência ao fazendeiro, por imposição através da força, ou uma relação de favor e de 
compadrio, sendo que o fazendeiro se via como um doador que estava “ajudando” 
alguém, o que muitas vezes também era aceito pelo “favorecido”. O espaço da fazenda 
era também um lugar de trocas, entre os camponeses e entre camponeses e fazendeiro, e 
de relações sociais, não era, portanto, somente um espaço de relações econômicas, como 
explica Silva 2008: “A fazenda no Jequitinhonha (...), na sua origem, não era apenas 
dinheiro, foi tudo isto e muito mais, foi uma cultura, alem de ser economia” (SILVA 
2008, p.31). Ou seja, foi uma dominação econômica imposta pela classe dos 
fazendeiros, mas também se incorporou uma forma sutil de dominação, através das 
relações culturais. 
Como explica Silva (2008): 
O poder do fazendeiro era tão expressivo que o município era a 
expressão da fazenda. (...) um mando que se dava (...), tanto pelo 
exercício da força física violenta, como através da violência 
simbólica, subordinação e dependência. Eram os fazendeiros que 
construíam os prédios escolares, igrejas, hospitais e faziam festas etc. 
(RIBEIRO 1997, apud SILVA 2008, p.32). 
 
 
A partir da década de sessenta mudanças significativas ocorrem na agricultura 
brasileira, bem como nessa região. Até este período, se combinavam as atividades 
agrícolas e pecuárias dentro da fazenda. A partir das mudanças tecnológicas 
incorporadas na agricultura e pecuária, esta relação muda. A pecuária passa a ser 
predominante no Baixo Jequitinhonha, diminuindo no Médio e Alto. Com isso, vai 
42 
 
havendo uma diminuição significativa da produção agrícola e consequentemente a 
diminuição do contingente de força de trabalho. 
Segundo Silva (2008), entre 1960 e 1980 o rebanho bovino aumentou em mais 
de um milhão e meio de cabeças na região. Essa expansão da pecuária se deu, segundo o 
autor, pelo fato do Vale estar situado na Região Sudeste, próximo aos grandes centros 
urbanos e próximo do Nordeste brasileiro, as duas regiões com maior concentração 
populacional do país. Com a mudança das técnicas e da linha de produção mudou 
também a relação econômica e começa a expulsão do campesinato para a cidade. Há um 
ditado popular no Vale que certamente está relacionado a este período, “aonde o boi 
chega o homem sai”. Assim, milhares de camponeses tiveram que abandonar o campo e 
foram viver na cidade. 
Para Silva (1990) e Brandão (1974), um elemento importante desse processo foi 
a participação do Estado na implantação das novas diretrizes para o Vale do 
Jequitinhonha. Em 1965 é criada a CODEVALE - Comissão de Desenvolvimento do 
Vale do Jequitinhonha – que passa a coordenar as políticas de implantação de 
infraestrutura para a região. Em 1971, chega o projeto de eletrificação através da 
CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais). O DER/MG (Departamento de 
Estradas e Rodagem), participa desse processo construindo estradas e pontes 
melhorando o acesso aos municípios. A TELEMIG (Telefonia de Minas Gerais), 
implanta o sistema telefônico. A Secretaria de Agricultura de Minas Gerais instala 11 
escritórios na região para melhoramento na saúde animal. A EMATAER (Empresa de 
Assistência Técnica e Extensão Rural) MG também se instala para prestar assistência 
técnica, e também instalam 11 postos de comercialização de implementos e produtos 
para a agropecuária. Ainda como medidas para incentivar o modelo proposto, o Estado 
também instalou a rede bancaria como o Banco do Brasil, Minas Caixa, BEMGE 
(Banco do Estado de Minas Gerais), Credireal, BNB (Banco do Nordeste), além de 
outros bancos Privados (SILVA 2008, p.38). Ou seja, o Estado foi o financiador desse 
processo através da implantação da infraestrutura e de incentivos para a implantação das 
novas políticas para a região.

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