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Cap 01 - Tto do Trauma Agudo

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CAP Í T U LO   1 6
Tratamento do Trauma Agudo
R. Shayn Martin
J. Wayne Meredith
SUMÁRIO
Visão Geral e História
Sistemas de Trauma
Graduação das Lesões
Cuidados de Trauma Pré­hospitalar
Avaliação e Tratamento Iniciais
Tratamento de Lesões Específicas
Reabilitação
Visão geral e história
Desde o início dos cuidados de saúde, o tratamento do paciente de trauma tem sido uma prioridade na prática do cirurgião,
que  deve  possuir  um  grande  leque  de  capacidades  em  todas  as  áreas  de  anatomia  e  fisiologia.  O  tratamento  de  lesões
traumáticas  precede  a  história  registrada,  com  evidência  de  procedimentos  neurocirúrgicos  descobertos  desde
aproximadamente 10.000 a.C. Devido à elevada quantidade de  trauma durante os conflitos, o  tratamento do paciente de
trauma  teve  os  seus  maiores  avanços  durante  o  período  de  guerra.  O  Quadro  16‑1  enumera  algumas  das  maiores
contribuições para os cuidados do trauma que se desenvolveram durante as principais guerras dos Estados Unidos. Temas
comuns  que  evoluíram  ao  longo  do  tempo  incluem  melhorias  no  tratamento  das  feridas,  reanimação  e  sistemas  de
cuidados. Além disso,  os militares  esforçaram‑se  recentemente para  formalizar  estas pesquisas de modo a  avançar mais
rapidamente nesse campo durante tempos de guerra.
Quadr o 1 6 ­ 1     Avanços   e  Descobe r t a s  dos  Cu idados  de  T rauma  duran te   a  Guer ra
Guerra Franco‑índia (1754‑1763)
Contração da ferida durante cicatrização
Fechamento primário e secundário
Descrição de tecido de granulação e epitelização
Guerra da Independência/Revolução Americana (1775‑1783)
Terapia exaustiva (hemorragia, diarreia, vômitos, salivação, sudorese)
Centralização dos cuidados médicos
Estabelecimento da primeira escola médica
Guerra Civil Americana (1861‑1865)
Amputação primária (versus secundária)
Uso de agentes antissépticos tópicos
Infusão de sangue total
Desenvolvimento de hospitais de especialidade (olho/ouvido, ortopedia, hérnia)
Imobilização com tração das extremidades
Primeira Guerra Mundial (1914‑1918)
Laparotomia para trauma abdominal penetrante
Desbridamento de feridas e fechamento tardio
Uso precoce de plasma e cristaloides
Primeiro banco de sangue
Segunda Guerra Mundial (1939‑1945)
Amputação com guilhotina e fechamento primário tardio
Exteriorização de lesões do cólon
Equipes cirúrgicas móveis
Disfunção de órgão após lesão descrita
Guerra da Coreia (1950‑1953)
Cirurgia vascular para resgate do membro
Reconhecimento do choque hipovolêmico
Unidades hospitalares cirúrgicas móveis (unidades MASH)
Guerra do Vietnã (1955‑1964)
Transferência médica aérea (helicóptero)
Acetato de mafenida para cuidados das queimaduras
Reconhecimento da síndrome de desconforto respiratório (pulmão de Da Nang)
Operação Enduring Freedom (Iraque, 2003 até o presente)
Reanimação no controle de danos
Sistemas de trauma altamente eficientes
Reaparecimento do uso de torniquetes
Enquanto  inicialmente  todos  os  cirurgiões  prestaram  cuidados  ao  paciente  de  trauma,  a  traumatologia  amadureceu  e
tornou‑se uma especialidade cirúrgica distinta durante o último século. Após a formação do American College of Surgeons em
1913, a liderança da organização nomeou um comitê para reportar o tratamento das fraturas. O Comitê das Fraturas, criado
em 1922, evoluiu e  tornou‑se o Comitê de Trauma  (COT) em 1949, acompanhando a evidente necessidade de vigilância.
Iniciando  com  a  publicação  dos Cuidados  Precoces  ao  Paciente  de  Trauma,  o  COT  tem  sido  instrumental  no  avanço  dos
cuidados  de  trauma  por  todo  o  mundo  mediante  iniciativas  como  o  curso  Advanced  Trauma  Life  Support  (ATLS),  a
verificação de centros de trauma e o desenvolvimento de sistemas de trauma que melhoram o acesso aos cuidados. Uma
das formas pelas quais o COT tem sido altamente eficaz é por meio do desenvolvimento de uma infraestrutura que inclui
um  grupo  de  comitês  separados  por  estados,  já  que  um  COT  nacional  seria  menos  bem‑sucedido  devido  à  estrutura
operacional  e  à  política  regional.  As  atividades  dos  comitês  estaduais  frequentemente  incluem  o  desenvolvimento  de
sistemas  de  trauma  com  a  criação  de  documentos  de  triagem,  maximizando  o  uso  de  recursos  hospitalares  e  pré‑
hospitalares,  iniciativas  de  prevenção de  lesões, manutenção de  registros  nacionais  e  avanço de  esforços  de melhora  do
desempenho. Para padronizar a forma como os centros de trauma definem a estrutura, processo e resultados apropriados, o
COT mantém o livro Resources for the optimal Care of the Injured Patient como referência, que serve como um guia de “como
fazer” para os centros de trauma.1 O COT também desenvolveu o National Trauma Data Bank (NTDB), que é a maior base
de dados de pacientes que existe atualmente, incluindo mais de 6 milhões de pacientes de 758 centros de trauma. Dados do
NTDB foram incluídos ao longo deste capítulo para fornecer ao leitor informação atualizada sobre lesões específicas.
Além do COT, várias outras organizações profissionais têm sido desenvolvidas com o objetivo primário de promover a
melhoria dos cuidados de trauma. A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) teve origem em 1938 e é a
maior  e  mais  antiga  das  organizações  profissionais  de  trauma.  A  AAST  organiza  uma  conferência  científica  anual  em
setembro  que  se  tornou  recentemente  a  Annual  Meeting  of  AAST  and  Clinical  Congress  of  Acute  Care  Surgery.  O
amadurecimento  desse  encontro  reflete  a  inclusão  da  cirurgia  geral  de  emergência  como  componente  da  cirurgia  de
cuidados agudos nos temas científicos. A AAST também tem sido a organização líder no desenvolvimento do paradigma
do treino da cirurgia de cuidados agudos, que agora  inclui educação avançada em trauma, cuidados cirúrgicos críticos e
cirurgia  geral  de  emergência. Vários  centros  fornecem agora  treino  em  cirurgia de  cuidados  agudos de  acordo  com um
currículo  padronizado;  outros  estão  trabalhando para  desenvolver  programas. A Eastern Association  for  the  Surgery  of
Trauma  (EAST)  e  a  Western  Trauma  Association  (WTA)  também  são  organizações  acadêmicas  proeminentes  que
promovem a  troca de  conhecimentos  científicos  nos  cuidados de  trauma. Ambos  estes  grupos  têm  comitês de  avaliação
multicêntricos  ativos  e  têm‑se  concentrado  amplamente  no  desenvolvimento  de  diretrizes  para  a  prática  do manejo.  A
American Trauma Society  tem  sido uma parte  fundamental da prevenção do  trauma  e desenvolvimento de  sistemas de
trauma desde sua fundação, em 1968, e tem sido líder em nível nacional, defendendo o paciente de trauma e promovendo
legislação  relacionada  com  o  trauma.  Finalmente,  a  Orthopaedic  Trauma  Association,  a  American  Association  of
Neurological  Surgeons e  a Society of Trauma Nurses  representam  três organizações  cujos membros  são parte da equipe
multidisciplinar dedicada à melhoria dos cuidados ao paciente de trauma.
Sistemas de trauma
A importância dos sistemas de trauma é mais bem demonstrada pelo seguinte exemplo: a estrada interestadual 40 tem cerca
de 4.000 quilômetros desde Wilmington, na costa da Carolina do Norte, até Barstow, Califórnia. Se ocorresse um acidente
de  trânsito  ao  longo  desta  extensão  de  estrada,  a  infeliz  realidade  é  que,  mesmo  com  pequenas  lesões,  a  evolução  do
paciente  está  altamente  dependente  do  local  do  acidente  ao  longo  da  rodovia.  Esse  fato  ilógico  é  uma  reflexão  da
variabilidade  do  acesso  de  um  paciente  aos  cuidados  de  local  em  local.  As  regiões  que  respondem melhor  ao  trauma
desenvolveram  uma  abordagem  organizada  para  fornecer  todos  os  elementos  que  maximizam  o  potencial  para
recuperação,  chamado  sistema de  trauma. Os  sistemas  de  trauma  incluem  a  continuidade  dos  cuidados,  começando  no
momento do trauma, com o acesso do paciente aos cuidados, e estendendo‑se pelo processode reabilitação. No nível mais
básico, o objetivo do sistema de trauma é levar o paciente certo ao local certo no tempo certo.
À medida que o nosso sistema de cuidados de saúde se desenvolveu, os cuidados de trauma centraram‑se inicialmente
em  torno  dos  grandes  hospitais  acadêmicos.  Todos  os  pacientes  eram  transportados  para  o  centro  de  trauma,
independentemente do grau de trauma. Embora isso fosse benéfico para o paciente em estado grave que era transportado
para  o  centro  de  trauma,  esse  tipo  de  abordagem,  hoje  descrita  como  um  sistema  de  trauma  exclusivo,  resultava  no
movimento de um número significativo de pacientes com trauma mínimo, que podiam ter sido tratados no hospital local.
Na  essência,  esse  tipo  de  sistema  falha  na  capitalização  dos  recursos  existentes  nos  centros  que  não  são  de  trauma.  A
solução  foi  o  desenvolvimento  de  sistemas  de  trauma  que  são  inclusivos  e,  assim,  envolvem  todos  os  hospitais  para
assegurar as necessidades de  todos os pacientes de  trauma,  independentemente da gravidade da  lesão ou da  localização
geográfica (Fig. 16‑1). Os sistemas de trauma inclusivos capitalizam os recursos de todos os hospitais desde instalações de
acesso crítico aos grandes centros de trauma níveis I e II. Guiados por protocolos de triagem, os pacientes de trauma são
transportados para locais que são apropriados para fornecer o nível de cuidados necessários, com base na gravidade das
lesões.  Por  vezes  isso  requer  a  transferência  dos  pacientes  de  hospitais menores  para  centros  de  trauma,  embora  neste
sistema  a  maior  parte  dos  pacientes  possa  receber  o  tratamento  adequado  no  hospital  local.  O  Quadro  16‑2  lista  os
componentes  comuns  de  um  sistema  de  trauma  inclusivo  que  devem  ser  coordenados  para  maximizar  a  eficiência  do
transporte do paciente para o local que este mais necessita. Os benefícios dessa abordagem incluem o uso eficiente de todos
os recursos disponíveis e a redução da lotação potencial dos centros de trauma com pacientes pouco graves, permitindo que
a maior  parte  dos  pacientes  recebam  cuidados  adequados dentro  da  sua  própria  comunidade.  Por  fim,  nunca  é  demais
enfatizar a importância do suporte legislativo. Os sistemas de trauma podem florescer e os pacientes ter acesso a cuidados
de trauma de alta qualidade apenas por meio de suporte governamental contínuo.
FIGURA 16­1  Sistema de trauma inclusivo, incluindo a relação entre o número de pacientes e gravidade do
trauma com respeito aos centros de trauma. O sistema está desenhado para fazer corresponder o nível de
trauma com as capacidades do centro médico. (De American College of Surgeons Committee on Trauma: Resources for the
optimal care of the injured patient 2014, ed 6, Chicago, 2014, American College of Surgeons.)
Quadr o 1 6 ­ 2     Componen te s  do  S i s t ema  de  T rauma   Inc lus ivo
Esforços na prevenção de lesões
Cuidados pré‑hospitalares
Taquipneia
Triagem
Comunicação
Transporte
Centros de cuidados agudos
Verificação e designação dos centros de trauma
Reabilitação pós‑cuidados agudos
Melhora do desempenho
Educação e divulgação
Legislação
O  estabelecimento  dos  sistemas  de  trauma  é  um  desenvolvimento  relativamente  recente,  tendo  o  Illinois  e Maryland
criado  os  primeiros  sistemas  de  trauma  há  cerca  de  40  anos.  O  governo  reconheceu  a  necessidade  de  uma  abordagem
coordenada ao  tratamento do paciente de  trauma e aprovou o Trauma Care Systems Planning and Development Act de
1990, que abordou formalmente a necessidade de sistemas de trauma. Avanços posteriores ocorreram em 1992, quando a
Health Resources and Services Administration realizou o Model Trauma Care System Plan.2 Revisto em 2006 e renomeado
documento do Model Trauma System and Evaluation, esse trabalho aplicou uma abordagem de saúde pública ao trauma e
promoveu valiosa direção no sentido do desenvolvimento e avaliação de sistemas de trauma. No domínio da saúde pública,
o trauma foi identificado como uma doença cujo impacto pode ser prevenido ou diminuído pela aplicação de sistemas que
abordam outros problemas relacionados com a saúde, como as doenças  infecciosas. Como benefício adicional, o COT do
American College of Surgeons estabeleceu o Trauma Systems Consultation Program, em 1996, para guiar estados ou regiões
pelo processo de desenvolver uma abordagem sistemática aos cuidados de trauma.
O estabelecimento de sistemas de trauma altamente funcionais salva vidas, conforme evidenciado em vários estudos. Em
2006,  o  National  Study  on  Costs  and  Outcomes  of  Trauma  (NSCOT)  foi  realizado  para  avaliar  variações  nos  cuidados
prestados entre centros de trauma e centros não trauma. Suportado pelo National Center for Injury Prevention e Control of
the Centers for Disease Control and Prevention, o NSCOT representa um dos maiores estudos epidemiológicos já realizados
para avaliar os cuidados ao paciente de trauma. Incluindo mais de 5.000 pacientes de 69 hospitais, o NSCOT estabeleceu
que a evolução dos pacientes melhora quando os cuidados são prestados em um centro de  trauma versus um centro não
trauma.  Após  a  correção  para  a  gravidade  do  trauma,  os  cuidados  em  um  centro  de  trauma  foram  associados  a  uma
redução de mortalidade intra‑hospitalar de 20% e uma redução de 25% na mortalidade em um ano.3 Ao nível do sistema,
Nathens et al. demonstraram o valor de uma resposta coordenada ao trauma após estudar 400.000 pacientes durante um
período  de  17  anos.4  O  estudo  estendeu‑se  por  um  período  de  tempo  durante  o  qual  os  sistemas  de  trauma  foram
estabelecidos  e  otimizados.  Após  contabilizar  todas  as  potenciais  contribuições  para  a  melhoria  dos  resultados,  o
desenvolvimento  de  um  sistema  de  trauma  resultou  na  redução  de  8%  na  mortalidade  durante  um  período  de  10
anos.4  Enquanto  estes  estudos  representam  o  trabalho  neste  assunto,  outros  também  reportaram  o  mesmo  efeito,
demonstrando uma melhoria  nos  resultados  em áreas  que  estabelecem uma  abordagem  sistematizada  ao  tratamento do
trauma.
O desenvolvimento e manutenção de sistemas de trauma está altamente dependente de equipes multidisciplinares que
representam localizações desde o pequeno hospital rural até o maior centro médico acadêmico. Mesmo em áreas nas quais
o tratamento definitivo ao trauma não é prestado, o pessoal dos cuidados de saúde tem um papel vital no estabelecimento
de  planos  de  triagem  e  prestação  de  estabilização  inicial  e  transferência  dos  pacientes.  Sistemas  de  trauma  altamente
funcionais  necessitam  do  envolvimento  dos  líderes  locais  dos  hospitais,  governo  e  agências  pré‑hospitalares  para
desenvolver  o  sistema  de  trauma  local  e  para  trabalhar  com  os  centros  de  trauma  vizinhos,  de  modo  a  assegurar  os
cuidados adequados aos pacientes com vários níveis de gravidade de  trauma. É valioso para o médico aprender sobre a
estrutura do sistema local e identificar o seu papel específico para otimizar a funcionalidade do sistema.
Graduação das lesões
O desenvolvimento de sistemas para a comparação de lesões tem sido extremamente importante e objeto de uma grande
quantidade de trabalhos nos últimos 45 anos. Os sistemas de graduação são normalmente baseados na anatomia da lesão
ou na fisiologia demonstrada após uma ou mais  lesões  infringidas. A Abbreviated  Injury Scale  (AIS)  tem sido o  sistema
anatômico de classificação de lesões mais usado desde que foi inicialmente publicada em 1971. As lesões são caracterizadas
por uma  taxonomia de  seis dígitos que descreve a  região  corporal,  o  tipo de  estrutura anatômica  e o detalhe anatômico
específico da lesão. A Tabela 16‑1 demonstra as regiões corporais e o primeiro dígito do código dentro do léxico da AIS, que
permite aos utilizadores deste sistema conhecer claramente a localização da lesão. Talvez ainda mais utilizado seja o código
de gravidadeda AIS (frequentemente descrito como o código pós‑ponto). Este sétimo dígito descreve a gravidade e o risco
potencial  de  morte  para  cada  lesão  no  sistema  AIS.  Os  códigos  pós‑ponto  vão  de  1  (gravidade  mínima)  até  6
(presumivelmente  fatal)  e  são  muitas  vezes  usados  em  coortes  e  para  comparar  resultados.  A  Association  for  the
Advancement of Automotive Medicine realiza com frequência o processo rigoroso de redefinir o AIS para se certificar de
que este se mantém atual na sua capacidade de caracterizar as lesões com precisão.
Tabela 16­1
Escala Abreviada de Lesão (AIS) e Regiões Corporais
PRIMEIRO DÍGITO AIS REGIÃO CORPORAL
1 Cabeça
2 Face
3 Pescoço
4 Tórax
5 Abdome
6 Coluna vertebral
7 Membro superior
8 Membro inferior
9 Não especificado
A AIS representa a fundação para outros sistemas de pontuação que têm maior capacidade para contabilizar a gravidade
de lesões múltiplas e combinadas. Em 1974, Baker et al. apresentaram o Injury Severity Score (ISS), calculado pela soma dos
quadrados dos códigos de gravidade da AIS para as três regiões corporais mais gravemente lesionadas.5O ISS vai de 1 a 75,
com os grupos de gravidade sendo definidos como lesão menor (ISS menor que 9), lesão moderada (ISS entre 9 e 16), lesão
séria (ISS entre 16 e 25) e lesão grave (ISS superior a 25). O ISS tem sido frequentemente usado na literatura para quantificar
a  carga  global  de  lesão  sustentada  por  um  paciente.  À  medida  que  houve  mais  desenvolvimento  na  escala  de  lesões
anatômicas,  a Organ  Injury  Scale  (OIS),  criada pela AAST,  tem  sido  incorporada  em versões mais  recentes da AIS.6  Por
intermédio da introdução do conceito de graus de lesão, a OIS promoveu maior detalhe anatômico para órgãos específicos e
incorporou a capacidade de delinear melhor a gravidade de lesão orgânica. Essa gravidade da OIS foi validada no NTDB
para otimizar o risco associado de morbidade e mortalidade.6
Além dos  sistemas de graduação anatômicos,  foram desenvolvidas outras  escalas que  incluem o  insulto fisiológico da
carga de  lesão. Estes  sistemas de graduação fisiológicos  são mais  capazes de  identificar  a  condição global do paciente  e
podem  também guiar melhor  a  tomada de decisões  em  tempo  real. Uma  escala deste  tipo  frequentemente utilizada  é  a
escala de coma Glasgow (ECG), que reflete o nível de consciência de um paciente. Com pontuações entre 3 e 15, a ECG é
composta por uma  avaliação da  abertura dos  olhos,  resposta  verbal  e  função motora. A ECG e, mais  especificamente,  a
pontuação  motora  em  isolado  foram  consideradas  um  reflexo  da  evolução  do  paciente  após  lesão  cerebral  aguda.7 O
Revised Trauma Score (RTS) é outro sistema de pontuação fisiológico bem estudado que caracteriza a condição do paciente
de  trauma  incorporando a ECG,  a pressão  arterial  sistólica  e  a  frequência  respiratória. Estas  escalas  têm  tido valor para
propósitos de pesquisa e têm sido usadas com sucesso para realizar decisões de triagem. Para melhor demonstrar a forma
pela qual a ECG e o RTS são designados, as Tabelas 16‑2 e 16‑3 refletem a forma como estas escalas são calculadas.
Tabela 16­2
Escala de Coma de Glasgow
Abertura dos Olhos
Espontânea 4
À voz 3
À dor 2
Nenhuma 1
Resposta Verbal
Orientada 5
Confusa 4
Inadequada 3
Incompreensível 2
Nenhuma 1
Resposta Motora
Obedece a comandos 6
Localiza dor 5
Fuga à dor 4
Flexão 3
Extensão 2
Nenhuma 1
Pontuação Total da Escala de Coma de Glasgow 3‑15
Tabela 16­3
Escore de Trauma Revisado (RTS)
Pontuação na Escala de Coma de Glasgow
13‑15 4
9‑12 3
6‑8 2
4‑5 1
3 0
Pressão Arterial Sistólica (mmHg)
> 89 4
76‑89 3
50‑75 2
1‑49 1
0 0
Frequência Respiratória (mov. resp./min)
10‑29 4
> 29 3
6‑9 2
1‑5 1
0 0
Total de Pontuação do Escore de Trauma Revisado 0‑12
Cuidados de trauma pré­hospitalar
Imediatamente após um paciente sofrer o trauma, o sistema de trauma inicia a fase pré‑hospitalar de cuidados. O objetivo
do sistema pré‑ ‑hospitalar é o de mover o paciente para um local capaz de prestar o tratamento definitivo das lesões tão
breve  quanto  possível.  A  equipe  pré‑hospitalar  tem  um  papel  integral  no  tratamento  do  paciente  de  trauma  devido  à
natureza tempo‑dependente do trauma. A abordagem inicial ao paciente de trauma no contexto pré‑hospitalar inclui quatro
prioridades‑chave:
1. Avaliar o cenário.
2. Realizar uma avaliação inicial.
3. Tomar decisões de triagem‑transporte.
4. Iniciar intervenções críticas e transportar o paciente.
Apesar de ser breve, esta lista de prioridades é extremamente eficaz porque é desenhada para obter um controle rápido
da  hemorragia.  Por  regra,  o  transporte  deve  ser  iniciado  tão  rapidamente  quanto  possível,  com  a  maior  parte  das
intervenções sendo realizadas durante o caminho para as instalações de cuidados definitivos.
Após estarem asseguradas as condições de segurança do local para proteger os prestadores pré‑hospitalares, a avaliação
inicial  deve  ser  rapidamente  concluída.  A  avaliação  inicial  consiste  em  uma  abordagem  sistemática  para  identificar
rapidamente  condições  que  põem  em  risco  a  vida  e  que  necessitam de  intervenção  urgente. A mnemônica ABC  guia  a
avaliação  inicial,  durante  a  qual  via  aérea,  respiração  e  circulação  (do  inglês  airway,  breathing  e  circulation)  são
sequencialmente avaliadas e abordadas. Enquanto a coluna vertebral é protegida, a via aérea do paciente é assegurada e a
ventilação  assistida  é  realizada  conforme  necessário.  A  hemorragia  externa  é  identificada  e  imediatamente  controlada
enquanto a reanimação hídrica é iniciada.
As intervenções de emergência no local podem ser imediatamente salvadoras da vida, mas os resultados ótimos no final
dependem de uma decisão eficaz de triagem e transporte. Utilizando a abordagem “busca e corre”, todas as intervenções
pré‑hospitalares  essenciais  podem  ser  prestadas  enquanto  o  paciente  está  sendo  transportado.  Todas  as  equipes  pré‑
hospitalares  sabem  que  a  saída  rápida  do  local  é  fulcral,  mas  identificar  para  onde  ir  e  como  chegar  lá  pode  ser mais
desafiante.  Protocolos  bem‑definidos  devem  guiar  o  processo  de  triagem  do  local  de  forma  que  as  equipes  saibam
imediatamente  para  onde  transportar  um  paciente.  A  Figura  16‑2  demonstra  o  Diretrizes  para  a  Triagem  no  Local  de
Pacientes de Trauma, que foi desenvolvido pelos Centers for Disease Control and Prevention e que foi incluído em edições
recentes da referência Resources for the Optimal Care of the Injured Patient do COT.8 Utilizando o estado fisiológico, detalhes
do mecanismo de lesão e outros indicadores de um paciente de alto risco, esta ferramenta ajuda na determinação de que
pacientes podem se beneficiar de cuidados em um centro de trauma. A maior parte das agências pré‑hospitalares tentam
avaliar rapidamente um paciente e iniciar o processo de transporte, procurando que o tempo no local se desenrole dentro
de 15 minutos.
FIGURA 16­2  Diretrizes para a triagem no local de pacientes de trauma, que foram criadas para guiar o
desenvolvimento de protocolos de sistemas de triagem dos SME estaduais e locais. As diretrizes usam quatro
passos de decisão (fisiológico, anatômico, mecanismo de lesão e considerações especiais) para dirigir as
decisões de triagem dentro do sistema de trauma local. PAs, pressão arterial sistólica. (De Sasser SM, Hunt RC,
Faul M, et al; Centers for Disease Control and Prevention: Guidelines for field triage of injured patients: Recommendations of the
National Expert Panel on Field Triage, 2011.MMWR Recomm Rep 61:1–20, 2012.)
Fonte: Adaptada de American College of Surgeons. Resources for the optimal care of the injured patient. Chicago,
IL: American College of Surgeons; 2006. As notas de rodapé foram adicionadas para aumentar a compreensão da
triagem do local por pessoas fora do campo dos cuidados ao trauma agudo.
*O limite superior dafrequência respiratória em crianças é > 29 movimentos respiratórios por minuto para manter
um nível mais elevado de supertriagem para crianças.
†Os centros de trauma são designados níveis I a IV, com o nível I sendo o mais elevado de tratamento de trauma
disponível.
§Qualquer lesão notada nos passos dois e três desencadeia uma resposta “sim”.
¶Idade < 15 anos.
**Intrusão refere‑se à intrusão do compartimento interior, em oposição à deformação que se refere a lesão externa.
††Inclui pedestres ou ciclistas atirados ou atropelados por um veículo a motor ou aqueles com impacto estimado a >
30 km/h com um veículo a motor.
§§Protocolos locais ou regionais devem ser usados para determinar o nível mais adequado de centro de trauma; o
centro apropriado não tem de ser nível I.
¶¶Idade > 55 anos.
***Pacientes com queimaduras e trauma concomitante para os quais a queimadura é o maior risco de morbidade e
mortalidade devem ser transferidos para um centro de queimados. Se o trauma além da queimadura apresenta o
maior risco, o paciente pode ser estabilizado em um centro de trauma e depois transferido para um centro de
queimados.
†††Lesões como fratura exposta ou fratura com comprometimento neurovascular.
§§§Serviços médicos de emergência (SME).
¶¶¶Pacientes que não cumprem qualquer dos critérios da triagem nos passos um até o quatro devem ser
transportados para a instalação médica mais adequada, conforme definido nos protocolos SME locais.
A preocupação clínica  inicial que a equipe pré‑hospitalar deve ter é a via aérea do paciente de trauma. O padrão‑ouro
para a manutenção da via aérea no paciente de trauma grave continua sendo a entubação oral endotraqueal, normalmente
utilizando uma técnica de sequência rápida. Deve‑se sempre assumir que o paciente tem uma lesão da coluna vertebral e
manter  precauções  adequadas.  A  utilidade  da  via  aérea  avançada  no  local  foi  questionada,  com  a  literatura  revelando
recomendações  contraditórias.  Em  uma  análise  retrospectiva  de  496  pacientes  de  trauma,  Eckstein  et  al.  notaram  que  a
abordagem da via aérea com entubação endotraqueal  foi associada a um aumento da  taxa de mortalidade se comparada
com ventilação com máscara de reservatório.9 Por outro  lado, outros estudos confirmaram o benefício do suporte da via
aérea avançada pré‑hospitalar, especialmente no contexto de lesão cerebral traumática grave.10 Para o auxílio na via aérea
desafiante, a inserção cega de dispositivos de via aérea tornaram‑se comuns e acarretam um grande valor, como manobras
temporárias até uma solução mais definitiva. Independentemente da abordagem implementada pela equipe pré‑hospitalar,
os prestadores devem ter a capacidade de manejar todos os níveis de comprometimento da via aérea durante o transporte
do paciente para os cuidados definitivos.
O controle da hemorragia externa e  iniciação da  reanimação são necessidades críticas durante a  fase de cuidados pré‑
hospitalares.  A  pressão  direta  continua  sendo  o  centro  do  controle  hemorrágico,  embora  o  uso  de  torniquetes  tenha  se
tornado mais comum no  tratamento de  trauma exsanguinante das extremidades. Por algum tempo os  torniquetes  foram
usados  com  pouca  frequência  devido  às  preocupações  acerca  de  lesão  muscular  e  neurológica  desnecessárias.  Com  a
experiência militar recente e avanços no desenvolvimento de dispositivos, os torniquetes mostraram benefício em situações
selecionadas. Várias séries demonstraram agora resultados melhorados no que concerne ao uso de torniquetes no contexto
militar.11 As agências pré‑hospitalares incluem agora, com frequência, torniquetes nas suas listas padrão de equipamento,
de forma que estes podem ser usados quando um paciente com hemorragia descontrolada das extremidades é abordado.
Vários dispositivos comerciais estão disponíveis, e a Figura 16‑3 ilustra um exemplo de torniquete que pode ser usado no
contexto pré‑hospitalar.
FIGURA 16­3  Exemplo de um torniquete. Os torniquetes são frequentemente usados para prevenir
exsanguinação em contextos pré­hospitalares civis e militares.
Os pacientes  em  choque necessitam de  início de  reanimação para  corrigir  a  depleção de  volume  intravascular  após  o
controle  hemorrágico.  A  magnitude  adequada  de  administração  de  volume  de  cristaloide  tem  sido  questionada
recentemente, e o conceito de uma reanimação controlada tornou‑se bem aceito. A razão para essa evolução baseia‑se na
convicção de que a super‑reanimação antes do tratamento da hemorragia pode potencialmente aumentar a taxa de perda de
sangue pela disrupção de áreas que tenham se tornado hemostáticas. Este conceito foi mais bem estudado em um grupo de
pacientes com trauma penetrante do tronco que foram randomizados para administração de cristaloides ou não reanimação
até que o paciente estivesse no centro de trauma e pudesse ser levado para o centro cirúrgico.12 O grupo de pacientes em
que  não  foi  realizada  reanimação  até  chegarem  ao  hospital  teve  uma mortalidade menor  do  que  o  padrão,  o  grupo  de
reanimação imediata.12 No que se refere à aplicação ampla desta abordagem, o estudo teve como limitação a  inclusão de
uma coorte única de pacientes de trauma penetrante em contexto urbano, com tempos de transporte curtos até o tratamento
definitivo. Apesar disso,  a maior parte das agências pré‑hospitalares avaliaram as práticas  tradicionais  e  trabalharam no
sentido de prestar uma reanimação mais controlada que, ainda assim, consegue uma perfusão de órgão adequada.
Avaliação e tratamento iniciais
A base da abordagem inicial ao paciente de trauma é o curso ATLS. Desde o seu desenvolvimento em 1980, o curso ATLS
forneceu  uma  abordagem  estruturada  e  padronizada  ao  paciente  de  trauma  que  se  baseia  no  conceito  de  rapidamente
identificar e abordar condições que põem em risco a vida durante a avaliação inicial do paciente.13 Mais especificamente, o
ATLS comporta três conceitos importantes, independentemente de onde os cuidados são prestados:
1. Tratar a maior ameaça à vida primeiro.
2. A falta de um diagnóstico definitivo não deve atrasar a aplicação do tratamento urgente indicado.
3. Uma história inicial e detalhada não é essencial para começar a avaliação do paciente com lesões agudas.
Seguindo uma ordem definida de avaliação,  as  condições que põem em risco a vida  são  imediatamente abordadas no
momento da identificação. Essa avaliação inicial, também chamada avaliação primária, segue a mnemônica ABCDE (Fig. 16‑
4):
Airway (via aérea) e proteção da coluna cervical
Breathing (respiração)
Circulation (circulação)
Disability (incapacidade) ou condição neurológica
Exposure (exposição) e controle do ambiente
FIGURA 16­4  Algoritmo para a avaliação inicial do paciente de trauma. PA, pressão arterial; FC, frequência
cardíaca; FR, frequência respiratória.
Além disso, a avaliação primária pode ser repetida sempre que haja qualquer alteração das condições do paciente. Apesar
de ser simples em estrutura, a avaliação primária oferece uma ferramenta na qual o cirurgião pode confiar para identificar
que  condição põe  em  risco  a  vida  e  para  onde dirigir  o  esforço  clínico.  Em  seguida,  define‑se  a  realização da  avaliação
primária.
Via Aérea
Com a chegada do paciente à sala de trauma, o estado da via aérea do paciente deve ser imediatamente avaliado. A simples
resposta  verbal  fornece  a  informação  mais  significativa  porque  a  capacidade  de  falar  normalmente  indica  proteção
adequada da via aérea. Os pacientes que não conseguem falar  têm depressão do estado mental ou alguma obstrução ao
myray
Realce
fluxo do ar, sendo ambas indicações para tratamento da via aérea. Outros indicadores de comprometimento da via aérea
incluem respiração ruidosa, trauma facial grave (em específico com sangue ou corpos estranhos na orofaringe) e agitação do
paciente.  A  determinação  da  patência  da  via  aérea  bem  como  a  decisão  de  obter  um melhor  controle  da  via  aérea,  se
necessário,devem ser concluídas em segundos após a chegada do paciente. Após a avaliação inicial, reavaliação frequente
para deterioração e o desenvolvimento de comprometimento da via aérea é central.
Até estar excluído com avaliação adequada, todos os pacientes de trauma devem ser considerados como tendo lesão da
coluna vertebral, e as precauções adequadas devem ser mantidas. Isso tem importância significativa durante a manipulação
da  cabeça  e  do  pescoço  enquanto  a  via  aérea  está  sendo  abordada.  A  proteção  da  coluna  cervical  inclui  ouso  de  colar
cervical rígido e a manutenção da técnica de rolagem em bloco para todos os movimentos do paciente. Durante a avaliação
e  o  tratamento  da  via  aérea,  a  porção  anterior  do  colar  cervical  pode  ser  removida  para  melhorar  a  exposição,  mas  a
estabilização manual  por  um  assistente  deve  ser  realizada  quando  o  colar  não  está  fixo.  Planos  duros  podem  ter  valor
durante o transporte do paciente, mas devem ser removidas assim que possível para evitar lesões de pressão que podem
ocorrer em um curto período de tempo.
Quando a via aérea do paciente de trauma é considerada inadequada, uma via aérea definitiva deve ser assegurada. A via
aérea definitiva de escolha para a maior parte dos pacientes de trauma é a entubação oral endotraqueal após uma técnica de
sequência rápida. Enquanto o paciente está sendo preparado para entubação, a ventilação com máscara deve ser realizada, e
adjuvantes como as cânulas de Guedel orofaríngea e nasofaríngea podem ajudar na manutenção da patência da via aérea.
Com aplicação de pressão na cricoide, é administrado um sedativo ao paciente e um bloqueador neuromuscular de ação
rápida, como a succinilcolina, para aumentar a visualização glótica. A laringoscopia direta com entubação endotraqueal é
realizada, com cuidado, para evitar a mobilização da coluna cervical. A posição adequada do tubo na traqueia é confirmada
pela ausculta torácica e abdominal, medição de dióxido de carbono expirado e por fim uma radiografia de tórax. A presença
de  pessoal  com  experiência  em  via  aérea  é  fundamental  e,  nos  centros  de  trauma,  é  muitas  vezes  um  componente
importante do sistema de alerta de trauma.
A equipe de trauma deve estar sempre preparada para assegurar uma via aérea difícil que não pode ser adequadamente
controlada com laringoscopia direta. O condutor rígido melhora a taxa de entubação bem‑sucedida, em especial no contexto
de  uma  via  aérea  difícil.  Quando  a  visualização  normal  da  glote  está  obscurecida,  o  fio  pode  ser  colocado  com  uma
visibilidade limitada das cordas vocais, resultando no aumento da taxa de colocação adequada do tubo endotraqueal. Um
avanço  recente  na  área  da  via  aérea  avançada  foi  a  emergência  da  laringoscopia  videoassistida. Vários  dispositivos  que
estão  agora  disponíveis  fornecem  ao  clínico  uma  visão  anatômica  da  via  aérea  superior,  mostrada  em  um  monitor.
Eliminando  os  desafios  relacionados  com  o  ângulo  da  via  aérea,  a  laringoscopia  videoassistida  aumenta  o  sucesso  da
primeira  tentativa  e  diminui  a  incidência  de  entubação  esofágica  no  contexto  de  via  aérea  difícil.14  A  inserção  de  um
dispositivo  de  via  aérea  oferece  uma  ferramenta  adicional  para  ser  aplicada  quando  as  tentativas  de  entubação  são
infrutíferas. Dispositivos como a via aérea com máscara laríngea, via aérea esofágica multilúmen (Combitube) e via aérea
com tubo laríngeo (King LT‑D) são colocados cegamente e funcionam ocluindo o esôfago e a faringe posterior, permitindo
que a ventilação assistida passe seletivamente para a traqueia. As vias aéreas de inserção cega são fáceis de colocar e são
consideradas uma abordagem de recurso eficaz.15
Enquanto os especialistas da via aérea transitam para técnicas avançadas, a preparação para uma via aérea cirúrgica deve
começar. Antes da deterioração fisiológica, uma cricotireoidostomia deve ser realizada quando outras abordagens falharam.
A  incapacidade  de manter  oxigenação  com  uma máscara  de  alto  débito  entre  tentativas  de  entubação  é  uma  indicação
razoável para a criação de uma via aérea cirúrgica. A cricotireoidostomia (Fig. 16‑5) é realizada por meio de uma incisão
transversal  sobre  a membrana  cricotireóidea,  que  pode  ser  palpada  entre  a  cartilagem  tireóidea  e  o  anel  da  cricoide.  É
fundamental que o cirurgião palpe com frequência as estruturas subjacentes para guiar a dissecção e para evitar lesão de
estruturas mais laterais no pescoço. O afastamento dos tecidos moles revela a membrana cricotireóidea, que é então aberta
transversalmente.  A  cricotireoidostomia  é  alargada  longitudinalmente,  e  um  tubo  de  traqueostomia  ou  endotraqueal  é
colocado através da incisão e para baixo, na direção da traqueia. Deve‑se ter cuidado para evitar avançar o tubo além da
carina, o que é comum nestas situações. A posição do tubo deve ser confirmada imediatamente com ausculta pulmonar e
determinação  de  dióxido  de  carbono  expirado.  Por  fim,  os  pacientes  com  suspeita  de  lesão  laríngea  podem  ter  uma
anatomia anormal na proximidade da membrana cricotireóidea, e assim podem necessitar de uma traqueostomia em vez de
uma cricotireoidostomia.
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FIGURA 16­5  Técnica de cricotireoidostomia.
A membrana cricotireóidea é identificada por palpação e uma incisão transversal é realizada sobre a
membrana (A). A incisão e a dissecção são continuadas pela membrana cricotireóidea e a cricotireoidostomia é
alargada (B), permitindo a passagem do tubo traqueal (C).
Respiração
Após  a  abordagem da  via  aérea,  a  respiração  é  avaliada  pela  inspeção  dos movimentos  do  tórax,  auscultação  dos  sons
respiratórios e medida da saturação de oxigênio. Esforço respiratório limitado ou dispneia requerem suporte ventilatório e
avaliação  posterior  do  tórax.  Os  problemas  de  ventilação  podem  ser  secundários  a  um  pneumotórax  hipertensivo,
hemotórax  maciço  ou  tórax  instável  com  contusão  pulmonar.  O  pneumotórax  hipertensivo  pode  causar  deterioração
respiratória, mas também se apresentar na forma de colapso cardiovascular. Esse diagnóstico clínico deve ser reconhecido
na avaliação primária sem necessidade de confirmação radiográfica antes do tratamento. O desvio da traqueia na fúrcula
esternal com ausência ou diminuição unilateral dos sons respiratórios e comprometimento cardiopulmonar devem sugerir
imediatamente pneumotórax hipertensivo. A descompressão torácica deve ser realizada rapidamente com uma agulha de
grande  calibre  ou  uma  toracostomia  com  tubo,  dependendo  da  disponibilidade  de  equipamentos. O  hemotórax maciço
também necessita de  toracostomia  com  tubo para  evacuação de  sangue  e  reexpansão do pulmão. A  contusão pulmonar
grave é tratada com ventilação mecânica agressiva, muitas vezes com níveis elevados de pressão positiva expiratória final.
Para evitar a perda de pressão positiva expiratória final, deve‑se resistir à desconexão contínua do ventilador para aspiração
a fim de ventilar o paciente quando a oxigenação só irá melhorar com ventilação mecânica ininterrupta.
Circulação
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Segue‑se uma avaliação do sistema cardiovascular, com o objetivo primário de determinar se o paciente está em choque. Os
pacientes devem ser rapidamente avaliados para detectar sinais clínicos de choque, conforme demonstrado no Quadro 16‑
3.  Embora  hipotensão  indique  claramente  descompensação  cardiovascular,  os  pacientes  podem  estar  em  choque muito
antes da diminuição da pressão arterial devido à capacidade decompensação do corpo. De longe, a causa mais comum de
choque no paciente de trauma é a hemorragia. A perda de sangue deve ser excluída antes de outras causas de choque serem
consideradas  responsáveis.  No  momento  da  identificação  da  presença  de  choque,  a  reanimação  deve  ser  iniciada  de
imediato com 1 a 2 litros de solução de cristaloide quente em infusão por dois cateteres endovenosos (EV) periféricos curtos
e de grande calibre. O paciente deve ser submetido a uma avaliação rápida para identificar a causa da perda de sangue que
põe a vida em risco. Existem essencialmente cinco grandes localizações por meio das quais a exsanguinação pode ocorrer, e,
assim, a avaliação subsequente concentra‑se na identificação de quais destas localizações é a causa do choque. A perda de
sangue exsanguinante pode ocorrer por perda de sangue externa e pelo tórax, abdome, retroperitônio (fratura pélvica) ou
múltiplas fraturas de ossos longos. O exame físico inicial identifica fontes de perda de sangue externo e fraturas de ossos
longos. Estas são tratadas imediatamente com pressão direta e imobilização de fraturas, respectivamente. Uma radiografia
de tórax pode então avaliar a presença de perda de sangue para o tórax e uma radiografia pélvica identificará uma fratura
pélvica. Para avaliar o abdome, o ultrassom focado para o trauma abdominal ((Focused Abdominal Sonography in Trauma
[FAST]) é um exame ecográfico rápido que avalia a presença de fluido intraperitoneal. Especificamente, o FAST pode avaliar
os espaços hepatorrenal, esplenorrenal e pélvicos para a presença de fluido, que presumivelmente será sangue no contexto
de trauma. O valor do FAST prende‑se com o fato de este poder ser realizado rapidamente na sala de trauma pelo cirurgião,
podendo  ser  repetido  com  a  mesma  rapidez  se  necessário.  Como  exemplo,  sangue  no  espaço  hepatorrenal  está
demonstrado na Figura 16‑6.
Quadr o 1 6 ­ 3      Ind i cadores  de  Choque  no  Pac i en te  de  T rauma
Agitação ou confusão
Taquicardia
Taquipneia
Diaforese
Extremidades frias e pálidas
Pulsos distais fracos
Pressão de pulso diminuída
Débito urinário diminuído
Hipotensão
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FIGURA 16­6  Ultrassom focado para o trauma abdominal (FAST) demonstrando líquido no espaço hepatorrenal
(bolsa de Morison). A seta identifica líquido (sangue) entre o fígado e o rim direito.
Após  a  administração  inicial  de  fluidos  EV,  os  pacientes  são  avaliados  para  detectar  sinais  de  evolução  do  choque.
Aqueles que respondem demonstrando uma normalização do estado fisiológico podem ser avaliados de forma extensiva de
modo a identificar todas as lesões. Uma falha comum durante esse momento é a continuação da administração de fluidos
EV a um ritmo elevado que pode mascarar a perda de sangue contínua. A falha em responder ao bolus inicial de cristaloide
indica perda de sangue contínua que necessita de intervenção imediata. A perda de sangue externa deve ser controlada, e as
fraturas,  reduzidas  e  imobilizadas. Uma  toracostomia  com  tubo  é  necessária  para  a  perda  de  sangue  torácica  quando  a
radiografia de  tórax demonstra  a  presença de  hemotórax. Hemorragia  intratorácica  contínua  após  a  colocação de dreno
torácico  pode  necessitar  de  toracotomia.  A  hemorragia  intra‑abdominal  em  um  paciente  hemodinamicamente  instável
justifica laparotomia de emergência. As fraturas pélvicas requerem tratamento imediato de qualquer aumento de volume
pélvico com um fixador ou lençol, seguido de angiografia pélvica com embolização da hemorragia arterial. Em simultâneo
ao  tratamento  da  hemorragia  contínua,  hemoderivados  devem  ser  administrados  para  manter  o  volume  intravascular
adequado.
Incapacidade e Exposição
Durante  a  avaliação  primária,  é  importante  realizar  uma  determinação  rápida  da  função  neurológica.  De  importância
particular  é  a  caracterização  global  da  função  neurológica  para  avaliar  a  presença  de  lesão  cerebral  e  lesão  medular
traumáticas. A ECG deve ser determinada para identificar deficits na abertura dos olhos, na capacidade verbal e na resposta
motora  que potencialmente  reflitam o  grau de  lesão neurológica. Quando  são necessárias medicações  sedativas,  notar  o
nível basal de função neurológica antes da sua administração pode ser benéfico. A medula é grosseiramente avaliada pela
visualização  de  movimento  das  extremidades.  A  falta  de  movimento  das  extremidades  pode  indicar  lesão  da  medula
espinhal que pode, no final, ser a fonte de choque após as fontes de perda de sangue terem sido excluídas. Toda a roupa
deve ser removida nesse momento de modo a permitir um exame adequado e qualquer intervenção que seja necessária. É
obtida a temperatura central e é importante manter o paciente de trauma aquecido. Os pacientes em choque têm alterações
fisiológicas significativas que impedem a capacidade de manter a temperatura corporal. Assim, o controle do ambiente deve
ser mantido  com  cobertores  quentes  e  aumento da  temperatura da  sala,  bem  como mediante  outras  intervenções,  como
administração de fluidos quentes e aquecedores corporais.
Toracotomia de Reanimação
Após  o  trauma  crítico,  pacientes  selecionados  que  tiveram  parada  cardíaca  podem  se  beneficiar  de  toracotomia  de
reanimação no  serviço de  emergência. A  toracotomia de  reanimação propicia  a oportunidade de  abrir  o pericárdio para
aliviar o tamponamento cardíaco, realizar massagem cardíaca interna, clampear a aorta torácica distal e tratar a hemorragia
intratorácica. A realização de uma toracotomia de reanimação tem vários aspectos negativos, como risco potencial para os
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prestadores  de  cuidados  bem  como  um  custo  elevado  no  contexto  de  baixa  probabilidade  de  recuperação.  Múltiplos
estudos tentaram definir que grupos de pacientes devem ser candidatos ao procedimento na base do mecanismo de lesão e
fisiologia no momento da apresentação. Os pacientes com melhores resultados após toracotomia de reanimação são aqueles
com trauma torácico penetrante que têm sinais de vida à entrada do serviço de emergência. As feridas penetrantes do tórax
com lesão cardíaca são as que mais provavelmente respondem de modo favorável à toracotomia de reanimação, embora as
taxas de sobrevida atinjam os 35%.16 Os pacientes com trauma não penetrante  têm resultados uniformemente ruins, com
taxas de sobrevida de 1%, com a maior parte dos sobreviventes demonstrando mau resultado neurológico.16 Por essa razão,
pacientes  com  trauma  não  penetrante  normalmente  não  são  considerados  candidatos,  exceto  em  circunstâncias
extraordinárias.  Entre  a  população  com  feridas  penetrantes  do  tórax,  aqueles  com  feridas  por  arma  branca  têm melhor
prognóstico  devido  à maior  probabilidade de  tamponamento pericárdico  sem  lesão  cardíaca  grave  que  responde  bem  à
descompressão  pericárdica.  A  toracotomia  de  reanimação  deve  ser  realizada  apenas  em  locais  com  suporte  cirúrgico
disponível para realizar reparação definitiva de lesões torácicas se o retorno à circulação espontânea for conseguido.
A  oclusão  endovascular  da  aorta  durante  a  reanimação  inicial  tornou‑se  um  método  promissor  para  obter  controle
temporário  da  hemorragia  no  paciente  agônico.17  A  técnica  reanimativa  de  oclusão  por  balão  endovascular  da  aorta
(REBOA) é frequentemente usada no contexto de ruptura de aneurismas da aorta abdominal para, no essencial, atrasar a
hemorragia  e  permitir  que  haja  tempo  para  a  realização  de  umareparação  adequada.  Também  devido  a  necessidades
militares, a REBOA está agora sendo usado em centros de trauma selecionados para ocluir a aorta nas salas de trauma no
contexto de choque avançado e parada cardíaca  iminente. Por  intermédio do clampeamento da aorta, a REBOA desvia o
sangue para o  coração e o  cérebro enquanto,  ao mesmo  tempo, diminui  a hemorragia das  lesões abdominais  e pélvicas.
Embora  sejam necessários mais  estudos  para melhor  avaliar  o  procedimento,  a  REBOA pode  oferecer  um método mais
rápido e menos  invasivo de  conseguir oclusão aórtica durante a  reanimação  inicial do paciente de  trauma,  constituindo,
assim, outra ferramenta no combate à perda de sangue exsanguinante precoce.17
Avaliação Secundária
Uma avaliação exaustiva da cabeça aos pés é necessária para auxiliar na identificação de todas as lesões potenciais. Isso é
muitas  vezes  realizado  imediatamente  após  a  avaliação  inicial  em  pacientes  que  estão  estáveis  e  não  necessitam  de
intervenção urgente. Os achados identificados durante a avaliação secundária com frequência suscitam avaliação posterior
com imagem ou outras modalidades diagnósticas. Uma avaliação neurológica mais detalhada pode ser concluída nesta fase,
e  anomalias da  face  e do pescoço podem ser  identificadas. As  superfícies posteriores que  são mais difíceis de visualizar
devido ao colar cervical podem ser agora mais bem examinadas. O tronco é avaliado para identificar evidência de disfunção
pulmonar, e achados consistentes com peritonite devem ser reconhecidos. As marcas do cinto de segurança ou outras lesões
superficiais no pescoço e abdome podem necessitar de avaliação posterior. A pelve é avaliada para a presença de dor, com
cuidado  para  se  evitar  compressão  excessiva  porque  esta  técnica  para  identificar  estabilidade  pode  interromper  a
hemostasia.  Um  exame  retal  com  uma  luva  sem  sangue  para  avaliar  a  posição  da  próstata  e  a  presença  de  sangue
gastrointestinal deve ser incluído. As extremidades são manipuladas para identificar deformidades abertas ou fechadas e a
perfusão distal deve ser cuidadosamente avaliada, em particular na presença de fraturas ou deslocamentos. Uma avaliação
formal  consistindo  em medições  da  pressão  arterial  distal  em  comparação  com  extremidades  sem  lesões  tem  valor  na
identificação de lesões vasculares. O paciente é rolado para avaliar a coluna vertebral e identificar deformidades ou dor, e a
maca rígida deve ser removida se ainda estiver presente. No contexto de trauma penetrante, todas as áreas de pele devem
ser  visualizadas,  incluindo  aquelas  em  locais  escondidos  como o  couro  cabeludo,  face posterior do pescoço,  boca,  axila,
períneo  e  face  posterior  do  tórax  e  abdome.  A  marcação  das  lesões  penetrantes  com  marcadores  radiopacos  pode  ser
extremamente útil se forem obtidos exames de imagem subsequentes.
Tratamento de lesões específicas
Princípios do Controle de Dano
O conceito de controle de dano evoluiu contrariamente à abordagem tradicional de reparação definitiva de todas as lesões
durante  a  operação  inicial.  Alguns  pacientes  teriam  disfunção  fisiológica  progressiva  durante  estas  operações,
desenvolvendo com frequência hipotermia, coagulopatia e acidose metabólica, uma combinação que foi chamada a tríade
letal. O controle de dano emergiu como uma forma de parar essa rápida deterioração fisiológica  tratando rapidamente a
hemorragia,  promovendo  reanimação  agressiva  e deixando as  reconstruções mais definitivas para o momento  em que  a
estabilização  for  conseguida.  Rotondo  et  al.  cunharam  o  termo  controle  de  dano  para  descrever  essa  abordagem  ao
tratamento  de  pacientes  que  estavam  progredindo  rapidamente  para  a  morte.18  A  hemorragia  cirúrgica  é  rapidamente
controlada, o que pode incluir tamponamento intratorácico ou intra‑abdominal para obter hemostasia. As lesões de víscera
oca podem ser tratadas por reparação primária ou ressecção com descontinuidade gastrointestinal temporária para acelerar
a operação. O fechamento temporário do tórax ou abdome é conseguido, muitas vezes com um método de fechamento sob
vácuo,  para  evitar  o  desenvolvimento  de  hipertensão  intracompartimental  e  para  manejar  grandes  quantidades  de
drenagem de  líquido. Segue‑se a reanimação na unidade de tratamento  intensivo, com retorno ao centro cirúrgico com a
normalização  da  temperatura  corporal,  coagulopatia  e  acidose  metabólica.  O  controle  de  dano  começou  como  uma
abordagem a  lesões  abdominais  graves, mas  é  agora usado no  tórax,  pelve  e  extremidades. Muitos defendem hoje  uma
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abordagem  semelhante  às  lesões  ortopédicas,  com  base  na  teoria  de  que  estabilização  rápida  da  fratura  pode  reduzir  a
resposta inflamatória às lesões.
Consistentemente com a cirurgia de controle do dano, uma abordagem à reanimação que inclui utilização de quantidades
idênticas  de  todos  os  componentes  do  sangue  emergiu  recentemente.  Chamada  reanimação  de  controle  de  dano  ou
transfusão  maciça,  a  experiência  militar  desencadeou  uma  abordagem  à  reanimação  que  repõe  o  sangue  perdido  com
quantidades  iguais  de  concentrado  eritrocitário,  plasma,  plaquetas  e  crioprecipitado.  A  experiência  militar  e,  mais
recentemente, alguns centros civis demonstraram a prevenção da coagulopatia grave, que foi associada a menor disfunção
fisiológica após trauma grave.19 Outros reportaram dados que refutam estes achados, embora a maior parte dos centros de
trauma tenha adotado essa abordagem e tenha agora um protocolo de transfusão maciça bem‑definido.
Finalmente, a adição mais recente à área dos princípios do controle de dano e reanimação precoce é o ácido tranexâmico
(TXA). O TXA inibe a fibrinólise e diminui a perda de sangue na cirurgia eletiva. O ensaio Corticosteroid Randomisation
After Significant Head  Injury 2  (CRASH‑2)  randomizou 20.211 pacientes de  trauma para a administração de TXA  (em 8
horas) ou placebo.20 Os pacientes que receberam TXA demonstraram uma diminuição da mortalidade por todas as causas
em comparação com o placebo (14,5% versus 16%; P = 0,0035).20 Houve algumas preocupações acerca do aumento do risco
de eventos tromboembólicos secundários à administração de um agente antifibrinolítico, embora o TXA tenha se tornado
uma parte da reanimação inicial de vários sistemas pré‑hospitalares e centros de trauma.
Lesões Cerebrais
Mesmo  no  contexto  de  cuidados  ótimos,  o  traumatismo  cranioencefálico  (TCE)  resulta  em  morbidade  e  mortalidade
substanciais. Aqueles que  sobrevivem muitas vezes  têm disfunção permanente que vai de deficits  leves  a  condições  com
necessidade de cuidados totais. Os resultados enfrentados pelos pacientes que tiveram múltiplas lesões são com frequência
ditados  predominantemente  pelo  TCE. Com  a  evolução da  epidemiologia  das  lesões,  as  quedas  são  agora  a  causa mais
comum  de  lesão  cerebral,  com  aqueles  nos  extremos  da  idade  sendo  os  mais  vulneráveis.  Ao  nível  tecidual,  as  lesões
cerebrais são o resultado de transmissão direta de energia ou acúmulo de sangue dentro do crânio. A energia transmitida
ao crânio e ao tecido cerebral subjacente pode causar lesão direta no local do contato e no lado contralateral. Além disso, a
lesão de vasos sanguíneos no momento da lesão pode resultar no acúmulo de sangue dentro do crânio. Como é o caso com
amaior  parte  dos  tecidos,  o  cérebro  lesado  desenvolve  edema  após  a  lesão,  que  pode  ser  agravado  por  isquemia
progressiva. De  acordo  com a doutrina de Monro‑Kellie,  qualquer  aumento no volume de  conteúdos  intracranianos  (de
sangue ou edema) resulta na elevação da pressão intracraniana (PIC) com uma diminuição associada do volume de outros
tecidos,  como  o  parênquima  cerebral  e  o  líquido  cefalorraquidiano.  Como  observado  na  Figura  16‑7,  um  aumento
no volume  intracraniano resulta em aumento exponencial da PIC, uma vez que o volume exceda o que está presente no
interior do crânio rígido. Essa PIC significativamente elevada só agrava a perfusão e oxigenação cerebrais, o que resulta em
edema posterior.
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FIGURA 16­7  Doutrina de Monro­Kellie, que descreve o aumento da pressão intracraniana à medida que o
volume intracraniano aumenta pela hemorragia ou edema. Esta relação de pressão com o volume é o resultado
do crânio rígido que exibe um volume fixo.
Com  relação  a  TCE  específicos,  os  hematomas  epidurais  (Fig.  16‑8)  normalmente  resultam  de  uma  fratura  lateral  do
crânio que  causa hemorragia da artéria meníngea média ou um vaso vizinho. Classicamente,  o  curso  clínico  consiste na
perda inicial de consciência seguida de um intervalo de lucidez, durante o qual o hematoma expande. Quando este atinge
um tamanho significativo, o hematoma epidural causa deterioração neurológica profunda. O reconhecimento deste curso
clínico de modo precoce pode resultar no tratamento com descompressão que leva a um resultado favorável. Felizmente, o
tecido cerebral subjacente está muitas vezes intacto no contexto de hematoma epidural. Essa é a diferença em relação aos
hematomas subdurais, que estão frequentemente associados a lesão de tecido cerebral subjacente (Fig. 16‑8). Os hematomas
subdurais são com frequência causados por lesão de veias entre a dura‑máter e o córtex cerebral. Embora o hematoma em si
possa ser compressivo, é normalmente a contusão cerebral subjacente e a lesão axonal que predizem o resultado após estas
lesões. A hemorragia para o espaço subaracnóideo é indicadora de hemorragia difusa do tecido cerebral e por si só não é
prejudicial. Apesar disso, as hemorragias subaracnóideas não são benignas, e a vigilância é mandatória para identificar a
deterioração.  As  contusões  parenquimatosas  do  tecido  cerebral  resultam  da  transmissão  direta  de  energia  ao  crânio  e
cérebro subjacente, bem como do movimento do cérebro dentro do crânio rígido, resultando em lesão do lado oposto (lesão
por contragolpe). A lesão cerebral secundária que advém de edema cerebral é a maior causa de morbidade após contusão
intraparenquimatosa. Finalmente, a lesão axonal difusa descreve o fenômeno de disrupção entre o axônio e o corpo celular
secundária  a  forças  rotacionais  severas  que  se  acredita  criarem  um  efeito  de  cisalhamento.  A  imagem,  muitas  vezes,
subestima a gravidade da lesão axonal difusa, estando presentes apenas pontilhado hemorrágico e possivelmente perda de
diferenciação da  substância  cinzenta  e branca. Comumente,  a  lesão axonal difusa  torna‑se  evidente quando os pacientes
experienciam um resultado neurológico ruim no contexto de exames de imagem abaixo do esperado.
FIGURA 16­8  TC craniana demonstrando (A) um hematoma epidural e (B) um hematoma subdural. O sangue
surge como um fluido de alta densidade (branco) identificado no lado direito de ambas as imagens. O hematoma
epidural está associado a um desvio significativo da linha média. Note como o hematoma subdural segue o
contorno do cérebro subjacente.
Tratamento Imediato
A  prevenção  da  lesão  cerebral  secundária  é  o  principal  objetivo  do  tratamento  de  TCE.  O  processo  primário  de  lesão
cerebral não pode ser invertido ou corrigido, e o resultado após TCE é ditado por quão bem a lesão secundária é prevenida.
Tal como o processo fisiopatológico sugere, a base da prevenção da  lesão cerebral secundária consiste na manutenção de
uma  perfusão  cerebral  e  subsequente  oxigenação  aceitáveis.  O  controle  da  via  aérea  e  suporte  ventilatório  são,  assim,
fundamentais  imediatamente  após  o  TCE.  O  controle  da  hemorragia  e  reanimação  devem  ser  iniciados  para  prevenir
hipoperfusão, que pode agravar ainda mais o insulto isquêmico ao cérebro. A quantificação do grau de deficit neurológico
pela  determinação  da  ECG  pode  ser  útil  na  comparação  da  função  neurológica  do  paciente  durante  a  progressão  dos
cuidados. Uma vez que o uso de medicação anticoagulante e antitrombótica pode agravar a hemorragia  intracraniana, a
reversão  urgente  está  indicada  assim  que  a  presença  destes  agentes  se  torne  evidente.  Os  pacientes  que  necessitam  de
descompressão  operatória  devem  ser  transferidos  imediatamente  para  um  local  com  capacidade  para  procedimentos
neurocirúrgicos. Quando necessária, a transferência deve ter prioridade elevada e não ser adiada para se obterem exames
que não irão ter impacto imediato nos cuidados ao paciente.
Avaliação
Uma breve avaliação neurológica é realizada pela primeira vez durante a avaliação primária, quando a ECG é determinada.
O  componente  de  função  motora  da  ECG  é  o  mais  preditivo  do  resultado  neurológico  futuro,  sendo  a  capacidade  de
localizar  estimulação  ou  de  seguir  comandos  favorável.  Avaliação  das  dimensões  e  reatividade  das  pupilas  é  também
incluída,  uma vez  que pode  ser  indicador  de  hipertensão  intracraniana  com  compressão dos  nervos  cranianos. Quando
possível,  o  exame neurológico deve  ser  realizado  antes da  administração de  agentes  sedativos  ou paralizantes para  não
mascarar achados pertinentes.
Seguindo  a  prioridade  do  tratamento  da  via  aérea,  respiração  e  circulação,  os  pacientes  com  TCE  se  beneficiam  de
imagem imediata da cabeça para acelerar a descompressão quando esta é necessária. A tomografia computadorizada (TC)
craniana sem a administração de agente de contraste EV é o exame diagnóstico mais importante durante a avaliação inicial
do  TCE,  porque  é  altamente  sensível  para  a  detecção  de  hemorragia  intracraniana.  Na  TC  de  crânio,  o  sangue  agudo
aparece  como um fluido de alta densidade que pode  ser  identificado em várias  localizações na  cabeça. As  contusões do
parênquima cerebral  com edema associado podem ser visualizadas na TC; o  efeito de massa  com mobilização  lateral da
matéria cerebral também é um achado importante na TC. As anomalias intracranianas encontradas na TC podem requerer
craniotomia de  emergência, pelo que  obter  o  exame  é muito  importante. A  ressonância magnética  (RM) pode  conseguir
revelar um detalhe anatômico maior, mas não desempenha um papel importante na avaliação inicial do paciente com lesão
cerebral.
Tratamento
TC craniana imediata fornece a informação necessária para a pronta terapia cirúrgica. A consulta neurocirúrgica deve ser
obtida precocemente para permitir a transferência rápida para a sala de operações quando necessário. Mais frequentemente,
os hematomas epidurais e subdurais com efeito de massa se beneficiam de drenagem e descompressão no centro cirúrgico.
As  fraturas  cranianas  com depressão podem necessitar de  intervenção  cirúrgica precoce para  tratar  a hemorragia  e para
elevar  o  osso  deslocado.  Os  hematomas  epidurais  e  subdurais  são  tratados  com  craniotomia,  seguida  de  evacuação  do
hematoma e cessação da hemorragia  intracraniana. Após a cirurgia, o  tratamento  inclui vigilância progressiva da  função
neurológica e prevenção da hipertensão intracraniana. No contexto de hipertensão intracraniana grave, os pacientes podem
se  beneficiar  ocasionalmente  de  craniectomia  de  descompressão  para  remover  uma  porção  do  crânio  e  possivelmente
realizar ressecçãode parênquima.
Os pacientes com hemorragia intracraniana muitas vezes necessitam de monitoramento neurológico, que é normalmente
realizado em um nível mais elevado de cuidados, como a unidade de tratamento  intensivo. Ocasionalmente, TCE menos
graves podem ser monitorados em um nível mais baixo de cuidados, quando o risco de progressão da hemorragia é baixo e
a assistência neurocirúrgica está prontamente disponível. A Brain Trauma Foundation fornece uma avaliação da literatura
disponível para chegar a recomendações com base na evidência.21 Para limitar a lesão secundária, o suporte cardiovascular
e a função pulmonar são de grande importância. A PIC é medida frequentemente com o objetivo de reduzir o edema do
tecido cerebral tanto quanto possível. A pressão de perfusão cerebral (PPC), que é a diferença entre a pressão arterial média
e a PIC, também é frequentemente usada para guiar vários dos tratamentos do TCE. Embora a PIC e a PPC sejam ambas
usadas  com regularidade para guiar o  tratamento dos pacientes  com TCE grave, nenhuma destas medições é  superior à
outra. Além disso,  foi  reconhecido que o  tratamento superagressivo da PPC pode de  fato ser deletério. Uma abordagem
sugerida ao tratamento do TCE grave está representada na Figura 16‑9.
FIGURA 16­9  Algoritmo para o tratamento da lesão cerebral traumática. PPC, Pressão de perfusão
cerebral; LCR, líquido cefalorraquidiano; TC, tomografia computadorizada; TVP, trombose venosa profunda; CC,
cabeceira da cama; PIC, pressão intracraniana; UTI, unidade de tratamento intensivo; DUP, doença ulcerosa
péptica; TCE, traumatismo cranioencefálico.
A hipertensão intracraniana progressiva pode requerer várias intervenções para tratar a PIC. A elevação da cabeceira da
cama é uma técnica simples que pode obter redução da PIC assistida pela gravidade, mas a coluna toracolombar tem de
estar  estável  para  poder  estar  em  posição  ortostática.  Ventriculostomia  pode  ser  realizada  para  drenar  o  líquido
cefalorraquidiano, o que pode ajudar com a hipertensão intracraniana. Embora o uso de hiperventilação significativa seja
deletério,  o  aumento da ventilação  resultando  em uma PCO2 entre  30  e  35 mmHg  resulta  em uma quantidade  ótima de
vasoconstrição para diminuir a hipertensão intracraniana, mantendo ao mesmo tempo o fornecimento cerebral de oxigênio.
A sedação e o controle da dor dirigidos à redução da PIC têm valor, embora a profundidade de supressão neurológica deva
ser  mantida  ao  mínimo  para  assegurar  um  exame  produtivo.  A  terapia  hiperosmolar  com  manitol  ou  solução  salina
hipertônica que  funcionam diminuindo o edema do  tecido cerebral é  frequentemente útil. A administração de manitol e
soro hipertônico necessita do monitoramento da osmolaridade sérica para prevenir desequilíbrio eletrolítico grave. Quando
a PIC se mantém refratária a estas intervenções, paralisia e a indução de coma com barbitúricos pode ser benéfica. Toda a
evidência existente continua demonstrando que a administração de corticosteroides não tem papel no tratamento da TCE.
Os pacientes que  respondem ao  tratamento  inicial do TCE vão  ter uma diminuição  lenta da PIC à medida que o edema
diminui e a função neurológica melhora.
Lesões da Medula Espinhal e Coluna Vertebral
Embora não sejam uma causa comum de mortalidade precoce, as  lesões da medula espinhal  (LMEs) resultam em efeitos
graves em longo prazo e em anos de incapacidade. Exceto para as lesões altas da coluna cervical, a mortalidade diretamente
relacionada com a LME é baixa, embora a morbidade associada seja substancial e  irreversível. Para pacientes  jovens com
LME, os  anos de  incapacidade  e perda de produtividade podem ser  significativos. De  todos os pacientes  com  lesões no
banco de dados NTDB, 1% dos pacientes com trauma não penetrante e 1,6% com trauma penetrante tiveram LME, com uma
mortalidade associada de  13% e  17%,  respectivamente. Os  acidentes de  trânsito permanecem como a principal  causa de
LME não penetrante, com as feridas por armas de fogo causando a maior parte das LMEs penetrantes. Nos pacientes com
trauma não penetrante, a fratura isolada da coluna vertebral é 10 vezes mais frequente do que as LMEs. Embora seja mais
frequente, a mortalidade relacionada com as lesões da coluna vertebral é de apenas 5,5%.
Os mecanismos penetrantes e não penetrantes resultam em diferentes causas de LME. O trauma não penetrante à coluna
vertebral pode causar lesão medular por compressão direta ou manipulação indireta. As fraturas e deslocamentos podem
colapsar  o  canal  medular  e  comprimir  diretamente  o  tecido  da  medula  ou  causar  lesão  secundária  por  isquemia,
hemorragia ou edema. O tecido medular que é estirado ou gravemente rodado pode também estar lesado, resultando em
lesão neuronal. Os mecanismos penetrantes tanto laceram diretamente a medula quanto causam lesão indireta por isquemia
ou fratura vertebral. Por vezes os pacientes apresentam‑se com deficit neurológico que não é explicado por alguma anomalia
da  coluna  vertebral.  Essa  LME  sem  anomalia  radiográfica  pode  ser  difícil  de  diagnosticar  e  tratar  devido  à  falta  de
irregularidade  óssea.  Vários  mecanismos  que  incluem  diferentes  formas  de  força  física  foram  associados  a  fraturas  da
coluna  vertebral.  Os  mecanismos  comuns  incluem  flexão  e  extensão,  especialmente  na  coluna  cervical,  e  forças
compressivas que muitas vezes afetam a coluna lombar. Um padrão de lesão específico é a fratura de Chance, que consiste
em uma ruptura  transversa de  todos os elementos vertebrais que ocorre mais  frequentemente durante um acidente  com
veículos motorizados.  Durante  um  choque  frontal,  um  cinto  de  segurança mal  posicionado  acima  da  crista  ilíaca  pode
causar flexão excessiva e distração das vértebras lombares, resultando neste padrão de fratura. A Figura 16‑10 exibe  uma
radiografia da coluna lombar que demonstra uma vista lateral de uma fratura de Chance.
FIGURA 16­10  Fratura de Chance em uma TC da coluna lombar em corte sagital. Note o envolvimento da
fratura de todos os elementos posteriores, como identificado pela seta.
Tratamento Imediato
A  imobilização  da  coluna  vertebral  com um  colar  cervical  rígido  e  uma maca  rígida  é  uma prioridade  imediata  para  o
pessoal pré‑ ‑hospitalar ao chegar ao local. Todos os pacientes com trauma não penetrante e alguns com trauma penetrante
são considerados como  tendo  lesão da coluna vertebral até que uma avaliação adequada possa excluir o diagnóstico. As
LMEs  cervicais  altas  podem  ter  supressão  respiratória  imediata  necessitando  de  tratamento  da  via  aérea  e  suporte
ventilatório devido a paresia dos nervos frênicos. O tônus simpático pode estar afetado, resultando em choque neurogênico
que  necessita  de  expansão  do  volume  intravascular  e  possivelmente  suporte  vasopressor.  A  apresentação  clássica  do
choque neurogênico é hipotensão no contexto de extremidades quentes bem perfundidas no paciente paralisado. O uso de
corticosteroides  para  a  LME  é  controverso  e  a maior  parte  dos  cirurgiões  os  utiliza  apenas  quando  o  risco  de  qualquer
infecção é baixo, tal como no contexto de LME isolada sem múltiplas lesões.22
Avaliação
Uma  avaliação  grosseira  da  função  da  medula  espinhal  ocorre  durante  a  observação  primária  dos  movimentos  das
extremidades. Uma avaliação cuidadosa da função neurológica ocorre durante a avaliação secundária, quando os deficits são
mais bem caracterizados. Essa informação pode servir para ajudar na identificação da localização da lesão, mas também no
registro da progressão de sintomas, que pode afetar as decisões terapêuticas. As LMEs são caracterizadas como completas
ou incompletas, dependendo de se toda a função neurológica está total ou parcialmente ausente abaixo do nível da lesão.
Dor  sobre  a  vértebra  lesada  ou  a  presença de uma deformidade  consistente  com  ruptura da  coluna  vertebral  durante  o
exame é  indicativode  fratura associada. O envolvimento de um cirurgião de coluna na  identificação de uma  lesão pode
guiar a avaliação futura e intervenção cirúrgica indicada quando necessário. Os pacientes que não apresentam achados no
exame, não têm depressão do estado de consciência e não mostram lesões de distração podem ser considerados como não
tendo lesões da coluna vertebral apenas por métodos clínicos.
A  imagem  das  porções  cervical,  torácica  e  lombar  da  coluna  vertebral  é  muitas  vezes  necessária  para  avaliar
progressivamente  a  lesão  da  coluna  vertebral.  Embora  as  radiografias  simples  da  coluna  vertebral  sejam  aceitáveis,  as
imagens de  alta qualidade  e  a  rápida disponibilidade associadas  à TC  tornaram esta  a modalidade de  escolha na maior
parte dos serviços de emergência. Em decorrência das dificuldades na visualização da junção cervicotorácica na radiografia
simples,  uma  TC  da  coluna  cervical  é  agora  obtida  com  frequência  durante  avaliação  imaginológica  do  paciente.  A
reconstrução  sagital  e  coronal  da  TC  da  coluna  vertebral  fornece  uma  melhor  visualização  anatômica.  A  TC  oferece
excelente avaliação das  lesões ósseas, mas as LMEs são  fracamente delineadas devido à  limitação no detalhe dos  tecidos
moles; no entanto, o comprometimento do canal raquidiano e o edema dos tecidos moles na TC são altamente sugestivos de
lesão da medula espinhal. A Figura 16‑11 demonstra uma fratura cervical grave com subluxação e deslocamento anterior do
corpo vertebral.
FIGURA 16­11  Fratura da coluna cervical com subluxação anterior grave e comprometimento do canal
raquidiano. A seta identifica o estreitamento grave do canal raquidiano.
Embora a TC tenha ultrapassado a radiografia simples para o exame de imagem da coluna cervical, a radiografia simples
continua sendo usada no exame das vértebras torácicas e lombares. Estas imagens fornecem uma avaliação da altura das
vértebras e alinhamento dos corpos vertebrais. Muitos  centros desenvolveram a capacidade de evitar a  realização destas
radiografias usando imagens obtidas durante as TC do tórax, abdome e pelve. Estas imagens podem ser reformatadas para
visualizar  especificamente  as  colunas  torácica  e  lombar  nos  planos  sagital  e  coronal. O detalhe  anatômico  obtido  nestas
imagens  é  excelente  e  elas  são mais  sensíveis  do  que  as  radiografias  simples  no  que  diz  respeito  à  lesão  óssea. Muitos
centros abandonaram já as radiografias simples em troca destas imagens de TC da coluna torácica e lombar reformadas. As
TC  dedicadas  à  coluna  podem  ainda  ser  necessárias  particularmente  quando  existe  lesão  significativa  que  necessita  de
planejamento cirúrgico avançado. Tal como descrito anteriormente, a TC é menos eficaz na avaliação da medula espinhal e
a RM é  frequentemente necessária para  caracterizar a  lesão dos  tecidos moles. A RM da medula espinhal pode  fornecer
informação  valiosa  para  guiar  a  intervenção  cirúrgica  precoce.  A  obtenção  destas  imagens,  especialmente  no  contexto
agudo, deve ser cuidadosamente considerada com respeito ao nível global de estabilidade do paciente.
Tratamento
Ao longo de toda a avaliação do paciente, a coluna vertebral deve ser protegida de outras lesões, mantendo‑se imobilização
estrita até que as lesões possam ser excluídas; no entanto a remoção precoce da maca rígida para evitar o desenvolvimento
de úlceras de pressão é extremamente importante. Após o reconhecimento de uma LME, a observação por um cirurgião de
coluna deve  ser  realizada  rapidamente. Providências  imediatas devem ser  tomadas para  transferir o paciente quando os
serviços de cirurgia da coluna vertebral não estão disponíveis. Para evitar atrasos, o exame de imagem subsequente deve ser
evitado a menos que os resultados tenham um impacto imediato nos cuidados prestados. As LMEs cervicais com choque
neurogênico  necessitam  de  reanimação  devido  à  perda  do  tônus  simpático.  A  maior  parte  dos  pacientes  com  choque
neurogênico  responde  à  expansão  de  volume  com  solução  cristaloide, mas  alguns  necessitam  de  agentes  vasopressores
como a dopamina ou a noradrenalina. A  isquemia da medula e a progressão da LME podem‑se agravar no  contexto de
hipotensão, pelo que o  choque deve  ser  tratado de modo agressivo. A  terapia  com corticosteroides para a LME  foi bem
estudada mas permanece controversa. Vários ensaios randomizados de grande volume demonstraram pequenas melhorias
na  recuperação  após  administração  de  metilprednisolona,  em  especial  quando  é  iniciada  precocemente  após  a
lesão.22  Outros  investigadores  desafiaram  estes  achados  e  demonstraram  um  aumento  da  incidência  de  complicações
relacionadas com os esteroides,  como  infecção. Assim, a maior parte dos médicos concorda que os esteroides continuam
sendo  uma  opção  que  deve  ser  considerada  após  o  contato  com  o  cirurgião  de  coluna.  Quando  é  administrada,  a
metilprednisolona é fornecida como um bolus de 30 mg/kg de peso corporal seguido por uma infusão de 5,4 mg/kg/h por 23
horas se o bolus foi dado nas primeiras 3 horas após o trauma. A duração da infusão é estendida a 48 horas se o bolus  foi
administrado entre 3 e 8 horas após o trauma, enquanto as LMEs que ocorreram há mais de 8 horas não devem ser tratadas.
O  tratamento das  lesões da  coluna  vertebral  varia  amplamente,  dependendo do padrão da  lesão  e  da  estabilidade da
coluna  vertebral  associada.  As  lesões  de  deslocamento‑fratura  cervical  podem‑se  beneficiar  da  aplicação  de  tração  no
serviço de emergência para restaurar o alinhamento da coluna vertebral. Algumas LMEs se beneficiam de descompressão
cirúrgica precoce para reduzir a compressão da medula, em particular no contexto de lesões incompletas que demonstram a
capacidade de melhorar  se maiores danos  forem evitados. As  lesões da coluna vertebral  com  instabilidade muitas vezes
requerem fixação operatória  logo que as necessidades  emergenciais  estejam  tratadas  e o paciente possa  ser  submetido a
intervenção cirúrgica na coluna vertebral. As fraturas sem instabilidade podem necessitar apenas de imobilização com um
colar rígido até que ocorra a cicatrização óssea. A Tabela 16‑4 mostra uma lista de fraturas da coluna vertebral comuns e
suas opções de  tratamento. Após o  tratamento das  lesões da coluna vertebral, o estado neurológico do paciente deve ser
monitorado cuidadosamente para identificar mudanças que possam precisar de intervenção urgente.
Tabela 16­4
Fraturas da Coluna Vertebral
FRATURA DESCRIÇÃO TRATAMENTO TÍPICO
Fratura de
Jefferson de
C1
Ruptura do anel de C1 em múltiplas
localizações; destruição do anel
Ligamento transverso estável: colar
rígido
Ligamento transverso instável: tração ou
cirurgia
Fraturas
odontoides
Tipo I: ponta do odontoide Tipo II: através da
base Tipo III: envolve o corpo de C2
Tipo I: colar rígido Tipo II: colete ou cirurgia
Tipo III: colete
Fratura do
enforcado de
C2
Pedículos bilaterais de C2 com espondilolistese Colete ou cirurgia se o deslocamento é grave
Fraturas dos
corpos das
vértebras
cervicais
Compressão ou destruição do corpo vertebral
com ou sem retropulsão para o canal
Perda leve de altura: colar cervical
Envolvimento de múltiplas colunas ou
presença de retropulsão para o canal:
estabilização cirúrgica
Fraturas dos
corpos das
vértebras
torácicas
Compressão ou destruição do corpo vertebral
com ou sem retropulsão para o canal
Apenas coluna anterior: OTLS
Colunas anterior e posterior:
estabilização cirúrgica
Fraturas dos
corpos das
vértebras
lombares
Compressão ou destruição do corpo vertebral
com ou sem retropulsão para o canal
Apenas coluna anterior: OTLS
Colunas anterior e posterior:
estabilização cirúrgica
Fratura de
Chance
Avulsão dos elementos posteriores das vértebras
lombares observada com o uso abdominal do
cinto de segurança
Estabilização cirúrgica
OTLS, órtese toracolombossacral.
Lesão da Região Maxilofacial
A  face

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