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DOCÊNCIA EM SAÚDE PSICOTERAPIA 1 Copyright © Portal Educação 2013 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842p Psicoterapia / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2013. 148p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-697-6 1. Psicoterapia - história. 2. Psicoterapeuta. 3. Orientação psicoterápica. I. Portal Educação. II. Título. CDD 616.8914 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 6 2 HISTÓRIA .................................................................................................................................. 8 3 CONCEITO/DEFINIÇÃO ........................................................................................................... 11 4 DIFERENÇAS ENTRE PSICOLOGIA, PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA .............................. 14 5 PRINCIPAIS LINHAS DE ABORDAGEM PSICOTERÁPICA ................................................... 18 5.1 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA ............................................................ 19 5.2 PSICOTERAPIA ANALÍTICA ................................................................................................... 19 5.3 TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL ........................................................................ 25 5.3.1 Indicações ................................................................................................................................. 26 5.3.2 Tipos de Terapia ........................................................................................................................ 27 6 PERFIL DO PSICOTERAPEUTA .............................................................................................. 28 7 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA ............................................................ 31 7.1 DIFERENÇAS ENTRE PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA E PSICANÁLISE ..................................................................................................................................... 31 8 A ENTREVISTA PSICANALÍTICA ............................................................................................ 35 9 ENQUADRE TERAPÊUTICO ................................................................................................... 37 10 ALIANÇA TERAPÊUTICA ........................................................................................................ 40 11 PRINCIPAIS TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS .......................................................................... 41 12 PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL .............................................................. 56 12.1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CONCEITOS BÁSICOS ........................................................ 56 13 TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL .............................................................................. 65 14 FOBIAS ESPECÍFICAS ........................................................................................................... 66 14.1 TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA ............................................................... 66 14.2 TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO ......................................................................... 67 3 14.3 TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO ............................................................. 68 14.4 TRANSTORNOS AFETIVOS ................................................................................................... 68 14.5 TRANSTORNOS ALIMENTARES ........................................................................................... 69 14.6 DEPENDÊNCIA QUÍMICA ....................................................................................................... 70 14.7 TABAGISMO ............................................................................................................................ 71 14.8 TRANSTORNO DE PERSONALIDADE LIMÍTROFE OU BORDERLINE ............................... 72 14.9 ADICÇÃO AO JOGO ............................................................................................................... 73 14.10 TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE E IMPULSIVIDADE .. 73 14.11 DISFUNÇÕES SEXUAIS ......................................................................................................... 74 14.12 TRANSTORNOS DO SONO .................................................................................................... 75 15 PRINCIPAIS TÉCNICAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS ................................................ 78 15.1 TÉCNICAS DE RELAXAMENTO .............................................................................................. 78 15.2 DESSENSIBILIZAÇÃO SISTEMÁTICA .................................................................................... 79 15.3 TREINO DE ASSERTIVIDADE ................................................................................................ 79 15.4 PARADA DO PENSAMENTO ................................................................................................... 80 15.5 AUTOINSTRUÇÃO ................................................................................................................... 80 15.6 INOCULAÇÃO DO ESTRESSE ................................................................................................ 80 15.7 TREINO EM HABILIDADES SOCIAIS ...................................................................................... 81 15.8 SOLUÇÃO DE PROBLEMAS ................................................................................................... 81 15.9 EXPOSIÇÃO ............................................................................................................................. 82 15.10 EXPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DE RESPOSTAS ..................................................................... 82 15.11 EXPOSIÇÃO INTEROCEPTIVA ............................................................................................... 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................. 84 16 PSICOTERAPIA DE GRUPO .................................................................................................... 85 16.1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 85 4 17 FUNDAMENTOS TEÓRICO-TÉCNICOS .................................................................................. 88 17.1 FREUD E A PSICOLOGIA DE GRUPO .................................................................................... 88 17.2 CONCEITO DE GRUPO E DE CAMPO GRUPAL .................................................................... 88 17.3 A FAMÍLIA CONSIDERADA COMO GRUPO PRIMORDIAL .................................................. 90 18 CLASSIFICAÇÃO DOS GRUPOS ........................................................................................... 92 18.1 GRUPOS OPERATIVOS ...........................................................................................................94 18.2 GRUPOS TERAPÊUTICOS ...................................................................................................... 95 19 A FORMAÇÃO DE UM GRUPO .............................................................................................. 96 19.1 A SELEÇÃO DE PACIENTES ................................................................................................ 101 19.2 O CONTRATO TERAPÊUTICO .............................................................................................. 102 19.3 MANEJO DAS RESISTÊNCIAS .............................................................................................. 106 19.4 TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA ................................................................ 108 19.5 COMUNICAÇÃO ..................................................................................................................... 109 19.6 INTERPRETAÇÃO .................................................................................................................. 110 19.7 TÉRMINO E RESULTADOS TERAPÊUTICOS ...................................................................... 111 20 PERFIL DO GRUPOTERAPEUTA ........................................................................................... 113 21 PSICOTERAPIA BREVE ......................................................................................................... 115 21.1 HISTÓRICO .............................................................................................................................. 115 21.2 CONCEITO ............................................................................................................................... 116 22 FUNDAMENTOS TEÓRICO-TÉCNICOS ................................................................................. 118 22.1 INDICAÇÕES .......................................................................................................................... 123 23 TÉCNICA ................................................................................................................................. 126 23.1 O FATOR TEMPO ................................................................................................................... 126 23.2 A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA E O CONTRATO TERAPÊUTICO ....................................... 128 23.3 O TRATAMENTO PROPRIAMENTE DITO ............................................................................ 131 5 23.4 O TÉRMINO DO TRATAMENTO ............................................................................................ 133 23.5 RESULTADOS TERAPÊUTICOS ........................................................................................... 135 23.6 AS CONSIDERAÇÕES DE FIORINI E A TÉCNICA EM HOSPITAIS ..................................... 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 139 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 141 6 1 INTRODUÇÃO No decorrer da vida, passamos por fases em que estamos bem. Parece que encontramos o estado de felicidade. Mas em outras, encontramos dificuldades para seguir nossa vida adiante. Nestas fases nos damos conta de que, sozinhos não conseguimos caminhar. Reconhecemos que precisamos da ajuda de outro. Mas não pode ser outro qualquer, é preciso que este outro esteja disposto a nos assumir do modo como somos, sem julgar, e que nos dê a atenção devida. Pressupõe-se que este outro tenha algo mais que o diferencie que é o conhecimento da psique. Para cuidar dos sentimentos e emoções, temos o profissional especialista em teorias psicológicas: o psicólogo. As pessoas procuram psicoterapia por várias razões. Geralmente há um motivo subjacente: o sentimento de que nem tudo vai bem com a própria vida, faltando sentido e propósito mais profundo. Freud já dizia que o desejo de se tratar deve ser primeiro do paciente, na medida em que existe um sofrimento mental que justifique a necessidade. Quando o paciente procura um tratamento por si só revela o desejo de amenizar seu sofrimento. A palavra “terapia” vem de “theraplia” e quer dizer “cuidado, apoio”. Se juntarmos à palavra “terapia” o prefixo “psico”, temos então “psicoterapia”, que significa o “cuidado da psique, da alma, da mente”. Para tanto, o psicólogo pode utilizar-se da abordagem teórica que lhe faça sentido (psicanalítica, comportamental, humanista, etc.). A escolha da abordagem depende da forma que este profissional entende o homem e o mundo, da sua filosofia de vida. A Psicoterapia é uma técnica psicológica, fundamentada e embasada cientificamente para auxiliar as pessoas que buscam conforto para seu sofrimento emocional. Seu objetivo não é o de prometer ao paciente um impossível estado de felicidade eterna, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência filosófica diante do sofrimento, auxiliando-o a lidar com seus conflitos. Nesse sentido, a vida acontece em um equilíbrio entre a alegria e a dor. 7 A Psicoterapia pode ser realizada em indivíduos de todas as faixas etárias, desde a infância, passando pela adolescência, fase adulta e até a velhice. Pode ser realizada individualmente, em grupo, em casal ou família, no âmbito público ou privado. O terapeuta é um grande fator curativo da psicoterapia. Ele é afetado pelas emoções do paciente, portanto ele deve aceitá-las e servir de espelho para elas (as emoções). Dessa forma, o terapeuta deve sentar-se à frente do paciente de modo que possa também expressar suas emoções. O contágio das emoções acentua-se quando os conteúdos projetados pelo paciente são idênticos aos conteúdos inconscientes do terapeuta. Mas para que isso ocorra, ele também precisa fazer terapia (JUNG, 1985). Segundo Hall.; Nordby (2000), para ser eficaz, a psicoterapia deve provocar o crescimento do paciente. Uma compreensão do que significa crescer, da natureza dos processos de crescimento e da maneira de ativar esse crescimento, constitui um conhecimento essencial para o psicoterapeuta. Isso inclui conhecer, dentre outros, o desenvolvimento da personalidade, os estágios da vida (infância, juventude, maturidade, meia-vida e velhice) e as influências do meio externo. Isso porque estes processos de crescimento são influenciados tanto positivamente quanto negativamente por vários fatores, como a hereditariedade, as experiências da criança com os pais, a educação, a cultura, a sociedade e a idade. 8 2 HISTÓRIA Historicamente, a psicoterapia é muito mais antiga do que imaginamos, claro, de forma não sistematizada. Suas raízes estão desde a Antiguidade, das mais diversas formas culturais, por meio do curandeiro, danças xamanísticas, poções, Buda, etc. (STONE, 2005). A igreja, conforme relata Stone (2005), também exerceu grande influência na cura do sofrimento mental, muitas vezes, com características sobrenaturais, primeiramente com a Igreja Católica que tinha como pressuposto a luta entre o bem e o mal (Deus e o diabo). Mais tarde o protestantismo de Martinho Lutero conquistou milhares de fiéis, desafiando a autoridade da igreja, influenciando no rumo da história. Assim, a possibilidade da crítica e do diálogo propiciou a separação entre a Igreja e o estado, contribuindo com a ciência. Segundo Stone (2005), já nos séculos XVI e XVII começou a surgir os hospitais psiquiátricos, que nada mais eram que “depósito” de doentes mentais. Mas foi um século mais tarde, com o movimento do Iluminismo que a psicoterapia começou a ser modelada conforme hoje a conhecemos. Filósofos importantes (como Voltaire e Rousseau) contribuíram com a antropologia e o progresso do esclarecimento humano,inclusive no esclarecimento psicoterapêutico. Na área da Psiquiatria, o médico Pinel, influenciado por Rousseau deu início ao movimento antimanicomial, passando a compreender e a tratar os doentes mentais de forma humanizada. Iniciam-se também escritos sobre estudos de caso e relatos da história de vida de pacientes (STONE, 2005). É na psiquiatria francesa, no final do século XVII e início do séc. XIX, com Pinel e Esquirol, que a terapia psicanalítica teve sua origem, como aponta Stone (2005). O método de cura do sofrimento mental era, dentre outros, o da sugestão, que 50 anos mais tarde foi chamado de hipnose. Além desses médicos, o neurologista Charcot foi um grande nome, especialmente porque teve forte influência nas teorias da psicanálise de Sigmund Freud. Foi ele quem orientou Freud nos estudos sobre histeria. 9 De acordo com Stone (2005), o francês d’Hervery Saint-Denis, que registrava seus sonhos em um livro, acreditava que os sonhos eram mensagens obscuras de dentro de cada pessoa, passíveis de tradução. Assim, ele trabalhava com o simbolismo dos seus pacientes, por meio de frequentes e prolongadas sessões. Essa concepção fez com que Freud, em seus estudos sobre histeria, mudasse da hipnose para um tratamento no qual o paciente está em alerta, associando livremente. Assim, Freud foi se destacando e criando uma teoria acerca do inconsciente, sólida e muito difundida que foi se configurando como a psicanálise clássica que hoje conhecemos, juntamente com seus colaboradores Karl Abraham, Sander Ferenczi e Ernest Jones, que, juntos, compunham o Círculo Secreto. Encontravam-se nas noites de quarta-feira na casa de Freud para discutir sobre aspectos teóricos e técnicos da psicanálise (STONE, 2005). No século XX, no período da Primeira Guerra Mundial, a psicanálise estava se tornando cada vez mais estruturada e enraizada, tanto na Europa quanto na América. Surgiram grandes centros e institutos psicanalíticos. Foram realizados muitos encontros, congressos e publicações na área. O primeiro congresso psicanalítico ocorreu em 1908, em Salzburg, dirigido por Freud (STONE, 2005). Ocorre que, conforme relata Stone (2005), esses centros e institutos diferenciavam-se entre si, uma vez que os autores divergiam de opiniões teóricas e técnicas. Quanto mais a psicanálise ia se expandindo mais as escolas de terapia iam se diferenciando, com teorias e métodos próprios. Segundo Stone (2005) havia os seguidores de Freud e de sua tradição “ortodoxa”, assim como Carl Gustav Jung que rompeu com Freud e criou sua “psicologia analítica”, a qual considerava a natureza místico-religiosa dos fenômenos psíquicos. Além disso, foram delineando também os tipos de pacientes atendidos na psicanálise e em outras técnicas de psicoterapia. Assim, cada autor foi se destacando em algum tipo de patologia e paciente. Melanie Klein, Anna Freud e Margareth Mahler estudaram pacientes psicóticos. Otto Kernberg se destacou no estudo de borderlines. Já John Bowlby seguiu seu trabalho sobre o apego, ansiedade de separação e perda, dentre muitos outros (STONE, 2005). 10 Da mesma forma, acrescenta Stone (2005), vários tipos de psicoterapias foram surgindo. Como exemplo, temos: Carl Rogers, que desenvolveu a teoria humanista, Wilhelm Reich e sua teoria do “caráter” e Jacob Moreno introduziu o psicodrama. Já Aaron Beck se distanciou da psicanálise de Freud, criando a teoria cognitivo-comportamental. Então, Freud foi um dos inauguradores da psicoterapia. Mas depois dele vieram outros tantos; alguns o seguiram, outros acrescentaram e outros ainda se distanciaram radicalmente. A psicanálise, a psicoterapia de orientação analítica, a psicoterapia de apoio, a psicoterapia de grupo, a psicoterapia humanista, a existencial, a cognitivo-comportamental, além de outras, são exemplos descritos por Stone (2005). O mais importante é que todas têm o seu valor, suas indicações e contraindicações. Uma não é melhor que a outra. Como afirma Stone (2005) em qualquer uma das psicoterapias é importante que o terapeuta tenha empatia, simpatia e inteligência, minimamente. 11 3 CONCEITO/DEFINIÇÃO FIGURA 1 – CONCEITO/DEFINIÇÃO FONTE: Disponível em: http://marciocandiani.site.med.br/fmfiles/index.asp/::XPRWTT::/ps1.jpg Acesso em: 05 Ago. 2011. Segundo Knobel (2002), a psicoterapia é um procedimento técnico de um vínculo humano, baseado num referencial teórico da estrutura da personalidade e dos comportamentos das relações interpessoais, mediante o qual uma pessoa tenta ajudar a outra que necessita de algum tipo de assistência para aliviar ou melhorar suas condições atuais de vida, e assim, atingir um melhor nível de desenvolvimento enquanto ser humano. Laplanche e Pontalis (2008, p. 393) definem psicoterapia como “qualquer método de tratamento dos distúrbios psíquicos ou corporais que utilize meios psicológicos e, mais precisamente, a relação entre o terapeuta e o doente”. Para estes autores a hipnose, a sugestão, a psicanálise são exemplos de psicoterapia. http://marciocandiani.site.med.br/fmfiles/index.asp/::XPRWTT::/ps1.jpg 12 Nesse sentido, a Psicoterapia é uma prática que está dentro da Psicologia Clínica. Envolve conhecimento da Psicopatologia, da Psicologia do Desenvolvimento. Segundo Dolto, in Mannoni (1983), a relação psicoterápica permitirá que as “forças emocionais encobertas, em jogo conflitivo”, encontre uma saída, ou seja, a descoberta de processos inconscientes contribui para que o paciente perceba o que está limitando sua liberdade. Entendendo que esta liberdade significa o indivíduo conseguir ser criativo, e não apenas submisso às exigências, livre da dependência do desejo de outrem, conseguindo comunicar os seus sentimentos, amar e ser amado, enfrentar frustrações e as dificuldades cotidianas. Assim, estamos entendendo saúde mental, não enquanto um processo de adaptação, mas enquanto possibilidade criadora, na qual o paciente consiga transitar na relação dialética princípio da realidade versus princípio do prazer, com certa maleabilidade. Antes do início do processo psicoterápico, faz necessário um bom psicodiagnóstico, isto é, a avaliação psicológica. Nessa fase, como aponta Ocampo (1974), o objetivo principal é o de conseguir uma compreensão o mais profunda possível do psiquismo do paciente. Abrange aspectos passados e presentes (diagnóstico), assim como também os aspectos futuros (prognóstico). Investiga aspectos sadios e doentes do paciente e possibilita dar encaminhamentos terapêuticos (psicoterapia individual, de grupo, casal, se será realizado trabalho multiprofissional com psiquiatra, neurologista,...). O psicodiagnóstico já é em si terapêutico, na medida em que o psicólogo vai fazendo devoluções parciais. Além disso, o paciente tem a possibilidade de falar sinceramente de si mesmo, sem atitude de julgamento, mas de compreensão. Contribui também para o levantamento de hipóteses diagnósticas acerca do caso, para o processo psicoterápico (OCAMPO, 1974). Nesta etapa o psicólogo pode-se utilizar de diversos instrumentos, tais como: entrevistas, testes e técnicas projetivas, desenhos e a hora do jogo diagnóstica (nesta última técnica, quando se tratar de criança). Encerra-se com a entrevista devolutiva, que “é a oportunidade que se dá ao paciente para que integre o que apareceu dissociado entre o conteúdo manifesto e o latente” (OCAMPO, 13 1974, p. 32). Inclui também a devolução dos aspectos saudáveis, adaptativos, bem como dos patológicos. É o momento no qual são ditos os encaminhamentos e, quando necessário, a indicação de psicoterapia. Vale ressaltar que não será detalhado sobre o psicodiagnóstico porque não é objetivo deste curso. Didaticamente falando, após encerrar o psicodiagnóstico inicia-se o processo psicoterápico propriamentedito. Muitas vezes, é difícil delimitar uma fronteira entre esses dois processos, uma vez que as ansiedades da dupla estão em jogo. O primeiro passo na psicoterapia é realizar novo contrato terapêutico, ou seja, o esclarecimento dos papéis (paciente e terapeuta), local e horário da sessão, além dos honorários quando se tratar de consultório particular. A seguir inicia-se o processo psicoterápico propriamente dito. 14 4 DIFERENÇAS ENTRE PSICOLOGIA, PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA Inicialmente a Psicologia designava o “estudo da alma”. Com o passar do tempo, foi mudando para o estudo do comportamento humano. A Psicologia é uma ciência que investiga o comportamento humano, os aspectos emocionais e sua inter-relação com a sociedade. Apresenta uma diversidade de áreas de atuação: Psicologia clínica, organizacional, escolar; Psicologia da saúde, hospitalar, jurídica, do esporte. O psicólogo atua também em programas da área da assistência social (Centro de Referência da Assistência Social; Centro de Referência Especializado da Assistência Social, etc.). De acordo com Serra (2004) a maior parte dos psicólogos brasileiros (cerca de 80%) encontra-se atuando na área clínica, exercendo a prática da psicoterapia. A palavra “análise”, de “psicanálise”, vem do grego “ana” (partes) e “lysis” (decomposição, dissolução). Então, juntando “psi” com “análise” temos a decomposição das partes psicológicas. Conforme Laplanche e Pontalis (2008, p. 384), a Psicanálise é “um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios)”. Na “era Freud”, a primeira era denominada por Wallerstein (2005), permeou a concepção de que apenas a psicanálise era a psicoterapia verdadeira de cura e científica. As demais eram consideradas como o “cobre da sugestão”, enquanto a psicanálise era vista como o “ouro puro”, conforme Freud e outros afirmavam. Freud, no texto de 1905, “Sobre a Psicoterapia” (1976), faz uma analogia, relacionando o trabalho das Artes e a análise, utilizando-se da expressão de Leonardo da Vinci, per via di levare, que se refere ao trabalho de esculpir, no qual se retira da pedra o que encobre a superfície da escultura nela contida. A arte da interpretação tem como objetivo abrir uma via de 15 acesso para o conhecimento do inconsciente. Ao considerar as questões inconscientes que permeiam as relações, o psicanalista apresenta uma especificidade ao escutar o paciente, pois não considera somente o fenômeno manifestado, mas também os conteúdos latentes que estão presentes. Esta prática acompanhada de uma contextualização histórica e econômica investiga qual o sentido que determinados acontecimentos têm para o indivíduo, trabalhando não com uma verdade absoluta, mas com uma verdade individual, construída e reconstruída nas relações. Acontece que, como narra Wallerstein (2005), nem todos os tipos de pacientes podiam se beneficiar da psicanálise na época. Logo, a psicoterapia de orientação psicanalítica começou a entrar em cena. Emprestava os conceitos da psicanálise e os aplicava nos pacientes que não podiam ser tratados por esta última. Segundo Wallerstein (20005) no final da década de 1930 até início de 1950 ocorreu o que chamou de segunda era, ou seja, a “era do consenso”, quando houve um crescimento da psicanálise norte-americana, com psicanalistas europeus refugiados de Hitler e com o aumento das clínicas psiquiátricas no país. Pacientes com transtornos mentais não podiam ser tratados pela psicanálise, havendo a necessidade de se adaptarem a outras psicoterapias, especialmente à psicoterapia de base analítica, que teve como pioneiro Robert Knight. Este pioneiro, conforme Wallerstein (2005) ocupou-se primeiramente em delinear o que ele chamou de “ciência básica da psicologia dinâmica”. Para tanto, fez a primeira distinção dentro do referencial psicanalítico: ele definiu as psicoterapias em dois grandes grupos. São as psicoterapias de apoio, que visa à supressão dos sintomas e as psicoterapias expressivas. Para Knight a psicanálise tem como objetivo a modificação da estrutura da personalidade. Já a psicoterapia de apoio propõe ao paciente a reconstrução dos mecanismos de defesa utilizados antes da descompensação. E por fim, a psicoterapia expressiva, de caráter exploratório, visa tratar as descompensações recentes (WALLERSTEIN, 2005). Após a década de 1950, como aponta Wallerstein (2005), outros pontos de vista começaram a surgir. Alguns psicanalistas propuseram a unificação da psicanálise com a psiquiatria. Dessa forma, passou-se a entender que havia uma grande proximidade entre a psicanálise e a psicoterapia de base analítica. 16 Outro grupo de psicanalistas compartilhava de outro ponto de vista, segundo Wallerstein (2005). Sugeriu modificações na técnica psicanalítica, uma revisão da teoria clássica, modernizando-a. Esses pontos de vista tiveram uma repercussão pouco significativa. Entretanto, como salienta Wallerstein (2005), a preocupação maior era a de selecionar, dentre a variedade de métodos terapêuticos, o mais adequado para a estrutura psicológica de cada paciente. Então, continua Wallerstein (2005), para selecionar o método mais adequado, faz-se necessário delinear as diferenças dentre as psicoterapias de orientação analítica. Com este intuito, vários autores deram sua contribuição. Dentre eles podemos citar Gill, Rangell e Stone, além de Anna Freud. Entretanto, segundo Wallerstein (2005), foi a partir de 1979, com o simpósio em Atlanta, patrocinado pelas sociedades psicanalistas regionais que houve significativos avanços sobre as diferenças e semelhanças entre a psicanálise e a psicoterapia. Neste simpósio, protagonizado por Gill, Rangel e Stone, ficou definida a posição de manter marcadas as diferenças entre elas, cada qual com sua aplicação e indicação específica. Essa é a terceira era, denominada por Wallerstein (2005) de “era do consenso fragmentado”, pois cada um dos três protagonistas possuía divergências em suas concepções sobre psicanálise e psicoterapia. Atualmente, Wallerstein (2005) chama de era de “um mundo sem consenso”, pois se torna cada vez mais difícil definir tais diferenças. Difícil, mas não inexistentes. Schestatsky et al. (2005) salienta a importância de se considerar as diferenças entre psicanálise e psicoterapia, porém uma não é “menor” que a outra. Conforme as pesquisas de Wallerstein, em 1986, o mesmo concluiu que a psicoterapia de orientação psicanalítica e a psicanálise estão muito próximas. Tanto a psicanálise quanto a psicoterapia de orientação psicanalítica são métodos de tratamento psicológico do inconsciente. Enquanto a primeira visa à mudança da estrutura psíquica, trabalhando o conteúdo latente, a psicoterapia tem por objetivo o alívio dos sintomas, incluindo também o conteúdo manifesto. 17 Nesse sentido, o que diferencia essencialmente psicanálise e psicoterapia é a técnica utilizada, uma vez que a escuta analítica está presente em ambas. Na psicoterapia há uma escuta do latente, e a tradução para o manifesto no momento da interpretação junto ao paciente. Na Psicanálise a transferência é um dos conceitos-chave, utilizado com grande frequência, enquanto que na psicoterapia acontece com menor frequência. A técnica principal na psicanálise é a interpretação, na psicoterapia além da interpretação transferencial há também a extratransferencial, confrontação, pontuação, sugestão (SCHESTATSKY et.al., 2005). Para Laplanche e Pontalis (2008) a “psicoterapia analítica” empresta princípios teóricos e técnicos da psicanálise, sem realizar as condições de um tratamento psicanalítico rigoroso. Segundo Schestatsky et al. (2005) a psicoterapia de orientação psicanalítica é uma “aventuraa dois” em que um deles está em sofrimento psíquico (paciente) e o outro domina uma certa técnica científica (terapeuta). Eis os objetivos essenciais da psicoterapia de orientação psicanalítica, segundo Schestatsky et al.(2005, p. 18): [...] Questões sobre o lugar mais ou menos privilegiado de conceitos como crescimento psíquico, expansão da mente, integração de aspectos dissociados, tolerância à dor mental, alterações de formações de compromisso, oportunidade da experiência com um novo objeto, reparação de danos do ego, ressignificações de danos de narrativas ou reconstrução de mitos pessoais [...]. Sendo assim, enquanto um especialista que domina a técnica científica de tratamento, o terapeuta deve realizar um amplo treinamento em termos diagnósticos e terapêuticos, compondo o clássico “tripé”: estudo, supervisão com um profissional experiente e análise pessoal. Tudo isso baseado sempre no amor à verdade (SCHESTATSKY et.al., 2005). 18 5 PRINCIPAIS LINHAS DE ABORDAGEM PSICOTERÁPICA É difícil definir qual a melhor abordagem teórica a ser usada para cada tipo de paciente ou de patologia. Mesmo porque todas elas têm um objetivo em comum, que é o de ajudar a minimizar o sofrimento do paciente, favorecendo seu crescimento pessoal. A diferença está na técnica, isto é, no modo como se alcançarão os objetivos. Desde que o profissional conheça bem sua abordagem, todas elas serão valiosas. Às vezes, o fator decisivo é a instituição na qual o psicólogo trabalha. Em se tratando de postos de saúde ou outras instituições públicas, algumas técnicas são sugeridas como mais adequadas. Por exemplo, em hospitais a psicoterapia de apoio e psicoterapia breve são as mais indicadas. Em postos de saúde também, além de ser uma tendência a psicoterapia de grupo, em razão da grande demanda e do pouco tempo disponível. A escolha da abordagem psicoterápica dependerá do estilo pessoal do terapeuta, assim como sua visão de homem e de mundo, suas crenças e valores. Cada um irá identificar-se com aquela que lhe fará mais sentido. O importante é que todas elas têm o seu valor. O estudo teórico, a supervisão e a análise pessoal devem ser feitas seguindo sempre a mesma linha teórica. Não conseguiremos atender cada paciente com uma abordagem diferente. Quando entendemos que não é o caso, devemos encaminhá-lo para outro profissional. Atualmente, há uma variedade de abordagens psicoterápicas. Dentre elas, as mais conhecidas são: psicanálise, psicoterapia de orientação psicanalítica, psicoterapia analítica; terapia cognitiva, terapia comportamental, psicoterapia cognitivo-comportamental. Há também o psicodrama, a gestalt-terapia; a psicoterapia humanista e a humanista-existencial. A abordagem existencialista, fenomenológica, etc. A seguir, foram descritas algumas delas: 19 5.1 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA A Psicoterapia de Orientação Psicanalítica é uma abordagem que tem como pressupostos teóricos a Psicanálise, mas que se diferencia desta basicamente pela técnica utilizada. Enquanto na Psicanálise o objetivo principal é a mudança da estrutura da personalidade, na psicoterapia o objetivo é mais modesto: visa o alívio do sintoma. Historicamente foi criada para tornar a Psicanálise, método este desenvolvido por Sigmund Freud, acessível a mais pessoas e em menor tempo. Enquanto representantes, além do próprio Freud, temos Bion, Klein, Winnicott, dentre outros. Alguns conceitos são fundamentais em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica, conceitos estes emprestados da Psicanálise. Primeiramente temos o conceito de inconsciente, isto é, o material de trabalho são os processos inconscientes. Ao falar sobre si, por meio da associação livre, o paciente expressará seus conteúdos inconscientes. Por meio da transferência e da contratransferência o terapeuta poderá interpretar tais sentimentos e dar um novo sentido para o sintoma do paciente. A mudança ocorre quando é possível dar um novo sentido para o seu sofrimento, quando seu sintoma pôde ser elaborado. 5.2. PSICOTERAPIA ANALÍTICA Carl Gustav Jung foi um autor que concordou, pelo menos na fase inicial de seu trabalho, em muitos pontos da teoria de Sigmund Freud, mas teve seus próprios pensamentos e ideias, tornando a sua psicologia conhecida como “Psicologia Analítica” (em 1913, no 4º 20 Congresso Internacional de Psicanálise, em Munique, Jung chama sua psicologia de Psicologia Analítica). É inegável a contribuição que Jung deu à arte da psicoterapia. Suas ideias e pensamentos se tornaram conhecidos e reconhecidos por muitas pessoas, da área da Psicologia ou não. Entretanto, como ele próprio dizia, seus escritos são de difícil compreensão, e talvez por este motivo sua obra não é tão lida quanto a de Freud, por exemplo (STORR, 1993). Antes de falarmos especificamente de psicoterapia, faz-se necessário uma breve caracterização da psique, da forma como Jung a entende. Para Jung, a psique ou personalidade total envolve aspectos conscientes e aspectos inconscientes. É um sistema dinâmico, em constante movimento, e ao mesmo tempo, autorregulado. Está dividida em três níveis: 1) consciente, 2) inconsciente pessoal e 3) inconsciente coletivo. É importante considerar que, ao contrário do que pensava Freud, para Jung a consciência surge do inconsciente, reconhecendo que o inconsciente não é um mero depósito de desejos reprimidos, mas é uma parte tão vital de um indivíduo quanto o é a consciência. O indivíduo é um todo e não uma reunião de partes. A vida consiste em desenvolver esse todo até chegar ao mais alto grau possível de diferenciação e harmonia, de modo que sua personalidade não se dissocie. Nesse sentido, o trabalho da psicoterapia analítica tem como meta ajudar o paciente a recuperar a unidade perdida, fortalecendo a psique. Como pontua Jacobi (in CLARET, s/ano, p.45), a psicologia de Jung ajuda “o indivíduo a descer conscientemente às profundezas da própria alma, a reconhecer os conteúdos dela e integrá-los na consciência”. Jung possuía um penetrante sentido histórico. Ele achava que a natureza do homem não tinha mudado grande coisa no decurso de muitos séculos. Estudou mitologia, antropologia, religião e alquimia. Por isso, desenvolveu o conceito de inconsciente coletivo. Uma das mais importantes contribuições de Jung é o conceito de inconsciente coletivo. Este é o “responsável pela produção espontânea de mitos, visões, ideias religiosas e certas 21 variedades de sonhos que são comuns a diversas culturas e períodos da história” (STORR, 1993, p. 39). É o nível da psique que inclui experiências comuns a todas as pessoas em uma maior ou menor intensidade, e que tem suas origens na evolução da história. As pessoas passam pelas mesmas etapas do desenvolvimento: infância, adolescência, vida adulta e velhice. Isso ocorre devido à herança da humanidade, algo que lhe é coletivo. Se não existisse a herança da espécie, as pessoas não passariam pelas mesmas etapas do desenvolvimento, seriam, portanto, diferentes. Quando se transporta uma doença pessoal a um nível mais alto e geral, há um efeito curativo. Às vezes, o consolo espiritual ou a influência psíquica podem ajudar ou até curar uma doença. Assim, o fato do paciente perceber que o sofrimento não é só seu, mas sim geral, já lhe causa um alívio, um consolo (JUNG, 1985). Jung foi o primeiro a insistir em que o próprio analista seja também analisado. Entre 1914-1918 ele fez sua autoanálise, o que influenciou muito em sua teoria. Ele parte da solução de seus próprios problemas para a solução dos problemas dos outros. Desse modo, o paciente vai se desenvolver até o nível em que seu terapeuta tiver se desenvolvido. Na psicoterapia junguiana, os conceitos principais são: projeção, transferência, sonhos e imaginação ativa. O indivíduo procurapsicoterapia porque necessita de ajuda para curar o seu sofrimento. O paciente espera que alguém vá ouvi-lo, vai poder ajudá-lo, vai poder curá-lo. É o Complexo do Salvador, ou seja, a esperança de que o terapeuta o cure, o salve de seu sofrimento. O paciente “projeta o complexo de salvador no analista, bem como as expectativas religiosas e a esperança de que talvez o analista, munido de conhecimentos secretos, possuísse a chave perdida pela Igreja, podendo revelar-lhe a verdade redentora” (JUNG, 1985, p. 143). Os elementos projetados no analista também são de natureza impessoal, arquetípica. Portanto, o complexo do salvador é uma ideia universal, uma esperança de todo mundo, em qualquer época da história. O causador de seu sofrimento é sempre o outro: problemas de relacionamento com o pai, a mãe, com o marido, filhos, escola, trabalho, etc. Nesse sentido, ele projeta no outro o seu 22 sofrimento. Logo, o primeiro ponto a ser trabalhado em psicoterapia é a projeção. Paralelamente, temos a transferência, que é um conceito semelhante ao da projeção. Segundo Jung (1985) a projeção é um mecanismo psicológico inconsciente geral, que carrega conteúdos subjetivos sobre o objeto. O termo transferência significa “carregar alguma coisa de um lugar para o outro” (p. 127). O conceito de projeção é mais generalizado, é um mecanismo que ocorre entre o sujeito humano e o objeto físico. A transferência de um mecanismo específico da projeção, uma vez que se refere ao processo que se dá entre duas pessoas (terapeuta e paciente). Na transferência o paciente projeta no terapeuta imagens derivadas de sua experiência de figuras significativas do passado (geralmente figuras parentais). Quanto mais o terapeuta for uma figura desconhecida, mais provável é que as imagens do mundo interior do paciente se liguem àquele. Freud também concorda com esse conceito, mas Jung vai além, e acrescenta a observação de que não são apenas as imagens pessoais da infância do paciente que se projetavam, mas também as figuras arquetípicas1. Para Freud a transferência é o que move o tratamento, se ela não existir, não há cura. Mas para Jung ela não é necessária, chegando até ser indesejável. “Uma transferência é sempre um estorvo, jamais uma vantagem. Cura-se apesar da transferência e não por causa dela” (JUNG, 1985, p.141). Para Jung não é preciso que o paciente ame ou odeie o terapeuta, porque o problema central do paciente é que ele aprenda a viver a sua própria vida, sem que o terapeuta se intrometa nela. Em psicoterapia, o fato de o paciente ter emoções, por si só, exerce efeito no analista. Assim, o terapeuta serve de função especular, isto é, aceita as emoções do paciente sendo um espelho para elas. Nesse sentido Jung não aceita a ideia do uso do divã. Para cumprir a função especular, o terapeuta deve estar de frente ao paciente, de modo que este primeiro tenha liberdade para reagir às emoções do segundo. 1 Os arquétipos não podem ser descritos, mas seus conceitos aparecem na consciência como imagens e idéias arquetípicas. São padrões ou motivos universais que vêm do inconsciente coletivo e formam o conteúdo básico das religiões, mitologias, lendas e contos de fadas. Emergem nos indivíduos através de sonhos e visões. 23 Temos também o conceito de contratransferência, que se refere aos sentimentos do analista em relação ao seu paciente (o processo inverso da transferência). Os conteúdos projetados pelo paciente são idênticos aos elementos do inconsciente do próprio terapeuta. Entretanto, se o terapeuta não conhecer seu inconsciente, pode ser que o paciente caia no inconsciente de seu terapeuta, e então o processo terapêutico pode travar. Assim, fica mais uma vez confirmada à importância do terapeuta em fazer análise. (JUNG, 1985). Como já foi pontuado, a transferência e a projeção são os pontos iniciais a serem trabalhados na psicoterapia. O analista não pode forçar uma transferência, devendo ela ser tratada como qualquer projeção. No caso dela aparecer, o que é muito comum, Jung distingue quatro estágios para que ela seja tratada em psicoterapia. De acordo com Jung (1985), no início de um tratamento, as projeções são experiências pessoais do paciente. Neste primeiro estágio devem-se trabalhar todos os níveis de relacionamento que o paciente já teve, conscientizando-o de que ele ainda olha o mundo como se fosse criança: tudo projeta e espera das figuras autoritárias de sua experiência pessoal. Para estabelecer uma imagem madura o paciente deverá enxergar o lado subjetivo das imagens que criem empecilhos para sua vida. O segundo estágio da terapia da transferência consiste na discriminação entre conteúdos pessoais dos impessoais. As projeções pessoais podem ser dissolvidas por meio de realização consciente, já as impessoais não podem ser destruídas por pertencerem aos elementos estruturais da psique. O que pode ser dissolvido é o ato da projeção, e não seu conteúdo (JUNG, 1985). Temos, conforme Jung (1985), o terceiro estágio, que consiste em diferenciar o relacionamento pessoal com o analista dos fatores impessoais. É comum que o paciente goste do terapeuta, e quando o trabalho foi bom, que o terapeuta também goste de seu paciente. Logo, reações emocionais são aceitáveis. E isso não quer dizer que se trata, ainda, de transferência. Finalmente, o quarto estágio da terapia da transferência é denominado de objetivação das imagens pessoais. É uma parte fundamental do processo de individuação. Seu objetivo é desprender a consciência do objeto para que o indivíduo não coloque a garantia de sua felicidade em fatores externos - em outras coisas ou pessoas (JUNG, 1985). 24 Jung enfatiza a vida interior e acredita na existência do inconsciente. Assim, a linguagem do inconsciente são os símbolos e o material de trabalho são: 1) a associação de palavras, 2) a análise dos sonhos e 3) a imaginação ativa. Quanto ao teste da associação de palavras, Jung (1985) afirma que está um tanto ultrapassado, por isso não o utiliza mais em seus pacientes. Este teste consiste em uma lista de mais ou menos cem palavras. Explica-se à pessoa que se submete ao teste que, após a apresentação da palavra estímulo, o mais rápido possível ela tem que dizer qual a palavra que surge na cabeça. Marca-se o tempo de cada resposta e depois se tira a média deste tempo. Após, parte-se para uma segunda etapa: repetem-se as palavras estímulos e o indivíduo tem que repetir suas respostas. Em alguns momentos a memória falha, e tais erros é que são significativos. Os sonhos, segundo Storr (1993), são a “estrada real” para o inconsciente. A linguagem dos sonhos é uma linguagem natural, simbólica, que talvez seja difícil de compreender, mas não constitui uma tentativa de esconder coisa alguma. Podem-se ler os sonhos como se aborda uma língua estrangeira. Muitos sonhos originam-se no inconsciente pessoal, isto é, dizem respeito aos problemas emocionais cotidianos, às relações interpessoais e aos resíduos da infância. Jung estava mais interessado nos sonhos que se originavam no inconsciente coletivo. Nesses casos ele não hesitava em fornecer suas próprias associações, filtradas do seu próprio e extenso conhecimento de mitologia, religião e alquimia. Essa técnica é chamada de amplificação, isto é, a prática de fornecer ao paciente analogias e comparações. Durante a sua autoanálise, Jung desenhava e pintava suas próprias visões e sonhos. Ele encorajou seus pacientes a fazerem o mesmo, ou, escrever poemas, fazer modelagens ou esculturas, ou mesmo dançar suas próprias fantasias. Embora um paciente possa tratar um sonho dessa forma e fosse estimulado a fazê-lo, Jung estava mais interessado na espécie de fantasia que acode à mente das pessoas quando elas não estão despertas nem adormecidas, mas num estadode divagação em que o raciocínio está suspenso, mas não se perdeu a consciência (STORR, 1993). 25 A descrição acima se refere à técnica da imaginação ativa, que se destina a mobilizar a criatividade do paciente. É uma forma de desenvolver as possibilidades criadoras latentes no próprio paciente. Jung fundamentou sua teoria na psicanálise freudiana, nos seus conhecimentos de mitologia, alquimia e religião. Mas, especialmente, em sua experiência clínica, experiência pessoal e em viagens que fez pelo México, China, África, dentre outros países. Apesar de dar muita atenção à teoria propriamente dita, ele estava mais interessado em ajudar o seu paciente. Jung deixava as pessoas livres a lidarem com os fatos a sua maneira, e encorajava aos analistas que encontrassem seus próprios caminhos. 5.3 TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Segundo Bahls; Navolar (2004), essa abordagem utiliza pressupostos do modelo behaviorista ou comportamental e do modelo cognitivista. Uma teoria não é contrária à outra, mas complementam-se. No behaviorismo o foco é a análise do comportamento e suas contingências. O ambiente interfere diretamente no comportamento, e o tema central é a aprendizagem. Seus principais representantes são Pavlov, Skinner e Thorndike. Nesse sentido, para Bahls; Navolar (2004) existem dois tipos de comportamento: o comportamento respondente (que tem um caráter involuntário) e o comportamento operante (com caráter voluntário). O primeiro é aquele capaz de modificar o ambiente, e sofre influências sobre o próprio ambiente. Já o comportamento clássico ou respondente está associado ao conceito de estímulo-resposta. No modelo cognitivo dá-se mais relevância para as situações subjetivas, como a memória, percepção, atenção, etc. Utiliza-se mais das “crenças” do que do “conhecimento”, uma 26 vez que o cliente atua de acordo com o que ele acredita ou percebe, mesmo que elas estejam distorcidas. Aaron Beck, um dos principais representantes do cognitivismo, construiu sua teoria estudando pacientes deprimidos. Ele observou que essas pessoas tinham em comum, crenças negativas em relação a si mesmas. Assim, na terapia cognitiva as crenças que cada pessoa tem irão influenciar seu comportamento, podendo surgir alguma patologia. Como salienta Bahls.; Navolar (2004), a terapia cognitivo-comportamental tem indicação de tratamento para vários problemas emocionais, como a ansiedade, depressão, distúrbios alimentares, transtorno obsessivo-compulsivo e conflitos sexuais. O objetivo da psicoterapia cognitivo-comportamental, de acordo com Bahls; Navolar (2004, p. 09), é auxiliar o cliente a “aprender novas estratégias para atuar no ambiente de forma a promover mudanças necessárias; (...) é corrigir as distorções cognitivas que estão gerando problemas ao indivíduo e fazer com que este desenvolva meios eficazes para enfrentá-los”. 5.3.1 Indicações A psicoterapia é um processo orientado para o crescimento, independência e maturidade do paciente (RIBEIRO, 1988). Nesse sentido é indicada para diversos tipos de problemas ou situações, que estão classificados da seguinte forma: 1. Tratamento de transtornos mentais (conforme CID-10). Doença de Alzheimer, demência vascular, doença de Parkinson. Dependência química: uso de álcool, cigarro e outras drogas. Transtornos psicóticos, esquizofrenias. Transtornos do humor: maníaco, bipolar, depressivo. 27 Transtornos neuróticos: fobias, ansiedade, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós-traumático, somatização, hipocondria e histeria. Transtornos alimentares: anorexia, bulimia, obesidade. Transtornos do sono: insônia, pesadelos, sonambulismo. Transtorno sexual: ejaculação precoce, vaginismo, falta de desejo sexual. Transtornos de hábitos e impulsos: jogo patológico, cleptomania. Retardo mental. Dificuldade de aprendizagem. Distúrbio de conduta. Déficit de atenção e hiperatividade. 2. Problemas existenciais. Busca de crescimento pessoal, autoconhecimento. Sensação de que falta sentido de vida, vazio existencial. 3. Conflitos de relacionamento interpessoal. Casos de conflito conjugal, familiar ou profissional, nos quais a convivência torna-se difícil. 4. Elaboração de momentos específicos ou fases do desenvolvimento. Situações como luto, doença ou hospitalização, adolescência, menopausa, velhice. 5.3.2 Tipos de Terapia Quanto ao tipo, a psicoterapia pode ser classificada da seguinte forma: Individual; Grupal; Casal; Familiar. 28 6 PERFIL DO PSICOTERAPEUTA A psicoterapia é um processo que envolve a relação humana, em que estão presentes sentimentos, crenças e valores de duas pessoas. A neutralidade (um dos critérios de exigência científica) não pode ser absoluta. Entretanto, cabe ao psicólogo saber manejar tais sentimentos inconscientes que possam interferir no bom andamento da psicoterapia, até para evitar uma possível interrupção. Nossa personalidade só se expressa na relação. Eu me reconheço a partir do outro. A construção da identidade só é feita na relação com o outro. Portanto, é na relação que a pessoa se trata. Atualmente, o foco na psicoterapia está voltado para a dupla terapêutica (paciente- terapeuta) e não apenas para as características somente do paciente. Estão em jogo as ansiedades, expectativas e o inconsciente da dupla. Na psicoterapia, Santiago (1995) aponta que a relação da dupla terapêutica é assimétrica. Isso significa que cada um da dupla tem funções diferentes. Neste momento o terapeuta sabe mais que o paciente. É ele quem delimita os honorários, horários, assim como é ele quem pode compreender o sofrimento do paciente. Quando o paciente toma a iniciativa de procurar ajuda por si só, esse já é um bom prognóstico. Supõe que a pessoa percebe que está sofrendo, não concorda com seus sintomas e tem o desejo de mudança. Este tipo de paciente é chamado de egodistônico. Em contrapartida, aquela pessoa que vem ao consultório, encaminhada por outros profissionais ou pelos pais, supõe-se que se trata de um paciente do tipo egosintônico. Isto é, ele não sente que está sofrendo, as queixa é o do outro. Nesse sentido o prognóstico já não é bom, pois não está disposto à mudança. 29 É importar, enquanto terapeutas, nos atentarmos para os desejos, as necessidades e as expectativas nossas e as do paciente. Nem sempre elas coincidem. O desejo interno do tratamento não ocorre só por parte do paciente, mas também por parte do psicólogo. O terapeuta deve identificar as expectativas do paciente em relação à psicoterapia, à disponibilidade interna para se tratar, às fantasias e ansiedades durante o tratamento. Esses sentimentos são constantes o tempo todo. Quanto ao paciente, este também tem suas expectativas, uma vez que buscou ajuda porque está sofrendo. Algumas expectativas estão relacionadas a algumas questões: será que o paciente vem buscar a solução mágica para seus problemas? Será que está disposto a ter uma postura ativa no tratamento, ou espera mais do psicólogo? No terapeuta, segundo Santiago (1995) as suas atitudes podem oscilar entre a onipotência e a impotência. O psicólogo, especialmente quando é iniciante, sente-se muitas vezes inseguro para atender determinado caso. Na prática da Psicoterapia espera-se do profissional o clássico tripé: embasamento teórico, análise pessoal e supervisão. O primeiro requisito trata-se da formação profissional. Serra (2004) sugere que o psicoterapeuta tenha um amplo conhecimento acerca de sua abordagem teórica, psicopatologia, desenvolvimento humano, além de conhecer áreas afins, como a psicofarmacologia, psiquiatria, dentre outras. Além disso, faz-se necessário também compreender como funciona a cultura e os hábitos de vida dos seuspacientes. O instrumento de trabalho do psicoterapeuta é seu inconsciente, sua própria personalidade. Portanto, sua mente precisa estar tratada. No processo de análise pessoal – que é o segundo requisito – ele passará pelas etapas psicossexuais do desenvolvimento descritas por Freud: fase oral, anal, fálica, genital, complexo de édipo. Conforme afirma Jung (1985), no processo de análise, o paciente irá se desenvolver até onde a mente do terapeuta estiver desenvolvida. Os conteúdos inconscientes do paciente e do terapeuta estão em jogo, claro que cada qual com sua função. Com isso, torna-se cada vez mais importante a análise pessoal do 30 terapeuta, de modo que seus “pontos cegos” passem a se tornar claros. Vale o alerta de Keidann (2000): nem todos os terapeutas estão em condições de tratar todos os tipos de pacientes. O terapeuta precisa ter claro quais são suas limitações, pontos-cegos, enfim, suas dificuldades internas. Do contrário, poderá ocorrer a interrupção do tratamento. Finalizando o tripé, é de fundamental importância que o profissional realize supervisão dos seus casos clínicos com um profissional mais experiente, que lhe possibilitará um novo olhar para seu trabalho. Segundo Ribeiro (1988) a empatia também é considerada uma ferramenta importante. Trata-se da capacidade de colocar-se no lugar do outro, sendo sensível ao sofrimento, sem, entretanto, misturar-se com esse outro. É a flexibilidade de estar junto do outro, mantendo uma distância ótima, suficiente para ajudar e não sofrer como a pessoa. Outros requisitos valiosos constam no Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005). São eles: a ética, o sigilo, a responsabilidade e o respeito ao ser humano. 31 7 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA 7.1 DIFERENÇAS ENTRE PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA E PSICANÁLISE A primeira diferença reside na formação profissional. Para tornar-se um psicoterapeuta a formação inicial é a graduação em Psicologia. Esse é o requisito mínimo, mas há também o desejável, que é uma pós-graduação específica, de Psicoterapia de Orientação Psicanalítica, que inclui a análise pessoal e as supervisões na mesma abordagem teórica. O psicanalista não precisa ter, necessariamente, a graduação em Psicologia. Geralmente interessa-se por esta área, além dos próprios psicólogos, psiquiatras ou áreas afins. Entretanto, a formação obrigatória tem duração de seis anos. No primeiro ano inicia a análise do profissional por um psicanalista didata, membro da Sociedade Internacional de Psicanálise. Os anos subsequentes consistem, além da continuidade da análise, os seminários clínicos (estudo teórico) e as supervisões. A participação em congressos e outros eventos da área e/ou publicações de trabalhos científicos fazem parte da formação. A Psicanálise é, enquanto teoria da personalidade, uma técnica de investigação científica que procura entender o homem como um todo, considerando essencialmente o inconsciente. 32 FIGURA 1 - SIGMUND FREUD FONTE: Acesso em: < http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/12/Sigmund_Freud_LIFE.jpg/200px- Sigmund_Freud_LIFE.jpg>. Acesso em: 05 ago. 2011. Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, deixou um grande legado à sociedade quando nos mostrou que é possível mudar a estrutura psíquica por meio da análise, técnica esta que vem se adaptando ao longo dos anos às mudanças da sociedade. Isso ocorreu de acordo com a necessidade de tratamentos mais rápidos, surgindo então às psicoterapias. Enquanto a Psicanálise busca a mudança da estrutura psíquica, trabalhando o conteúdo latente, a psicoterapia tem por objetivo o alívio do sintoma, incluindo também o conteúdo manifesto. Nesse sentido, o que diferencia essencialmente a psicanálise da psicoterapia de orientação psicanalítica é a técnica utilizada, uma vez que a escuta analítica está presente em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/12/Sigmund_Freud_LIFE.jpg/200px-Sigmund_Freud_LIFE.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/12/Sigmund_Freud_LIFE.jpg/200px-Sigmund_Freud_LIFE.jpg 33 ambas. Na psicoterapia há a escuta do latente, e a tradução para o manifesto no momento da interpretação junto ao paciente. Por latente entende-se um conjunto de conteúdos inconscientes que se referem às defesas psíquicas, sentimentos transferenciais e contratransferenciais, características das fases psicossexuais (fase oral, fálica, genital, complexo de Édipo, latência). Já os conteúdos manifestos são aqueles que são expressos claramente pelo paciente. A psicoterapia de orientação psicanalítica se baseia nos conceitos da Psicanálise, diferenciando-se desta última basicamente pela técnica utilizada, ou seja, é mais breve e com objetivos delimitados. Para Laplanche e Pontalis (2008, p. 393) a psicoterapia analítica é “uma forma de psicoterapia que se apoia nos princípios teóricos e técnicos da psicanálise, sem, todavia realizar as condições de um tratamento psicanalítico rigoroso”. Freud [1905(1976)], na sua obra “Sobre a Psicoterapia”, discorre sobre as indicações e contraindicações de seu método psicanalítico. Segundo ele não é recomendado tratar de pessoas que não vêm com espontaneidade ao consultório, ou seja, que não desejam se tratar, pois “a força motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o desejo de ser curado que deste se origina” (FREUD [1913 (1976)], p. 186). O analista não pode fazer nada ao paciente, se este último não demonstrar um mínimo de interesse pela sua cura (isto é, vir até o consultório). Nesse sentido não é recomendado que o analista vá até a casa do paciente. Outra contraindicação, segundo Freud [1905(1976)], refere-se aos pacientes idosos e pessoas mais próximas. O tratamento psicanalítico é longo e custoso, portanto, a idade seria um fator que prolongaria ainda mais o processo terapêutico. Nessa perspectiva, os casos urgentes, como a anorexia, por exemplo, também não deveriam recorrer à psicanálise em função do tempo. Não é recomendado também aceitar pacientes com quadros graves, como os psicóticos, pois a capacidade simbólica está prejudicada. 34 Para Freud [1905(1976)], estão indicadas para o tratamento psicanalítico as pessoas mais desenvolvidas, os casos de histeria, estados obsessivos e as abulias (falta de motivação ou vontade). Essas indicações e contraindicações mencionadas acima se referem à Psicanálise. No caso da psicoterapia de base psicanalítica, o fator tempo é significante, uma vez que neste caso, o tratamento é em menor duração. Outra diferença reside no atendimento aos quadros psicóticos, que podem ser tratados pela psicoterapia de orientação psicanalítica, bem como os mais urgentes, desde que o trabalho seja em conjunto com outros profissionais, como psiquiatra, neurologista, nutricionista (no caso de transtornos alimentares), etc. 35 8 A ENTREVISTA PSICANALÍTICA A entrevista é um dos instrumentos do psicodiagnóstico, sendo o principal na psicoterapia de orientação psicanalítica, e tem como objetivo principal conhecer a personalidade do paciente. De acordo com Cunha (1993), na entrevista psicanalítica é importante avaliar: A motivação inconsciente, isto é, o desejo do paciente em se tratar, sua disponibilidade interna e expectativas. O funcionamento psíquico: medos inconscientes, modo de perceber a realidade externa, os vínculos afetivos, etc. A organização da personalidade, identificando os quadros neuróticos, psicóticos ou borderlines. Recomenda-se realizar duas ou três entrevistas. Na primeira é interessante agendar um horário mais flexível, pois pode durar entre uma e uma hora e meia, sem que comprometa o horário do próximo paciente. Para Freud [1913(1976)],o assunto para iniciar a entrevista geralmente é de escolha do paciente. Mas a história de vida, história da doença e as recordações da infância são informações indispensáveis para o terapeuta nortear a hipótese diagnóstica e o plano terapêutico. Sobre isso Keidann; Dal Zot (2005, p. 194) apontam que é importante favorecer a expressão dos conteúdos inconscientes, e, portanto, “devemos deixá-lo tanto quanto possível à vontade para mostrar seu modo de ser e de interagir conosco”. Para que isso aconteça, a escuta atenta é condição imprescindível. Entretanto, Keidann; Dal Zot (2005, p. 194) alerta para o fato que a escuta não implica no silêncio absoluto do terapeuta. Ao contrário, ele “deve agir com cordialidade, discrição e sensibilidade”. Pode iniciar a entrevista identificando-se e solicitando ao paciente que fale sobre sua queixa. 36 Além disso, outros pontos são fontes ricas para compreender o psiquismo do paciente. Dentre eles, destacam-se: Análise de como o paciente relaciona-se com os objetos significamente afetivos, como os pais, irmãos, cônjuges, filhos. Observação das contradições, fantasias e mecanismos de defesa. Análise do ego e superego. Trata-se de um ego estruturado ou desestruturado. Um superego rígido ou frouxo. Exame das funções mentais, como humor, vontade, atenção, percepção, sono, etc. É importante ainda avaliar nas entrevistas: Tendências suicidas; Uso de dependências químicas; Compulsões (alimento, jogo, sexo, etc.); Sintomas somáticos; Fobias; Uso de medicação, especialmente as de uso psiquiátrico, como os ansiolíticos, antidepressivos e anticonvulsivantes. Considerando que o processo terapêutico, de alívio do sintoma, diz respeito à dupla (terapeuta – paciente), na entrevista está em jogo o inconsciente de ambos. É preciso levar em conta os pontos favoráveis e desfavoráveis do par. Pode ser que um terapeuta não consiga atender determinado tipo de patologia, ou determinada faixa etária, em função de seus pontos cegos, isto é, de seus próprios conteúdos internos que não estão trabalhados. Para atender criança, por exemplo, é necessário que os conteúdos infantis do terapeuta estejam trabalhados. Para atender quadros de dependência química é importante trabalhar os sentimentos relacionados à impotência. 37 9 ENQUADRE TERAPÊUTICO O contrato é uma das primeiras etapas do processo terapêutico, vindo após o psicodiagnóstico. É considerado o ponto mais concreto da relação terapêutica. É realizado verbalmente, devendo ser claro, objetivo para ambos, pois é o que orienta a dupla. O enquadre ou contrato inclui os seguintes pontos: Esclarecimento dos papéis; Lugar; Horários; Honorários. No que concerne ao esclarecimento dos papéis, é importante delimitar a função de cada um da dupla (terapeuta – paciente). A tarefa do paciente é a de falar – falar o que quiser. A do terapeuta é a escuta. Não se trata de uma escuta qualquer, mas uma escuta do material latente. No caso de atendimento à criança, é importante delimitar algumas situações de organização, como por exemplo, não rabiscar ou sujar as paredes, não sair da sala de atendimento, dentre outras. Freud [1913(1976)] diz no texto em que faz recomendações aos psicanalistas que os aspectos importantes no início do tratamento são os acordos quanto a tempo e dinheiro, ou seja, o contrato. Está incluído ainda o diagnóstico e indicação terapêutica realizados pelo terapeuta. Quanto ao tempo, Freud [1913(1976)] alerta que “a cada paciente é atribuída uma hora específica de meu dia de trabalho disponível, pertence a ele que é responsável por ela, mesmo que não faça uso da mesma” (p. 168). Nesse sentido, a recomendação é a de que, no momento do contrato, a dupla tenha acordado a respeito das faltas. Cada terapeuta tem seu estilo pessoal, a maneira com a qual consegue trabalhar mais confortavelmente. 38 Há controvérsias entre os autores. Mas é comum alertar ao paciente que as faltas previamente avisadas poderão ser compensadas, remanejando a agenda do terapeuta, quando possível, atendendo em outro dia ou horário. Em contrapartida, as faltas não avisadas costumam ser cobradas. Isso quando se tratar de clínica privada. Quando se tratar de instituição pública, em função da grande demanda, pode-se negociar um máximo de faltas que o paciente pode ter sem perder sua vaga. Por exemplo, duas faltas seguidas ou três intercaladas, sem avisar. Em relação ao número de sessões, Freud [1913(1976)] atendia os seus pacientes seis vezes na semana, que seriam todos os dias, à exceção dos domingos e feriados. Atualmente esta frequência não é apropriada nem para a psicanálise ortodoxa. Em psicoterapia de base analítica indicam-se duas sessões semanais e, em algumas situações, uma, no caso de motivos financeiros, residência em outra cidade, desemprego. Mas não é uma regra, vai depender de cada caso. Situações mais graves (como por exemplo, depressão severa) requerem um acompanhamento mais próximo. Pode-se atender três vezes na semana inicialmente, e à medida que a estrutura egoica do paciente vai se fortalecendo, diminui o número de sessões. As sessões podem durar quarenta e cinco minutos. De preferência, o tempo precisa ser rígido. Além disso, não é aconselhado mudar muitas vezes os dias e horários, tampouco a sala de atendimento. É importante que o setting terapêutico seja preservado. Ainda quanto ao tempo, o paciente geralmente tem curiosidade de saber quanto tempo vai durar o tratamento. Freud [1913(1976)] faz uma comparação com o tempo de construção de uma casa: “na verdade, a pergunta relativa à duração provável de um tratamento é quase irrespondível” (...) e acrescenta: “mesmo pessoas inteligentes esquecem que uma proporção necessária tem de ser observada entre tempo, trabalho e sucesso” (p. 170). Freud [1913(1976)] orienta para a importância de não dar prazos para o fim do tratamento. Além disso, pode ser conveniente, em algumas situações, informar ao paciente sobre a interrupção do tratamento. Este autor compara a interrupção de uma análise com a interrupção de uma cirurgia, sendo, portanto, insatisfatório. Outro fator a ser discutido no contrato refere-se aos honorários do terapeuta, quando se tratar de clínica privada. Freud [1913(1976)] faz uma associação entre dinheiro e fatores 39 sexuais. Sugere que os honorários sejam tratados de forma espontânea e sincera, sem vergonha. Os honorários correspondem à parte prática da terapia. O psicólogo tem gastos com aluguel, água, luz, telefone, impostos, livros para seu estudo e preparação profissional. É recomendado que o paciente pague mensalmente, e o valor deve ser reajustado anualmente (FREUD [1913(1976)]). Há que se identificar o simbolismo que o dinheiro tem para cada paciente. Assim, o terapeuta deve ser responsável por receber os honorários, de modo que possa realizar as interpretações quando necessário. Portanto, é ideal que não seja função da secretária. Atualmente, nos deparamos com os planos de saúde, que determinam previamente e de forma padrão o número de sessões e o valor a ser cobrado, além de ser pago indiretamente ao terapeuta. Nesses casos, convém informar ao paciente sobre as dificuldades que se tem para trabalhar com prazos predefinidos. Algumas vezes é possível combinar com o paciente sobre a continuidade do tratamento, quando necessário, de modo que ele fique responsável pelos honorários. Quanto ao tratamento, Freud [1913(1976)] conclui: “nada na vida é tão caro quanto a doença e a estupidez” (p. 176). 40 10 ALIANÇA TERAPÊUTICA A aliança terapêutica, também chamada de vínculo, diz respeito a uma relação dual: paciente e terapeuta. Segundo Keidann; Dal Zot (2005) refere-se à capacidade de estabelecer uma relação de trabalho entrea dupla. Ocorre após o contrato e é à base do processo psicoterápico. Ocorre após a dissociação do ego do paciente. Ou seja, parte do paciente deseja falar do problema e a outra não quer, porque lhe causa sofrimento. Ao realizar a dissociação, o paciente irá se identificar com o terapeuta. Trata-se de um processo importante na psicoterapia: o paciente irá se identificar com a parte do ego saudável do terapeuta (já que a mente desse está mais saudável, após ter realizado sua análise). Então, a melhora se dá quando está incorporado o ego saudável do terapeuta no paciente (DEWALD, 1981). É considerada como a base do tratamento porque, a partir da postura de acolhimento e escuta atenta do terapeuta, favorecendo um clima de confiança e respeito. Sentir-se compreendido é condição essencial para que o paciente continue seu tratamento. 41 11 PRINCIPAIS TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS De acordo com Freud [1905(1976)] o aparelho psíquico está dividido em: consciente, pré-consciente e inconsciente. Uma das principais características da psicanálise e da psicoterapia de base analítica é o inconsciente. Este é regido, segundo Freud [1905(1976)], pelo princípio do prazer e é composto de ideias desorganizadas (ideias reprimidas, por exemplo). O inconsciente é atemporal e, portanto, sempre atual. Apesar de não termos consciência dos conteúdos inconscientes, poderemos vir a ter por intermédio da psicoterapia. Isso pode ocorrer por meio da associação livre e dos sonhos. No processo da psicoterapia a comunicação se dá de inconsciente do terapeuta para inconsciente do paciente. Portanto, estão envolvidos os sentimentos da dupla. Nesse sentido, dizemos que, em psicoterapia de orientação psicanalítica, assim como na psicanálise, o inconsciente é o objeto principal a ser trabalhado. De acordo com Luz (2005) a psicoterapia passa por três fases, sendo elas: início, fase intermediária e término. Quanto ao início do tratamento, Luz (2005) salienta que compreende desde o primeiro contato com o paciente até o estabelecimento da aliança terapêutica, que pode variar de sessões a meses, conforme cada caso. Sendo assim, nesse momento o principal objetivo é o de estabelecer e fortalecer a aliança terapêutica, por meio de um contrato claro e objetivo, identificando os motivos inconscientes do sofrimento do paciente. A intervenção, portanto, precisa ser de acolhimento e focada na interpretação das ansiedades paranoides, isto é, na dicotomia confiança-desconfiança (LUZ, 2005). “É importante que o terapeuta ‘ensine’ o paciente a se tratar, auxiliando-o a despertar seu interesse pelos conflitos e pelas formas de funcionamento de sua personalidade” (LUZ, p. 42 257). Nesse sentido, a postura do terapeuta não deve ser de silêncio exagerado e nem tão amistosa. O maior risco nessa fase, como aponta Luz (2005), é a interrupção precoce do tratamento. Para tanto, um recurso útil diz respeito aos conteúdos contratransferenciais, ou seja, os sentimentos que o paciente desperta no terapeuta. As fantasias iniciais, por parte da dupla, são inúmeras. Quanto às fantasias do paciente, este pode ter medo de entrar em contato com seus conflitos mais infantis porque foram desastrosos, pode ter medo de ficar dependente do terapeuta. Pode ainda ter medo de perder o controle de suas emoções ou de aflorar fantasias eróticas. De qualquer forma, cabe ao terapeuta interpretar tais fantasias, para que deixem de ser um obstáculo ao tratamento, ou seja, deixem de ser resistências (LUZ, 2005). Já a fase intermediária da psicoterapia é definida por Luz (2005, p. 258) como a fase mais longa, que compreende desde o estabelecimento da aliança terapêutica até o momento da alta. O objetivo desse momento é o de “examinar, analisar, explorar e resolver os sintomas e as dificuldades emocionais do paciente”. Quanto à técnica, a interpretação das resistências iniciais e dos conflitos inconscientes do paciente é a principal delas. Ao comparar o processo de psicoterapia com um jogo de xadrez, Freud [1913(1976)] diz que existem, basicamente, técnicas para o início e para o fim do tratamento. O decorrer do mesmo é sempre um desafio. Trata-se da etapa mais árdua, uma vez que é nela que ocorrem as principais mudanças. Em relação à temática abordada nesta fase, o foco são os assuntos trazidos pelo próprio paciente durante as sessões. Geralmente são temas referentes às situações vividas no dia a dia, como conflitos de relacionamento familiar, no trabalho; ambições, planos e decepções. Enfim, sofrimentos cotidianos (LUZ, 2005). Quanto à postura do terapeuta, Luz (2005) recomenda que seja atenta e respeitosa, de modo que o paciente possa sentir-se à vontade para falar. Dessa forma, à medida que vai surgindo o momento oportuno, o terapeuta poderá intervir, seja pontuando, assinalando ou interpretando. 43 Ocorre que, como aponta Luz (2005), na fase intermediária nem sempre o processo evolui tão bem. Às vezes pode ocorrer uma estagnação temporária, em função das resistências, impasses, acting out, perturbação da aliança terapêutica, etc. Em relação à alta, ou ao término da psicoterapia, este não ocorre em uma única sessão. A fase final perdura por várias sessões, nas quais são trabalhadas as ansiedades de separação. De acordo com Luz (2005) esta fase inicia com a primeira comunicação da alta e culmina com a última sessão em que a dupla terapeuta-paciente se encontra. O objetivo principal é o de trabalhar os sentimentos de luto vivenciados pelo término do tratamento, bem como avaliar os ganhos e benefícios conquistados durante o mesmo (LUZ, 2005). A alta é uma questão de comum acordo entre a dupla. Para o terapeuta, alguns indicadores subsidiam seu trabalho, segundo Luz (2005). São eles: A melhora ou supressão do sintoma trazido inicialmente pelo paciente. Alguma mudança nos vínculos afetivos, com os familiares. Alguma alteração nos processos de trabalho, de modo que possa almejar novos projetos. Ampliação dos contatos sociais. Maior satisfação na vida sexual. Mudança no contato com a realidade, de modo que o paciente a suporte melhor. Ocorre que nem sempre o processo psicoterápico tem êxito. Então se depara com o fenômeno do abandono do tratamento, que é sempre indesejável. Percorrendo a literatura, encontramos algumas explicações acerca do abandono do tratamento psicoterápico. Segundo Etchegoyen (2004), na fase do contrato do processo psicoterápico está incluída a ideia de que o tratamento deve finalizar por acordo de ambas as partes e, por isso, se apenas um lado decide, não se fala em término da análise, mas sim em interrupção. O analisado tem liberdade para rescindir o contrato a qualquer momento, assim como o analista. 44 Em alguns casos, salienta Etchegoyen (2004), pode ser que os motivos que levaram à interrupção de tratamento sejam de ordem externas, porém não é o mais comum. Os motivos internos são mais frequentes, e quando isso acontece, chamamos de resistências, que pode vir do analisando, ou até mesmo do analista, que não conseguiu manejá-la. De acordo com Laplanche e Pontalis (2008, p. 458) “chama-se resistência a tudo o que nos atos e palavras do analisando, durante o tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente”. Um segundo fenômeno relacionado ao abandono do tratamento é o chamado acting out. Chamado por Freud de “agieren” e apresenta o sentido de “atuar”. Termo usado em Psicanálise para designar as ações que apresentam, quase sempre, um caráter impulsivo, relativamente isolável no decurso das suas atividades, e que torna muitas vezes uma forma auto ou hetero-agressiva. Para o psicanalista, o aparecimento do acting out é a marca da emergência do recalcado. Quando aparece no decorrer de uma análise (durante a sessão ou fora dela, o
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