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AULA 3 PLANEJAMENTO E SUSTENTABILIDADE URBANA Profª Tharsila Maynardes Dallabona Fariniuk 2 CONVERSA INICIAL A mobilidade urbana é um dos temas mais desafiadores na gestão urbana; é por meio das políticas de mobilidade que as funções da cidade são exercidas à medida em que as pessoas se deslocam para acessá-las. A circulação urbana está relacionada a aspectos sociais e econômicos e deve ser tema de amplos debates na gestão democrática urbana. Nessa aula, vamos falar um pouco sobre esse tema e sobre a legislação que o orienta. O tema 1 tratará da Lei n. 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Vamos estudar suas principais diretrizes, objetivos e premissas. No tema 2, falaremos sobre os princípios da mobilidade, elencando fatores de promoção e diminuição da mobilidade urbana e também discutindo os parâmetros da acessibilidade universal. O tema 3 irá relacionar a política de mobilidade ao processo de desenvolvimento urbano – veremos que essas duas grandezas estão relacionadas e são retroalimentáveis. Conversaremos também sobre os desafios da articulação de políticas nesse ínterim. No tema 4, falaremos sobre mobilidade urbana sustentável, e discutiremos que a sustentabilidade da temática é mais do que a adoção de energia mais limpa para os transportes; também está relacionada às questões custo-benefício, inclusão social, tarifas, distâncias de deslocamento etc. Por fim, o tema 5 retomará todos os aspectos discutidos anteriormente sob a ótica das boas práticas na política de mobilidade urbana. Faremos uma reflexão sobre o papel e OS desafios do setor públicos na gestão dos sistemas. Boa aula, bons estudos! TEMA 1 – LEI N. 12.587/2012 O Estatuto da Cidade é considerado um marco na política de planejamento urbana no Brasil. Porém, ele estabelece as diretrizes específicas de mobilidade de maneira geral. Somente em 2012 foi promulgada a legislação específica sobre esse tema, conforme veremos a seguir. 1.1 Origens da legislação A mobilidade urbana pode ser entendida como um conjunto de elementos, sistemas e infraestruturas que permitem que as pessoas se desloquem nas cidades. É o conjunto de fluxos de deslocamento, motorizados ou não motorizados. Nesse sentido, o transporte não é um fim em si, mas um meio de se 3 deslocar até determinado ponto. E essa sistematização de meios está fortemente relacionada às políticas públicas (Ministério das Cidades, 2005). Esse processo inclui todos os modais de transporte, a caminhabilidade e a acessibilidade de deslocamentos e trajetos. Figura 1 – Modais de transporte mais utilizados nas cidades brasileiras Créditos: LCV / Shutterstock; Bjoern Wylezich / Shutterstock; Ned Snowman / Shutterstock; OlegRi / Shutterstock; R.classen / Shutterstock; e OlegRi / Shutterstock. A necessidade de uma política de mobilidade urbana surge a partir das demandas populacionais de deslocamento para trabalho, educação e lazer, especialmente em centros urbanos onde existe crescimento e adensamento populacional. Essa demanda é cíclica, pois ao mesmo tempo em que se exige mais dos sistemas de transporte, mais eles interferem no adensamento populacional em determinadas áreas. Rodoviário automóveis e motocicletas Rodoviário ômibus Metrô/VLT Cicloviário: bicicletas Patinetes e similares A pé / caminhada 4 Figura 2 – Fatores de exigência da política de mobilidade urbana Fonte: Elaborado com base em Ministério das Cidades (2005). Cada município brasileiro possui condições institucionais e estruturais específicas que fornecem autonomia para determinar qual será a regulamentação da política urbana de mobilidade, desde que dentro das premissas do Estatuto da Cidade (sobre o qual já estudamos). Historicamente, desde a Constituição de 1934, já há determinações legais sobre a mobilidade urbana, mas na época havia um direcionamento de diretrizes para a utilização do automóvel e construção de vias e rodovias para esse tipo de circulação. Somente em 2012 surge a legislação específica da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), instituída pela Lei n. 12.587/2012 e que funciona como complementação das determinações do Estatuto da Cidade. Por meio dessa legislação, fica definido o compromisso de incentivar o transporte coletivo e não motorizado nos municípios, em detrimento do uso exacerbado de automóveis (Rubim; Leitão, 2013). Crescimento urbano desordenado Demanda de mais deslocamentos e também mais longos Transporte público coletivo em menor frequência Tarifas mais caras e queda na qualidade do transporte público Mais dependência de automóveis Aumento do tráfego, congestionamen tos Necessidade de mais espaço, mais vias para tráfego 5 1.2 Determinações da PNMU A PNMU, em seu artigo 7º, está sustentada sobre cinco objetivos principais, os quais estão diretamente relacionados ao processo de desenvolvimento urbano, e sobre os quais aprofundaremos a reflexão ainda nessa aula: Figura 3 – Objetivos da legislação Fonte: Elaborado com base em Lei n. 12.587/2012 (Brasil, 2012). Conforme a determinação da lei, o Plano de Mobilidade Urbana passa a ser obrigatório em diversos municípios, com critérios similares aos que obrigam a existência do Plano Diretor. O Plano de Mobilidade municipal deve existir: i. em municípios com mais de 20 mil habitantes; ii. em municípios que fazem parte de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas com população superior a 1 milhão de habitantes (nesse caso, é preciso também apresentar um plano de integração do transporte coletivo); e iii. Em municípios que integram áreas de interesse turístico e cidades litorâneas. A legislação também estabelece prazos para elaborar esse planejamento. Na época de promulgação da lei, esse prazo era o ano de 2015. Na atualização ocorrida em 2020, o prazo passou a ser o ano de 2022 para municípios com mais Garantir acesso aos serviços e equipamentos básicos Melhorar a acessibilidade e mobilidade urbana Desenvolvimento sustentável: mitigar prejuízos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos urbanos Consolidar a gestão democrática urbana Redução das desigualdades e promoção da inclusão social 6 de 250 mil habitantes, e o ano de 2023 para municípios com população inferior a esse número. Rubim e Leitão (2012) apontam algumas fragilidades da legislação, que aqui servirão como ponto de partida para as nossas próximas discussões: 1. ausência de determinação sobre a forma jurídica que os planos municipais irão tomar (há liberdade para funcionarem como decretos, leis ordinários ou material de divulgação/visualização, simplesmente); 2. ausência de critérios de avaliação padrão para os Planos de Mobilidade apresentados a partir de 2015; 3. ausência de determinações de acompanhamento das implantações dos planos municipais, que podem tornar-se meramente documentos formatados com diretrizes; e 4. ausência de rigidez do acompanhamento do governo federal como agente regulamentador das funções municipais. TEMA 2 – PRINCÍPIOS DA MOBILIDADE URBANA A PNMU estabelece nove princípios básicos para estruturação dos processos de planejamento e tomada de decisão. Esses princípios, no entanto, podem ser suprimidos pela falta de inclusão, diagnósticos errôneos e problemas no gerenciamento de recursos. 2.1 Princípios e fatores de prejuízo na mobilidade urbana Os princípios básicos da mobilidade urbana no Brasil estão definidos no artigo 5º da PNMU, que determina a estruturação da lei sobre nove itens: I - Acessibilidade universal; II - Desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais; III - Equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; IV - Eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano; V - Gestão democrática e controle socialdo planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; VI - Segurança nos deslocamentos das pessoas; VII - Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; VIII - Equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e IX - Eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana (Brasil, 2012). Em resumo, esses princípios exigem que a mobilidade urbana busque: • inclusão social; 7 • racionalidade de investimentos públicos; • redução de tráfego/congestionamentos; • redução da poluição; e • redução de acidentes (Ministério das Cidades, 2005, p. 11). Figura 4 – Multimodalidade da mobilidade urbana Crédito: Solveig Been / Shutterstock. Tais princípios estão presentes nos principais instrumentos jurídicos que regem a política de mobilidade no Brasil, segundo Vilani (2017), são: a) O Estatuto da Cidade, que orienta o planejamento urbano a partir das regulamentações sobre o uso e ocupação do solo e que também está ligado à Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/79); b) A política nacional sobre mudanças no clima (Lei n. 12.187/2009), que preconiza o desenvolvimento econômico sustentável, inclusive incidindo sobre a temática da mobilidade; e c) a própria PNMU, determinada pela Lei n. 12.587/2012, mencionada no tema 1. É importante também que, em contrapartida, analisemos quais fatores podem superar esses princípios, fazendo com que as regulamentações sejam aplicadas de modo errôneo ou insuficiente. Três principais fatores estão apontados no quadro 1, a seguir. 8 Quadro 1 – Três principais fatores de redução da mobilidade urbana no Brasil 1. Ausência de processos democráticos para diagnóstico das cidades Essa determinação é considerada tardia no Brasil considerando o processo de urbanização do país (veio apenas em 2001 com o Estatuto da Cidade). 2. Falta de investimento em transporte público de qualidade Leva à população a optar por meios individuais motorizados. 3. Descrença da população no transporte público de qualidade Aumento do número de veículos para transporte privativo (especialmente carros e motocicletas). Fonte: Elaborado com base em Marrara (2015). 2.2 Promoção da acessibilidade universal Dados do IBGE (2010) informam que no Brasil há mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (motora, auditiva, visual, cognitiva etc.), e isso deve ser um fator de consideração nas políticas de mobilidade urbana. Além disso, deve-se considerar também que, mesmo fora desse espectro, as pessoas podem ter condições diferentes de mobilidade ao longo da vida (por exemplo, por maior dificuldade de locomoção dada pela idade avançada, por gravidez, pela utilização temporária de elementos de apoio etc.). No Brasil, o princípio da acessibilidade é orientado pela Lei n. 10.098/2000 (Brasil, 2000) e é o primeiro item dos princípios do PNMU, conforme vimos no item anterior Porém, quando falamos sobre mobilidade urbana, a acessibilidade não diz respeito apenas a esse âmbito do acesso – estruturas pontuais que permitam o deslocamento físico, imediato e desobstruído das pessoas. Ela também diz respeito ao acesso das pessoas às estruturas em consideração às redes disponíveis, tarifas, qualidade do transporte público etc. Podemos falar, portanto, que a acessibilidade se dá em escala macro, meso e micro. 9 Figura 5 – Componentes da acessibilidade urbana Fonte: Elaborado com base em Melo e Portugal (2017). Essa figura pontua a questão da mobilidade como tangente a diversos aspectos do planejamento e do desenvolvimento urbano. Esse é o nosso próximo tema, que partirá da seguinte reflexão de Melo e Portugal (2017, grifo nosso). Nesse contexto está em curso a mudança de paradigma, no qual a mobilidade passa a ser vista também por seus aspectos qualitativos, em que se priorizam os modos de transporte mais amigáveis ao meio ambiente e mais produtivos socialmente, segundo uma concepção integrada. Essa transformação cria o espaço necessário para que a acessibilidade — amparada em diretrizes de integração, equidade e autonomia, e orientada à mobilidade sustentável — possa ser utilizada como ferramental estratégico. Ou seja, configurando-se adequadamente as condições de acessibilidade, a partir da combinação entre elementos dos transportes e do uso do solo, é possível alterar o padrão de deslocamentos existentes para que se alcance uma mobilidade comprometida com a sustentabilidade. TEMA 3 – MOBILIDADE E DESENVOLVIMENTO URBANO Os cidadãos esperam que a cidade forneça condições para o seu desenvolvimento saudável enquanto indivíduos, trabalhadores, seres sociais e Acessibilidade MACROACESSIBILIDADE Redes nas regiões metropolitanas Redes de transporte integradas Integração multimodal Distribuição espacial de massas MESOACESSIBILIDADE Em regiões administrativos ou bairros Meios motorizados MICROACESSIBILIDADE Escala local Meios não motorizados Suscetível às particularidades do desenho urbano Uso do solo Trabalho Lazer Estudos Comércio e serviços Transporte Motorizado Não motorizado 10 seres emocionais. Nesse sentido, a capacidade de circulação urbana é algo fundamental para o desempenho das atividades que permitam tal desenvolvimento. 3.1 Desenvolvimento urbano permitido pela mobilidade Vamos iniciar a discussão sobre mobilidade urbana na promoção do desenvolvimento urbano a partir da seguinte reflexão: As cidades que implementam políticas sustentáveis de mobilidade oferecem um maior dinamismo das funções urbanas, numa maior e melhor circulação de pessoas, bens e mercadorias, que se traduzem na valorização do espaço público, na sustentabilidade e no desenvolvimento econômico e social (Ministério das Cidades, 2005, p. 11). Os pesquisadores Casimiro e Melo (2016) pontuam que a cidade deve ser considerar como um organismo vivo pela gestão pública. Os autores comentam que essa vivacidade urbana quer dizer que não é possível separar o território dos valores de bem-estar que preconiza a Constituição de 1988. Assim, a mobilidade urbana é o pilar do desenvolvimento econômico, ao permitir às pessoas o acesso aos bens e serviços. Sendo, assim, a concepção da mobilidade urbana deve estar pautada sobre três pilares do desenvolvimento. Figura 6 – Pilares do desenvolvimento urbano a partir da promoção de mobilidade Fonte: Elaborado com base em Melo e Portugal (2017). Fica evidente, a partir dessa reflexão, a importância da articulação da política de mobilidade urbana com a política de desenvolvimento, e esse processo possui uma série de desafios para a gestão. 11 3.2 Desafios para a articulação de políticas No manual de mobilidade e política urbana de 2005, o Ministério das Cidades elencou os principais desafios da temática para a gestão: • compatibilização do Plano de Mobilidade Urbana com outros planos da cidade, a exemplo do Plano Diretor do Plano de Transportes; • oferecer estrutura adequada para a priorização do transporte coletivo e/ou não motorizado (por exemplo, por meio de adequações viárias); • consolidar e regularizar espaços urbanos já ocupados, possibilitando aproveitar ao máximo a infraestrutura já instalada (no longo prazo isso pode contribuir para que regiões periféricas sofram a pressão de novas ocupações e um adensamento que não necessariamente está previsto); • relacionado ao item anterior, planejar a ampliação do tecido urbano, orientado pelos interesses da gestão e da cidade para a expansão; • controle sobre a implantação de novos focos de impacto ao ambiente urbano, tais como novos empreendimentos públicos e privados, de forma a minimizar e internalizar esses impactos; • oferecer um espaço público de qualidade, que priorize o pedestre e minimize os conflitos da circulação a pé comoutros modais de transporte, de forma a garantir orientação, sinalização, tratamento urbanístico e paisagísticos nas áreas de deslocamento; e • garantir o desenvolvimento institucional e a capacitação contínua dos agentes que estão direta ou indiretamente relacionados à mobilidade urbana, tais como atores da gestão e agentes de transporte e trânsito. TEMA 4 – MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL Como alicerçar a política de mobilidade urbana sobre os princípios da sustentabilidade. Podemos considerar que essas duas grandezas não podem sequer serem consideradas em separado, e ainda assim essa busca constitui um desafio para a gestão urbana. Nesse tema, vamos aprofundar essa reflexão. 4.1 Reflexões sobre mobilidade urbana sustentável O conceito de mobilidade urbana sustentável pode ser entendido como a mobilidade que equilibra as demandas urbanas com a proteção do meio ambiente, 12 considerando essas duas grandezas sob a ótima social, econômica e ambiental (Carvalho, 2016). Figura 7 – Mobilidade urbana sustentável Sustentabilidade Ambiental Sustentabilidade social Sustentabilidade Econômica Combustível e tecnologias limpas Estrutura adequada do transporte em relação a áreas de proteção Integração de sistemas e transportes Inclusão social e acessibilidade aos modais Tarifas inclusivas e compatíveis à renda da população Acessibilidade Universal no transporte público Equidade no uso do espaço urbano Balanceamento oferta/demanda Cobertura de custos Investimentos permanentes na rede e expansões Melhorias e incrementos contínuos Medidas viáveis de financiamento Fonte: Elaborado com base em Carvalho (2016). Além desses pontos mencionados, outro atributo a ser levado em consideração é a relação espaço ocupado x quantidade de pessoas em deslocamento. Isso tem tudo a ver com sustentabilidade, pois o processo de planejamento urbano deve levar em conta que o espaço da cidade e suas estruturas são finitas; sendo assim, devem ser aproveitados da melhor maneira possível, otimizando recursos. Nesse caso, a otimização das estruturas do espaço público também é indicador de sustentabilidade. A figura 8, a seguir, faz um comparativo didático entre automóvel, bicicleta, ônibus e andar a pé, considerando espaço e condições similares. 13 Figura 8 – Espaço ocupado versus quantidade de pessoas em deslocamento, por modal Fonte: Elaborado com base em Guia Global do Desenho de Ruas (Global Design Cities Initiative, 2016). Essa figura nos indica, inclusive, uma relação de custos envolvidos no processo de mobilidade urbana. A partir dessa comparação, observamos que o ransporte coletivo consegue, com menos veículos, deslocar mais pessoas de modo menos poluente. Em contrapartida, a relação custo-benefício de mobilidade para a cidade é menos interessante quando falamos sobre automóveis particulares (que mesmo tendo a capacidade para quatro ou cinco pessoas, costumeiramente costumam transportar somente uma), com o agravante da queima de combustível nociva. Além disso, podemos também fazer uma comparação em termos de consumo absoluto de energia. A figura 9 apresenta a eficiência de alguns modais de transporte quando comparados em termos da distância percorrida com 1 Kwh de energia. 14 Figura 9 – Eficiência dos modais de transporte: Distância em km percorrida com 1 Kwh de energia Fonte: Elaborado com base em Mobilize (2021a). Ao observarmos a imagem, percebemos que há mais eficiência energética no deslocamento a pé e de bicicleta, o que incide inclusive sobre questões de saúde individual e pública. Automóveis elétricos representam uma alternativa interessante e crescente nesse cenário, pois desempenham melhor do que um automóvel tradicional, sem a emissão de poluentes. No entanto, no Brasil, essa ainda é uma realidade pouco conhecida, pois segundo a plataforma Mobilize (2021b), no momento, há somente pouco mais de 45 mil veículos elétricos particulares no país. 4.2 Avaliação da mobilidade urbana sustentável Campos e Ramos (2005) fornecem uma possibilidade de avaliação da sustentabilidade na mobilidade urbana, a partir de uma matriz de indicadores, que pode ser visualizada no Quadro 2. Nessa matriz, os autores distribuem os critérios em três eixos: meio ambiente, sociedade e economia, dividindo-os entre atributos de uso e ocupação de solo e atributos de transporte em si. Quadro 2 – Indicadores de avaliação da mobilidade urbana sustentável Uso e ocupação do solo Transporte Eixo 1 Meio Ambiente % de vias calmas – traffic calming. % de veículos usando fonte de energia limpa. % de intersecções com faixas de pedestres e com passeio. Horas de congestionamento nos corredores de transporte % população com acesso a áreas verdes/de lazer em um raio de 500 m. Nº de acidentes com pedestres e ciclistas (por mil habitantes). 15 Eixo 2 Sociedade % população se deslocando menos 500 m para encontrar um terminal. Oferta e frequência de terminais. % população se deslocando menos de 500 m para acesso a serviços. Oferta de transporte para pessoas com mobilidade reduzida. Diversidade de uso comercial, serviços e misto nas quadras. Tempo médio de viagem do terminal para núcleo central da cidade. Extensão de ciclovias. Demanda por viagens de automóveis na região. Distância média de caminhada a equipamentos de educação. Relação tempo médio de viagem no transporte coletivo x no transporte por automóvel particular. Eixo 3 Economia Relação renda média da população versus custo mensal do transporte público. Custo médio de viagem do terminal para núcleo central da cidade. Locais de carga e descarga. % de veículos de carga usando fonte de energia limpa. Nº de viagens e de veículos per capita. Fonte: Elaborado com base em Campos e Ramos (2005). TEMA 5 – BOAS PRÁTICAS EM MOBILIDADE URBANA Melhorar as condições de mobilidade urbana é um desafio para os gestores, e esse processo passa obrigatoriamente pela organização dos arranjos institucionais e pela participação da sociedade no processo decisório. Nesse tema, abordaremos alguns desses aspectos. 5.1 Estratégias para incremento da mobilidade urbana Diversos pesquisadores, ao longo do tempo, estudaram diferentes contextos para avaliar quais são as estratégias mais inteligentes de incremento da mobilidade. A seguir, estão elencadas algumas estratégias, considerando que, naturalmente, cada contexto municipal poderá exigir medidas diferentes. 16 Figura 10 – Estratégias para incremento da mobilidade urbana Visão de equidade Integração dos modais Priorização de modais não- poluentes A mobilidade de qualidade deve ser fornecida a todos os habitantes, independente da posse de veículo particular Integração nas áreas urbanas e também de alta capacidade de volume para áreas com grandes demandas Medidas econômicas e estruturais (físicas) de incentivo à utilização desses modais Separação entre sistemas de transporte Uso do solo integrado Padrão de qualidade nos veículos de transporte público Redes de pedestres e ciclistas separadas Corredores de transporte exclusivo, conforme características locais Planejar centros de habitação e lazer no entorno das estruturas de transporte público Utilização de tecnologias e combustíveis mais sustentáveis e adaptações incrementais nos veículos mais antigos Medidas econômicas Propostas para cobranças de estacionamento, taxas de congestionamento ou sazonais e gestão de tarifas para reverter recursos no aprimoramento de sistema Fonte: Elaborado com base em Who (2009) apud Gasques e Montaño (2020). Outra estratégia é a adoção de medidas de moderação detráfego nas vias, por meio da redução de velocidade, o chamado traffic calm, e de elementos que ajudem a setorizar as diferentes funções de deslocamento. O quadro 3 sintetiza algumas dessas estratégias. 17 Quadro 3 – Medidas utilizadas para moderar o tráfego nas vias urbanas Medida Descrição Exemplo Deflexões verticais Alteração no perfil da via. Lombadas, travessias elevadas etc. Deflexões horizontais Alteração no alinhamento/traçado da via. Estreitamentos, ilhas, rotatórias etc. Gestão da circulação na via Harmonia entre os diversos usuários e modais. Barreiras, estacionamentos, carga e descarga etc. Sinalização Regulamentação, advertência e informação. Sinais verticais, horizontais, semafóricas e inteligentes Urbanismo Estratégias de percepção da via. Paisagismo, mobiliário urbano, iluminação etc. Fiscalização Controle pontual de trechos. Radares e agentes Pavimentação Cores, texturas e materiais. Tipos de asfalto, sonorizadores, ondulações etc. Fonte: Elaborado com base em Cupolillo e colaboradores (2007). 5.2 Desafios para a gestão pública O Ministério das Cidades (2005), atual pasta do Desenvolvimento Regional, pontua alguns desafios para a gestão da mobilidade urbana: • buscar a otimização e integração de ações entre os níveis hierárquicos da administração e do poder executivo (federal, estadual e municipal); • fortalecimento institucional com a legitimação da gestão local para a mobilidade; • garantir a gestão democrática e participativa, por meio da criação de mais e mais estratégias de inclusão social no processo de tomada de decisão (em observação aos preceitos do Estatuto da Cidade); • buscar maior integração entre as políticas de mobilidade e demais políticas urbanas – uso do solo urbano, políticas habitacionais, ambientais e de circulação; • garantir condições favoráveis ao estabelecimento de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada, no sentido de buscar novas estratégias e possibilidades de alocação de recursos, complementando as eventuais insuficiências da gestão pública; 18 • construir indicadores adequados de mobilidade urbana, a fim de facilitar a mensuração e o diagnóstico dos sistemas; • aprimorar os processos de comunicação entre gestão e sociedade. Para elucidar essa questão, encerramos a aula com a seguinte reflexão: Não existem soluções mágicas para problemas complexos. Mas hoje, diferente do vivido há cem anos com o problema decorrente do uso do cavalo como meio de transporte, não dependemos mais de uma invenção tecnológica para sair dos congestionamentos. As soluções são conhecidas e variadas, algumas mais simples que outras, e envolvem a realização de um planejamento que englobe e considere todos os atores da mobilidade e priorize os transportes não motorizados e coletivos, feito de forma participativa e capaz de transformar efetivamente a forma como as pessoas se deslocam pela cidade. Se não nos falta tecnologia, certo é que falta aos gestores brasileiros força política para entender que, de fato, devolver à cidade o seu direito de circulação e aos cidadãos o seu direito à cidade, sequestrado que foi pelo uso do automóvel, pode sim trazer conflitos e desgastes políticos (Rubim; Leitão, 2012, grifo nosso). Essa reflexão sobre políticas públicas será o gancho para próximos temas, em que estudaremos aspectos da gestão de recursos naturais no contexto urbano. 19 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial, 2000. BRASIL. Lei n. 12.587 de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; revoga dispositivos dos Decretos-Leis nº 3.326, de 3 de junho de 1941, e 5.405, de 13 de abril de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e das Leis nº 5.917, de 10 de setembro de 1973, e 6.261, de 14 de novembro de 1975; e dá outras providências.. Brasília: Diário Oficial, 2012. CAMPOS, V. B. G; RAMOS, R. A. R. 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