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105 VOL 19 No 2 SET/OUT/NOV 2010 O grande desafio eleitoral de Obama Carlos Eduardo Lins da Silva President Barack Obama is facing his most important electoral challenge this November. Midterm elections usually are unfavorable for incumbent Presidents, but sometimes can be dramatically harmful for them, such as the 1994 one, when Bill Clinton’s Democrats lost the majority in both House and Senate. This is the risk for Obama now. His approval ratings are not good, the economy has not fully recovered, the opposition to him is particu- larly hostile, the business community is apart from his government and he has not much to show as effective results, although he has obtained significant parliamentary victories having passed an overhaul of the health care system and the most important financial reform since the Great Depression. The size of his defeat and the way he will react to it will define his chances of getting reelected in 2012. Só ingênuos ou ignorantes podem ter achado seriamente que Barack Obama se- ria capaz de cumprir todas ou ao menos a maior parte das mudanças que prometeu ao longo da memorável campanha presi- dencial de 2008. O grau de seriedade dos problemas que herdou da desastrosa gestão de Geor- ge W. Bush, o nível de ousadia das pro- messas feitas, o enorme contingente de pessoas que defendem pontos de vista muito conservadores na sociedade ameri- cana e – fator nada desprezível – a cor de sua pele num país em que uma expressiva e virulenta minoria ainda é racista torna- vam fácil prever que Obama teria imensas difi culdades para chegar ao sucesso. Em novembro, o presidente enfrentará o seu primeiro grande teste eleitoral. O pleito de meio de mandato é tradicional- mente cruel nos Estados Unidos para quem está na Casa Branca. É corriqueiro que o partido político que detém o contro- le do Poder Executivo sofra perda em suas bancadas na Câmara (que se renova intei- ramente) e no Senado (que tem um terço de suas cadeiras em jogo). Não será dife- rente desta vez. O êxito ou fracasso é medido em geral pelo tamanho da derrota. Quando é de grande porte, pode signifi car o presidente ser obrigado a literalmente dividir seu governo com uma espécie de primeiro- -ministro informal e virtual, como Bill Clinton teve de fazer com Newt Gingrich, o líder republicano que comandou o mo- vimento “Contrato com a América”, em 1994, que levou a oposição republicana ao controle do Congresso. “Toda política é local”, o mantra cria- do por Tip O’Neill (1912-1994), um dos mais poderosos caciques políticos da his- tória dos EUA e presidente da Câmara entre 1977 e 1987, permanece verdadeiro. Muitos dos motivos que levarão os cida- dãos a escolher seu candidato ao Con- gresso continuarão sendo, como sempre são, os problemas dos seus distritos elei- torais e estados. Mas de vez em quando, em especial em situações de crise econô- Carlos Eduardo Lins da Silva é o editor da revista Política Externa, presidente do Conselho Acadêmico do IEEI/UNESP, membro do Gacint/USP e diretor do Espaço Educacional Educare. 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 10510- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 105 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 106 POLÍTICA EXTERNA ARTIGOS mica, como a atual, a eleição de meio de mandato pode ser dominada pelos gran- des temas nacionais e virar uma espécie de plebiscito do governo federal. Parece ser este o caso em 2010. Obama nem fez pouco nem foi mal em 18 meses à frente da administração do país. A maior reforma do sistema na- cional de saúde da história (que deu abri- go a 32 milhões de pessoas que não ti- nham nenhum tipo de cobertura em caso de precisar de cuidados médicos) e a mais radical mudança dos controles pú- blicos sobre o sistema fi nanceiro desde a Grande Depressão foram os pontos altos nesse período. Mas a aprovação desses projetos revo- lucionários não só ajudou a mobilizar a oposição conservadora contra o presiden- te como fragilizou o apoio da parte dos setores liberais da opinião pública: muitos acham que Obama fez concessões demais para consegui-la e que o resultado fi nal das leis sancionadas fi cou muito aquém das necessidades e dos sonhos. Como é comum ocorrer na política, Obama seguiu a regra que o ex-governa- dor de Nova York Mario Cuomo tornou famosa: fez campanha na base da poesia, mas governa na base da prosa. Pragmático e tendo como sua prioridade absoluta a sobrevivência no cargo, o presidente de- sencantou boa parte dos que mais traba- lharam para sua vitória em 2008, em espe- cial negros, jovens e os que se situam mais à esquerda do espectro ideológico. São esses os setores demográfi cos que menos se demonstram dispostos a votar este ano (nos EUA o voto não é obrigatório), en- quanto seus antônimos estão eletrizados com a possibilidade de infringir-lhe uma grande derrota, a ponto de colocar em risco desde já sua reeleição em 2012. O fenômeno mais aparente, embora não o mais importante, da oposição a Obama é o movimento de ultradireita cha- mado “Tea Party” (evocativo dos princí- pios da revolta de colonos ingleses na América contra impostos abusivos que a sede do império lhes impunha na impor- tação de chá e que foi precursora da noção de independência), que insufl a a insatisfa- ção crescente com as condições do país entre aqueles que até duas gerações atrás eram maioria (brancos protestantes de classe média). A situação econômica A economia é a primeira e a mais im- portante fonte de frustrações para os elei- tores. É claro que Obama não é o respon- sável pela situação catastrófi ca em que ele a encontrou quando assumiu o poder. Até que Obama foi bem-sucedido no controle de danos que erros acumulados por déca- das provocaram a ponto de resultar na virtual falência nacional registrada em meados de 2008. Nem o país nem a maio- ria das grandes empresas quebraram. Par- te dos aportes fi nanceiros feitos pelo Esta- do (no valor de US$ 787 bilhões) para salvar grandes companhias e bancos já foi devolvida aos cofres públicos. O perigo de insolvência generalizada deixou de ser uma possibilidade de curto prazo. Mas a retomada da atividade econômi- ca ainda é modesta e, por isso, criam-se menos empregos do que os necessários. O índice de desemprego continua alto para os padrões americanos (9,5% em meados de julho). Embora inferior aos 10,2% regis- trados em 1982, muitos analistas afi rmam que o número atual é o pior desde a Se- gunda Guerra Mundial, porque o de 28 anos atrás registrava uma situação atípica e passageira, enquanto o de agora é mais estrutural. A falta de vagas é particular- mente grande para jovens que deixam as faculdades e acabam tendo de voltar a morar com seus pais. 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 10610- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 106 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 107 VOL 19 No 2 SET/OUT/NOV 2010 O GRANDE DESAFIO ELEITORAL DE OBAMA Além do desemprego, o nível médio de renda do trabalhador continua menor do que era antes da crise de 2008. Os cor- tes de salários afetam um quarto da mão de obra, especialmente entre os que têm vencimentos familiares inferiores a US$ 75 mil por ano, ou seja, o núcleo da classe média. É a primeira vez em cinquenta anos que a renda média do americano so- fre queda. Esses problemas afetam mais os elei- tores de Obama que os de oposição. O desemprego, por exemplo, é de 15,4% en- tre os negros e de 8,6% entre os brancos. Isso pode levar menos pessoas que ainda acreditam nele às urnas e ajuda a organi- zar os que não lhe dão apoio e têm obtido êxito em convencer grande número de pessoas de que o ritmo da recuperação da economia tem sido mais lento do que o desejado, porque o presidente executa po- líticas de excessiva ingerência do Estado nos negócios. As coisas pareciam estar indo bem até junho, quando – na expressão do grande frasista Alan Greenspan, o ex-presidente do Banco Central americano (FED) – a eco- nomia “bateu num muro invisível”, em parte como refl exodo agravamento da crise europeia, mas basicamente porque se esgotaram os efeitos dos créditos fi scais concedidos para estimular o consumo e porque a confi ança do consumidor e em especial dos empresários não aumenta, im- pedindo que o ritmo da retomada econô- mica se acelere, já que as pessoas ainda es- tão com dívidas para pagar e receiam fazer novas compras vultosas (em casas, por exemplo), e os executivos preferem segurar investimentos porque se sentem inseguros em relação ao futuro. Embora não tenha ocorrido um agravamento da situação eco- nômica, a maioria ainda não dá sinais de estar vendo a luz no fi m do túnel. O pior para Obama é que a situação econômica não vai mudar de modo dra- mático até novembro. Mesmo que ele ain- da dispusesse de recursos para estimular a atividade econômica, os efeitos das me- didas não seria sentido na vida dos eleito- res antes da eleição. Pesquisa de opinião pública feita pela rede de TV ABC e pelo jornal The Wa- shington Post, divulgada em 13 de julho, mostrava que só 43% dos americanos aprovam as políticas econômicas de Oba- ma e 54% as desaprovam. Mesmo entre os fi liados ao seu partido, o Democrata, 33% o condenam pela maneira como conduz a economia. A oposição empresarial Se não há mais muito a ser feito que resulte em ganhos para a eleição de no- vembro de 2010, Obama sabe que ainda há espaço para refazer sua imagem visan- do ao pleito presidencial de 2012, de modo a impedir que ele se torne o terceiro presi- dente americano depois da Segunda Guer- ra a não conseguir a reeleição (depois de Jimmy Carter e George H. Bush). Para isso, é essencial ganhar a adesão dos empresários. Sem ela, é provável que o nível de investimentos vá se manter aquém do necessário para a economia real mente se aprumar. E não há muita razão material, objetiva, para os executi- vos permanecerem tão reticentes. As 500 maiores empresas não fi nanceiras dos Es- tados Unidos acumularam reservas da or- dem de US$ 1,8 trilhão desde o início do governo Obama. Isso representa uma por- centagem dos seus ativos superior à que tiveram em cinquenta anos. No entanto, esse dinheiro não está sendo gasto em instalações, equipamentos ou criação de empregos. Por quê? Em parte, trata-se de precaução natural diante do quadro ainda incerto da econo- mia global, em particular a situação da 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 10710- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 107 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 108 POLÍTICA EXTERNA ARTIGOS Europa. Mas em parte também essa reti- cência tem a ver com as desconfi anças dos empresários em relação a Obama, visto pela maioria como um político propenso a ações extremas de regulação econômica pelo Estado. As bem-sucedidas reformas do sistema de saúde e de fi nanças e a pro- posta de lei de energia e clima são usadas como exemplos dessa tendência e razões para cautela na hora de investir. As críticas de empresários de expres- são ao governo Obama têm sido intensas e explícitas. Por exemplo, Ivan Seindenberg, presidente da Verizon e do grupo Business Roundtable, que congrega 170 CEOs de grandes companhias, acusou-o publica- mente de impedir a retomada da econo- mia por controlar demais e taxar demais a iniciativa privada. Menos adjetivamente, a Câmara de Comércio dos EUA argumenta que as em- presas não podem fazer planejamento de longo prazo porque não sabem prever a que regime fi scal vão estar submetidas devido à indefi nição do governo no que diz respeito a impostos. Entre as evidências da má vontade de Obama em relação às empresas, é com frequência lembrado o fato de que, dife- rentemente de quase todos os seus ante- cessores, ele não nomeou nenhum líder de negócios para o seu Ministério. E, também diversamente de quase todos os presiden- tes dos últimos cem anos, não consta de sua biografi a nenhuma passagem pela ini- ciativa privada nem contatos estreitos com ela (Obama foi professor universitário, lí- der de organizações não governamentais e político em sua vida profi ssional). Mas os críticos parecem subestimar o fato de que o presidente Obama ajudou a salvar da falência a indústria automobi- lística e o sistema fi nanceiro com generoso aporte de dinheiro público que lhe criou um défi cit fabuloso, um dos seus maiores problemas administrativos. E tampouco levam em consideração que a situação em 2008 era tão calamitosa que até George W. Bush, nos estertores da sua malfadada Presidência, adotou políticas de inspira- ção keynesiana, as quais ele condenara durante toda a vida. Tanto Obama quanto os empresários são acima de tudo pragmáticos e têm consciência de que para os dois lados é fundamental que a economia cresça con- sistentemente. Por isso, haverão de tentar chegar a um modo de convivência pacífi ca que será benéfi co a ambos. Mas não até novembro. A perda do centro A lei da reforma fi nanceira foi prova- velmente a iniciativa do governo Obama que mais o colocou mal diante do empre- sariado. Mas, apesar dos seus argumentos de que ela garante “a proteção fi nanceira mais forte da história” e que a nova agên- cia regulatória que cria “vai proteger as pessoas contra práticas abusivas que de- ram notoriedade às companhias de car- tões de crédito e aos fi nanciadores de hipotecas domiciliares”, ela não foi sufi - ciente para lhe garantir o apoio decidido dos que provavelmente se benefi ciarão quando estiver em vigor, embora a maio- ria da população a tenha aprovado. Em parte, isso decorre da experiência pregressa. Segundo pesquisa de opinião pública divulgada em julho pela rede de TV CBS, apenas 13% dos americanos dis- seram ter sentido pessoalmente algum efeito das medidas econômicas adotadas por Obama (23% disseram que se sentiram prejudicados por elas e 63% que elas não tiveram nenhum efeito sobre sua vida). É impossível que alguém se dê conta de que essa lei lhe é favorável até novem- bro, e improvável que isso ocorra mesmo nos próximos dois anos, porque muitos 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 10810- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 108 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 109 VOL 19 No 2 SET/OUT/NOV 2010 O GRANDE DESAFIO ELEITORAL DE OBAMA detalhes ainda terão de ser resolvidos en- tre governo e iniciativa privada, já que foram deixados em aberto para facilitar a aprovação fi nal. Obama tem demonstrado que – ao contrário do que muitos temiam, devido à sua pequena experiência prévia no Senado – ele é um presidente que conse- gue aprovar legislação audaciosa no Con gresso, num ritmo que chega a ser comparável ao de Lyndon Johnson, con- siderado um mestre na negociação parla- mentar e, depois de Franklin Roosevelt, quem mais obteve sucesso em sua relação com o Legislativo. Mas como o eleitor americano é prag- mático e calibra a avaliação dos governan- tes pelo sucesso de suas políticas confor- me o resultado percebido em seu próprio bolso, Obama não tem recebido os divi- dendos que se poderia esperar do êxito que vem conseguindo no Congresso, on- de, aliás, seu partido desfruta de folgada maioria, que certamente não será mantida a partir do ano que vem, sendo possível até que fi que em minoria pelo menos na Câmara e talvez também no Senado. Como, tanto no caso da reforma fi nan- ceira quanto do sistema de saúde, ele ar- cou com o ônus de ter energizado a oposi- ção conservadora com novos argumentos sobre suas supostas inclinações socialistas sem ter ao menos conseguido arregimen- tar o entusiasmo dos setores liberais, que ainda o consideram excessivamente mo- derado, a agenda legislativa da Casa Bran- ca já está passando por reformulação, na qual a mais expressiva decisão foi o aban- dono do seu terceiro e mais ambicioso projeto, a lei de energia e clima. O mais grave para Obama não é nem o recrudescimento da oposição da direita nem a falta de adesão decidida da esquer- da, mas sim a perda de apoio do centro, sempre o agrupamento eleitoral-ideológi- co decisivo nos Estados Unidos. É da corrosão de prestígiojunto aos centristas que decorre o declínio da ima- gem de Obama como unifi cador do país: em fevereiro de 2009, logo após a posse, 77% dos americanos o consideravam “um líder forte”; em julho de 2010, só 53%, de acordo com Pew Research Center. Pior: a campanha dos conservadores contra ele está dando certo em outros segmentos. Segundo pesquisa de um instituto ligado ao Partido Democrata, o Democrat Corps, 55% dos eleitores concordam com a afi r- mação de que Obama é “socialista”. A hostilidade da direita O movimento do Tea Party, que galva- niza a minoria de extrema direita da socie- dade americana, não é importante em si mesmo. Ele provavelmente nunca será ca- paz de ir além de infl uenciar os grupos mais conservadores do Partido Republica- no. Mas é signifi cativo como refl exo da insatisfação cada vez maior dos setores demográfi cos que até meio século atrás dominavam a política e a sociedade ame- ricanas e que agora se sentem desalojados de todo poder e vítimas da discriminação dos que então eram marginais no país. Talvez nada seja mais representativo dessa incrível mudança do que o fato de a atual composição da Suprema Corte dos Estados Unidos não incluir nenhum ho- mem branco protestante. O WASP (white anglo-saxan protestant), que era o protóti- po de quem mandava no país até os anos 1960, não está representado na mais alta instância da Justiça nacional. Nem o presi- dente nem o vice-presidente da República é branco protestante (Joe Biden é católico). E a participação da WASPs no Congresso nunca foi menor do que é agora. A presença de um mulato na chefi a do Poder Executivo por si só é um dado que alimenta os instintos mais primitivos de 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 10910- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 109 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 110 POLÍTICA EXTERNA ARTIGOS parcela desse conjunto de pessoas. Obama individualmente tem pouco ou nada a ver com a dinâmica social que fez as coisas chegarem ao estado atual; de fato, ele é mais resultado delas do que seu motor. Mas o simbolismo da cor de sua pele na pessoa do presidente da República é um elemento muito poderoso para, mesmo inconscientemente (mas às vezes muito deliberadamente), galvanizar emoções que explicam o inédito grau de hostilida- de entre alguns americanos contra o seu chefe de Estado e de governo. Décadas de aplicação de políticas de ação afi rmativa (implantadas por nin- guém menos do que o arquiconservador Richard Nixon) fi zeram que passasse a haver razões objetivas para explicar as frustrações, ansiedade e pessimismo de parte dos brancos americanos, em especial os mais pobres e os mais conservadores. Estudos acadêmicos de comprovado rigor científi co demonstram que o grupo demo- gráfi co mais sub-representado nos campi das melhores universidades em relação à sua participação na população nacional é o dos brancos de famílias operárias ou de fazendeiros e de afi liação religiosa protes- tante de estados que votam sistematica- mente no Partido Republicano. Esses fatos alimentam a paranoia esti- mulada pelos novos líderes da extrema- -direita americana, como o radialista Gary Beck, que disseminam a noção de que Ba- rack Obama é um marxista nascido no exterior que pretende implantar um Esta- do totalitarista no país. Não é à toa que entre os brancos, nos Estados Unidos, o índice de aprovação de Obama seja de 31%, enquanto na população como um todo, segundo a mais recente pesquisa do Pew Research Center, seja de 48% (em fe- vereiro de 2009, era de 64%). Em consequência, talvez como forma de tentar impedir que a impressão de ra- cista às avessas se espraie ainda mais, Obama tem feito muito pouco para ajudar a promover as minorias étnicas, o que aca- ba por aumentar a insatisfação entre os que originalmente estavam mais dispos- tos a apoiá-lo. Não deve ser por mera coincidência que entre os mais próximos assessores de Obama e em seu Ministério haja muito menos negros do que havia na administração de Bill Clinton e que ocor- ram episódios como o de Shirley Sherrod, alta funcionária do Ministério da Agricul- tura, demitida após uma acusação feita pela rede de TV Fox (que afi nal se provou falsa) de que ela havia recusado auxílio fi nanceiro legal a um fazendeiro do estado da Georgia porque ele era branco. A frustração da esquerda Entre os ingênuos e ignorantes citados na abertura deste artigo que acreditavam na possibilidade de Obama realizar (e ra- pidamente) todos os sonhos que ele ali- mentou com seus inspiradores discursos de campanha, estavam seguramente mui- tos que se fi liam às correntes mais esquer- distas do pensamento político americano. Para estes, as decepções começaram logo e não tendem a terminar tão cedo: a intensifi cação da guerra no Afeganistão, os sucessivos adiamentos do fechamento da prisão de Guantánamo, o perdão tácito aos responsáveis na administração de Ge- orge W. Bush por incontáveis crimes e que não foram nem serão investigados pelo atual governo, a manutenção de instru- mentos legais de legitimidade duvidosa criados ou excessivamente usados pelo predecessor, a desistência de instituir um provedor estatal de seguro-saúde que era um dos pilares do projeto de reforma do setor, a inércia na tramitação do projeto de lei que ampliaria a formação de sindicatos no país, a passividade e depois o abando- no formal do projeto de lei que daria prio- 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 11010- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 110 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 111 VOL 19 No 2 SET/OUT/NOV 2010 O GRANDE DESAFIO ELEITORAL DE OBAMA ridade às fontes renováveis de energia e limitaria a emissão de gases-estufa, a per- missão (provisoriamente cancelada de- pois do acidente com a BP no Golfo do México) de explorar petróleo em regiões do alto mar de alto risco ecológico, o atra- so e falta de entusiasmo na apresentação de novos projetos de lei para regularizar a situação de imigrantes ilegais no país. E esta nem é uma lista exaustiva. O drama para o presidente é que se ele resolver levar adiante algumas dessas promessas de campanha que empolgaram os liberais na campanha de 2008, a reação da maioria dos americanos será muito negativa, o que lhe trará ainda maiores prejuízos eleitorais em novembro deste ano e em 2012. Guantánamo, por exemplo. As pesqui- sas de opinião mais recentes dizem que 60% dos eleitores são contra o fechamento da prisão, onde ainda se encontram 181 prisioneiros no limbo legal em que o go- verno de George W. Bush os colocou. Vale a pena confrontar quase dois terços do eleitorado para resolver o problema de 181 estrangeiros suspeitos de terrorismo? Ou a questão dos imigrantes. A admi- nistração Obama resolveu desafi ar na Jus- tiça a lei estadual promulgada pela gover- nadora do Arizona que permite à polícia exigir documentos de pessoas julgadas suspeitas de serem ilegais no país, além de acelerar o seu processo de deportação caso não comprovem sua legalidade por considerá-la inconstitucional. A lei do Ari- zona se tornou um símbolo da intolerân- cia com os imigrantes e um dos grandes divisores entre liberais e conservadores. Mas 64% dos eleitores, de acordo com o Pew Research Center a apoiam. Neste ca- so também, Obama corre o risco de bater de frente com dois terços do país ao de- fender princípios que são caros para o núcleo inicial de seu apoio político e pro- vavelmente de suas convicções. Por não agir ou agir de modo que seus aliados originais consideram tímido (em 1o de julho ele enviou ao Congresso um projeto de lei sobre o tema da imigração, que deve passar por longa e desgastante tramitação), Obama vai perdendo suporte entre grupos da população que lhe eram totalmente leais. A sua avaliação positiva na comunidade hispânica, por exemplo, caiu de 71% em janeiro de 2010 para 58% em julho, de acordo com a pesquisa do Pew Research Center. O mais grave é que os setores que mais se mobilizaram para elegê-lo em 2008, em especialos eleitores que pela primeira vez foram às urnas na- quele ano, agora não demonstram dispo- sição de votar em novembro. O apoio no exterior Embora isso não resolva seus proble- mas mais imediatos e prioritários, o presi- dente Obama talvez encontre alguma con- solação ao constatar que em outros países seu prestígio se mantém praticamente inalterado desde a sua eleição. Segundo o Pew Research Center, 90% dos alemães, 87% dos franceses, 84% dos britânicos, por exemplo, têm atitude positiva em relação a ele. A imagem dos Estados Unidos nes- tes e em outros países, que era muito ne- gativa no governo de George W. Bush, benefi cia-se desse sentimento favorável em relação ao presidente e também é ago- ra majoritariamente boa. Entre os americanos, a área de política externa é aquela em que Obama consegue seus melhores índices de aprovação (45%) entre os seis temas mais importantes do país (energia, economia, saúde, défi cit pú- blico e imigração são os outros cinco). Mas também na política externa, o ní- vel de realizações concretas de Obama até agora é modesto. Como tem sido comum nos primeiros 18 meses de seu governo, 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 11110- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 111 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 112 POLÍTICA EXTERNA ARTIGOS seu discurso e intenções recebem grandes aplausos, mas as ações nem tanto. Aliados tradicionais dos EUA, como os europeus e os japoneses, acham que a atual adminis- tração americana lhes dá pouca atenção e preferência à China, com quem, no entan- to, Washington ainda não chegou a ne- nhum acordo signifi cativo para nenhum dos dois nem para o mundo. A questão crucial do confl ito entre Is rael e palestinos continua sem nenhu- ma perspectiva clara de resolução. Obama deu demonstrações de estar disposto a demover o governo israelense de sua in- transigência obstinada, mas nada se viu de resultado real até agora. A condução da guerra no Afeganistão, que o presidente colocou no topo de suas prioridades externas, está sendo crescen- temente questionada por líderes militares americanos, como fi cou demonstrado no constrangedor episódio do comandante das forças dos EUA naquele país, general Stanley McCrystal, após a entrevista que ele deu à revista Rolling Stone, com críticas devastadoras a algumas das pessoas mais próximas de Obama, inclusive o vice-pre- sidente Joe Biden. O vazamento de 91 mil documentos militares secretos sobre a política da Casa Branca para o Afeganistão, que pode ser resultado dessa mesma insatisfação que o general McCrystal candidamente revelou, traz ainda mais difi culdades para Obama naquele que é o principal item de sua agenda externa. No Congresso, muitos acham que não se deve mais fi nanciar os projetos do Executivo para a guerra. Na opinião pública, questiona-se mais e mais as opções do presidente naquela região. O “Eixo do Mal” de George W. Bush (Iraque, Irã e Coreia do Norte) está sendo tratado de modo diferente, mais construti- vo, mas as coisas não mudaram de modo substancial em nenhuma das três frentes, o que resulta em saraivadas de críticas dos conservadores americanos que acusam o atual governo de ser frouxo com os maio- res inimigos da nação. No hemisfério, os problemas deriva- dos da situação a cada mês mais grave do narcotráfi co no México também permane- cem longe de solução, as relações dos Es- tados Unidos com o Brasil se tornaram mais amargas, depois do acordo que o presidente Lula fi rmou com o Irã e a Tur- quia para tentar resolver a questão do en- riquecimento de urânio iraniano, do que jamais haviam sido durante o governo de Bush, e o poder de infl uência americano em situações como os confrontos entre Colômbia e Venezuela diminuiu. O presidente divulgou uma nova es- tratégia de segurança nacional, baseada, ao contrário da do predecessor, em princí- pios de multilateralidade e de diálogo, mas ela ainda não foi colocada à prova para se provar efi ciente. Para piorar as coisas para Obama, a secretária de Estado Hillary Clinton vem demonstrando grande desenvoltura no cargo e recebido elogios dos grupos políti- cos de centro e conservadores, o que faz da sua adversária nas primárias de 2008 no- vamente uma ameaça interna no partido. Conclusões O presidente Barack Obama enfrenta seu primeiro grande teste eleitoral em condições muito desfavoráveis. A oposi- ção tenta fazer desse pleito um referendo de seu governo até agora e tudo indica que vai conseguir, ao menos em parte. Que seu partido vai perder muitas cadei- ras na Câmara e no Senado é seguro e não chega a ser surpreendente: esta tem sido a regra em eleições na metade do primeiro mandato de todos os presidentes. O tamanho da derrota é que pode ser signifi cativa, caso represente a perda da 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 11210- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 112 13/09/10 15:0613/09/10 15:06 113 VOL 19 No 2 SET/OUT/NOV 2010 O GRANDE DESAFIO ELEITORAL DE OBAMA maioria nas duas casas do Congresso, o que difi cultaria muito a segunda metade de seu governo e ameaçaria seriamente suas chances de reeleição. Em julho de 2010, o partido de Obama, o Democrata, tinha 257 cadeiras na Câmara contra 178 dos republicanos de oposição e 57 no Se- nado contra 41 (e duas de independentes). O cenário mais provável com os dados do fi nal de julho era de Obama iniciar 2011 com uma estreita margem de maioria no Senado e minoria em algumas cadeiras na Câmara, onde – no entanto – a sobrevi- vência de algumas dezenas de blue dog Democrats, os deputados que embora de seu partido se situam bem mais à direita, próximos dos republicanos, de fato o colo- caria em situação de enorme fragilidade. Por absoluta necessidade e conveniên- cia, esse quadro político o forçará a uma mudança de rumo em suas políticas na direção do centro. Foi o que fez Bill Clin- ton em 1994, com resultados – pelo menos do ponto de vista de sua própria carreira – auspiciosos, já que ele se reelegeu em 1998 e terminou o mandato, apesar da ameaça de impeachment, com altos índices de aprovação. Se fi zer esta opção, Obama terá de lidar rapidamente com o problema do défi cit público federal (cortando despesas e possi- velmente aumentando impostos), arquite- tar alguma aliança com os líderes empresa- riais que agora o hostilizam para aumentar os investimentos da iniciativa privada e, com isso, criar empregos e estimular a eco- nomia, ser mais agressivo no comércio ex- terior para acelerar exportações (se as con- dições econômicas globais o permitirem) e contar com o pragmatismo dos liberais e da esquerda, que difi cilmente terão em 2012 alternativa melhor do que ele próprio na eleição presidencial e, assim, terão que lhe dar suporte, mesmo a contragosto. Há exemplos históricos para lhe dar esperança. Em 1982, o presidente Ronald Reagan tinha níveis de aprovação pública quase idênticos aos atuais de Obama, en- frentava uma recessão econômica grave e viu diminuídas ainda mais suas já minori- tárias bancadas na Câmara e no Senado, mas foi capaz de dar a volta por cima na segunda metade do primeiro mandato, ganhar a eleição de 1984 de forma esma- gadora e deixar o governo com grande popularidade. Nos dois anos fi nais de seu primeiro mandato, mesmo após sofrerem derrotas na eleição parlamentar, Bill Clin- ton e Dwight Eisenhower conseguiram aprovar suas mais importantes propostas de governo no Congresso. Talento e capacidade de liderar não faltam a Barack Obama para se sair bem no futuro imediato e de médio prazo. O tamanho das difi culdades não é desprezí- vel. Mas quem diria em 2007 que o sena- dor júnior por Illinois, mulato, com pai e padrasto muçulmanos, um sobrenome que se parecia com o nome do inimigo público número um da América (Obama/Osama) e um nome do meio idêntico ao sobrenome do inimigo público número dois (Hussein) seria capaz de se eleger presidente contra os donos da máquina do Partido Democra- ta (os Clinton) e contra a CasaBranca sob controle dos republicanos? 10- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 11310- Artigo 08 - Carlos Eduardo.indd 113 13/09/10 15:0613/09/10 15:06
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