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Fluoretos Ingestão, metabolismo, toxicidade e mecanismos de ação no controle da cárie e da erosão dentária Os fluoretos: O flúor é um componente natural na atmosfera, em temperatura ambiente ele se apresenta como um gás na cor amarelo-pálido. Ele pertence à família dos halogênios e, na natureza, ele se encontra ligado a outros elementos em sua forma iônica como fluoreto. O início dos estudos Desde as primeiras décadas do século XX, percebe-se a atuação positiva do flúor no controle da cárie dentária. O início das pesquisas se deu com o “Estudo das 21 cidades” que observou que a fluoretação natural de algumas cidades atuou como um redutor do índice de CPOD (dentes cariados, perdidos ou obturados) na concentração de 1 mg/L na água, entretanto, na concentração de 1,5 mg/L havia a presença de de fluorose nos dentes da população. Fontes de ingestão dos fluoretos Considera-se como a dose ótima de ingestão diária de flúor - isto é, evitando a cárie dentária, mas sem causar fluorose, como 0,05 - 0,07 mgF/kg. A fluoretação da água e de alimentos é tida como uma medida de saúde pública para evitar a alta incidência de cárie e outras doenças. Água Fluoretada Desde 1945 a fluoretação da água de abastecimento público começou a ser implantada como medida para o controle da cárie dentária. No Brasil, a obrigatoriedade da fluoretação da água passou a ser vigente em 1974, por meio do decreto de nº76.872/75, que exige que a concentração de flúor na água seja entre 0,6-0,9 mg/L - a variação se dá pelas diferenças de temperatura entre as cidades e como ela afeta a ação do fluoreto. Estudos mostram que a concentração ideal seria a de 1 ppmF, mas foi observado que nesta concentração houve o desenvolvimento de fluorose dentária leve em 10% das crianças. Por mais que fluoretação sistêmica não seja o método mais eficaz para a prevenção de cárie, ainda sim é o método de melhor custo-benefício e de melhor, uma vez que muitas pessoas não têm condições financeiras para adquirir escovas de dentes, dentifrícios e ter acompanhamento regular com o cirurgião-dentista. Desta forma, sendo considerado um dos principais fatores responsáveis pelo declínio da cárie dentária (Khan, 2005). Dentifrício Fluoretado É o método mais divulgado para a manutenção da higiene oral e o mais eficiente para a remoção de biofilme dentário. Desde os primeiros dentes já se faz necessário o contato dos dentes com o flúor para prevenir a ocorrência de cárie. Importante saber que nos dentifrícios devem ser considerados: o fluoreto total (conteúdo total de fluoreto), fluoreto solúvel (quantidade de fluoreto biodisponível). Para dentes decíduos, recomenda-se numa concentração de 1.000 - 1100 ppm de flúor - muito embora seja possível prescrever para crianças baixo risco de cárie numa concentração de 550 ppm (ineficaz para finalidade anticariogênica), é mais interessante e mais seguro prescrever o de 1000 -1100 ppm de flúor. A legislação brasileira sobre o comércio de dentifrícios fluoretados determina que o mínimo para a comercialização é de uma concentração de no mínimo de 1000 ppmF e no máximo 1500 ppmF. Especialmente para crianças pequenas, é indispensável que um adulto seja responsável pela higienização da cavidade bucal. Isto porque os movimentos necessários para a eficiência da higienização são refinados e difíceis de serem executados pelas crianças. Além disso, é importante atentar-se à quantidade de dentifrício colocado na escova. Para menores de três anos, é indicada a quantidade de meio grão de arroz cru, para as idades de 3 a 6 anos, um grão de arroz e acima de 6 anos, um grão de ervilha. As formulações que contêm mais de 1500 ppm de flúor são indicadas para casos específicos como para os casos de paciente alto risco para cárie (no caso de pacientes com hipossalivação, pacientes em tratamento ortodôntico). Mecanismo de ação dos dentifrícios fluoretados: Quando é feita a higiene oral com dentifrício fluoretado aumenta a quantidade de fluoretos na boca, desta forma causando a liberação lenta de fluoretos pelos reservatórios bucais - sendo as próprias bactérias o principal reservatório de fluoretos [maiores explicações em Mecanismo de ação do fluoreto no controle da cárie dentária] Géis Fluoretados: São aplicados topicamente por profissionais. É uma ferramenta utilizada para intervenção preventiva contra a cárie dentária, sendo reconhecida para este fim por mais de três décadas. Possui grande efeito inibidor da cárie quando aplicado na dentição permanente. Entretanto, não tem tantas evidências de sua eficácia quando aplicados na dentição decídua. Possui poucos efeitos adversos e ampla aceitação do tratamento. Entretanto, existem algumas recomendações para evitar a intoxicação aguda por fluoreto: - Devem ser aplicados APENAS por profissionais; - Os pacientes não devem ser deixados sozinhos durante o procedimento; - O paciente deve estar bem alimentados antes da consulta - caso degluta o gel, a absorção será lenta; - a aplicação deve ser feita sob isolamento relativo e com o sugador próximo para remover os excessos; - Durante a aplicação, o paciente deve permanecer ligeiramente sentado; - Instruir a criança a cuspir o excesso de produto. Verniz Fluoretado São tão eficazes quanto os outros agentes fluoretados em relação à prevenção da cárie dentária. Os vernizes endurecem em contato com a saliva, são seguros e de fácil aplicação. Apresentam cerca de 30-40% de efeito preventivo/redutor para cárie dentária. ADA indica que seja aplicada nas lesões ativas de cárie de pacientes classificados como alto risco para cárie: numa concentração de 2,26% F. É indicado para pacientes menores de 6 anos. Enxaguantes Fluoretados: Foram desenvolvidos na década de 50 com o intuito de serem uma forma mais eficaz e simples para aplicação de fluoretos. As soluções são indicadas para crianças maiores de 6 anos - pelo risco de deglutição - e mesmo assim, deve ser indicada com cautela. Sempre relembrar que este é um método auxiliar ao aumento da disponibilidade de flúor na cavidade bucal e que não substitui a escovação e o uso do fio dental. É indicado para pacientes que: - Moram em regiões que não têm abastecimento de água fluoretada ou de concentração inferior a 0,54 ppmF; - Pacientes com índice CPOD maior que 3 aos 12 anos; - Para populações com baixas condições sociais e econômicas que tenham dificuldades de adquirir escovas dentárias e dentifrícios; - Crianças maiores de 6 anos. Prescrição: - 0,2% de NaF (909 ppmF) - uso semanal; - 0,05% de NaF (227 ppmF) - uso diário; - 0,022% de NaF (100 ppm F) - uso diário, 2x/dia. Suplementos Fluoretados No final da década de 1940, foram colocadas como uma sugestão alternativa à fluoretação da água a adição do flúor a alimentos e veículos mais simples para ingestão, como pastilhas e comprimidos. Também tornou-se comum o bochecho de soluções fluoretadas semanalmente nas escolas. Costumavam ser nas concentrações de 0,25; 0,5 e 1 mgF-/dia (nas áreas com < 0,3 mg/L F- na água) e 0,025 e 0,5 mgF-/dia (nas áreas com 0,3-0,6 mg/L F- na água). Não eram indicados para menores de 6 anos. Também eram prescritos para gestantes com o intuito de prevenir a cárie dentária nas mães e nos bebês. Entretanto, esta estratégia não tinha o efeito desejado, além de que podia provocar aborto espontâneo e aborto prematuro. Embora obtivesse bons resultados, era um fator de risco à fluorose dentária pela alta frequência e concentração da ingestão de flúor. Fórmulas Infantis As fórmulas infantis são amplamente oferecidas às crianças como uma alternativa ao leite materno (mesmo que não seja um bom equivalente em termos nutricionais e de benefícios). Dentre seus diversos componentes, o flúor é um deles. Embora esteja em baixas concentrações, ao ser preparado com água fluoretada e por permanecer na cavidade bucal em alta frequência, eles acabam setornando predisponentes para fluorose. Para evitar este problema, quando for necessário o uso de fórmulas infantis, recomenda-se que sejam preparadas com água mineral engarrafada, pois costumam ter menor concentração de flúor em sua composição (0,5 mg/L F-). Alimentos e bebidas infantis A concentração de flúor presentes nos alimentos está relacionada à composição e também a forma de preparo, isto é, adiciona-se a receita o flúor proveniente da água que foi utilizada durante o preparo. Importante saber que nem todo o flúor está disponível livremente nestas composições, então ele não será absorvido para fins de prevenção e, por conta dos mecanismos de excreção, não é realmente um fator relevante para fluorose. Uso racional do fluoreto: Apesar de ser uma recomendação basicamente empírica, a dose diária recomendada é de 0,05 a 0,07 mg F/kg. É empírica porque existem diversos fatores que podem alterar a reação e ingestão do fluoreto e do desenvolvimento da fluorose. E tem-se como a dose tóxica provável o conceito de que: “é a dose mínima que poderia causar sinais e sintomas sérios ou ameaçadores à vida e que requerem intervenção terapêutica e hospitalização imediata”. A DTP seria de 5 mg F/kg. Embora não seja terminantemente letal, não é uma dose segura e na suspeita de tamanha ingestão, recomenda-se a intervenção hospitalar (Whitford, 1996). Para evitar problemas com os fluoretos, deve-se: - Não deixar os produtos fluoretados a livre manipulação e livre acesso das crianças; - realizar escovação supervisionada por adultos; - encorajar a criança a expectorar o excesso de dentifrício; - colocar uma pequena quantidade de produto na escova de acordo com a idade da criança. Para maior controle e manipulação, recomenda-se a técnica transversal para dentifrícios em pasta (Vilhena, 2000) e a técnica da gota para dentifrícios em gel (Vilhena et. al, 2008). Fluorose A fluorose se dá pelo excesso da ingestão de flúor, causando defeitos nas estruturas dentárias. Os defeitos são classificados em: ● Muito leve (manchas brancas discretas); ● Leve (manchas brancas aparentes, mas pequenas); ● Moderadas (manchas brancas moderadas); ● Severas (manchas escurecidas e de maior intensidade); Para evitá-la, deve-se fazer o consumo consciente da ingestão de flúor, evitando excessos. Sabe-se que a janela de suscetibilidade à fluorose se dá no período de formação dos dentes, nos decíduos ….. de vida intrauterina e 6-8 anos para os dentes permanentes. Entretanto, levando em consideração a relevância estética dos incisivos centrais, a partir dos 3 anos de idade já se considera a fluorose como um risco a ser combatido. Mecanismo de ação do fluoreto no controle da cárie dentária De maneira geral, sabe-se que o flúor atua de diversas formas no processo de prevenção da cárie dentária. Isto se dá pela ligação dos fluoretos na estrutura dentária formando a fluorapatita, que possui menor solubilidade e tem o pH crítico a 4,5. A obtenção de fluoretos se dá de duas formas: pela ingestão - assim, tendo ação sistêmica; e, aplicação local - assim, tendo ação tópica. Acredita-se que a atuação mais eficaz do flúor se dá pela tópica, pelo contato constante com as estruturas dentárias. Ação Sistêmica Sobre o fluoreto ingerido, estima-se que cerca de 0,4-0,5 uM de F circule livremente pelo sangue. Deste fluoreto circulante, cerca de 8% atinge os dentes em formação, o que não chega a ser significativo para a redução da solubilidade do esmalte. Isto porque o fluoreto quando está disponível é muito mais efetivo do que quando ele está incorporado à estrutura dentária. Isto foi observado por Ogaard et al, 1988; 1991. Ação tópica ● Inibição de desmineralização; ● Promoção da remineralização; ● Inibição das bactérias; ● Efeito pré-eruptivo; Ação sobre o mecanismo ba�eriano A ação dele no metabolismo bacteriano, tanto pela inibição da enolase e por consequência reduz a obtenção de energia por meio da quebra da glicose - em outras palavras, atua na via glicolítica; “Quando há queda do pH do fluido do biofilme, uma concentração maior de flúor ligado ao biofilme é liberada , o que resulta na formação de ácido fluorídrico (HF). O HF entra na bactéria em resposta ao gradiente de pH e, no citoplasma, que se encontra mais alcalino, o HF se dissocia, liberando os íons H+ e F-. Isso leva ao acúmulo de F- dentro da bactéria e à acidificação de seu citoplasma. O F-, então, complexa-se com o Mg²+, o qual é um cofator da enolase (...) inibindo-a. Dessa maneira há a redução na capacidade de produção de energia pelas bactérias” - Guia de bioquímica orofacial, pg.149 Como afeta também a capacidade da bactéria obter novas moléculas de glicose - atua na inibição do sistema fototransferase. “A enolase converte o 2-fosfoglicerato em fosfoenolpiruvato (PEP) (...) por meio do qual o fosfato é transferido para uma molécula de glicose, que , na forma de glicose-6-fosfato, consegue entrar na bactéria para ser metabolizada. Dessa maneira, por inibir a enolase, e, consequentemente a produção de PEP, o F- também reduz a captação de glicose pela bactéria” Estudos mostram que estes efeitos estão mais relacionados com a alta concentração de fluoretos na cavidade bucal. Atuação na fase de desmineralização Em termos estruturais, o flúor atua na redução do processo de desmineralização. Nesta etapa (separação para fins didáticos), há “a redução da desmineralização do copreciptado íons cálcio e fosfato (abaixo do pH crítico) como pelo aumento da precipitação da apatita fluoretada (acima do pH crítico).” - Manual Prático da Bioquímica Orofacial, pg 143. De maneira simplificada, os efeitos são decorrentes de uma nova formação cristalina com o flúor, formando uma estrutura muito mais ajustada a hidroxiapatita - formando a fluorapatita ou a apatita fluoretada. Devido a esta formação, há a consequente queda do pH crítico. Importante saber que esta resolução é de ação cumulativa, amenizando todos os ciclos de desmineralização. Isto pela presença do íon em diversas regiões do esmalte, também chamada de pools, sendo: Fluoreto na fase sólida, no interior dos cristalitos de apatita - FS; Fluoreto Adsorvido, flúor adsorvido no esmalte - FA; Fluoreto na fase líquida, que está presente nos fluídos que circunda os cristalitos - FL; Fluoreto Externo, que está presente na saliva e no biofilme - FE. A presença do flúor, em especial em FA, garante que o flúor estará constantemente e em grande quantidade recobrindo a estrutura dentinária, desta forma criando um ambiente que reduza a perda de estrutura. Pensando nesta dinâmica, a estratégia mais eficiente seria a de manter altos níveis de FA - para isto, constante aumento da FL. E para ambas as finalidades, é importante manter altos níveis de FE. Assim, mantendo um contexto de equilíbrio entre o fluoreto adsorvido e o fluoreto externo. A manutenção do FE é que garante a constância do FL e este, por sua vez, mantém o FA em níveis ótimos. Atuação na fase de remineralização Mediante ao desequilíbrio do pH bucal e consequente ação de desmineralização, inicia-se o processo de remineralização com a deposição de íons de cálcio fosfato provenientes da saliva, já que é um processo que depende exclusivamente da ação dos componentes salivares. A presença do flúor como agente acelerador da (re)precipitação dos íons parcialmente dissolvidos durante a desmineralização e, ainda sendo incorporado à nova estrutura cristalina, tornando-a muito mais resistente às futuras iniciativas de desmineralização. O flúor também vai agir “eliminando” os componentes que podem tornar a estrutura mais frágil - como o íon carbonato, tornando-o mais suscetível à desmineralização. Os efeitos da aplicação de flúor em altas concentrações Aplicado em altas concentrações, o fluoreto vai se tornar uma barreira físico-química, evitando futuros episódios de desmineralização - isto pela deposição defluoreto de cálcio. Com a acidificação do pH bucal, o cálcio será liberado, contribuindo para a formação de FA com o fluoreto livre. Toxicidade Em grandes quantidades, ocorre a toxicidade aguda e que pode levar à morte. São sinais de toxicidade aguda: náusea, vômito, dores abdominais poucos minutos após a ingestão; sinais inespecíficos: salivação excessiva, descarga de muco do nariz, diarreia, dor de cabeça, sudorese, convulsões. Assim que ocorrer, deve-se imediatamente reduzir a quantidade de flúor disponível no organismo para absorção - isto pode ser feito por meio de vômito ou da ingestão via oral de CaCl 1%, ou gluconato de cálcio ou leite. Em seguida, encaminhar para o hospital e avisar para o serviço de urgência. Em termos de toxicidade crônica, embora não seja letal, causa alterações consideráveis, como alterações esqueléticas e dentárias, como a fluorose. É importante dar atenção à questão da toxicidade quando se trata de crianças pequenas (até os 6 anos de idade especificamente), porque elas não têm ainda habilidades de expectorar o excesso de dentifrício e, considerando que as crianças têm peso menor, a DTP acaba sendo facilmente atingida. A quantidade média de dentifrício colocada na escova por crianças menores de 6 anos deve ser de 0,55 g por escovação. A partir disto, é importante saber que estima-se que as crianças que pesam: - Até 15 kg, de 2-3 anos, acabam ingerindo cerca de 48% do produto; - Até 18 kg, de 4 anos, ingerem cerca de 42% do produto; - Acima de 20 kg, a partir dos 5 anos, ingerem cerca de 34% do produto. (valores estimados por escovação) Por isso é muito importante que os responsáveis pelas crianças tenham ciência da gravidade da toxicidade por fluoretos e orientar adequadamente as formas de consumo seguro dos produtos fluoretados.
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