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Sandra Batista Medeiros Universidade Federal de São Carlos sandrabmed@gmail.com Instrumentos urbanísticos nos municípios paulistas de pequeno porte Luciana Márcia Gonçalves Universidade Federal de São Carlos arq.luciana.ufscar@gmail.com 960 9o CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEJAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2021 DIGITAL) Pequenas cidades, grandes desafios, múltiplas oportunidades 07, 08 e 09 de abril de 2021 INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS NOS MUNICÍPIOS PAULISTAS DE PEQUENO PORTE S. B. Medeiros e L. M. Gonçalves RESUMO O Brasil apresenta ampla diversidade quanto ao porte dos municípios, refletindo nos desafios do planejamento de territórios tão heterogêneos. No universo dos 5570 municípios, 1253 possuem até 5 mil habitantes. Em 2019, a Proposta de Emenda à Constituição nº188/2019 previu a extinção de municípios de pequeno porte com arrecadação tributária inferior a 10% da receita. Nessas condições, estima-se 1217 cidades brasileiras extintas, e 135 no Estado de São Paulo. Este artigo investiga o planejamento urbano de 143 municípios paulistas com até 5 mil habitantes ao sistematizar resultados sobre formalização do Plano Diretor e outros instrumentos urbanísticos. Dada importância da gestão local territorial, demonstra-se que os instrumentos urbanísticos em municípios de pequeno porte são igualmente relevantes aos demais pois ofertam medidas de ordenamento socioespacial, além da gestão dos fundos municipais, o que poderia reverter a inserção do município na legislação proposta. 1 INTRODUÇÃO Os desafios do planejamento urbano acompanham as organizações do território desde as primeiras e rudimentares formações de associação social. Como ferramenta de intervenção, o urbanismo foi um recurso do Estado para alterar as estruturas físicas das cidades. A revolução industrial transformou a demografia e a estrutura urbana. Instigados pelo cenário novo da cidade industrial, os urbanistas do final do século XIX e início do século XX dedicaram-se a propor modelos de cidades ideais, baseados no número de habitantes, em que visavam basicamente a sustentabilidade administrativa. A exemplo, a Cidade-jardim de Ebenezer Howard, na qual simboliza o Imã-Cidade e o Imã-Campo, que determina um modelo de tamanho territorial e uma capacidade populacional máxima com previsão do estabelecimento de uma outra cidade nas proximidades caso atinja o limite estipulado (Choay, 1979). Este artigo faz parte de uma pesquisa do mestrado em andamento cujo objetivo geral é analisar os efeitos da aplicação dos instrumentos urbanísticos implementados pelos municípios brasileiros após as diretrizes disponibilizadas pelo Estatuto da Cidade, lei federal nº10.257/2001, no processo de elaboração e revisão do Plano Diretor. 1.1 Marcos legislativos A Constituição Federal (1988) instaurou uma agenda urbana para o fortalecimento dos municípios, que, posteriormente, fomentou a criação de novos núcleos. Colocou o município como principal ente federativo responsável pelo desenvolvimento e execução da política urbana, atribuindo na promoção do ordenamento territorial, através do planejamento e controle de uso, parcelamento e da ocupação do solo urbano, além da competência na legislação sobre o interesse local, inclusive, quando necessário, suplementar à legislação federal e estadual (Brasil, 1988). Destaca-se ainda o papel constitucional do Plano Diretor como instrumento básico para a execução da política local de desenvolvimento e de expansão urbana, ou seja, a atribuição ao município em explorar seu território e suas características socioambientais por meio do planejamento urbano para garantir o bem-estar de seus habitantes com base na manutenção das funções sociais da cidade (Brasil, 1988). Devido ao seu tamanho continental e concentração de recursos e pessoas, o Brasil apresenta uma ampla diversidade quanto ao porte dos seus municípios, ocorrência que reflete nos desafios do planejamento urbano na gestão e ordenamento de territórios tão heterogêneos. Com as estimativas populacionais para o ano de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no universo das 5570 cidades brasileiras, 1253 municípios possuem até 5 mil habitantes, 2533 possuem entre 5 mil e 20 mil habitantes, 1718 possuem entre 20 mil a 500 mil habitantes, e apenas 47 cidades possuem população maior que 500 mil habitantes. Ressalta-se a expressividade numérica dos municípios de pequeno porte de até 5 mil e entre 5 mil e 20 mil habitantes: juntos somam 3786 e representam 68% — e aqui justifica-se a necessidade em estudá-los. Entende-se a relevância do planejamento na dinâmica urbana a nível local da gestão territorial. O Plano Diretor, como legislação local e com elaboração singular para cada município, tem critérios e diretrizes com adaptação da realidade local quanto às características socioespaciais, econômicas, territoriais, físicas, ambientais, e que escapam do alcance das leis federativas. O Estatuto da Cidade (EC) previu obrigatoriedade na elaboração de Plano Diretor para os municípios acima de 20 mil habitantes (Brasil, 2001). Na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) pelo IBGE, relacionou-se os municípios de até 20 mil habitantes e a situação do Plano Diretor entre possuir plano, elaborando ou sem plano (Fig. 1). Fig. 1 Percentual de municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, por situação do Plano Diretor - 2005/2018 Destaca-se que entre 2005 e 2009 houve uma ampla adesão pelos municípios na elaboração do Plano Diretor— que coincide com o ano de 2006, prazo máximo para elaboração obrigatória para os municípios acima de 20 mil habitantes pelo EC —, com a crescente 7 22,6 32,3 32,2 33,6 3,6 26,7 17 15,6 12 89,4 50,8 50,7 52,1 54,9 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 2005 2009 2013 2015 2018 Com Plano Elaborando Plano Sem Plano continuação nos anos seguintes. Apesar do Estatuto não prever obrigatoriedade aos municípios com menos de 5 mil habitantes, o Estado de São Paulo, por meio da sua Constituição Estadual de 1989, previu a elaboração de plano diretor para todos os seus municípios, independente da população, sendo pioneiro nacional para o estímulo dos instrumentos de planejamento (São Paulo, 1989), em virtude do alto grau de urbanização que o Estado vinha apresentando, característica consolidada pelos recentes dados. Quanto aos demais instrumentos urbanísticos presentes na Constituição Federal e regulamentados pelo EC, questiona-se sobre o conhecimento e divulgação a respeito da utilização e potencial alcançável visto que eles são responsáveis por induzir a política urbana contida nos Planos Diretores. Um obstáculo enfrentado pelo planejamento urbano é sobre a leitura da cidade com diagnóstico panorâmico, além do cadastro e atualização da planta genérica de valores. No caso dos municípios de pequeno porte, a realidade configura-se pela má gestão das fontes de recursos próprios com baixo orçamento municipal, além da dependência em rede das cidades de maior porte para suprir as deficiências em educação, saúde e comércio especializado, por exemplo. Na Tabela 1, observamos o percentual de municípios entre 5 mil e 20 mil habitantes que possuem ou não instrumentos de planejamento nos anos 2015 e 2018. Esclarece-se que a pesquisa considerou como instrumento de planejamento a existência de plano diretor ou lei de perímetro urbano, por exemplo. Verifica-se a alta porcentagem com pelo menos um dos instrumentos, e a redução naquele sem nenhum entre os anos (IBGE, 2019). Tabela 1 Percentual de municípios com instrumentos de planejamento, segundo as classes de tamanho da população - Brasil - 2015/2018 (Adaptado) Classes de tamanho da população dos municípios Percentual de municípios com instrumentosde planejamento Com pelo menos um dos instrumentos Sem nenhum instrumento Não informado 2015 2018 2015 2018 2015 2018 Até 5 000 hab. 95,1 96,7 4,9 3,3 - - De 5 001 a 10 000 hab. 92,8 94,5 7,2 5,5 - - De 10 001 a 20 000 hab. 93,0 94,6 7,0 5,4 0,1 0,1 O Programa Minha Casa Minha Vida para criação de mecanismos de incentivo à produção habitacional do Brasil teve início em 2009 e priorizou os municípios que implementaram os instrumentos urbanísticos que ampliavam o acesso à terra urbanizada (Rolnik et al., 2010). A recente extinção do Ministério das Cidades no ano de 2019, órgão responsável pela ação normativa e capacitação municipal, coloca em discussão os avanços na gestão do território com o aprimoramento do processo de elaboração do plano diretor e suas gerações pós- Estatuto, bem como as aplicações dos demais instrumentos urbanísticos (Medeiros et al., 2019). Na Figura 2 estão selecionados os primeiros seis instrumentos de planejamento cuja utilização pelos municípios brasileiros ultrapassa 50%. Embora a pesquisa fonte aplicou a todos os portes municipais, entende-se que o uso pode ser enquadrado nesse artigo, que analisou somente uma categoria de cidades baseada no número de habitantes. Fig. 2 Percentual de municípios brasileiros com instrumentos de planejamento acima de 50 % de utilização – 2013/2018 No final de 2019, a Proposta de Ementa à Constituição (PEC) nº188/2019, sobre o novo Pacto Federativo, dispõe uma série de alterações na legislação em vigor, principalmente nas relações entre União, Estados e Municípios (Brasil, 2019). Uma das ações prevê a extinção de municípios cuja população seja inferior a 5 mil habitantes e arrecadação em impostos municipais como Imposto sobre Serviço (ISS) e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) seja inferior a 10% da receita total. Nestas condições, o número de municípios brasileiros a serem extintos poderá chegar a 1217, no universo de 1253 (Tabela 2) (CNM, 2019). Tabela 2 Quantidade de municípios que podem ser extintos pelo Pacto Federativo classificados pela Região e pelo Estado Região Estado Total de municípios a serem extinto Total de municípios no Estado Porcentagem representativa (%) Norte Amazonas 1 62 1,61 Pará 1 144 0,64 Rondônia 5 52 9,61 Tocantins 66 139 47,48 Nordeste Alagoas 5 102 4,90 Bahia 10 417 2,39 Ceará 1 184 0,54 Maranhão 4 217 1,84 Paraíba 68 223 30,49 Pernambuco 2 185 1,08 Piauí 75 224 33,48 Rio Grande do Norte 48 167 28,74 Sergipe 11 75 14,67 Sudeste Espírito Santo 1 78 1,28 Minas Gerais 223 853 26,14 São Paulo 135 645 20,93 55,1 58,7 61,9 65,7 68,2 90,1 50,6 53,1 58,6 61,2 65,9 87,8 44,5 48,7 54,2 56,1 62,4 83,6 0 20 40 60 80 100 Legislação sobre zona e/ou área de interesse social Legislação sobre contribuição de melhoria Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo Legislação sobre parcelamento do solo Código de obras Lei de perímetro urbano 2013 2015 2018 Centro-oeste Goiás 93 246 37,80 Mato Grosso 31 141 21,98 Mato Grosso do Sul 5 79 6,33 Sul Paraná 100 399 25,06 Rio Grande do Sul 228 497 45,87 Santa Catarina 104 295 35,25 Total 1217 - - No Estado de São Paulo, dos 143 municípios com até 5 mil habitantes, 135 poderão ser extintos, baseado em levantamento quantitativo da Confederação Nacional do Municípios (CNM) (CNM, 2019)1. Dada a importância a nível local da gestão do território, dos instrumentos urbanísticos disponíveis e do universo de municípios de até 5 mil habitantes — 22,5% do total no Brasil e 22,2% no Estado de São Paulo —, este trabalho tem por objetivo investigar cenários do planejamento urbano por meio da formalização dos instrumentos urbanísticos nos 143 municípios de pequeno porte com até 5 mil habitantes no Estado de São Paulo. 2 METODOLOGIA Por meio de dados públicos da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) (2019) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sistematizou-se resultados referente aos 143 municípios com até 5 mil habitantes no Estado de São Paulo quanto à existência e revisão do plano diretor e outros instrumentos urbanísticos, escolhidos por apresentarem acima de 50% de utilização pelos municípios brasileiros e, assim, apresentam maior probabilidade de adesão pelos municípios em análise: legislação específica sobre área especial de interesse social, perímetro urbano, parcelamento do solo, zoneamento e uso de ocupação do solo, contribuição de melhoria e código de obras (IBGE, 2019). Como classificação para análise dos instrumentos, dividiu-se em períodos baseados na Constituição Federal (1988), no Estatuto da Cidade (2001), no prazo nacional para elaboração obrigatória do Plano (2006) e a coleta de dados da Pesquisa MUNIC (2018), sendo assim anteriores a 1988, entre 1989 e 2001, entre 2002 e 2006, entre 2007 e 2018. Para contribuir na análise, considerou-se, na sistematização dos dados, o grau de urbanização dos municípios de São Paulo, extraído das Informações dos Municípios Paulistas - SEADE (2020), para mensurar o processo de urbanização no território. 3 OS MUNICÍPIOS E AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS Para compreender a distribuição espacial dos municípios desse estudo no território do Estado de São Paulo, utilizamos a classificação em Região Administrativa. Oficialmente são 15 regiões, na qual também se considerou a Região Metropolitana de São Paulo. As Regiões Administrativas de Registro, de Santos e a Metropolitana de São Paulo não possuem cidades com menos de 5 mil habitantes. Na Tabela 3, estão dispostas as quantidades de municípios de pequeno porte em cada região. Consequentemente, as regiões com mais municípios são 1 Até a finalização desse artigo, no endereço eletrônico do Senado Federal a última tramitação da PEC nº 188/2019 registrada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania corresponde à adição das Emendas nº 63 e 64 na data de 23/10/2020 (Brasil, 2019). as que possuem mais porcentagem representativa dos municípios de pequeno porte. Destacam-se Araçatuba, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto com a média de 39,7% do total de municípios, na qual observou-se que ocupam a região noroeste do Estado e que são fronteiriças entre si (Fig. 3) (SEADE, 2020). Tabela 3 Quantidade de município de pequeno porte por Região Administrativa Região Administrativa Paulista Total de municípios Quantidade de municípios de pequeno porte Porcentagem representativa (%) Araçatuba 43 17 39,5 Barretos 19 2 10,5 Bauru 39 10 25,6 Campinas 90 5 5,5 Central 26 4 15,4 Franca 23 4 17,4 Itapeva 32 9 28,1 Marília 51 20 39,2 Presidente Prudente 53 21 39,6 Registro 14 0 - Ribeirão Preto 25 3 12 Santos 9 0 - São José do Rio Preto 96 39 40,6 São José dos Campos 39 6 15,4 São Paulo 39 0 - Sorocaba 47 3 6,4 Total 645 143 22,2 Fig. 3 Mapa com os Municípios paulistas de pequeno porte com classificação por Região Administrativa do Estado de São Paulo 3.1 População e Grau de Urbanização Quanto à população, adotou-se a estimativa para o ano de 2019. A média é de 3323 habitantes. Somente um município, Borá, da Região Administrativa de Marília, possui menos de 1000 habitantes. Entre 1000 e 3000, são 56 cidades. Já entre 3000 e 5000, são 86 (SEADE, 2020b). Quanta ao grau de urbanização, ordenou-se os dados entre três categorias de acordo com os percentuais: 7 municípios estão menores ou iguais a 60%; 41 estão entre 60% e 80%; e 95 estão entre 80% e 100% (SEADE, 2020b). Com base na taxa de urbanização brasileira, 51,75% dos municípios analisados estão acima da média nacional de 84,4% (IGBE, 2010), mas somente 4,19% estão acima da média paulista de 96,52% (SEADE, 2020b). Ou seja, no contexto nacional de taxa de urbanização, os municípios de pequeno porte em análise estãoem processo condizente com o cenário do Brasil; entretanto, destoante do contexto do Estado de São Paulo. 3.2 Plano Diretor e suas revisões nos 143 municípios paulistas de pequeno porte O primeiro instrumento analisado foi o Plano Diretor. Por entendê-lo como a ferramenta básica da política de desenvolvimento físico-territorial urbano e parte integrante do planejamento municipal, investigou-se sua existência e se houve revisão, já que o Estatuto da Cidade recomenda que seja feita no mínimo a cada 10 anos. No universo das 143 cidades, somente 21 municípios possuem Plano Diretor (Fig. 4). Como classificação para análise desse instrumento, dividiu-se em períodos baseados na Constituição Federal (1988), no Estatuto da Cidade (2001), no prazo nacional para elaboração obrigatória do Plano (2006) e a coleta de dados da Pesquisa MUNIC (2018): com a data anterior a 1988, estão dois planos diretores vigente; entre 1989 e 2001, dois planos, um deles vigente, e outro já foi revisto em 2008; entre 2002 e 2006, quatro planos ainda vigentes; entre 2007 e 2018, treze planos vigentes, sendo três revistos respectivamente em 2016, 2017 e 2018. Fig. 4 Quantidade de munípios com e sem Plano Diretor e sua revisão Outro item contemplado na pesquisa foi a situação sobre a elaboração do Plano Diretor. Visto que apenas uma porção de 15% dos municípios em análise possui o Plano, a expectativa era a adesão ampla ao processo de concepção do Plano Diretor. Entretanto, somente 10% das cidades pesquisadas estavam elaborando o Plano no ano de 2018 e todas elas não possuíam anteriormente, ou seja, é a primeira geração de Plano Diretor para esses municípios após o EC. Quanto aos municípios que não possuem e não estão elaborando, representam 75% do total analisado (Fig. 5) (IGBE, 2019). 122 (85%) 17 (81%) 4 (19%) 21 (15%) Existência de Plano Diretor Plano foi revisto? Fig. 5 Situação dos munícipios quanto a elaboração do Plano Diretor Desse modo, demonstra-se que o número reduzido de municípios elaborando o PD (2018) não condiz com a expectativa da ausência de elaboração do PD no período anterior. Acredita-se que não haja estímulos para elaborar um Plano Diretor, o que forneceria uma base estrutural para a aplicação dos outros instrumentos urbanísticos, uma vez que não foi realizada nova lei de obrigatoriedade ou punições para pós 2006. 3.3 Instrumentos Urbanísticos nos 143 municípios paulistas de pequeno porte A seguir, estão os resultados referentes aos seis instrumentos de planejamento analisados. Assim como na análise do Plano Diretor, dividiu-se em períodos baseados na Constituição Federal (1988), no Estatuto da Cidade (2001), no prazo nacional para elaboração obrigatória do Plano (2006) e a coleta de dados da Pesquisa MUNIC (2018). As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) correspondem a porções do território urbano destinadas à viabilização dos interesses das camadas populares. Esse instrumento avança no acesso à terra urbanizada além da legislação tradicional como a Lei de Zoneamento ou Uso e Ocupação do Solo e propõe parâmetros específicos construtivos, compatíveis com a realidade da população de baixa renda. Consequentemente, seu uso permite a inclusão de grupos sociais consideradas marginalizadas, já que não puderam ocupar regiões mais centrais e melhor servidas de serviços urbanos, além da ampliação do mercado imobiliário para o setor de baixa renda (Rolnik e Saule Junior, 2001). Na Figura 6, observa-se na maioria a inexistência do instrumento ZEIS nos municípios estudados. Supõe-se sua desvinculação com o plano diretor e planos setoriais, como o plano de urbanização ou plano municipal de habitação, como motivo para essa escassez. Fig. 6 Legislação sobre zona e/ou área de interesse social nos municípios paulistas de pequeno porte Dentre os municípios que possuem como legislação específica, nenhuma lei vigente anterior a 1988; duas leis do período entre 1989 e 2001; três leis entre 2002 e 2006; vinte e cinco leis entre 2007 e 2018. A legislação de perímetro urbano define a divisão territorial do município entre zonas rurais e urbanas com o intuito de controlar a oferta de solo com potencial construtivo e moderar a expansão horizontal. Assim, oferece possibilidades para direcionar as políticas públicas e 108 (75%)14 (10%) 21 (15%) O município está elaborando o Plano Diretor? Não está elaborando Está elaborando Informação ausente sobre elaboração 104 (73%) 30 (21%) 9 (6%) Legislação sobre zona e/ou área de interesse social Não Sim com legislação específica Sim como parte integrante do Plano Diretor otimizar os serviços urbanos pela gestão local, além de garantir a função social da propriedade quando atende às exigências expressas pelo Plano Diretor (IBGE, 2017). Na Figura 7, observamos a enorme adesão do instrumento da lei de perímetro urbano pelos municípios em estudo, com 90% como legislação específica. Acredita-se que se trata de lei de baixa complexidade e de alta influência do mercado imobiliário pela possibilidade de gerar oferta de novas terras urbanizáveis. Fig. 7 Legislação sobre Perímetro urbano nos municípios paulistas de pequeno porte Quanto ao período de promulgação dessas leis, com a data anterior a 1988, estão quinze leis vigentes, sendo 1959 o ano mais antigo; entre 1989 e 2001, vinte e oito leis vigentes; entre 2002 e 2006, três leis ainda vigentes; entre 2007 e 2018, oitenta e três leis vigente. O Parcelamento do solo urbano está previsto como competência do município pela Constituição Federal (1988), mas as normas do Parcelamento do solo foram definidas anteriormente na lei federal nº 6.766/1979. Contudo, sofreu alterações para adequar as dinâmicas e demandas decorrentes do processo de urbanização. Quanto a caracterização, são dispostas basicamente duas modalidades para subdivisão de uma gleba em lotes: loteamento, quando há a abertura de novas vias de circulação, e desmembramento ou remembramento, com o aproveitamento do sistema viário existente (Brasil, 1979). Na Figura 8, observa-se adesão total de 43% ao instrumento no âmbito municipal, sendo somente 38% como legislação específica. Fig. 8 Legislação sobre Parcelamento do solo nos municípios paulistas de pequeno porte Quanto ao período de promulgação dessas leis, com a data anterior a 1988, estão quatro leis vigentes, sendo 1965 o ano mais antigo (portanto anterior a lei federal em vigência); entre 1989 e 2001, dezesseis leis vigentes; entre 2002 e 2006, cinco leis; entre 2007 e 2018, trinta leis. O Zoneamento é o instrumento responsável pela divisão da área urbana e de expansão em zonas distintas, na qual incidem diretrizes diferenciadas de uso e ocupação do solo para índices urbanísticos e atividades permitidas nos lotes. Possui um histórico conflituoso e político entre o interesse da iniciativa privada e a ação dos governos municipais (Rolnik e Saule Junior, 2001; Villaça, 1995). Na Figura 9, observamos uma maioria expressiva pela não utilização do instrumento. 6 (4%) 129 (90%) 8 (6%) Lei de perímetro urbano Não Sim com legislação específica Sim como parte integrante do Plano Diretor 81 (57%) 55 (38%) 7 (5%) Legislação sobre parcelamento do solo Não Sim com legislação específica Sim como parte integrante do Plano Diretor Fig. 9 Legislação sobre Zoneamento ou uso e ocupação do solo nos municípios paulistas de pequeno porte Quanto ao período de promulgação dessas leis de Zoneamento ou uso e ocupação do solo, com a data anterior a 1988, está uma lei vigente, de 1965; entre 1989 e 2001, onze leis vigentes; entre 2002 e 2006, três leis; entre 2007 e 2018, dezessete leis. Presente desde a Constituição de 1934, no Código Tributário Nacional de 1966 e no Estatuto da Cidade, a Contribuição de melhoria é um tributo cobrado pelaUnião, pelos Estados ou pelos Municípios com o intuito de reverter os custos de obras públicas na valorização imobiliária resultante, na qual o limite de cobrança é o valor total do empreendimento divido para cada beneficiado (Pereira et al., 2018). Esse instrumento possui uma ampla aplicação e potencial arrecadatório, entretanto, 68% dos municípios analisados não possuem legislação (Fig. 10). Fig. 10 Legislação sobre Contribuição de melhoria nos municípios paulistas de pequeno porte Quanto ao período de promulgação dessas leis de Contribuição, com a data anterior a 1988, estão cinco leis vigente, sendo 1966 o ano mais antigo; entre 1989 e 2001, dezoito leis vigentes; entre 2002 e 2006, dez leis; entre 2007 e 2018, doze leis. O Código de obras estabelece um conjunto de normas técnicas que permite a gestão municipal exercer controle e fiscalização sobre o espaço construído e seu entorno, com a finalidade de garantir conforto ambiental, segurança, acessibilidade e salubridade edilícia. Na ausência do código de obras, a legislação atuante é o Código Sanitário Estadual. Em São Paulo, está vigente pela lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998. Na Figura 11, demostra- se a maioria pela ausência do instrumento. Fig. 11 Legislação sobre Código de obras nos municípios paulistas de pequeno porte 101 (71%)32 (22%) 10 (7%) Legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo Não Sim com legislação específica Sim como parte integrante do Plano Diretor 97 (68%)45 (31%) 1 (1%) Legislação de contribuição de melhoria Não Sim com legislação específica Sim como parte integrante do Plano Diretor 106 (74%) 34 (24%) 3 (2%) Existência de Código de Obras Não Sim com legislação específica Sim como parte integrante do Plano Diretor Quanto ao período de promulgação dessas leis de Código de obras, com a data anterior a 1988, estão sete vigentes, sendo 1973 o ano mais antigo; entre 1989 e 2001, dezessete leis vigentes; entre 2002 e 2006, uma lei; entre 2007 e 2018, nove leis. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O resultado das análises sobre os municípios paulistas de pequeno porte demonstra a diversidade de instrumentos urbanísticos utilizados, bem como o conhecimento da gestão das legislações federais vigentes, mesmo que apenas 21 cidades apresentem Plano Diretor. Observa-se uma diversificação entre os instrumentos utilizados pelos municípios, visto que alguns destes são amplamente conhecidos pela gestão local devido ao seu uso anterior ao Estatuto da Cidade, como o de perímetro urbano e parcelamento do solo. A aplicação de alguns instrumentos urbanísticos pode representar uma alternativa para o aumento da receita com gestão própria dos recursos, por exemplo, com a criação de Fundo de Desenvolvimento Urbano e de Habitação previstos pelo Estatuto da Cidade. Tal iniciativa combateria o principal argumento para a extinção de pequenos municípios pela PEC do Pacto Federativo sobre a arrecadação inferior a 10% do orçamento previsto. Porém, o critério da análise desse estudo tem como foco a gestão urbana, não considera as receitas próprias já existentes e não vincula a uma estrutura administrativa própria. Ressalta, contudo, o comprometimento com os instrumentos de regulação de uso e ocupação do solo. Entende-se que essa análise dos municípios apresenta um recorte territorial. Entretanto, há ainda aspectos socioeconômicos e ambiental a serem considerados para uma análise mais abrangente; assim como as questões de decréscimo populacional, que, apesar de pertinentes, não foram contempladas nesse estudo. Apesar do registro de diversos instrumentos com legislação vigente desatualizada, cuja regulamentação remete inclusive às décadas de 1960 e 1970, este trabalho proporciona subsídio para outra análise específica e profunda dos instrumentos urbanísticos em cada município e nas demais unidades federativas, em virtude da demanda em qualificar o desempenho local dessas legislações. Ressalta-se também que, embora a intenção dos instrumentos não seja arrecadatória, buscam garantir a função social da propriedade e da cidade, demostrando amadurecimento da gestão local. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. REFERÊNCIAS Brasil (1979) Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm. Acesso em 13 abril 2020. Brasil (1988) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 13 abril 2020. Brasil (2001) Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em 13 abril 2020. Brasil (2019) Proposta Emenda à Constituição nº 188 de 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139704. Acesso em 30 novembro 2020. CHOAY, F. (1979), O urbanismo, Perspectiva, São Paulo. Confederação Nacional de Municípios (CNM) (2019) PEC 188/2019: Pacto Federativo e extinção de Municípios. Disponível em: https://cnm.org.br/cms/biblioteca/documentos/Folder_Mobilização.pdf. Acesso em 14 abril 2020. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2017) Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos no Brasil: uma primeira aproximação, IBGE, Rio de Janeiro. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2019) Perfil dos municípios brasileiros: 2018, IBGE, Rio de Janeiro. Medeiros, S., Gonçalves, L., Monteiro, L. e Portes, F. (2019) Os efeitos da extinção do Ministérios das Cidades sobre a política urbana no Brasil, Anais do X Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Universidade Federal do Tocantins, Palmas. Pereira, G., Fernandes, C., Chulipa Möller, L. e Cavalcanti, C. 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