Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CAP Í T U LO 1 6 Tratamento do Trauma Agudo R. Shayn Martin J. Wayne Meredith SUMÁRIO Visão Geral e História Sistemas de Trauma Graduação das Lesões Cuidados de Trauma Préhospitalar Avaliação e Tratamento Iniciais Tratamento de Lesões Específicas Reabilitação Visão geral e história Desde o início dos cuidados de saúde, o tratamento do paciente de trauma tem sido uma prioridade na prática do cirurgião, que deve possuir um grande leque de capacidades em todas as áreas de anatomia e fisiologia. O tratamento de lesões traumáticas precede a história registrada, com evidência de procedimentos neurocirúrgicos descobertos desde aproximadamente 10.000 a.C. Devido à elevada quantidade de trauma durante os conflitos, o tratamento do paciente de trauma teve os seus maiores avanços durante o período de guerra. O Quadro 16‑1 enumera algumas das maiores contribuições para os cuidados do trauma que se desenvolveram durante as principais guerras dos Estados Unidos. Temas comuns que evoluíram ao longo do tempo incluem melhorias no tratamento das feridas, reanimação e sistemas de cuidados. Além disso, os militares esforçaram‑se recentemente para formalizar estas pesquisas de modo a avançar mais rapidamente nesse campo durante tempos de guerra. Quadr o 1 6 1 Avanços e Descobe r t a s dos Cu idados de T rauma duran te a Guer ra Guerra Franco‑índia (1754‑1763) Contração da ferida durante cicatrização Fechamento primário e secundário Descrição de tecido de granulação e epitelização Guerra da Independência/Revolução Americana (1775‑1783) Terapia exaustiva (hemorragia, diarreia, vômitos, salivação, sudorese) Centralização dos cuidados médicos Estabelecimento da primeira escola médica Guerra Civil Americana (1861‑1865) Amputação primária (versus secundária) Uso de agentes antissépticos tópicos Infusão de sangue total Desenvolvimento de hospitais de especialidade (olho/ouvido, ortopedia, hérnia) Imobilização com tração das extremidades Primeira Guerra Mundial (1914‑1918) Laparotomia para trauma abdominal penetrante Desbridamento de feridas e fechamento tardio Uso precoce de plasma e cristaloides Primeiro banco de sangue Segunda Guerra Mundial (1939‑1945) Amputação com guilhotina e fechamento primário tardio Exteriorização de lesões do cólon Equipes cirúrgicas móveis Disfunção de órgão após lesão descrita Guerra da Coreia (1950‑1953) Cirurgia vascular para resgate do membro Reconhecimento do choque hipovolêmico Unidades hospitalares cirúrgicas móveis (unidades MASH) Guerra do Vietnã (1955‑1964) Transferência médica aérea (helicóptero) Acetato de mafenida para cuidados das queimaduras Reconhecimento da síndrome de desconforto respiratório (pulmão de Da Nang) Operação Enduring Freedom (Iraque, 2003 até o presente) Reanimação no controle de danos Sistemas de trauma altamente eficientes Reaparecimento do uso de torniquetes Enquanto inicialmente todos os cirurgiões prestaram cuidados ao paciente de trauma, a traumatologia amadureceu e tornou‑se uma especialidade cirúrgica distinta durante o último século. Após a formação do American College of Surgeons em 1913, a liderança da organização nomeou um comitê para reportar o tratamento das fraturas. O Comitê das Fraturas, criado em 1922, evoluiu e tornou‑se o Comitê de Trauma (COT) em 1949, acompanhando a evidente necessidade de vigilância. Iniciando com a publicação dos Cuidados Precoces ao Paciente de Trauma, o COT tem sido instrumental no avanço dos cuidados de trauma por todo o mundo mediante iniciativas como o curso Advanced Trauma Life Support (ATLS), a verificação de centros de trauma e o desenvolvimento de sistemas de trauma que melhoram o acesso aos cuidados. Uma das formas pelas quais o COT tem sido altamente eficaz é por meio do desenvolvimento de uma infraestrutura que inclui um grupo de comitês separados por estados, já que um COT nacional seria menos bem‑sucedido devido à estrutura operacional e à política regional. As atividades dos comitês estaduais frequentemente incluem o desenvolvimento de sistemas de trauma com a criação de documentos de triagem, maximizando o uso de recursos hospitalares e pré‑ hospitalares, iniciativas de prevenção de lesões, manutenção de registros nacionais e avanço de esforços de melhora do desempenho. Para padronizar a forma como os centros de trauma definem a estrutura, processo e resultados apropriados, o COT mantém o livro Resources for the optimal Care of the Injured Patient como referência, que serve como um guia de “como fazer” para os centros de trauma.1 O COT também desenvolveu o National Trauma Data Bank (NTDB), que é a maior base de dados de pacientes que existe atualmente, incluindo mais de 6 milhões de pacientes de 758 centros de trauma. Dados do NTDB foram incluídos ao longo deste capítulo para fornecer ao leitor informação atualizada sobre lesões específicas. Além do COT, várias outras organizações profissionais têm sido desenvolvidas com o objetivo primário de promover a melhoria dos cuidados de trauma. A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) teve origem em 1938 e é a maior e mais antiga das organizações profissionais de trauma. A AAST organiza uma conferência científica anual em setembro que se tornou recentemente a Annual Meeting of AAST and Clinical Congress of Acute Care Surgery. O amadurecimento desse encontro reflete a inclusão da cirurgia geral de emergência como componente da cirurgia de cuidados agudos nos temas científicos. A AAST também tem sido a organização líder no desenvolvimento do paradigma do treino da cirurgia de cuidados agudos, que agora inclui educação avançada em trauma, cuidados cirúrgicos críticos e cirurgia geral de emergência. Vários centros fornecem agora treino em cirurgia de cuidados agudos de acordo com um currículo padronizado; outros estão trabalhando para desenvolver programas. A Eastern Association for the Surgery of Trauma (EAST) e a Western Trauma Association (WTA) também são organizações acadêmicas proeminentes que promovem a troca de conhecimentos científicos nos cuidados de trauma. Ambos estes grupos têm comitês de avaliação multicêntricos ativos e têm‑se concentrado amplamente no desenvolvimento de diretrizes para a prática do manejo. A American Trauma Society tem sido uma parte fundamental da prevenção do trauma e desenvolvimento de sistemas de trauma desde sua fundação, em 1968, e tem sido líder em nível nacional, defendendo o paciente de trauma e promovendo legislação relacionada com o trauma. Finalmente, a Orthopaedic Trauma Association, a American Association of Neurological Surgeons e a Society of Trauma Nurses representam três organizações cujos membros são parte da equipe multidisciplinar dedicada à melhoria dos cuidados ao paciente de trauma. Sistemas de trauma A importância dos sistemas de trauma é mais bem demonstrada pelo seguinte exemplo: a estrada interestadual 40 tem cerca de 4.000 quilômetros desde Wilmington, na costa da Carolina do Norte, até Barstow, Califórnia. Se ocorresse um acidente de trânsito ao longo desta extensão de estrada, a infeliz realidade é que, mesmo com pequenas lesões, a evolução do paciente está altamente dependente do local do acidente ao longo da rodovia. Esse fato ilógico é uma reflexão da variabilidade do acesso de um paciente aos cuidados de local em local. As regiões que respondem melhor ao trauma desenvolveram uma abordagem organizada para fornecer todos os elementos que maximizam o potencial para recuperação, chamado sistema de trauma. Os sistemas de trauma incluem a continuidade dos cuidados, começando no momento do trauma, com o acesso do paciente aos cuidados, e estendendo‑se pelo processode reabilitação. No nível mais básico, o objetivo do sistema de trauma é levar o paciente certo ao local certo no tempo certo. À medida que o nosso sistema de cuidados de saúde se desenvolveu, os cuidados de trauma centraram‑se inicialmente em torno dos grandes hospitais acadêmicos. Todos os pacientes eram transportados para o centro de trauma, independentemente do grau de trauma. Embora isso fosse benéfico para o paciente em estado grave que era transportado para o centro de trauma, esse tipo de abordagem, hoje descrita como um sistema de trauma exclusivo, resultava no movimento de um número significativo de pacientes com trauma mínimo, que podiam ter sido tratados no hospital local. Na essência, esse tipo de sistema falha na capitalização dos recursos existentes nos centros que não são de trauma. A solução foi o desenvolvimento de sistemas de trauma que são inclusivos e, assim, envolvem todos os hospitais para assegurar as necessidades de todos os pacientes de trauma, independentemente da gravidade da lesão ou da localização geográfica (Fig. 16‑1). Os sistemas de trauma inclusivos capitalizam os recursos de todos os hospitais desde instalações de acesso crítico aos grandes centros de trauma níveis I e II. Guiados por protocolos de triagem, os pacientes de trauma são transportados para locais que são apropriados para fornecer o nível de cuidados necessários, com base na gravidade das lesões. Por vezes isso requer a transferência dos pacientes de hospitais menores para centros de trauma, embora neste sistema a maior parte dos pacientes possa receber o tratamento adequado no hospital local. O Quadro 16‑2 lista os componentes comuns de um sistema de trauma inclusivo que devem ser coordenados para maximizar a eficiência do transporte do paciente para o local que este mais necessita. Os benefícios dessa abordagem incluem o uso eficiente de todos os recursos disponíveis e a redução da lotação potencial dos centros de trauma com pacientes pouco graves, permitindo que a maior parte dos pacientes recebam cuidados adequados dentro da sua própria comunidade. Por fim, nunca é demais enfatizar a importância do suporte legislativo. Os sistemas de trauma podem florescer e os pacientes ter acesso a cuidados de trauma de alta qualidade apenas por meio de suporte governamental contínuo. FIGURA 161 Sistema de trauma inclusivo, incluindo a relação entre o número de pacientes e gravidade do trauma com respeito aos centros de trauma. O sistema está desenhado para fazer corresponder o nível de trauma com as capacidades do centro médico. (De American College of Surgeons Committee on Trauma: Resources for the optimal care of the injured patient 2014, ed 6, Chicago, 2014, American College of Surgeons.) Quadr o 1 6 2 Componen te s do S i s t ema de T rauma Inc lus ivo Esforços na prevenção de lesões Cuidados pré‑hospitalares Taquipneia Triagem Comunicação Transporte Centros de cuidados agudos Verificação e designação dos centros de trauma Reabilitação pós‑cuidados agudos Melhora do desempenho Educação e divulgação Legislação O estabelecimento dos sistemas de trauma é um desenvolvimento relativamente recente, tendo o Illinois e Maryland criado os primeiros sistemas de trauma há cerca de 40 anos. O governo reconheceu a necessidade de uma abordagem coordenada ao tratamento do paciente de trauma e aprovou o Trauma Care Systems Planning and Development Act de 1990, que abordou formalmente a necessidade de sistemas de trauma. Avanços posteriores ocorreram em 1992, quando a Health Resources and Services Administration realizou o Model Trauma Care System Plan.2 Revisto em 2006 e renomeado documento do Model Trauma System and Evaluation, esse trabalho aplicou uma abordagem de saúde pública ao trauma e promoveu valiosa direção no sentido do desenvolvimento e avaliação de sistemas de trauma. No domínio da saúde pública, o trauma foi identificado como uma doença cujo impacto pode ser prevenido ou diminuído pela aplicação de sistemas que abordam outros problemas relacionados com a saúde, como as doenças infecciosas. Como benefício adicional, o COT do American College of Surgeons estabeleceu o Trauma Systems Consultation Program, em 1996, para guiar estados ou regiões pelo processo de desenvolver uma abordagem sistemática aos cuidados de trauma. O estabelecimento de sistemas de trauma altamente funcionais salva vidas, conforme evidenciado em vários estudos. Em 2006, o National Study on Costs and Outcomes of Trauma (NSCOT) foi realizado para avaliar variações nos cuidados prestados entre centros de trauma e centros não trauma. Suportado pelo National Center for Injury Prevention e Control of the Centers for Disease Control and Prevention, o NSCOT representa um dos maiores estudos epidemiológicos já realizados para avaliar os cuidados ao paciente de trauma. Incluindo mais de 5.000 pacientes de 69 hospitais, o NSCOT estabeleceu que a evolução dos pacientes melhora quando os cuidados são prestados em um centro de trauma versus um centro não trauma. Após a correção para a gravidade do trauma, os cuidados em um centro de trauma foram associados a uma redução de mortalidade intra‑hospitalar de 20% e uma redução de 25% na mortalidade em um ano.3 Ao nível do sistema, Nathens et al. demonstraram o valor de uma resposta coordenada ao trauma após estudar 400.000 pacientes durante um período de 17 anos.4 O estudo estendeu‑se por um período de tempo durante o qual os sistemas de trauma foram estabelecidos e otimizados. Após contabilizar todas as potenciais contribuições para a melhoria dos resultados, o desenvolvimento de um sistema de trauma resultou na redução de 8% na mortalidade durante um período de 10 anos.4 Enquanto estes estudos representam o trabalho neste assunto, outros também reportaram o mesmo efeito, demonstrando uma melhoria nos resultados em áreas que estabelecem uma abordagem sistematizada ao tratamento do trauma. O desenvolvimento e manutenção de sistemas de trauma está altamente dependente de equipes multidisciplinares que representam localizações desde o pequeno hospital rural até o maior centro médico acadêmico. Mesmo em áreas nas quais o tratamento definitivo ao trauma não é prestado, o pessoal dos cuidados de saúde tem um papel vital no estabelecimento de planos de triagem e prestação de estabilização inicial e transferência dos pacientes. Sistemas de trauma altamente funcionais necessitam do envolvimento dos líderes locais dos hospitais, governo e agências pré‑hospitalares para desenvolver o sistema de trauma local e para trabalhar com os centros de trauma vizinhos, de modo a assegurar os cuidados adequados aos pacientes com vários níveis de gravidade de trauma. É valioso para o médico aprender sobre a estrutura do sistema local e identificar o seu papel específico para otimizar a funcionalidade do sistema. Graduação das lesões O desenvolvimento de sistemas para a comparação de lesões tem sido extremamente importante e objeto de uma grande quantidade de trabalhos nos últimos 45 anos. Os sistemas de graduação são normalmente baseados na anatomia da lesão ou na fisiologia demonstrada após uma ou mais lesões infringidas. A Abbreviated Injury Scale (AIS) tem sido o sistema anatômico de classificação de lesões mais usado desde que foi inicialmente publicada em 1971. As lesões são caracterizadas por uma taxonomia de seis dígitos que descreve a região corporal, o tipo de estrutura anatômica e o detalhe anatômico específico da lesão. A Tabela 16‑1 demonstra as regiões corporais e o primeiro dígito do código dentro do léxico da AIS, que permite aos utilizadores deste sistema conhecer claramente a localização da lesão. Talvez ainda mais utilizado seja o código de gravidadeda AIS (frequentemente descrito como o código pós‑ponto). Este sétimo dígito descreve a gravidade e o risco potencial de morte para cada lesão no sistema AIS. Os códigos pós‑ponto vão de 1 (gravidade mínima) até 6 (presumivelmente fatal) e são muitas vezes usados em coortes e para comparar resultados. A Association for the Advancement of Automotive Medicine realiza com frequência o processo rigoroso de redefinir o AIS para se certificar de que este se mantém atual na sua capacidade de caracterizar as lesões com precisão. Tabela 161 Escala Abreviada de Lesão (AIS) e Regiões Corporais PRIMEIRO DÍGITO AIS REGIÃO CORPORAL 1 Cabeça 2 Face 3 Pescoço 4 Tórax 5 Abdome 6 Coluna vertebral 7 Membro superior 8 Membro inferior 9 Não especificado A AIS representa a fundação para outros sistemas de pontuação que têm maior capacidade para contabilizar a gravidade de lesões múltiplas e combinadas. Em 1974, Baker et al. apresentaram o Injury Severity Score (ISS), calculado pela soma dos quadrados dos códigos de gravidade da AIS para as três regiões corporais mais gravemente lesionadas.5O ISS vai de 1 a 75, com os grupos de gravidade sendo definidos como lesão menor (ISS menor que 9), lesão moderada (ISS entre 9 e 16), lesão séria (ISS entre 16 e 25) e lesão grave (ISS superior a 25). O ISS tem sido frequentemente usado na literatura para quantificar a carga global de lesão sustentada por um paciente. À medida que houve mais desenvolvimento na escala de lesões anatômicas, a Organ Injury Scale (OIS), criada pela AAST, tem sido incorporada em versões mais recentes da AIS.6 Por intermédio da introdução do conceito de graus de lesão, a OIS promoveu maior detalhe anatômico para órgãos específicos e incorporou a capacidade de delinear melhor a gravidade de lesão orgânica. Essa gravidade da OIS foi validada no NTDB para otimizar o risco associado de morbidade e mortalidade.6 Além dos sistemas de graduação anatômicos, foram desenvolvidas outras escalas que incluem o insulto fisiológico da carga de lesão. Estes sistemas de graduação fisiológicos são mais capazes de identificar a condição global do paciente e podem também guiar melhor a tomada de decisões em tempo real. Uma escala deste tipo frequentemente utilizada é a escala de coma Glasgow (ECG), que reflete o nível de consciência de um paciente. Com pontuações entre 3 e 15, a ECG é composta por uma avaliação da abertura dos olhos, resposta verbal e função motora. A ECG e, mais especificamente, a pontuação motora em isolado foram consideradas um reflexo da evolução do paciente após lesão cerebral aguda.7 O Revised Trauma Score (RTS) é outro sistema de pontuação fisiológico bem estudado que caracteriza a condição do paciente de trauma incorporando a ECG, a pressão arterial sistólica e a frequência respiratória. Estas escalas têm tido valor para propósitos de pesquisa e têm sido usadas com sucesso para realizar decisões de triagem. Para melhor demonstrar a forma pela qual a ECG e o RTS são designados, as Tabelas 16‑2 e 16‑3 refletem a forma como estas escalas são calculadas. Tabela 162 Escala de Coma de Glasgow Abertura dos Olhos Espontânea 4 À voz 3 À dor 2 Nenhuma 1 Resposta Verbal Orientada 5 Confusa 4 Inadequada 3 Incompreensível 2 Nenhuma 1 Resposta Motora Obedece a comandos 6 Localiza dor 5 Fuga à dor 4 Flexão 3 Extensão 2 Nenhuma 1 Pontuação Total da Escala de Coma de Glasgow 3‑15 Tabela 163 Escore de Trauma Revisado (RTS) Pontuação na Escala de Coma de Glasgow 13‑15 4 9‑12 3 6‑8 2 4‑5 1 3 0 Pressão Arterial Sistólica (mmHg) > 89 4 76‑89 3 50‑75 2 1‑49 1 0 0 Frequência Respiratória (mov. resp./min) 10‑29 4 > 29 3 6‑9 2 1‑5 1 0 0 Total de Pontuação do Escore de Trauma Revisado 0‑12 Cuidados de trauma préhospitalar Imediatamente após um paciente sofrer o trauma, o sistema de trauma inicia a fase pré‑hospitalar de cuidados. O objetivo do sistema pré‑ ‑hospitalar é o de mover o paciente para um local capaz de prestar o tratamento definitivo das lesões tão breve quanto possível. A equipe pré‑hospitalar tem um papel integral no tratamento do paciente de trauma devido à natureza tempo‑dependente do trauma. A abordagem inicial ao paciente de trauma no contexto pré‑hospitalar inclui quatro prioridades‑chave: 1. Avaliar o cenário. 2. Realizar uma avaliação inicial. 3. Tomar decisões de triagem‑transporte. 4. Iniciar intervenções críticas e transportar o paciente. Apesar de ser breve, esta lista de prioridades é extremamente eficaz porque é desenhada para obter um controle rápido da hemorragia. Por regra, o transporte deve ser iniciado tão rapidamente quanto possível, com a maior parte das intervenções sendo realizadas durante o caminho para as instalações de cuidados definitivos. Após estarem asseguradas as condições de segurança do local para proteger os prestadores pré‑hospitalares, a avaliação inicial deve ser rapidamente concluída. A avaliação inicial consiste em uma abordagem sistemática para identificar rapidamente condições que põem em risco a vida e que necessitam de intervenção urgente. A mnemônica ABC guia a avaliação inicial, durante a qual via aérea, respiração e circulação (do inglês airway, breathing e circulation) são sequencialmente avaliadas e abordadas. Enquanto a coluna vertebral é protegida, a via aérea do paciente é assegurada e a ventilação assistida é realizada conforme necessário. A hemorragia externa é identificada e imediatamente controlada enquanto a reanimação hídrica é iniciada. As intervenções de emergência no local podem ser imediatamente salvadoras da vida, mas os resultados ótimos no final dependem de uma decisão eficaz de triagem e transporte. Utilizando a abordagem “busca e corre”, todas as intervenções pré‑hospitalares essenciais podem ser prestadas enquanto o paciente está sendo transportado. Todas as equipes pré‑ hospitalares sabem que a saída rápida do local é fulcral, mas identificar para onde ir e como chegar lá pode ser mais desafiante. Protocolos bem‑definidos devem guiar o processo de triagem do local de forma que as equipes saibam imediatamente para onde transportar um paciente. A Figura 16‑2 demonstra o Diretrizes para a Triagem no Local de Pacientes de Trauma, que foi desenvolvido pelos Centers for Disease Control and Prevention e que foi incluído em edições recentes da referência Resources for the Optimal Care of the Injured Patient do COT.8 Utilizando o estado fisiológico, detalhes do mecanismo de lesão e outros indicadores de um paciente de alto risco, esta ferramenta ajuda na determinação de que pacientes podem se beneficiar de cuidados em um centro de trauma. A maior parte das agências pré‑hospitalares tentam avaliar rapidamente um paciente e iniciar o processo de transporte, procurando que o tempo no local se desenrole dentro de 15 minutos. FIGURA 162 Diretrizes para a triagem no local de pacientes de trauma, que foram criadas para guiar o desenvolvimento de protocolos de sistemas de triagem dos SME estaduais e locais. As diretrizes usam quatro passos de decisão (fisiológico, anatômico, mecanismo de lesão e considerações especiais) para dirigir as decisões de triagem dentro do sistema de trauma local. PAs, pressão arterial sistólica. (De Sasser SM, Hunt RC, Faul M, et al; Centers for Disease Control and Prevention: Guidelines for field triage of injured patients: Recommendations of the National Expert Panel on Field Triage, 2011.MMWR Recomm Rep 61:1–20, 2012.) Fonte: Adaptada de American College of Surgeons. Resources for the optimal care of the injured patient. Chicago, IL: American College of Surgeons; 2006. As notas de rodapé foram adicionadas para aumentar a compreensão da triagem do local por pessoas fora do campo dos cuidados ao trauma agudo. *O limite superior dafrequência respiratória em crianças é > 29 movimentos respiratórios por minuto para manter um nível mais elevado de supertriagem para crianças. †Os centros de trauma são designados níveis I a IV, com o nível I sendo o mais elevado de tratamento de trauma disponível. §Qualquer lesão notada nos passos dois e três desencadeia uma resposta “sim”. ¶Idade < 15 anos. **Intrusão refere‑se à intrusão do compartimento interior, em oposição à deformação que se refere a lesão externa. ††Inclui pedestres ou ciclistas atirados ou atropelados por um veículo a motor ou aqueles com impacto estimado a > 30 km/h com um veículo a motor. §§Protocolos locais ou regionais devem ser usados para determinar o nível mais adequado de centro de trauma; o centro apropriado não tem de ser nível I. ¶¶Idade > 55 anos. ***Pacientes com queimaduras e trauma concomitante para os quais a queimadura é o maior risco de morbidade e mortalidade devem ser transferidos para um centro de queimados. Se o trauma além da queimadura apresenta o maior risco, o paciente pode ser estabilizado em um centro de trauma e depois transferido para um centro de queimados. †††Lesões como fratura exposta ou fratura com comprometimento neurovascular. §§§Serviços médicos de emergência (SME). ¶¶¶Pacientes que não cumprem qualquer dos critérios da triagem nos passos um até o quatro devem ser transportados para a instalação médica mais adequada, conforme definido nos protocolos SME locais. A preocupação clínica inicial que a equipe pré‑hospitalar deve ter é a via aérea do paciente de trauma. O padrão‑ouro para a manutenção da via aérea no paciente de trauma grave continua sendo a entubação oral endotraqueal, normalmente utilizando uma técnica de sequência rápida. Deve‑se sempre assumir que o paciente tem uma lesão da coluna vertebral e manter precauções adequadas. A utilidade da via aérea avançada no local foi questionada, com a literatura revelando recomendações contraditórias. Em uma análise retrospectiva de 496 pacientes de trauma, Eckstein et al. notaram que a abordagem da via aérea com entubação endotraqueal foi associada a um aumento da taxa de mortalidade se comparada com ventilação com máscara de reservatório.9 Por outro lado, outros estudos confirmaram o benefício do suporte da via aérea avançada pré‑hospitalar, especialmente no contexto de lesão cerebral traumática grave.10 Para o auxílio na via aérea desafiante, a inserção cega de dispositivos de via aérea tornaram‑se comuns e acarretam um grande valor, como manobras temporárias até uma solução mais definitiva. Independentemente da abordagem implementada pela equipe pré‑hospitalar, os prestadores devem ter a capacidade de manejar todos os níveis de comprometimento da via aérea durante o transporte do paciente para os cuidados definitivos. O controle da hemorragia externa e iniciação da reanimação são necessidades críticas durante a fase de cuidados pré‑ hospitalares. A pressão direta continua sendo o centro do controle hemorrágico, embora o uso de torniquetes tenha se tornado mais comum no tratamento de trauma exsanguinante das extremidades. Por algum tempo os torniquetes foram usados com pouca frequência devido às preocupações acerca de lesão muscular e neurológica desnecessárias. Com a experiência militar recente e avanços no desenvolvimento de dispositivos, os torniquetes mostraram benefício em situações selecionadas. Várias séries demonstraram agora resultados melhorados no que concerne ao uso de torniquetes no contexto militar.11 As agências pré‑hospitalares incluem agora, com frequência, torniquetes nas suas listas padrão de equipamento, de forma que estes podem ser usados quando um paciente com hemorragia descontrolada das extremidades é abordado. Vários dispositivos comerciais estão disponíveis, e a Figura 16‑3 ilustra um exemplo de torniquete que pode ser usado no contexto pré‑hospitalar. FIGURA 163 Exemplo de um torniquete. Os torniquetes são frequentemente usados para prevenir exsanguinação em contextos préhospitalares civis e militares. Os pacientes em choque necessitam de início de reanimação para corrigir a depleção de volume intravascular após o controle hemorrágico. A magnitude adequada de administração de volume de cristaloide tem sido questionada recentemente, e o conceito de uma reanimação controlada tornou‑se bem aceito. A razão para essa evolução baseia‑se na convicção de que a super‑reanimação antes do tratamento da hemorragia pode potencialmente aumentar a taxa de perda de sangue pela disrupção de áreas que tenham se tornado hemostáticas. Este conceito foi mais bem estudado em um grupo de pacientes com trauma penetrante do tronco que foram randomizados para administração de cristaloides ou não reanimação até que o paciente estivesse no centro de trauma e pudesse ser levado para o centro cirúrgico.12 O grupo de pacientes em que não foi realizada reanimação até chegarem ao hospital teve uma mortalidade menor do que o padrão, o grupo de reanimação imediata.12 No que se refere à aplicação ampla desta abordagem, o estudo teve como limitação a inclusão de uma coorte única de pacientes de trauma penetrante em contexto urbano, com tempos de transporte curtos até o tratamento definitivo. Apesar disso, a maior parte das agências pré‑hospitalares avaliaram as práticas tradicionais e trabalharam no sentido de prestar uma reanimação mais controlada que, ainda assim, consegue uma perfusão de órgão adequada. Avaliação e tratamento iniciais A base da abordagem inicial ao paciente de trauma é o curso ATLS. Desde o seu desenvolvimento em 1980, o curso ATLS forneceu uma abordagem estruturada e padronizada ao paciente de trauma que se baseia no conceito de rapidamente identificar e abordar condições que põem em risco a vida durante a avaliação inicial do paciente.13 Mais especificamente, o ATLS comporta três conceitos importantes, independentemente de onde os cuidados são prestados: 1. Tratar a maior ameaça à vida primeiro. 2. A falta de um diagnóstico definitivo não deve atrasar a aplicação do tratamento urgente indicado. 3. Uma história inicial e detalhada não é essencial para começar a avaliação do paciente com lesões agudas. Seguindo uma ordem definida de avaliação, as condições que põem em risco a vida são imediatamente abordadas no momento da identificação. Essa avaliação inicial, também chamada avaliação primária, segue a mnemônica ABCDE (Fig. 16‑ 4): Airway (via aérea) e proteção da coluna cervical Breathing (respiração) Circulation (circulação) Disability (incapacidade) ou condição neurológica Exposure (exposição) e controle do ambiente FIGURA 164 Algoritmo para a avaliação inicial do paciente de trauma. PA, pressão arterial; FC, frequência cardíaca; FR, frequência respiratória. Além disso, a avaliação primária pode ser repetida sempre que haja qualquer alteração das condições do paciente. Apesar de ser simples em estrutura, a avaliação primária oferece uma ferramenta na qual o cirurgião pode confiar para identificar que condição põe em risco a vida e para onde dirigir o esforço clínico. Em seguida, define‑se a realização da avaliação primária. Via Aérea Com a chegada do paciente à sala de trauma, o estado da via aérea do paciente deve ser imediatamente avaliado. A simples resposta verbal fornece a informação mais significativa porque a capacidade de falar normalmente indica proteção adequada da via aérea. Os pacientes que não conseguem falar têm depressão do estado mental ou alguma obstrução ao myray Realce fluxo do ar, sendo ambas indicações para tratamento da via aérea. Outros indicadores de comprometimento da via aérea incluem respiração ruidosa, trauma facial grave (em específico com sangue ou corpos estranhos na orofaringe) e agitação do paciente. A determinação da patência da via aérea bem como a decisão de obter um melhor controle da via aérea, se necessário,devem ser concluídas em segundos após a chegada do paciente. Após a avaliação inicial, reavaliação frequente para deterioração e o desenvolvimento de comprometimento da via aérea é central. Até estar excluído com avaliação adequada, todos os pacientes de trauma devem ser considerados como tendo lesão da coluna vertebral, e as precauções adequadas devem ser mantidas. Isso tem importância significativa durante a manipulação da cabeça e do pescoço enquanto a via aérea está sendo abordada. A proteção da coluna cervical inclui ouso de colar cervical rígido e a manutenção da técnica de rolagem em bloco para todos os movimentos do paciente. Durante a avaliação e o tratamento da via aérea, a porção anterior do colar cervical pode ser removida para melhorar a exposição, mas a estabilização manual por um assistente deve ser realizada quando o colar não está fixo. Planos duros podem ter valor durante o transporte do paciente, mas devem ser removidas assim que possível para evitar lesões de pressão que podem ocorrer em um curto período de tempo. Quando a via aérea do paciente de trauma é considerada inadequada, uma via aérea definitiva deve ser assegurada. A via aérea definitiva de escolha para a maior parte dos pacientes de trauma é a entubação oral endotraqueal após uma técnica de sequência rápida. Enquanto o paciente está sendo preparado para entubação, a ventilação com máscara deve ser realizada, e adjuvantes como as cânulas de Guedel orofaríngea e nasofaríngea podem ajudar na manutenção da patência da via aérea. Com aplicação de pressão na cricoide, é administrado um sedativo ao paciente e um bloqueador neuromuscular de ação rápida, como a succinilcolina, para aumentar a visualização glótica. A laringoscopia direta com entubação endotraqueal é realizada, com cuidado, para evitar a mobilização da coluna cervical. A posição adequada do tubo na traqueia é confirmada pela ausculta torácica e abdominal, medição de dióxido de carbono expirado e por fim uma radiografia de tórax. A presença de pessoal com experiência em via aérea é fundamental e, nos centros de trauma, é muitas vezes um componente importante do sistema de alerta de trauma. A equipe de trauma deve estar sempre preparada para assegurar uma via aérea difícil que não pode ser adequadamente controlada com laringoscopia direta. O condutor rígido melhora a taxa de entubação bem‑sucedida, em especial no contexto de uma via aérea difícil. Quando a visualização normal da glote está obscurecida, o fio pode ser colocado com uma visibilidade limitada das cordas vocais, resultando no aumento da taxa de colocação adequada do tubo endotraqueal. Um avanço recente na área da via aérea avançada foi a emergência da laringoscopia videoassistida. Vários dispositivos que estão agora disponíveis fornecem ao clínico uma visão anatômica da via aérea superior, mostrada em um monitor. Eliminando os desafios relacionados com o ângulo da via aérea, a laringoscopia videoassistida aumenta o sucesso da primeira tentativa e diminui a incidência de entubação esofágica no contexto de via aérea difícil.14 A inserção de um dispositivo de via aérea oferece uma ferramenta adicional para ser aplicada quando as tentativas de entubação são infrutíferas. Dispositivos como a via aérea com máscara laríngea, via aérea esofágica multilúmen (Combitube) e via aérea com tubo laríngeo (King LT‑D) são colocados cegamente e funcionam ocluindo o esôfago e a faringe posterior, permitindo que a ventilação assistida passe seletivamente para a traqueia. As vias aéreas de inserção cega são fáceis de colocar e são consideradas uma abordagem de recurso eficaz.15 Enquanto os especialistas da via aérea transitam para técnicas avançadas, a preparação para uma via aérea cirúrgica deve começar. Antes da deterioração fisiológica, uma cricotireoidostomia deve ser realizada quando outras abordagens falharam. A incapacidade de manter oxigenação com uma máscara de alto débito entre tentativas de entubação é uma indicação razoável para a criação de uma via aérea cirúrgica. A cricotireoidostomia (Fig. 16‑5) é realizada por meio de uma incisão transversal sobre a membrana cricotireóidea, que pode ser palpada entre a cartilagem tireóidea e o anel da cricoide. É fundamental que o cirurgião palpe com frequência as estruturas subjacentes para guiar a dissecção e para evitar lesão de estruturas mais laterais no pescoço. O afastamento dos tecidos moles revela a membrana cricotireóidea, que é então aberta transversalmente. A cricotireoidostomia é alargada longitudinalmente, e um tubo de traqueostomia ou endotraqueal é colocado através da incisão e para baixo, na direção da traqueia. Deve‑se ter cuidado para evitar avançar o tubo além da carina, o que é comum nestas situações. A posição do tubo deve ser confirmada imediatamente com ausculta pulmonar e determinação de dióxido de carbono expirado. Por fim, os pacientes com suspeita de lesão laríngea podem ter uma anatomia anormal na proximidade da membrana cricotireóidea, e assim podem necessitar de uma traqueostomia em vez de uma cricotireoidostomia. myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce FIGURA 165 Técnica de cricotireoidostomia. A membrana cricotireóidea é identificada por palpação e uma incisão transversal é realizada sobre a membrana (A). A incisão e a dissecção são continuadas pela membrana cricotireóidea e a cricotireoidostomia é alargada (B), permitindo a passagem do tubo traqueal (C). Respiração Após a abordagem da via aérea, a respiração é avaliada pela inspeção dos movimentos do tórax, auscultação dos sons respiratórios e medida da saturação de oxigênio. Esforço respiratório limitado ou dispneia requerem suporte ventilatório e avaliação posterior do tórax. Os problemas de ventilação podem ser secundários a um pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço ou tórax instável com contusão pulmonar. O pneumotórax hipertensivo pode causar deterioração respiratória, mas também se apresentar na forma de colapso cardiovascular. Esse diagnóstico clínico deve ser reconhecido na avaliação primária sem necessidade de confirmação radiográfica antes do tratamento. O desvio da traqueia na fúrcula esternal com ausência ou diminuição unilateral dos sons respiratórios e comprometimento cardiopulmonar devem sugerir imediatamente pneumotórax hipertensivo. A descompressão torácica deve ser realizada rapidamente com uma agulha de grande calibre ou uma toracostomia com tubo, dependendo da disponibilidade de equipamentos. O hemotórax maciço também necessita de toracostomia com tubo para evacuação de sangue e reexpansão do pulmão. A contusão pulmonar grave é tratada com ventilação mecânica agressiva, muitas vezes com níveis elevados de pressão positiva expiratória final. Para evitar a perda de pressão positiva expiratória final, deve‑se resistir à desconexão contínua do ventilador para aspiração a fim de ventilar o paciente quando a oxigenação só irá melhorar com ventilação mecânica ininterrupta. Circulação myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce Segue‑se uma avaliação do sistema cardiovascular, com o objetivo primário de determinar se o paciente está em choque. Os pacientes devem ser rapidamente avaliados para detectar sinais clínicos de choque, conforme demonstrado no Quadro 16‑ 3. Embora hipotensão indique claramente descompensação cardiovascular, os pacientes podem estar em choque muito antes da diminuição da pressão arterial devido à capacidade decompensação do corpo. De longe, a causa mais comum de choque no paciente de trauma é a hemorragia. A perda de sangue deve ser excluída antes de outras causas de choque serem consideradas responsáveis. No momento da identificação da presença de choque, a reanimação deve ser iniciada de imediato com 1 a 2 litros de solução de cristaloide quente em infusão por dois cateteres endovenosos (EV) periféricos curtos e de grande calibre. O paciente deve ser submetido a uma avaliação rápida para identificar a causa da perda de sangue que põe a vida em risco. Existem essencialmente cinco grandes localizações por meio das quais a exsanguinação pode ocorrer, e, assim, a avaliação subsequente concentra‑se na identificação de quais destas localizações é a causa do choque. A perda de sangue exsanguinante pode ocorrer por perda de sangue externa e pelo tórax, abdome, retroperitônio (fratura pélvica) ou múltiplas fraturas de ossos longos. O exame físico inicial identifica fontes de perda de sangue externo e fraturas de ossos longos. Estas são tratadas imediatamente com pressão direta e imobilização de fraturas, respectivamente. Uma radiografia de tórax pode então avaliar a presença de perda de sangue para o tórax e uma radiografia pélvica identificará uma fratura pélvica. Para avaliar o abdome, o ultrassom focado para o trauma abdominal ((Focused Abdominal Sonography in Trauma [FAST]) é um exame ecográfico rápido que avalia a presença de fluido intraperitoneal. Especificamente, o FAST pode avaliar os espaços hepatorrenal, esplenorrenal e pélvicos para a presença de fluido, que presumivelmente será sangue no contexto de trauma. O valor do FAST prende‑se com o fato de este poder ser realizado rapidamente na sala de trauma pelo cirurgião, podendo ser repetido com a mesma rapidez se necessário. Como exemplo, sangue no espaço hepatorrenal está demonstrado na Figura 16‑6. Quadr o 1 6 3 Ind i cadores de Choque no Pac i en te de T rauma Agitação ou confusão Taquicardia Taquipneia Diaforese Extremidades frias e pálidas Pulsos distais fracos Pressão de pulso diminuída Débito urinário diminuído Hipotensão myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce FIGURA 166 Ultrassom focado para o trauma abdominal (FAST) demonstrando líquido no espaço hepatorrenal (bolsa de Morison). A seta identifica líquido (sangue) entre o fígado e o rim direito. Após a administração inicial de fluidos EV, os pacientes são avaliados para detectar sinais de evolução do choque. Aqueles que respondem demonstrando uma normalização do estado fisiológico podem ser avaliados de forma extensiva de modo a identificar todas as lesões. Uma falha comum durante esse momento é a continuação da administração de fluidos EV a um ritmo elevado que pode mascarar a perda de sangue contínua. A falha em responder ao bolus inicial de cristaloide indica perda de sangue contínua que necessita de intervenção imediata. A perda de sangue externa deve ser controlada, e as fraturas, reduzidas e imobilizadas. Uma toracostomia com tubo é necessária para a perda de sangue torácica quando a radiografia de tórax demonstra a presença de hemotórax. Hemorragia intratorácica contínua após a colocação de dreno torácico pode necessitar de toracotomia. A hemorragia intra‑abdominal em um paciente hemodinamicamente instável justifica laparotomia de emergência. As fraturas pélvicas requerem tratamento imediato de qualquer aumento de volume pélvico com um fixador ou lençol, seguido de angiografia pélvica com embolização da hemorragia arterial. Em simultâneo ao tratamento da hemorragia contínua, hemoderivados devem ser administrados para manter o volume intravascular adequado. Incapacidade e Exposição Durante a avaliação primária, é importante realizar uma determinação rápida da função neurológica. De importância particular é a caracterização global da função neurológica para avaliar a presença de lesão cerebral e lesão medular traumáticas. A ECG deve ser determinada para identificar deficits na abertura dos olhos, na capacidade verbal e na resposta motora que potencialmente reflitam o grau de lesão neurológica. Quando são necessárias medicações sedativas, notar o nível basal de função neurológica antes da sua administração pode ser benéfico. A medula é grosseiramente avaliada pela visualização de movimento das extremidades. A falta de movimento das extremidades pode indicar lesão da medula espinhal que pode, no final, ser a fonte de choque após as fontes de perda de sangue terem sido excluídas. Toda a roupa deve ser removida nesse momento de modo a permitir um exame adequado e qualquer intervenção que seja necessária. É obtida a temperatura central e é importante manter o paciente de trauma aquecido. Os pacientes em choque têm alterações fisiológicas significativas que impedem a capacidade de manter a temperatura corporal. Assim, o controle do ambiente deve ser mantido com cobertores quentes e aumento da temperatura da sala, bem como mediante outras intervenções, como administração de fluidos quentes e aquecedores corporais. Toracotomia de Reanimação Após o trauma crítico, pacientes selecionados que tiveram parada cardíaca podem se beneficiar de toracotomia de reanimação no serviço de emergência. A toracotomia de reanimação propicia a oportunidade de abrir o pericárdio para aliviar o tamponamento cardíaco, realizar massagem cardíaca interna, clampear a aorta torácica distal e tratar a hemorragia intratorácica. A realização de uma toracotomia de reanimação tem vários aspectos negativos, como risco potencial para os myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce prestadores de cuidados bem como um custo elevado no contexto de baixa probabilidade de recuperação. Múltiplos estudos tentaram definir que grupos de pacientes devem ser candidatos ao procedimento na base do mecanismo de lesão e fisiologia no momento da apresentação. Os pacientes com melhores resultados após toracotomia de reanimação são aqueles com trauma torácico penetrante que têm sinais de vida à entrada do serviço de emergência. As feridas penetrantes do tórax com lesão cardíaca são as que mais provavelmente respondem de modo favorável à toracotomia de reanimação, embora as taxas de sobrevida atinjam os 35%.16 Os pacientes com trauma não penetrante têm resultados uniformemente ruins, com taxas de sobrevida de 1%, com a maior parte dos sobreviventes demonstrando mau resultado neurológico.16 Por essa razão, pacientes com trauma não penetrante normalmente não são considerados candidatos, exceto em circunstâncias extraordinárias. Entre a população com feridas penetrantes do tórax, aqueles com feridas por arma branca têm melhor prognóstico devido à maior probabilidade de tamponamento pericárdico sem lesão cardíaca grave que responde bem à descompressão pericárdica. A toracotomia de reanimação deve ser realizada apenas em locais com suporte cirúrgico disponível para realizar reparação definitiva de lesões torácicas se o retorno à circulação espontânea for conseguido. A oclusão endovascular da aorta durante a reanimação inicial tornou‑se um método promissor para obter controle temporário da hemorragia no paciente agônico.17 A técnica reanimativa de oclusão por balão endovascular da aorta (REBOA) é frequentemente usada no contexto de ruptura de aneurismas da aorta abdominal para, no essencial, atrasar a hemorragia e permitir que haja tempo para a realização de umareparação adequada. Também devido a necessidades militares, a REBOA está agora sendo usado em centros de trauma selecionados para ocluir a aorta nas salas de trauma no contexto de choque avançado e parada cardíaca iminente. Por intermédio do clampeamento da aorta, a REBOA desvia o sangue para o coração e o cérebro enquanto, ao mesmo tempo, diminui a hemorragia das lesões abdominais e pélvicas. Embora sejam necessários mais estudos para melhor avaliar o procedimento, a REBOA pode oferecer um método mais rápido e menos invasivo de conseguir oclusão aórtica durante a reanimação inicial do paciente de trauma, constituindo, assim, outra ferramenta no combate à perda de sangue exsanguinante precoce.17 Avaliação Secundária Uma avaliação exaustiva da cabeça aos pés é necessária para auxiliar na identificação de todas as lesões potenciais. Isso é muitas vezes realizado imediatamente após a avaliação inicial em pacientes que estão estáveis e não necessitam de intervenção urgente. Os achados identificados durante a avaliação secundária com frequência suscitam avaliação posterior com imagem ou outras modalidades diagnósticas. Uma avaliação neurológica mais detalhada pode ser concluída nesta fase, e anomalias da face e do pescoço podem ser identificadas. As superfícies posteriores que são mais difíceis de visualizar devido ao colar cervical podem ser agora mais bem examinadas. O tronco é avaliado para identificar evidência de disfunção pulmonar, e achados consistentes com peritonite devem ser reconhecidos. As marcas do cinto de segurança ou outras lesões superficiais no pescoço e abdome podem necessitar de avaliação posterior. A pelve é avaliada para a presença de dor, com cuidado para se evitar compressão excessiva porque esta técnica para identificar estabilidade pode interromper a hemostasia. Um exame retal com uma luva sem sangue para avaliar a posição da próstata e a presença de sangue gastrointestinal deve ser incluído. As extremidades são manipuladas para identificar deformidades abertas ou fechadas e a perfusão distal deve ser cuidadosamente avaliada, em particular na presença de fraturas ou deslocamentos. Uma avaliação formal consistindo em medições da pressão arterial distal em comparação com extremidades sem lesões tem valor na identificação de lesões vasculares. O paciente é rolado para avaliar a coluna vertebral e identificar deformidades ou dor, e a maca rígida deve ser removida se ainda estiver presente. No contexto de trauma penetrante, todas as áreas de pele devem ser visualizadas, incluindo aquelas em locais escondidos como o couro cabeludo, face posterior do pescoço, boca, axila, períneo e face posterior do tórax e abdome. A marcação das lesões penetrantes com marcadores radiopacos pode ser extremamente útil se forem obtidos exames de imagem subsequentes. Tratamento de lesões específicas Princípios do Controle de Dano O conceito de controle de dano evoluiu contrariamente à abordagem tradicional de reparação definitiva de todas as lesões durante a operação inicial. Alguns pacientes teriam disfunção fisiológica progressiva durante estas operações, desenvolvendo com frequência hipotermia, coagulopatia e acidose metabólica, uma combinação que foi chamada a tríade letal. O controle de dano emergiu como uma forma de parar essa rápida deterioração fisiológica tratando rapidamente a hemorragia, promovendo reanimação agressiva e deixando as reconstruções mais definitivas para o momento em que a estabilização for conseguida. Rotondo et al. cunharam o termo controle de dano para descrever essa abordagem ao tratamento de pacientes que estavam progredindo rapidamente para a morte.18 A hemorragia cirúrgica é rapidamente controlada, o que pode incluir tamponamento intratorácico ou intra‑abdominal para obter hemostasia. As lesões de víscera oca podem ser tratadas por reparação primária ou ressecção com descontinuidade gastrointestinal temporária para acelerar a operação. O fechamento temporário do tórax ou abdome é conseguido, muitas vezes com um método de fechamento sob vácuo, para evitar o desenvolvimento de hipertensão intracompartimental e para manejar grandes quantidades de drenagem de líquido. Segue‑se a reanimação na unidade de tratamento intensivo, com retorno ao centro cirúrgico com a normalização da temperatura corporal, coagulopatia e acidose metabólica. O controle de dano começou como uma abordagem a lesões abdominais graves, mas é agora usado no tórax, pelve e extremidades. Muitos defendem hoje uma myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce abordagem semelhante às lesões ortopédicas, com base na teoria de que estabilização rápida da fratura pode reduzir a resposta inflamatória às lesões. Consistentemente com a cirurgia de controle do dano, uma abordagem à reanimação que inclui utilização de quantidades idênticas de todos os componentes do sangue emergiu recentemente. Chamada reanimação de controle de dano ou transfusão maciça, a experiência militar desencadeou uma abordagem à reanimação que repõe o sangue perdido com quantidades iguais de concentrado eritrocitário, plasma, plaquetas e crioprecipitado. A experiência militar e, mais recentemente, alguns centros civis demonstraram a prevenção da coagulopatia grave, que foi associada a menor disfunção fisiológica após trauma grave.19 Outros reportaram dados que refutam estes achados, embora a maior parte dos centros de trauma tenha adotado essa abordagem e tenha agora um protocolo de transfusão maciça bem‑definido. Finalmente, a adição mais recente à área dos princípios do controle de dano e reanimação precoce é o ácido tranexâmico (TXA). O TXA inibe a fibrinólise e diminui a perda de sangue na cirurgia eletiva. O ensaio Corticosteroid Randomisation After Significant Head Injury 2 (CRASH‑2) randomizou 20.211 pacientes de trauma para a administração de TXA (em 8 horas) ou placebo.20 Os pacientes que receberam TXA demonstraram uma diminuição da mortalidade por todas as causas em comparação com o placebo (14,5% versus 16%; P = 0,0035).20 Houve algumas preocupações acerca do aumento do risco de eventos tromboembólicos secundários à administração de um agente antifibrinolítico, embora o TXA tenha se tornado uma parte da reanimação inicial de vários sistemas pré‑hospitalares e centros de trauma. Lesões Cerebrais Mesmo no contexto de cuidados ótimos, o traumatismo cranioencefálico (TCE) resulta em morbidade e mortalidade substanciais. Aqueles que sobrevivem muitas vezes têm disfunção permanente que vai de deficits leves a condições com necessidade de cuidados totais. Os resultados enfrentados pelos pacientes que tiveram múltiplas lesões são com frequência ditados predominantemente pelo TCE. Com a evolução da epidemiologia das lesões, as quedas são agora a causa mais comum de lesão cerebral, com aqueles nos extremos da idade sendo os mais vulneráveis. Ao nível tecidual, as lesões cerebrais são o resultado de transmissão direta de energia ou acúmulo de sangue dentro do crânio. A energia transmitida ao crânio e ao tecido cerebral subjacente pode causar lesão direta no local do contato e no lado contralateral. Além disso, a lesão de vasos sanguíneos no momento da lesão pode resultar no acúmulo de sangue dentro do crânio. Como é o caso com amaior parte dos tecidos, o cérebro lesado desenvolve edema após a lesão, que pode ser agravado por isquemia progressiva. De acordo com a doutrina de Monro‑Kellie, qualquer aumento no volume de conteúdos intracranianos (de sangue ou edema) resulta na elevação da pressão intracraniana (PIC) com uma diminuição associada do volume de outros tecidos, como o parênquima cerebral e o líquido cefalorraquidiano. Como observado na Figura 16‑7, um aumento no volume intracraniano resulta em aumento exponencial da PIC, uma vez que o volume exceda o que está presente no interior do crânio rígido. Essa PIC significativamente elevada só agrava a perfusão e oxigenação cerebrais, o que resulta em edema posterior. myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce myray Realce FIGURA 167 Doutrina de MonroKellie, que descreve o aumento da pressão intracraniana à medida que o volume intracraniano aumenta pela hemorragia ou edema. Esta relação de pressão com o volume é o resultado do crânio rígido que exibe um volume fixo. Com relação a TCE específicos, os hematomas epidurais (Fig. 16‑8) normalmente resultam de uma fratura lateral do crânio que causa hemorragia da artéria meníngea média ou um vaso vizinho. Classicamente, o curso clínico consiste na perda inicial de consciência seguida de um intervalo de lucidez, durante o qual o hematoma expande. Quando este atinge um tamanho significativo, o hematoma epidural causa deterioração neurológica profunda. O reconhecimento deste curso clínico de modo precoce pode resultar no tratamento com descompressão que leva a um resultado favorável. Felizmente, o tecido cerebral subjacente está muitas vezes intacto no contexto de hematoma epidural. Essa é a diferença em relação aos hematomas subdurais, que estão frequentemente associados a lesão de tecido cerebral subjacente (Fig. 16‑8). Os hematomas subdurais são com frequência causados por lesão de veias entre a dura‑máter e o córtex cerebral. Embora o hematoma em si possa ser compressivo, é normalmente a contusão cerebral subjacente e a lesão axonal que predizem o resultado após estas lesões. A hemorragia para o espaço subaracnóideo é indicadora de hemorragia difusa do tecido cerebral e por si só não é prejudicial. Apesar disso, as hemorragias subaracnóideas não são benignas, e a vigilância é mandatória para identificar a deterioração. As contusões parenquimatosas do tecido cerebral resultam da transmissão direta de energia ao crânio e cérebro subjacente, bem como do movimento do cérebro dentro do crânio rígido, resultando em lesão do lado oposto (lesão por contragolpe). A lesão cerebral secundária que advém de edema cerebral é a maior causa de morbidade após contusão intraparenquimatosa. Finalmente, a lesão axonal difusa descreve o fenômeno de disrupção entre o axônio e o corpo celular secundária a forças rotacionais severas que se acredita criarem um efeito de cisalhamento. A imagem, muitas vezes, subestima a gravidade da lesão axonal difusa, estando presentes apenas pontilhado hemorrágico e possivelmente perda de diferenciação da substância cinzenta e branca. Comumente, a lesão axonal difusa torna‑se evidente quando os pacientes experienciam um resultado neurológico ruim no contexto de exames de imagem abaixo do esperado. FIGURA 168 TC craniana demonstrando (A) um hematoma epidural e (B) um hematoma subdural. O sangue surge como um fluido de alta densidade (branco) identificado no lado direito de ambas as imagens. O hematoma epidural está associado a um desvio significativo da linha média. Note como o hematoma subdural segue o contorno do cérebro subjacente. Tratamento Imediato A prevenção da lesão cerebral secundária é o principal objetivo do tratamento de TCE. O processo primário de lesão cerebral não pode ser invertido ou corrigido, e o resultado após TCE é ditado por quão bem a lesão secundária é prevenida. Tal como o processo fisiopatológico sugere, a base da prevenção da lesão cerebral secundária consiste na manutenção de uma perfusão cerebral e subsequente oxigenação aceitáveis. O controle da via aérea e suporte ventilatório são, assim, fundamentais imediatamente após o TCE. O controle da hemorragia e reanimação devem ser iniciados para prevenir hipoperfusão, que pode agravar ainda mais o insulto isquêmico ao cérebro. A quantificação do grau de deficit neurológico pela determinação da ECG pode ser útil na comparação da função neurológica do paciente durante a progressão dos cuidados. Uma vez que o uso de medicação anticoagulante e antitrombótica pode agravar a hemorragia intracraniana, a reversão urgente está indicada assim que a presença destes agentes se torne evidente. Os pacientes que necessitam de descompressão operatória devem ser transferidos imediatamente para um local com capacidade para procedimentos neurocirúrgicos. Quando necessária, a transferência deve ter prioridade elevada e não ser adiada para se obterem exames que não irão ter impacto imediato nos cuidados ao paciente. Avaliação Uma breve avaliação neurológica é realizada pela primeira vez durante a avaliação primária, quando a ECG é determinada. O componente de função motora da ECG é o mais preditivo do resultado neurológico futuro, sendo a capacidade de localizar estimulação ou de seguir comandos favorável. Avaliação das dimensões e reatividade das pupilas é também incluída, uma vez que pode ser indicador de hipertensão intracraniana com compressão dos nervos cranianos. Quando possível, o exame neurológico deve ser realizado antes da administração de agentes sedativos ou paralizantes para não mascarar achados pertinentes. Seguindo a prioridade do tratamento da via aérea, respiração e circulação, os pacientes com TCE se beneficiam de imagem imediata da cabeça para acelerar a descompressão quando esta é necessária. A tomografia computadorizada (TC) craniana sem a administração de agente de contraste EV é o exame diagnóstico mais importante durante a avaliação inicial do TCE, porque é altamente sensível para a detecção de hemorragia intracraniana. Na TC de crânio, o sangue agudo aparece como um fluido de alta densidade que pode ser identificado em várias localizações na cabeça. As contusões do parênquima cerebral com edema associado podem ser visualizadas na TC; o efeito de massa com mobilização lateral da matéria cerebral também é um achado importante na TC. As anomalias intracranianas encontradas na TC podem requerer craniotomia de emergência, pelo que obter o exame é muito importante. A ressonância magnética (RM) pode conseguir revelar um detalhe anatômico maior, mas não desempenha um papel importante na avaliação inicial do paciente com lesão cerebral. Tratamento TC craniana imediata fornece a informação necessária para a pronta terapia cirúrgica. A consulta neurocirúrgica deve ser obtida precocemente para permitir a transferência rápida para a sala de operações quando necessário. Mais frequentemente, os hematomas epidurais e subdurais com efeito de massa se beneficiam de drenagem e descompressão no centro cirúrgico. As fraturas cranianas com depressão podem necessitar de intervenção cirúrgica precoce para tratar a hemorragia e para elevar o osso deslocado. Os hematomas epidurais e subdurais são tratados com craniotomia, seguida de evacuação do hematoma e cessação da hemorragia intracraniana. Após a cirurgia, o tratamento inclui vigilância progressiva da função neurológica e prevenção da hipertensão intracraniana. No contexto de hipertensão intracraniana grave, os pacientes podem se beneficiar ocasionalmente de craniectomia de descompressão para remover uma porção do crânio e possivelmente realizar ressecçãode parênquima. Os pacientes com hemorragia intracraniana muitas vezes necessitam de monitoramento neurológico, que é normalmente realizado em um nível mais elevado de cuidados, como a unidade de tratamento intensivo. Ocasionalmente, TCE menos graves podem ser monitorados em um nível mais baixo de cuidados, quando o risco de progressão da hemorragia é baixo e a assistência neurocirúrgica está prontamente disponível. A Brain Trauma Foundation fornece uma avaliação da literatura disponível para chegar a recomendações com base na evidência.21 Para limitar a lesão secundária, o suporte cardiovascular e a função pulmonar são de grande importância. A PIC é medida frequentemente com o objetivo de reduzir o edema do tecido cerebral tanto quanto possível. A pressão de perfusão cerebral (PPC), que é a diferença entre a pressão arterial média e a PIC, também é frequentemente usada para guiar vários dos tratamentos do TCE. Embora a PIC e a PPC sejam ambas usadas com regularidade para guiar o tratamento dos pacientes com TCE grave, nenhuma destas medições é superior à outra. Além disso, foi reconhecido que o tratamento superagressivo da PPC pode de fato ser deletério. Uma abordagem sugerida ao tratamento do TCE grave está representada na Figura 16‑9. FIGURA 169 Algoritmo para o tratamento da lesão cerebral traumática. PPC, Pressão de perfusão cerebral; LCR, líquido cefalorraquidiano; TC, tomografia computadorizada; TVP, trombose venosa profunda; CC, cabeceira da cama; PIC, pressão intracraniana; UTI, unidade de tratamento intensivo; DUP, doença ulcerosa péptica; TCE, traumatismo cranioencefálico. A hipertensão intracraniana progressiva pode requerer várias intervenções para tratar a PIC. A elevação da cabeceira da cama é uma técnica simples que pode obter redução da PIC assistida pela gravidade, mas a coluna toracolombar tem de estar estável para poder estar em posição ortostática. Ventriculostomia pode ser realizada para drenar o líquido cefalorraquidiano, o que pode ajudar com a hipertensão intracraniana. Embora o uso de hiperventilação significativa seja deletério, o aumento da ventilação resultando em uma PCO2 entre 30 e 35 mmHg resulta em uma quantidade ótima de vasoconstrição para diminuir a hipertensão intracraniana, mantendo ao mesmo tempo o fornecimento cerebral de oxigênio. A sedação e o controle da dor dirigidos à redução da PIC têm valor, embora a profundidade de supressão neurológica deva ser mantida ao mínimo para assegurar um exame produtivo. A terapia hiperosmolar com manitol ou solução salina hipertônica que funcionam diminuindo o edema do tecido cerebral é frequentemente útil. A administração de manitol e soro hipertônico necessita do monitoramento da osmolaridade sérica para prevenir desequilíbrio eletrolítico grave. Quando a PIC se mantém refratária a estas intervenções, paralisia e a indução de coma com barbitúricos pode ser benéfica. Toda a evidência existente continua demonstrando que a administração de corticosteroides não tem papel no tratamento da TCE. Os pacientes que respondem ao tratamento inicial do TCE vão ter uma diminuição lenta da PIC à medida que o edema diminui e a função neurológica melhora. Lesões da Medula Espinhal e Coluna Vertebral Embora não sejam uma causa comum de mortalidade precoce, as lesões da medula espinhal (LMEs) resultam em efeitos graves em longo prazo e em anos de incapacidade. Exceto para as lesões altas da coluna cervical, a mortalidade diretamente relacionada com a LME é baixa, embora a morbidade associada seja substancial e irreversível. Para pacientes jovens com LME, os anos de incapacidade e perda de produtividade podem ser significativos. De todos os pacientes com lesões no banco de dados NTDB, 1% dos pacientes com trauma não penetrante e 1,6% com trauma penetrante tiveram LME, com uma mortalidade associada de 13% e 17%, respectivamente. Os acidentes de trânsito permanecem como a principal causa de LME não penetrante, com as feridas por armas de fogo causando a maior parte das LMEs penetrantes. Nos pacientes com trauma não penetrante, a fratura isolada da coluna vertebral é 10 vezes mais frequente do que as LMEs. Embora seja mais frequente, a mortalidade relacionada com as lesões da coluna vertebral é de apenas 5,5%. Os mecanismos penetrantes e não penetrantes resultam em diferentes causas de LME. O trauma não penetrante à coluna vertebral pode causar lesão medular por compressão direta ou manipulação indireta. As fraturas e deslocamentos podem colapsar o canal medular e comprimir diretamente o tecido da medula ou causar lesão secundária por isquemia, hemorragia ou edema. O tecido medular que é estirado ou gravemente rodado pode também estar lesado, resultando em lesão neuronal. Os mecanismos penetrantes tanto laceram diretamente a medula quanto causam lesão indireta por isquemia ou fratura vertebral. Por vezes os pacientes apresentam‑se com deficit neurológico que não é explicado por alguma anomalia da coluna vertebral. Essa LME sem anomalia radiográfica pode ser difícil de diagnosticar e tratar devido à falta de irregularidade óssea. Vários mecanismos que incluem diferentes formas de força física foram associados a fraturas da coluna vertebral. Os mecanismos comuns incluem flexão e extensão, especialmente na coluna cervical, e forças compressivas que muitas vezes afetam a coluna lombar. Um padrão de lesão específico é a fratura de Chance, que consiste em uma ruptura transversa de todos os elementos vertebrais que ocorre mais frequentemente durante um acidente com veículos motorizados. Durante um choque frontal, um cinto de segurança mal posicionado acima da crista ilíaca pode causar flexão excessiva e distração das vértebras lombares, resultando neste padrão de fratura. A Figura 16‑10 exibe uma radiografia da coluna lombar que demonstra uma vista lateral de uma fratura de Chance. FIGURA 1610 Fratura de Chance em uma TC da coluna lombar em corte sagital. Note o envolvimento da fratura de todos os elementos posteriores, como identificado pela seta. Tratamento Imediato A imobilização da coluna vertebral com um colar cervical rígido e uma maca rígida é uma prioridade imediata para o pessoal pré‑ ‑hospitalar ao chegar ao local. Todos os pacientes com trauma não penetrante e alguns com trauma penetrante são considerados como tendo lesão da coluna vertebral até que uma avaliação adequada possa excluir o diagnóstico. As LMEs cervicais altas podem ter supressão respiratória imediata necessitando de tratamento da via aérea e suporte ventilatório devido a paresia dos nervos frênicos. O tônus simpático pode estar afetado, resultando em choque neurogênico que necessita de expansão do volume intravascular e possivelmente suporte vasopressor. A apresentação clássica do choque neurogênico é hipotensão no contexto de extremidades quentes bem perfundidas no paciente paralisado. O uso de corticosteroides para a LME é controverso e a maior parte dos cirurgiões os utiliza apenas quando o risco de qualquer infecção é baixo, tal como no contexto de LME isolada sem múltiplas lesões.22 Avaliação Uma avaliação grosseira da função da medula espinhal ocorre durante a observação primária dos movimentos das extremidades. Uma avaliação cuidadosa da função neurológica ocorre durante a avaliação secundária, quando os deficits são mais bem caracterizados. Essa informação pode servir para ajudar na identificação da localização da lesão, mas também no registro da progressão de sintomas, que pode afetar as decisões terapêuticas. As LMEs são caracterizadas como completas ou incompletas, dependendo de se toda a função neurológica está total ou parcialmente ausente abaixo do nível da lesão. Dor sobre a vértebra lesada ou a presença de uma deformidade consistente com ruptura da coluna vertebral durante o exame é indicativode fratura associada. O envolvimento de um cirurgião de coluna na identificação de uma lesão pode guiar a avaliação futura e intervenção cirúrgica indicada quando necessário. Os pacientes que não apresentam achados no exame, não têm depressão do estado de consciência e não mostram lesões de distração podem ser considerados como não tendo lesões da coluna vertebral apenas por métodos clínicos. A imagem das porções cervical, torácica e lombar da coluna vertebral é muitas vezes necessária para avaliar progressivamente a lesão da coluna vertebral. Embora as radiografias simples da coluna vertebral sejam aceitáveis, as imagens de alta qualidade e a rápida disponibilidade associadas à TC tornaram esta a modalidade de escolha na maior parte dos serviços de emergência. Em decorrência das dificuldades na visualização da junção cervicotorácica na radiografia simples, uma TC da coluna cervical é agora obtida com frequência durante avaliação imaginológica do paciente. A reconstrução sagital e coronal da TC da coluna vertebral fornece uma melhor visualização anatômica. A TC oferece excelente avaliação das lesões ósseas, mas as LMEs são fracamente delineadas devido à limitação no detalhe dos tecidos moles; no entanto, o comprometimento do canal raquidiano e o edema dos tecidos moles na TC são altamente sugestivos de lesão da medula espinhal. A Figura 16‑11 demonstra uma fratura cervical grave com subluxação e deslocamento anterior do corpo vertebral. FIGURA 1611 Fratura da coluna cervical com subluxação anterior grave e comprometimento do canal raquidiano. A seta identifica o estreitamento grave do canal raquidiano. Embora a TC tenha ultrapassado a radiografia simples para o exame de imagem da coluna cervical, a radiografia simples continua sendo usada no exame das vértebras torácicas e lombares. Estas imagens fornecem uma avaliação da altura das vértebras e alinhamento dos corpos vertebrais. Muitos centros desenvolveram a capacidade de evitar a realização destas radiografias usando imagens obtidas durante as TC do tórax, abdome e pelve. Estas imagens podem ser reformatadas para visualizar especificamente as colunas torácica e lombar nos planos sagital e coronal. O detalhe anatômico obtido nestas imagens é excelente e elas são mais sensíveis do que as radiografias simples no que diz respeito à lesão óssea. Muitos centros abandonaram já as radiografias simples em troca destas imagens de TC da coluna torácica e lombar reformadas. As TC dedicadas à coluna podem ainda ser necessárias particularmente quando existe lesão significativa que necessita de planejamento cirúrgico avançado. Tal como descrito anteriormente, a TC é menos eficaz na avaliação da medula espinhal e a RM é frequentemente necessária para caracterizar a lesão dos tecidos moles. A RM da medula espinhal pode fornecer informação valiosa para guiar a intervenção cirúrgica precoce. A obtenção destas imagens, especialmente no contexto agudo, deve ser cuidadosamente considerada com respeito ao nível global de estabilidade do paciente. Tratamento Ao longo de toda a avaliação do paciente, a coluna vertebral deve ser protegida de outras lesões, mantendo‑se imobilização estrita até que as lesões possam ser excluídas; no entanto a remoção precoce da maca rígida para evitar o desenvolvimento de úlceras de pressão é extremamente importante. Após o reconhecimento de uma LME, a observação por um cirurgião de coluna deve ser realizada rapidamente. Providências imediatas devem ser tomadas para transferir o paciente quando os serviços de cirurgia da coluna vertebral não estão disponíveis. Para evitar atrasos, o exame de imagem subsequente deve ser evitado a menos que os resultados tenham um impacto imediato nos cuidados prestados. As LMEs cervicais com choque neurogênico necessitam de reanimação devido à perda do tônus simpático. A maior parte dos pacientes com choque neurogênico responde à expansão de volume com solução cristaloide, mas alguns necessitam de agentes vasopressores como a dopamina ou a noradrenalina. A isquemia da medula e a progressão da LME podem‑se agravar no contexto de hipotensão, pelo que o choque deve ser tratado de modo agressivo. A terapia com corticosteroides para a LME foi bem estudada mas permanece controversa. Vários ensaios randomizados de grande volume demonstraram pequenas melhorias na recuperação após administração de metilprednisolona, em especial quando é iniciada precocemente após a lesão.22 Outros investigadores desafiaram estes achados e demonstraram um aumento da incidência de complicações relacionadas com os esteroides, como infecção. Assim, a maior parte dos médicos concorda que os esteroides continuam sendo uma opção que deve ser considerada após o contato com o cirurgião de coluna. Quando é administrada, a metilprednisolona é fornecida como um bolus de 30 mg/kg de peso corporal seguido por uma infusão de 5,4 mg/kg/h por 23 horas se o bolus foi dado nas primeiras 3 horas após o trauma. A duração da infusão é estendida a 48 horas se o bolus foi administrado entre 3 e 8 horas após o trauma, enquanto as LMEs que ocorreram há mais de 8 horas não devem ser tratadas. O tratamento das lesões da coluna vertebral varia amplamente, dependendo do padrão da lesão e da estabilidade da coluna vertebral associada. As lesões de deslocamento‑fratura cervical podem‑se beneficiar da aplicação de tração no serviço de emergência para restaurar o alinhamento da coluna vertebral. Algumas LMEs se beneficiam de descompressão cirúrgica precoce para reduzir a compressão da medula, em particular no contexto de lesões incompletas que demonstram a capacidade de melhorar se maiores danos forem evitados. As lesões da coluna vertebral com instabilidade muitas vezes requerem fixação operatória logo que as necessidades emergenciais estejam tratadas e o paciente possa ser submetido a intervenção cirúrgica na coluna vertebral. As fraturas sem instabilidade podem necessitar apenas de imobilização com um colar rígido até que ocorra a cicatrização óssea. A Tabela 16‑4 mostra uma lista de fraturas da coluna vertebral comuns e suas opções de tratamento. Após o tratamento das lesões da coluna vertebral, o estado neurológico do paciente deve ser monitorado cuidadosamente para identificar mudanças que possam precisar de intervenção urgente. Tabela 164 Fraturas da Coluna Vertebral FRATURA DESCRIÇÃO TRATAMENTO TÍPICO Fratura de Jefferson de C1 Ruptura do anel de C1 em múltiplas localizações; destruição do anel Ligamento transverso estável: colar rígido Ligamento transverso instável: tração ou cirurgia Fraturas odontoides Tipo I: ponta do odontoide Tipo II: através da base Tipo III: envolve o corpo de C2 Tipo I: colar rígido Tipo II: colete ou cirurgia Tipo III: colete Fratura do enforcado de C2 Pedículos bilaterais de C2 com espondilolistese Colete ou cirurgia se o deslocamento é grave Fraturas dos corpos das vértebras cervicais Compressão ou destruição do corpo vertebral com ou sem retropulsão para o canal Perda leve de altura: colar cervical Envolvimento de múltiplas colunas ou presença de retropulsão para o canal: estabilização cirúrgica Fraturas dos corpos das vértebras torácicas Compressão ou destruição do corpo vertebral com ou sem retropulsão para o canal Apenas coluna anterior: OTLS Colunas anterior e posterior: estabilização cirúrgica Fraturas dos corpos das vértebras lombares Compressão ou destruição do corpo vertebral com ou sem retropulsão para o canal Apenas coluna anterior: OTLS Colunas anterior e posterior: estabilização cirúrgica Fratura de Chance Avulsão dos elementos posteriores das vértebras lombares observada com o uso abdominal do cinto de segurança Estabilização cirúrgica OTLS, órtese toracolombossacral. Lesão da Região Maxilofacial A face
Compartilhar