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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ASCARIDÍASE Ascaridíase decorre da infecção do tubo digestivo com a nematoide Ascaris lumbricoides (lombriga). Além das manifestações decorrentes da migração de formas larvárias, a capacidade de deslocamento do verme adulto no interior do tubo digestivo, aliada às suas dimensões avantajadas, pode ocasionar quadros obstrutivos variados. Ascaris lumbricoides é o maior nematódeo do trato digestório humano. É considerado um parasito estenoxeno, que infecta exclusivamente seres humanos. Na maioria dos casos, a infecção é leve e clinicamente benigna. EPIDEMIOLOGIA Estima-se que a ascaridíase seja uma das helmintíases mais comuns, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde as condições sanitárias precárias facilitam sua propagação. Crianças pequenas são as mais pesadamente atingidas, razão pela qual a ascaridíase é assunto de alto interesse pediátrico e social. Estima-se que essa parasitose atinja cerca de ¼ da população mundial e é provavelmente a helmintíase mais comum no homem. É mais comum na Ásia, África e América Latina, principalmente em regiões muito povoadas e com baixas condições de saneamento básico. Brasil -> a maior prevalência é observada em crianças de 2-12 anos. Cerca de 36% da população brasileira tem alguma parasitose, sendo que 25% desses casos é de ascaridíase. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISS ÃO Os ovos de Ascaris são eliminados junto com as fezes; se ovos férteis caírem em solo úmido e sombreado, com temperaturas de 15-35ºC, em 2-8 semanas formam-se larvas que sofrem duas mudas dentro da casca e, a larva de 3º estágio é a forma infectante. ❖ Nesse estágio, podem permanecer por vários meses/anos, se as condições forem apropriadas. Quando os ovos são ingeridos, as larvas eclodem no intestino delgado, atravessam a parede intestinal e migram via sistema porta para o fígado (4 dias), penetrando na circulação sanguínea/linfática. Os ovos atingem o coração direito de onde são levadas ao pulmões para efetuar o ciclo pulmonar -> nesses órgãos (4-5 dias após a infecção), as L3 encontram o meio favorável para continuar a sua evolução. Após 8 ou 9 dias sofrem a 3ª muda, transformando-se em L4, atravessam a parede que separa os capilares das cavidades alveolares e, nos alvéolos, realizam a 4ª muda para L5. Cerca de 2 semanas depois, as larvas atingem os bronquíolos e são arrastadas com o muco pelos movimentos ciliares da mucosa, sobem pela traqueia e laringe e são deglutidas com as secreções brônquicas. Assim, alcançam de forma passiva o estômago e o intestino. No intestino (geralmente jejuno), dá-se a 4ª e última muda, que as transforma em formas juvenis; estas continuam crescendo, e o desenvolvimento sexual se completa em cerca de 2 meses. Em geral, após 65 dias de infecção, as fêmeas começam a oviposição, encerrando o período pré-patente. A longevidade dos áscaris adultos é estimada em 1-2 anos. Alimentam-se de produtor digeridos no intestino do hospedeiro e mantêm-se no lúmen do intestino delgado por meio de constantes movimentos para não serem arrastados pelo peristaltismo apresentado por esse órgão. A transmissão da ascaridíase ocorre principalmente pela ingestão de água ou alimentos contaminados com ovos de Ascaris. Um dos fatores que contribuem para a disseminação dessa infecção é o hábito de utilizar fezes nos fertilizantes, a ausência de saneamento básico adequado e higiene inadequada. FISIOPATOLOGIA As formas larvárias podem provocar dano tecidual diretamente ou pela resposta inflamatória resultante, dependendo da carga parasitária e contato prévio do hospedeiro com o parasito. Larvas presentes no interior do ovo, ao atingirem o intestino delgado, penetram na mucosa e migram para a circulação portal, chegando ao fígado. A morte de larvas na mucosa/submucosa intestinal pode resultar em alterações teciduais caracterizadas como micro-hemorragias e infiltrado inflamatório constituído por macrófagos e eosinófilos. APG 06 - HELMINTÍASES Maria Luiza Sena – Med XIV FASA No fígado, em geral, não ocorrem alterações teciduais relevantes, embora cargas larvárias maciças possam levar a um quadro inflamatório. ❖ Esse quadro inflamatório pode resultar em manifestações clínicas, como hepatomegalia e, mais raramente, icterícia). Após passagem pelo fígado, as larvas atingem a circulação sistêmica, câmaras cardíacas direitas e chegam aos pulmões, onde sofrerão 2 mudas. Esses estágios larvários são os que detêm maior poder antigênico e ocasionarão ruptura alveolar. Estabelecem-se, então, áreas de hemorragia puntiforme, edema, além de infiltrado inflamatório às custas de polimorfonucleares neutrófilos e eosinófilos. Segue-se a esse processo uma resposta imunológica adaptativa, do tipo Th2, conduzindo à formação de um granuloma eosinofílico; o braço efetor dessa resposta é representado por IgA, IgE, eosinofilia, mastocitose e secreção de muco. Ocorrem também alterações fisiológicas no intestino, mediadas por IL-4 e IL-13, com aumento de permeabilidade da mucosa e aumento da contratilidade do músculo liso, levando a um aumento do peristaltismo. A resposta humoral, com predominância de IgE é responsável por reações de hipersensibilidade. A presença de sintomas respiratórios nessa fase caracteriza a síndrome de Loeffler. Verme adulto não invade a mucosa e as alterações parasitológicas decorrentes da sua presença se devem à interferência mecânica resultante das suas dimensões, da excreção de substâncias antigênicas e também de sua capacidade de migração. ❖ Dentre esses antígenos, destaca-se o ABA-1, que induz à produção de IgE, com consequentes reações de hipersensibilidade manifestadas por reações cutâneas (urticária) e respiratórias (broncoespasmo). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Fase de invasão larvária -> costuma ser assintomática, exceto quando há grande quantidade de larvas envolvidas no processo. Muito raramente, nessa fase pode ocorrer hepatomegalia e icterícia. Passagem das larvas pelos pulmões -> pode ser traduzida clinicamente por quadro respiratório de intensidade variável, em que assomam tosse, dispneia, sibilância e dor retroesternal – são manifestações da Síndrome de Loeffler. Indivíduos hiper-sensíveis podem desenvolver reações alérgicas como asma e urticária. Maturação das larvas e presença de vermes adultos no tubo digestivo -> ocasionam sintomas inespecíficos e variados, com anorexia, dor e distensão abdominal, cólicas, náuseas, vômitos e diarreia. Pode haver algum grau de má-absorção de proteínas, lactose e vitaminas lipossolúveis, o que, a depender do tempo, pode dar sinais de desnutrição e, a longo prazo, déficits cognitivos em crianças. Exemplares adultos de Ascaris lumbricoides podem causar oclusão ou suboclusão intestinal, quando presentes em grande número, mediante compactação dos vermes e formação do “bolo de áscaris”. Também podem ocorrer intussuscepção intestinal e volvos. Além disso, a grande mobilidade do verme adulto pode ser responsável pela sua presença em locais onde o parasitismo habitualmente não ocorre: apêndice cecal, divertículo de Meckel, vias biliares e mais raramente vesícula biliar, ocasionando quadros de icterícia obstrutiva. Pancreatite aguda pode decorrer da entrada do verme pelo ducto pancreático. A presença desses parasitas no fígado evolui com abscesso hepático. Ao atingirem o estômago em grande número, podem ser regurgitados e aspirados para a árvore traqueobrônquica, obstruindo-a, com consequente insuficiência respiratória aguda de caráter obstrutivo -> complicação mais comum em crianças. TRATAMENTO Todos os pacientes requerem tratamento anti-helmíntico, mesmo os que tem infecção assintomática. As drogas de escolha são: ❖ Albendazol -> 400mg/dia, em dose única para adultos; em criança, 10mg/kg, dose única. É a drogapadrão ouro para tratamento de ascaridíase. ❖ Mebendazol -> 100mg 2x/dia, durante 3 dias seguidos. O uso não é recomendado em gestantes. Essa dose independe do peso corporal e da idade. ❖ Levamizol -> 150mg VO em dose única para adultos; crianças abaixo de 8 anos 40mg e acima de 8 anos 80mg, também em dose única. Para o tratamento da obstrução intestinal o esquema terapêutico inclui piperazina 50-75m/kg por 2 dias, que pode ser associada ao uso de óleo mineral 40-60ml/dia + antiespasmódicos + hidratação. ! A terapia anti-helmíntica só deve ser instituída quando a motilidade intestinal for restaurada. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA O tratamento das manifestações pulmonares associadas à ascaridíase consiste em cuidados de suporte. O alívio sintomático da sibilância e tosse pode ser controlado com broncodilatadores inalatórios. ENTEROBÍASE É uma doença que antes era conhecida como oxiuríase. É provocada pelo nematoide Enterobius vermiculares. O ser humano é o único hospedeiro natural e a infecção pelo patógeno ocorre em todas as classes socioeconômicas. O agente etiológico, um parasita monóxeno, costuma habitar o lúmen intestinal humano, e a infecção, quando sintomática, é responsável por causar prurido anal de caráter intenso e produzir complicações locais e/ou em sítios ectópicos. EPIDEMIOLOGIA A enterobíase tem ocorrência comum em crianças de 5-10 anos, mas raramente acomete infantes antes do 2º ano de vida. Essa parasitose apresenta alta incidência em países de clima temperado, inclusive naqueles com ampla cobertura de saneamento básico. Brasil -> as estatísticas variam muito, tanto na dependência do método diagnóstico empregado, quanto nas faixas etárias estudadas. Aglomerações aumentam as chances de adquirir verminoses, principalmente enterobíase. ❖ Estima-se que em 2017 foram 51.413 indivíduos acometidos por enterobíase. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO Os parasitas adultos são encontrados aderidos à mucosa livre e comumente na região cecal, no íleo e no cólon -> alimentam-se de microrganismos e materiais existentes nestes locais. A fêmea do Enterobius vermicularis migra para o ânus do hospedeiro, geralmente durante a noite, para depositar seus ovos. O Enterobius vermicularis apresenta ciclo biológico monoxênico, e seu único hospedeiro é o homem. Quando grávidas, as fêmeas liberam seus ovos na região perianal do hospedeiro -> estes são maturados em 4-6hs, na temperatura da superfície do corpo. O intenso prurido perianal causado faz com que o paciente coce a região, facilitando a transferência de ovos infectantes para a boca, através das mãos contaminadas (autoinfecção). Um indivíduo suscetível que tenha as mãos contaminadas por ovos de um indivíduo infectado, e que as leve a boca, poderá adquirir o patógeno e desenvolver a enterobíase. Ao serem ingeridos, os ovos eclodem no intestino delgado, liberando larvas que irão se desenvolver até a forma adulta, enquanto se movem para o ceco. Por fim, os vermes copulam e dão início a um novo ciclo. ! Os ovos podem ficar aderidos no ambiente. O período de transmissão do parasita ocorre apenas enquanto as fêmeas grávidas expulsam ovos na região perianal cutânea. Os ovos tornam-se infectantes em poucas semanas após a oviposição. Além da transmissão direta, da região anal para a boxa, existem mais 4 processos possíveis de transmissão da helmintíase: ❖ Transmissão indireta -> contaminação dos alimentos pelas mãos sujas. ❖ Transmissão pela poeira -> inalação dos ovos (dormitórios, colégios, habitações coletivas). ❖ Retroinfecção -> consiste na eclosão das larvas nas bordas da mucosa anal, sua penetração e migração para as porções superiores do intestino grosso. ❖ Autoinfecção interna -> quando as larvas eclodem ainda no reto e migram para o ceco, se transformam em adultos (essa forma de transmissão acontece raramente). FISIOPATOLOGIA Os parasitos aderem à mucosa intestinal, causando um leve processo inflamatório, do tipo catarral, com possíveis pontos hemorrágicos. Geralmente, não há lesão anatômica, uma vez que há penetração do verme na mucosa. A infecção pelos enteroparasitos, normalmente, gera uma resposta imunológica complexa e múltipla, apesar de a maioria dos humanos ter um sistema imunológico capaz de combater a infecção -> quando essa ocorre, pode provocar eosinofilia. ❖ Tal condição deve-se à resposta imunológica Th2 provocada, na qual a IL-4 e IL-5 são produzidas, estimulando também a produção de IgE pelos linfócitos B. Prurido anal pode determinara irritação mecânica pela movimentação dos vermes ou reação de hipersensibilidade local aos vermes, seus ovos ou suas secreções. O envolvimento extraintestinal ocorre no trato genital feminino, causada pela migração do verme do ânus para a vagina, o que leva a reações inflamatórias granulomatosas. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Enterobíase costuma ser assintomática, tendo como sintoma mais comum o prurido na região perianal com periodicidade regular -> pode se tornar muito intenso, principalmente à noite, ocasionando dificuldade para dormir (migração dos parasitos fêmeas). A região anal pode tornar-se recoberta de muco, pelo processo inflamatório provocado, às vezes sanguinolento, com pontos hemorrágicos também no reto -> perturbações no sono e irritabilidade. Em caso de higienização perianal inadequada, o parasito pode ser responsável pela ocorrência de infecção do sistema urinário, pela condução do E. vermicularis para a região genital. Pode ocorrer colite crônica, a qual causa fezes amolecidas ou diarreicas, emagrecimento e alterações do apetite. Apesar de incomuns, foram identificados em alguns estudos infecções extraintestinais, como no sistema reprodutor feminino, pulmões, fígado, baço, apêndice e na próstata. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO É geralmente clínico, por possuir um sinal patognomônico que é o prurido anal. Já o diagnóstico laboratorial é realizado na busca do parasita na região perianal, usualmente pelo método de Graham (método da fita transparente), por ser visível ao olho nu. ❖ Não é possível normalmente encontrar o parasita ou ovos nas fezes, apenas quando há parasitismo intenso, sendo identificado em apenas 5 a 15% das vezes nos exames parasitológicos de fezes. ! Método de Graham deve ser realizado durante a manhã, antes da higiene na região anal. Além da abordagem laboratorial, pode-se também realizar inspeção do introito anal, a fim de identificar os vermes móveis (as fêmeas são finas e brancas), ou ainda das roupas íntimas e de cama, nas quais os helmintos móveis às vezes são visíveis. ESQUISTOSSOMOSE É uma doença produzida pelo Schistosoma mansoni e transmitida por contato com água contaminada por larvas (cercarias) que se reproduzem dentro dos caramujos do gênero Biomphalaria. No Brasil, a esquistossomose é conhecida como “xistose”, “barriga d’água” ou “doença dos caramujos”. ❖ A esquistossomose é a infecção mais importante por trematódeos. O Schistosoma é o único trematódeo que invade o corpo pela pele, todos os outros trematódeos o fazem somente por via digestória. Caracteriza-se por uma fase inicial, geralmente despercebida, e outra crônica, na qual podem aparecer as formas graves, evidenciadas principalmente pela hipertensão porta e suas complicações e pelo comprometimento do sistema nervoso. EPIDEMIOLOGIA Esquistossomoses são doenças crônicas que afetam aproximadamente 200 milhões de pessoas em todo o mundo, sobretudo nos países endêmicos, localizados na África, Ásia e na América Latina. Brasil -> existem cerca de 6 milhões de portadores dessa helmintíase. A doença foi descrita em 18 estados e no DF, sendo que sua ocorrência está diretamente ligada à presença de moluscos transmissores. ❖ Os estados do Nordeste, Sudestee Centro-oeste são os mais afetados. Estima-se que cerca de 25 milhões de pessoas vivem em áreas sob o risco de contrair a doença. ❖ Áreas com transmissão endêmica -> Alagoas, Bahia (região do São Francisco e do planalto ocidental), Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Espírito Santo e MG. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISS ÃO Os trematódeos passam por diferentes etapas de evolução, desde o hospedeiro invertebrado até o vertebrado (vermes adultos, ovos, miracídios, esporocistos, cercárias e esquistossômulos). Os metazoários adultos habitam o sistema porta hepático, sobretudo a veia mesentérica inferior. A fêmea, em fase adulta, tem característica mais alongada e pode ser encontrada em uma fenda do corpo do macho (canal ginecóforo) -> sua longevidade é de 3-5 anos, podendo chegar a 25 anos. O ciclo biológico é complexo e formado por 2 fases parasitárias: uma no hospedeiro definitivo (vertebrado/humano) e outra no hospedeito intermediário (invertebrado/caramujo). Em condições favoráveis, o ciclo se completa em torno de 80 dias. No homem, o ciclo é sexuado, e o período decorrido entre a penetração as cercárias e o encontro de ovos nas fezes é cerca de 40 dias. No molusco, o ciclo é assexuado. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Vermes adultos vivem nos vasos do sistema porta hepático do hospedeiro vertebrado. A cópula resulta da justaposição dos orifícios genitais, quando a fêmea está alojada no canal ginecóforo. Uma fêmea coloca cerca de 300 ovos por dia, que só amadurecem 1 semana depois, quando conterão o miracídio formado. Alguns ovos alcançam a corrente sanguínea, enquanto outros chegam ao lúmen intestinal através da submucosa. Após a postura, metade destes ovos é eliminada elas fezes a partir de um processo de ulceração do tecidos do HD, visando alcançar o lúmen intestinal. A outra metade, uma parte fica retida na parede do intestino e outra retorna para a circulação sanguínea e aloja-se em diferentes tecidos, sobretudo o fígado. No contato com a água, os ovos maduros “incham”, eclodem e liberam larvas ciliadas (miracídios). Miracídio -> tem formato oval, é revestido por cílios e é o 1º estágio de vida livre do Schistosoma. Ocorre em locais onde não há esgoto tratado e fezes contaminadas são lançadas indevidamente em rios e lagos, tendo a chance de nadar ao encontro do HI (caramujo). ❖ Essa forma apresenta grande capacidade de locomoção e afinidade quimiotática para moluscos, já que a garantia de sobrevida depende do encontro com o HI. Ao penetrar nas partes moles do molusco, o miracídio perde parte de suas estruturas. Células remanescentes reorganizam-se e, em 48hs, transformam-se em um saco alongado com muitas células germinativas (esporocisto) -> esporocistos primários geram secundários e, células germinativas destes, são transformados em cercárias. Cercária -> 2ª fase de vida livre do helminto, a qual atravessa a parede do esporocisto, migrando para as partes moles mais externas do caramujo. Essa larva tem corpo e cauda, e é adaptada à vida aquática. ❖ HI começam a eliminá-las após 4-7 semanas da infecção pelos miracídios, situação que se mantém por toda a vida. São atraídas pelo calor do corpo e pelos lipídios da pele humana; a penetração na cútis é consumada entre os folículos pilosos, com o auxílio das secreções histolíticas das glândulas de penetração e pela ação mecânica devido aos movimentos intensos da larva. ❖ A larva se acopla à pele por meio de 2 ventosas -> nesse processo (15min), a cercária perde sua cauda, e após atravessar a pele do hospedeito se transforma em esquistossômulo. Esquistossômulo -> aclimatam-se às características orgânicas do meio interno humano, passando pelo tecido subcutâneo. Ao entrarem em um vaso, boa parte são alcançados pelo sistema imunológico do hospedeiro. Os que conseguem escapar são transportados até o CD > pulmões > veias pulmonares > CE > sistema porta e veias mesentéricas > alças intestinais. ❖ Uma vez alojados no sistema porta, são nutridos e desenvolvem-se evoluindo para formas unissexuadas, machos e fêmeas, 28-30 dias após a penetração. Depois, migram acasalados pelo sistema porta até a área de artéria mesentérica inferior, onde farão oviposição. 40 dias após a infecção do hospedeito, os ovos podem ser notados no material fecal. Assim, completa-se o ciclo de vida do helminto. A transmissão ocorre quando o HD infectado elimina os ovos do verme por meio das fezes humanas. Em contato com a água, os ovos eclodem e liberam larvas que infectam os HI que vivem nas águas doces. Após 4 semanas, as larvas abandonam o caramujo na forma de cercarias e ficam livres nas águas naturais. O ser humano adquire a doença pelo contato com essas águas. FISIOPATOLOGIA Algumas características do S. mansoni são determinantes na patogenia da esquistossomose -> cepa, fase de evolução, intensidade e número de infecções. Em relação ao hospedeiro, é importante: ❖ Constituição genômica. ❖ Órgão predominantemente lesado. ❖ Padrão alimentar. ❖ Etnia. ❖ Sensibilização prévia. ❖ Infecções associadas. ❖ Tratamento específico. ❖ Padrão imunológico do indivíduo. O ciclo do S. mansoni apresenta características distintas em órgãos e tecidos. As mudanças de etapas são uma maneira do helminto “burlar” o sistema imune do hospedeiro, exigindo díspares respostas para as distintas fases do ciclo. A penetração da pele/mucosa, executada por cercárias pode desencadear alterações locais -> a resposta do hospedeiro é ativada, com consequente inflamação, caracterizada por aumento de citocinas pró-inflamatórias (TNF- α, IL-1 e IFN- γ), expressando uma resposta Th1 ao helminto. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A resposta imunológica a partir dessa reação inflamatória é capaz de destruir uma boa quantidade de cercárias e esquistossômulos na pele, produzindo um infiltrado inflamatório agudo discreto, composto por eosinófilos -> muitos pacientes apresentam lesões de urticária e prurido nas partes do corpo que entram em contato com a cercária. Resposta imune inata ao esquistossômulo -> há produção local de citocinas (IL-6, IL-10 e IL-12) e de quimiocinas. O período pré- patente (fase aguda), completa-se com a produção de ovos (oviposição). Depois, acontece a migração dos ovos para diferentes tecidos, o que resulta em reações de hipersensibilidade de tipo IV, caracterizada pela formação do granuloma esquistossomótico. ❖ O granuloma desempenha duplo papel na resposta imune -> substituição da resposta Th1 que é altamente contrarregulada por IL-10. ❖ A capacidade proliferativa dos linfócitos e o tamanho do granuloma diminuem, levando a menos danos nos tecidos pela resposta imune. Os esquistossômulos permanecem na pele de 48-72h, enquanto alguns são destruídos pela resposta do hospedeiro -> provocam manifestações cutâneas, como reações de hipersensibilidade do tipo III. Os que sobrevivem à resposta imune inata à penetração cutânea, podem atingir os vasos linfáticos, provocando sua obstrução, além de infiltração eosinofílica transitória. Após atingir o coração direito, os esquistossômulos são transportados para os pulmões, onde podem ser encontrados de 4- 5 dias após a penetração da pele, persistindo até o 22º dia. Os sintomas aparecem 3-6 semanas após a exposição -> tosse seca, dispneia e febre. Após os pulmões, os esquistossômulos atingem o fígado pela corrente sanguínea, onde demoram cerca de 20 dias para alcançarem a idade adulta (maturidade sexual). Os helmintos maturam-se na veia porta e alcança os ramos mesentéricos, movendo-se contra o fluxo sanguíneo. Na mesentérica inferior, podem viver durante anos, mantendo-se salvo da reposta imune, sem produzir sintomas. ❖ As enzimas líticas derivadas dos helmintos podem provocar necrose dos tecidos das paredes vasculares, seguida por inflamaçãocom exsudação de neutrófilos, eosinófilos e células mononucleares. Os ovos (27º-48º) podem seguir caminhos diferentes no organismo e são capazes de: ❖ Alcançar o lúmen intestinal, sendo eliminados com as fezes. ❖ Atingir a corrente sanguínea e/ou circulação linfática, sendo levados para vários tecidos e órgãos. ❖ Permanecer na parede intestinal, provocando lesões granulomatosas. FASE AGUDA É caracterizada pela disseminação de ovos, resultando em muitos granulomas em fígado, IG, ID, peritônio visceral, pulmões, pleura e pâncreas. Os granulomas possuem características diferentes dos encontrados em outras fases do ciclo evolutivo da helmintíase. ❖ Por serem mais volumosos, os granulomas podem apresentar uma necrose muito mais extensa, disseminada principalmente por fígado, intestino, peritônio, pâncreas e pulmões. Inicialmente, os granulomas são grandes, ricos em macrófagos, linfócitos e eosinófilos em torno do ovo. Posteriormente, há uma redução do exsudato, transformando-se em tecido conjuntivo até ser cicatrizado como um nódulo fibrótico. A formação de granulomas é perpetuada pelo helminto, pois continua a produzir ovos. FASE CRÔNICA Caracterizada por lesões que podem ser graves. ❖ Esquistossomose hepática -> hepatócitos são poupados, e a arquitetura lobular é preservada. A lesão fibrótica torna os tratos portais espessados. Fígado diminui (esplenomegalia, emergência de ramos portossistêmicos colaterais e ascite). Alterações vasculares -> remodelação vascular associada a outras formas de hipertensão pulmonar. Um infiltrado inflamatório perivascular é proeminente, caracterizado por linfócitos T, mastócitos e células dendríticas. Acometimento renal -> nefropatia esquistossomótica, já que há deposição de imunocomplexos. Os complexos antígeno-anticorpo induzem resposta inflamatória em nível renal, produzindo distúrbios como glomerulonefrite difusa membranoproliferativa e glomerulonefrite mesangioproliferativa. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O período de incubação é de 1-2 meses após a infecção, o que corresponde à fase de penetração das cercárias, seu desenvolvimento, até a instalação dos vermes adultos no interior do hospedeiro definitivo. ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA AGUDA QUADRO GERAL Fase postural (oviposição) -> febre alta (irregular e remitente), calafrios, sudorese, mal-estar geral, lassidão, astenia, queixas respiratórias, anorexia, náuseas e vômitos, mialgias e cefaleia. Pode haver diarreia precedida de cólicas, com numerosas evacuações que podem conter muco. ❖ Podem ser encontrados fenômenos alérgicos (urticária e edema de Quinck). Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Exame físico -> emagrecimento, desidratação, abdome distendido e doloroso à palpação, hepatoesplenomegalia dolorosa, linfonodomegalia, taquicardia e hipotensão arterial sistêmica. A forma aguda dura de 4-8 semanas, podendo a hepatoesplenomegalia persistir por 2-3 anos após a terapêutica. Leucocitose com eosinofilia intensa e discreta elevação de aminotranferases e de bilirrubinas podem ser observadas nos exames laboratoriais. COCEIRA DO NADADOR É uma reação inflamatória local, dificilmente visível na área de penetração cercarial, composta de edema e capilares dilatados, atribuída à liberação local de citocinas. DERMATITE CERCARIAL É uma erupção cutânea maculopapular pruriginosa temporária, de discretas dimensões, de apresentação maculoeritematosa, consequente à penetração cutânea das cercárias. Desenvolve-se de maneira mais branda que a coceira do nadador. SÍNDROME DE KATAYAMA Ocorrência tardia que pode surgir de 4-8 semanas após a infecção, coincidindo com o amadurecimento do verme. Há um perfil de resposta imune Th1 dominante. É caracterizada por febre, artralgia e vasculite cutânea. Normalmente, a recuperação ocorre após 2-10 semanas, mas alguns desenvolvem doença persistente e mais grave com perda de peso, dispneia e diarreia, dor abdominal difusa, toxemia, hepatoesplenomegalia e erupções cutâneas generalizadas. Ela pode evoluir rapidamente para fibrose hepática, esplenomegalia e hipertensão portal. BRONCOPNEUMONIA Pode ocorrer hiper-reatividade brônquica durante a migração de esquistossômulos através dos capilares pulmonares. É atribuída às citocinas do padrão Th1. ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA CRÔNICA Após a fase aguda, o quadro clínico regride e a maioria dos pacientes permanecem assintomáticos. Mas, as manifestações podem retornar futuramente (reinfecção e história natural da doença). FORMAS INTESTINAL E HEPATOINTESTINAL Podem ser encontrados sintomas dispépticos -> anorexia, sensação de plenitude gástrica, náuseas, vômitos, pirose e flatulência. A apresentação clínica geral pode associar-se a dor abdominal em cólica, difusa ou localizada, na fossa ilíaca direita, com episódios diarreicos associados a tenesmo. ❖ As cólicas precedem a defecação e depois desaparecem. Exame físico -> emagrecimento e hepatomegalia, com o fígado palpável de 2-6cm abaixo do rebordo, tipicamente indolor e com superfície irregular. Baço não é percutível e nem palpável. FORMA HEPATOESPLÊNICA Caracteriza-se pelo envolvimento do fígado e do baço, além da existência de sinais de hipertensão porta. Costuma ocorrer em pacientes crônicos e com cargas parasitárias importantes. A progressão da forma hepaointestinal para a hepatoesplênica depende da ocorrência de algumas características, relacionadas tanto com o ser humano quanto com o trematódeo. Forma hepatoesplênica compensada -> além dos sintomas digestivos e gerais, há hipertensão portal e esplenomegalia, podendo evoluir com fenômenos hemorrágicos. Forma hepatoesplênica descompensada (avançada) -> falência hepática crônica grave e esplenomegalia mais acentuada que hepatomegalia, com baço palpável. A encefalopatia hepática pode estar presente após surtos hemorrágicos, tratamento abusivo com diuréticos, ingestão proteica aumentada e constipação intestinal, caracterizando-se por alterações de personalidade, insônia, tremores musculares, hálito hepático, torpor e coma. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ A anemia, esperada nessa fase, é agravada pelas hemorragias e pelo “hiperesplenismo”, o qual pode levar também a pancitopenia, com leucopenia e plaquetopenia associadas. Além dessas formas, tem-se: ❖ Forma pseudoneoclássica. ❖ Forma vascular pulmonar. ❖ Nefropatia esquistossomótica. ❖ Formas ectópicas (neuroesquistossomose). DIAGNÓSTICO EXAMES PARASITOLÓGICOS O diagnóstico laboratorial básico consiste na realização de exames coproscópicos diretos, preferencialmente com o uso de técnicas quantitativas de sedimentação, a partir da coleta de várias amostras de fezes. ❖ Técnica de Kato-Katz -> visualização e contagem dos ovos por grama de fezes. Avalia a intensidade da infecção e eficácia do tratamento. ❖ Técnica de Lutz -> sedimentação espontânea. ❖ Biópsia retal em situações especiais. MÉTODOS IMUNOLÓGICOS Os testes sorológicos apresentam sensibilidade e especificidade suficientes e revelam-se úteis, principalmente, em áreas de baixa prevalência da doença. Os kits comerciais de imunodiagnóstico disponíveis são menos sensíveis e menos específicos que vários exames fecais, devido à reatividade cruzada do anticorpo com antígenos de outros helmintos. Tem-se também: ❖ Pesquisa de antígenos. ❖ Métodos moleculares. ❖ Avaliação inespecífica -> hemograma (leucopenia, leucocitose, eosinofilia e plaquetopenia), provas de função hepática e provas de função renal. TRATAMENTO Há o tratamento específico, voltado para o combate do parasita, e o tratamento para as complicações da doença. Tratamento específico: ❖ Prazinquantel (comprimidos de 600mg -> VO, dose única de 50mg/kg de peso para adultos e 60mg/kg de peso para crianças) e Oxamnquina (adulto 15mg/kg VO, dose única, ecrianças 20mg/kg, VO, dose dividida em 2 tomadas de 4-6h). ! A distribuição dos medicamentos esquitossomicidas é gratuita e repassada para as secretarias de saúde dos estados, pelo MS. Medidas auxiliares: ❖ BB para sintomas de hipertensão portal. ❖ Corticosteroides para neuroesquistossomose. ❖ Ligadura de varizes para as varizes esofágicas. TENÍASE É uma doença decorrente da infecção por uma das 3 espécies de Taenia -> T. solium, T. saginata e T. asiática, sendo as 2 primeiras as mais comuns. São vermes achatados que podem viver no sistema digestório, sobretudo no ID. O ser humano é o HD das principais espécies da Taenia, sendo os bovinos o HI da forma saginata, enquanto o porco é da solium. A infecção humana pela teníase se dá pela ingestão de carne bovina ou suína com larvas teciduais (cisticercos) dos respectivos patógenos. Ao ingerir carne crua ou pouco cozida, o ser humano se infecta com a larva, que evolui para verme adulto no intestino, originando a teníase. EPIDEMIOLOGIA A maior prevalência de teníase ocorre em adultos jovens nas zonas rurais da América Latina, África e Ásia, devido principalmente aos hábitos culturais de consumo de carnes cruas ou malcozidas, além do destino inadequado das fezes humanas. OMS estimou a existência de 70 milhões de pessoas contaminadas, com 50 mil mortes anuais, geralmente pelas complicações da neurocisticercose induzida pela T. solium. Brasil -> a teníase está presente em todos os estados e regiões pesquisados, ocorrendo no Norte, com 0,15%, e, no Nordeste, com índice de positividade de 4,5%. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO O verme adulto é grande, achatado e esbranquiçado, e consiste de 3 partes: a cabeça (escólex), pescoço e um corpo segmentado, todas recobertas por um tegumento através do qual o patógeno absorve nutrientes e elimina suas excreções. ❖ O escólex é equipado com ganchos e/ou ventosas, possibilitando à tênia ligar-se ao intestino do hospedeiro. No organismo humano, o verme adulto pode chegar a alcançar vários metros de comprimento: em geral, em torno de 2-7m na teníase solium e < 5m) na forma saginata. O ser humano é o único hospedeito definitivo de Taenia. Ovos e/ou proglotes grávidas são eliminados nas fezes dos infectados, contaminando o meio ambiente, onde os ovos conseguem sobreviver por dias a meses. O gado bovino e os porcos se tornam infectados por suas respectivas espécies de Taenia, ao ingerirem vegetação contaminada com ovos ou proglotes grávidas. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA No intestino destes animais, após ação do suco gástrico e da bile sobre os ovos, as oncosferas eclodem e invadem a parede intestinal, ganhando acesso à circulação sanguínea, chegando à musculatura esquelética e cardíaca. ❖ Nessa região, a forma larvária tecidual (cisticerco), segue o seu desenvolvimento, adquire o protoescólex e torna-se infectante para o ser humano cerca de 60 dias depois. No HI, o cisticerco pode sobreviver por vários anos. Caso um ser humano venha a ingerir cisticercos, o ciclo de vida da teníase se completa. Após a ingestão, o cisticerco se fixa à mucosa intestinal pelos ganchos e ventosas do protoescólex, permanecendo no local até se desenvolver (3 meses). ❖ Cada protoescólex pode se tornar a cabeça de um cestoide adulto, que vai se desenvolvendo ao longo de cerca de 2 meses, pela formação de proglotes a partir da parte caudal do escólex. Os seres humanos se tornam infectados por meio da ingestão de carne crua/malcozida com cisticercos. Na maioria das vezes, a teníase é composta por apenas um ou poucos vermes adultos, que podem sobreviver por anos no ID do hospedeito. Caso o homem se infecte ingerindo água/alimento contendo ovos da tênia, ele pode comportar-se como HI. A oncosfera eclodida dará origem a cisticercos nos tecidos com maiores concentrações de O2 (SNC, olhos e musculatura esquelética). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Como a capacidade patogênica da teníase é pequena, em boa parte depende dos efeitos locais e nutricionais (espoliação) provocados pelo verme adulto -> a condição não causa sintomas muito relevantes. Muitos pacientes são assintomáticos. Quando presentes, os sintomas são -> náuseas, vômitos, anorexia, diarreia, epigastralgia, cólicas abdominais, perda de peso, insônia e manifestações cutâneas de hipersensibilidade. Pode haver constipação intestinal, irritabilidade, cefaleia e vertigens. Por vezes, mesmo os pacientes assintomáticos, relatam a eliminação intermitente de proglotes nas fezes, ou, no caso de T. saginata, espontaneamente através do ânus. Raramente pode acontecer regurgitação das proglotes ou aspiração. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de teníase é definido por meio da realização de exames complementares, seja mediante a pesquisa de proglotes ou ovos nas fezes, seja com técnicas sorológicas (imunodiagnóstico). ❖ Recentemente foi publicada a possível utilização da cápsula endoscópica para a documentação da infecção intestinal por Taenia. São necessários métodos coproparasitológicos, procurando ovos nas fezes do hospedeiro por meio de métodos direto ou à fresco, métodos de sedimentação e método de centrifugo-sedimentação. TRATAMENTO O tratamento mais usado e eficaz para a teníase é realizado com a administração de dose única de praziquantel (10mg/kg). ❖ Mecanismo de ação -> envolve a indução de alterações estruturais no tegumento da tênia, provocando aumento da permeabilidade ao cálcio. Em consequência, íons de Ca+ se acumulam no citosol do verme adulto, provocando alteração de sua atividade muscular e posterior paralisia, o que causa o deslocamento de suas aderências no intestino e a subsequente expulsão por meio do peristaltismo intestinal. Se houver neurocisticercose oculta concomitante, o uso de praziquantel será capaz de disparar uma resposta inflamatória no SNC, podendo precipitar a instalação de crises convulsivas. Por isso, para alguns autores, o tratamento de escolha da teníase por T. solium é a niclosamida (dose única de 2g, VO), ficando o praziquantel como alternativa. CISTICERCOSE É uma doença provocada pela forma larvária (Cysticercus cellulosae) de uma das tênias patogênicas para o ser humano, a T. solium. A infecção pelo cisticerco é contraída a partir da ingestão acidental de ovos do verme adulto que foram eliminados no meio ambiente por humanos contaminados. ❖ Hospedeiro intermediário -> porco. ❖ Hospedeiro definitivo -> homem. No organismo humano, o C. cellulosae atinge órgãos e tecidos extraintestinais, principalmente músculos esqueléticos, olhos e SNC -> a preocupação é o comprometimento do SNC, sendo as crises convulsivas a principal manifestação quando cistos se desenvolvem no cérebro. EPIDEMIOLOGIA A cada ano, 50.000 pessoas morrem por neurocisticercose. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Cisticercose é considerada um zoonose endêmica, estando distribuída nos países em desenvolvimento, especialmente nas áreas rurais. Brasil -> as frequências de cisticercose variam de 0,12-3,6%, sendo a localização mais frequente o SNC. A incidência de neurocisticercose tem sido considerada baixa no Nordeste (falta de diagnóstico), sendo frequente no Sul, Sudeste e Centro-oeste. CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO A cisticercose decorre da ingestão exclusiva ou quase exclusiva de ovos de T. solium. O ciclo biológico transcorre a partir do verme adulto da tênia presente no ID do homem, que libera proglotes repletas de ovos, que são liberadas nas fezes. Dentro dos ovos, estão os embriões -> cada ovo apresenta 6 pequenos ganchos (oncosfera), as quais espalham-se pelo meio, podendo ser ingeridas pelo HI (porco). Quando ingeridas por este, acabam sendo liberados os embriões, graças à ação do suco gástrico e da bile sobre a parede das oncosferas. O embrião, através de acúleos, penetra na mucosa intestinale segue pela corrente sanguínea, distribuindo-se por diferentes partes do organismo, com preferência para locais com alta concentração de O2 (SNC, olhos e músculo esquelético). Nos tecidos do HI, o embrião transforma-se em sua forma larvária, o cisticerco, que se desenvolve em uma ou mais topografias ao longo de 3-8 semanas. A ingestão acidental pelo homem, de carne de porco malcozida ou crua contendo cisticercos leva ao desenvolvimento do escólex e, então, da teníase. Já a contaminação humana com os ovos de T. solium pode ocorrer de diferentes maneiras, como pela ingestão de alimentos contaminados (heteroinfecção) ou pela autoinfecção por parte dos próprios portadores de teníase. FISIOPATOLOGIA Alguns fatores interferem nos eventos patológicos associados à cisticercose, como: número de formas larvares envolvidas, localização, tipo morfológico, idade do paciente, natureza e intensidade das reações imunológicas desenvolvidas pelo paciente, segundo a resposta particular de cada indivíduo. ❖ Morfologicamente, o cisticerco pode ser classificado como cístico simples (vesícula com escólex) ou racemoso (vesículas sem escólex). Na fase inicial, os cisticercos teciduais não causam processo inflamatório significativo, o que parece ser devido à mecanismos desenvolvidos pelas espécies de tênia para escaparem da destruição imunologicamente mediada pelo hospedeiro. ❖ Hipótese para a tolerância imune -> moléculas secretadas pelo patógeno podem interferir na função das células apresentadoras de antígeno e na proliferação de linfócitos, inibindo a resposta imune celular normal. Depois de alguns anos, os cistos degeneram, perdendo a capacidade de modular a resposta imune. Nesse momento, o sistema imune passa a atacar os cisticercos, levando ao aparecimento de edema e, posteriormente, ao controle da infecção local -> resolução completa ou formação de granuloma calcificado. ❖ O processo de reação imune ao cisticerco promove o desenvolvimento das manifestações clínicas, como crises convulsivas vistas na NCC. Embora o mecanismo exato responsável pelas convulsões associadas às lesões cerebrais calcificadas não esteja bem compreendido, algumas moléculas do hospedeiro, estimuladas pela liberação ocasional de antígenos do cisticerco, podem estar envolvidas. ❖ Há indícios da importância etiopatogênica associada à substância P e às metaloproteases da matriz. ❖ De maneira alternativa, modificações na neuroplasticidade e cicatrização cerebral podem estar associadas ao desenvolvimento de focos epilépticos. Além dos efeitos neurológicos provocados pelas lesões intraparenquimatosas, pode haver complicações decorrentes do acometimento intracraniano extraparenquimatoso. Hidrocefalia também pode ocorrer, seja em decorrência do entupimento de foramens ou aquedutos (hidrocefalia obstrutiva), provocado pela reação inflamatória dirigida contra os patógenos localizados no sistema ventricular intracraniano, seja por aracnoidite crônica, decorrente do acometimento do espaço subaracnoide (hidrocefalia comunicante). Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Especialmente quando localizados ao nível da fissura lateral de Sylvius, onde não há uma pressão tecidual significativa, restritiva ao crescimento das lesões císticas, cisticercos que se desenvolvem no espaço subaracnoide podem chegar a alcançar grandes dimensões (cisticercos gigantes), causando efeito de massa. Além disso, em termos neurológicos, podem ocorrer quadros de vasculite do SNC e até acidentes cerebrovasculares. Pacientes com múltiplos cistos frequentemente os apresentam em diferentes locais e mesmo em diferentes estágios, não sendo incomum a coexistência de lesões viáveis, inflamadas e lesões cicatriciais calcificadas no mesmo paciente. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Dependem principalmente do número e da localização das lesões presentes no organismo. O quadro clínico é dominado, em geral, pelas manifestações neurológicas. É importante ressaltar que febre geralmente não está presente. As manifestações clínicas dependem da localização das lesões, mas podem ser divididas em relacionadas com o acometimento parenquimatoso, extraparenquimatoso ou misto. ❖ Em termos topográficos, ainda pode ser subdividida nas formas encefálica, espinal e subaracnoide, além do acometimento ocular sub-retiniano que também é um dos tipos da doença. O pico de incidência das primeiras manifestações da NCC ocorre em torno de 3-5 anos após o contágio, mas o período de incubação pode durar até mais de 30 anos, sendo, nesses casos, as manifestações relacionadas com a presença de granulomas calcificados. Lesões císticas intraparenquimatosas são a forma mais comum de NCC, presente em mais de 60% dos pacientes, que geralmente apresentam cefaleia e convulsões. As convulsões são geralmente focais, mas com possível generalização secundária. Em casos mais graves, no caso de um grande número de cistos intraparenquimatosos, uma resposta imunológica intensa pode provocar quadro clínico similar ao de uma encefalite, com cefaleia, náuseas, vômitos, convulsões, redução da acuidade visual e outros sinais de hipertensão intracraniana, como a tríade de Cushing (hipertensão arterial sistêmica, bradicardia e irregularidade respiratória) e rebaixamento do nível de consciência, podendo haver febre. ❖ Essa apresentação, é mais comum em crianças e mulheres jovens, podendo ocorrer espontaneamente ou ser precipitada pelo tratamento. Enquanto os portadores de lesões císticas localizadas fora do parênquima encefálico têm mais sintomas relacionados com o aumento da pressão intracraniana (cefaleia, náuseas e vômitos), podendo desenvolver alterações do nível de consciência. Cistos podem causar sintomas quando obstruem os foramens ou aquedutos de drenagem, ocasionando hidrocefalia obstrutiva e aumento da pressão intracraniana. ❖ Quando ocorre essa obstrução, pode haver cefaleia, náuseas, vômitos, borramento visual (papiledema) e rebaixamento de consciência, podendo também estar presentes, convulsões e déficits neurológicos focais Síndrome de Bruns -> cistos móveis presentes no 3º ou 4º ventrículo podem causar intermitentemente obstrução liquórica, levando a episódios de perda súbita de consciência associados a certos movimentos da cabeça. Em casos de acometimento do espaço subaracnoide na base do crânio, pode haver extensão para o espaço subaracnoide espinal, podendo causar inflamação e alterações desmielinizantes nas raízes nervosas espinais, gerando dores neuropáticas e alterações esfincterianas. De modo menos comum, o acometimento da medula pode se dar no interior do parênquima, ocasionando mielite transversa, com consequentes paraparesia de MMII, transtornos sensitivos e alterações esfincterianas -> visto em cerca de 1% dos casos. A NCC pode ocasionar transtornos psiquiátricos e déficits cognitivos. As formas extraparenquimatosas da NCC são ainda mais graves do que as intraparenquimatosas. Outras manifestações neurológicas menos comuns incluem efeito de massa, distúrbios visuais, déficits neurológicos focais (por vasculite ou evento vascular isquêmico associado) e meningite. A cisticercose extraneural pode envolver diversos outros órgãos e tecidos, porém, é mais comum nos olhos, nos músculos esqueléticos e no tecido subcutâneo ❖ A presença de cisticercose ocular deve ser afastada, com a realização da fundoscopia, antes de ser iniciado o tratamento. Pode afetar também músculos, principalmente os estriados, mas sendo em geral, assintomática. Quando há sintomas, são relacionados com miosite (mialgias, edema, febre e eosinofilia), ocorrendo quando o envolvimento muscular é extenso. É incomum, mas o acometimento cardíaco tem sido observado, podendo dependendo do local afetado, ser assintomático ou gerar arritmias e/ou distúrbios de condução elétricaDIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Inclui o uso de fármacos antiparasitários, corticosteroides, anticonvulsivantes e aplicação de medidas invasivas (endoscópicas ou cirúrgicas), dependendo do tipo da doença e do tipo e número das lesões císticas. ❖ Fármaco antiparasitário -> albendazol, 15 mg/kg/dia 800 mg 12/12h, VO, junto às principais refeições. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Como alternativa ao albendazol ou em associação a ele, pode- se usar praziquantel (50 mg/kg/dia, a cada 8 h). ! Ensaios clínicos mostram que pacientes tratados com antiparasitários ficam sob risco de crises convulsivas por menor período de tempo, tendo evolução mais rápida, especialmente quando o tratamento antiparasitário é realizado com a combinação dos fármacos (albendazol + praziquantel). O uso de antiparasitários está indicado nos pacientes sintomáticos, com múltiplos cistos viáveis em região intraparenquimatosa, sendo totalmente ineficaz para granulomas residuais. O tempo de duração do tratamento antiparasitário depende da forma da doença e do número de lesões císticas presentes. ❖ 1 lesão -> terapia de 7 dias. ❖ Múltiplas lesões -> terapia de 10-14 dias. Juntamente com o tratamento antiparasitário, recomenda-se a coadministração de corticosteroides em doses altas (1 mg/kg/dia de prednisona ou prednisolona, ou 0,1 mg/kg/dia de dexametasona) por 5-10 dias. Nos casos raros em que o tratamento tiver que ser prolongado, o metotrexato pode ser adicionado ao esquema como agente poupador da dose de tal classe farmacológica. Com a destruição dos cisticercos pelo antiparasitário, pode ocorrer ou exacerbar-se uma reação inflamatória local, com agravamento dos transtornos clínicos associados (principalmente dos transtornos ligados à NCC), processo que pode e deve ser controlado com o uso de corticosteroides. Por conta das crises convulsivas, o tratamento da doença frequentemente inclui o uso de medicamentos anticonvulsivantes, como benzodiazepínicos. ❖ Na existência de crises convulsivas, um paciente com diagnóstico suspeito ou confirmado de NCC deve ser hospitalizado para tratamento e observação clínica, sendo inquestionável a indicação de terapia anticonvulsivante. Pacientes assintomáticos, sem passado de crises convulsivas, com granulomas calcificados, descobertos ao acaso em exames de neuroimagem, não têm indicação de uso profilático de anticonvulsivantes, apesar das lesões serem focos epilépticos. Quanto ao tratamento invasivo, está indicada a derivação do LCS na hidrocefalia consequente à NCC, seja com a realização de ventriculostomia ou de shunt ventriculoperitoneal. ❖ O procedimento escolhido deve ser realizado em caráter de emergência caso haja rebaixamento do nível de consciência e/ou iminente herniação intracraniana. Cistos intraventriculares associados à formação de hidrocefalia devem ser abordados com ressecção endoscópica. No caso de cistos gigantes, causando efeito de massa, ou localizados em topografias inacessíveis à endoscopia flexível, como na cisticercose ocular ou do canal medular, pode ser realizada a remoção cirúrgica aberta.
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