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Prova do Teorema da Divisão Carlos A. Prolo DIMAp-UFRN IMD0013 - Elementos de Matemática para Computação Setembro, 2013 1 Teorema Para todo par de inteiros a, b ∈ Z, com b > 0, existem inteiros únicos q, r, tal que a = qb+ r e 0 ≤ r < b. 2 Prova A prova está organizada em uma introdução e quatro partes. Primeiro assume-se que a, b sejam dois inteiros quaisquer com b > 0 e mostra-se que existem infinitos pares (q, r) que são soluções da equação a = qb + r. Depois mostra-se ainda que há infinitos destes pares que adicionalmente satisfazem 0 ≤ r. Na terceira parte mostra-se que uma destas soluções tem r < b, e por fim mostra-se que esta solução é única. Esta prova poderia ter sido organizada como uma seqüência de lemas. No entanto, as quatro partes acima não são exatamente estanques. Em cada parte são introduzidos também elementos e caracterizações do problema usados nas partes subsequentes e por isto optou-se por fazer uma única prova. 2.1 Introdução Sejam a, b dois inteiros, com b > 0. A equação a = qb + r pode ser reescrita como r = a− qb, que mostra que r é uma função linear em q (r(q) = a+(−b)q, com coeficiente angular −b e termo independente a. Como b é positivo, como expresso na premissa do teorema, o coeficiente linear −b é negativo, e r(q) é uma função monotônica decrescente, como caracterizado na Figura 1. 2.2 Parte 1: Dados a, b ∈ Z com b > 0, existem infinitos pares (q, r) que satisfazem, q, r ∈ Z ∧ a = qb+ r. O gráfico da Figura 1 é um pouco enganoso porque os pontos são do domínio dos reais - R × R. Mas no nosso caso são soluções apenas os pontos (q, r) em que tanto q como r são inteiros. Percebe-se, no entanto, que, para cada inteiro q ∈ Z, r = a − qb também é inteiro (pois a expressão contém apenas multiplicação e subtração de inteiros). Portanto, para cada q ∈ Z, (q, a− qb) é uma solução e existem infinitas soluções. (Note que o inverso não é verdadeiro: nem todo valor de r corresponde a uma solução porque o correspondente q pode não ser inteiro.) As soluções foram marcadas na Figura 1 com pequenos círculos sólidos. 2.3 Parte 2: Existem infinitos pares (q, r) que satisfazem, q, r ∈ Z ∧ a = qb+ r ∧ 0 ≤ r. Para ver isto basta considerar os pontos do gráfico na região em que r é não negativo. Formalmente basta resolver r = a − qb ≥ 0 sse a ≥ qb sse q ≤ a/b. 1 1 2 3 4 5 q q = a div b = a/b 3 8 13 18 r = a= 13 q= a/b=2.6 =2 com b>0 r(q) = a − qb ==> Para a=13, b=5 r(q) = 13 − 5q −2 r = a − qb Figura 1: Gráfico de r em função de q: r(q) = a − qb. A função é linear, e como b > 0, −b < 0 e a função tem a forma monotonia decrescente. O exemplo ilustrado é para a = 13 e b = 5: r = 13− 5q (ou 13 = 5q + r). (Cuidado, o último passo só vale porque na premissa do teorema temos b > 0.) Como q tem que ser inteiro, não necessariamente q = a/b é uma solução. Podemos escrever, mais precisamente, que as infinitas soluções em que r é não negativo são aquelas em que q ∈ Z e q ≤ ⌊a/b⌋. No exemplo da Figura 1, o valor a/b de q quando a linha cruza o eixo das abscissas é 13/5 = 2.6. Todos os pontos com q ≤ 2 tem r ≥ 0. 2.4 Parte 3: Existe uma solução (q, r) que satisfaz, q, r ∈ Z ∧ a = qb+ r ∧ 0 ≤ r < b. O ponto aqui é mostrar que pelo menos uma das soluções da parte 2 satisfazem r < b. Considere o conjunto dos r ≥ 0 tal que (q, r) é uma solução (conjunto das infinitas soluções da parte 2, mas projetando apenas o r). S = {r | 0 ≤ r ∧ ∃q : r = a − qr}. Note que cada solução tem tanto valor de q como de r diferente. Não pode haver mais de uma solução como o mesmo valor de q nem de r, uma vez que a relação define r e q como funções um do outro (uma função é a inversa da outra). Desta forma, Para cada r ∈ S também corresponde um q dado pela inversa de r(q) : q(r) = (a− r)/b, que será obviamente inteiro para os r em S por construção de S. O conjunto S tem um menor elemento. Aqui precisamos fazer um comen- tário importante. Nem todo o conjunto infinito ordenado linearmente tem um menor elemento. Reflita e conclua que os seguintes conjuntos não tem elemento mínimo: R,Z,Q,R+,Q+. Os dois últimos casos são interessantes e ligados à característica de que na ordenação usual dos reais e racionais, entre quaisquer dois números existem infinitos números. No entanto, qualquer subconjunto de inteiros não negativos sempre tem um elemento mínimo. Isto é garantido pelo Princípio da boa ordem dos inteiros. Desta forma, seja rmin o menor elemento de S. Vamos provar que rmin < b por contradição. 1. rmin é o menor elemento de S (definição). 2 2. Assuma que rmin ≥ b (hipótese a ser contrariada). 3. Seja (q, rmin) a solução correspondente a rmin. 4. rmin = a− qb 5. Considere a solução (q′, r′) para q′ = q + 1 6. r′ < rmin (porque q ′ > q e r(q) é monotônica decrescente) 7. r′ = a− q′b = a− (q + 1)b = a− qb− b = rmin − b. 8. Como rmin ≥ b, rmin − b ≥ b− b = 0, isto é, r ′ ≥ 0 9. Portanto r′ ∈ S, 10. Chegamos a uma contradição pois r′ está em S e é menor que rmin, e isto contradiz o fato de que rmin é o menor elemento de S. A única hipótese feita sem comprovação feita na linha da prova foi que rmin ≥ b. Isto, portanto, é falso. Provamos acima que rmin, o menor elemnto de S é menor do que b. Desta forma, existe uma solução (q, r) tal que 0 ≤ r < b qual seja, aquela em que r é o rmin. 2.5 Parte 4: A solução (q, rmin) da parte 3 é a única que satisfaz, 0 ≤ r < b e q, r ∈ Z ∧ a = qb+ r. Suponha que existam duas soluções distintas (q1, r1), (q2, r2) que satisfazem as condições acima. Assuma, w.l.o.g. (without loss of generality, sem perda de generalidade) que r1 = rmin. 1. r1 = a− q1b, 0 ≤ r1 < b 2. r2 = a− q2b, 0 ≤ r2 < b 3. r1, r2 ∈ S, porque ambos são não negativos 4. r2 > r1, porque r1 é o menor elemento de S 5. q2 < q1, pela característica monotônica decrescente da função r(q) 6. q2 ≤ q1 − 1, porque q1, q2 são inteiros 7. q2b ≤ (q1− 1)b = q1b− b, porque b é positivo, caso contrário o ≤ viraria ≥ 8. −q2b ≥ −q1b+ b, multiplica os dois lados por −1 9. a− q2b ≥ a− q1b+ b, adiciona a dos dois lados. 10. r2 ≥ a− q1b+ b, segunda linha desta seqüência 11. r2 ≥ r1 + b substituindo da primeira linha 12. Como r1 ≥ 0, então, r2 ≥ r1 + b ≥ 0 + b, ou seja, 13. r2 ≥ b 14. A linha acima contradiz a linha 2. Ou seja, não existe uma segunda solução com r < b, apenas uma, a de rmin. 3 3 Generalização do Teorema da Divisão Para todo para de inteiros a, b ∈ Z, com b 6= 0, existem inteiros únicos q, r, tal que a = qb+ r e 0 ≤ r < |b|. A prova fica como exercício. Basta considerar dois casos. O caso de b > 0 foi feito acima. O caso de b < 0 pode ser feito adaptando a prova acima para esta condição. Por exemplo, com b < 0 a relação entre q e r passa a ser monotônica crescente, ao invés de decrescente. E possível também derivar diretamente do teorema da divisão mostrado acima. 4
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