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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CÉLIA MARIA DAVID CURRÍCULO DE HISTÓRIA - MUDANÇAS E PERSISTÊNCIAS: A PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO / 2008 FRANCA 2010 CÉLIA MARIA DAVID CURRÍCULO DE HISTÓRIA - MUDANÇAS E PERSISTÊNCIAS: A PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO / 2008 Tese de Livre-Docência apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” para obtenção do Título de Livre-Docente no Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional, no conjunto de disciplinas Prática Geral I e Prática Geral II. FRANCA 2010 CÉLIA MARIA DAVID CURRÍCULO DE HISTÓRIA - MUDANÇAS E PERSISTÊNCIAS: A PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO / 2008 Tese de Livre-Docência apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” para obtenção do Título de Livre-Docente no Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional, no conjunto de disciplinas Prática Geral I e Prática Geral II. COMISSÃO EXAMINADORA Presidente: ________________________________________________________ Prof. Dr. Ubaldo Silveira – UNESP/FCHS 2º Examinador: _____________________________________________________ Profa.Dra. Maria Ângela Rodrigues Alves de Andrade- UNESP/FCHS 3º Examinador: _____________________________________________________ Profa. Dra. Lúcia Emília Nuevo Barreto Bruno – USP 4º Examinador: _____________________________________________________ Profa. Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – UFSCar 5º Examinador: _____________________________________________________ Prof.Dr. José Aparecido da Silva-USP Franca, 19 de novembro de 2010. A todos que contribuíram para a realização deste trabalho que, acima de tudo, é o depoimento de uma vida dedicada à causa da educação. Agradeço: A Deus pelo dom da vida; da minha vida do jeitinho que ela é, e que, neste jeitinho, me fez reconhecer sua Grandeza. Aos que participam do meu dia a dia: meu filho, minha mãe, meu saudoso pai, aos amigos queridos que conseguiram transformar os longos momentos de minha ausência em manifestações de apoio e compreensão, muito obrigada; estou de volta. Aos professores Dra. Helen Barbosa Raiz Engler, Dr. Ivan Aparecido Manoel, Dr. João Cardoso Palma Filho e Dra. Maria Ângela Rodrigues Alves de Andrade pela parceria amiga. Aos protagonistas deste trabalho: Diretoria Regional de Ensino de Franca e sua equipe, diretores, professores coordenadores e professores pela acolhida, disponibilidade e colaboração irrestrita. Às funcionárias Conceição Aparecida Simões Martins Ribeiro, Laura Odette Dorta Jardim e Sandra Mara Bonfin pelo apoio integral na realização deste concurso. À Neide Miyoko Nakaoka pelo carinho e dedicação com que se envolveu com este trabalho. À Lucileida Mara de Castro e Felipe Ziotti Narita pela preciosa colaboração. DAVID, Célia Maria. Currículo de história - mudanças e persistências: a proposta curricular do Estado de São Paulo / 2008. 2010. 301 f. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2010. RESUMO Esta pesquisa teve como objeto de estudo a Proposta Curricular de História do Estado de São Paulo implantada no ano de 2008, como uma das metas do plano político do Estado para melhoria dos indicadores de qualidade do ensino nas escolas públicas do sistema educacional paulista. O objetivo foi conhecer e analisar o processo de elaboração e os mecanismos de implementação desta proposta na perspectiva histórica do tempo longo, pontuando mudanças e persistências como indicadores das relações que configuram a dimensão social das políticas educacionais brasileiras, assente no binômio ideologia e poder. A pesquisa orientou- se pela análise do kit de documentos que a compõem, a legislação pertinente e bibliografia especializada, seguida de procedimento de natureza exploratória realizada de forma qualitativa com base na análise de conteúdo. O espaço delimitou- se às escolas públicas estaduais da Diretoria Regional de Franca, como representativo do sistema educacional paulista. A pesquisa foi realizada em três escolas do ciclo II do Ensino Fundamental e contou com a participação do aluno estagiário do 4º ano do Curso de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, campus de Franca, cujos relatórios de estágio alargaram os referenciais e permitiram que fossem cruzados os dados das entrevistas realizadas com os professores de História e a equipe gestora das escolas pesquisadas e da Diretoria Regional de Ensino. Nesta análise, foi possível constatar o procedimento tecnicista e unilateral na elaboração da proposta e a forma autoritária, hierárquica e verticalizada no processo de implantação. Os profissionais da educação envolvidos - professores e gestores - não foram ouvidos. Colocou-se em xeque a autonomia da escola na elaboração do seu projeto político – pedagógico e do professor na sala de aula. Ademais, o formato padronizado e homogeneizador do currículo não considerou, em sua elaboração, as diferenças regionais e as particularidades das escolas em seus elementos físicos, materiais e humanos. Trata-se de uma proposta alinhadas às determinações dos organismos internacionais, particularmente do Banco Mundial. Palavras-chave: política educacional. reforma curricular. currículo. competências. habilidades. mudanças e persistências. DAVID, Célia Maria. Currículo de história - mudanças e persistências: a proposta curricular do Estado de São Paulo / 2008. 2010. 301f. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2010. ABSTRACT This research intends to analyze the Curriculum Proposal for the Teaching of History of the State of São Paulo established in 2008 as one of the political goals of the State in order to improve the quality of the teaching at public schools of the educational system of São Paulo. The goal of this study is to identify and analyze the process of elaboration and implementation mechanisms of this proposal according to the long- time historical perspective, emphasizing changes and continuities as indicators of relationships that point out the social dimension of the Brazilian educational policies, based on the binomial ideology and power. The research deals with the analysis of the documents kit, the relevant legislation and specialized bibliography as well, followed by an exploratory procedure performed in a qualitative way based on the content of the analysis. The space was delimited to elementary public schools of Franca Regional Education Board as a representative sample of the educational system of São Paulo. The research was conducted in three schools of cycle II of the Elementary School and counted on the participation of the 4th-grade student of History course from Faculty of Human and Social Sciences of Unesp (São Paulo State University, Franca – SP), whose reports allowed us to compare the interview data obtained from teachers of History as well as from the management team of the schools. This analysis made possible the observation of the technicist and unilateral procedures in the proposal, as well as the authoritarian, hierarchical and vertical way in the implementation process. The education professionals involved - teachersand administrators - were not heard: on the one hand, it threatens the school autonomy in drawing up their political-pedagogical project; on the other hand, it also threatens the teacher autonomy in the classroom. Furthermore, the standardized and homogenizing format of the curriculum did not consider in its development some regional differences and particularities of the schools in its physical, material and human resources. This is a proposal aligned with the assessments of international organizations like the World Bank. Keywords: educational policy. curricular reform. curriculum. competences. abilities. change and persistence LISTA DE SIGLAS APM Associação de Pais e Mestre ATP Assistente Técnico Pedagógico CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas CERHUPE Centro de Recursos Humanos e Pesquisas Educacionais Prof. Laerte Ramos de Carvalho CFE Conselho Federal de Educação CONED Congresso Nacional de Educação DREs Divisão Regional de Ensino EMC Educação Moral e Cívica EF Ensino Fundamental EJA Educação para Jovens e Adultos EM Ensino Médio ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FDE Fundação para o Desenvolvimento da Educação FHC Fernando Henrique Cardoso FHDSS Faculdade de História, Direito e Serviço Social FMI Fundo Monetário Internacional FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação HTPC Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo IDESP Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IQ Adicional por Qualidade LDB Lei de Diretrizes e Bases MEC Ministério da Educação ONU Organização das Nações Unidas OFA Ocupante de Função Atividade OSPB Organização Social e Política do Brasil PEC Programa de Educação Continuada PC Professor Coordenador PCNS Parâmetros Curriculares Nacionais PCP Professor Coordenador Pedagógico PCOP Professor Coordenador da Oficina Pedagógica Pisa Programa Internacional de Avaliação de Alunos PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola PNE Plano Nacional de Educação PROUNI Programa Universidade para Todos PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PUC Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RPG Role Playing Game SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica Saresp Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SE Secretaria da Educação SEE Secretaria de Estado da Educação TSE Tribunal Superior Eleitoral UE Unidade de Ensino UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Tecnologia UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” USP Universidade de São Paulo http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&cd=2&ved=0CB8QFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.unesco.org%2F&ei=jMy4TMTXKcOB8gaysoS6Dg&usg=AFQjCNGothJfQFH0qdN7f5d6BxaB3HG-IQ&sig2=xmxNowmEGkkexdxU2VaF2Q LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - A História do Brasil na Proposta Curricular – Ensino Fundamental........................................................................158 QUADRO 2 - Ensino Fundamental - Carga horária e temas do 2º bimestre.....168 QUADRO 3 - Ensino Fundamental - Carga horária e temas do 2º bimestre.....169 QUADRO 4 - Ensino Fundamental - Carga horária e temas do 2º bimestre.....170 QUADRO 5 - Ensino Fundamental - Carga horária e temas do 2º bimestre.....171 QUADRO 6 - Habilidades e Competências - 5ª série do Ensino Fundamental 174 QUADRO 7 - Habilidades e Competências – 6ª série do Ensino Fundamental 175 QUADRO 8 - Habilidades e Competências – 7ª série do Ensino Fundamental 176 QUADRO 9 - Habilidades e Competências – 8ª série do Ensino Fundamental 177 QUADRO 10 - Apresentação dos professores....................................................197 QUADRO 11 - Apresentação dos professores coordenadores .........................200 QUADRO 12 – Apresentação do Pcop................................................................202 QUADRO 13 - Avaliação da proposta pelos professores de História...............208 QUADRO 14 - Avaliação da proposta pelos professores coordenadores........210 QUADRO 15 - Avaliação da proposta pelos diretores .......................................211 QUADRO 16 - Avaliação da proposta pelos supervisores.................................212 QUADRO 17 - Avaliação da proposta pelo PCOP...............................................212 QUADRO 18 - Avaliação da proposta pelo Dirigente Regional de Ensino .......213 SUMÁRIO UM COMEÇO DE CONVERSA ................................................................................12 ENTRANDO NO ASSUNTO .....................................................................................18 CAPITULO 1 A PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO/2008...... 28 1.1 Caracterizando o objeto de pesquisa..............................................................29 1.2 Reflexos do dilema centralização x descentralização nas políticas educacionais .....................................................................................................43 1.3 A LDB nº 9394/96: gestão democrática, autonomia da escola e projeto político pedagógico ...........................................................................................67 1.3.1 Escola ..............................................................................................................68 1.3.2 Gestão democrática .........................................................................................78 1.3.3 Autonomia .......................................................................................................83 1.3.4 O Projeto Político Pedagógico .........................................................................93 CAPÍTULO 2 SOBRE O CURRICULO ...................................................................102 CAPÍTULO 3 GESTÃO DO CURRIUCLO NA ESCOLA ........................................126 CAPÍTULO 4 A HISTÓRIA NA PROPOSTA CURRICULAR ................................140 4.1 Concepção e conteúdos.................................................................................155 4.2 O Caderno do professor .................................................................................161 4.2.1 Folheando o caderno: um olho cá, outro lá ....................................................161 4.2.2 O ensino de História no Caderno do Professor ..............................................167 4.3 O Caderno do aluno ........................................................................................185 CAPÍTULO 5 DA PESQUISA DE CAMPO ............................................................196 CONSIDERAÇÕES FINAIS: INVENTAR A RODA? ..............................................216 REFERÊNCIAS.......................................................................................................225 APÊNDICES Apêndice A - Entrevista com o Professor ...........................................................243 Apêndice B - Entrevista com o Professor- Coordenador ..................................246 Apêndice C - Entrevista com o Diretor...............................................................248 Apêndice D - Entrevista com o PCOP .................................................................250 Apêndice E - Entrevista com o Supervisor........................................................252 Apêndice F - Entrevista com o Dirigente Regional ...........................................254 ANEXOS Anexo A - Programa de História para o Ensino Fundamental ( 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries) ...................................................................................................257 Anexo B - Programa de História para o Ensino Médio ( 1ª, 2ª e 3ª séries) .......259 Anexo C - Proposta Curricular do Estado de São Paulo/2008 ..........................261 Anexo D - 5. Organização do Trabalho do Professor Coordenador .................297 UM COMEÇO DE CONVERSA... Esta pesquisa insere-se no âmbito das políticas educacionais, trata-se, portanto de um capítulo da História da Educação Brasileira. Como parte de um plano político para a melhoria da qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo propôs, em 2008, uma Nova Proposta Curricular para os níveis de ensino Fundamental (Ciclo II) e Médio da rede pública do Estado de São Paulo com a justificativa explícita: “[...] atender à necessidade de organização do ensino em todo o Estado” (CASTRO, 2008, v. 1, p. 5). Considerei procedente a realização de um trabalho investigativo sobre a nova proposta, nos limites da Rede Oficial de Ensino da Diretoria Regional de Franca, dando continuidade aos trabalhos realizados, até então, dentro da mesma perspectiva: o ensino de História na pauta da implementação das políticas educacionais. Debruço-me sobre as questões relativas ao ensino de história desde as discussões preliminares que culminaram com a publicação da Proposta Curricular para o ensino de História do 1º grau, em 1992, justamente porque aquele momento anunciava mudanças substanciais com relação à concepção de História e ao ensino da disciplina, o que, por via de consequência, demandava a revisão na formação do profissional para aquele nível de Ensino. A Proposta Curricular de 1992, ainda que não tenha representado ou mesmo correspondido às expectativas geradas pelos debates e controvérsias que visavam não só dar conta de recuperar o objeto da História diluído com a Geografia na disciplina Estudos Sociais, mas colocou em pauta a concepção de História e seu ensino, envolvendo, portanto métodos e currículos, foi para a rede de ensino de 1º e 2º graus, hoje Fundamental e Médio, com a indicação de se redefinir o programa e as questões ligadas ao ensino da disciplina. Os conteúdos foram dispostos em eixos temáticos e uma nova compreensão do aluno, visto como sujeito da História e do seu aprendizado foi o indicativo para as questões ligadas ao processo ensino- aprendizagem da História (GIGANTE, 1977; PETRUCCI, 1997; FONSECA, 1994; MARTINS, 1996). Interessada em conhecer como a prática pedagógica do professor de História do Ensino Fundamental se articulava com as novas orientações realizei, entre os anos de 1998-2001, com a participação do aluno estagiário do Curso de História, a pesquisa Mudanças e resistências que permeiam o processo ensino-aprendizagem em História: uma revisão historiográfica e pedagógica no ensino público fundamental de Franca, (DAVID, 2001). Os resultados aos quais esta pesquisa chegou demonstraram que a maioria dos professores não conhecia e, mesmo aqueles que declararam conhecê-la não colocavam em prática as orientações contidas naquele documento. Pude perceber que a vontade de mudar era barrada pelo medo do novo; era, sobretudo, uma resistência ancorada na insegurança. O mais sensato consistia em permanecer como estava, em fazer como havia aprendido a fazer. No entanto, o contato com as escolas permitiu-me uma visão bem mais ampla com relação aos posicionamentos de mudança, resistências e persistências do que aquele restrito ao processo ensino-aprendizagem de História. A dinâmica escolar como um todo, à revelia das mudanças que defende e, sobretudo, propala, permanecia centralizadora, elitista, conservadora (DAVID, 2001, p. 95). As idéias pedagógicas circunscritas ao movimento de mobilização dos anos de 1980, ainda que tenham ganhado espaço nas pesquisas e na literatura preocupada com a democratização da educação, inclusive fomentando os debates, não conseguiu se impor na prática pedagógica da sala de aula e também da escola como um todo, sem desconsiderar, entretanto, alguns direcionamentos pontuais. Aquele trabalho constituiu-se como “guarda–chuva” das pesquisas e dos projetos de ação pedagógica que venho realizando, ainda hoje, individualmente ou com a participação de alunos estagiários e/ou bolsistas do Curso de História. Durante o processo investigativo, diante da dificuldade dos professores da rede com aquela Proposta Curricular, notadamente com os eixos-temáticos, propus um projeto de ação-pedagógica por intermédio do Núcleo de Ensino da UNESP, para ser desenvolvido com os professores de História do Ensino Fundamental das escolas estaduais de Franca: Produção do conhecimento histórico, uma experiência através da música que teve curso durante os anos de 1997-1998. Este projeto contou com a participação de alunos bolsistas do Curso de História da Faculdade de História da UNESP/ Franca. O objetivo foi propiciar aos licenciandos e aos professores de História o contato e a exploração da linguagem musical como documento histórico e a sua utilização como recurso didático-pedagógico. Foi um projeto que, na medida em que introduzia uma nova linguagem para o ensino da disciplina, acumulou a pesquisa durante todo processo, de acordo com os princípios norteadores da Proposta Curricular, então em curso. Em 1998, numa iniciativa do governo federal, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais como referenciais de qualidade para o Ensino Básico de todo o país. Numa abrangência de âmbito nacional, este documento manteve os mesmos princípios norteadores da Proposta Curricular do Estado de São Paulo de 1992, o que indicou a continuidade na direção dos projetos que eu vinha desenvolvendo. No ano seguinte (1999) um outro projeto, também de ação pedagógica realizado por intermédio do Núcleo de Ensino: Produção do conhecimento histórico, uma experiência através da música; os anos 70/80, dava continuidade ao trabalho com a linguagem musical, a partir de um recorte temporal e de maneira interdisciplinar com os professores de Educação Artística e de Língua Portuguesa em uma 7ª série do Ensino Fundamental de uma escola estadual de Franca. O objetivo maior era fornecer subsídios para o professor de História trabalhar com os eixos temáticos e permitir ao licenciando, então bolsista do projeto, uma experiência didático-pedagógica comprometida com a renovação do ensino da disciplina. (DAVID; SILVA, 2000; DAVID, 2001b). O resultado foi altamente positivo porque atingiu, em muito, os objetivos propostos, o que posso sintetizar na manifestação de grande parte dos alunos a partir do relato quase que generalizado: “[...] eu pensava que História era só matéria, era só ponto, agora sei que não é [...] É legal para saber o que está acontecendo hoje, qual é o meu papel no mundo. É preciso relacionar os fatos desde antigamente, e isso é muito importante.” (DAVID, 2001b, p. 71). Com o professor não foi diferente, embora tenha sido um caso pontual dado que ele não se sentia seguro para dar continuidade ao trabalho. Final do ato, cerraram-se as cortinas e a rotina tomou conta do outro dia, conforme o demonstrou a pesquisa. Aquele trabalho teve continuidade. Outro projeto, nas mesmas condições, foi desenvolvido no ano seguinte (2000) em uma 8ª série: Produção do conhecimento histórico, uma experiência através da música: história das representações e das relações de poder, sempre com resultado animador. Considerando-se a necessidade de um maior envolvimento da universidade coma rede pública de ensino básico, paralelamente aos projetos de ação pedagógica realizados por intermédio do Núcleo de Ensino, procurei inserir a participação dos alunos estagiários do Curso de História no meu projeto trienal (2001-2003): Mudanças e resistências que permeiam o processo ensino- aprendizagem em História: um projeto alternativo de ação pedagógica. A abordagem construtivista no ensino de História. Tal como os outros mencionados, este trabalho demandou, como primeiro passo, o estudo atento dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Em seguida foram planejadas as aulas de regência para serem ministradas nas salas de aula das escolas, sede de estágio. Na preparação das aulas cuidou-se de atender aos eixos temáticos das respectivas séries e introduzir a exploração de pelo menos duas fontes, por exemplo, música e texto ou poesia e filme, sugeridos de acordo com o tema da aula e a opção do estagiário. Sucessivamente outros projetos foram sendo desenvolvidos, e posteriormente publicados pela Pró - Reitoria de Graduação (Prograd) da Unesp, a saber: A utilização da linguagem cinematográfica no ensino de História (DAVID, Célia Maria; SILVA, Melissa Carolina Marques; OLIVEIRA, Paula Vanessa Moscardini, 2003); Nós fazemos História: o uso do RPG numa 8ª série, na cidade de Franca, SP (DAVID, Célia Maria; BIROCCHI, Thiago Luiz, 2006); Mudanças e resistências que permeiam o processo ensino-aprendizagem em história; PCN: a teoria e a prática. (DAVID, Célia Maria; VITTA, Mariana Canavezi, 2007). Recursos didáticos; fontes e linguagens no ensino de História (DAVID, Célia Maria; VITTA, Mariana Canavezi, 2008). Orientação Sexual: dos caminhos e descaminhos da implementação dos temas transversais no ensino fundamental (2008); Música: uma ferramenta para o estudo da história projeto desenvolvido no ano de 2009 e em continuidade em 2010; Construção do conhecimento histórico: a História que se conta, se canta e se ensina; uma pesquisa sobre eixos temáticos e a linguagem musical no ensino de História (2007-2009). Acrescente-se ao relato a participação sistemática em encontros, congressos e simpósios voltados para o educador, inclusive com destaque para a criação de um Simpósio de Educação no campus de Franca, com cronograma de realização a cada dois anos: Políticas educacionais em debate que teve sua primeira versão no ano de 2007 e a segunda em 2009. Outras atividades acadêmicas voltadas para a avaliação das políticas educacionais, carecem sejam citadas: na Pós-Graduação em Serviço Social, na qual atuo como docente e orientadora, o projeto: A dimensão social nas políticas educacionais; a democratização do ensino-crise e mudança (da Lei nº 5692/71 e Lei nº 9394/96). Na mesma direção projetos em parceria que foram além dos muros da UNESP permitindo um amplo olhar sobre a educação no Estado de São Paulo, de norte a sul, de leste a oeste, da capital e do interior: A experiência da Educação Continuada no Programa Especial de Formação Universitária de Professores da SEE/SP projeto realizado no Programa (PEC) - Formação Universitária em parceria Unesp/Usp/Puc São Paulo e Secretaria de Estado de Educação (SEE) - (2001 a 2002). O Projeto Institucional/UNESP Pedagogia Cidadã sob a ótica da Coordenação de Atividades dos Polos (2004-2006); A Assessoria e supervisão das coordenações locais do Projeto Institucional UNESP/Pedagogia Cidadã; uma proposta de pesquisa-ação (2003 a 2005); Avaliação e análise dos resultados observados a partir da implementação do Programa Pedagogia Cidadã: Turma III (2005 a 2007). Vale lembrar o trabalho realizado junto à Teia do Saber, como vice-coordenadora e docente (2004, 2005, 2006). Acrescente-se a criação da Revista Eletrônica: “CAMINE: Caminhos da Educação” numa iniciativa do grupo de Pesquisa do qual sou líder - Políticas públicas e democratização do ensino no Brasil: a implementação das propostas educacionais-mudanças e permanências. Trata-se de um espaço aberto às discussões ligadas à implantação e implementação das políticas educacionais. O que pretendi com a apresentação dos trabalhos desenvolvidos foi demonstrar que o estudo investigativo sobre a Proposta Curricular de História do Estado de São Paulo/2008 está alicerçada, sobretudo, em dados que garantem o diálogo possível com outros tempos; outros atores, num mesmo espaço e numa mesma ação: a escola pública. Garante-se o espaço e abre-se a possibilidade de demarcar semelhanças, diferenças, persistências que interessam a esta pesquisadora notadamente a partir da implantação da Proposta Curricular para o ensino de História em 1992. Vale acrescentar: trata-se de uma experiência sustentada na esperança que deposito na educação como veículo potencial de transformação da sociedade, e que pinta em cores vibrantes as cenas amareladas que compõem o cenário educacional brasileiro: fotografias persistentes que meus olhos investigativos puderam visualizar e minha vida docente sentir desde a primeira experiência no magistério estadual paulista, nos idos anos de 1967. ENTRANDO NO ASSUNTO Uma pesquisa em educação quer na amplitude macro de uma política educacional, quer no micro-espaço da escola, ou da sala de aula, ganha sentido para além de leis, decretos e mensurações de resultados. Ela desafia as aparências para buscar os significados das ações e das relações que se constroem e se ocultam nas estruturas sociais; todavia, não desconsidera a quantificação, pelo contrário, a maioria se orienta por ela. Pesquisar a Proposta Curricular do Estado de São Paulo/2008, significou para mim, procurar entender, ou pelo menos refletir sobre o que considero como fechamento de um círculo traçado pelos caminhos do ensino da História no estado, cujo marco inicial pode ser demarcado na década de 1980, como representativo do movimento pela (re)democratização da educação do país, mas que, sensivelmente, foi perdendo forças para ceder espaço a uma nova investida oficial. O desenvolvimento deste trabalho assentou-se em dois eixos que considero de suma importância para a compreensão dos caminhos da educação no Estado de São Paulo: um que diz respeito ao contexto e trata do relevo das políticas estaduais para a educação: propostas, concepções, mecanismos de implantação e implementação e, o outro, à percepção dos reflexos da fundamentação e dos princípios norteadores da Proposta Curricular no cotidiano da escola e de maneira particular na História e seu ensino, por intermédio da prática docente. São dois eixos que, em que pese a importância do alcance, só ganham sentido se considerados em seus próprios pressupostos e na inter-relação entre um e outro. O primeiro diz respeito ao contexto e à análise documental basicamente assente nos textos legais, a saber: as Constituições Brasileiras, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDBs): Lei nº 4024/61 e Lei nº 9394/96, a Lei nº 5692/71, portarias e resoluções, culminando na Proposta Curricular de 2008 e seu kit de documentos. Importou, portanto, desvelar o fio condutor dos acontecimentos, seus sentidos, articulações e encadeamentos numa teia maior, considerada na duração de tempo longo, sob a perspectiva mental onde as mudanças e persistências são urdidas nas relações de poder. Impôs-se, inicialmente, contextualizar a proposta tendo-se como norte, as políticas de cunho neoliberal que nortearam as iniciativas do governo brasileiro a partir dos anos de 1990. Neste mesmo expediente, distinguiu-se a necessidade de se conhecer os documentos que a compõem e os direcionamentos tomados na implementação das ações, especialmente dialogar com eles com base em questionamentos que se põem ao presente e ao local, de maneira situada, ou seja, com fundamento no contexto político, econômico, social e ideológico em que está inserida. Um desafio à ponta do iceberg, que guarda nos meandrosprofundos que o configuram uma tessitura complexa, bem maior que as evidências. Desvelar o lastro submerso que o sustenta significa perscrutar toda urdidura mental passível de ser compreendida nas mudanças, permanências e resistências que, na longa duração, configuram o seu alicerce; são movimentos que se articulam com as ideologias e ganham expressão nas relações de poder. A pesquisa de campo respondeu pelo segundo eixo que, circunscrito à cidade de Franca, teve como meta buscar captar e entender a dimensão prática de desenvolvimento do currículo, na complexidade da dinâmica escolar, como um todo e os reflexos do modelo de implementação dentro da sala de aula, na prática docente. Este trabalho foi realizado de maneira conjugada com o aluno estagiário do 4º ano do Curso de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP, Campus de Franca, por intermédio da disciplina Prática de Ensino, ministrada por esta pesquisadora e diz respeito diretamente ao ensino de História praticado nas salas de aula. O estagiário representa a ponte, pode-se dizer única, da Universidade com a rede de ensino público; caminho de ida e de volta na construção da relação. O contato, por intermédio de uma dinâmica investigativa teve como meta colaborar na dilatação do campo visual para que o graduando, futuro professor, pudesse construir uma visão real e crítica do seu local de trabalho; perceber e posicionar-se diante da complexidade da instituição escola gerida na trama das relações condicionantes do sistema educacional. A disciplina Prática de Ensino não é a salvadora da pátria ou o lugar onde o aluno aprende a dar aulas, mas tem sido sim, o espaço em que o formando estabelece um diálogo com a Rede Oficial de Ensino Básico. Em grupos compostos por uma média de cinco alunos foi possível, a partir de observação sistemática, acompanhar, in loco, o trabalho de 25 professores de História em 38 classes do Ciclo II, do Ensino Fundamental das escolas públicas estaduais de Franca, no período de 2008-2010. Os relatórios das observações em sala de aula, enriquecidos com a observação alargada da dinâmica da escola permitiram dilatar as informações. Para a análise do processo de elaboração e implantação da proposta apoiei- me no conceito de objetivação do currículo de Gimeno Sacristán (2000, p. 104), tendo-se com o autor que: “[...] desentranhar o processo de ‘construção curricular’ é condição não apenas para entender, mas também para detectar os pontos nevrálgicos que afetam a transformação processual, podendo assim incidir mais decisivamente na prática.” A análise da relação escola e sociedade, com base nas teorias pedagógicas de Dermerval Saviani e José Carlos Libâneo permeou todo trabalho como recurso de buscar-se maior inteligibilidade da dinâmica escolar que permanece elitizada, mesmo diante do que se pretendeu como universalização da educação, a partir da década de 1980. A expressão dos que permanecem à margem regurgita nos índices das taxas de reprovação e evasão escolar tendo representação comprometedora o analfabetismo funcional altamente propalado pela mídia. A abordagem qualitativa orientou os procedimentos metodológicos de análise, buscando penetrar para além da mensuração estritamente quantificável e suas representações generalizantes, sem desconsiderar e até mesmo assinalar a necessária contribuição de outros procedimentos de pesquisa e análise de dados. A prioridade da abordagem selecionada assenta-se no interesse de se compreender o que está para além dos dados por não considerá-los neutros, ou que falem por si mesmos, como o determina a relação causal de inspiração positivista. Nesta linha de raciocínio importou perceber de que modo os princípios teóricos e didáticos metodológicos norteadores da proposta articulam-se com a prática pedagógica do professor de História do Ciclo II, do Ensino Fundamental, provocando mudanças ou persistências. Ademais, indicou-se a necessidade de se perceber, numa abrangência maior, em que grau as políticas que norteiam o local, o regional e o nacional constituem-se em expressões de tendências que se impõem internacionalmente. Estamos diante de uma reforma curricular, e como nos lembra Palma Filho (2004, p. 90) no caso brasileiro, “[...] talvez em razão de nossa ascendência ibérica, o currículo sempre foi um forte fator de controle social.” Os estabelecimentos de ensino foram visitados quinzenalmente pelos alunos estagiários; com a mesma ocorrência, em datas alternativas, as discussões durante as aulas de Prática de Ensino possibilitavam o aclaramento das interpretações, pelas semelhanças ou discordâncias, por meio dos referenciais teóricos, que também foram, gradativamente, ampliados. À medida que estes primeiros passos da pesquisa ganharam fôlego e o quadro da arte foi se configurando, questões basilares deste trabalho passo a passo se demonstraram instigantes: - como o professor avalia a proposta? - qual foi a participação do professor na elaboração do currículo em andamento? - o professor teve oportunidade de conhecer e discutir a proposta antes do processo de implementação? - quais os impactos com relação à prática pedagógica e com relação aos conteúdos? - a proposta curricular, como estabelecida e colocada em prática fere a autonomia do professor? Ou qual é o limite de autonomia do professor na sala de aula em face da proposta curricular? Estas questões, voltadas especialmente para o entendimento do processo de implementação da proposta reclamaram o complemento dos dados, de modo a aprofundar e garantir a abrangência e o significado da investigação. Foi assim que este aporte configurou-se como de pertinente contribuição para a seleção dos sujeitos. Os limites da pesquisa alargaram-se e a equipe gestora das escolas e da Diretoria Regional passaram a compor o universo da pesquisa como segmentos de singular importância para a compreensão do caminho percorrido pela Secretaria de educação até a unidade escolar e a sala de aula. O design das entrevistas pouco a pouco foi se configurando. A opção pela entrevista semiestruturada foi de garantir tanto os objetivos do pesquisador como não condicionar a padronização das respostas e fechar as possibilidades de alternativas outras, de não menor importância, que poderiam ser sugeridas pelas respostas dos entrevistados (MANZINI, 2003). Ademais, em última instância, esta é uma técnica que permite o tratamento mais sistemático dos dados, o alargamento temático e de possibilidades de análise do objeto em questão. O roteiro das entrevistas foi elaborado previamente sobre um plano comum básico, mas com questões complementares específicas para cada segmento, com o dirigente regional de ensino de Franca, três supervisores de ensino, selecionados entre os mais diretamente envolvidos com a proposta, o professor coordenador da Oficina Pedagógica (PCOP) de História, três diretores de escola, três professores coordenadores e sete professores de História do Ciclo II, do Ensino fundamental.1 As entrevistas realizadas com a equipe de gestão do currículo buscaram captar o processo de elaboração e implantação da proposta. Com os professores buscou-se desvelar a dinâmica da sala de aula, compreendendo a História e o processo ensino-aprendizagem, ou seja, concepção, conteúdos e prática- pedagógica, o que evidentemente revelou-se articulado ao processo de implementação. O roteiro das entrevistas com os professores, sem fugir do motivo central, teve como objetivo perceber o papel do professor para além do executor da tarefa. Para dizer de outra forma, quis avaliar qual foi a participação deste profissional na elaboração do currículo e perceber o nível de apropriação dos fundamentos e dos princípios procedimentais prescritos, na sua prática pedagógica. Impôs-se a necessidade de se conhecer a articulaçãoda equipe da Diretoria Regional, com a Secretaria da Educação, de quem é o braço direito, e com as escolas sob sua direção. Na mesma medida, importou entender como o processo de implementação desta política permeou as relações dentro da escola. A questão chave neste patamar, para mim, foi saber o posicionamento destes profissionais com relação à ineficiência da política descentralizadora da LDB que deu autonomia às escolas de definirem seus próprios projetos pedagógicos. Dessa forma, foi possível confrontar a visão de toda a equipe envolvida com a operacionalização do currículo; por um lado a equipe gestora, por outro, o professor, foco privilegiado das ações. Em sentido amplo, há que se considerar o desvelamento de um quadro maior, que tem na perspectiva das relações de poder – micro e macro - para lembrar Foucault, a sua materialização. Frise-se, nessas relações, a inserção de tendências que, na perspectiva de um mundo globalizado, impõem-se internacionalmente e que, no âmbito de uma política neoliberal, traçou um novo roteiro para as políticas sociais dos países periféricos, em cujo projeto global a educação se redefine em termos de mercado, submetendo-se aos mecanismos deste (SILVA, 1999; SANFELICE, 2003; PALMA FILHO, 2004, 2005; MORROW; TORRES, 2004). Neste panorama os problemas educacionais não são 1 Toda pesquisa de campo foi realizada dentro do que prescreve a Resolução nº 196/1996, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e demais resoluções complementares à mesma (n.º 240/1997, n.º 251/1997, n.º 292/1999, n.º 303/2000, n.º 304/2000, n.º 340/2004, n.º 346/2005, n.º 347/ 2005 e n.º 370/2007). tratados como questões políticas, mas como questões técnico-administrativas. Assim, as questões educacionais são avaliadas como consequência de “métodos atrasados” e ineficientes de ensino e de currículos anacrônicos e inadequados, e a situação desalentadora, em geral, enfrentada pelas escolas, é tida como resultado de uma má gestão; um problema de ordem administrativa (SILVA, 1999, p. 18-19). Na abordagem qualitativa, como bem observa Chizzotti (2003, p. 83), “[...] todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que identificam”, o que justificou a seleção dos instrumentos de pesquisa: análise de documentos, observações, questionários e entrevistas. O contato inicial com os professores foi empreendido pelos estagiários com a finalidade específica deste trabalho, desde o ano de 2008 compreendendo: observação nas salas de aula, entrevistas e conversas informais com toda equipe escolar. As entrevistas com a equipe gestora foram realizadas por esta pesquisadora que também participou de reuniões de Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) nas mesmas escolas dos diretores e dos professores coordenadores entrevistados e teve oportunidade de acompanhar as discussões de planejamento e conversar informalmente com os professores, resultando não só no enriquecimento dos dados, mas na definição das categorias analisadas: - A concepção, elaboração, divulgação e implementação da Proposta Curricular do Estado de São Paulo/2008; - A orientação didático-pedagógica no desenvolvimento dos conteúdos e a prática pedagógica do professor; - A concepção de História e a seleção dos conteúdos. O espaço delimitado, conforme dito anteriormente,foi a Rede Oficial de Ensino da Diretoria Regional de Franca, entre os anos de 2008-2010. A perspectiva didático-metodológica do recorte quer espacial, quer na delimitação temporal, não isola o objeto, e nem teria sentido nesta proposta de análise, o que não restringe e tampouco desvaloriza enfoques que buscam o objeto no seu particular. O que se propôs foi uma abordagem que conferiu ao objeto o status de centro gerador do diálogo, da dialética entre presente e passado, do singular e universal na perspectiva da longa duração; sob meu ponto vista, referencial teórico-metodológico capaz de oferecer uma maior inteligibilidade das políticas educacionais brasileiras; com esta em questão, não seria diferente. O presente é o momento palpável da historicidade humana e, portanto, só pode ser compreendido pelas suas raízes, seus elos com o passado. Com o objetivo de responder às questões formuladas este trabalho foi formalizado em cinco capítulos: A proposta curricular de História do Estado de São Paulo abre o trabalho como primeiro capítulo, constituindo-se como palco das cenas que comporão o espetáculo. Foi apresentado sob três subtítulos: o primeiro: Caracterizando o objeto de pesquisa no qual o start foi dado com as bases oficiais de sua elaboração, ou seja, as justificativas constantes da Carta de apresentação da Proposta aos Gestores e Professores, singularmente no que se refere às críticas feitas à descentralização e à autonomia das escolas. Um posicionamento que me instigou a retomar, na História da Educação Brasileira, o velho dilema centralização versus descentralização que permeia os ditames das políticas educacionais, o que fiz na arguição do tema com fundamento nas Constituições Brasileiras desde a primeira do Império, a de 1824, sob o segundo subtítulo: Reflexos do dilema centralização versus descentralização nas políticas educacionais. Este percurso culminou na Lei nº 9394/96 (LDB) e ganhou corpo conforme o indica o terceiro subtítulo - A LDB nº 9394/96: a escola, a gestão democrática, a autonomia e o projeto político pedagógico. Neste capítulo, minha preocupação foi colocar em pauta a autonomia da escola e a elaboração do Projeto Político Pedagógico, na perspectiva da gestão democrática tal como está disposto no art. 3º da LDB, na plataforma de uma tática descentralizadora, considerada ineficiente pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O segundo capítulo, intitulado: Sobre o currículo foi desenvolvido com elementos que compõem o título Uma educação à altura dos desafios contemporâneos que encabeça a apresentação do Documento 1 e com os que caracterizam os Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo, a saber: uma escola que também aprende, o currículo como espaço de cultura; as competências como referência; prioridade para a competência da leitura e da escrita; articulação das competências para aprender; articulação com o mundo do trabalho. Este estudo demandou se buscasse uma visão crítica e sociológica do currículo ajuizada na premissa de que ele não é anistórico, transcendente e atemporal, tampouco neutro, mas uma construção social e cultural, permeada pelas relações de poder, cujo embasamento teórico e conceitual foi referencialmente calcado em Tomaz Tadeu da Silva, Ivor Goodson; Michel Apple e Gimeno Sacristán. Uma proposta teórica, da envergadura e alcance intencionados, só ganha sentido na perspectiva do fôlego da implantação, mais precisamente da implementação, ressignificando-se; trabalho que foi feito na articulação com a pesquisa de campo que envolveu o estagiário do Curso de História, da Faculdade de História da Unesp/Franca, pensando-se no diálogo necessário da Universidade com a Escola de Ensino Básico, no licenciando e seu campo de trabalho preferencial, praticamente necessário: a escola pública. A implantação da proposta teve no professor coordenador o seu braço direito. A ele foi atribuída a função de “protagonista da implantação”, o encarregado de transformar o discurso na prática. Tal função teve orientação básica disposta em um documento especial: O caderno do gestor, organizado em três volumes, com o objetivo de fornecer “instrumentos” para que aquele profissional pudesse ocupar “com competência” a função a ele conferida. Uma análise deste documento tornou- se imprescindível, dado mesmo o lócus de suaação, diretamente na ponta do sistema. A leitura da implantação, por intermédio do referido documento, na alusão feita pela coordenadora geral da proposta, Maria Inês Fini (2008), destaca o papel primordial do professor coordenador na construção da primeira cena do teatro, aquela que “define a adesão do público à obra apresentada”. Este material orienta o desenvolvimento do terceiro capítulo: Gestão do currículo na escola O quarto capítulo, A História na proposta curricular foi desenvolvido tendo como leitmotiv às velhas questões: o que é, por quê, para que ou para quem ensinar História? Equivalendo dizer: qual é o papel da História como disciplina curricular na Escola de Ensino Fundamental. Buscando responder a estas questões busquei, neste capítulo, recuperar o status da História como disciplina escolar e o sentido que ela ganhou ao longo do tempo como componente curricular nacional. Neste percurso, estabeleci como medida da análise o sentido que ela foi tomando ao longo do tempo, nos diversos contextos políticos. A tentativa foi de perceber e colocar na pauta de discussão o conceito de História constante na Proposta Curricular em curso, o que fiz por meio dos princípios norteadores desta disciplina conforme o disposto no Caderno do Professor, onde, stricto sensu, as orientações didático- pedagógicas são expressas nas situações de aprendizagem e os conceitos traduzidos nas competências e habilidades a serem adquiridas no desenvolvimento de cada conteúdo, como procedimento comum a todos os componentes curriculares. Da pesquisa de campo é o quinto capítulo. Focalizando a escola pública em si e seu entorno, portanto de uma análise in loco, na ponta do sistema, com olhos na prática docente, em especial, procurei dar não só transparência, mas recuperar a dinâmica dos procedimentos de implementação orquestrados pela Secretaria de Educação com base nos posicionamentos de aceitação e ou rejeição que indicam, senão a legitimidade, mas a legitimação da política educacional em pauta. Os interlocutores foram identificados com relação às funções a eles atribuídas e também no concernente às relações hierárquicas que se expressam nas relações de poder. Inventar a roda? Neste capítulo, por fim, ainda que sem retoques, e sem arremates a fotografia está pronta, mas a pergunta permanece: inventar a roda? Não! A roda da educação brasileira, de longa data, está girando em falso. Melhor dar tempo ao tempo. CAPÍTULO 1 A PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO/2008 1.1 Caracterizando o objeto de pesquisa O ano letivo de 2008 das escolas públicas do Estado de São Paulo amanheceu de cara nova. Cara nova? Melhor, roupa nova. Não sei bem; talvez ... O fato é que a partir de 2008 uma Nova Proposta Curricular2 está sendo implantada no Ciclo II do Ensino Fundamental e Ensino Médio de todo o Estado. Trata-se de uma ação empreendida como “[...] parte de um plano político para a melhoria da qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas do Estado de São Paulo”, a partir do programa São Paulo Faz Escola3 (MURRIE, 2008, v. 1. p. 29). Fundamenta-se no currículo por competências previsto na Lei de Diretrizes e Bases, nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio e na matriz de competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Trata-se de uma iniciativa empreendida por Maria Helena de Castro4, nomeada Secretária da Educação do Estado após sete meses do início da gestão do governador José Serra. Em 2009, Paulo Renato de Souza assume a pasta e dá continuidade ao projeto. Questionar a nova proposta curricular é um convite para que se analise as relações entre o sistema educativo e as escolas, tendo-se, tal como o propõe Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), que, por um lado as políticas educacionais e curriculares não são neutras e vão determinar o tipo de sujeito a ser formado. Por outro, a possibilidade de que a escola, os professores podem aderir ou resistir a tais políticas e, em contrapartida, apresentarem uma nova prática formativa. Esta não é a primeira Proposta Curricular do Estado de São Paulo. A primeira pode ser localizada nos Guias Curriculares, propostos para as matérias do núcleo comum do ensino de 1º grau, como subsídio para a implantação da Lei nº 5692/71. A segunda, na contramão da primeira, foi fruto das discussões que tiveram início na 2 Ver Anexo C 3 “São Paulo faz Escola” é um programa em curso, instituído pelo governo do Estado de São Paulo. Visa ações educacionais conjuntas para apoiar os processos de consolidação do Currículo do Estado de São Paulo. 4 A coordenação da Proposta Curricular está composta pelos seguintes educadores: Execução: Coordenação Geral Maria Inês Fini; Concepção Guiomar Namo de Melo, Lino de Macedo, Luiz Carlos Menezes, Maria Inês Fini, Ruy Berger; Coordenação do desenvolvimento dos conteúdos programáticos e dos cadernos dos professores: Ghisleine Trigo Silveira; Coordenadores de Áreas para o desenvolvimento dos conteúdos programáticos e dos cadernos dos professores: Ciências Humanas e suas Tecnologias: 4 Ângela Correa e Paulo Miceli; Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Luiz Carlos Menezes; Linguagens Códigos e suas Tecnologias: Alice Vieira; Nilson José Machado. Autores: História: Diego Lopez Silva, Glaydson José da Silva, Mônica Lungov Bugelli, Paulo Miceli e Raquel dos Santos Funari. década de 1980, com a redemocratização do país e trazia a aspiração da universalização da escola pública e de um ensino de qualidade para toda a população brasileira, sendo uma das iniciativas, a elaboração das propostas curriculares para todas as disciplinas. A de História teve sua última versão publicada em 1992. A perspectiva com a publicação das Propostas Curriculares entre os anos de 1980 -1990 alinhava-se às transformações políticas do país que saía do governo militar para um regime democrático. No entanto, conforme pontua Saviani (2009, p. xxiii): [...] os desdobramentos da transição democrática no âmbito da chamada “Nova República” não corresponderam àquelas expectativas educacionais. Em verdade, o referido processo de transição acabou sendo dominado pela “conciliação das elites”, mantendo-se a descontinuidade da política educacional, os vícios da máquina administrativa, a escassez de recursos e a conseqüente precariedade da educação pública. Outro tempo, outro contexto. A idéia da Proposta Curricular/2008 surgiu como fruto do compromisso da equipe que assumiu a Secretaria da Educação do Estado, em julho de 2007, após um diagnóstico bastante preciso da educação no Estado, como afirma a coordenadora Maria Inês Fini. Dentre os argumentos, o que mereceu maior atenção e empenho da nova gestão foi o desempenho insuficiente dos alunos. Em nome da decantada qualidade do ensino o governo de São Paulo definiu 10 ações para atingirem 10 metas até 20105. Na realidade um Plano Político Educacional voltado de maneira especial para a melhoria da aprendizagem.6 Das ações, cinco dizem respeito diretamente à implantação do Programa São Paulo faz Escola, a saber: ► Implantação de Base Curricular Comum para toda a rede estadual (Ensino Fundamental – Ciclo II e Ensino Médio); ► Divulgação dos conteúdos básicos de aprendizagem para todas as séries do Ensino Fundamental – Ciclo II e Ensino Médio; 5 1 - Todos alunos de 8 anos plenamente alfabetizados; 2 - Redução de 50 % das taxas de reprovação da 8.ª série; 3 - Redução de 50% das taxas de reprovação do Ensino Médio; 4 - Implantação de programas de recuperação de aprendizagem nas séries finais de todos ciclos (2.ª , 4.ª e 8.ª séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio); 5 - Aumento de 10% nos índices de desempenho dos ensinos fundamental e médio nas avaliaçõesnacionais e estaduais; 6 - Atendimento de 100% da demanda de jovens e adultos de Ensino Médio com oferta diversificada de currículo profissionalizante ;7 - Implantação do Ensino Fundamental de 9 anos, em colaboração com os municípios, com prioridade à municipalização das séries iniciais (1.ª a 4.ª séries) ; 8 – Programa de formação continuada de professores e de capacitação dos dirigentes de ensino e diretores de escolas com foco na eficiência da gestão administrativa e pedagógica do sistema por intermédio da utilização da estrutura de tecnologia da informação e Rede do Saber; 9 - Descentralização e/ou municipalização do programa de alimentação escolar nos 30 municípios ainda centralizados; 10 - Programa de obras e infraestrutura física das escolas; 6 Vídeo disponível na Rede do Saber (SÃO PAULO, 2008a, online). ► Distribuição das propostas curriculares (por disciplina e orientações de práticas de sala de aula para os professores de disciplinas/séries do Ensino Fundamental – Ciclo II e Ensino Médio; ► Seleção de 8 mil Professores Coordenadores para apoio à implantação e orientação do programa; ► Implantação da avaliação bimestral dos alunos e de processos contínuos e dirigidos de recuperação (MURRIE, 2008, v. 1, p. 30). Dizem respeito à ponta do sistema, à escola, à sala de aula, à equipe gestora e ao professor, como resposta ao pouco animador resultado apresentado por São Paulo nas avaliações da Prova Brasil7, Enem8, Saresp9.Senão vejamos: Os resultados do Saresp/2007 indicaram que em Língua Portuguesa, dos alunos da 6ª série da rede estadual, 34% foram classificados no nível adequado da série, ou seja, demonstram domínio dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis em Português a para série em que se encontram; da 8ª série o percentual ficou em 24,3%; na 3ª série do Ensino Médio, 21,1% foram classificados no nível adequado. Em Matemática 21,7% dos alunos da 6ª série foram classificados no nível adequado; da 8ª série apenas 5,1%, e da 3ª série do Ensino Médio o percentual de classificação no nível adequado foi de 0,6%. (SÃO PAULO, 2007, p. 22-23). Ainda, O resultado do ENEM denunciou, mais uma vez, que a qualidade do ensino público do país é inferior ao privado. Em todos os Estados, os alunos de escolas particulares tiveram médias melhores do que os das públicas na parte objetiva, sendo 49,20 contra 68,04. Já na redação, o desempenho entre alunos das duas redes não foi muito diferente. Enquanto os estudantes de instituição públicas obtiveram média de 55,26, os de escola particular fecharam com 62,26. (UNIVERSIA, 2007, online). Importa acrescentar que São Paulo não se destacou entre as unidades federativas com melhor desempenho, cujo mérito coube ao Rio Grande do Sul, ao 7 A Prova Brasil foi criada em 2005. Avalia todos os estudantes da rede pública urbana de ensino, de 4ª e 8ª séries, em Língua Portuguesa e Matemática. É desenvolvida e realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) Maiores informações sobre a Prova Brasil ver site do INEP. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, [2005], online). 8 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é uma prova realizada individual e voluntariamente pelos alunos que estão cursando ou concluíram o Ensino Médio, com o objetivo de avaliar os conhecimentos, por intermédio de questões que envolvem habilidades e competências. Este exame é organizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ( INEP). (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,online). Realizar a prova do Enem é condição para que o aluno concorra à bolsa do Programa Universidade para Todos (PROUNI). (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,online). 9 Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). O objetivo é medir o desempenho dos alunos em Leitura/Escrita e Matemática. Abrange todas as escolas da rede estadual e todos os alunos do ensino regular matriculados na 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries do EF e na 3ª série do Ensino EM. É aplicado no fim de cada ano letivo. Além de avaliar os alunos, o SARESP avalia também a escola e a qualidade de ensino daquela instituição.(SÃO PAULO, 2009 a). Distrito Federal e Santa Catarina, respectivamente. Considerando-se a relação entre as escolas públicas e privadas a disparidade é mais acentuada no Tocantins, Goiás, Bahia (os três com diferença de 30% entre particulares e públicas), Pernambuco, São Paulo, Sergipe e Ceará (todos com 29%) e Rio Grande do Norte (28%), conforme divulgou o jornal Estado de S. Paulo. (FREITAS, 2008, online). Este é um resultado que por um lado acarreta toda a complexidade de uma avaliação, como bem argumenta Luckesi (1990, p. 71): A avaliação da aprendizagem escolar adquire seu sentido na medida em que se articula com um projeto pedagógico e com seu conseqüente projeto de ensino. A avaliação, tanto geral quanto no caso específico da aprendizagem, não possui uma finalidade em si; ela subsidia um curso de ação que visa construir um resultado previamente definido. Por outro, embora os objetivos do Saresp estejam voltados para o ângulo qualitativo do desempenho da escola e ser um indicativo para ações que visem a superar os problemas da aprendizagem, sem desconsiderar o mérito do sistema avaliativo, como iniciativa, o Saresp trabalha com números, o que traduz a relatividade da mensuração, portanto dos resultados. Trata-se, lembrando Demo (2004), de uma referência indireta. Na mesma linha de raciocínio com relação ao Saeb10, valendo a transferência de raciocínio, o autor assim se expressa: [...] sendo a educação dinâmica eminentemente qualitativa, os dados são indícios relativamente pálidos, por maior que seja o cuidado metodológico. [...] o dado não mede a realidade, mas o que é mensurável nesta realidade (DEMO, 2004, p.11). Ademais, o fato do resultado do Saresp ser um dos critérios que indicam o cumprimento de metas do Idesp11 e do Adicional por Qualidade (IQ) que regem o pagamento da bonificação por resultado para toda a equipe escolar, textualmente: “[...] qualquer avanço no Idesp de um ano para outro é bonificado, mas o quanto se bonifica 10 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), foi criado em 1988 pelo INEP.É aplicado a cada dois anos a todos os alunos brasileiros da 4ª e da 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, nas disciplinas de Língua Portuguesa (Foco: Leitura) e Matemática (Foco: resolução de problemas). (Ministério da Educação, online). 11 O Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP) é um indicador que avalia a qualidade da escola. É composto por dois critérios: o desempenho dos alunos nos exames de proficiência do SARESP (o quanto aprenderam) e o fluxo escolar (em quanto tempo aprenderam). O IDESP avalia a qualidade do ensino nas séries iniciais (1ª a 4ª séries) e finais (5ª a 8ª séries) do Ensino Fundamental e série final do Ensino Médio em cada escola estadual paulista, em Língua Portuguesa e Matemática, com metas estabelecidas para cada unidade escolar. O Índice de Cumprimento de Metas e do Adicional por qualidade (IQ), regem o pagamento da bonificação por resultado. depende do quanto a escola cumpre da meta estipulada” (SÃO PAULO, [2009b], online) pareceu-me um fator que não poderia ficar à margem da análise diante, principalmente, da histórica defasagem salarial do professor. Considerando, ademais, que sobre o valor do bônus pesam todas as ausências do professor, à exceção das licenças maternidade, paternidade, por adoção e as férias. Portanto, mesmo as licenças médicas, aprovadas por um perito do Estado repercutem no cálculo. Em nome da qualidade reforça-se, nas relações, a hierarquia verticalizada do mando e da obediência, da competência e do poder alinhados à políticada meritocracia, que naturalizando a exclusão, redime as consciências. No caso a pedagogia do prêmio e do castigo, ou da sanção normalizadora, conforme o entende Foucault, para quem a disciplina, nas relações sociais, indica, essencialmente relações de poder e resistência que se estabelecem por meio da sanção normalizadora. Para este filósofo a punição na disciplina é elemento de um sistema duplo: gratificação e sanção (FOUCAULT, 2004, p. 150) e argumenta: [...] a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. Põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir. [...] A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara diferencia, hierarquiza, homogeneíza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza (FOUCAULT, 2004, p. 152). O que não se pode negar é que os resultados do Saresp acarretam o peso das duas faces de uma mesma moeda: numa a de referência que desnuda um ângulo da educação paulista, considerando-se, sobretudo que seus resultados não contrariam, pelo contrário, confirmam a precária situação da escola pública, de conhecimento público e notório; na outra, o fato de desencadear e ser um norteador para as ações da Secretaria de Educação, conforme o demonstra a empreitada em torno da implantação do Currículo do Estado de São Paulo. Duas faces indissociáveis, imprescindíveis na empresa das políticas educacionais; o melhor resultado é fruto da articulação de ambas. O preocupante, no entanto, é o fato desta medida ser magra, pontual, e não desvelar o mundo real da educação brasileira, possível de ser compreendido nas malhas mentais da longa duração que vem, persistentemente configurando o cenário educacional brasileiro, desde a célula primeira, nos tempos coloniais avalizado pela diversidade regional, econômica e sóciocultural do nosso país. Estando a ação movida pelo diagnóstico, no caso específico o resultado de uma avaliação externa, o que se pode inferir, como hipótese, é que esta buscará se afinar ao móvel que a acionou, na perspectiva de melhores resultados.É assim que [...] o Saresp passa a contar, a partir de 2008, com uma base curricular comum a todos os alunos da educação básica de seu sistema de ensino como apoio às referências da avaliação, uma vez que na organização de um sistema de avaliação o principal problema é explicitar uma resposta à seguinte pergunta: O que avaliar? Pergunta para a qual a resposta mais significativa só pode ser: Aquilo que o aluno deveria ter aprendido [...] Uma clara definição das expectativas de aprendizagem a serem obtidas é fundamental para a operacionalização do currículo e da avaliação. De um lado, ela orienta a organização dos projetos pedagógicos em cada escola e dá clareza à sociedade sobre o compromisso para com o desenvolvimento das crianças e dos jovens. De outro, permite que os professores compreendam a vinculação entre as expectativas de aprendizagem do currículo e as habilidades expressas na matriz de referência da avaliação (SÃO PAULO, 2009a, online). Nesta perspectiva, em que pesem a lógica e coerência da proposta, importa analisar a relação, a mobilidade estabelecida entre os aspectos conjunturais e a estrutura, tendo-se, na perspectiva da longa duração braudeliana que: Para lá do “recitativo conjuntural”, a história estrutural ou de longa duração determina séculos inteiros: encontra-se no limite do móvel e do imóvel: e, pelos seu valores muito prolongadamente fixos, surge como uma invariante frente às outras histórias, mais rápidas, no decorrer e no realizar-se e que, em suma, gravitam à sua volta (BRAUDEL, 1990, p. 80-81). Como bem pontua Rudá Ricci (2010, p. A3): Já temos duas década de experiências com avaliações sistêmicas externas a respeito do desempenho de nossos alunos.Mas, pelos artigos e propostas apresentadas pelos gestores na grande imprensa, os avanços promovidos foram pífios. Não chegaram a sinalizar os rumos a serem seguidos para a qualidade e o sucesso tão propalados. [...] Circunscrever o foco da avaliação de desempenho à escola, não avaliando o impacto da condição das famílias na performance escolar, é pouco inteligente. E sustentar que a melhora do desempenho de nossos educando ocorre a partir da premiação de professores é um gasto desnecessário e de pouca evidência de sua eficácia . O certo é que as políticas educacionais têm se revelado curativos superficiais, maquiagens que disfarçam, fazem bela figura, granjeiam admiradores, ganham repercussão, mas não ousam abalar as estruturas. A esta reflexão, cabe um adendo, ainda que rápido, visando ir paulatinamente pontuando a abordagem histórica da minha perspectiva de análise. Refiro-me às rupturas que caracterizam as descontinuidades político-administrativas, mudanças de gestão da secretaria de educação que, por via de consequência alimentam o já conhecido cenário de um eterno recomeçar. São posturas que ligadas à demarcação de território, a interesses particulares e ou clientelistas ou, ainda, com vistas a impressionar ou causar impacto, como plataforma político-eleitoreira não permitem a consolidação de iniciativas e comprometem a qualidade da educação pública; na mesma proporção a avaliação das políticas educacionais. (ESQUINSANI, 2004; CUNHA, 1994; MENDONÇA, 2000). Entre feitos, fatos e efeitos, não deixa de ser preocupante os reflexos, a repercussão para um governador com pretensões à Presidência da República, para o pleito de 2010, como único pré-candidato pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Ademais, José Serra ostenta um currículo-plataforma que remonta à sua gestão no Ministério da Saúde (1998-2002), e o compromisso com a educação como uma das prioridades quando candidato ao governo do estado. O “São Paulo faz Escola” foi a ação pioneira nas salas de aula; foi a preparação do terreno para a implantação da Proposta Curricular. Este período chamado Recapitulação da Aprendizagem teve curso em toda a rede de ensino do estado, com duração de 42 dias, contados a partir de 18 de fevereiro de 2008. Compreendeu um período de recuperação intensiva com ênfase na reposição de estruturas linguísticas e lógico-matemáticas, endossado pelos resultados do Saresp, conforme esclarecimentos da professora Maria Inês Fini, Coordenadora Geral da proposta curricular, em diversos momentos de apresentação da mesma. Este momento inicial foi subsidiado com material didático em formato de jornal com 48 páginas, do tamanho do Diário Oficial, dividido em disciplinas para os 3.600.000 alunos, e, um guia para o professor, no formato de revista, com atividades a serem desenvolvidas em todas as disciplinas. De acordo com Maria Inês Fini, um “guia seguro para o professor”. O jornal do aluno, embora atente para todas as disciplinas do currículo, deu maior destaque para as questões de Matemática e Português. Foi um período de preparação, esclarecimentos, sim, mas porque não dizer, também de convencimento, o que pode ser inferido, sem sombra de dúvida, com fundamento nas orientações e incumbências dadas aos professores coordenadores, figuras de destaque na implementação da proposta, em vários momentos do Caderno do Gestor: No teatro diz-se que a primeira cena define a adesão do público à obra apresentada. O Professor Coordenador irá construir essa primeira cena. [...] Para que os agentes incorporem a Proposta Curricular em suas práticas, há necessidade de um diálogo vivo e inflamado sobre o que está sendo proposto, isso demanda tempo e muita interação. [...] O Professor Coordenador, ao apresentar otexto da Proposta Curricular, deve ressaltar seu caráter histórico e orientador e promover alianças e consensos para sua implantação (MURRIE, 2008, v. 1, p. 6, 8-9). No período que antecedeu aos 18 de fevereiro de 2008 a Secretaria da Educação cuidou de organizar o grupo de apoio para gestão do currículo, e deu início ao procedimento de elaboração e implementação da proposta por meio de quatro ações: Ação 1: Consulta à Rede: pesquisa que foi ao ar no dia 16 de outubro de 2007. Buscou-se da rede as experiências bem sucedidas em sala de aula, e também em gestão. Foram postadas no site do São Paulo faz Escola 2258 experiências em sala de aula e 813 de gestão, portanto um total de 3071 relatos.12 Ação 2: Divulgação da Proposta, com a disponibilização dos conteúdos programáticos por série e disciplinas no mês de outubro e uma programação de Videoconferências por intermédio da Rede do Saber: para os Dirigentes de Ensino, Supervisores, ATPS e Diretores de Escola. Ação 3. Apoio à implantação do Currículo por intermédio da Rede do Saber e da Teia do Saber. Dessa ação constam programas de formação continuada, em nível de especialização na modalidade Ensino a Distância para supervisores, diretores, professores 12 Estas informações constam dos documentos escritos e nas videoconferências disponíveis no site do “São Paulo faz escola”.(SÃO PAULO,2008a, online, grifo nosso). coordenadores, professores de todas as disciplinas, inclusive do EJA. Ação 4. Monitorar a implementação da proposta; implementar o enriquecimento da proposta com pesquisa de recursos bibliográficos e tecnológicos e promover a elaboração de cadernos de atividades para os alunos. Registrem-se, ainda, os encontros de orientação realizados com dirigentes regionais, supervisores de ensino e diretores de escola no mês de janeiro de 2008, com pauta de orientação minuciosamente detalhada e uma acalorada divulgação. Vale, no entanto, acrescentar que com relação à Ação 1, de acordo com a manifestação dos sujeitos desta pesquisa e de outros profissionais, abordados informalmente, a consulta à rede não chegou à Diretoria de Franca, ou não foi divulgada aos professores; para dizer de outra maneira, se o processo aconteceu, estes profissionais não tomaram conhecimento e tampouco foram convidados a enviarem sugestões e experiências bem sucedidas. Integram a proposta curricular um kit composto por: a) 12 Cadernos, um para cada disciplina do Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio. Estes cadernos constituem o Documento 1. São divididos em três partes. Na primeira são apresentados os princípios e conceitos da Proposta Curricular, num texto comum para todas as disciplinas. Na segunda são apresentadas as áreas de conhecimento na mesma disposição constante dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Matemática e as áreas de conhecimento; Linguagens, códigos e suas tecnologias; Ciências humanas e suas tecnologias. A terceira e última é dedicada à concepção e conteúdos programáticos das disciplinas para cada série. Estes Cadernos foram distribuídos para todas as escolas; b) O Documento 2 é constituído pelo Caderno do Gestor, disposto em três volumes. Estes Cadernos foram elaborados especialmente para subsidiar o trabalho do Professor Coordenador; c) O Caderno do Professor forma o Documento 3. Este caderno teve sua primeira versão na Revista do Professor que compôs, junto com o Jornal do Aluno, o material que subsidiou o trabalho inicial de recuperação, com início no dia 18 de fevereiro de 2008, conforme já apresentado. É organizado por bimestre, por disciplina e série; portanto, quatro cadernos por ano para cada disciplina e série. Contém orientações e roteiro detalhado para o professor desenvolver suas aulas. Apresenta inicialmente orientação sobre os conteúdos do bimestre, tratados como Situações de Aprendizagem, em torno das quais serão trabalhados os temas propostos; uma situação para cada tema. Têm uma organização disposta em um esquema que se inicia com a duração estimada do trabalho, ou seja, a previsão do número de aulas que serão utilizadas. Em seguida apresenta considerações sobre os conteúdos e temas que serão desenvolvidos na atividade. Na sequência há a indicação das competências e habilidades, estratégias, sugestão de recursos e considerações sobre avaliação. Este é o pano de fundo, sobre o qual são apresentadas, pormenorizadamente as etapas para o desenvolvimento da atividade que se inicia com a sondagem e sensibilização, seguida de um roteiro para a aplicação da situação de aprendizagem em cada aula. O trabalho culmina com propostas de questões para a avaliação final, com indicação clara das respostas que demonstram as habilidades e competências desejadas. Para fechar, são apresentadas propostas de situações de recuperação, na mesma ordem de raciocínio, com a definição clara das habilidades e competências que deverão ser desenvolvidas. Este esquema se repete nos cadernos de todas as disciplinas e séries do Ensino Fundamental e Ensino Médio. d) Caderno do Aluno: é o Documento 4. Este caderno não fez parte do material distribuído em 2008, foi adotado em 2009. Constitui-se basicamente de um plano de atividades e exercícios para o aluno desenvolver a partir das Situações de Aprendizagem. Entre as atividades constam textos para leitura e análise, conforme um roteiro pré-estabelecido, tanto para as tarefas de sala de aula como para as lições de casa. Este caderno será apresentado detalhadamente no no capítulo 4.3 – O caderno do aluno, quando tratarei especificamente da Proposta Curricular de História. e) Compõe ainda o Kit, vídeos com a participação dos autores, CDs com conteúdo de apoio para as atividades propostas nos cadernos do professor. Foi disponibilizado no site da Secretaria da Educação do Estado, um link interativo e informativo sobre o programa. De acordo com Maria Helena Guimarães de Castro, então Secretária da Educação do Estado de São Paulo esta é uma proposta de “[...] ação integrada e articulada, cujo objetivo é organizar melhor o sistema educacional de São Paulo” (CASTRO, 2008, p. 5). Partindo do pressuposto de que só se organiza o que está desorganizado, a desorganização está admitida. Restava saber onde está, qual é a desorganização e como proceder. O que estava em curso, até o momento, sem pretender entrar no mérito da questão, eram os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1998, e apresentados aos professores com a justificativa de um lado respeitar as diversidades regionais, culturais e políticas existentes no país, de outro, considerar a necessidade de se construírem referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras (BRASIL, 1998). Na realidade os PCNs representaram um alargamento da Proposta Curricular do Estado de São Paulo/1992, em âmbito nacional. No entanto, pesquisas revelam que, no Estado de São Paulo, nenhuma das duas propostas foram implantadas. Embora o processo de elaboração da Proposta de 1992 tenha sido amplamente debatido, o mesmo não aconteceu quando da implementação. Da mesma maneira, os princípios norteadores dos Parâmetros Curriculares permearam os programas de ensino, sem resultados práticos efetivos, dado que também chegaram prontos nas escolas; não foram discutidos pelos professores. Mas, a considerar o objetivo de melhoria da qualidade da educação, com uma reforma curricular, retrocedendo um pouco mais no tempo, há que se ponderar na mesma direção a elaboração dos Guias Curriculares do Estado de São Paulo no ano de 1975, visando a implantação da Lei nº 5692/71, com a finalidade de estruturar a escola fundamental de
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