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Anemia Ferropriva: Causas e Diagnóstico

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VICTOR D’ANDRADE		HEMATOLOGIA
Anemias
ANEMIA FERROPRIVA
A anemia ferropriva nunca deve ser o diagnóstico final, pois por trás do quadro anêmico há quase sempre uma doença de base determinando perda sanguínea crônica de pequena monta.
Etiologia
Os pacientes que apresentam quadros carenciais de ferro são as mulheres que menstruam ou qualquer pessoa com perda sanguínea crônica. Defeitos na absorção de ferro também são importantes, como após gastrectomia subtotal com anastomose de Billroth II (trânsito digestivo bypassa o duodeno), na qual metade desenvolve anemia ferropriva com o passar dos anos. Enteropatia que acometem jejuno proximal e duodeno, especialmente a doença célica, podem causar ferropenia por má absorção. 
Na gestação, a mulher tem uma perda média elevada de ferro, chegando a 4 mg/dia (aumento da massa de hemácias típico, perda para o feto e no parto). Por isso, a reposição de sulfato ferroso é rotina durante a gestação. 
A hipermenorreia é uma das causas mais comuns de anemia ferropriva. Toda mulher com esse tipo de anemia durante a menacme deve ser avaliada pelo ginecologista, para busca de um leiomioma ou pólipo uterino, ou então um distúrbio hormonal-funcional.
A hemodiálise e exames de sangue frequentes (pacientes internados, principalmente se em UTI) podem levar à depleção de ferro. Caso as reservas de ferro já estejam depletadas previamente, uma anemia ferropriva pode se instalar nesses pacientes.
Entre vermes causadores de anemia ferropriva, destaca-se: Necator americanus e Ancylostoma duodenale; que habitam o duodeno, aderidos por ventosas à mucosa duodenal, alimentando-se de sangue. O Trichuris trichiura pode causar múltiplas lesões hemorrágicas no cólon. 
Homens ou idosos que desenvolvem anemia ferropriva, na maioria das vezes apresentam perda sanguínea crônica pelo TGI. A causa mais comum é a hemorroida, seguida pela doença péptica ulcerosa e câncer de cólon.
Prematuros e PIG nascem com menor estoque de ferro e têm maior velocidade de crescimento massa hemoglobínica no primeiro ano, necessitando de maior aporte diário de ferro (2-4 mg/kg/dia dependendo do peso de nascimento, comparado a 1 mg/kg/dia na criança a termo de peso normal). Entre 3-24 meses é o período mais propenso à anemia ferropriva, por (1) pico de crescimento; (2) esgotamento dos estoques do nascimento; (3) desmame sem suplemento de ferro e sem fórmulas/alimentos enriquecidos. O uso do leite de vaca está associado à perda de sangue oculto nas fezes (enteroproctocolite por alergia ao leite).
Manifestações Clínicas
O paciente pode estar assintomático ou apresentar sintomas relacionados à anemia ou à ferropenia em si.
A anemia ferropriva é insidiosa e os sintomas demoram a ser pronunciar, podendo haver astenia, insônia, palpitações, cefaleia, etc. Em pacientes previamente coronariopatas, cardiopatas, pneumopatas ou cerebrovasculopatas, a anemia pode desencadear angina pectoris, IC, dispneia e rebaixamento do nível de consciência. No exame físico, ocorre palidez mucocutânea e sopro sistólico de hiperfluxo. Casos graves podem ter hemorragias retinianas.
Relacionada a ferropenia, o paciente pode ter glossite, queilite angular, unhas quebradiças e coiloníquia (estado ferropênico avançado), escleras azuladas e leve esplenomegalia. Perversão do apetite (pica ou parorexia: desejo de alimentos com baixo valor nutricional; pagofagia: avidez por gelo). Disfagia pela formação de membrana fibrosa entre hipofaringe e esôfago (síndrome de Plummer-Vinson ou Paterson-Kelly) acomete mais frequentemente mulheres idosas. Pode haver fraqueza muscular desproporcional ao grau de anemia.
Em crianças, a ferropenia pode cursar com anorexia e irritabilidade, além de prejuízo no desenvolvimento psicomotor e alterações comportamentais.
Diagnóstico
Sempre cogitado em paciente com anemia, sendo a confirmação feita pelo laboratório do ferro (ferro sérico, transferrina e ferritina sérica); casos duvidosos podem necessitar de mielograma corado pelo azul da Prússia. 
O hemograma, na primeira fase, apresenta anemia leve a moderada com índices hematimétricos normais (normo-normo). Na segunda fase, há anemia moderada a grave e micro-hipo, ocorrendo primeiro a microcitose. Também ocorre trombocitose (> 500 mil), leucometria normal e RDW classicamente elevado (diferente da talassemia). Não costuma haver alteração dos reticulócitos. 
O ferro sérico deve sempre ser interpretado juntamente da ferritina e da transferrina (IST). Encontrasse baixo (< 30), mas eleva-se imediatamente após reposição.
A ferritina sérica indica os estoques de ferro e é o primeiro parâmetro a se alterar, estando reduzida (< 15), sendo que valores > 60 praticamente afastam diagnóstico. 
 A transferrina apresenta-se elevada nesses pacientes e o Índice de Saturação de Transferrina (IST) apresenta-se baixo (< 15%), pela redução das moléculas de transferrina ligas ao ferro.
Na hematoscopia, nas fases iniciais, observa-se anisocitose. Se a anemia piorar, pode haver microcitose e hipocromia. A poiquilocitose (hemácias em charuto e microcitose bizarros) ocorre na anemia grave. 
O mielograma com azul da Prússia ajuda a observar os estoques de ferro das células reticuloendoteliais. A presença de qualquer ferro corável afasta a possibilidade de anemia ferropriva declara. Os estoques de ferro estão aumentados em casos de anemia de doença crônica. 
 Tratamento
A dose recomentada de ferro elementar é de 60 mg (equivale a 300 mg de sulfato ferroso) 3-4x por dia. Para crianças, a dose é de 5 mg/kg/dia de ferro elementar, dividido em 3 tomadas.
O sulfato ferroso é melhor se administrado de estômago vazio, 1-2h antes das refeições, de preferência associado à vitamina C ou suco de laranja. Os efeitos colaterais gastrointestinais incluem náuseas, vômitos, desconforto epigástrico e diarreia; incidem 15-20% dos pacientes e geralmente são contornados quando as cápsulas passam a ser ministradas junto às refeições.
A resposta ao tratamento é observada pela contagem de reticulócitos, que aumenta nos primeiros dias de reposição e tem pico entre 5-10 dias. Hemoglobina e hematócrito começam a subir em 2 semanas, voltando ao normal em 2 meses após início da terapia. A reposição de ferro deve durar 6-12 meses após normalização do hematócrito. O controle pode ser feito com ferritina sérica (deve ser > 50). Em crianças, recomenda-se duração de 3-4 meses de reposição ou 2 meses após a normalização da hemoglobina.
O ferro parenteral é indicado se (1) síndromes de má absorção duodenojejunais, como doença celíaca; (2) intolerância às preparações orais; (3) anemia ferropriva refratária à terapia oral; (4) necessidade de reposição imediata dos estoques de ferro. A dose total é proporcional ao déficit de ferro na hemoglobina ([15-Hb] x peso x 2,3), somada à quantidade necessária para repor os estoques (1g no homem e 0,6g na mulher).
ANEMIAS DE DOENÇA CRÔNICA
Anemia moderada que se desenvolve nos pacientes com condições inflamatórias (infecções e doenças reumatológicas) ou neoplasias, quando estas duram > 20-60 dias.
Nos estados inflamatórios e neoplásico, ocorre a elevação de várias citocinas, que geram (1) redução da vida média das hemácias para 80 dias; (2) redução da produção renal de eritropoetina; (3) menor resposta dos precursores eritroides à eritropoetina; e (4) aprisionamento do ferro em seus locais de depósito (principal; pelo bloqueio do transporte pela transferrina). Ocorre estimulo para a produção hepática de hepcidina, que reduz a absorção intestinal de ferro e reduz a liberação de ferro dos estoques. Além disso, ocorre a aliberação de lactoferrina, que compete com a transferrina pelo ferro, e por ser mais ávida por ferro, não libera-o para a medula de forma adequada.
Manifestações Clínicas 
O quadro é marcado basicamente por sinais e sintomas da doença de base. Um paciente com perda ponderal significativa e exames revelam anemia + aumento do VHS, deve ser extensivamente investigado para uma doença sistêmica. A anemia de doença crônica se instala progressivamente ao longo dos primeiros 1-2 meses, estabilizando-sea partir daí. O hematócrito se mantém > 25% na maioria dos casos, e o quadro anêmico costuma acompanhar a atividade da doença de base. 
Laboratório
Geralmente é normo-normo, mas pode apresentar variações. Se houver microcitose, está é discreta e quase nuca o VCM é < 72. A hipocromia é mais comum e mais acentuada (diferente da ferropriva, que a microcitose é mais proeminente e se instala antes da hipocromia).
O ferro sérico apresenta-se baixo (< 50) e a ferritina sérica está normal ou aumentada (50-500), a transferrina está baixa e o IST está normal ou reduzida. 
Tratamento
 Deve ser focada apenas na doença de base. Em casos incomuns de anemia grave (Ht < 25%), afastando-se ferropenia e outras causas, o tratamento é feito com eritropoetina recombinante (acompanhada de reposição parenteral de ferro), para evitar hemotransfusões repetidas. 
ANEMIA MEGALOBLÁSTICA
Distúrbio por bloqueio na síntese de DNA caracterizado por um estado de divisão celular lenta, a despeito do crescimento plasmático (células se preparam para a divisão celular que não ocorre e acabam ficando maiores: megaloblastos na medula óssea, que são destruídos e gera eritropoese ineficaz). É atribuída à carência de vitamina B12 e/ou ácido fólico. 
A deficiência de vitamina B12 é causada por (1) prejuízo da liberação da vitamina do alimento (acloridria, gastrectomia parcial), (2) produção inadequada de fator intrínseco (anemia perniciosa, gastrectomia total, ausência congênita), (3) desordens do ílio terminal (Chron, ressecção intestinal, má absorção seletiva de cobalamina), (4) competição pela cobalamina (hipoproliferação bacteriana, verme do peixe), (5) deficiência de transcobalamina II, (6) exposição ao óxido nitroso e (7) defeitos enzimáticos.
A deficiência de folato é causada por (1) ingesta inadequada (etilistas, anorexia nervosa), (2) aumento das necessidades (gravidez, hemólise, malignidade, doenças exfoliativas crônicas da pele, hemodiálise), (3) má absorção (espru tropical, doença celíaca, drogas) ou (4) prejuízo no metabolismo (inibidores da di-hidrofolato redutase como metotrexato; álcool, deficiência enzimática).
Manifestações Clínicas
DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12
As manifestações hematológicas são decorrentes da anemia, como palpitações, fraqueza, cefaleia, irritabilidade etc. Por ter instalação insidiosa, esses pacientes toleram níveis muitos baixos de hemoglobina. Podem ocorrer petéquias e purpuras devido à trombocitopenia.
As manifestações digestivas são devido à má absorção, como diarreia e perda ponderal. Pode haver queixa de glossite e queilite angular.
As manifestações neurológicas podem ocorrer com hemograma normal e somente com a vitamina B12 baixa. Os achados incluem (1) parestesia em extremidades (alteração mais precoce) decorrente de uma polineuropatia; (2) diminuição da sensibilidade profunda; (3) desequilíbrio, marcha atáxica, sinal de Romberg, refletindo a perda da propriocepção inconsciente nos MMII; (4) fraqueza e espasticidade nos MMII, com sinal de Babinski, hiperreflexia profunda, refletindo uma síndrome piramidal nos MMII; (5) déficit cognitivos, demência e psicoses. Todo paciente com quadro demencial deve ter a dosagem da vit. B12.
 ANEMIA PERNICIOSA: doença com autoanticorpos que atacam células parietais do estômago, reduzindo a produção de ácido, pepsina e fator intrínseco, o que resulta em hipoclorid1ria e anemia megaloblástica por má absorção de vitamina B12. É a causa mais comum de deficiencia de B12. Afeta indivíduos entre 45-65 anos, um pouco mais comum em mulheres caucasianas. É fator de risco para adenocarcinoma gástrico. Tem associação com outras doenças autoimunes como doença de Graves, Hashimoto, vitiligo, hipoparatireoidismo e insuficiência adrenal. Os anticorpos podem ser anti-células parietais ou anti-fator intrínseco. 
DEFICIÊNCIA DE FOLATO
Geralmente estão mais desnutridos e as manifestações clínicas se assemelham às da deficiência de vitamina B12, exceto por (1) achados do TGI são mais exuberantes e (2) não apresentam manifestações neurológicas. Pode cursar com hiperpigmentação difusa da pele ou das pregas cutâneas. 
Laboratório 
 HEMOGRAMA: VCM aumentado (até 140; progressivo), CHCM com valores normais (produção de hemoglobina continua normal) e RDW aumentado. A neutropenia e trombocitopenia pode ser associar à anemia, mas geralmente são leves ou moderadas. 
 SANGUE PERIFÉRICO: alteração mais característica é a hipersegmentação do núcleo dos neutrófilos (um neutrófilo com 6 ou mais lobos; ou pelo menos 5% dos neutrófilos com 5 lobos), sendo patognomônico. Outras alterações incluem anisocitose, poiquilocitose e macro-ovalócitos (eritrócitos grandes e ovais, completamente hemoglobinizados). 
 MIELOGRAMA: medula está hipercelular, com diminuição da relação mieloide/eritroides. Pode-se identificar ferro corável em teores expressivos. Alterações morfológicas megaloblásticas (nucleares) costumam ser vistas em todos os tipos celulares, mas são mais intensas e frequentes na linhagem vermelha. 
 DOSAGEM DE COBALAMINA E FOLATO SÉRICOS: uma B12 > 300 trona improvável o diagnóstico, mas se < 200 praticamente confirma. O folato < 2 torna provável o diagnóstico e > 4 exclui. A ausência de vitamina B12 pode gerar aumento do folato no sangue. 
 DOSAGEM DE ÁCIDO METILMALÔNICO E HOMOCISTEÍNA: melhor parâmetro para diagnostico e diferenciação entre deficiência de B12 ou folato. O ácido metilmalônico encontra-se elevado apenas na deficiência de B12. A homocisteína tem seus valores elevados tanto na deficiência de B12 quanto na de folato. Elevações dessas substâncias só fazem o diagnóstico na vigência de manifestações clínicas e/ou hematológicas compatíveis.
Os níveis de LDH e bilirrubina indireta encontram-se aumentados, pois há destruição aumentada de precursores das células vermelhas no interior da medula óssea (eritropoiese ineficaz). 
Tratamento
 VITAMINA B12: feito com cianocobalamina ou hidroxicobalamina por via parenteral (IM 1000 unidades), iniciando 1 vez por dia por 7 dias e depois 1 vez por semana por 4 semanas, e por fim, uma dose mensal continuamente. Se deficiência decorrente de supercrescimento bacteriano, indica-se antibioticoterapia. Se anemia perniciosa, deve ser feito acompanhamento regular com endoscopia, pelo risco de desenvolvimento de Ca de estômago a partir da gastrite atrófica. Após início do tratamento e, mesmo alguns dias antes de uma resposta hematológica evidente, o paciente sente-se melhor disposto.
 FOLATO: terapia de reposição com 1-5 mg/dia por via oral. Se problema absortivo, doses de até 15 mg/dia podem ser feitas. A duração depende do grau de deficiência e a dieta deve ser corrigida. 
 RESPOSTA: acompanhada pela contagem de reticulócitos, que deve subir em 4-5 dias após início da terapia e atingir pico em 7 dias. A anemia melhora a partir do decimo dia e regride completamente com 1-2 meses. O quadro neurológico possui uma resposta mais lenta, melhorando após 4-6 meses, podendo ocorrer sequelas neurológicas irreversíveis se o tratamento for tardio. 
 PROVA TERAPÊUTICA: paciente com diagnóstico de anemia megaloblástica, mas sem possibilidade de exames para diferenciação entre a carência de B12 e/ou de folato. A reposição de altas doses de um pode corrigir parcialmente a anemia causada pelo outro (prática extremamente perigosa, pois embora a anemia seja parcialmente corrigida, o quadro neurológico continua progredindo, podendo se tornar irreversível). Por isso, a prova terapêutica deve ser feita com B12 em baixas doses (10 µg/dia IM). O paciente que não responder a baixas doses parenterais de B12 não deve ter carência dessa vitamina, sendo provável que o problema seja a deficiência de folato. Os que responderam a doses baixas parenterais de B12, embora confirmado o diagnóstico, devem também ser submetidos em seguida à prova terapêutica com baixas doses de folato (200-400 µg/dia), para averiguar se eles não possuem dupla deficiência (B12 + folato).
 PROFILAXIA: em 3 situações é recomendada, de rotina, a reposição profilática de vitamina B12: (1) todos os vegetarianosé recomendada a reposição de cobalamina em baixas doses; (2) RN e lactentes filhos de mães deficientes em cobalamina; (3) pacientes com disabsorção crônica de vitamina B12 (gastrectomia, anemia perniciosa, acloridria ou insuficiência pancreática). A reposição profilática de ácido fólico está indicada em todas as gestantes e em mulheres em idade reprodutiva que façam uso de anticonvulsivantes, na dose de 400 μg/dia. Portadores de hemólise crônica e doenças mieloproliferativas devem receber 1 mg/dia de ácido fólico. O ácido folínico deve ser usado de rotina em pacientes que usam metotrexato, pirimetamina ou trimetoprima, pois este composto não é metabolizado na via da di-hidrofolato redutase, enzima inibida por essas drogas. com dose de 1 mg/dia.

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