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FLUIDOS BIOLÓGICOS Gabriela Cavagnolli Cálculo renal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir os fatores predisponentes e as consequências do cálculo renal. � Identificar os principais tipos e componentes dos cálculos renais. � Descrever a metodologia laboratorial associada à análise dos cálculos renais. Introdução Os cálculos renais são formados a partir da precipitação de sais presentes na urina, por diversos fatores como o pH e a concentração de minerais. Geralmente os cálculos são originados nas papilas renais, mas podem ocorrer em qualquer parte do sistema urinário, afetando mais os homens do que as mulheres, acometendo cerca de 1% da população e sendo recorrentes em mais de 50% dos pacientes. A cada ano, bilhões de dólares são gastos no manejo da nefrolitíase e a maior parte do gasto resulta do tratamento cirúrgico dos cálculos. As consequências do cálculo renal decorrem do bloqueio do trato urinário inferior e consequentemente podem causar infecções. Além disso, as distensões dos músculos dos ureteres causam contrações muito dolorosas, caracterizadas como cólica renal. Dentre outros parâmetros, o exame de urina pode fornecer informações sobre hematúria associada, pH da urina e cristais presentes na urina, sendo que estes últimos podem contribuir para a formação de cálculo. Mais de 50% dos pacientes com cálculo renal apresentarão recorrência nos próximos 10 anos, se não fizerem investigação e tratamento. Neste capítulo, você vai aprender os principais fatores que predispõem ao aparecimento do cálculo renal. Vai entender, ainda, como ocorre a formação e os tipos de cálculo renal e como é realizada a análise labo- ratorial desses cálculos. Fatores predisponentes ao cálculo renal A formação dos cálculos urinários é um resultado multifatorial, incluindo fatores genéticos, distúrbios metabólicos, dieta e infecções urinárias. Esses fatores de risco variam de acordo com o tipo de cálculo e as características clínicas (KASPER et al., 2017; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; SILBER- NAGL; LANG, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013; MUNDT; SHANAHAN, 2012). Indivíduos saudáveis apresentam, frequentemente, urina supersaturada sem nunca desenvolver litíase renal, por isso a presença de uma urina su- persaturada nem sempre forma cálculos renais. Nesses casos, a presença de substâncias inibidoras da cristalização, que agem na superfície dos cristais, impede a agregação de outros cristais. Alexander Randall observou precipitados amarelo-esbranquiçados constituídos por agregados de cristais de fosfato de cálcio, ocorrendo nas pontas das papilas renais como placas submucosas. Essas placas estão associadas tanto aos capilares peritubulares como aos ductos coletores urinários e crescem profundamente dentro da papila. As pontas das placas podem ser apreciadas durante endoscopia do trato urinário superior. Esses cristais podem lesar o epitélio papilar, formando nichos que vão agregar outros cristais de oxalato de cálcio, ácido úrico ou fosfato de cálcio, iniciando a formação e o crescimento de cálculos (XAVIER; DORA; BARROS, 2016; MCANINCH; LUE, 2014). Os fatores de risco dietéticos como proteína animal, oxalato, sódio (Na+), sacarose e frutose estão associados a um aumento da formação de cálculo renal. Uma dieta rica em Na+ predispõe à excreção de cálcio (Ca2+) e à formação de cálculos de oxalato de cálcio, ao passo que uma dieta pobre em Na+ tem o efeito oposto. Além disso, a excreção urinária de Na+ aumenta a saturação do urato monossódico, que pode agir como um nicho para cristalização de Ca2+. Uma ingestão mais alta de potássio (K+) diminui a excreção de cálcio e muitos alimentos ricos em K+ aumentam a excreção urinária de citrato, em razão de seu conteúdo alcalino. Outros fatores dietéticos que foram associados de modo inconsistente a um menor risco de formação de cálculos incluem magnésio e fitato (KASPER et al., 2017; HAMMER; MCPHEE, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Na etiologia da nefrolitíase, destaca-se a elevada prevalência de alterações metabólicas a ela relacionadas, principalmente a hipercalciúria (XAVIER; DORA; BARROS, 2016) (Quadro 1). Cálculo renal2 Fonte: Adaptado de Xavier, Dora e Barros (2016). Hipercalciúria É a anormalidade metabólica mais prevalente nos pacientes com litíase renal. A hipercalciúria idiopática que ocorre na vigência de normocalcemia é a mais frequente, podendo ser observada em 40 a 50% dos pacientes com litíase cálcica. A hipercalciúria pode ser também secundária a diversas condições, como sarcoidose, acidose tubular renal (ATR), hiperparatiroidismo primário, hipertiroidismo, tumores malignos, imobilização, doença óssea rapidamente progressiva, doença de Paget, intoxicação por vitamina D, glicocorticoides, doença de Cushing e uso de medicamentos, como furosemida. Hiperoxalúria Aproximadamente dois terços dos cálculos apresentam oxalato de cálcio. Apesar disso, a maioria dos pacientes litiásicos apresenta excreção urinária de oxalato dentro dos limites da normalidade. Hiperuricosúria Os cálculos de ácido úrico puro são mais raros e costumam ocorrer em 5 a 10% dos pacientes litiásicos. Esse tipo de cálculo é mais frequente em pacientes com gota primária. Nesses pacientes, o pH urinário exerce um papel fundamental, pois eles apresentam produção reduzida de amônia na urina com consequente redução do pH urinário. A litíase do ácido úrico está associada à hiperuricosúria (sem ou com hiperuricemia, sendo esta uma característica da associação com gota primária) e ao pH urinário excessivamente baixo (às vezes < 5), ressaltando a importância do pH ácido na formação desse tipo de cálculo. Cistinúria A cistinúria é uma doença hereditária autossômica recessiva, caracterizada por uma inabilidade no manuseio dos aminoácidos dibásicos (cistina, ornitina, lisina e arginina). A cistina é pouco solúvel na urina e, quando excede a concentração de 200 mg em 24 horas, pode levar à formação de múltiplos cálculos recorrentes, caracterizando uma doença litiásica grave. Hipocitratúria O citrato é o ácido orgânico mais abundante na urina. Origina-se de duas fontes: metabolismo celular, no qual é um componente do ciclo de Krebs, e ingestão alimentar. Uma dieta normal contém, aproximadamente, 4 g de citrato por dia. As suas fontes principais são o leite e seus derivados e as frutas cítricas. A hipocitratúria, seja como um distúrbio único, seja em combinação com outras anormalidades metabólicas, ocorre em 20 a 50% dos pacientes litiásicos. Quadro 1. Principais alterações metabólicas em pacientes com litíase renal 3Cálculo renal Alguns estudos sugerem que os vegetarianos têm uma incidência mais baixa de formação de cálculos. No entanto, a dieta rica em proteína e em Na+ é combinada com os efeitos protetores de fibra e outros fatores, prevenindo assim a formação de cálculos renais (HAMMER; MCPHEE, 2016). Volume urinário reduzido, elevada ingestão de proteína animal e condições associadas à resistência à insulina são fatores de risco que aumentam a formação e a recorrência de cálculos urinários. Dietas hiperproteicas estão associadas a uma maior chance de formação de cálculos renais, pois aumentam a excreção urinária de cálcio e de ácido úrico e reduzem o pH urinário, aumentando a cristalização de ácido úrico (KASPER et al., 2017). Características como idade, raça, tamanho corporal e ambiente também são fatores de risco importantes na formação de cálculo renal. Os pacientes de raça branca apresentam maior prevalência de cálculos renais, se comparados com asiáticos. Os negros têm menor prevalência de cálculos renais, provavel- mente por características genéticas. Existe uma nítida relação familiar entre os pacientes com história de cálculos renais recorrentes: em geral, 40 a 60% dos pacientes acometidos apresentam familiares em primeiro grau com história de doença litiásica do trato urinário. Homens de meia idade têmmaior incidên- cia, mas pode ocorrer também em lactentes e idosos (KASPER et al., 2017; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Ganho de peso e obesidade também são fatores associados à formação de cálculo renal. Estudos mostram que litíase renal está associada à síndrome metabólica, ocorrendo em pacientes obesos, dislipidêmicos e com intolerância à glicose em razão da resistência à insulina, o que, nesse contexto, aumenta o risco de eventos cardiovasculares e mortalidade cardiovascular e global. A cirurgia bypass gástrica, para tratamento da obesidade, tem sido associada com a formação de cálculos em razão do aumento da excreção de oxalato intestinal — que ocorre em razão da perda de cálcio fecal e está ligado a ácidos graxos, com alteração da microflora intestinal. Cálculo renal4 Outros fatores que influenciam na formação do cálculo são alterações do pH e/ou redução do volume urinário. Considera-se como fator de risco para desenvolvimento de litogênese um volume urinário menor do que 1.000 mL/ dia, pois aumenta a saturação urinária de solutos como cálcio, oxalato, ácido úrico e fosfato (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). O pH da urina influencia a solubilidade de alguns tipos de cristais. Os cálculos de ácido úrico só se formam quando o pH da urina é consisten- temente ≤ 5,5, enquanto os cálculos de fosfato de cálcio têm mais tendência a se formar quando o pH da urina é ≥ 6,5. Os cálculos de oxalato de cálcio não são influenciados pelo pH urinário. A deficiente secreção de íons de hidrogênio em túbulos distais, característico da ATR do tipo 1, resulta em uma urina alcalina e precipitação de hidroxiapatita (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Infecções do trato urinário por microrganismos produtores de urease, como Proteus, Klebsiella, Providencia, Morganella e outros, estão associa- das com formação de cálculo renal e podem ser totalmente assintomáticas, manifestando-se na forma de perda da função renal. A infecção pode ser um fator contributivo para a percepção da dor. Bactérias uropatogênicas podem alterar o peristaltismo ureteral pela produção de exotoxinas e endotoxinas (KASPER et al., 2017; MCANINCH; LUE, 2014; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Fatores ambientais e ocupacionais, como ingerir pouca água e ir poucas vezes ao banheiro por falta de acesso, também estão associados com a formação de cálculos renais (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Consequências do cálculo renal Cólica renal e dor renal sem cólica são os dois tipos de dor que ocorrem como consequência da presença de cálculo renal. A cólica renal geralmente é causada por distensão do sistema coletor ou ureter, enquanto a dor renal sem cólica é causada por distensão da cápsula do rim (MCANINCH; LUE, 2014). A obstrução urinária ocorre durante a passagem do cálculo pelo ureter, causando dilatação uretral, da pélvis e dos cálices do rim, com cessação da excreção. Geralmente essa obstrução é parcial e temporária, não ocasionando lesão na estrutura do rim. Cálculos menores que 5 mm são eliminados na maioria das vezes, e os maiores que 7 mm são eliminados com pouca frequência e sem manejo urológico. Quando a obstrução é completa e duradoura, deve ser realizada manipulação endourológica, litotripsia extracorpórea ou, mais 5Cálculo renal raramente, ureterolitotomia para evitar o dano permanente dos rins (FOCHE- SATTO FILHO; BARROS, 2013). Mesmo após a remoção de um cálculo, o dano renal pode persistir. A obs- trução urinária também promove crescimento de microrganismos, ocasionando infecção do trato urinário. Os patógenos metabolizadores de ureia formam amônia a partir de ureia, deixando a urina alcalina (pH > 7) e favorecendo a formação de cálculos de fosfato. Mesmo sem colonização bacteriana, a deposi- ção intrarrenal de ácido úrico (rim gotoso) ou de sais de cálcio (nefrocalcinose) pode resultar em inflamação e destruição do tecido renal (SILBERNAGL; LANG, 2016). Para todos os tipos de cálculos, a urina constantemente diluída diminui a probabilidade de cristais. O volume de urina deve ser de pelo menos 2 L/dia. Em razão de diferenças nas perdas insensíveis e no aporte de líquidos de fontes alimentares, a ingestão ne- cessária total de líquido variará de indivíduo para indivíduo. Em vez de especificar a quantidade de líquidos ingerida, é mais útil orientar os pacientes sobre a quantidade adicional que eles precisam ingerir, tendo em vista o seu volume de urina de 24 horas. Por exemplo, se o volume urinário diário for de 1,5 L, o paciente deve ser orientado a ingerir pelo menos uma quantidade adicional de 0,5 L/dia para aumentar o volume urinário até o valor desejado de 2 L/dia (KASPER et al., 2017). Principais tipos e componentes dos cálculos renais Tipos de cálculos renais Existem vários tipos de cálculos renais e a maioria deles é composta de oxalato de cálcio (cerca de 75%), seguida dos cálculos de fosfato de cálcio (cerca de 15%), ácido úrico (cerca de 8%), fosfato triplo ou estruvita (cerca de 1%) e cistina (< 1%). Os constituintes urinários podem mudar drasticamente durante diferentes estados fisiológicos, desde uma urina relativamente ácida na primeira micção da manhã até uma mais alcalina, notada após as refeições (KASPER et al., 2017; MCANINCH; LUE, 2014; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Cálculo renal6 Cálculos de oxalato de cálcio Níveis urinários mais elevados de cálcio (hipercalciúria) e oxalato (hiperoxa- lúria), e níveis menores de citrato na urina favorecem a formação de cálculos de oxalato de cálcio. Esse tipo de cálculo não é sensível ao pH dentro da faixa fisiológica, ou seja, a formação desse tipo de cálculo não depende da alteração do pH. A hipercalciúria é a anormalidade metabólica mais prevalente, observada em associação a uma dieta muito rica em sódio e, de forma secundária, a diversas condições, como ATR, sarcoidose, síndrome de Cushing, hiperpa- ratireoidismo primário, hipertireoidismo, uso de drogas como furosemida e excesso de vitamina D, ou, ainda, pode ser idiopática (KASPER et al., 2017; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Observe a seguir a Figura 1. Figura 1. (a) Cristais de oxalato de cálcio di-hidratado e (b) cristais de oxalato de cálcio mono-hidratado. Fonte: Mundt e Shanahan (2012, p. 113). (a) (b) 7Cálculo renal A concentração de oxalato é muito menor que a concentração de cálcio, porém mais litogênica. A excreção urinária mais elevada de oxalato aumenta a probabilidade de formação de cálculos de oxalato de cálcio. As duas fontes de oxalato urinário consistem na sua produção endógena e no aporte dietético. O oxalato dietético é o principal fator contribuinte; uma ingestão maior de cálcio dietético diminui a absorção gastrintestinal de oxalato e, portanto, reduz o oxalato urinário (KASPER et al., 2017; HAMMER; MCPHEE, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). A restrição do cálcio na dieta não é benéfica, pois indivíduos que elimi- nam muito cálcio na urina absorvem maior quantidade de cálcio ingerido. O oxalato é um produto metabólico final; portanto, qualquer oxalato dietético que seja absorvido será excretado na urina (HAMMER; MCPHEE, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Cálculos de fosfato de cálcio Os cálculos de fosfato de cálcio compartilham fatores de risco com os cálculos de oxalato de cálcio, incluindo concentrações urinárias mais elevadas de cálcio e menores concentrações urinárias de citrato, porém outros fatores merecem atenção. Os níveis urinários mais elevados de fosfato e um pH urinário mais alto (em geral ≥ 6,5) estão associados a uma probabilidade maior de formação de cálculos de fosfato de cálcio. Os cálculos de fosfato de cálcio são mais comuns em pacientes com acidose tubular distal e hiperparatireoidismo primário. A redução do fosfato dietético pode ser benéfica ao diminuir a excreção uri- nária de fosfato. Cálculos de ácido úrico A presença de um pH urinário ácido e umamaior excreção de ácido úrico são os principais fatores de risco para a formação de cálculos de ácido úrico. O pH urinário influencia na solubilidade do ácido úrico, sendo assim, o aumento do pH da urina previne a formação de cálculos de ácido úrico. O aumento do consumo de frutas e vegetais eleva o pH da urina, pois estes são alimentos ricos em álcali. Já os alimentos ricos em proteína (como as carnes) produzem ácido, por isso recomenda-se a redução da ingestão desses alimentos. Cálculo renal8 Esse tipo de cálculo é mais comum em pacientes com gota primária, afe- tando cerca de 30% de pacientes com gota. Também está associado à síndrome metabólica subjacente e à resistência à insulina, em pacientes obesos com dislipidemia e com diabetes tipo 2. A resistência à insulina está associada à formação reduzida de amônia renal, pH urinário excessivamente baixo e valores normais de ácido úrico na urina (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Veja a Figura 2 a seguir. Figura 2. Cristais de ácido úrico na urina de um paciente com cálculo renal. Fonte: Mundt e Shanahan (2012, p. 113). Os pacientes com distúrbios mieloproliferativos e outras causas de hi- peruricemia e hiperuricosúria secundárias, por aumento da biossíntese de purinas e/ou da produção de urato, apresentam risco de formação de cálculos de ácido úrico se houver diminuição do volume urinário. A hiperuricosúria na ausência de hiperuricemia pode ser observada em associação a certos fármacos (p. ex., probenecida e salicilatos em altas doses) (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). 9Cálculo renal Cálculos de estruvita A estruvita constitui o componente mais comum dos cálculos coraliformes e da obstrução. Também conhecidos como cálculos de infecção ou cálculos de fosfato triplo, são formados quando o trato urinário superior é infectado por bactérias produtoras de urease, como Proteus mirabilis, Klebsiella pneumoniae ou espécies de Providencia. A urease produzida por essas bactérias hidrolisa a ureia e pode elevar o pH da urina para um nível suprafisiológico (> 8,0). Os cálculos de estruvita podem crescer rapidamente e preencher a pelve renal (cálculos coraliformes). Os fatores de risco incluem: infecção prévia do trato urinário, nefrolitíase de outras causas (não estruvita), uso de cateteres urinários, bexiga neurogênica (p. ex., com diabetes ou esclerose múltipla) e instrumentação (KASPER et al., 2017; HAMMER; MCPHEE, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Cálculos de cistina A excreção excessiva de cistina, que é relativamente insolúvel, provoca cálculos de cistina que resultam de um defeito hereditário raro do transporte renal e intestinal de vários aminoácidos como cistina, ornitina, arginina e lisina. Os cálculos começam a se formar na infância e constituem uma causa rara de cálculos coraliformes. Em certas ocasiões, levam à doença renal em estágio terminal. Os cálculos de cistina têm mais tendência a se formar na presença de pH urinário ácido (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). A restrição prolongada da cistina dietética não é possível e tem pouca probabilidade de ser bem-sucedida, por isso, para a prevenção dos cálculos de cistina, o ideal é aumentar sua solubilidade com o uso de medicamentos que se ligam de modo covalente à cistina (tiopronina e penicilamina) ou um medicamento capaz de elevar o pH da urina. A tiopronina é o fármaco de escolha, em virtude de seu melhor perfil de efeitos adversos. O agente alca- linizante preferido é o citrato de potássio, visto que os sais de sódio podem aumentar a excreção de cistina. À semelhança de todos os tipos de cálculos, e particularmente em pacientes com cistinúria, a manutenção de um alto volume de urina constitui um componente essencial do esquema de prevenção (KASPER et al., 2017). Cálculo renal10 Metodologia laboratorial associada à análise dos cálculos renais O diagnóstico costuma ser estabelecido com base na anamnese, no exame físico e no exame de urina. Logo, pode não ser necessário aguardar uma confirmação radiográfica para tratar os sintomas. A avaliação metabólica é importante para identificar fatores de risco e/ou causas primárias ou secun- dárias de litíase, definir prognóstico e orientar as intervenções terapêuticas (KASPER et al., 2017; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Na suspeita de um quadro agudo de nefrolitíase, o diagnóstico se baseia no quadro clínico e na realização de exames: exame qualitativo de urina (EQU), hemograma e provas de função renal (XAVIER; DORA; BARROS, 2016). Exame qualitativo de urina Um exame de urina completo auxilia na investigação de um cálculo urinário por avaliar hematúria e cristalúria e documentar o pH urinário (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). A quantidade de sangue na urina (hematúria) é o achado mais frequente e sugestivo de urolitíase, ocorrendo em 80 a 90% dos casos. A ausência de hematúria não descarta a possibilidade de cálculo, sobretudo quando o fluxo urinário está totalmente obstruído por um cálculo. Os pacientes frequente- mente apresentam hematúria macroscópica ou urina cor de chá (sangue velho). A maioria dos pacientes terá, pelo menos, hematúria microscópica. Raramente (em 10 a 15% dos casos) a obstrução ureteral completa se apresenta sem hematúria microscópica (KASPER et al., 2017; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). A leucocitúria pode ser encontrada, mas geralmente é discreta, e em geral está ausente quando não há infecção urinária associada. O sedimento tam- bém pode revelar cristais, que podem ajudar a identificar o tipo de cálculo e também fornece informações sobre o prognóstico, visto que a presença de cristais na urina constitui um forte fator de risco para a formação de cálculo renal. Se houver suspeita de infecção, deve-se realizar uma cultura de urina (KASPER et al., 2017; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). 11Cálculo renal Veja a Figura 3 a seguir. Figura 3. Sedimento urinário de paciente com cálculos de oxalato de cálcio (à esquerda) e de um paciente com cálculos de cistina (à direita) e presença de hemácias em ambas imagens. Fonte: Kasper et al. (2017, p. 1868). Função renal É necessário solicitar dosagem da creatinina sérica para avaliação da fun- ção renal basal e também porque esses pacientes podem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos com potencial de lesão renal. Também devem ser avaliados os eletrólitos (para detectar a presença de hipopotassemia ou ATR), o cálcio e o ácido úrico. Hemograma É utilizado no diagnóstico diferencial de pielonefrite e apendicite, ou para indicar a presença de uma infecção secundária à obstrução do trato urinário por um cálculo (XAVIER; DORA; BARROS, 2016; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Os exames são realizados no sangue, em amostra isolada de urina e em urina de 24 horas. Os resultados dos exames iniciais podem determinar a necessidade de testes mais específicos (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Cálculo renal12 A seguir, veja como recolher amostras para avaliação laboratorial de cálculo renal (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Amostra isolada de urina: coletar uma amostra de urina isolada após 12 horas de jejum (segunda micção), pela manhã, para a realização dos seguintes exames: exame de urina (urina tipo I), urocultura, pH urinário no potenciômetro e teste qualitativo para cistinúria. Urina de 24 horas: coletar duas amostras de urinas de 24 horas, em dias não conse- cutivos, sob dieta habitual, para análise de cálcio, ácido úrico, creatinina, sódio, citrato, oxalato, magnésio e fosfato e medida do volume urinário. A creatininúria é utilizada para avaliar se a coleta de urina foi completa. Os valores de creatinina urinária variam, em homens, de 16 a 25 mg/kg de peso em 24 horas e, em mulheres, de 12 a 22 mg/ kg de peso em 24 horas. Sangue: coletar sangue para a realização dos seguintes exames: cálcio, ácido úrico,fósforo, creatinina, potássio, bicarbonato, paratormônio molécula intacta e glicose. Deve-se incluir uma avaliação do perfil lipídico (colesterol total, colesterol HDL, colesterol LDL e triglicerídeos) e do metabolismo da glicose (glicemia de jejum e hemoglobina glicada). A análise cristalográfica do cálculo pode definir a etiologia e o manejo específico dos cristais encontrados, pois deter- mina a sequência de formação do cálculo: núcleo, corpo, envoltório e cristais periféricos (XAVIER; DORA; BARROS, 2016). Análise da composição dos cálculos renais Um método simplificado para análise de cálculos renais é a análise físico- -química do cálculo renal que é de grande importância clínica na orientação preventiva de novas formações de cálculo renal. Compostos como carbonato, oxalato, amônio, fosfato, cálcio, magnésio, urato e cistina são detectados por meios qualitativos e interpretados com resultados quantitativos para caracte- rizar os cálculos (MCPHERSON; PINCUS, 2011). A maioria dos laboratórios envia amostras de cálculos para laboratórios mais especializados para serem submetidos a análises bioquímicas, nos quais são realizados tanto testes bioquímicos quanto testes especiais para determinar a composição dos cálculos, que podem ser identificados de maneira rápida, simples e segura por meio de kits comerciais encontrados em empresas dis- tribuidoras de artigos para laboratórios de análises clínicas (MCPHERSON; PINCUS, 2011). 13Cálculo renal Cálculo urinário: é preciso mudar alimentação para evitar recidiva Além de ter alta prevalência, a taxa de recidiva pode chegar a 50%. Portanto, os fatores envolvidos são de fundamental avaliação, visto que podemos tentar reduzir esse risco de desenvolvimento e recidiva. https://qrgo.page.link/sh5aZ Avaliação metabólica Para identificar fatores de risco e causas primárias ou secundárias de litíase e definir prognóstico e intervenções terapêuticas, é indicada uma avaliação me- tabólica, que deve ser realizada na presença de cálculos múltiplos recorrentes, cálculos bilaterais, cálculos de ácido úrico, cálculos coraliformes, rim único, perda de função renal por cálculo, crianças com episódio único de cálculo e pacientes candidatos à doação de rim ou cálculo silencioso (KASPER et al., 2017; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). É indicada somente após o diagnóstico de urolitíase, na eliminação espon- tânea do cálculo, indicação de cálculo no trato urinário por raio X simples de abdome, ultrassonografia ou tomografia computadorizada e retirada cirúrgica ou endoscópica do cálculo (FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). Veja o Quadro 2. Alteração metabólica Critério diagnóstico Observações Hipercalciúria idiopática Em urina de 24 horas � > 250 mg para mulheres � > 300 mg para homens � > 4 mg/kg de peso para ambos os sexos Na vigência de normocalcemia, a densitometria óssea pode evidenciar redução da DMO com osteopenia em L1–L4 e, menos comumente, também no fêmur proximal Quadro 2. Critérios diagnóstico para pacientes adultos com litíase renal (Continua) Cálculo renal14 Fonte: Adaptado de Fochesatto Filho e Barros (2013). Quadro 2. Critérios diagnóstico para pacientes adultos com litíase renal Alteração metabólica Critério diagnóstico Observações Hiperexcreção de ácido úrico Em urina de 24 horas � > 750 mg para mulheres � > 800 mg para homens Hiperoxalúria � > 40 a 100 mg em urina de 24 horas � > 100 mg/24 h na hiperoxalúria primária Hipocitratúria � < 320 mg em urina de 24 horas Isolada ou associada a outras alterações metabólicas Cistinúria Em amostra de urina: qualitativo = positivo � > 200 mg/24 h (método colorimétrico) ou � > 1.000 μmol/L/24 h (HPLC) Se o exame qualitativo for positivo, quantificar na urina de 24 horas ATR distal � pH urinário em jejum > 5,5 na vigência de acidose metabólica sistêmica (bicarbonato < 20 mEq/L) Teste com cloreto de amônio oral ou teste do furosemida e fludocortisona para induzir acidose nos casos de ATR incompleta (Continuação) Diagnóstico diferencial Cálculos urinários podem imitar outros estados patológicos retroperitoneais e peritoneais. Deve ser feito um diagnóstico diferencial completo do abdome agudo, inclusive apendicite aguda, gravidez ectópica e não reconhecida, con- dições patológicas ovarianas, inclusive torção de cistos de ovário, doença diverticular, obstrução intestinal, cálculos biliares com e sem obstrução, doença ulcerosa péptica, embolia aguda de artéria renal, aneurisma aórtico abdominal e pielonefrite aguda. Sinais peritoneais devem ser pesquisados durante o exame físico (KASPER et al., 2017; MCANINCH; LUE, 2014; FOCHESATTO FILHO; BARROS, 2013). 15Cálculo renal FOCHESATTO FILHO, L.; BARROS, E. Medicina interna na prática clínica. Porto Alegre: Artmed, 2013. HAMMER, G. D.; MCPHEE, S. J. Fisiopatologia da doença: uma Introdução à medicina clínica. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. (Série Lange). KASPER, D. L. et al. Medicina interna de Harrison. 19. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. 2 v. MCANINCH, J. W.; LUE, T. F. Urologia geral de Smith e Tanagho. 18. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. (Série Lange). MCPHERSON, R. A.; PINCUS, M. R. (ed.). Henry’s clinical diagnosis and management by laboratory methods. 22. Philadelphia: Elsevier, 2011. MUNDT, L. A.; SHANAHAN, K. Exame de urina e de fluidos corporais de Graff. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. SILBERNAGL, S.; LANG, F. Fisiopatologia: texto e atlas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. XAVIER, R. M.; DORA, J. M.; BARROS, E. Laboratório na prática clínica. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. Leituras recomendadas PACHALY, M. A.; BAENA, C. P.; CARVALHO, M. de. Tratamento da nefrolitíase: onde está a evidência dos ensaios clínicos? Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 38, n. 1, p. 99−106, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbn/v38n1/0101-2800-jbn-38-01-0099. pdf. Acesso em: 1 out. 2019. PORTAL DA UROLOGIA. Litíase. Brasil, 2016. Disponível em: https://portaldaurologia. org.br/video/litiase/. Acesso em: 1 out. 2019. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PATOLOGIA CLÍNICA E MEDICINA LABORATORIAL. 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