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0 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB RAFAEL MONTEIRO MORAIS ARTE-EDUCAÇÃO NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UMA PROPOSTA LÚDICA E AFETIVA BRASÍLIA 2019 1 RAFAEL MONTEIRO MORAIS ARTE-EDUCAÇÃONO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA PROPOSTA LÚDICA E AFETIVA Trabalho de conclusão do curso de Artes Visuais, habilitação em licenciatura do Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Orientador(a): Prof(a) Dr(a) Cristina Azra Barrenechea BRASÍLIA, DEZEMBRO DE 2019 2 Termo de aprovação Rafael Monteiro Morais ARTE-EDUCAÇÃO NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UMA PROPOSTA LÚDICA E AFETIVA Monografia aprovada com o requisito parcial para obtenção do grau de licenciado do curso de Licenciatura em Artes Visuais Professor(a) orientador(a): Ms. Dr.(a)Cristina Azra Barrenechea Professor(a) examinador(a): Ms. Dr.(a)Lisa Minari Hargreaves 3 Dedico este trabalho à Deus, à mim mesmo e aos golfinhos arquetípicos presentes no dia a dia. Que este trabalho possa me lembrar do meu potencial como indivíduo criativo, expansivo e de tudo que posso fazer com amor e dedicação. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço ao Universo, primeiramente, por esta oportunidade única, à minha mãe, ao meu pai, à minha irmã, ao meu namorado e aos meus amigos. Também aos professores da Sala de Recursos do Centro de Ensino Fundamental 01 – Guará I, pelo apoio sempre que solicitado ou não. Ao Eduardo pelas trocas, afeto, carinho e expressões criativas, sinceras, saudáveis e significativas ao longo dos dois anos de convivência. Agradeço também à diretora e vice-diretora por toda compreensão diárias em dias de trabalho... E a todos que me assistiram e participaram conosco. 5 SUMÁRIO 1 Introdução ............................................................................................. 7 2 Justificativa .......................................................................................... 8 3 Objetivos ................................................................................................ 12 3.1 Objetivo geral ...................................................................................... 12 3.2 Objetivos específicos .......................................................................... 12 4 Referencial teórico ...................................................................................... 13 5 Metodologia ................................................................................................. 18 5.1 Escola ................................................................................................. 19 5.2 Sala de Recursos ................................................................................ 20 5.3 Quem é o Eduardo? ............................................................................ 21 5.3.1 Síntese psicopedagógica ....................................................... 26 5.4 Autonomia do aluno ........................................................................... 28 5.4.1 A imitação .............................................................................. 29 5.4.2 Relato de experiência ............................................................ 31 5.5 Produção com o aluno ........................................................................ 33 6 Conclusão ................................................................................................... 44 Referências ................................................................................................. 48 Anexos ........................................................................................................ 51 6 LISTA DE TABELAS E FIGURAS Figura 1 Primeira parte da atividade de pintura. Eduardo pintando com tinta guache em placa de MDF preenchida com desenhos............................................................................................ 35 Figura 2 Eduardo posando ao lado do seu retrato desenhado pelo Rafael no suporte da atividade a ser realizada................................................... 35 Figura 3 Segunda parte da atividade de pintura. Mãos do Eduardo com tinta guache................................................................................................ 39 Figura 4 Resultado da segunda parte das atividades de pintura com tinta guache sobre placa de MDF preenchida com desenhos................... 39 Figura 5 Colagem com recortes de panfleto de supermercado......................... 40 Figura 6 Eduardo pintando com pincel e tinta guache sobre cartolina branca. 42 Figura 7 Frame de vídeo, Eduardo e Rafael realizando imitações em Sala de Recursos Generalista.......................................................................... 43 Quadro 1 Síntese psicopedagógica mostrando as evoluções do aluno entre 2016 e 2019..................................................................................... 26 7 1. Introdução Este projeto tem intenção de investigar de que maneira a arte-educação pode contribuir no desenvolvimento de um aluno especial portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e de paralisia cerebral diplégica espástica, no que diz respeito a qualidades como a socialização, a cognição, a expressão não verbal e abstrata e autonomia do sujeito. Assim, por meio de um relato de experiência como educador social,busquei verificar como as atividades artísticas auxiliam no desenvolvimento de um determinado aluno – o Eduardo (chamaremos assim para preservar sua identidade), especificamente, estudante de uma escola pública do DF. 8 2. Justificativa Refletindo sobre a minha trajetória no curso de artes visuais – licenciatura noturna – percebo que o que uniu os meus interesses desde o início é a perspectiva da arte como caminho terapêutico, integrador, transformador, liberador e acessível a todos indistintamente, em outras palavras - a arte que promove saúde. Este projeto tem intenção de investigar de que maneira as ferramentas artísticas e lúdicas da arte-educação podem contribuir na formação do aluno com necessidades especiais em questão, desenvolvendo a socialização, o aprimoramento da cognição, a expressão não verbal e abstrata ao fazer contato com materiais e expressões diversas. É evidente que o aluno com TEA deve ter todos os direitos de acessar os conteúdos de sala de aula comum inclusiva e de alcançar todo tipo de êxito. Uma escola ou turma considerada inclusiva precisa ser, mais do que um espaço para convivência, um ambiente onde ele aprenda os conteúdos socialmente valorizados para todos os alunos da mesma faixa etária (BLANCO, GLAT, 2007, p. 17). De acordo com Blanco (2007) a educação inclusiva busca inserir o aluno especial portador do TEA no contexto de sala de aula. Complementarmente, observo que na escola existem muitas metas a serem alcançadas pelos alunos e entendo que elas também podem ser destinadas aos alunos com condições especiais. No entanto, penso que não cabe ao aluno, portador do autismo deste estudo, que se coloque uma expectativa de que ele alcance essas metas, necessariamente. É importante dar condições para que o aluno vá mais longe, para mais perto de metas coletivas (como operações matemáticas, leitura, etc), mas percebe-se também que certas qualidades como o plenofazer artístico, a tentativa e erro, a experimentação, a estimulação de um prazer que não está atrelado a um objetivo específico para que este aluno possa se sentir em paz,feliz,se divertir de outras maneiras. Eduardo gosta muito de desenhar bolinhas, de observar carros, ônibus, aviões, helicópteros ou da presença de alguém muito próximo de sua afetividade. Utilizei esses recursos que são muito familiares ao aluno para que ele possa desenvolver certas atividades que sejam prazerosas e contundentes. 9 Uma aprendizagem significativa é aquela que ajusta raciocínio, análise e imaginação com afetividade e emoção, onde o vínculo afetivo será um grande facilitador das atividades cognitivas e simbólicas, dimensão possibilitadora de uma racionalidade melhor definida e de um saber mais prazerosamente construído (BEZERRA, 2006, p. 25). Portanto, as atividades objetivadas ao estímulo da cognição atreladas a afetividadeentre aluno e educador facilitam certo grau de flexibilidade e fluidez, incentivando o crescimento, confiança e construindo novos caminhos cognitivos e afetivos, foramsurpreendentes as novas associações e expressões do estudante. É importante ressaltar, que pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm dificuldades de se libertarem da rotina diária (embora esta também seja importante), o que lhes vão conferir certo limite para desafiar-se arealizar caminhos antes não traçados, mas que irão ser ainda significativos e preciosos para o desenvolvimento pessoal do indivíduo. De acordo com a definição de autismo da AMA (Mello, 2007) utilizada para fins de intervenção, o autismo que possui um variado espectro de características, sendo considerado um distúrbio do comportamento que consiste em uma tríade de dificuldades – de comunicação, da socialização e da imaginação.Podem ter dificuldades em utilizar com sentido as formas não verbais e verbais da comunicação, expressões faciais, ritmo, linguagem corporal, gestos e linguagem verbal. Sobre a socialização podem ter dificuldades para compartilhar sentimentos, gostos e emoções, para relacionar-se com os outros e na discriminação entre diferentes pessoas. Finalmente, podem ter dificuldades na área da imaginação. Dificuldade no uso da imaginação – se caracteriza por rigideze inflexibilidade e se estende às várias áreas do pensamento,linguagem e comportamento da criança. Isto pode ser exemplificado por comportamentos obsessivos e ritualísticos, compreensão literal da linguagem, falta de aceitação das mudançase dificuldades em processos criativos. (MELLO, 2007, p. 21) As atividades artísticas – colagem, pintura, exercícios imitativos – têm o objetivo de despertar no aluno o princípio da brincadeira e de exercitar a sua socialização, comunicação e expressão. Em uma pesquisa realizada por C.S. FIAES e I.D. BICHARA constatou-se pouca riqueza e uso limitado de verbalizações nas brincadeiras das crianças autistas, além de limitado uso de objetos, gestos e verbalizações escassos, comparadas às outras crianças sem autismo. Complementarmente, os autores Pellegrini e Bjorklund (2004) apud FIAES, BICHARA (2009) afirmam que a 10 brincadeira de faz-de-conta possui caráter essencialmente social, acarreta na função imediata de ajudar crianças mais jovens a assumirem a perspectiva de outros brincantes. Nesse sentido esta pesquisa tem a intenção de observara função social que a brincadeira pode ter na vida do indivíduo com autismo. É possível conjecturar, a partir do enfoque evolucionista, que a brincadeira empobrecida de crianças autistas possa ter consequências no período desenvolvimental, desde os mais imediatos, como o reforço dos prejuízos típicos do próprio transtorno, bem como efeitos danosos mais distais. Dessa forma, a baixa frequência de envolvimento em atividades que possibilitam o desenvolvimento dessas habilidades, sendo a brincadeira o principal espaço para tal na infância, possibilita predizer as consequências negativas também para o desenvolvimento adulto. Ou seja, os déficits característicos do transtorno prejudicam a aparição do fenômeno (a brincadeira) e, a ausência deste, por sua vez, possivelmente conduz a atrasos no desenvolvimento de habilidades importantes para a adaptação do sujeito numa sociedade complexa (FIAES, BICHARA, 2009, p. 237). Nesta pesquisa foram usados materiais e exercícios para incitar no aluno a um novo movimento de expressão da subjetividade, sensibilidade, curiosidade, estimulação tátil, visual, auditiva, além de levantar a sua autoestima e outras potencialidades como a autonomia e independência de um sujeito único. Aumenta- se o repertório de movimentos associados à consciência corporal, viabilizando ao estudante se ocupar artisticamente de forma prazerosa. Tais atividades proporcionam a inserção da arte na vida do estudante de forma acessível, cotidiana, generosa e integrada. Klin (2006) confirma tais afirmações quando diz que no momento quese constrói a coreografia social mutuamente reforçada entre a criança e o cuidador, inicia o desenvolvimento das habilidades sociais cognitivas, de comunicação e simbólicas. Diante deste contexto tem-se como problema de pesquisa: em que medida a arte-educação pode contribuir para o desenvolvimento de autistas? Com o propósito de responder a questão de pesquisa tem-se como objetivo geral: reconhecer a importância da arte-educação para o desenvolvimento de um aluno com TEA e paralisia cerebral diplégica espástica. Para tanto traçou-se os seguintes objetivos específicos: investigar de que maneira o uso de atividades lúdicas e artísticas podem contribuir na formação do aluno autista, caracterizar o Transtorno do Espectro Autista e possibilitar um espaço de criação artística diferenciado e nutritivo para o sujeito da pesquisa, centrado no bem-estar e 11 experimentação / questionamento e alargamento dos limites a partir de seu universo já conhecido e outro a ser apresentado gradativamente. 12 3. Objetivos 3.1 Objetivo Geral Estudar o efeito de atividades lúdicas e artísticas para o desenvolvimento de um aluno com TEA e paralisia cerebral diplégica espástica por meio da aplicação das mesmas atividades em momentos distintos a fim de observar pequenas variações na forma como o aluno se relaciona com a atividade. 3.2 Objetivos específicos 1. Fazer uma revisão bibliográfica sobre o ensino de arte para alunos diagnosticados com TEA; 2. Avaliar as necessidades do sujeito da pesquisa assim como descrever seu perfil composto por afinidades, comportamentos, potenciais e dificuldades; É comum que os pais caiam na armadilha de apontar apenas os comportamentos problemáticos das crianças. Ao fazerem isso, podem perder de vista as habilidades e os pontos fortes que elas possuem. Quais são os dons e habilidades inatas de seus filhos? Após identificarem essas áreas, é possível estimular e direcionar seus talentos e potencialidades de forma correta (SILVA, p.45, 2012). 3. Planejar as atividades com base nas necessidades observadas no aluno, no escopo da pesquisa e no ambiente escolar; 4. Experimentar exercícios da arte educação para despertar qualidades como a curiosidade e engajamento; 5. Utilizar elementos já conhecidos em seu universo para que o aluno possa se sentir confortável com elementos seguros e afetivos; 6. Aplicar um conjunto de três atividades em duas etapas distintas a fim de comparar se ocorreram diferenças na forma como o aluno se relacionou com a atividade no segundo momento em que esta foi apresentada para ele; 7. Registrar fotograficamente e observar as diferenças no decurso da aplicação da atividade e diferenças manifestadas entre as atividades aplicadas; 8. Desenvolver um relato de experiência a fim de registrar todas as mudanças observadas; 9. Comparar eanalisar as diferenças ocorridas na primeira aplicação da atividade e na segunda aplicação da mesma atividade; 13 10. Realizar uma entrevista com a principal responsável pelo aluno abordando questões sobre como se dá o comportamento do Eduardo fora do ambiente escolar para poder ter uma visão mais completa que possibilitará uma análise mais profunda. 4. Referencial teórico Paralisia cerebral As Diretrizes de Atenção à pessoa com paralisia cerebral, redigidas pelo Ministério da Saúde, declaram que: No que tange a etiologia, incluem-se os fatores pré-natais (infecções congênitas, falta de oxigenação, etc.); fatores perinatais (anóxia neonatal, eclampsia, etc.); e fatores pós natais (infecções, traumas, etc.) (Piovesana et al, 2002). Os sinais clínicos da paralisia cerebral envolvem as alterações de tônus e presença de movimentos atípicos e a distribuição topográfica do comprometimento (Cans et al, 2007) A severidade dos comprometimentos da paralisia cerebral está associada às limitações das atividades e com a presença de comorbidades (Bax et al, 2005). (BRASIL, 2013, p. 11) O sujeito da pesquisa é portador da paralisia cerebral diplégica espástica, além de microcefalia e hidrocefalia com derivação ventriculoperinatal. Possui antecedentes de prematuridade e sofrimento perinatal como fatores de risco para a lesão cerebral adquirida. A paralisia cerebral foi descrita pela primeira vez na metade do século XIX, em 1843 pelo ortopedista inglês Willian John Little. Ele observou que haviam 47 crianças que tinham em comum a rigidez espástica que era associada a várias ocorrências da hora nascimento e que o aprimoramento na área obstétrica poderia amenizar a situação de forma evidente. De acordo com a autora, John Little considerou como circunstâncias que poderiam precipitar a rigidez espástica “a apresentação pélvica, dificuldades no trabalho de parto, prematuridade, demora para chorar e para respirar ao nascer, além de convulsões e coma nas primeiras horas de vida” (RUBINSTEIN, 2002, p. 12) A paralisia do Eduardo é subdividada em duas categorias: diplégica e espástica. A primeira diz respeito a uma condição constrita, tensa e resistente dos músculos que são dificilmente totalmente alongados e movimentados. A diplegia diz 14 respeito ao comprometimento dos membros inferiores em relação aos superiores. (MAZZILLO, 2003, p. 22) A paralisia cerebral espástica faz com que algumas das características dos indivíduos sejam apresentarem os membros inferiores cruzados como uma tesoura e marcha na ponta dos pés. Segundo Gianni (2000 apud KAVALCO, 2002), a categoria espástica tem origem na alteração do tônus muscular em decorrência de lesões sofridas no córtex. Esta especificidade traz hipertonia para os músculos, porém, sem rigidez, o que afeta a funcionalidade das pessoas. Este diagnóstico é registrado como CID 80.1. O transtorno do espectro autista SegundoOnzi e Gomes (2015) as investigações diagnósticas sobre o até então denominado autismo infantil, vão desde 1799 quando um menino chamado por “selvagem” foi apreendido por caçadores em um bosque, fato que chamou a atenção de médicos que iniciaram estudos acerca das psicoses infantis. Stelzer (2010) ressalta a importância do caso do menino selvagem para os estudos sobre autismo. Fieira e Gagliotto (2015) destacam que o comportamento e o diagnóstico do menino foram importantes para as futuras pesquisas sobre o quadro do autismo infantil. Esse primeiro caso foi diagnosticado como idiotia. Somente em 1906 utilizou-se pela primeira vez o adjetivo autista na literatura médica para se referir a pacientes com diagnóstico de demência precoce, ou seja, esquizofrenia infantil. No entanto, anteriormente, em 1943, Leo Kanner relatou 11 casos do que denominou distúrbios autísticos do contato afetivo, os quais apresentavam uma “incapacidade de relacionar-se” de formas usuais com outras pessoas desde o nascimento. Este profissional também observou respostas incomuns ao ambiente – resistência à mudança ou insistência na monotonia, maneirismos motores estereotipados, além de aspectos não usuais das habilidades de comunicação como a ecolalia (tendência ao eco na linguagem) e inversão dos pronomes. Kanner deu ênfase na predominância de déficits de relacionamentos sociais. 15 Entre 1950 e 1960, houve confusão sobre as causas do autismo, sobre sua etiologia e a crença de que isto acontecia em decorrência da ausência de correspondência emocional dos pais na relação com seus filhos. Tais noções equivocadas foram abandonadas, mesmo que possam ser encontradas em partes da Europa e da América Latina, assim como outras evidências sugeriam que o autismo era um transtorno cerebral presente desde a infância e encontrado em todos os países e grupos socioeconômicos e étnico-raciais investigados, nos anos 60. Michael Rutter em 1978, também realizou um trabalho importante quando descreveu quatro critérios para propor uma definição para o autismo: [...] atraso e desvio sociais não só como função de retardo mental; 2) problemas de comunicação, novamente, não só em função de retardo mental associado; 3) comportamentos incomuns, tais como movimentos estereotipados e maneirismos; e 4) início antes dos 30 meses de idade (RUTTER, 2006,p. 2). As características descritas podem ser encontradas em grande parte dos diagnosticados, porém vai depender do desenvolvimento de cada um e das circunstâncias aos quais o indivíduo foi submetido, portanto, existe um espectro de comportamentos e características que podem descrever estes indivíduos. A contribuição de Rutter e o aumento do número de trabalhos sobre o autismo influenciaram na definição do DSM – III (Manual de Diagnóstico e Estatística da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria)sobre esta condição, em 1980, quando o autismo foi reconhecido pela primeira vez e posto em uma nova categoria de transtornos – transtornos invasivos do desenvolvimento (TIDs). Mais tarde, o DSM III altera o termo autismo infantil que ficará conhecido como transtorno do autismo, ampliando critérios para diagnósticos. Nesse mesmo ano, no Brasil é decretada uma lei que assegura todos os direitos de uma pessoa portadora de diagnóstico. Portanto, conforme a lei independe se a pessoa possui algum tipo de transtorno ou não. A lei regulamenta a criação de condições propícias para o estabelecimento de igualdades para todos. Em 1994, dá-se atenção maior para os caos de “autismo leve” conhecidos como síndrome de Asperger ou autismo funcional, inserida no novo manual DSM IV, ampliando assim o espectro. (DIAS, 2015) De acordo com as pesquisas de Onzi e Gomes (2015), em meados de 2000, havia leis que não consideravam crianças portadoras do autismo como portadoras 16 de uma deficiência, ou seja, esses indivíduos ficavam isolados em relação à legislação, e com a falta de acesso a unidades especializadas,sem acesso prioritário, tornava-se difícil o acesso a uma equipe multidisciplinar que poderia avaliar mais precisamente o diagnóstico da criança. A partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) tornou-se possível o acesso legal do indivíduo portador do TEA a educação básica, acompanhado de um atendimento educacional especializado (AEE), com objetivo de fomentar uma prática inclusiva para aqueles que necessitam de uma atenção maior para que se possa ser constituído um patamar digno de educação especializada e criteriosa. Em 2012 foi instituída a Lei Federal 12.764 (Lei Berenice Piano) que determina a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com o Transtorno do Espectro Autista. Berenice Piana foi uma mãe que com ajuda de pais e com muita luta e enfrentamento, conseguiu aprovar uma lei através de uma legislação participativa, o que fez com se tornasse a primeira mulher a conquistara vitória que é a inclusão da pessoa com autismo no mundo em que vivemos. Recentemente, novas conquistas foram sendo realizadas em meio a tantas lutas por uma parte da população que até pouco tempo era posta à margem da sociedade. A lei nº 13.146 foi promulgada em julho de 2015 e instituiu a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência, que estabelece aigualdade de condições, direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. A Declaração de Salamanca, uma importante conferência promovida pela UNESCO entre 7 e 10 de junho de 1994, proclamou a inclusão da seguinte maneira: • toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, • toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, • sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades, • aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, • escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional. 17 O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais é um manual diagnóstico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria para definir como é feito o diagnóstico de transtornos mentais. É importante realçar que na mais recente edição do DSM, de 2013, não são homologadas derivações do espectro do autismo, denominando-se que os pacientes possuem apenas diversos níveis de comprometimento (ONZI; GOMES, 2015). Portanto, complementa-se aqui que é preciso identificar o sujeito autista não somente a partir de seu diagnóstico, mas também de suas características e comportamentos. (KLIN, 2016) 18 5. Metodologia Este estudo trata-se de uma pesquisa participante, pois para Brandão (2007)a pesquisa participante apresenta a interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas. A diferença básica é que o pesquisador não é neutro neste tipo de pesquisa, deste modo não ocorre uma resolução de problemas, pois a elaboração das suas conclusões surge em conjunto com os sujeitos pesquisados. Na pesquisa-participante é possível haver uma interação entre participante e pesquisador, onde serão observadas as interações, as nuances, reações, o processo e o resultado. Como resultado das observações das interações, foi redigido um relato baseado na vivência entre educador social e aluno. Estas observações foram articuladas com dados obtidos por meio de pesquisa bibliográfica, levantamento do diagnóstico e do perfil do sujeito da pesquisa, leitura de documentos (psicopedagógicos e clínicos), entrevista com a responsável, análise de conversação e fala do estudante com a finalidade de compreender melhor o universo em que se encontra o sujeito, construindo uma visão mais integrada das características comportamentais do aluno. A escolha de realizar uma pesquisa participante foi coerente em virtude do trabalho voluntário do projeto Educador Social (do qual fiz parte durante a pesquisa) no qual é necessário fazer contato constantemente com o aluno em situações e necessidades fisiológicas e pedagógicas. Entre as suas diferentes alternativas, de modo geral, as pesquisas participantes alinham-se em projetos de envolvimento e mútuo compromisso de ações sociais devocação popular. Assim, geralmente, elas colocam face-a-face pessoas e agências sociais “eruditas” (como um sociólogo, um educador de carreira ou uma ong de direitos humanos) e “populares” (como um indígena tarasco, um operário sindicalizado argentino, um camponês semialfabetizado do Centro-Oeste do Brasil ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra). De modo geral, elas partem em diferentes possibilidades de relacionamentos entre os dois pólos de atores sociais envolvidos, interativos e participantes (BRANDÃO, p. 53, 2007). Portanto, este tipo de metodologia mostrou-se bastante contundente com o contexto do estudo que conduzi porque diz respeito ao ofício do educador social em uma escola pública do DF, visto como uma das esferas de trabalhadores mais populares. 19 Em minha atividade como educador social trabalhei diretamente com o aluno em momentos de higienização, alimentação, locomoção, além de lidar constantemente com frustrações e desafios com relação às atividades mais adequadas ao aluno bem como saber dialogar e cooperar com os professores de sala de aula regular e das salas de recursos. Segundo Brandão (2007), as pesquisas participantes tendem a manifestar uma dimensão política de trabalho popular quase sempre mais ampla e com maior continuidade do que a própria pesquisa. Possibilitar ao aluno com autismo novos espaços de expressão e comunicação por meio da arte educação é um ato político e com dimensões ricas e importantes nesse trabalho continuado. 5.1. A Escola O presente estudo foi desenvolvido no Centro de Ensino Fundamental 01 do Guará I etem 38,16 % da sua comunidade escolar formada por alunos oriundos da Cidade Estrutural, 12,72% do Setor de Chácaras Lúcio Costa, 30% do Guará, 10,95% do Vicente Pires e 8,05% dos demais são provenientes de outros lugares do Distrito Federal. “Escola inclusiva é, aquela que garante a qualidade de ensino educacional a cada um de seus alunos, reconhecendo e respeitando a diversidade e respondendo a cada um de acordo com suas potencialidades e necessidades”, (MEC, p. 7, 2004).Por ser uma escola inclusiva, conta em seu corpo discente com 91 alunos com necessidades educacionais especiais: 01 com deficiência física, 36 com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, 04 com deficiência auditiva, 03com Transtorno Global de Desenvolvimento/Autista, 05 com deficiência intelectual, 10 com altas habilidades, 02 com deficiências múltiplas, 22 com Deficiência do Processamento Auditivo Central, 1 com Transtorno Opositor Desafiador, 03 com Dislexia, 01 com Transtorno de Conduta e 03 com outras deficiências. A escola conta, também, com uma Sala de Recursos que é a responsável pelo atendimento complementar e tem como objetivo geral: promover estruturas adequadas de ensino por meio de ações que estimulem a capacidade intelectual, crítica e emocional para um bom desempenho pedagógico e social visando a quebra de barreiras atitudinais,o qual possibilita o atendimento adequado para auxiliar no desenvolvimento do aluno/objeto deste estudo. 20 5.2. A Sala de Recursos O público alvo do AEE são aqueles estudantes com deficiência física, intelectual, mental ou sensorial, estudantes com transtornos globais do desenvolvimento (estudantes com autismo infantil, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância), estudantes com altas habilidades ou superdotação. As atividades a serem desenvolvidas na Sala de Recursos foram pensadas para que o aluno possa reverberar como sujeito autônomo e crítico aos diversos enfretamentos às dificuldades apresentadas em sua caminhada, como cidadão capaz de produzir atitudes sensatas e coerentes com base na utilização de recursos pedagógicos que despertem o interesse e a criatividade focados no lúdico. O aluno estudado é atendido naSala de Recursos Generalista desde 2016, onde recebe atendimento educacional especializado que conta com métodos e recursos pedagógicos específicos que auxiliam a aprendizagem do aluno.As salas de recursos podem ser específicas ou generalistas. Há três tipos de salas de recursos específicas: as que se destinam a alunos com superdotação/altas habilidades, outras para deficientes visuais e aquelas para deficientes auditivos. Nas salas generalistas são atendidos individualmente ou em grupos, estudantes com deficiência intelectual/mental, deficiência física, deficiência múltipla e transtorno global do desenvolvimento (TGD). De acordo com o Documento Orientador Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (2012) a inclusão educacional está fundamentada nos princípios pedagógicos e marcos legais da igualdade de condições de acesso à participação em um sistema educacional inclusivo. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008) conceitua a Educação Especial como modalidade de ensino transversal a todos as etapas, modalidades e níveis, que disponibiliza recursos e serviços e o atendimento educacional especializado, suplementar ou complementar. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como diretrizes a oferta do atendimento educacional especializado, a formação dos professores, a participação da família e da comunidade e a articulação intersetorial das políticas públicas, para a garantia do acesso dos estudantes com 21 deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, no ensino regular. Conforme Resolução CNE/CEB nº 4/2009, art. 12, para atuar no atendimento educacional especializado, é necessário ao professor ter formação inicial que o habilite para exercício da docência e formação continuada na educação especial. O professor do AEE tem como função executar esse atendimento de forma complementar ou suplementar à escolarização, considerando as habilidades e as necessidades educacionais específicas dos estudantes público alvo da educação especial. As atribuições do professor de AEE contemplam: • Elaboração, execução e avaliação do plano de AEE do estudante; • Organização de estratégias pedagógicas e identificação e produção de recursos acessíveis; • Acompanhamento da funcionalidade e usabilidade dos recursos de tecnologia assistiva na sala de aula comum e demais ambientes escolares; • Articulação com os professores das classes comuns, nas diferentes etapas e modalidades de ensino; • Orientação aos professores do ensino regular e às famílias sobre a aplicabilidade e funcionalidade dos recursos utilizados pelo estudante; • Interface com as áreas da saúde, assistência, trabalho e outras. • Ensino e desenvolvimento das atividades próprias do AEE, tais como: Libras, Braille, orientação e mobilidade, Língua Portuguesa para alunos surdos; informática acessível; Comunicação Alternativa e Aumentativa - CAA, atividades de desenvolvimento das habilidades mentais superiores e atividades de enriquecimento curricular; • Definição do cronograma e das atividades do atendimento do estudante [...] (BRASIL, 2012, p. 8). O atendimento educacional especializado ocorre nas escolas em Salas de Recursos Multifuncionais. No Distrito Federal, apenas, há variações deste tipo de sala, salas com atendimento a públicos específicos como deficientes visuais, deficientes auditivos e altas habilidades. Nelas são oferecidos aos alunos atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente. 5.3. Quem é o Eduardo? Como foi dito anteriormente, para preservar a privacidade do sujeito da pesquisa será identificado como Eduardo em meus relatos. Eduardo possui 18 anos e mora com sua avó na cidade do Guará, no Distrito Federal. Ele frequenta a frequenta duas escolas regularmente, uma no turno matutino - AMPARE (Associação de Mães, Pais, Amigos e Reabilitadores de Excepcionais) – onde faz 22 natação duas vezes por semana e outra no vespertino - Centro de Ensino Fundamental 01 do Guará I. O sujeito da pesquisa adora ir à escola e é um menino muito dócil de sorriso e alegrias contagiantes. Segundo seu laudo possui capacidade intelectual na média inferior - CID: G 80.1 (Classificação Internacional de Doenças da OMS), e autismo infantil (DSM–IV). Em seu histórico médico, Eduardo foi diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e também com paralisia cerebral do tipo diplegia espástica, associada a alterações cognitivas e comportamentais. Possui marcha comprometida devido ao encurtamento dos tendões. Tem acompanhamento na rede de hospitais Sarah. Utiliza andador e consegue andar sem ele sem muitas dificuldades – inclusive gosta de andar sem ele. Por conter os músculos rígidos em decorrência da paralisia cerebral diplégica espástica, os movimentos do Eduardo podem ser um pouco descoordenados, o que pode fazer com ele esbarre em outras pessoas que estão perto dele de vez em quando, por exemplo, ao pegar uma pasta na mochila acoplada atrás da cadeira, pode dar uma cotovelada na pessoa ao lado. Com relação ao TEA, “cada caso situa-se em um espectro que varia num continuum quanto à gravidade“ (FIAES, BICHARA, p. 235) com suas características específicas segundo as quais podem evoluir e mudar ao longo dos anos em decorrência do desenvolvimento e estimulações. No entanto, todos os casos de forma mais leve ou severa, estão relacionadas aos déficits de comunicação e relacionamento social. Eduardo, neste momento, está dentro da temporalidade, o que permite aumento do tempo previsto para o trato de determinados objetivos, tendo dois anos para completar um ano letivo. Domina conceitos pré-escolares como noção espacial, cores, reconhecimento de figuras e plano gráfico a partir de descrição semântica. Sabe ler e escrever – apenas em caixa alta. Quando as palavras são maiores e mais complicadas, tende a trocar as letras, portanto necessita de mediação nesse processo. Não correlaciona comandos com muitas informações. Em uma ocasião em que cheguei atrasado na escola, fui ao encontro do Eduardo que já se encontrava em sala de aula. Ao chegar à sala de aula, ele me perguntou “faltou ontem por quê?” e eu respondi que estava apenas atrasado. Percebe-se que ele não compreende bem a noção de tempo. Ele rapidamente 23 complementa com outra pergunta: “estava onde?”. Este é mais um exemplo que comprova a expansão do repertório de frases do indivíduo. Nunca o ouvi dizer essa frase até esse momento. Ele tem expandido o repertório de palavras ditas na escola, demonstrando entusiasmo ao dizer pela primeira vez o vocábulo novo. Percebe-se também que a palavra que ele usa muitas vezesnão condiz à realidade temporal, como por exemplo, o “ontem” utilizado no caso seria relativo ao horário anterior de aula. Assim como quando há um feriado ou ele falta, ele diz que estava de férias. Penso que muitas vezes as palavras que ele diz são muito mais úteis para ele poder se expressar e se relacionar do que para comunicar algo em específicocom exatidão e proporção. Aparenta desejar atenções diferenciadas para si, solicitando que sejam feitas todas as suas vontades. Mas, é capaz de ceder quando incentivado por outra pessoa que o estimule e o anime, pois também é muito afetuoso. Gosta muito que leiam e cantem para ele. Costuma falar de si mesmo na terceira pessoa na maioria das vezes. Adora andar de ônibus, ouvir música alta no carro, observar o trânsito e anunciar de qual marca e cor é cada carro e ônibus. Sente-se atraído principalmente por carros, ônibus, lápis, canetas, elevadores, helicópteros, aviões e recentemente tem se interessado por gaiolas de passarinho. Também se interessa pelas pessoas ao seu redor (principalmente aquelas que vagueiam pela escola – incluindoprofessores, servidores e visitantes). Eduardo gosta muito de se relacionar com as pessoas, é algo que lhe desperta alegria genuína. Tem mais facilidade e hábito de socializar e de se comunicar com pessoas mais velhas que ele do que com seus colegas de turma com idades mais próximas da sua. Às vezes por causa das dificuldades de socializar-se, uma das tendências mais conhecidas dos indivíduos portadores do TEA é a de se isolar e de se voltar para seus interesses específicos. O Eduardo também apresenta ecolalia, ou seja, repete rotineiramente tudo o que ouve quando as pessoas conversam com ele. Desde que chegouà escola, Eduardo, CEF 01 – Centro de Ensino Fundamental do Guará tem evoluído em muitos aspectos como a socialização, a comunicação e a expressão. O aluno está muito mais comunicativo do que era antes, apresentando constantemente novas palavras, frases, interesses e atitudes. Percebeu-se que se sente mais à vontade sendo acompanhado por educadores sociais do sexo masculino. Aparenta possuir bastante dependência 24 afetiva das pessoas, mas exige poder fazer as atividades sem ajuda, como ler, escrever (ainda que também exija que leia junto com ele) e todas as ações em que tem convicção e segurança de que sabe realizar. Mora com a avó e primos, possuindo também relações estreitas com a avó paterna. Devido ao déficit cognitivo associado ao espectro autista, Eduardo necessita de adequações escolares para facilitar o seu processo de aprendizagem e socialização com os pares. Ele mostra-se bastante receptivo para as novidades que lhe são propostas, demonstrando apatia e desânimo quando tem de fazer atividades que realiza desde há bastante tempo e que não trazem novidades e desafios. No entanto, quando eu, na condição de educador social que o acompanha, não estou na escola fica chateado, demonstrando impaciência e descontentamento para outras pessoas. Porém, age tranquilamente em algumas ocasiões em que outras pessoas que ele conhece o conduzem às atividades. Portanto, percebe-se que o sujeito possui uma necessidade explícita de uma companhia, pois porta comprometimentos cognitivos e físicos, além de ser carente de atenção. Quando o Eduardo está estressado, cansado, nervoso e sem companhia fica revirando os lápis de cores de seu estojo, além de apontá-los, batê-los levemente contra a mesa direcionando toda atenção e foco. Eu e os professores da Sala de Recursos Generalista tentamos fazer com que este hábito se torne cada vez menos frequente para que ele se desenvolva em outros aspectos. Aceita deixar o estojo de lado para comprometer-se com outras atividades mais interessantes e empolgantes. Para se aproximar das pessoas ao seu redor, ele gosta muito de saudá-las e cumprimentá-las. Faz breves comentários sobre a roupa da pessoa e pergunta seus nomes – outros modos que encontrou para interagir e formar vínculos. Quando isso não acontece, demonstra sentir falta e em outros casos não hesita em gritar “quero cumprimentar na mão!”. Quando alguma pessoa se aproxima dele para cumprimentá-lo e não faz o mesmo a mim ou a outra pessoa que está perto dele (alguém conhecido), imediatamente pede que seja cumprimentada, dizendo, por exemplo: “falar com o Rafael também, na mão!”. Em 2018, tinha bastante costume de fazer caça-palavras no computador da Sala de Recursos e tem muita agilidade e curiosidade com tablets, celulares e 25 computadores nos quais pesquisa imagens sobre assuntos que lhe interessam – gaiolas de passarinho e ônibus, tendo como exemplo. Gosta muito de acontecimentos recorrentes e familiares como aberturas de telejornais e da hora de voltar à sala de aula regular. Fica aflito ao perceber coisas que fogem ao trivial como um cachorro rosa ou um céu verde em um desenho. Em vista disso, parece se incomodar com coisas que saem do seu controle. Certa vez, foi colocada uma fita de cetim em seu pulso. Ele foi receptivo a essa ação no momento. No entanto, não muito depois esteve agoniado para tirá-la. O mesmo ocorre quando se molha, se suja, etc. Mesmo com esses incômodos, consegue se dar pequenas permissões quando suja suas mãos de tinta. Sente prazer em emitir frases que aprendeu a dizer sobre determinados gostos - “Não gosto de banana, não gosto!”, mesmo quando não é perguntado, pois fica contente com toda oportunidade para se manifestar e interagir. Pratica movimentos repetitivos com o tronco, como um pêndulo, que acontecem quando está agitado, nervoso ou muito feliz, conhecidos como estereotipia. Também faz movimentos com os braços quando está exaltado – isso acontece muito quando ouve o apito da professora de Educação Física ou ouve uma buzina de carro. Em momentos anteriores de sua vida, quando ficava contrariado, batia sua cabeça contra o chão. É muito esperto, inteligente e acha sempre uma solução para fazer o que deseja fazer como numa ocasião em que desejava ver a parte inferior do corpo de uma das educadoras sociais da escola, mas estava impossibilitado de fazê-lo por que estava sentado de frente para ela, consequentemente ele transferiu os biscoitos que estava comendo do pacote para suas mãos e jogou a embalagem no chão para observar os detalhes do vestuário ou das pernas da moça. Ele gosta muito de comer biscoitos recheados – é do que sempre se alimenta no recreio. Recentemente tem trazido maçãs as quais eu corto (é um combinado feito entre sua avó e eu). Esse ato, feito com carinho, faz com que ele tenha prazer e se sinta incentivado a comer outro tipo de alimento. Ao ser perguntado sobre o que fez no final de semana ou o que faz durante a noite, dificilmente irá responder. De acordo com Mello (2007, p. 21), quando ocorre uma aproximação afetiva entre o portador do autismo e outra pessoa, muitas vezes esta pode seguir um padrão repetitivo, não contendo algum tipo de troca ou 26 compartilhamento. De fato, parece haver um tipo de padrão para se comunicar com outros indivíduos, raramente havendo um compartilhamento pessoal. 5.3.1. Síntese psicopedagógica Esta síntese foi elaborada a partir de laudos, relatórios psicopedagógicos, entrevista com a responsável e professores do aluno. Consiste em relatos da evolução de Eduardo entre os anos 2016 e 2019. Quadro 1 - Evolução do aluno em comparação aos anos anteriores em outra escola 2016 (idade - 15 anos) 2019 (idade - 18 anos) Em observações em diversos espaços físicos da escola verifica-se que a criança não faz contato nos olhos das pessoas, demonstra pouco interesse em interagir com outras crianças, entretanto, revela o interesse à necessidade de estar presente durante o recreio sentado observando os colegas e os carros que circulam na avenida próxima a escola já que a mesma não é cercada por muros, apenas por alambrados. Atualmente o aluno faz bastante contato nos olhos das pessoas, demonstra muito interesse em interagir com outras pessoas, porém a interação com pessoas mais próximas de sua idade é menor. Demonstra constantemente carinho. Permanece tendo o interesse de ir ao recreio, dessa forma participa da dinâmica e pode falar com as outras pessoas. Continua gostando de assistir aos carros, ônibus, helicópteros, mas isso não lhe tira o foco de interagir com as pessoas. Durante os atendimentos, Eduardo manteve-se tranquilo, porém necessitando de intervenções e direcionamentos para se engajar nas atividades propostas revelando um interesse e habilidade pelos jogos eletrônicos, entretanto, quando contrariado se nega realizar qualquer tipo de atividade, inclusive de se retirar do ambiente, chegando a dormir sobre a carteira de sala de aula. Eduardo demonstra interesse por aparelhos eletrônicos, no entanto, é convencido facilmente a fazer outra atividade. Na sala de aula regular, se nega a fazer atividades que exijam que ele faça tarefas muito desinteressantesaos quais ele já foi demasiadamente submetido em outros momentos escolares. Quando cansado, não se importa de sair da sala exceto nos momentos em que está muito cansado. Em relação à aprendizagem apresenta significativas limitações; quanto à Possui muitas limitações de aprendizagem, mas apresenta interesse 27 comunicação verbal responde questionamentos simples ou apenas verbaliza seus desejos, ainda não é capaz de manter um diálogo elaborado sobre um assunto, mas quando contrariado expressa seus sentimentos com gritos fortes e movimentos com o corpo com o intuito de intimidar as ações de terceiros prevalecendo suas vontades. em aprender principalmente quando acompanhado por outra pessoa (professora ou educador social). Ao ser perguntado sobre o que fez, por exemplo, no final de semana dificilmente irá responder, isto é responde questionamentos simples com poucas palavras e quando não sabe o que responder parece responder aleatoriamente como se fosse apenas para cumprir uma obrigação. Quando não sabe o que responder responde eloquentemente apenas “Não sei”. No entanto, quando está muito cansado e não quer conversar, ele mesmo diz, muitas vezes reproduzindo estereotipias, de um lado para o outro com o corpo. Apresenta dificuldades em interessar-se por novos conceitos/conhecimentos reportando-se em apontar lápis de cor e a mexer incansavelmente com eles no estojo. A criança lê e escreve palavras/frases com coerência, faz leitura pausada demonstrando compreensão das mesmas, reconhece algarismos, realiza operações simples de adição e subtração e está iniciando e assimilando o processo da multiplicação e a memorização da tabuada. É flexível e aberto a novo aprendizados e quando não quer fazer algum exercício pode mexer nos lápis em busca de relaxamento e ocupação. Este hábito tem se mostrado muito menos frequente no atual momento. Gosta muito de ler junto de alguém, pausadamente e se diverte com novas formas de entoação e pronunciação das palavras. Reconhece algarismos da unidade de centenas, no entanto tem dificuldades em realizar operações de adição, subtração e multiplicação. Não tem memorizado a tabuada. Precisa de muito acompanhamento para contar número por número até chegar ao resultado esperado. Diverte-se muito no processo matemático. Verifica-se que a criança vem apresentando atitudes sexuais de acordos com a evolução maturacional da criança e esperado para uma pessoa com déficit cognitiva e imaturidade emocional nestes diagnósticos, pois estas revelam dificuldades na aquisição Tenho observado comportamentos sexuais do aluno, tendo vista que já tem 18 anos. Demonstra aparente interesse por olhar as partes do corpo das mulheres ao seu redor. Gosta muito de olhar para os seus colegas e de vez em quando interage com eles, com o 28 e na compreensão de comportamentos que respeitam as regras sociais. acompanhamento isso se torna mais fácil para ele pedir um apontador emprestado por exemplo. Sentar-se em mesas juntas parece fazer com que a interação com os outros alunos aconteça de fato. Tem aprendido bem pequenas regras sociais, por meio da repetição para a memorização, mas, em outros momentos a falta de compreensão das regras sociais não parece causar graves prejuízos. É interessante notar que em uma das orientações para intervenção pedagógica redigida pelos seus pedagogos e psicólogos responsáveis consta que ele precisa ser estimulado por meio da criatividade com atividades onde seja permitido construir, explorar, criar. Estas são as principais ações e diretrizes desta pesquisa. 5.4. Autonomia do aluno Constato que existe autonomia nas atitudes do Eduardo. Pode ser que por se sentir menos pressionado a tomar alguma atitude ou pelo fato de eu não estar ao seu lado para ajudá-lo ele se sinta mais confortável para tomar certas atitudes que nos permitem reconhecer sua autonomia. Por exemplo, em uma das tardes, quando estava no banheiro, o aluno se levantou do lugar de costume ao qual eu o direcionei para se sentar. Ao retornar do banheiro, ao procurá-lo, não o encontrei. Logo, imaginei que ele tivesse ido embora, já que estava quase no horário de saída, mas também porque não imaginei que houvesse outra hipótese que explicasse tal ocorrido, a não ser que ele já tenha sido buscado por sua responsável. Entretanto, me surpreendi ao ver que ele tinha se movimentado por vontade própria para se sentar em outro banco próximo dali. Presumo que este indício de uma maior independência seja resultado de uma das ações que tenho feito com ele para que ele possa se tornar mais flexível e se sentar em outros lugares quando não estivesse em sala de aula. É importante ressaltar que pessoas portadoras do TEA possuem dificuldades para saírem da rotina. Com o exercício constante de mudança 29 de lugar, ele se sentiu seguro e confiante para locomover-se, sem o meu auxílio ou de outra pessoa, para chegar a outro lugar. Isto também pode ser observado em outros momentos, na sala de recursos, também com relação à mudança de lugar, parecendo contente ao me chamar para interagir - tendo como exemplo quando ele pega um cachorro feito de feltro confeccionado em um dos projetos e começa a “latir”. Quando ocorreu o projeto, para fazer com que o aluno se envolvesse mais com as confecções, eu “latia” para ele, movimentando o cachorro, na frente dele. Ele achava graça e com o tempo, este ato se tornou algo familiar e de conexão afetiva para o Eduardo. Após o projeto ter ocorrido, meses depois, ele continuava a tomar a atitude de levantar-se, pegar o cachorro de feltro, levá-lo para a mesa onde estava sentado, e “latia” novamente com a intenção de me convidar. Era claro uma intenção de interagir, como se fosse uma brincadeira (se é que não é). Também faz questão de encher a garrafa d’água sozinho. Entendo que ao longo do meu período de convivência com o aluno, este percebe oportunidades para fazer novas conexões, associações e frases. Certo dia, após recebê-lo com a responsável, logo após ela se retirar, Eduardo foi até uma cadeira, para sentar-se perto de mim – o que ele sabe bem comunicar – dizendo “sentar perto de você?”, e em seguida “conta as novidades!”. É evidente, que todo o desenvolvimento do aluno é possível graças a um constante exercício que todos os profissionais da escola e a responsável (avó) realizam. O acompanhamento de uma pessoa com quem ele se sente a vontade e com o qual ele convive há dois anos em todos os momentos e os constantes exercícios tornam, também, possível um desenvolvimento mais fluido e saudável. Quanto mais conhecida for a pessoa para o aluno, mais disponível ele estará para os comandos e novos caminhos a rumar. Atividades novas despertam no aluno a vontade de realizá-las. Portanto, mesmo que haja um limite diário para novos exercícios e esforços contínuos, estas mesmas novidades são necessárias para que ele se sinta motivado para avançar e fazer coisas diferentes. 5.4.1. A imitação Por meio de pesquisas no assunto ao longo do convívio com o meu aluno, percebi a coerência e contundência que teriam os exercícios imitativos para o 30 Eduardo. Alunos portadores do TEA possuem dificuldades em imitar as ações do outro. A dificuldade de sociabilização, que faz com que a pessoa com autismotenha uma pobre consciência da outra pessoa, é responsável, em muitoscasos, pela falta ou diminuição da capacidade de imitar, que é um dos pré-requisitos cruciais para o aprendizado, e também pela dificuldade de secolocar no lugar do outro e de compreender os fatos a partir da perspectivado outro. (Mello, 2007, p. 21) A imitação traz um exercício de espelhamento. Permanecia de frente para o Eduardo e começava a imitar todos os movimentos que o Eduardo fazia. Como a faixa suportávelde estimulação de pessoas com esta condição é muito estreita, possui em média duração de 10 a 15 minutos. A dificuldade para se relacionar socialmente que os portadores de autismo possuem, de acordo com Rogers & Williams (2006), pode estar relacionado ao déficit na imitação motora. A capacidade imitativa dos portadores do TEA foi examinada em numerosas pesquisas onde frequentemente foi vista como estando precária em comparação às outras crianças, inclusive às crianças com outros tipos de comprometimento mental. No entanto, recentemente, tem-se desenvolvido novas propostas de investigação acerca da correlação entre autismo e déficit de imitação. Nessas novas pesquisas, a imitação serve para o estabelecimento de uma ponte de comunicação com o autista, cuja faixa suportável de estimulação é muito estreita. A imitação é apresentada como um meio de burlar essa dificuldade de relação vinculada à constituição da criança autista, que, sendo imitada, poderia perceber o outro da relação com menos ansiedade. Essa relação, estabelecida a partir de uma familiaridade dos estímulos introduzidos por via da imitação, poderia evoluir em outros sentidos. Mas é importante valorizar esse canal de estabelecimento do primeiro contato com um paciente cuja dificuldade para o tratamento envolve exatamente o contato com o terapeuta (TIMO, 2011, p. 846). A partir dessa conclusão acerca de pesquisas anteriores, observaram-se os efeitos que a técnica imitativa pode surtir no Eduardo, em contexto escolar e não clínico, como nas pesquisadas apresentadas por Timo (2011), de forma que possa servir como um elemento facilitador e afetivo para contribuir e participar do universo do aluno, a partir de pequenos exercícios feitos em variados ambientes da escola. Segundo Stern (1985), a imitação motora pode servir como um condutor para que seja construída afetividade entre mãe e filho nos primeiros meses de vida e 31 também posteriormente, no que diz respeito à expressão e compartilhamento de sentimentos, emoções e pensamentos. 5.4.2. Relato de experiência – A imitação como linguagem Diariamente me surpreendi com pequenas atitudes do estudante, por exemplo,o presenciei imitando a gargalhada de um colega ao emitir “hahaha” ao invés de “hehehe” (que soa como a sua risada habitual). Ele também imitou a minha risada e a de seu professor da sala de recursos. Tem evoluído ainda mais, imitando a risada de outras pessoas de seu convívio. Ele está descobrindo o seu poder de expressão, o que pode fazer com sua voz e corpo. É muito interessante como ele aprendeu a utilizar a sua voz em outra altura intencionalmente para imitar alguém. Isto provavelmente é o resultado de uma série de exercícios imitativos em que eu e o Eduardo imitávamos um ao outro diariamente ao longo da semana, espontaneamente, em momentos e ambientes variados, portanto considero que é a atividade mais potente e mais estimulada deste projeto. “Uma instância de imitação pode resumir a presença de mutualidade; fazer algo que acabou de ser feito pelo outro é saber algo não somente sobre o ato, mas também sobre a similaridade entre o si mesmo e o outro” (KLINGER & DAWSON, p.32, 1992). Constato também - com base em observações minhas e em relatos de sua responsável e outros professores - que a evolução dos comportamentos do aluno se dão também em decorrência dos diversos acompanhamentos empenhados em diversos momentos e ambientes de sua vida. As imitações neste contexto vieram de uma vontade autêntica minha de imitar o aluno, enquanto ele gargalhava por causa do som do apito da professora de Educação Física. Refletindo um pouco mais, penso que foi uma forma que encontrei de me conectar e interagir com o aluno em outro nível. Percebo ainda que, nestes exercícios ele mesmo toma a atitude de começar um movimento para que eu o imite (é mais uma forma de interagir e disso ele gosta muito!). Percebo que os efeitos desse exercício se estenderam para outros momentos de sua vida, com base em relatos da avó do aluno e outros profissionais da escola. 32 Contudo, nota-se uma dificuldade que pode ser observada quando estamos fazendo o exercício de imitação apenas com movimentos do corpo (sem voz). No entanto, ele se faz ser ouvido e percebido por nós que observamos seus novos movimentos e intenções que compõem novos repertórios expressivos de uma benéfica convivência e socialização. Até mesmo em momentos em que seria muito pouco provável ele fazer novos movimentos de exercício de imitação, o Eduardo se dispõe a executá-los. É bastante interessante. Parece-me que os fatoresinteligência emocional, atenção, afeto, necessidade de se expressar e se relacionar do aluno são necessários para a condução e dinâmica dessa atividade. Levanto outros questionamentos: será que ele gosta de se ver no outro que o imita ou será que mexe com ele o fato de estar se vendo no outro? Será que ele toma consciência de seu corpo, gestos, alturas de voz, e outras características a partir do movimento da imitação - o espelho? Será que me enxerga como uma extensão dele? Num pequeno espaço de tempo: em cinco minutos ele me convida não verbalmente para imitá-lo, interagir, a partir do que ele está sentindo (sono) e partir disso novos movimentos surgem como o piscar de olhos (como houve na segunda atividade de pintura), pequeno balançar do corpo e um biquinho nos lábios. É possível notar quando os movimentos são intencionados para serem imitados, pois são movimentos que usualmente ele não faz. Ele se movimentou dessa maneira em uma sexta feira, últimos horários, quando estava bastante cansado em decorrência das atividades do dia e da semana inteira. Aparentemente, existem dois tipos de cansaço que o aluno sente em determinado dia: no primeiro tipo está cansado em decorrência de estafa cognitiva, o que o limita de apreender novos conceitos e realizar atividades que o desafiem. No segundo, o cansaço é físico e não necessariamente irá afetar a vontade do aluno de realizar novas tarefas no momento. Evidentemente, pode haver dias em que o Eduardo demonstra estar cansado dos dois modos, mas notou-se uma diferença de disposição. Sua evolução é surpreendente. O aluno está apresentando novos movimentos, ações, repertório, o que significa que ele está crescendo e se expandindo! 33 5.5. Produção com o aluno Mais uma vez, é relevante relatar que há uma flexibilidade quanto ao momento de aplicação das atividades planejadas, pois o aluno apresenta ocasiões que extrapolam o horário da programação de atividades, o que configura certa espontaneidade e demanda do aluno. Escolhi as quatro atividades a partir das observações das necessidades do aluno Eduardo. Esse conjunto de atividades compreende uma produção de atividades lúdicas, motoras e expressivas. Houve uma aplicação (parte 1) e reaplicação (parte 2) para observar as diferenças entre os dois momentos e se houve algum tipo de desenvolvimento, diferenças e outros comportamentos. Primeira atividade – Parte 1 O objetivo desta atividade é perceber como o Eduardo pode interagir com a tinta guache para criar novas imagens e assim, aumentar o seu repertório rumando possivelmente para a abstração das formas. O suporte utilizado foi o papel e madeira MDF. Foram mostrados recortes de imagens de livros didáticos antigos e outros oriundos de panfletos de supermercado para colar caso o aluno quisesse. São trinta minutos disponíveis para isso. O objetivo é apreender o que acontece quando é dada total liberdade para o aluno experimentar, no papel e em outros suportes. Coloquei o Eduardo frente a frente com o suporte que estava na posição vertical, como um espelho de frente pra ele. Mostrei-lhe as tintas guache e pinceis. O comando era de pintar o que quisesse fazer. Eu lhe pedi que pintasse o suporte que já havia sido pintado por mim, por tantose trata de uma colaboração criativa. Eu havia pintado um retrato do Eduardo. E pedi que ele o pintasse. Então o fez. Com a tinta guache, no começo, ele pintou o rosto de um dos “Eduardos” retratados, com a cor rosa. Timidamente, ele começou a pintar, traço a traço... Logo notei que ele estaria em breve entediado com o exercício. É necessário passar exercícios logo no início da tarde, pois com o passar do tempo, ele perde o foco e energia. Portanto, eu tenho costume de ser mais rápido com ele nesse sentido. Maior agilidade. Logo eu sugeri que ele usasse as mãos para pintar e que pintasse em outras regiões do suporte que tem 49,7 cm x 86 cm. 34 Ele gosta muito de mergulhar mão no pote de tinta, fato que me surpreende até hoje, pois tudo que foge do comum como pintar um lago de rosa, o assusta e o deixa irritado e agitado. Não foi o caso. Ele pintou com gosto e ao perguntar para ele se gostou de mexer com a tinta, ele respondeu que sim. Esfregou a mão em algumas partes do quadro e até colocou a mão como uma impressão, sem esfregar. Não demorou muito para que ele quisesse lavar a mão e terminar o exercício. Estes tipos de trabalhos não podem demorar muito para que ele não perca o entusiasmo e não fique cansado. Portanto, penso que seja viável apenas quinze minutos para todo o exercício, incluindo o tempo de limpeza dos materiais e das mãos. Também é importante incentivar ao aluno para que lave os pincéis e outros componentes da limpeza da sala após as atividades de arte empregadas. Percebo que quanto mais o aluno realiza este mesmo tipo de exercício, mais se sente habituado a fazê-lo, ou seja, torna-se menos resistente e mais confiante, porém o acompanhamento não deixa de ser necessário. Sobretudo, é necessário suscitar novos interesses no aluno, para que este se sinta sempre incentivado (pois já apresenta vontades de fazer novos feitos). Diferentemente do primeiro exercício, ele pareceu se familiarizar muito mais com o material, fazendo com o que o seu manuseio se tornasse mais fluido. Pretende-se investigar nos exercícios posteriores se o aluno se sente inclinado a realizar a atividade mesmo sem acompanhamento incessante. 35 Figura 1 Figura 2 36 Parte 2 Demos prosseguimento ao exercício anterior. Ele atendeu bem aos meus comandos. Mostrou-se bastante flexível principalmente ao começo do exercício, ao final mostrou-se mais rígido e seguro de suas decisões, sem mudar muito de ideia (por exemplo, ao ser perguntado se queria usar outra cor). Sua habilidade para pintar melhorou! Agora ele conseguiu pintar traços mais longos e outros tipos de pincelada que sugeri, executando sem dificuldades a forma circular, que está maior do que era em outros exercícios. Ele soube realizar com êxito uma pincelada pingada – semelhante à técnica do pontilhismo. No começo preferiu usar pincel, mas no decorrer do exercício, perguntei se queria usar as mãos e concordou, iniciando por dois dedos até pintar a mão inteira, esfregando uma na outra como se estivesseesfregando as mãos para lavar com sabão. Não demorou muito tempo para que ele pedisse para lavar as mãos. Esse momento foi interessante. Ele teve uma dificuldade maior para se levantar porque as duas mãos estavam sujas de tinta. Ele mostrou estar com medo de cair, então eu o ajudei e sujamos o chão de amarelo. Foi um momento delicado, mas curioso porque pôde proporcionar ao Eduardo um momento em que ele pôde ver que estava tudo bem sujar o chão e as mãos de tinta e que ele poderia lidar bem com a adversidade. Meu papel foi também o de encorajá-lo e de fazer com que sentisse seguro. Ele até riu e se descontraiu. Ao chegar à pia ele até me disse que não queria mais lavar as mãos, mas pareceu ter mudado de ideia rapidamente. Eduardo parece se animar quando lambuza as mãos com tinta: é como assistir a uma criança bem pequena brincar com tinta. Lavamos as mãos e voltamos ao exercício. O menino continuou a pintar com o pincel. As pinceladas melhoraram e eu sugeri novas formas de pintar e que pintasse em outras regiões do suporte, usasse outras cores, lavasse o pincel, que pintasse com um pedaço de papel higiênico e tinta. Eu demonstrei como seria e ele reproduziu maravilhosamente, até repetiu a técnica diversas vezes, com intimidade com o material. Percebo, como arte-educador, a necessidade de não interferir no processo do Eduardo, pois sinto que sem a minha interferência outras ações podem surgir. Como por exemplo, quando ele estava pintando com o pincel já com a tinta azul e o molhou com a tinta amarelo, misturando as duas cores na madeira MDF. Eu comecei perguntar quais as cores que ele misturou e o que seria o resultado disso. 37 Não disse de imediato o resultado, e então, não muito depois ele respondeu que dava verde. Outra dinâmica que acontece entre uma pincelada e outra é que ele olha muitas vezes para mim e pede para que eu fique com as mãos cruzadas, como ele gosta de ficar na maior parte do tempo. Questiono-me se esse pedido funciona como algo que lhe dá segurança, confiança ou é um acordo. Mas chego a conclusão de que não é um acordo pois quando eu não faço o que ele me pede, ele continua a pintar mesmo assim, ou seja, não é necessariamente um acordo ou uma troca de serviços – “eu faço o que você quer que eu faço mas você também faz o que eu quero que você faça”. Penso que isto é mais uma forma de interagir comigo, o que ele faz com muito prazer. Por vezes ele pinta olhando para mim, quase que como se tudo fosse uma coisa só. Outras vezes também pinta concentradíssimo no que faz e no resultado das pinceladas. De fato, a pintura, os movimentos que são iniciados por ele e todo o efeito que isso lhe causa que se manifesta ao longo dos dias a seguir configura a atividade como uma “coisa só”. Ele olha para mim, olha pra pintura. Começo a imitá- lo, ele larga o pincel por alguns minutos, e ele faz novos movimentos para que eu possa imitá-lo. Portanto, o exercício das imitações se faz presente aqui também! O que possibilita que o trabalho seja muito mais integral! Percebo novos trejeitos surgindo, como o piscar de olhos que ele fez para que eu o imitasse. Um pequeno gesto feito por ele, indica o início de um novo exercício lúdico que ele demonstra querer que eu faça com ele. Continuando, após ter limpado as mãos, decide usar os dedos para pintar novamente – isso não acontece normalmente em outros exercícios artísticos feitos na escola. Normalmente ele se suja com as tintas e pede para eu auxiliá-lo para lavar as mãos e não se lambuza mais. Isso demonstra bastante engajamento na atividade, é muito positivo! Eu achei que ele teria parado de pintar com mais facilidade, em menos tempo, mas ele realmente curtiu fazer a atividade o que me trouxe alegria como ele também sentiu durante o “jogo”, ou seja, intercalamos pintura com movimentos de imitação! Novas palavras surgiram – “tá bom”: fez com uma vozinha fina, quando eu transferi a tinta para a tampa do recipiente, frases que normalmente eu digo quando ele está transferindo algum líquido para outro lugar! E o piscar dos olhos sugerindo de forma não verbal que eu o imitasse ou que fizesse o que ele queria que fizesse o que resultaria numa interação. Interessante, pois em 38 alguns outros momentos ele me pede que eu feche os olhos, mas ele também não quer fazê-lo. Como se ele estivesse a inverter as posições. Ele parece gostar de me imitar, de me dar os comandos para fazer o que ele quer e de me ver representando ele, fazendo coisas que ele gosta, percebo que ele gosta porque sorri bastante. Tudo isso parece convergir para o sentido da interação que lhe é tão precioso e necessário. Quando uma moça amiga dele chegou e se aproximou da pintura ele disse “sozinho, sozinho!”, o que indica uma importância do seu lugar de individualidade (não quer mostrar paraa vovó) e que demonstra autonomia, pois quer fazer as coisas por si só! Respeito sua necessidade de ter um espaço criativo desta forma, que não precise ser constantemente mostrado para outras pessoas. Também sugeri que colasse imagens em cima da tinta pintada. O movimento das pernas cruzadas - quando fui imitar ele quando estava de pernas cruzadas, ele demonstrou tentar empurrar os joelhos para o chão, fez isso para que eu sentasse de pernas cruzadas com o meu limite e não com o limite dele, achei interessante isso, pois ele estava a demonstrar que eu me sentasse do jeito de sempre e não do jeito dele, ainda que ambos estivéssemos sentados de pernas cruzadas!! Ao pedir que ele também cruzasse as mãos, ele disse “tô pintando!!”, ele também nunca tinha feito essa afirmação com tamanha segurança antes. Tudo isso em um único exercício. Exibe autonomia quando abre os potes ainda que diga que não consegue, aí digo “consegue sim, Eduardo!”, e ele prossegue e se supera. Quando se sujou com a tinta e estava desesperado para lavar as mãos, com o meu auxilio percebo que ele não fica tão desesperado e logo se entrega aos risos!!! Concluo que o aluno obteve maior habilidade com os materiais e pareceu estar mais fluido com relação aos traços feitos com o pincel, com os dedos e mãos - o que levou a uma ampliação das formas com círculos maiores e traços mais lentos e delicados. Além disso, conseguiu utilizar um novo material para pintar – o papel higiênico, quando molhado na tinta. Analisou-se que caso o Eduardo esteja desacompanhado desacelera e não executa as atividades com tanto engajamento e em poucos minutos para de praticar. 39 Figura 3 Figura 4 Segunda atividade O objetivo desta atividade é observar como o aluno pode realizar o recorte e a colagem e como pode interagir com as imagens das revistas e panfletos disponíveis 40 para recorte. Pretende-se observar se o Eduardo faz algum tipo de seleção a partir das imagens a serem coladas no papel e que relação estas imagens podem ter com a vida dele. Objetivou-se investigar de que forma dará sua expressão com esses materiais. A orientação dada foi a de que ele poderia recortar e colar o que quisesse. Observei que há uma dificuldade de desenhar uma variedade maior de elementos além dos quais ele já está acostumado, portanto foi pertinente estudar o que ele poderia fazer com imagens que já estão prontas para serem recortadas. São trinta minutos de atividade que variam dependendo da vontade e disponibilidade do aluno. Parte 1 Na primeira parte, utilizamos um antigo livro didático para recortar. O rapaz escolheu sem delongas recortar imagens de legumes e hortaliças advindos do livro didático para colá-los com cola branca numa folha de papel A4. Isso me deixou curioso, pois ele escolheu imagens de alimentos os quais não come. Comecei a questionar-me se isso aconteceu por tanto ouvir incentivos das pessoas do seu convívio – nas quais me incluo – a ingerir esses alimentos. Será que a escolha ocorre por uma vontade de contentar as pessoas que o incentivam a comer verduras, legumes e frutas? Ele demonstrou gostar de fazer a tarefa proposta. Figura 5 41 Parte 2 Na atividade de hoje, fizemos as colagens em um suporte diferente – em cartolina branca – pois achei que seriam necessárias para tornar o exercício mais desafiador e despertar novos estímulos no aluno. Dei os comandos de cortar e colar mais uma vez dando ênfase na possibilidade de cortar outras imagens que não fossem apenas as de folheto de supermercado ao qual ele está acostumado e sente atração. Perguntei a ele se ele gostaria de utilizar um pincel e ele concordou. Havia outras possibilidades de figuras para recortar como de costume nesta atividade, mas ele se concentrou nas imagens de produtos de supermercado. No entanto, ele recortou imagens de biscoitos que ele tanto gosta de comer. Mais uma informação pode ser necessária para tentar compreender um pouco mais do universo do Eduardo: ele gosta muito de ir ao supermercado com a avó, onde ele tem a autonomia de escolher tudo o que quer levar e pilota com muito prazer e destreza o carrinho de compras. Portanto, observo que recorta as imagens de que mais gosta porque fazem parte de seu repertório cotidiano mais íntimo. Experimentamos também tinta guache. Ao utilizar somente um pincel, as cores amarelo e azul começaram a se misturar. Aproveitei o momento para explicar qual seria o resultado da mistura dessas duas cores e que o resultado da soma dessas estava na ponta do pincel. Mais ao final do exercício, sugeri que usássemos materiais diferentes para colar ou para usar como carimbo – casca da maçã e plástico de bala com tinta. Penso que ele aceitou por cumplicidade, mas não pareceu realmente se interessar pela ideia. Este exercício foi interrompido por duas pausas, uma para o banheiro e outra para um café. Após a segunda pausa, ele puxou mais uma vez assunto comigo dizendo “gostosa a balinha!”, “é ruim!”, e “é gostosa!”. Isso me impressionou porque é resultado de uma maneira que desenvolvi para interagir com ele e provocar novas reações e respostas. Outro exemplo: na saída da escola eu costumo dizer “até sexta!”, quando na verdade estamos em uma segunda-feira. Isso faz com que ele retruque corrigindo e reagindo de outra forma dizendo: “não, até terça!”. As atividades propostas parecem integrar-se à vivência escolar, fazendo com que esta se torne mais rica e construtora de novos diálogos e oportunidades para se comunicar e relacionar-se. 42 Figura 6 Terceira atividade Posicionei duas cadeiras, onde nos sentamos e ficamos de frente para o outro, como se estivéssemos de frente para um espelho. Começo a imitar o Eduardo. Há momentos em que eu começo e em outros o Eduardo. (Eu o imito bastante e penso que isso o agrada por vários motivos, dentre eles porque estou me apropriando da linguagem e repertório (de gestos, voz, etc) que ele mais conhece para me comunicar e interagir com ele). Quando ele tem que me imitar no exercício, se ele não o fizer, eu faço o comando verbal ou utilizo o suporte físico, pegando nos braços dele e fazendo o movimento, por exemplo. E assim, vamos revezando. Ele se diverte bastante e ri muito. Acenamos para pessoas, objetos, para o céu, para as janelas, levantando os braços como num exercício de alongamento (é assim que combinamos de chamarmos o exercício), pois se relaciona muito bem com o que fazíamos antes nas aulas de Educação Física, nas quais nos alongávamos juntamente ao restante da 43 turma e combinava com a professora que se eu me alongasse também, isso o incentivaria a se alongar conosco. Eu o ajudava a se alongar, devidamente, o tocando, dando comandos verbais e utilizando situações reais como o ônibus que passava em frente à escola, como motivadoras para que ele fizesse maior esforço físico apoiando-se com os braços no andador, como se fizesse flexões, para conseguir ver melhor os ônibus. Nesse momento ele gritava entusiasmado e determinado: “ônibus amarelo!” Para complementar este relato, é interessante relacionar esta atividade com a habilidade do aluno em se desenhar. Este movimento foi notado na medida em que as atividades artísticas foram sendo propostas e realizadas por ele nas quais espontaneamente foi sendo visto um desenho de “boneco de palito” sendo executado por ele – em folha de papel sulfite e em quadro branco, seguido por uma clara verbalização de que este era o Eduardo, como o aluno me contou. O estudante também quis me representar. Não há nenhuma aparente distinção entre o desenho no qual fui representado com o desenho em que ele mesmo se representa. Há aqui um espaço para uma indagação: será que existe uma intenção de desenhar o que seria o outro assim como ele vê a si mesmo? Ou essas ações são feitas com
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