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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES – CÂMPUS DE SÃO PAULO SILVIO FERNANDO JANSON ROCKIAVEL: OLHAR DE ARTEMÍDIA SOBRE BANDAS DE ROCK ESCOLHIDAS São Paulo – SP 2020 SILVIO FERNANDO JANSON ROCKIAVEL: OLHAR DE ARTEMÍDIA SOBRE BANDAS DE ROCK ESCOLHIDAS Tese de doutoramento apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Artes do Instituto de Artes – IA, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Artes Orientador: Professor Doutor Pelópidas Cypriano de Oliveira São Paulo – SP 2020 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp J35r Janson, Sílvio Fernando, 1957- Rockiavel : olhar de artemídia sobre bandas de rock escolhidas / Sílvio Fernando Janson. - São Paulo, 2020. 218 f. : il. color. Orientador: Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Grupos de rock. 2. Arte e música. 3. Indústria musical. I. Oliveira, Pelópidas Cypriano de. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 781.66 (Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666) Nome: Sílvio Fernando Janson Título: Rockiavel: olhar de artemídia sobre bandas de rock escolhidas Tese de doutoramento apresentada apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Artes do Instituto de Artes – IA, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Artes Aprovado em 26 de março de 2020 Banca Examinadora Orientador: Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira Instituição: UNESP Assinatura:______________ Profª. Drª. Kathya Maria Ayres de Godoy – Instituição: UNESP Julgamento: Aprovado Assinatura:______________ Profª. Drª. Glaucia Eneida Davino – Instituição: MACKENZIE Julgamento: Aprovado Assinatura:______________ Prof. Dr. Guilherme Weffort Rodolfo – Instituição: USP Julgamento: Aprovado Assinatura:______________ Prof. Dr. Euclides Alves Vital Júnior – Instituição: UniCesumar Julgamento: Aprovado Assinatura:______________ E OS AGRADECIMENTOS VÃO PARA: Professor Doutor Pelópidas Cypriano de Oliveira, sem o qual este trabalho não teria acontecido Anelice, Bebê, Mimi e Maria, queridos. E, TAMBÉM, PARA MEUS AMIGOS: Professor Doutor Fábio Miguel. Professor Doutor Luciano Morais. ROCKIAVEL (Adriano, guitarra; Fernando Lampoglia, baixo e Leospa, bateria). PARÁGRAFo D (Vitor Mellado, guitarra; Thiagson, vocal; Silvio, baixo e Chris, bateria). DSS (Drico, guitarra e vocal; Silvio, baixo e vocal e Salva, bateria). Todos os professores, funcionários e alunos do Instituto de Artes, sem exceção. RESUMO A tese contida neste trabalho é que banda de rock é um objeto artístico. Esse objeto visa, para sua plena realização e concretização, colocação no mercado, mercado o qual se alterou com o decorrer do tempo. Devido às mudança ocorrida nesse mercado, a necessidade de investimento para os músicos aumentou, o risco da empreitada passou a ser das bandas e o papel das gravadoras mudou. A metodologia que adotei utiliza: a) a artemídia, conforme definida por Pel (1992), para estudar três bandas protótipos; b) o pluralismo metodológico explicitado por Sampieri, Collado e Lucio (2013); c) levantamento bibliográfico a respeito do Rock Brasil 80 e d) comparação desse período mercadológico com o momento atual. A conclusão alcançada é a de que banda de rock é objeto artístico que para ser materializado atualmente deve adaptar seu fazer artístico às modificações ocorridas no mercado. Palavras-chave: Artemídia. Rock. Mercado. ABSTRACT The thesis presented in this work is that rock band is an art object. This object needs to be placed in market for its fulfillment. During the passing years this market changed. Musicians are required to invest more and take the risk of the enterprise as consequence of the change in record labels. The methodology used here comprises: a) artemídia as defined by Pel (1992) for the study of three rock bands prototypes; b) methodological pluralism as seen in Sampieri, Collado e Lucio (2013); c) bibliographical review about Rock Brasil 80 and d) comparative analysis from the eighties with today’s market. Conclusion reveals that rock bands are an artistic object that need adaptation in the rise of new market conditions. Palavras-chave: Art. Media. Rock. Market. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Foto 01: Drico (Adriano Capocchi) na guitarra e Salva Pessoa na bateria………….22 Foto 02: Thiagson e Sílvio gravando a chamada para o programa Papo No Pau…25 Foto 03: Serapicos & Banda………………………………………………………………26 Foto 04: Estudo do emblema de Rockiavel…………………………………………..…29 Foto 05: Rockiavel em sessão de fotos para o CD……………………………….……30 Foto 06: CD Aja do Rockiavel…………………………………………………………….33 Foto 07: Rockiavel durante a gravação do videoclipe Adeus…………………………36 Foto 08: Artistas da Jovem Guarda………………………………………………………43 Foto 09: Professor José Fonseca….….………………………………………………….44 Foto 10: O método……………………………….….….….…..….….….….….….….…..44 Foto 11: A primeira música que toquei ao violão……………………………………….45 Foto 12: Capa do LP da Blitz………………………………………….….….….….….…47 Foto 13: Cena de Cinema, primeiro LP autoral de Lobão……………………………..54 Foto 14: Primeiro LP do Barão Vermelho…………………………………….…………56 Foto 15: LP Barão Vermelho 2……………….………………………………………..…59 Foto 16: LP Barão Vermelho MTV Ao Vivo……………………………….….…………59 Foto 17: Primeiro LP do Paralamas………………………………………………………64 Foto 18: Beatles. Os Reis do Ié, Ié, Ié………………………………………………...…65 Foto 19: Beatles. A Hard Day’s Night. Edição inglesa…………………………………65 Foto 20: Beatles. A Hard Day’s Night. Edição brasileira………………………………66 Foto 21: Beatles. A Hard Day’s Night. Edição americana………………………….…67 Foto 22: Álbum Titãs………………………………………………………………………68 Foto 23: Capa do LP da Legião Urbana…………….…………………………………..71 Foto 24: Logotipo do Ultraje………………………….…………………….…….….…...76 Foto 25: Primeiro compacto do Ultraje………………………………………….….……77 Foto 26: Segundo compacto do Ultraje……………………………………………….…78 Foto 27: LP do Ultraje….….….….….…….….….….….…………………………………78 Foto 28: Capa do LP do RPM……………………………………….….….….….….…..85 Foto 29: LP Exagerado de Cazuza…………………………………….….….….….…..88 Foto 30: Capa do LP do Ira!……………………………………………….….….….……92 Foto 31: Rockiavel no The Noite com Danilo Gentili…..….……………………………98 Foto 32: Cartão de visita do Rockiavel….…….….…….….….……………………….103 Foto 33: Brian Epstein, empresário dos Beatles………………………………………109 Foto 34: Cacá Prates……………………………………….………………………….…110 Foto 35: Cecília Degan….………………………………………………………………..111 Foto 36: Lina Kruze e Rodrigo Mariano na banda The Wasted….……………….…112 Foto 37: Eskute BLITZ….……………………………………….….….……….………..127 Foto 38: LP Guia Politicamente Incorreto… ….….…….…….…….…….…….……..130 Foto 39: Viva, Barão Vermelho….….…….………………………………………….…134 Foto 40: Sinais do Sim, Paralamas Do Sucesso……………………………………..141 Foto 41: Doze Flores Amarelas dos Titãs……….….….….….….….….….…….…..144 Foto 42: Uma Outra Estação, Legião Urbana………………………………………...147 Foto 43: Música Esquisita A Troco De Nada, Ultraje A Rigor………………………151 Foto 44: Mais, RPM…………………………….………………………………………..154 Foto 45: Cazuza – 2 Lados……………………………………………………………..159 Foto 46: Ira! Folk…………………………………………………………………………161 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Quantidade de canções e tempos em primeiros álbuns escolhidos………………………………………………………………………………….203 Tabela 2 – Primeiros álbuns de bandas escolhidas do Rock Brasil 80……….……206 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................11 EMPÍRICO ANALÍTICO..............................................................................12COLETA DE DADOS.........................................................................................................................12 HISTÓRICO HERMENÊUTICO.................................................................13 ROCK BRASIL 80...............................................................................................................................13 DIALÉTICO...................................................................................................13 REDAÇÃO...........................................................................................................................................13 TESE – Visão de Mercado Fonográfico..........................................15 MUDANÇA DE MERCADO.........................................................................16 INVESTIMENTO, RETORNO E RISCO....................................................16 4 TIPOS DE BANDAS...................................................................................17 1 BANDA AUTORAL.........................................................................................................................17 2 BANDA COVER..............................................................................................................................18 3 BANDA COSCOVER.......................................................................................................................18 4 BANDA RECREATIVA...................................................................................................................19 ARTEMÍDIA..................................................................................................19 TRÊS BANDAS PROTÓTIPO......................................................................20 1 DSS...................................................................................................................................................20 2 PARÁGRAFo D................................................................................................................................22 3 ROCKIAVEL....................................................................................................................................27 ANTÍTESE – Visão do Histórico de Bandas de Rock....................34 ROCK DEFINIÇÃO......................................................................................34 ROCK BRASIL 80.........................................................................................38 DEZ BANDAS ESCOLHIDAS.....................................................................42 1 BLITZ!..............................................................................................................................................42 2 LOBÃO.............................................................................................................................................47 3 BARÃO VERMELHO......................................................................................................................51 4 PARALAMAS DO SUCESSO..........................................................................................................55 5 TITÃS...............................................................................................................................................59 6 LEGIÃO URBANA..........................................................................................................................63 7 ULTRAJE A RIGOR.........................................................................................................................67 8 RPM..................................................................................................................................................73 9 CAZUZA...........................................................................................................................................78 10 IRA!.................................................................................................................................................81 SÍNTESE – Visão de Artemídia.......................................................85 OBJETO ARTÍSTICO...................................................................................91 ANÁLISE DE DUAS MÚSICAS PRÓPRIAS..............................................93 GRAVADORAS NO ROCK BRASIL 80.....................................................101 EMI-Odeon.........................................................................................................................................102 RCA....................................................................................................................................................102 Opus-Columbia..................................................................................................................................102 WEA...................................................................................................................................................103 Epic....................................................................................................................................................103 Som Livre...........................................................................................................................................103 TRANSFORMAÇÃO MERCADOLÓGICA...............................................103 GRAVADORAS NO MOMENTO ATUAL.................................................105 Universal............................................................................................................................................105 Warner...............................................................................................................................................106 Sony Music.........................................................................................................................................108 Som Livre...........................................................................................................................................109 BANDAS ESCOLHIDAS E SEUS TRABALHOS MAIS RECENTES....110 1 BLITZ.............................................................................................................................................110 2 LOBÃO...........................................................................................................................................113 3 BARÃO VERMELHO....................................................................................................................116 4 PARALAMAS DO SUCESSO........................................................................................................121 5 TITÃS.............................................................................................................................................124 6 LEGIÃO URBANA........................................................................................................................125 7 ULTRAJE A RIGOR.......................................................................................................................129 8 RPM................................................................................................................................................131 9 CAZUZA.........................................................................................................................................135 10 IRA!...............................................................................................................................................137 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................140 REFLEXÕES SOBRE O MOMENTO ATUAL DAS BANDAS ESCOLHIDAS.............................................................................................140 REFERÊNCIAS..............................................................................142 APÊNDICE I...................................................................................160PRIMEIRA VEZ.............................................................................160 MARCA D’ÁGUA...........................................................................163 SMILE..............................................................................................164 SUPOR ISSO...................................................................................166 SAÚDE.............................................................................................171 FEITA DE LUZ...............................................................................175 AJA...................................................................................................176 APÊNDICE II..................................................................................178 ANEXO I..........................................................................................185 BREGA DA SAÚDE.......................................................................185 KATINGUETÁLLICA...................................................................187 KI LINDA NECA BOFE................................................................188 ANEXO II........................................................................................190 ANEXO III.......................................................................................191 11 INTRODUÇÃO Dear Sir or Madam, will you read my book? It took me years to write, will you take a look?1 O significado e a importância desta pesquisa para mim e para aqueles que se interessam pelo tema é a oportunidade de entender cada vez mais as atividades, os processos e procedimentos utilizados na formação do objeto artístico banda de rock. Tenho interesse, ainda, em visualizar a importância dos mecanismos de mercado envolvidos na colocação social dos conjuntos musicais do estilo em tela, compreendendo a influência dos diversos fatores envolvidos e abordando as transformações ocorridas neste mercado atualmente. Quando penso na relevância deste estudo para a academia lembro que ela se fundamenta em três pilares: ensino, extensão e pesquisa. Pesquisar bandas de rock certamente acrescentará algo: gerará fonte de referências para os interessados neste tema, seja para o ensino ou para o próprio desenvolvimento pessoal, e disponibilizará elementos que poderão ser utilizados pela comunidade. Para a sociedade, conhecer melhor este mercado milionário é crucial porque permite a tomada de decisões de investimento com maior propriedade, decisões as quais podem gerar renda e emprego. Este trabalho utiliza três formas de metodologia de pesquisa em ciências humanas, a saber, a metodologia empírica analítica, a histórica hermenêutica e a dialética. Elas são amplamente estudadas nas disciplinas do programa de pós-graduação em artes, mormente em Metodologia de Pesquisa em ciências humanas ministrada pelo Prof. Dr. João Cardoso Palma Filho. A artemídia, conceito amplamente estudado por PEL (Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira), é a base de todo o trabalho porque o olhar da arte associada às comunicações e a tecnologia é fundamento para meu curso de 1Caro Senhor ou Senhora, será que você vai ler meu livro? Levei anos para escrever, será que você vai dar uma olhada? Paperback Writer composta por Lennon&McCartney em 1966. 12 doutorado em artes, além de ser imprescindível para o funcionamento de bandas de rock. Esta é, portanto, pesquisa que se situa no campo de conhecimento denominado Artemídia. Noto que os vídeos, que hoje são imprescindíveis para bandas de rock, estão inseridos em um amplo contexto cultural vinculado à artemídia. No entender de Pel (1992, p. 6): Videoclip: Artemídia Emergente. Esta frase sintetiza o caráter plurívoco do videoclip que está situado na interface Arte- Comunicação. Não se refere aos videoclips comerciais que passam nas TVs. Mas sim, trata do potencial que o meio videoclip pode oferecer enquanto interface Arte-Comunicação. Este potencial se encontra em amplo desenvolvimento com o aporte de novas tecnologias, hologramas, imagens em três dimensões, criação de espaços que exibem vídeos e aplicação crescente de recursos e reflexões sobre o meio. É a artemídia em toda sua pujança. Inspirado por PEL (1989, p. 6), atentei para a interpretação visual neste texto, utilizando padrões estéticos e plásticos característicos das estesias geradas no universo rock. EMPÍRICO ANALÍTICO COLETA DE DADOS Na coleta de dados sobre as três bandas analisadas, utilizei o paradigma empírico analítico. Participei de três conjuntos e esta experiência artística propiciou uma visão sobre o funcionamento das bandas, sobre o mercado atual para bandas de rock e sobre as necessidades para um conjunto atingir a inserção social. Feito este trabalho que consistiu em atividades diversas como, por exemplo, gravar um CD (compact disc), filmar videoclipes, participar de programas de TV, dentre outros, passei a analisar e refletir sobre a experiência. Do tratamento desses dados resultou a classificação em 4 tipos de bandas: 1. Autoral; 2. Cover; 3. Coscover; 4. Recreativa, descrita no capítulo TESE – Visão de Mercado Fonográfico. 13 HISTÓRICO HERMENÊUTICO ROCK BRASIL 80 O paradigma histórico hermenêutico foi empregado quando efetuei leituras diversas sobre o tema da investigação, nas disciplinas cursadas e durante todo o decorrer de minha vida. Este paradigma permitiu a revisão da literatura pertinente relacionada ao Rock Brasil 80, gerando pano de fundo para a compreensão das transformações ocorridas na indústria. Aqui abro parênteses para indicar que alguns autores, a exemplo de Dapieve (2015), usam a expressão BRock para referirem-se ao rock feito no Brasil nos anos de 1980. Optei por Rock Brasil 80 porque, como veremos, o rock no Brasil surge na década de 1950 e não me parece adequado BRock (Brazilian rock, ou rock feito no Brasil) para falar apenas de um período. Do tratamento desses dados históricos resultou a lista “Dez Bandas Escolhidas”: 1 BLITZ!; 2 LOBÃO; 3 BARÃO VERMELHO; 4 PARALAMAS DO SUCESSO; 5 TITÃS; 6 LEGIÃO URBANA; 7 ULTRAJE A RIGOR; 8 RPM; 9 CAZUZA; 10 IRA!; descritas no capítulo ANTÍTESE – Visão de Histórico de Bandas de Rock. DIALÉTICO REDAÇÃO Para redigir a versão final do trabalho, optei pela dialética. Exponho minha tese no capítulo correspondente, apresento a antítese posteriormente utilizando minha vivência na cena do Rock Brasil 802 combinada com pesquisa bibliográfica e, por fim, sintetizo as conclusões. As hipóteses de trabalho consistem nas ideias de que banda de rock é objeto artístico, objeto que busca inserção social no mercado, mercado transformado no decorrer do período estudado. O objetivo do estudo é, portanto, 2Rock produzido no Brasil na década de 1980, como visto anteriormente. 14 confirmar estas afirmações ou negá-las e, neste caso, descobrir qual a alternativa para elas. Do tratamento desses dados empírico-analítico e hermenêutico-histórico resultou a lista de Gravadoras e lista “Dez Bandas Escolhidas na atualidade”: 1 BLITZ!; 2 LOBÃO; 3 BARÃO VERMELHO; 4 PARALAMAS DO SUCESSO; 5 TITÃS; 6 LEGIÃO URBANA; 7 ULTRAJE A RIGOR; 8 RPM; 9 CAZUZA; 10 IRA!; descritas no capítulo ANTÍTESE – Visão de Histórico de Bandas de Rock. Alerto para o fato deste trabalho estar escrito em primeira pessoa, visto que a busca da própria voz em um trabalho inédito é desejável 3, conforme explicitado na disciplina Seminário de Pesquisa em Artes II ministrada pela Profa Dra Luíza Christov. Todas as traduções deste volume foram feitas por mim. 3Conceito extensamente explorado na disciplina Seminários de pesquisa em artes II conduzida pela Profa. Dra Luíza Helena da Silva Christov. Ver o plano de ensinoreferenciado. 15 TESE – Visão de Mercado Fonográfico A tese contida neste trabalho é que banda de rock é um objeto artístico. Este objeto visa, para sua plena realização e concretização, colocação no mercado, mercado o qual se alterou com o decorrer do tempo. Devido às mudança ocorrida neste mercado, a necessidade de investimento para os músicos aumentou, o risco da empreitada passou a ser das bandas e o papel das gravadoras mudou. O estudo foi realizado essencialmente no Estado de São Paulo durante o período de compreendido entre o segundo semestre de 2016 e os dois primeiros meses de 2020. A amostra escolhida para delimitar os participantes da investigação foi constituída pelas três bandas nas quais trabalhei: Rockiavel, Parágrafo D e DSS. O critério adotado para eleger estas bandas foi o fato de poder acessar os dados com liberdade, pois eu estive presente em todas as etapas concernentes ao processo artístico. O desenho do estudo contemplou a observação e a reflexão das atividades artísticas das três bandas citadas, observação e reflexão confrontadas com a pesquisa bibliográfica desenvolvida a respeito do Rock Brasil 80, as condições mercadológicas de então e as mudanças ocorridas. O procedimento de recolhimento dos dados utilizou como instrumento o fazer artístico gerador de objetos diversos: ensaios, gravações de áudio e vídeo, participação em programas de TV, inserção nas mídias sociais e apresentações ao vivo. A principal variável presente na análise é função do tipo de banda estudada. Isto gerou a classificação segundo a qual as bandas podem ser entendidas como autoral, cover, coscover e recreativa dependendo do tipo de trabalho desenvolvido e da inserção social pretendida. 16 MUDANÇA DE MERCADO Falemos, agora, sobre a mudança no mercado. Essencialmente, tratou-se da terceirização da produção artística. No cenário do Rock Brasil, artistas eram empregados contratados por gravadoras. Estas companhias pesquisavam a cena musical, viam e ouviam as bandas que tocavam em espaços diversos e faziam suas apostas, ou seja, escolhiam as que, sob o olhar das gravadoras, apresentavam maior possibilidade de retorno financeiro e ofereciam um contrato de gravação, geralmente por um período de três anos no qual os artistas se comprometiam a gerar três álbuns com músicas autorais gravadas em estúdio fornecido e bancado pelas empresas. Noto que, elas, as gravadoras, não aceitavam gravações de shows ao vivo como prestação de contas para o atingimento da meta de três obras. Contrato com gravadoras era o objetivo das bandas que procuravam inserção neste mercado. Uma vez assinado, gravação de músicas, confecção de videoclipes, aparições em rádio e TV, material promocional e tudo o mais eram por conta das companhias. Elas investiam e, caso o produto não propiciasse o retorno esperado, o custo da empreitada era suportado por elas. Atualmente, temos uma nova configuração. O pretendente a artista deve, em primeiro lugar, gravar a sua obra por conta e risco. Prepara uma coleção de músicas, paga a captação no estúdio, músicos de apoio se for o caso, providencia a mixagem e a masterização. Cria todo o material visual, logo, videoclipes, páginas nas redes sociais e canais de mídia digital e deve criar seu público nestes meios. Toda a agenda, shows, participações em rádio e TV e eventos em geral, é responsabilidade da banda. Ela deve funcionar como uma pessoa jurídica e se estabelecer. Caso esta empresa seja economicamente viável e se firme através de seu trabalho, aí surge a gravadora. Ela passa a intermediar as relações dos músicos com demandantes do produto e coloca o trabalho na, permita-me a expressão que não tem conotação de valor, grande mídia. INVESTIMENTO, RETORNO E RISCO No parágrafo anterior, utilizei conceitos como investimento, retorno e risco enfatizando o aspecto financeiro embutido nestes termos. É a lógica do 17 mercado para a maioria das empreitadas. Não pretendo discutir aqui as lógicas de todos os mercados. Há monopólios e oligopólios diversos e, nem sempre a lógica do lucro se aplica, como por exemplo, mercados de energia, produção de papel-moeda e documentos nos quais existe a preocupação com a soberania e o poder. Trato de um mercado particular, enfatizo, mercado para bandas de rock, especialmente no Brasil nos dois períodos citados: Rock Brasil 80 e atualidade. Este recorte da realidade é importante pois propicia foco para a pesquisa. Ainda sobre os conceitos de investimento e retorno, alerto que eles contém o aspecto financeiro mas não se restringem a ele. Explico. Investimento, segundo minha visão, é a aplicação de recursos com vistas ao recebimento de retorno. O investimento, no entanto, pode não ser financeiro. Ter tempo e energia para realizar uma tarefa são tão importantes quanto a capacidade de inversão. Vem à mente a ideia do aspirante a músico que, assoberbado por estudos e a necessidade de prover o sustento, não tem tempo ou energia para se dedicar a um projeto artístico, correndo de escola em escola dando aulas e gastando noites de sono estudando. Para explicitar melhor a ideia de investimento e retorno no contexto de nossa investigação, vou adotar uma classificação para as bandas de rock. Esta classificação vem de minha experiência acadêmica e vivência no mercado fonográfico atual, aplicando o resultado do tratamento de dados obtidos com paradigma empírico analítico. 4 TIPOS DE BANDAS Aqui é interessante falar sobre os tipos de bandas de rock. Proponho uma classificação na qual podemos verificar a existência de quatro tipos de bandas: 1. Autoral; 2. Cover; 3. Coscover; 4. Recreativa. 1 BANDA AUTORAL Autoral é aquela que produz as próprias músicas ou busca músicas inéditas de outros compositores. Mesmo quando interpreta alguma canção já conhecida, cria um arranjo ou usa outro método (fazer uma nova letra, por exemplo) 18 para diferenciar seu produto. No entanto, o foco é criar as próprias composições. A inserção social pretendida é ser reconhecida na grande mídia e criar fonte de renda. Exemplo de banda autoral é Rockiavel na qual as músicas são produzidas por seus membros. 2 BANDA COVER A banda cover executa canções já conhecidas de autores consagrados. Pode, eventualmente, tocar algo próprio mas isto não é o cerne da labuta. Busca inserção social apresentando-se em bares, geralmente. O alcance do trabalho é, essencialmente, local. Exemplo de banda cover é Zepper’s a qual faz tributo ao Led Zeppelin. Há pessoas que não gostam desta denominação, a exemplo de Roberto Frejat, guitarrista e vocalista do Barão Vermelho, que entende cover como uma cópia “não sendo este o caso de… um disco de regravações” (ALVES JR, 1997, p. 19). Alerto, no entanto, que este conceito não importa juízo de valor. Lembro que os Beatles gravaram covers em quatro de seus LP, a saber, Please, Please Me, With The Beatles, Beatles For Sale e Help! E, em muitos casos, conseguiram versões superiores às originais, a exemplo de Twist And Shout música de encerramento do primeiro álbum, o citado Please, Please Me. Nesta categoria de minha classificação, cover indica músicas de outros autores, músicas já consagradas, sem indicar o grau de inovação presente na performance ou no arranjo. Parece claro que, quando uma banda autoral faz regravações, ela não deve ser incluída na categoria Cover. Este é o caso, para citar um, do Ultraje A Rigor com o álbum Por Que Ultraje A Rigor? que contém apenas uma música própria (Mauro Bundinha). 3 BANDA COSCOVER Coscover, o termo que criei para aquelas que buscam reproduzir fielmente o objeto ao qual se dedicam, executa músicas de um determinado artista 19 já consagrado. Usam os mesmosinstrumentos, vestuário e reproduzem fielmente, dentro do possível, o artista homenageado. Exemplo de banda coscover é All You Need Is Love que busca reproduzir fielmente o trabalho dos Beatles, chegando ao requinte do baixista, que é destro, aprender a tocar baixo como canhoto para respeitar a visualidade do fab four. O mercado aqui é um pouco mais amplo se comparado com as de covers. Visa grandes teatros, Teatro do Shopping Bourbon, por exemplo, além de buscar competições nas quais se procura aquelas que melhor reproduzem a banda original. Uma referência é a banda All You Need Is Love a qual se dedica aos Beatles e participou de festivais diversos, inclusive em Liverpool. Pode ocorrer a hipótese deste tipo de banda executar música própria, mas trata-se de exceção muito rara. E o caso, novamente, da All You Need Is Love que gravou uma música própria em Abbey Road, como se vê no DVD referenciado. 4 BANDA RECREATIVA Bandas recreativas, em geral, executam músicas conhecidas e o que as difere das bandas cover é o fato de não possuírem intenção de retorno financeiro. Os outros três tipos de bandas buscam este retorno, porém o quarto tipo, a recreativa, não tem este objetivo. Pode até se apresentar eventualmente em locais que remuneram, todavia este não é o desiderato. A ideia aqui é a diversão, a socialização e o puro prazer. Exemplo de banda recreativa é DSS que se reune para se divertir, sem cronograma, repertório fixo, sem pretenções. Falo agora do conceito adotado por mim nesta tese, a inserção social. Trata-se de um conceito subjetivo no sentido de que o próprio ator social irá definir qual a colocação que ele deseja alcançar no cenário. Não é uma medida física, econômica palpável como, digamos atingir a obtenção de uma renda mínima mediante a oferta de seu produto. Quem diz qual a inserção pretendida é o interessado. Vejamos o exemplo da banda recreativa. Ela pode investir (tempo, 20 dinheiro, recursos diversos) com o propósito de obter como retorno satisfação. Tocar em uma festa de aniversário, por exemplo. Ela alcançou a inserção que desejava. Por outro lado, uma banda autoral com CD gravado, participação em mídias diversas (sociais, rádio e TV) pode não ter atingido a inserção pretendida se ela quer ampliar seus rendimentos, agenda e exposição. Para quantificar este conceito imagino entrevistas com os envolvidos e eles dirão se atingiram ou não a inserção social pretendida. ARTEMÍDIA Por fim o conceito de artemídia4, conforme tratado no grupo de pesquisa Artemídia e Videoclipe liderado pelo Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira, é a interação entre arte e comunicação. Abrange os desenvolvimentos científicos e tecnológicos e, por seu caráter comunicacional celebra a interatividade. Envolve a noção de que, para as bandas autorais, não basta mais produzir sua arte musical. Há de cercar-se das ferramentas propiciadas pela comunicação, pela ciência e pelos novos meios tecnológicos. É o momento em que o músico percebe que não basta ter um CD gravado: é preciso estabelecer estratégias de comunicação (videoclipes, mídias sociais, redes virtuais e físicas). Redes físicas compreendem as relações sociais. São de extrema importância e podem minimizar investimento, encurtar caminhos. Pense no músico de garagem cujo pai é alto executivo de gravadora. É um atalho. Entre a sorte grande do exemplo anterior e a prática comum de sair do zero há um conjunto de variações. A banda que se associa a um videomaker diminui drasticamente os custos de produção, verbi gratia. TRÊS BANDAS PROTÓTIPO Expostos os conceitos adotados, passo a apresentar os dados empírico-analíticos utilizados nesta pesquisa. São as bandas escolhidas como protótipos (baseados na classificação de 4 tipos de bandas de rock) sobre as quais lançarei um olhar fortalecido pela artemídia. DSS (recreativa), Parágrafo D (autoral) e Rockiavel (autoral). Escolhi para prototipagem apenas os tipos banda recreativa e 4Para aprofundamentos, ler a tese de doutorado de PEL, Pelópidas Cypriano de Oliveira referenciada neste volume. 21 banda autoral porque esta é a tipologia que mais vai ao encontro de minhas aspirações de criação de objeto artístico, pois os tipos banda cover e banda coscover não contemplam a criação de obras inéditas, inviabilizando a inserção no mercado fonográfico atual. Considerando a economia criativa, escolhi os dois extremos de colocação social: a aposta máxima (autoral) e a aposta mínima (recreativa). Aposta entendida como investimento vis-à-vis retorno esperado. 1 DSS DSS foi uma banda da qual participei que se enquadra na categoria recreativa. Ela existiu no período de março a dezembro de 2018. Adriano Capocchi, guitarrista e amigo, antes de nos conhecemos, tocou em diversas bandas de músicas cover. Dentre os diversos músicos que ele conheceu um tornou-se mais próximo: Salva Pessoa. Salva é baterista. Estudioso e professor do instrumento. Foi com ele que Adriano conheceu as alegrias e a tortura de tocar com o metrônomo. Passaram a tocar sempre juntos. Certo dia, Adriano perguntou se eu não gostaria de tocar baixo com eles. Respondi afirmativamente. Primeiro pois sou amigo dos dois. Depois porque vi a oportunidade de ampliar meu repertório tocando rocks de bandas que eu ainda não tinha estudado. Logo de saída, ficou acertado que esta seria uma banda, como afirmado anteriormente, recreativa. Não teria ensaios fixos nem lista de repertório rígida. Abriria espaço para improvisos e o mais emblemático: não perseguiria músicas inéditas, algo essencial para qualquer banda que procura se lançar no grande mercado, permita-me chamá-lo assim. Adriano escolheu o nome: D (Drico – abreviatura de Adriano) S (Salva) S (Silvio), Foto 01. Simples e sonoro. Na linha de E (Emerson) L (Lake) P (Palmer). 22 Foto 01: Drico (Adriano Capocchi) na guitarra e Salva Pessoa na bateria. Fonte: Adriano Capocchi. Fizemos alguns ensaios em meu estúdio e marcamos uma apresentação em 27 de abril de 2018 na Choperia da Granja, situada na Granja Viana em Cotia. Naturalmente, a remuneração foi cerveja... Deste show participaram como convidados Parágrafo D e Rockiavel, à época denominado A era do caos. Parágrafo D e Rockiavel foram ao evento com o objetivo de testar o repertório em apresentação ao vivo e divulgar as marcas. DSS não teve vida-longa. Após mais alguns ensaios surgiu um problema que se mostrou intransponível: a eleição presidencial de 2018. Salva, eleitor do PT, e Drico, eleitor de Bolsonaro, começaram a trocar mensagens com o intuito de fazer proselitismo político. Estas mensagens logo descambaram para a agressão e a amizade entre os dois foi rompida. Não havia mais, então, um dos fundamentos da banda Recreativa: a diversão e o prazer de ficar juntos. A camaradagem passou a não existir. Os dois ficaram rompidos por um bom tempo. Felizmente, o desentendimento passou recentemente e ficamos de nos encontrar (os três) para tocarmos novamente. 23 2 PARÁGRAFo D A segunda banda escolhida como fonte de dados deste trabalho é o PARÁGRAFo D. Este trabalho começou a tomar forma quando conheci o compositor Thiago Alves. Ele estava finalizando o curso de composição no Instituto de Artes da UNESP e tive o prazer de participar, em outubro de 2016, de banca de avaliação do trabalho de conclusão de curso (TCC) preparado por ele. Vale mencionar que nossa indicação (indicação da banca da composta por PEL e por mim) para publicação vingou e o TCC foi editado como livro. Fortemente influenciado por Falcão (humorista e cantor cearense com nove discos gravados), Mamonas Assassinas (banda de rock satírica),Ary Toledo(humorista paulistano) e por tudo o que diz respeito a piadas, cacofonias e escatologismo. Thiago escreveu uma coleção de canções jocosas e começamos a preparar um projeto em conjunto. Nossa primeira apresentação foi no evento POEforMAceS DA revIRAda no CRP ECA USP (Departamento de Relações Públicas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo) ocorrido em novembro do mesmo ano. Thiago, César (compositor da mesma turma do Thiago) e eu executamos canções próprias e acompanhamos performances de atores os quais leram poesias. Nosso equipamento instrumental foi composto por violões Martin de seis e doze cordas, cajon e baixolão Martin. Todos cantamos. Este foi, primordialmente, um show acústico, no qual só o baixolão foi amplificado. A recepção foi educada, porém fria. Senti não ser o público propício para este tipo de música: canções muito popularescas, principalmente Aja a qual cantei com forte drive, em um local tão erudito. Outro fator que prejudicou a performance e ficou evidente para mim foi a necessidade de muito mais ensaios para atingirmos um patamar menos amadorístico. No entanto, tocar ao vivo é sempre fonte de crescimento para músicos. Sempre vale a pena. Arrisco-me a dizer que, sem o contato direto com a plateia, é muito difícil o desenvolvimento artístico. 24 Abro parênteses aqui para relatar uma peculiaridade ocorrida nos ensaios do PARÁGRAFo. Não havia calendário sistemático: os ensaios aconteciam apenas como preparação para eventos. É peculiaridade que não vi nas bandas profissionais que conheci, cujo calendário contemplava ensaios diários. Ensaio, aqui, é entendido em sentido amplo. É a reunião dos membros da banda para tocar, compor, tratar de assuntos comerciais, fotografar, fazer vídeos, em fim, ficar junto trabalhando. Ensaios regulares são particularmente importantes quando o repertório está sendo formado porque assim a sensação subjetiva de segurança dos músicos aumenta e passa a ser possível tocar sem a necessidade de contatos visuais que sempre ocorre quando não há firmeza na estrutura a ser interpretada. Com esta firmeza, passa a ser possível interagir melhor com o público. Fixado o repertório, os ensaios podem ser entendidos como manutenção e, na parte musical, não precisam ser tão intensos. Logo após a apresentação na USP, a primeira baixa. César nos informou que não pretendia continuar. Éramos, então, uma dupla. Em dezembro de 2017, eu e Thiago nos reunimos e ele trouxe uma ideia. Produzir um canal de TV no YouTube denominado Papo No Pau. Essencialmente um programa de entrevistas com músicos da cena alternativa de São Paulo, Foto 02. A nossa banda foi promovida, então, à banda oficial do canal. O primeiro programa foi com o músico Serapicos, Foto 03, que falou sobre seu trabalho e suas apresentações no SESC e outros espaços. Compusemos a primeira parceria: Katinguetállica, uma sátira ao heavy metal inspirada na métrica da música A Barata do grupo de pagode Só Para Contrariar. Gravamos em meu estúdio e fizemos um clipe no Beco do Batman. 25 Foto 02: Thiagson e Silvio gravando a chamada para o programa Papo No Pau. Fonte: Thiago Alves. Este trabalho revitalizou o S27, o meu estúdio. Surgiu, desta forma, a ideia de transformar a sala de visitas de minha casa, até então com uma decoração inspirada em futebol, com mesa de jogo de botão, bonecos de times, camisas de equipes. A nova versão do espaço foi projetada pelo arquiteto Leonardo Galasso (sim, o Leospa, baterista do Rockiavel é arquiteto!) transformando-se no segundo estúdio da casa. Mais espaçoso, mais próximo das garagens, contando com terraço e sala de convivência. Possui TV de 55” de tela curva, acesso à internet, bar e 26 espaço para refeições. A sala sofreu tratamento acústico e recebeu nosso equipamento, bem como um par de caixas JBL novinho para o PA (public address, destinado a amplificar, no nosso caso, as vozes). Contratamos um técnico de som, Rodrigo Ferrari, do Estúdio 500, para equalizar a mesa de som. Além destas comodidades, o fator decisivo foi podermos ensaiar com nosso equipamento. Durante as apresentações do ano de 2017, alugamos PA, tocamos em bateria cedida pelos espaços que nos contrataram, ensaiamos no DoZe e no Pata Negra com equipamento destes estúdios e os problemas ficaram nítidos. Transportar e montar um PA que não é nosso mostrou-se tarefa difícil e estressante, algo que desvia o foco da banda e desperdiça energia. Só para exemplificar, a bateria cedida por uma das casas de show na qual tocamos, não tinha todas as peças… Ensaios com aparelhos diversos produzem sons diferentes e a manutenção em estúdios alugados nem sempre é um primor. Foto 03: Serapicos & Banda. Fonte: Serapicos. Voltemos à banda propriamente dita. Lançado o programa com Serapicos, resolvemos estender a parceria com ele e gravar em seu estúdio o áudio 27 do segundo vídeo do PARÁGRAFo. A música escolhida, composição de Thiago, foi As Melhores Do Ary, satírica, irreverente e repleta de cacofonias, como não poderia deixar de ser. O vídeo da canção foi gravado nas dependências do Instituto de Artes da UNESP. Neste momento, entrou para a banda o guitarrista Vitor Mellado, à época, graduando em composição no mesmo Instituto que nós. Dublamos, dançamos, fizemos palhaçadas e pronto… Segundo vídeo no Facebook. Partimos, então, para a segunda e a terceira entrevistas para o Canal Papo No Pau. O local das gravações foi o estúdio DoZe e um parque dentro de um clube, ambos situados na Granja Viana em Cotia/SP. Os personagens foram A Era Do Caos e o dono do estúdio, o Zé. Com a banda foram feitas tomadas tocando no estúdio e outras em ambiente externo, o já citado parque do clube em Cotia. Zé falou nas salas do estúdio, forma de divulgarmos o espaço. Estes dois projetos, no entanto, não viram a luz do dia. Mais para frente, explicarei o porquê. Prosseguimos com mais um vídeo com Vitor Mellado, eu e Thiago que foi lançado na página lançado na página Papo No Pau: Respondendo a perguntas de fãs. Gravado nas cercanias do Terminal Barra Funda, teve dois momentos. No primeiro, Thiago aparecia caído à porta de um bar fechado e eu o resgatava para levá-lo para a gravação. No segundo, Thiago lia perguntas de fãs (falsas, claro) e nós três respondíamos. Coisas do tipo as irmãs Ava e Gina perguntam, Thomas Turbando quer saber e assim seguia. Em um ensaio no estúdio Pata Negra, mais um vídeo com som e bobagens para promover a banda no canal. Foi a estreia de Cristiane Cordeiro na bateria. Aí surgiu uma apresentação. Compromisso na Cervejaria da Granja em 27 de abril de 2017. Novo vídeo no Pata Negra para promover o show, Aqui a ideia de tocar com outras bandas vingou. Junto com PARÁGRAFo D. A Era Do 28 Caos e DSS. A casa lotou. A apresentação foi bem aplaudida. Todas as bandas desempenharam bem. A prova disto é que fomos contratados para um segundo show de inauguração de novo espaço da cervejaria, com data a ser definida. Este show só não ocorreu devido ao encerramento da banda a ser explicado mais adiante. Dia 7 de maio, novo show, agora no Jai Club na Rua Vergueiro em São Paulo/SP. Neste dia, devido a fratura no ombro ocorrida quando transportava equipamentos na Cervejaria da Granja, toquei os baixos das músicas nos teclados. E aqui, nossas produções chegaram ao fim. Uma série de desencontros ocorreu. Citei, anteriormente, o fato de termos gravado duas entrevistas que não vingaram. Por que? Bem, chegou o momento de editarmos o material. Interessava-me trabalhar em conjunto com Thiago, mas surgiram problemas. Ele temia circular por São Paulo com seu notebook. Estava atarefado demais com aulas e estudos. Preferiu fazer sozinho as edições. Mais do que isso. Abandonouas duas entrevistas e passou a editar vídeos pessoais. Aí morreu Papo No Pau e nasceu o Canal Do Thiagson. Abortei o plano de comprar um notebook para editarmos em vídeos em conjunto, pois estava claro que ele pretendia seguir sozinho. PARÁGRAFo D teve um ou outro ensaio irrelevante, Thiago e eu proferimos algumas desinteligências e assim mais uma banda foi para o vinagre. 29 3 ROCKIAVEL Foto 04: Estudo do emblema de Rockiavel. Fonte: Rockiavel. A terceira banda escolhida para integrar minha base de dados é Rockiavel, Foto 04. Ela é formada por Leospa, Fernando Lampoglia (sim, este foi o nome artístico que adotei para esta empreitada) e Adriano Capocchi. Leospa e eu fomos integrantes do Ultraje a Rigor e tocamos, respectivamente, bateria e baixo. Adriano é guitarrista, como vimos anteriormente, Foto 05, da esquerda para a direita, Adriano, Lampoglia e Leospa. A primeira ideia que tivemos ao montar esta banda foi gravar uma coleção de canções de minha autoria e montar um álbum. Posteriormente, foram incluídas duas músicas de Adriano e uma releitura de Ciúme do Ultraje, agora chamada de Saúde com letra escrita por Leospa. 30 Foto 05: Rockiavel em sessão de fotos para o CD. Fonte: Rockiavel. Logo de saída, ficou acertado que a banda seria Autoral. A pretensão sempre foi criar um empreendimento com vistas a retorno financeiro. Naturalmente, o prazer de tocar, divertir e compartilhar momentos juntos não ficou de fora, porém Recreativa Rockiavel nunca foi. Gravamos onze músicas e confeccionamos o CD Aja. Mas, como chegamos a este número ideal? Fiz uma análise do número de músicas e do tempo total e parcial dos primeiros álbuns lançados por artistas que admiro. Os trabalhos escolhidos foram Nós Vamos Invadir Sua Praia do Ultraje A Rigor, The Rolling Stones da banda homônima, Please Please Me dos Beatles, Revoluções Por Minuto do RPM, Titãs dos Titãs Do Iê-Iê-Iê (nome original, depois simplificado para Titãs e 31 Mudança De Comportamento do Ira! Neste rol, todos os álbuns brasileiros contém onze músicas. Stones com doze e Beatles com quatorze foram as exceções. O tempo total ficou no intervalo entre 37m46s (Ultraje) e 31m52s (Beatles). Decidimos, então, pela moda, aqui no sentido estatístico de observação mais frequente: onze canções. As tabelas elaboradas por mim podem ser consultadas no Apêndice II. Leospa surgiu, então, com a ideia de gravarmos oito de minhas músicas (em português), duas outras compostas por Adriano (em inglês) e uma cover, a já citada Saúde. As composições em inglês objetivavam atingir o público internacional das redes sociais, Facebook, YouTube e Instragram. Agora uma curiosidade. Rockiavel chamava-se originalmente A Era Do Caos. Como Leospa não gostava do nome (A Era Do Caos) e eu não tinha vontade de gravar músicas em inglês, decidimos que cada um cederia. O nome ficaria e gravaríamos as canções em inglês. No entanto, a certa altura do trabalho, Leospa disse que preferiria sair da banda a seguir com o nome que ele não gostava. Aí eu cedi, Deixei ele escolher outro nome e preferi não me indispor com Adriano solicitando a retirada das músicas dele do projeto. Afinal, “it’s only rock’n’roll”. Assim morria A Era Do Caos e nascia Rockiavel. Rockiavel é a junção das palavras Rock e Maquiavel. Rock por motivos óbvios e Maquiavel, a princípio, pela sonoridade. Posteriormente, coloquei aos amigos que o filósofo florentino foi o ideólogo da unificação dos estados italianos. Nossa banda poderia agir assim, tentando unificar bandas em um movimento de revitalização do rock nacional. Esta ideia, a princípio, pareceu interessante e o sinal disto foi que passamos a receber material de diversos conjuntos de todo o Brasil (e até da Bolívia). Com o número de canções definidas para gravarmos em nosso CD de estreia, editei CD demonstrativo (comumente chamado de demo). Coloquei gravações preliminares de minhas músicas e isto serviu para Leospa e Adriano avaliarem o material, o qual foi aprovado. Eles começaram a aprender as músicas e 32 nós três passamos a pensar nos arranjos. Não utilizamos partituras neste estágio. Como salientado anteriormente, agregamos Smile e Goodbye Son de Adriano e Saúde de Roger e Leospa. Passamos então, na primavera de 2016, a ensaiar o repertório a ser gravado. Os estúdios Pata Negra (Vila Madalena) e DoZe na Granja Viana foram os escolhidos para nossa preparação. Tocamos com baixo, guitarra e bateria. Para as vozes (os três cantamos), usamos um sistema de PA composto por mesa de som com efeitos, equalizador, potência e caixas. Além disso, frequentemente realizávamos preparações acústicas com dois violões Martin, um de seis e outro de doze cordas, para acertar harmonias, vocais e estrutura das músicas. Tocamos, também, já pensando em nos preparar para apresentações ao vivo, seis músicas de outros autores. Do Ultraje a Rigor, Inútil, Nós Vamos Invadir Sua Praia e Saúde. Loiras Geladas, Olhar 43 e Rádio Pirata foram os nossos tributos ao RPM. Após esta preparação, estávamos prontos para gravar. O estúdio escolhido foi o de Luiz Schiavon, compositor e tecladista do RPM. Aí começa um processo complicado de tomada de som que se arrastou por muito tempo. As tomadas de baixo e bateria foram rápidas, porém as guitarras e violões demoraram pois foram praticamente desenvolvidas nas gravações. Isto ocorreu devido ao fato de termos ensaiado uma guitarra e no momento de gravar tínhamos de registrar pelo menos duas: base e solo. No entanto, não foi incomum a gravação de duas bases. Usamos, também, violão Martin de seis cordas com afinação em Ré, Lá, Ré, Fá#, Lá e Ré (da mais grave para a mais aguda) na música Goodbye Son. Luiz Schiavon participou de todas as faixas tocando teclados de maneira sensacional e isto valorizou muito todo o CD. 33 Concluídas as tomadas de som, partimos para a mixagem do álbum no Estúdio 500, local frequentado por bandas como Titãs, RPM e outros de igual calibre. A masterização foi feita na Holanda e gerou, por assim dizer, três álbuns: um para o CD, outro para execução em rádio e TV e outro para streaming. Isto é necessário por que os volumes e as frequências devem ser adequados para os três meios de divulgação. As faixas para o rádio e a TV, por exemplo, devem ser mais comprimidas para evitar distorções. Compressão, como ensina Dourado (2008, p. 88) “consiste na redução do espectro entre os sons mais graves e os mais agudos de qualquer sinal de áudio”. Cumpridas as etapas citadas, fizemos o lançamento mundial na plataforma de distribuição CD Baby no dia 07 de julho de 2018. A caminhada foi longa, desde nossos primeiros ensaios na primavera de 2016. Agora, em posse do CD, Foto 06, partimos à procura de apresentações. Foto 06: CD Aja do Rockiavel. Fonte: Rockiavel. 34 O lançamento do álbum foi nossa segunda apresentação ao vivo. Como vimos anteriormente, Rockiavel participou de show na Cervejaria da Granja em companhia de DSS e PARÁGRAFo D. Para esta nova empreitada a ter lugar no Open Mall Granja Viana durante o Festival de Inverno de 2018, contratamos iluminador, técnico de som, dois rodies e contamos com a participação especial de dois craques do Rock Brasil 80: Roger Moreira e Luiz Schiavon. Foi o espetáculo mais concorrido de todo o festival com público de mais de duas mil pessoas. Nossa próxima participação ao vivo foi na Oktoberfest em São Paulo em outubro de 2018. Aparecemos como convidados e tocamos três músicas: Primeira Vez, Até Quando Esperar (música da banda Plebe Rude) e Que País É Este? (da Legião Urbana). A reação foi boa, mas nenhum novo compromisso foi agendado como consequência deste show. As apresentações no SBT e na TV Premium se seguiram.Noto que, o programa The Noite Com Danilo Gentili foi muito positivo. Geraram a apresentação na TV Premium e reconhecimento de meus pares na UNESP. Até um entregador do correio citou o programa… No entanto, não demos continuidade ao trabalho. Poderíamos ter ido ao Programa Raul Gil e ao Programa Todo Seu do Ronnie Von, porém Leospa esfriou meu entusiamo ao dizer que se o Gentili não alavancou nosso trabalho, estes outros dois citados não o fariam. Aqui eu não concordo com meu velho amigo, porém tive de acatar o argumento, mormente porque os contatos eram dele. Cacá Prates possuía o contato para participarmos do programa de rádio comandado por Clemente, vocalista dos Inocentes e atualmente com a Plebe Rude, mas não agendou, talvez por falta de estamina, drenada por problemas familiares relativos a doença grave. Rockiavel encontra-se em um momento de repouso ocasionado primordialmente pela mudança do baterista para Minas Gerais. Contudo, o repertório está ensaiado, o disco gravado, clipes produzidos e a arte visual pronta. 35 Qualquer oportunidade que surgir, encontrará a banda pronta para responder ao chamado. Leospa não tem interesse em fazer o circuito de bares que tão pouco cachê paga, mas outras propostas serão analisadas com cuidado. Sinto que a busca por um empresário não terminou. A banda também não. Talvez seja o momento de aguardar condições mais favoráveis de mercado porque o interesse pelo rock não acabou e sempre surgem movimentos cíclicos como a Jovem Guarda, Tropicália e Rock Brasil 80 que demandam novas bandas. A experiência de criação artística foi amplamente positiva, deixou registrado um trabalho de qualidade que engrandeceu os participantes. Contatos foram criados e ampliados e, caso a barreira geográfica seja revertida em algum momento, Rockiavel continuará seu caminho. Existe o projeto de gravarmos mais músicas que já estão prontas. Há concomitantemente a ideia de aprimorarmos nossa participação nas mídias sociais, mas isto vai exigir a presença de pessoal qualificado e profissional para executar esta tarefa. Sinto que esgotamos a estratégia de aglutinar camaradas, amigos verdadeiros, que, embora providos de forte entusiasmo e garra, pecam pela falta de especialização profissional. Agora, só o tempo dirá se Rockiavel, Foto 07, continuará. 36 Foto 07: Rockiavel durante a gravação do videoclipe Adeus. Fonte: Rockiavel. 37 ANTÍTESE – Visão do Histórico de Bandas de Rock A antítese à minha tese pode ser enunciada nos seguintes termos: banda de rock não constitui objeto artístico, no Rock Brasil 80, a necessidade de investimento para os músicos era igual ou maior do que a exigida atualmente. O risco da empreitada era das bandas e o papel destas companhias era o mesmo comparativamente aos dias atuais. Vejamos. Banda de rock é objeto artístico? No Rock Brasil 80 havia a terceirização? Vamos recorrer à história de dez artistas do período para dirimir esta dúvida. No cenário do Rock Brasil 80, artistas eram empregados contratados por gravadoras? Estas companhias pesquisavam, ou não, a cena musical, viam e ouviam as bandas que tocavam em espaços diversos e faziam suas apostas, ou seja, escolhiam as que, sob o olhar das gravadoras, apresentavam maior possibilidade de retorno financeiro e ofereciam um contrato de gravação? O estúdio era fornecido e bancado pelas empresas? Contrato com gravadoras era o objetivo das bandas que procuravam inserção neste mercado? Uma vez assinado o referido contrato, gravação de músicas, confecção de videoclipes, aparições em rádio e TV, material promocional e tudo o mais eram por conta das companhias? O pretendente a artista devia gravar a sua obra por conta e risco? Preparava uma coleção de músicas, pagava a captação no estúdio, músicos de apoio se fosse o caso, providenciava a mixagem e a masterização? Criava todo o material visual, logo, videoclipes, páginas nas redes sociais e canais de mídia digital e devia criar seu público nestes meios? Toda a agenda, shows, participações em rádio e TV e eventos em geral, era responsabilidade da banda? Teremos respostas para essas perguntas, após olharmos a carreira dos artistas escolhidos do Rock Brasil 80. 38 ROCK DEFINIÇÃO Aqui é necessário definir o termo rock e também a expressão Rock Brasil 80. O Dicionário Grove de música, editado por Sadie (1994) traz a seguinte definição: rock (Ing.5, balanço) Termo que, numa definição rigorosa, refere-se a um estilo musical que surgiu em meados dos anos 60. Mais amplamente, porém, abrange esse estilo e o rock and roll que prevaleceu no final dos anos 50 e início dos anos 60. Os dois estilos têm semelhanças: ambos usam o canto e os instrumentos elétricos amplificados (geralmente uma primeira guitarra elétrica, uma seção rítmica importante, de baixo elétrico e bateria e muitas vezes uma guitarra ritmo e um instrumento de teclado)… Afirma que o rock surgiu em meados dos anos 1960 porque foi a partir de 1965 e 1966 que os artistas passaram a escrever obras com maior profundidade temática e ao mesmo tempo começaram a compor músicas que se diferenciavam da estrutura característica do chamado rock’n’roll. Esta estrutura é essencialmente baseada em progressões que utilizam três acordes para satisfazer as funções harmônicas de tônica, subdominante e dominante: I, IV e V7, ou seja, os acordes correspondentes ao primeiro, ao quarto e ao quinto grau da escala maior. Os Beatles lançam Help!, Rubber Soul e Revolver, Bob Dylan surge com Highway 61 Revisited, The Rolling Stones com Aftermath, Cream com Fresh Cream para citar alguns destaques. Nestes álbuns, as experimentações harmônicas vão além do modelo I, IV e V7. Para termos uma noção das mudanças ocorridas podemos olhar para Tomorrow Never Knows, faixa de encerramento do LP Revolver na qual é utilizado apenas um acorde, Dó maior (C), há solos tocados ao reverso do que foram gravados e a música tonal é substituída pela música modal (Dó mixolídio é o modo no qual ela é executada). A pesquisa com instrumentos variados, além da voz, guitarra, baixo, teclado e bateria, é intensa. Peguemos a música Paint It Black 5 Abreviatura para inglês. 39 presente na versão americana do LP Aftermath, e escutemos a cítara indiana tocada por Brian Jones. As letras, por sua vez, não falam apenas do amor adolescente, como é o caso de Like A Rolling Stone que abre o álbum Highway 61 Revisited com sua angústia e desespero refletido na história de decadência da personagem abordada. Help! é efetivamente um pedido de socorro proferido por John Lennon ao perceber que fama, sucesso, mulheres e dinheiro não eram a resposta para o que ele procurava. Por sua vez, George Harrison nos presenteia com Taxman, faixa de abertura de Revolver, na qual critica ferozmente o sistema tributário britânico. Este mesmo George que no álbum Rubber Soul tocou pela primeira vez em um disco de rock a cítara indiana que tanta personalidade e distinção conferem a Norwegian Wood, faixa número dois do referido LP. Por sua vez o Cream, banda britânica formada por Eric Clapton, guitarra, Jack Bruce, baixo e Ginger Baker, bateria traziam timbres inovadores com forte influência do blues e longas improvisações nas apresentações ao vivo. O prestigiado Dicionário de Música e Músicos Grove On-Line produzido pela Faculdade de Música da Universidade de Oxford da Inglaterra traz acepção contida no Anexo II do presente trabalho, a qual passo a discutir. O referido texto nos remete, primeiramente, ao conceito de rock como música popular do pós-guerra. Naturalmente, descarta este conceito porque não podemos nos referir ao rock como música popular do pós-guerra. Primeiro porque havia outras músicas a exemplo do jazz de Sinatra.Além disso, o rock’n’roll surgiu com Bill Haley & His Comets executando a canção Rock Around The Clock lançada em 20 de maio 1954, seguida por That’s All Right Mama de Elvis Presley em 19 de julho de 1954. Estes fatos nos deixariam sem música popular de 2 de setembro 1945 a 19 de maio de 1954 e isto obviamente não ocorreu. O rock’n’roll surgiu nos Estados Unidos. É sabido que, até o advento dos Beatles e da chamada Invasão Britânica (aporte de bandas do Reino Unido na América na década de sessenta), o rock’n’roll feito nas terras da Rainha possuía apenas expressão local. As bandas de então faziam covers dos sucessos dos EUA e não contribuíram para o surgimento do gênero. Portanto, não me parece preciso 40 dizer que o rock originou-se nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, como advoga o texto. A origem do rock foi o rock’n’roll e este surgiu com Bill Haley e ganhou proporções maiores com Elvis Presley, americanos. Outros artistas do princípio do gênero são dignos de nota, todos americanos, a saber, Chuck Berry, Litltle Richards, Jerry Lee Lewis e Fat Dominos. A divisão do rock em subgêneros é interessante para situarmos momentos históricos, mas, em meu trabalho, agrego todos estes subgêneros no gênero rock, mormente no que se refere à música internacional. Não é uma camisa de força, nem me impede de referir-me a algum subgênero, o Rock Brasil, por exemplo, porém enxergo todos estes subgêneros como mais uma característica do gênero, a qual seja, a constante renovação dos temas e das músicas, sempre em transformação. Embora a propaganda e a postura de algumas bandas em determinados momentos quererem mostrar um enfrentamento com as corporações precisamos convir que sem as referidas corporações jamais teríamos tomado conhecimento destas bandas. O rock precisa das corporações para ser divulgado. Isto, no entanto, não quer dizer que as ideias contidas nos trabalhos se alinhem com o estabelecido. As mudanças de comportamento patrocinadas pelo gênero serviram-se das produções bancadas por empresas. A rebelião da juventude, tida pelo articulista como fundamento do rock, realmente se faz, ou se fez, presente. No entanto, já há muito esta questão diluiu-se. Veja como exemplo as apresentações de Sir Paul McCartney na qual vemos crianças, adolescentes, adultos e terceira idade unidos cantando e acompanhando com real entusiasmo. A chamada rebelião da juventude parece ser para todas as idades… A questão da faixa etária e muito mais complexa do que a simples idade cronológica. Fatores diversos influenciam no comportamento das pessoas, por exemplo, a saúde, a forma de encarar a vida, a cultura, escolaridade, em fim, todo um conjunto que não pode ser ignorado. Fico, então, com a seguinte definição: rock é a música originada nos Estados Unidos na década de cinquenta produzida por Haley, Presley, Berry, 41 Richard, Lewies, dentre outros, música caracterizada pela constante evolução temática, social, cultural, técnica e estética, com apelo internacional, divulgação corporativa e aberta a uma miríade de influências das quais destaco o blues, a música erudita, indiana, africana, europeia e brasileira. Cream, Rolling Stones e Jimi Hendrix são os primeiros que vem à mente quando penso na influência do blues. A orquestra sinfônica utilizada em A Day In The Life, música de encerramento do LP Sgt Pepper’s, os quartetos de cordas em Yesterday do LP Help! e Eleanor Rigby do Revolver são exemplos da influência da música erudita. Love You To do LP Revolver mostra a influência da música indiana. Raul Seixas com Mosca Na Sopa presente no LP Krig-ha, Bandolo! transparece a influência da música africana com seus tambores rituais. Blackbird do LP The Beatles (conhecido como Álbum Branco), inspirada no Bourré de J.S.Bach, peça contida nos manuais para violão erudito, é um belo exemplo da influência europeia, ao passo que Simpathy For The Devil, composta por Jagger e Richards, inserida no LP Beggars Banquet, inserem o Brasil no cenário, posto que os autores estavam em Salvador/BA quando ouviram o samba e os tambores rituais da Macumba e esta foi a fonte de inspiração, tanto na parte rítmica quanto na temática esotérica. ROCK BRASIL 80 Passo, agora, a mostrar um subgênero que me é caro. O Rock Brasil. O fenômeno cultural chamado rock não foi ignorado em nossas terras. Para termos uma ideia, existe no Canal de Música da Net (televisão a cabo) a entrada Rock Brasil ao lado de outras como Instrumental/Clássica. Shows e Festivais Internacionais como Rock in Rio e Lollapalooza apresentam atrações nacionais e internacionais, lado a lado com grande afluência de público. A importância econômica do setor gera renda em diversos segmentos, a exemplo do rádio, TV, cinema, setor de serviços (alimentação e bebidas sempre presente nos shows) e empresariamento de eventos, para citar alguns. A história do rock no Brasil tem início no ano de “1955 (ano em que) Nora Ney lançou uma gravação em inglês de ‘Rock Around the Clock’…(e continua) no ano seguinte… (com) Heleninha Silveira”(KID VINIL 2008, p. 27) que inaugura 42 uma tendência que vige até os dias de hoje: a confecção de versões. Rock Around the Clock é vertida para nosso idioma por Júlio Nagib sob o título Ronda das Horas. A primeira composição brasileira de rock cabe a Miguel Gustavo com a canção Rock and Roll em Copacabana gravada por Cauby Peixoto em 1957, conforme reportagem publicada da ISTOÉ de 16/05/2016. Estes nomes pioneiros, Nora Ney, Heleninha Silveira e Cauby Peixoto, não são, no entanto, considerados os primeiros artistas do Rock Brasil. Aqui faço um parêntese para definir o conceito de Rock Brasil no presente estudo. Rock Brasil é o subgênero do rock no qual está inserida toda a produção de música do gênero feita no Brasil. Seu início é o ano de 1955 com a primeira gravação de rock e se perpetua até os dias atuais com diversas bandas e artistas dedicados ao gênero, por exemplo, Sepultura, RPM, Ultraje a Rigor e Capital Inicial, para citar uns poucos. O subgênero é, por sua vez, dividido em períodos. Os mais marcantes para mim foram a Jovem Guarda e o Rock Brasil 80. Feita esta definição, utilizo a constatação efetuada por Lemos (2011), referenciado no item Sites e redes sociais, de que o primeiro artista dedicado ao gênero foi Betinho e seu conjunto. Esta banda gravou em 1957 a música Enrolando o Rock composta por Betinho e Heitor Carillo. Ela caracterizou-se por abraçar o gênero assumindo uma postura rocker , especializando-se no gênero. Ney, Silveira e Peixoto gravaram rock e outros gêneros como samba, bolero e jazz e não são considerados artistas de rock. Outros se seguiram a Betinho, como Tony e Cely Campelo, porém ele foi o primeiro. Falemos agora sobre a Jovem Guarda. Foi, inicialmente, um programa de TV que se transformou em um movimento (movimento no sentido de agrupamento de pessoas dedicadas ao mesmo objeto). O programa foi elaborado para substituir as transmissões de futebol que iam ao ar todo domingo à tarde. Esta substituição ocorreu devido ao distrato ocorrido entre a TV Record e a Federação Paulista de Futebol, detentora dos direitos de transmissão. A Federação sentiu que as transmissões ao vivo estavam desestimulando a presença de torcedores nos estádios ocasionando perda na arrecadação. 43 Roberto Carlos comandava o programa apresentando os artistas da Jovem Guarda, Foto 08, como Wanderléa, Erasmo Carlos, Deno e Dino, Jerry Adriani, Os Incríveis, Golden Boys dentre outros. Foi sucesso no período em que existiu de 1965 a 1968. Era televisionado ao vivo para a capital paulista e exibido em videotape nas outras regiões do país. Foto 08: Artistas da Jovem Guarda. Fonte: Revista Contigo! 2004. Documento musical Jovem Guarda. A importância desse, que com o correr do tempotransformou-se em, movimento, é nacionalmente conhecida. Nos dias atuais, frequentemente ocorrem apresentações relembrando as músicas, os artistas e o espírito da época. A Folha de São Paulo dedicou artigo em 17 de janeiro de 2018 ao cinquenta anos do programa. Reproduzo este referido artigo no Anexo II desta pesquisa. Este movimento artístico teve grande influência em minha formação. A partir do que vi na TV, passei a me interessar por música. Não só como polo passivo, mas com vontade vigorosa de tocar e cantar. Movido por este desejo, fui ter aulas de violão porque, à época, não havia, ou eu não conhecia, professores de guitarra ou contrabaixo, minhas profundas paixões. Aí conheci meu primeiro professor de violão: José Fonseca, Foto 09. 44 Foto 09: Professor José Fonseca. Fonte: Editora Vitale. O que me impressionou, logo no primeiro instante, foi a ideia de sair tocando uma música já a partir da segunda aula. Isso não era comum. Em conservatórios, alunos estudavam um ano de teoria antes de pegar no instrumento. José Fonseca, no entanto, havia desenvolvido um método de violão chamado Números mágicos para solos de violão editado pela Vitale, Foto 10. Foto 10: O método. Fonte: Editora Vitale. 45 Consistia em uma combinação inteligente de quadros para acordes e números para linhas melódicas e baixos. Isto permitia, desde que se conhecesse a música (devido à rítmica), executá-la com maior facilidade. Os quadros representavam segmentos do braço do violão. Dentro deles, a posição dos dedos da mão esquerda, um número representando cada dedo: 1 para o indicador, 2 anelar, 3 médio e 4 mínimo. Fora do quadro, o X indicava tocar uma vez, o O duas e o X sobre o O, três. Na primeira aula, ele explicava a posição do instrumento e das mãos, indicava como as cordas deveriam ser pulsadas e aplicava exercícios de arpejos e escalas que deveriam ser praticados durante a semana. Na segunda aula, a grande alegria: executar a linha melódica de Namoradinha de um amigo meu, grande sucesso de Roberto Carlos lançado em 1966, Foto 11. Foto 11: A primeira música que toquei ao violão. Fonte: Columbia. As vendas de discos e ingressos para shows, o acompanhamento da imprensa e o interesse do público percebido na Jovem Guarda ressurgiram nos anos de 1980 com o movimento que denomino Rock Brasil 80. DEZ BANDAS ESCOLHIDAS Para falar sobre esta época, decidi escolher oito bandas e dois artistas que representam os fatos ocorridos: Blitz, Lobão, Paralamas do Sucesso, RPM, Ultraje a Rigor, Titãs, Legião Urbana, Barão Vermelho, Cazuza e Ira!. Distribuíam-se nas gravadoras EMI-Odeon, Warner, Som Livre, Epic, Sony, Continental e CBS. 46 Justifico o título desta seção como uma licença poética lembrando que os dois artistas solo não são, a rigor uma banda. Artistas solo trabalham com músicos contratados que não possuem vínculo ideológico com o trabalho. Porém, socorrendo-me da referida licença, posso pensar, como me explicou PEL6, o artista solo como banda de um único elemento. Exponho, agora, os critérios para a escolha efetuada. De modo geral, todas se destacaram no Rock Brasil. Falando especificamente, A Blitz foi eleita por se tratar da primeira no período a obter reconhecimento midiático nacional. Devido ao fato de Lobão ter integrado esta banda, surgiu o interesse de acompanhar seu desligamento e cobrir sua carreira solo. Paralamas Do Sucesso atraiu a atenção por ser o conjunto a primeiro ter fita demo executada em rádio. RPM e Ira! pela convivência que tive com Luiz Schiavon, Fernando Deluqui e Edgar Scandurra. Ultraje A Rigor foi escolha obrigatória porque toquei nela. Legião Urbana, Barão Vermelho e Cazuza por conter os poetas da geração, Renato Russo e Cazuza. Por fim, Titãs, retratada pelo ineditismo do formato, com oito integrantes, diversos vocalistas e apresentações sui generis. 1 BLITZ! A Blitz foi a primeira banda deste período a obter sucesso midiático. Iniciou sua jornada tocando em bares e passou por algumas alterações, mas quais Evandro Mesquita esteve sempre presente, até chegar ao time que gravou o primeiro single e o primeiro long-play: Evandro Mesquita (voz e violão), Ricardo Barreto (vocal, guitarra e violão), Antonio Pedro Fortuna (vocal e contrabaixo), William Forghieri (vocal e teclados), Márcia Bulcão (vocal), Fernanda Abreu (vocal) e Lobão (bateria). O single contendo Você Não Soube Me Amar no lado A e Nada, Nada, Nada no lado B possuía, na realidade, apenas uma música tendo em vista que o lado B continha apenas a voz de Evandro Mesquita repetindo nada, nada, nada em 6Conversa com o autor em 29/10/2019 no restaurante Tanta Felicità em São Paulo. 47 looping, o que não deixou de ser uma sacada interessante, posto que a música era mesmo nada… A execução radiofônica de Você Não Soube Me Amar foi massiva. Seguiu-se uma exposição televisiva que levou a banda para o público brasileiro e uma tendência foi inaugurada: a apresentação em programas de auditório interpretando as canções sobre a gravação original, o conhecido playback. Anteriormente, a exemplo do programa Jovem Guarda, os músicos de rock se apresentavam em teatros, no caso o Teatro Record da Rua da Consolação em São Paulo, Capital, e o programa era ao vivo com gravação exibida pelo Brasil, como visto anteriormente. Evandro Mesquita adotou posição firme em favor da apresentação em programas de auditório como nos conta Alexandre (2002), posição 2359 do Kindle: “Desde o Astrúbal eu vinha brigando para que a gente aceitasse ir ao programa do Chacrinha, a fim de que, quando se apresentasse no Acre, não precisasse responder a perguntas como ‘por que Asdrúbal Trouxe o Trombone7?” Foto 12: capa do LP da Blitz. Fonte: http://www.blitzmania.com.br/site/. O LP As Aventuras Da Blitz, Foto 12, continha treze músicas, porém após o disco estar prensado veio a ordem do Departamento de Censura da Polícia Federal: as faixas Ela Quer Morar Comigo Na Lua e Cruel Cruel Esquizofrenético Blues estavam vetadas. A solução encontrada foi inutilizar as duas faixas como se 7Trupe carioca. http://www.blitzmania.com.br/site/ 48 tivessem sido riscadas a prego. Atualmente as duas estão disponíveis em CD e streaming. Mas, qual o motivo da censura? Perigo à segurança nacional? Incitação ao crime? Uso de drogas? Obscenidade? Vejamos: ELA QUER MORAR COMIGO NA LUA Composição de Evandro Mesquita Ela é uma fera Ninguém é como ela Quando chega por perto É mais incerto no meu coração Que dança dança na palma da sua mão Beijo musical Marca de batom Copo de cristal Um pouco de amor E dança dança aonde você for Ô ela diz que eu ando bundando E que não agito nem uso E fico confuso vendo o mundo rodar E nessa dança você não sai do lugar Me propõe um plano Real, humano e lógico Para soltar os bichos Do jardim zoológico Pra ver o bicho que deu Pra ver o bicho que dá Agora ela quer Morar comigo na lua Morar comigo na lua Agora ela vem morar comigo na lua Morar comigo na lua E nessa dança O nosso corpo flutua Blitzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz (LETRAS, site da web) 49 Encontrei apenas duas possibilidades para o veto: a palavra bundando e a referência velada ao jogo do bicho na frase “pra ver o bicho que dá”. Ainda assim, “pra ver o bicho que dá” é expressão coloquial correspondente a para ver o que acontece. Bundando, por sua vez, é mais uma expressão descontraída que estava na boca do povo e não propriamente um palavrão, uma obscenidade. Trata- se de uma canção de amor juvenil e este veto revela a mentalidade dos donos das consciências da época que não se preocupavam com custos impingidos às empresas e aos artistas. Uma palavra atravessada e pronto, fim de discussão. Olhemos agora para Cruel Cruel
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