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Anthony Completamente revisada e atualizada, esta referência única oferece um panorama esclarecedor sobre os últimos acontecimentos globais e sobre as novas ideias no campo da sociologia. Os debates clássicos também são minuciosamente abordados, explicando até as ideias mais complexas de maneira clara e envolvente. Escrito de forma fluente e com um estilo atraente, esta obra consegue ser ao mesmo tempo intelectualmente rigorosa e perfeita- mente acessível a todos os públicos. Sociologia é um livro empolgante e envolvente, que busca ajudar os leitores a compreender o valor de pensar sociologicamente. Destaques da 6ª edição: • Novos conteúdos sobre educação, mídia, teoria social, desigualdades, política e governo; e um capítulo inteiramente novo sobre guerra e terrorismo. • Maior aprofundamento e atualização em todos os capítulos. • Foco especial dado à sociologia global e à imaginação sociológica. • Novas seções de “Estudos Clássicos” examinam em detalhes as pesquisas empíricas mais influentes. • Seções adicionais de “Reflexão Crítica” foram inseridas ao texto para estimular a compreensão e o entendimento dos leitores. • Imagens especialmente selecionadas procuram captar o drama cotidiano do mundo social. Livro-texto campeão de vendas por mais de 20 anos, a 6ª edição estabelece o padrão para o estudo introdutório da sociologia. Fonte ideal para estudantes de sociologia e certamente uma inspiração para a nova geração de sociólogos. ANTHONY GIDDENS é Ex-Diretor da London School of Economics. PROFESSORES VISITE A ÁREA DO PROFESSOR E FAÇA DOWNLOAD DE POWERPOINTS PRONTOS PARA SEREM UTILIZADOS EM SALA DE AULA. ALUNOS ENTRE NO SITE PARA TESTAR SEUS CONHECIMENTOS E TER ACESSO A MATERIAL COMPLEMENTAR. ÁREA DO PROFESSOR CONTEÚDO ONLINE Anthony Giddens Sociologia A n th ony G idd en s Sociolog ia 02516 _Giddens_Sociologia.indd 1 13/03/2017 15:10:32 G453s Giddens, Anthony. Sociologia / Anthony Giddens ; tradução: Ronaldo Cataldo Costa ; revisão técnica: Fernando Coutinho Cotanda. – 6. ed. – Porto Alegre : Penso, 2012. 847 p. : il. color. ; 28 cm. ISBN 978-85-63899-26-2 1. Sociologia. I. Título. CDU 316 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 Anthony Giddens é ex-diretor da London School of Economics. Philip W. Sutton é professor na University of Leeds e na Robert Gordon University. _Livro_Giddens.indb ii_Livro_Giddens.indb ii 03/04/17 10:1903/04/17 10:19 Sociologia 627 Quando estava com 76 anos, pouco depois do final da Se- gunda Guerra Mundial e uma semana após fazer sua milionési- ma maçaneta, o chão desgastado faltou mais uma vez sob seus pés. “É tudo que eu estava esperando”, ele disse. Desligou o tor- no e foi até o capataz, um homem jovem o suficiente para ser seu neto. “Saio no fim de semana, George”, gritou por sobre o ruído das máquinas. Os colegas lhe compraram uma poltrona quando saiu: “e quando você gastar o assento dela”, disseram, “mandamos o marceneiro para colocar umas tábuas!”. No fim do dia na sexta-feira, o capataz o apresentou ao novo aprendiz: “apenas coloque-o no rumo certo, está bem?” Jockey sorriu: “Olha”, disse para o garoto, “não é difícil. Encosta a barriga con- tra o torno, com os pés fincados no chão, e manda ver!” A natureza do trabalho mudou imensamente desde que Robert Roberts (1971) descreveu a vida profissional de Jockey em sua narrativa clássica, contada em primeira mão, sobre a vida em uma favela de Salford durante a primeira parte do sé- culo XX. Para a maioria das pessoas nos países desenvolvidos, o trabalho de Jockey é irreconhecivelmente diferente do seu. Este capítulo explora a evolução do trabalho nas sociedades modernas e analisa a estrutura das economias modernas. A partir daqui, analisamos algumas tendências recentes no tra- balho. Contudo, devemos antes olhar com mais detalhe o que se entende realmente quando usamos o termo “trabalho”. O que é trabalho? Podemos definir o trabalho, seja remunerado ou não, como a execução de tarefas que exijam esforço mental e físico, que tem como objetivo a produção de bens e serviços para aten- der às necessidades humanas. Uma ocupação, ou um empre- go, é o trabalho feito em troca de um salário ou um paga- mento regular. Em todas as culturas, o trabalho é a base da economia. O sistema econômico consiste em instituições que propiciam a produção e distribuição de bens e serviços. REFLEXÃO CRÍTICA Refletindo sobre suas próprias escolhas, que tipo de trabalho remunerado você faz ou que tipo de carreira almeja? O que lhe atrai nesse tipo de trabalho? Por que você considera es- ses aspectos atraentes? Sua escolha de trabalho ou carreira é influenciada mais por seu status na sociedade ou por sua satisfação intrínseca? Com frequência, tendemos a pensar no trabalho como o equivalente a ter um emprego remunerado, como implica a noção de estar “sem trabalho”, mas essa na verdade é uma visão simplista. O trabalho não remunerado (como fazer tra- balhos domésticos ou consertar o próprio carro) é uma par- te importante da vida de muitas pessoas e uma contribuição enorme para a continuação das sociedades. O trabalho voluntário, para organizações de caridade ou de outros tipos, é outra forma de trabalho que tem um papel social importante, muitas vezes preenchendo as lacunas ig- noradas pelos prestadores de bens e serviços oficiais e comer- ciais e aumentando a qualidade de vida das pessoas. Muitos tipos de trabalho simplesmente não se aplicam a categorias ortodoxas de emprego pago. Grande parte do traba- lho feito na economia informal, por exemplo, não é registrada de nenhum modo direto nas estatísticas oficiais de emprego. O termo economia informal se refere a transações que ocorrem fora da esfera do emprego regular, envolvendo, às vezes, a troca de dinheiro por serviços prestados, mas também a troca direta de bens ou serviços. Uma pessoa que vem para consertar um vazamento, por exemplo, pode ser paga em espécie, sem se dar qualquer forma de recibo ou registrar os detalhes do serviço prestado. As pessoas trocam bens “baratos” – para não dizer roubados – com amigos e conhecidos em troca de outros favo- res. A economia informal inclui não apenas transações finan- ceiras “ocultas”, mas também muitas formas de autofavoreci- mento, que as pessoas realizam dentro e fora de casa. Atividades do tipo faça-você-mesmo, ferramentas e aparelhos domésticos, por exemplo, proporcionam bens e serviços que, de outra for- ma, precisariam ser comprados (Gershuny e Miles, 1983). Se adotarmos uma visão global da experiência do traba- lho, existem grandes diferenças entre o mundo desenvolvido e os países em desenvolvimento. Uma diferença importante é que a agricultura continua sendo a principal fonte de empre- go na maior parte do mundo em desenvolvimento*, ao passo que apenas uma proporção mínima das pessoas trabalha na agricultura nos países industrializados. De fato, como veremos mais adiante neste capítulo, a descrição de “países industria- lizados” está perdendo espaço rapidamente à medida que a mudança para o emprego no setor de serviços avança nessas sociedades. De maneira clara, a experiência do trabalho remu- nerado é bastante diferente entre os ambientes rurais de países em desenvolvimento e os escritórios que são típicos do mundo desenvolvido. De maneira semelhante, embora nos países de- senvolvidos exista uma série de leis trabalhistas que protegem o horário, a saúde, a segurança e os direitos dos trabalhadores há muitos anos, as sweatshops, onde pessoas (incluindo mui- tas crianças) trabalham durante muitas horas por uma remu- neração bastante pequena, são comuns nos ambientes menos regulados dos países em desenvolvimento (Louie, 2001). Essa divisão global do trabalho significa que a maior parte das mer- cadorias que produzem a tão baixo custo é vendida para os trabalhadores relativamente ricos dos países industrializados. Ver o Capítulo 13, “Desigualdade global”, para mais sobre o trabalhoinfantil.» Os padrões de emprego também são bastante diferentes ao redor do mundo. Na maioria dos países desenvolvidos, a econo- mia informal (às vezes chamada “mercado negro” ou “mercado paralelo”) é relativamente pequena se comparada com o setor * N. de R.T.: A expressão “mundo em desenvolvimento” é imprecisa e sua utilização costuma abrigar uma variedade expressiva de realidade economicas, sociais e policas. Classificado como “um desenvolvimento” possuem a maior parte da sua força de trabalho ocupada na agricultu- ra. Na classificação realizada pelo FMI, por exemplo, são considerados “paises emergentes” ou “em desenvolvimento” experiências dispares como Brasil, Afeganistão, Butão, Argentina, Iraque, Timor-Leste, Mé- xico, Nambída, dentre outros. _Livro_Giddens.indb 627_Livro_Giddens.indb 627 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 caraujo Retângulo Anthony Giddens628 do emprego remunerado formal, embora muitos trabalhadores migrantes recentes ganhem a vida nela. Todavia, esse padrão se inverte nos países em desenvolvimento, onde a economia in- formal viceja graças ao trabalho barato e à flexibilidade forçada dos trabalhadores. Em muitos países em desenvolvimento, a principal experiência ocupacional da maioria das pessoas é no setor informal, que muitas vezes é considerado a norma (ver o quadro “Sociedade global 20.1”). Embora muitas pessoas pre- cisem desse trabalho informal para sobreviver, os planos orça- mentários dos governos são limitados pela consequente perda da receita fiscal e, segundo alguns, isso dificulta o desenvolvi- mento econômico. Mais uma vez, não apenas a experiência do trabalho, mas o que ele significa para as pessoas, é potencial- mente muito diferente em regiões distintas do mundo. Nigéria “alimentada” pelo mercado negro A economia da Nigéria é estimada em aproximadamente 42 bi- lhões de dólares, tornando-a uma das maiores da África. Porém, esse número não inclui grande parte da atividade econômica do país, que ocorre na economia informal, ou mercado negro. A eco- nomia informal é onde a maioria dos nigerianos obtém o seu sus- tento, como mascates, motoristas de van, cambistas ou feirantes. O governo nigeriano – cujas exportações em dólares foram prejudicadas pela queda no preço do petróleo – informal assiste muitos dólares de impostos escaparem por meio do mercado ne- gro desregulamentado. Segundo algumas estimativas, essas re- ceitas – que não são taxadas ou regulamentadas – somam entre 40 e 45% do produto interno bruto (PIB). A salvação do trabalho Menos da metade da população jovem da Nigéria tem um empre- go “apropriado”, e muitos deles ganham a vida no mercado ne- gro. “A maior parte do emprego neste país vem do setor informal”, disse um analista nigeriano ao World Business Report da BBC. “Grande parte do que mantém as pessoas vivas vem do trabalho que fazem no setor informal”. Além de proporcionar trabalho, o mercado negro geralmente é o único local onde as pessoas podem comprar as mercadorias de que necessitam. Um banqueiro de Lagos disse ao Word Busi- ness Report que: “os clientes são as pessoas da rua na Nigéria. Os supermercados, os shopping centers não são tão comuns, então a maioria das pessoas compra nas feiras”. “A economia informal realmente é a espinha dorsal da eco- nomia nigeriana. Ela é a espinha dorsal porque a maioria dos serviços que os nigerianos precisam para viver vem do setor in- formal”, acrescentou o analista nigeriano. Fonte: BBC News, 3 de dezembro de 2001 (http://news.bbc.co.uk/1/hi/business/1689165.stm) Sociedade global 20.1 A dependência da Nigéria de uma economia informal O comércio de rua é um direito comum na Nigéria. _Livro_Giddens.indb 628_Livro_Giddens.indb 628 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 http://news.bbc.co.uk/1/hi/business/1689165.stm Sociologia 629 Ter um emprego remunerado é importante por todas as razões listadas, particularmente no mundo desenvolvido – mas a categoria de “trabalho” é muito mais ampla, incluindo o trabalho na economia informal. O trabalho doméstico, que tradicionalmente é realizado principalmente por mulheres, costuma não ser remunerado, embora possa ser bastante di- fícil e exaustivo. Iremos explorar o trabalho doméstico com mais detalhe por meio dos estudos clássicos de Ann Oakley sobre o tema (ver o quadro “Estudos clássicos 20.1”). Uma das principais questões de interesse para os sociólo- gos é como o envolvimento crescente das mulheres no mer- cado afetou a divisão doméstica do trabalho. Se a quantidade de trabalho doméstico não diminuiu, mas menos mulheres hoje são donas de casa em horário integral, conclui-se que os deveres domésticos devem ser organizados de maneira bas- tante diferentes hoje em dia. Transformando a organização social do trabalho Um dos aspectos mais característicos do sistema econômi- co das sociedades modernas é a existência de uma divisão do trabalho altamente complexa: o trabalho é dividido em um número enorme de ocupações diferentes, nas quais as pessoas se especializam. Nas sociedades tradicionais, o tra- balho não agrícola implica o conhecimento de um ofício. Os ofícios eram aprendidos no decorrer de um longo período de aprendizado, e o trabalhador normalmente executava to- dos os aspectos do processo de produção, do começo ao fim. Por exemplo, para fazer um arado, o ferreiro fundia o ferro, moldava-o e montava o implemento. Com a ascensão da pro- dução industrial moderna, a maioria dos ofícios tradicionais desapareceu totalmente, substituída por habilidades que fa- zem parte de processos de produção em maior escala. Jockey, cuja história de vida discutimos no começo deste capítulo, é um exemplo. Ele passou toda a vida profissional fazendo uma única tarefa altamente especializada, outras pessoas na fábrica lidavam com outras tarefas específicas. A sociedade moderna também testemunhou uma mu- dança na localização do trabalho. Antes da industrializa- ção, os principais trabalhos ocorriam em casa e eram feitas coletivamente por todas as pessoas da família. Os avanços na tecnologia industrial, como máquinas que operam com eletricidade e carvão, contribuíram para a separação entre o trabalho e o lar. As fábricas privadas se tornaram os pontos focais do desenvolvimento industrial: as máquinas e equipa- mentos se concentravam dentro delas, e a produção em mas- sa começou a ofuscar o trabalho artesanal de pequena escala e baseado no lar. As pessoas que procuravam emprego nas fábricas, como Jockey, eram treinadas para realizar uma tare- fa especializada e recebiam um salário por esse trabalho. Os gerentes, que se preocupavam em implementar técnicas para aumentar a produtividade e a disciplina dos trabalhadores, supervisionavam o desempenho dos empregados. O contraste na divisão do trabalho entre as sociedades tradicionais e modernas é verdadeiramente extraordinário. Mesmo nas maiores sociedades tradicionais, geralmente não havia mais de 20 ou 30 ofícios principais, juntamente com pa- péis especializados, como mercador, soldado e padre. Em um sistema industrial moderno, existem literalmente milhares de ocupações distintas. Por exemplo, o censo britânico lista apro- ximadamente 20 mil ocupações distintas na economia britâni- ca. Em comunidades tradicionais, a maior parte da população trabalhava em fazendas e era autossuficiente do ponto de vista econômico. Produziam seus próprios alimentos, roupas e ou- tras necessidades da vida. Um dos principais aspectos das so- ciedades modernas, em contrapartida, é uma expansão enorme da interdependência econômica. Somos todos dependentes de um número imenso de outros trabalhadores – atualmente espa- lhados por todo o mundo – para os produtos e serviços que dão suporte a nossas vidas. Com poucas exceções, a grande maioria das pessoas nas sociedades modernas não produz a comida que come, as casas onde vive ou os bens materiais que consome. Os primeiros sociólogos escreveram amplamente sobre as consequências potenciais da divisão do trabalho – paraos tra- balhadores individuais e para a sociedade como um todo. Karl Marx foi um dos primeiros autores a especular que o desenvol- vimento da indústria moderna reduziria o trabalho de muitas pessoas a tarefas desinteressantes e tediosas. Segundo Marx, a divisão do trabalho aliena os seres humanos de sua ocupação. Para Marx, a alienação se refere a sentimentos de indiferença ou hostilidade não apenas em relação ao trabalho, mas tam- bém à estrutura geral de produção industrial dentro do mo- delo capitalista. Nas sociedades tradicionais, segundo Marx, o trabalho era exaustivo – os camponeses, às vezes, trabalhavam da aurora ao anoitecer. Ainda assim, os camponeses tinham um grau verdadeiro de controle sobre seu trabalho, que exi- gia muito conhecimento e habilidade. Muitos trabalhadores industriais, em comparação, têm pouco controle sobre seus trabalhos, contribuindo apenas com uma pequena fração para a criação do produto total, e não têm influência sobre como ou para quem ele será vendido. Os marxistas argumentariam que, para trabalhadores como Jockey, o trabalho parece algo estranho, uma tarefa que deve ser cumprida para ganhar uma renda, mas que é intrinsecamente insatisfatória. Durkheim tinha uma perspectiva mais otimista sobre a divisão do trabalho, embora também reconhecesse seus efeitos potencialmente nocivos. Segundo Durkheim, a es- pecialização dos papéis fortaleceria a solidariedade social nas comunidades. Em vez de viver como unidades isoladas e autossuficientes, as pessoas estariam ligadas por sua de- pendência mútua. A solidariedade seria promovida pelas re- lações multidirecionais de produção e consumo. Durkheim considerava esse modelo altamente funcional, embora tam- bém estivesse ciente de que a solidariedade social poderia ser perturbada se a mudança fosse rápida demais. Ele se referia a esse senso resultante de falta de normas como anomia. Talvez seja importante rever a síntese das obras de Durkheim e Marx no Capítulo 1, “O que é sociologia?”» Taylorismo e fordismo Escrevendo por volta de dois séculos atrás, Adam Smith, um dos fundadores da economia moderna, identificou as vanta- gens que a divisão do trabalho proporcionava em aumento _Livro_Giddens.indb 629_Livro_Giddens.indb 629 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 Anthony Giddens630 O problema de pesquisa Talvez você pense que “trabalho” seja exclusivamente aquilo que ocorre no mundo do comércio, agricultura e indústria. Antes da década de 1970, os estudos sociológicos sobre o trabalho se con- centravam no emprego pago nessa esfera, a pública. Porém, esse enfoque ignorava a esfera doméstica e simplesmente pressupu- nha que o que acontecia nas famílias era assunto privado. Toda- via, essas premissas arraigadas foram totalmente sacudidas pela segunda onda de feminismo, que desafiou a ideia de que a vida pessoal não era relevante para os sociólogos. Mas como essas premissas haviam se difundido tanto em primeiro lugar? Qual é a relação entre o trabalho pago e as tarefas domésticas? Por que elas são vistas como uma esfera exclusivamente feminina? Ann Oakley investigou essas questões em dois livros afins publicados em 1974, The Sociology of Housework e Housewife. A visão de Oakley Oakley (1974b) argumenta que o trabalho doméstico, em sua forma atual no Ocidente, passou a existir com a separação entre o lar e o local de trabalho. Com a industrialização, o “trabalho” passou a ocorrer longe do lar e da família, e o lar se tornou um local de consumo, em vez de um local para a produção de bens e merca- dorias. O trabalho doméstico então se tornou “invisível”, à medida que o “trabalho real” passou a ser definido cada vez mais como aquele que recebe um pagamento direto, de maneira significativa, o trabalho doméstico ficou percebido como o domínio “natural” das mulheres, enquanto o campo do “trabalho real” fora da casa era reservado para os homens. Nesse modelo convencional, a divisão doméstica do trabalho – a maneira em que as responsabilidades em casa são compartilhadas pelos membros da família – era bas- tante clara. As mulheres (donas de casa) davam conta da maioria das tarefas domésticas, ou mesmo de todas, enquanto os homens “proviam” para a família, ganhando um “salário familiar”. O período de desenvolvimento do “lar” separado também as- sistiu a outras mudanças. Antes das invenções e facilidades trazi- das pela industrialização, o trabalho no lar era difícil e exaustivo. Lavar as roupas da semana, por exemplo, era uma tarefa pesada e difícil. A introdução da água encanada quente e fria nas casas acabou com muitas tarefas demoradas, antes, era preciso carre- gar a água até a casa e aquecê-la, como ainda ocorre em grande parte do mundo em desenvolvimento. A eletricidade e o gás en- canado tornaram os fogões a lenha e carvão obsoletos, acabando com a necessidade de obrigações como cortar lenha regularmen- te, carregar o carvão e limpar o fogão constantemente. Ainda assim, segundo Oakley, a quantidade média de tempo que as mulheres gastam no trabalho doméstico não diminuiu de maneira notável, mesmo depois da introdução de equipamentos para economizar tempo. A quantidade de tempo que as mulhe- res britânicas sem emprego remunerado gastam no trabalho do- méstico permaneceu constante, pois, agora, as casas devem ser limpas com mais cuidado do que antes. Os aparelhos domésticos eliminaram alguns dos deveres mais pesados, mas novas tarefas ocuparam o seu lugar. O tempo gasto com os filhos, guardando compras em casa e preparando refeições aumentou. Esse traba- lho doméstico não remunerado representa entre 25 e 40% da riqueza criada nos países industrializados. Um estudo britânico sobre o uso do tempo estimou que, se o trabalho doméstico fosse Estudos clássicos 20.1 Ann Oakley, sobre o trabalho doméstico e o papel da dona de casa As mulheres muitas vezes seguem uma dupla jornada, em casa e no emprego remunerado. _Livro_Giddens.indb 630_Livro_Giddens.indb 630 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 Sociologia 631 da produtividade. Seu trabalho mais famoso, A Riqueza das Nações (1776), começa com uma descrição da divisão do tra- balho em uma fábrica de alfinetes. Uma pessoa trabalhando sozinha talvez conseguisse fazer 20 alfinetes por dia. Todavia, decompondo-se o trabalho em diversas operações simples, dez trabalhadores trabalhando em funções especializadas em coo- peração poderiam produzir coletivamente 48 mil alfinetes por dia. A taxa de produção por trabalhador, em outras palavras, aumenta de 20 para 4.800 alfinetes, e cada operador especia- lizado produz 240 vezes mais do que se trabalhasse sozinho. Mais de um século depois, essas ideias chegaram a sua expressão máxima nos escritos de Frederick Winslow Taylor (1865-1915), um consultor administrativo norte-americano. A abordagem de Taylor ao que chamou de “administração cientí- fica” envolvia o estudo detalhado de processos industriais para pago, ele renderia 700 bilhões para a economia (ONS, 2002a). Oakley argumenta que o trabalho doméstico que não é reconhe- cido e recompensado, na verdade, sustenta o restante da eco- nomia, prestando serviços gratuitos dos quais dependem muitos daqueles que têm empregos remunerados. A devoção integral das mulheres às tarefas domésticas tam- bém pode ser um grande fator de isolamento, alienação e falta de satisfação intrínseca. As donas de casa no estudo de Oakley (1974) consideravam as tarefas domésticas bastante monótonas e tinham dificuldade para fugir da pressão psicológica autoim- posta para cumprir certos padrões que estabeleciam para seu trabalho. Como o trabalho doméstico não é remunerado e não traz nenhuma gratificação monetária direta, as mulheres tiram satisfação e gratificações psicológicas de cumprir padrões de lim- peza e ordem, que sentem como regras impostas externamente. Ao contrário dos homens trabalhadores, as mulheres não podem deixar o “local de trabalho” ao final do dia. As formas de trabalho remunerado e não remunerado estão intimamenteinter-relacionadas, como demonstra a contribuição das donas de casa para a economia geral. E, embora algumas mu- lheres entrevistadas tenham dito que eram “seus próprios chefes” em casa, Oakley argumenta que isso era ilusório. Enquanto os homens trabalham em um horário fixo e evitam tarefas domés- ticas adicionais, todas as tarefas domésticas extras, como cuidar de filhos, cônjuges e parentes idosos doentes, significam um au- mento no horário de trabalho das mulheres, que são consideradas “cuidadoras naturais” no lar. Isso significa que os homens tendem a separar o trabalho e o lazer de maneira clara, e consideram que tarefas extras invadem o seu tempo de lazer protegido, mas, para as mulheres, isso faz pouco sentido, pois elas não vivenciam essa divisão clara do tempo. Oakley também considera que o traba- lho remunerado traz consigo uma renda, que cria uma relação desigual de poder, tornando as donas de casa dependentes do cônjuge para sua sobrevivência econômica e a de suas famílias. Pontos de crítica Alguns críticos discordam do argumento de Oakley de que o pa- triarcado, em vez da classe social, era o fator mais significativo para explicar a divisão generificada do trabalho doméstico. Os críticos argumentam que isso negligenciaria diferenças importantes entre os lares da classe trabalhadora e da classe média, no que diz res- peito à tomada de decisões e ao compartilhamento de recursos. As mudanças sociais recentes também levantaram a questão de se as mulheres trabalhadoras realmente carregam um “fardo dobrado” maior do que os homens, tendo que combinar o trabalho remu- nerado com o trabalho doméstico. Gershuny (1992), por exemplo, afirma que houve mudanças reais que, até certo grau, equilibraram a quantidade de trabalho em muitos lares. Ele observa que a quan- tidade de trabalho dos homens tem aumentado e, se medirmos a quantidade total de trabalho (pago e doméstico) realizado por ho- mens e mulheres, está havendo um processo real de equiparação, embora a adaptação da sociedade ao aumento no número de mu- lheres que trabalham tenha ficado um pouco para trás. Portanto, também podemos esperar que as posturas das gerações mais jo- vens mudem à medida que a socialização se dê em situações fami- liares mais igualitárias. O estudo de Sullivan (2000) sobre a divisão temporal corrobora a conclusão otimista de Gershuny. Ela descobriu que, desde o final da década de 1950, a proporção feminina das tarefas domésticas havia caído em torno de um quinto em todas as classes sociais e, quanto mais as mulheres trabalhavam em empre- gos remunerados, menor era seu comprometimento de tempo com as tarefas domésticas. O que esses estudos sugerem é que talvez Oakley tenha sido pessimista demais em relação às perspectivas de mudança nas relações de gênero domésticas. Relevância contemporânea O trabalho de Ann Oakley foi imensamente influente nas décadas de 1970 e de 1980, quando os estudos feministas ampliaram o es- tudo sociológico das relações de gênero e domésticas. E, apesar das questões legítimas levantadas por críticos mais recentes, suas ideias continuam importantes. Mesmo o trabalho de Gershuny, Sullivan e outros autores reconhece que, embora existam mudanças sociais em andamento, de um modo geral, as mulheres continuam a fazer mais trabalho doméstico do que os homens. Isso corrobora a alegação de Oakley de que as sociedades ocidentais têm posturas e premissas profundamente arraigadas sobre o que constitui o “lugar adequado“ das mulheres dentro da esfera doméstica. Mais recentemente, Crompton e colaboradores (2005) obser- varam que, à medida que pressões econômicas globais aumentam a competição e forçam as empresas a exigir um comprometimento maior de seus trabalhadores (principalmente homens), o processo de equiparação está “parado”. As posturas em relação à divisão doméstica do trabalho estavam se tornando menos tradicionais, mas as práticas reais dentro dos lares haviam, em alguns países, incluindo o Reino Unido, revertido para um padrão mais tradicional. De maneira clara, existe muita pesquisa comparativa por fa- zer sobre o impacto das mudanças econômicas globais na divisão do trabalho doméstico, mas a pesquisa de Ann Oakley na década de 1970 convenceu os sociólogos de que o entendimento das sociedades e da mudança social deve envolver uma análise das relações nas situações domésticas, tanto quanto na esfera públi- ca do trabalho e emprego remunerado. REFLEXÃO CRÍTICA Qual era a sua experiência na infância com a divisão gene- rificada do trabalho doméstico? Que memórias você tem de seus pais, tios e avós realizando tarefas domésticas? Será que as coisas mudaram muito nas novas gerações? Que aspectos você acredita que mudaram mais – o trabalho doméstico, criação dos filhos, pagamentos de contas, cuidados de paren- tes doentes, e assim por diante? Que aspectos têm sido mais resistentes à mudança e por que você acha que isso ocorre? _Livro_Giddens.indb 631_Livro_Giddens.indb 631 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 Anthony Giddens632 decompô-los em operações simples que pudessem ser crono- metradas e organizadas com precisão. O taylorismo, também denominada de “administração científica”, não era apenas um estudo acadêmico, mas um sistema de produção projetado para maximizar a produção industrial e teve um grande impacto, não apenas na organização da produção e tecnologia industrial, mas também na política do local de trabalho. Em particular, os estudos de Taylor sobre o tempo e o movimento tiraram do tra- balhador o controle sobre o conhecimento do processo de pro- dução, colocando-o firmemente nas mãos da administração, implodindo a base sobre a qual os trabalhadores manuais man- tinham sua autonomia em relação a seus empregadores (Bra- verman, 1974). Desse modo, o taylorismo passou a ser ampla- mente associado à desespecialização e degradação do trabalho. Os princípios do taylorismo foram usados pelo indus- trialista Henry Ford (1863-1947). Ford criou sua primei- ra fábrica de automóveis em Highland Park, Michigan, em 1908, para fabricar apenas um produto – o Ford Modelo T – envolvendo a introdução de ferramentas especializadas e maquinário criado para conferir velocidade, precisão e sim- plicidade de operação. Uma das inovações mais significativas de Ford foi a introdução da linha de montagem, supostamen- te inspirada pelos matadouros de Chicago, onde os animais eram decompostos parte por parte ao longo de uma linha móvel. Cada trabalhador na linha de montagem de Ford ti- nha uma tarefa especializada, como encaixar as maçanetas da porta esquerda à medida que os carros andassem ao longo da linha. Em 1929, quando a produção do Modelo T terminou, haviam sido produzidos mais de 15 milhões de carros. Ford estava entre os primeiros a entender que a produ- ção em massa exige mercados de massa. Ele raciocinou que, para que mercadorias padronizadas como o automóvel pu- dessem ser produzidas em uma escala cada vez maior, tam- bém seria preciso garantir a presença de consumidores que pudessem comprá-las. Em 1914, Ford deu o passo inédito de aumentar os salários unilateralmente em sua fábrica em De- arborn, Michigan, para 5 dólares por um dia de oito horas – um salário bastante generoso para a época e que garantia um estilo de vida de classe média, incluindo a propriedade de um automóvel. Conforme diz David Harvey: “o propósito do dia de cinco dólares e oito horas era, apenas em parte, ga- rantir a obediência dos trabalhadores à disciplina necessária para operar o sistema altamente produtivo da linha de mon- tagem. Coincidentemente, ele também visava proporcionar renda suficiente para que os trabalhadores consumissem os produtos feitos em massa que as corporações venderiam em quantidades cada vez maiores” (1989, p. 126). Ford também recrutou os serviços de um pequeno exército de assistentes sociais, que foram enviados aos lares dos trabalhadores para educá-los nos hábitos de consumo apropriados. Fordismo é o nome usadopara designar o sistema de produção em massa ligado ao cultivo de mercados de mas- sa. Em determinados contextos, o termo tem um significado mais específico, referindo-se a um período histórico no de- senvolvimento do capitalismo do pós-guerra, em que a pro- dução em massa era associada à estabilidade nas relações la- borais e a um grau elevado de sindicalização. Sob o fordismo, as empresas assumiram compromissos de longo prazo com os trabalhadores, e os salários eram ligados ao crescimento da produtividade. Desse modo, os acordos coletivos – acor- dos formais negociados entre as empresas e os sindicatos, que especificavam as condições de trabalho, como salários, direi- tos adquiridos, benefícios e assim por diante – formavam um “círculo virtuoso” que garantia o consentimento do trabalha- dor para regimes de trabalho automatizado e demanda sufi- ciente para mercadorias produzidas em massa. Considera-se que o sistema acabou na década de 1970, abrindo espaço para maior flexibilidade e insegurança nas condições de trabalho. As razões para o declínio do fordismo são complexas e intensamente debatidas. À medida que empresas em uma va- riedade de setores adotaram os métodos de produção fordis- tas, o sistema encontrou certas limitações. Em um momento, parecia que o fordismo representava o futuro da produção in- dustrial como um todo. Porém, isso não se provou verdadeiro. O sistema somente pode ser aplicado naqueles setores, como a fabricação de carros, que fabricam produtos padronizados para mercados grandes. Construir linhas de produção mecani- zadas é muito caro e, depois que um sistema fordista está esta- belecido, ele se torna bastante rígido. Para alterar um produto, por exemplo, necessita-se de um reinvestimento substancial. A produção fordista é fácil de copiar, se houver verba suficiente para montar a fábrica. Porém, as empresas em países onde a mão de obra é cara têm dificuldade para competir com aquelas onde existe mão de obra mais barata. Esse foi um dos fatores que levaram à ascensão da indústria automobilística japonesa (embora os níveis salariais no Japão não sejam mais baixos) e, subsequentemente, a da Coreia do Sul. Todavia, as dificuldades com o fordismo e o taylorismo se estendem além da necessidade de equipamentos caros. O fordismo e o taylorismo são o que alguns sociólogos indus- triais chamam de sistemas de baixa confiança. Os empregos são determinados pela administração e são voltados para as máquinas. Aqueles que executam as tarefas são supervisiona- dos minuciosamente e têm pouca autonomia. Para manter a disciplina e padrões elevados de qualidade na produção, os empregados são monitorados constantemente por meio de diversos sistemas de vigilância. A vigilância no trabalho e em outras organizações é discutida no Capítulo 18, “Organizações e redes”.» Entretanto, essa supervisão constante tende a produzir o resultado oposto ao pretendido: o comprometimento e a moral dos trabalhadores costumam diminuir, pois eles têm pouca voz quanto à natureza de seu trabalho e como ele é executado. Em locais de trabalho com muitas posições de baixa confiança, o nível de insatisfação e absenteísmo dos trabalhadores é elevado, e o conflito trabalhista é comum. Um sistema de alta confiança, em comparação, é aquele em que os trabalhadores podem controlar o ritmo, e mesmo o conteúdo do seu trabalho, dentro de diretrizes gerais. Esses sistemas geralmente se concentram nos níveis superiores de organizações industriais. Como veremos, os sistemas de alta confiança se tornaram mais comuns em muitos locais de tra- balho nas últimas décadas, transformando a própria maneira como pensamos sobre a organização e execução do trabalho. _Livro_Giddens.indb 632_Livro_Giddens.indb 632 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 Sociologia 633 Globalização e pós-fordismo Nas últimas décadas, foram introduzidas práticas flexíveis em diversas esferas, incluindo o desenvolvimento de produtos, técnicas de produção, estilos de administração, ambientes de trabalho, envolvimento dos empregados e marketing. O traba- lho em grupo, as equipes de resolução de problema, o trabalho polivalente, a atuação em nichos de mercado são apenas algu- mas das estratégias que as empresas têm adotado para tentar se reestruturar e aproveitar as oportunidades apresentadas na economia global. Alguns analistas sugerem que, vistas coleti- vamente, essas mudanças representam um afastamento radical dos princípios do fordismo, eles reconhecem que estamos ope- rando em um período que deve ser melhor entendido como pós-fordismo. A expressão foi popularizada por Michael Piore e Charles Sabel em The Second Industrial Divide (1984), e des- creve uma nova era de produção econômica capitalista, na qual a flexibilidade e a inovação são maximizadas para satisfazer as demandas do mercado por produtos diversos e customizados. Todavia, a ideia do pós-fordismo é problemática. O ter- mo é usado em referência a um conjunto de mudanças sobre- postas que estão ocorrendo, não apenas no domínio do tra- balho e da vida econômica, mas na sociedade como um todo. Alguns autores afirmam que a tendência para o pós-fordismo pode ser vista em esferas tão diversas quanto a política parti- dária, os programas de bem-estar social e as opções de estilo de vida e consumo. Embora os observadores da sociedade contemporânea possam apontar para muitas das mesmas mudanças, não existe consenso sobre o significado exato do pós-fordismo ou, de fato, se essa sequer é a melhor maneira de entender o fenômeno que temos testemunhado. Apesar da confusão em torno do termo, nas últimas dé- cadas, surgiram várias tendências diferentes no mundo do trabalho, que parecem representar um afastamento claro das práticas fordistas anteriores. Entre elas, a descentralização do trabalho, a diminuição dos níveis hierárquicos, a ideia da pro- dução flexível e customização em massa, a difusão da produ- ção global e a introdução de uma estrutura ocupacional mais aberta. Analisaremos exemplos das primeiras três tendências, antes de analisar algumas críticas da tese pós-fordista. Produção em equipe grupo A produção em equipe grupo – o trabalho colaborativo em lugar de linhas de montagem – tem sido usada em conjunto com a automação como forma de reorganizar o trabalho. A ideia subjacente é aumentar a motivação o envolvimento do trabalhador, deixando grupos de trabalhadores atuarem con- juntamente em processos de produção em equipe, em vez de exigir que cada trabalhador passe o dia inteiro fazendo uma única tarefa repetitiva, como inserir os parafusos na maçane- ta da porta de um carro. Um exemplo de produção em grupo são os círculos de controle de qualidade (CCQ): grupos de 5 a 20 trabalhadores que se reúnem regularmente para estudar e resolver problemas com a produção. Os trabalhadores que pertencem aos círculos de qualidade recebem treinamento extra, proporcionando-lhes contribuir com conhecimento técnico para a discussão de ques- tões relacionadas com a produção. Os CCQ começaram nos Es- tados Unidos, foram adotados por várias empresas japonesas, e depois repopularizados em economias ocidentais na década de 1980. Eles representam um rompimento em relação às pre- missas do taylorismo, pois reconhecem que os trabalhadores possuem o conhecimento necessário para contribuir para a de- finição e metodologia das tarefas que executam. Os efeitos positivos da produção em grupo para os traba- lhadores podem ser a aquisição de novas habilidades, maior autonomia, menor supervisão gerencial e mais orgulho em relação aos bens e serviços que produzem. Todavia, estudos identificaram várias consequências negativas da produção em equipe. Mesmo que a autoridade gerencial direta seja menos visível em um processo em equipe, existem outras formas de monitoramento, como a supervisão por outros tra- balhadores da equipe. A socióloga norte-americana Laurie Graham foi trabalhar na linha de montagem da fábrica de carros japonesa Subaru-Isuzuem Indiana, nos Estados Uni- dos, e observou que a pressão dos outros empregados para aumentar a produtividade era impiedosa. Para mais sobre os modelos japoneses de organização empresarial, ver o Capítulo 18, “Organizações e redes”.» Uma colega de trabalho lhe disse que, depois de se sentir entusiasmada em relação ao conceito de equipe, ela observou que a supervisão dos colegas era apenas um novo modo de gestão para levar as pessoas a trabalhar “até morrer”. Graham (1995) também observou que a Subaru-Isuzu usava o con- ceito de produção em grupo como um meio de resistir aos sindicatos, sob o argumento de que, se a administração e os trabalhadores estivessem no mesmo “time”, não haveria conflito entre os dois. Em outras palavras, um bom “joga- dor de equipe” não reclama. Na fábrica da Subaru-Isuzu onde Graham trabalhou, as demandas por maior salário ou menos responsabilidades eram consideradas falta de cooperação do empregado. Estudos como o de Graham levaram sociólogos a concluir que, embora os processos de produção baseados na equipe proporcionassem oportunidades para formas menos monótonas de trabalho, os sistemas de poder e controle con- tinuavam iguais no local de trabalho. Produção flexível e customização em massa Uma das mudanças mais importantes nos processos de pro- dução ao redor do mundo nos últimos anos foi a introdução do computer aided desing (CAD), projeto assistido por com- putador, e do computer aied manufactoring (CAM), fabricação assistida por computador, que auxiliaram á tornar a produção flexível. Embora o taylorismo e o fordismo fossem bons para a produção em massa (cujos produtos eram sempre iguais) para mercados de massa, eles não conseguiam dar conta de pedidos pequenos de mercadorias, muito menos de mercadorias fei- tas especificamente para um cliente individual. A capacidade limitada dos sistemas taylorista e fordista de customizar seus produtos é refletida na famosa frase de Henry Ford sobre o primeiro carro produzido em massa: “as pessoas podem ter o modelo T em qualquer cor – desde que seja preto”. Os designs computadorizados, juntamente com outras formas de tecnolo- _Livro_Giddens.indb 633_Livro_Giddens.indb 633 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 gia informatizada, mudaram essa situação de maneira radical. Stanley Davis fala da emergência da “customização em massa”: as novas tecnologias permitem a produção em grande escala de objetos criados para clientes específicos. É possível produ- zir cinco mil camisetas por dia em uma linha de montagem. Hoje se pode customizar cada uma das camisetas com a mes- ma rapidez, e sem um custo maior que o necessário para pro- duzir as cinco mil camisetas idênticas (Davis, 1988). Embora a produção flexível tenha trazido benefícios para os consumidores e a economia como um todo, o efeito sobre os trabalhadores não foi totalmente positivo. Embora os trabalha- dores aprendam novas habilidades e tenham trabalhos menos monótonos, a produção flexível pode criar todo um novo con- junto de pressões, que resultam na necessidade de coordenar cuidadosamente o complexo processo de produção e de obter resultados rápidos. O estudo de Laurie Graham sobre a fábrica da Subaru-Isuzu documentou casos em que os trabalhadores ficavam esperando até o último minuto por partes críticas do processo de produção. Como resultado, empregados eram for- çados a trabalhar mais tempo e mais intensamente para acom- panhar o horário de produção, sem compensação adicional. Tecnologias como a internet podem ser usadas para soli- citar informações sobre consumidores individuais e, assim, fa- bricar produtos segundo suas especificações. Os entusiasma- dos proponentes argumentam que a customização em massa oferece nada menos do que uma nova Revolução Industrial, um acontecimento tão significativo quanto a introdução de técnicas de produção em massa no século passado. Todavia, os céticos são rápidos em apontar que, da forma que se pratica hoje em dia, as customizações em massa criam apenas uma ilusão de escolha – na realidade, as opções disponíveis para o cliente pela internet não são maiores do que as oferecidas por um típico catálogo de encomenda postal (Collins, 2000). Um dos fabricantes que levaram a customização em massa mais adiante é a fábrica de computadores Dell. Os clientes que desejarem comprar um computador do fabricante devem en- trar na internet – a empresa não mantém lojas – e navegar pelo website da Dell, onde podem selecionar a mistura de caracte- rísticas que quiserem. Depois de feito o pedido, um computa- dor é construído segundo as especificações e enviado – geral- mente dentro de alguns dias. De fato, a Dell virou de cabeça para baixo a maneira tradicional de construir um produto: as empresas antes construíam o produto primeiro, e depois se preocupavam em vendê-lo; hoje, os customizadores em massa como a Dell vendem antes e constroem depois. Essa mudança tem consequências importantes para a indústria. A necessida- de de manter estoques de peças – um custo importante para os fabricantes – foi dramaticamente reduzida. Além disso, uma proporção cada vez maior da produção é terceirizada. Assim, a transferência rápida de informações entre fabricantes e for- necedores – também facilitada pela tecnologia da internet – é essencial para a implementação da customização em massa. Mesmo onde a produção foi customizada, como no setor eletrônico, ainda pode haver elementos da linha de produção. _Livro_Giddens.indb 634_Livro_Giddens.indb 634 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 Sociologia 635 Produção global As mudanças na produção industrial incluem não apenas como os produtos são manufaturados, mas também onde eles são feitos, como vimos no exemplo da boneca Barbie no Ca- pítulo 4. Durante grande parte do século XX, as organizações empresariais mais importantes eram grandes empresas ma- nufatureiras que controlavam a produção de mercadorias e sua venda final. Empresas automobilísticas gigantes, como a Ford e a General Motors nos Estados Unidos, tipificam essa abordagem. Essas empresas empregam milhares de operá- rios, que fabricam tudo, desde componentes individuais até os carros finais, que são vendidos nas concessionárias dos fabricantes. Esses processos de produção dominados pela manufatura são organizados como grandes burocracias, con- troladas, muitas vezes, por uma única firma. Durante os últimos 20 ou 30 anos, contudo, outra for- ma de produção se tornou importante – a qual é controlada por varejistas gigantes. Na produção dominada pelo varejo, empresas como a norte-americana Wal-Mart – que, no ano 2000, era a segunda maior corporação do mundo – compram produtos dos fabricantes, por sua vez, providenciam que seus produtos sejam fabricados por outras empresas. Os sociólogos norte-americanos Edna Bonacich e Ri- chard Appelbaum (2000) mostram que, na fabricação de roupas, a maioria dos fabricantes não emprega nenhum tra- balhador têxtil. Ao contrário, eles contam com milhares de fábricas ao redor do mundo para fazer suas roupas, que ven- dem em lojas de departamento e outras lojas de varejo. Os fabricantes de roupas não possuem nenhuma dessas fábricas e, portanto, não são responsáveis pelas condições em que as roupas são feitas. Dois terços de todas as roupas vendidas nos Estados Unidos são feitos em fábricas fora do país, onde os trabalhadores recebem uma fração dos salários norte-ameri- canos. (Na China, os trabalhadores terão sorte se ganharem 40 dólares – pouco mais de 20 libras – por mês.) Bonacich e Appelbaum argumentam que essa competição resulta em uma “corrida global ao fundo”, na qual varejistas e fabrican- tes irão a qualquer lugar sobre a Terra onde possam pagar os salários mais baixos possíveis. Um dos resultados disso é que grande parte das roupas que usamos atualmente provavel- mente terá sido fabricada em sweatshops por trabalhadores jovens – muitas vezes meninas adolescentes – que recebem meros centavos para fazer roupas ou tênis que sãovendidos por dezenas, se não milhares, de libras. Críticas ao pós-fordismo Embora reconheçam que transformações estão ocorrendo no mundo do trabalho, alguns analistas rejeitam o rótulo do “pós-fordismo”. Uma crítica comum é que os analistas pós-fordistas estão exagerando ao afirmar que as práticas fordistas foram abandonadas. O que estamos testemunhan- do não é uma transformação total, como os defensores do pós-fordismo afirmam, mas a integração de algumas aborda- gens novas com as técnicas fordistas tradicionais. Esse argu- mento tem sido adotado por aqueles que alegam que estamos passando por um período de “neo-fordismo” – ou seja, mo- dificações nas técnicas fordistas tradicionais (Wood, 1989). Foi sugerido que a ideia de uma transição fácil e linear de técnicas fordistas para pós-fordistas superestima a verda- deira natureza do trabalho nos dois extremos. Anna Pollert (1988) argumenta que as técnicas fordistas nunca foram tão arraigadas quanto alguns sugerem. Também é um exagero, segundo ela, dizer que a era da produção em massa passou, em favor da flexibilidade total. Ela aponta que as técnicas de produção em massa ainda dominam muitos setores, especial- mente aqueles voltados para os mercados consumidores. Se- gundo Pollert, a produção econômica sempre se caracterizou por uma diversidade de técnicas, em vez de uma abordagem unificada e padronizada. A natureza mutável do trabalho e do emprego A estrutura ocupacional em todos os países industrializados tem mudado de forma bastante substancial desde o início do século XX. No começo do século XX, o mercado de trabalho era dominado por empregos de colarinho azul na manufa- tura, mas, com o tempo, o equilíbrio alternou-se para posi- ções de colarinho branco no setor de serviços. A Tabela 20.1 mostra o declínio gradual do trabalho operário e a ascensão do setor de serviços no Reino Unido desde 1981. Em 1900, mais de três quartos da população empregada do Reino Uni- do estava no trabalho braçal (de colarinho azul). Por volta de 28% deles eram trabalhadores especializados, 35% eram se- miespecializados e 10% eram não especializados. Os empre- gos profissionais e de colarinho branco existiam em números relativamente baixos. Na metade do século, os trabalhadores braçais compunham menos de dois terços da população em empregos remunerados, e o trabalho não manual havia se ex- pandido de maneira correspondente. Entre 1981 e 2006, os empregos na manufatura haviam reduzido de 31% para ape- nas 17% (homens) e de 18% para 6% (mulheres). Existe um debate considerável sobre por que essas mu- danças ocorreram, mas parece haver várias razões. Uma é a introdução constante de máquinas para economizar com mão de obra, culminando na difusão da tecnologia da informática na indústria nos últimos anos. Outra é a ascensão do setor manufatureiro fora do Ocidente, particularmente no Extremo Oriente. As antigas indústrias das sociedades ocidentais tive- ram grandes cortes por causa da sua incapacidade de com- petir com os produtores mais eficientes do Extremo Oriente, cujos custos com mão de obra são menores. Para mais sobre esse tema, ver o Capítulo 4, “Globalização e o mundo em mudança”.» A globalização da produção econômica, juntamente com a disseminação da tecnologia da informação, está alterando a natureza dos trabalhos que a maioria das pessoas faz. Con- forme discutido no Capítulo 11, “Estratificação e classe so- cial”, a proporção de pessoas que trabalham em empregos de colarinho azul nos países industriais caiu progressivamente, e uma consequência importante disso é o declínio da partici- pação nos sindicatos. _Livro_Giddens.indb 635_Livro_Giddens.indb 635 03/04/17 10:2703/04/17 10:27 caraujo Retângulo Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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