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INTERVENÇÃO FAMILIAR: CUIDADO E INTERAÇÃO UNIASSELVI-PÓS Autoria: Brenda Rodrigues da Costa Neves Indaial - 2020 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. N518i Neves, Brenda Rodrigues da Costa Intervenção familiar: cuidado e interação. / Brenda Rodrigues da Costa Neves. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 132 p.; il. ISBN 978-65-5646-109-0 ISBN Digital 978-65-5646-110-6 1. Mediação familiar. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 158.24 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA .........7 CAPÍTULO 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO .......................................................51 CAPÍTULO 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR ........................................................93 APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Seja bem-vindo à disciplina de Intervenção familiar: cuidado e interação. Nesta disciplina, teremos a oportunidade de conhecer um pouco a respeito de como podemos trabalhar com as famílias que tem um(a) filho(a) com TEA (Transtorno do Espectro Autista), sobre como é importante não negligenciar que essas famílias também precisam ser cuidadas durante o percurso de tratamento e de inclusão escolar de seus filhos. Este livro didático foi organizado e pensado de forma a expor temas que estejam diretamente ligados à intervenção familiar. Sendo assim, o livro foi dividido em três capítulos, com subitens em cada um, sobre os quais faremos uma breve descrição. O Capítulo 1 (Orientação familiar junto aos filhos com TEA) pretende abordar um panorama em torno dos impasses e impactos que um diagnóstico de TEA em uma criança pode interferir no contexto familiar. Por isso, foi pensado em deixar exposto como acontece o processo do diagnóstico de uma criança com suspeita de TEA; falamos sobre a “intervenção precoce” mostrando a sua importância para o desenvolvimento da criança que apresenta esse diagnóstico e como o quanto mais cedo for realizada essas intervenções, maiores e melhores serão os ganhos para essas crianças. Veremos, ainda, subtemas a respeito do Plano Terapêutico Singular, que é organizado com as famílias para a realização do tratamento, falamos sobre como as atividades diárias da família podem ser revistas, sobre o uso de algumas técnicas no manejo com a criança, dizemos o quão significativo é a orientação dos pais, a psicoeducação, os grupos de pais e como eles têm mostrado eficácia, sendo, hoje, recursos essenciais ao tratamento das crianças com TEA. Esses têm sido alguns dos recursos utilizados na clínica como meio de guiar os pais na compreensão de seu filho autista e seu modo único de se comportar, aprendendo a manejar o comportamento dessas crianças, reorganizando-se com qualidade frente ao cotidiano. Alguns cases foram expostos para que possamos compreender melhor, na prática, o que foi dito no âmbito teórico. O Capítulo 2 (A criança com TEA, a família e a escola: parcerias inclusivas) traz um rico conteúdo a respeito da história da Educação Inclusiva, como ela tem acontecido em nosso país e como tem sido essencial a participação das famílias nesse processo. Este capítulo aborda sobre como a Educação Inclusiva pode resultar em ganhos tanto para as crianças consideradas típicas, como para as crianças com autismo. Encontraremos, neste capítulo, como a perspectiva inclusiva tem promovido uma torção no ensino clássico e tradicional, nos provocando a pensar em novas maneiras de pensar o processo educativo. Conferiremos, também, uma discussão reflexiva em torno do processo de educar como uma perspectiva de tratar, quer dizer, a educação infantil como essencial ao tempo de desenvolvimento das crianças. E, ao final do capítulo, veremos exemplos de como é possível estabelecer um trabalho de parceria entre a escola e a família, e como novos saberes poderão ser criados. Para concluir este livro, conferiremos no Capítulo 3 um importante tema: o autocuidado familiar. Refletiremos sobre as dificuldades do exercício da maternidade e paternidade com o filho autista. Sendo assim, trouxemos conceitos relativos à função materna e à função materna e sobre como podemos pensar no cuidado e mesmo no autocuidado das famílias e suas crianças com TEA. E, para finalizar, encontraremos o tema a respeito de quem cuida dos cuidados principais, os pais, e sobre como é valiosa a escuta como recurso de cuidado com as famílias de crianças com autismo para propor novas e inventivas saídas. Este livro foi construído com a intenção de contribuir com a formação de você, acadêmico, com o objetivo de agregar e ampliar o conhecimento de forma reflexiva e crítica. Optamos por utilizar o termo “autismo” ao longo do texto, referindo-se aos transtornos do espectro autista (TEA). Esperamos que goste do livro e que ele possa fazer diferença na vida pessoal e profissional. Bons estudos! Prof.ª Brenda Rodrigues da Costa Neves CAPÍTULO 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Discutir sobre os impasses e impactos diagnósticos do TEA no contexto familiar. • Apresentar a importância da intervenção precoce. • Mostrar técnicas e orientações no manejo com as crianças com autismo no ambiente familiar. • Analisar as relações familiares e a leitura dos pais sobre seus fi lhos autistas. 8 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo 9 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A mãe de uma criança autista, Barnett (2013, p. 49), nos descreve de forma delicada e sensível como percebia seu fi lho: Ele fi cava brincando sozinho, parecia profundamente envolvido. Para os outros, podia parecer que ele estava simplesmente ausente, mas eu não via seu foco como vazio. Quando girava uma bola na mão, ou desenhava incansavelmente formas geométricas, ou revirava uma daquelas caixas de cereal no chão, ele me parecia completamente tomado. Sua atenção não soava aleatória ou impensada. Ele parecia alguém perdido em algum trabalho muito importante, muito sério. Infelizmente não podia dizer qual era. Neste breve relato, podemos entender a dor dessa mãe que se coaduna a outras tantas mães. Como poderemos ajudar as famílias a compreenderem o que é ter um fi lho autista para poderem ajudar seus próprios fi lhos? O processo psicodiagnóstico de uma criança com suspeita de autismo envolve muitos especialistas, como: neuropediatras, psiquiatras infantis, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos; e, ainda, outros fatores, como: a aplicação de escalas de avaliação, entrevistas com os pais, e, sobretudo, a observação clínica para a conclusão do diagnóstico. Podemos considerar os principais comportamentos típicos de uma criança autista: a recusa de estabelecimento de contato tátil ou visual com outras crianças ou pessoas, a não interação e a falta de compartilhamento nas brincadeiras com as demais crianças, o desinteresse do mundo que está a sua volta, fi xação e regressão sensorial, fi cando inerte somente em toques e movimentos vinculados ao próprio corpo,tapando os ouvidos, se autoagredindo, ou apresentando tendências à fl ap com as mãos quando contrariada ou irritada, ausência de fala ou fala monossilábica, início precoce. 10 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo FIGURA 1 – CRIANÇA MORDENDO-SE DIANTE DE UMA SITUAÇÃO CONFLITUOSA FONTE: <https://www.tebfi x.com/image/catalog/articles/ kids/ST5.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. O tempo entre identifi car e diagnosticar uma criança com autismo pode ser muito angustiante para as famílias. Alguns escritos atuais de autistas adultos e de seus pais (GRANDIM; SCARIANO, 1999; NOTHOMB, 2003) nos atestam ao sofrimento das famílias até que fosse iniciado um tratamento e, mesmo durante a sua execução, um espaço de tempo até que pudessem colher os efeitos clínicos das terapêuticas empreendidas. A psicanalista Marie-Christine Laznik (2013a) tem realizado pesquisa há mais de trinta anos com bebês e crianças com sinais de autismo, chega a supor que, diante da recusa dessas crianças em responderem à convocação dos pais, esses pais podem acabar apresentando estados depressivos, devido ao cansaço e ao desânimo, de não obterem respostas diante do investimento para com o fi lho. O que a autora quer nos dizer? Os pais ou mães podem se sentir impotentes e frustrados com o fi lho que está apresentando sinais de autismo, devido à peculiaridade das suas características, como aquelas que dissemos anteriormente (como a recusa de interagir, não se atentando ao mundo ao seu entorno, a fi xação ou regressão sensorial, dentre outros). Por isso, a importância de terem um suporte de profi ssionais especialistas em autismo, e dispostos a ajudarem, contribuindo com o crescimento das crianças autistas e suas famílias. Por outro lado, alguns pesquisadores (BERNARDINO, 2013; BALBO, 2009) sublinham que o estado emocional da mãe, enquanto cuidadora principal do bebê, pode afetá-lo. Caso a mãe esteja deprimida, seu humor rebaixado e o pouco investimento de vida ao bebê pode conduzi-lo a um estado de menor energia vital, desencadeando reações sintomáticas semelhantes a uma psicopatologia autística, como o evitamento do contato, desvio de olhar, dada à condição frágil da mãe e de seu escasso investimento no fi lho. 11 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 Nesse sentido, os teóricos Rogers, Dawson e Vismara (2015) e Gaiato (2018) apontam que as intervenções e as estratégias simples, como sugerir que os pais assistam a fi lmes que ilustram casos bem-sucedidos, podem desangustiar os pais, ajudando-os a cuidar de seus fi lhos de forma mais leve, promovendo o desenvolvimento da criança e respeitando sua maneira única de ser. A ideia, portanto, é de não deixarmos que o desejo dos pais de cuidar do fi lho autista se perca. Dessa premissa, buscaremos neste livro apresentar informações, refl exões, cases, teorias, ferramentas e estratégias que poderão contribuir com todos os que estão cuidando das famílias que têm fi lhos autistas. Esperamos permitir que o material disponível contribua com o seu crescimento! 2 A FAMÍLIA E SEU CONHECIMENTO SOBRE O FILHO AUTISTA: A INTERVENÇÃO PRECOCE A difi culdade em reconhecer que um fi lho está com problemas é algo pelo qual muitos pais passam. Por isso, ver que um fi lho apresenta uma forma diferente de comportamentos de outros bebês, ou mesmo diferente de outro fi lho, gera um sentimento de tristeza e inaptidão. Em geral, as mães são as primeiras a identifi carem que o seu bebê apresenta movimentos aquém ao que ela espera, que não se aconchega em seu seio para mamar, e que faz poucas ou nenhuma troca de olhar. Esses são alguns dos sinais importantes observados pelas mães e pelos pais, que carecem de uma escuta e um olhar aguçado dos profi ssionais que receberão essas famílias. Quando recebemos as famílias na clínica e pedimos para que nos contem a história de seu fi lho(a) autista desde o tempo de bebê, algumas famílias relatam como insistiram com os pediatras ou neurologistas de que seu fi lho parecia não estar bem, porque a coordenação e as funções motoras pareciam não funcionar como o esperado, demonstrando um corpinho rígido ou muito “molinho”, ou a falta de engajamento e a ausência de interação, bem como pela não resposta do olhar quando convocado ou pela ausência do balbucio nas brincadeiras e nas conversas de protoconversação entre as mães e seus fi lhos. Esses são hoje alguns dos sinais de marcadores para autismo reconhecidos pelos profi ssionais especialistas atuais (ROGERS; DAWSON, 2010), mas também já foram apontados pelos principiantes pesquisadores na descoberta do autismo: Leo Kanner (1997) e Asperger (1991). 12 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo “A protoconversação é um tipo primário de conversa realizada entre a mãe e o bebê, o manhês, que se caracteriza pelo ritmo, altura (agudo) e entonação, com incidência de picos prosódicos, em sintaxe simplifi cada, valorizada pelas vogais às consonantais, diminutivos e repetições silábicas” (JERUSALINSKY, 2011, p. 67). Antes mesmo de o bebê entrar na linguagem formal ele anuncia sua habilidade social e de intenção comunicativa ao responder à convocação materna com os seus balbucios, gestos faciais e olhar direcionado. Pesquisas apontam que crianças que evoluíram para o quadro de autismo não chegaram a iniciar ou concluir esta protoconversação esperada como prévia ao desenvolvimento posterior da linguagem formal (LAZNIK, 2013c). FIGURA 2 – MÃE CONVERSANDO COM SEU BEBÊ FONTE: <https://st2.depositphotos.com/3065183/8661/i/950/depositphotos_86610744- stock-photo-family-woman-with-a-child.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. Pela escuta de alguns pais (GAIATO; TEIXEIRA, 2018), alguns relatam que profi ssionais da área de saúde podem não ter conferido atenção devido ao que os pais diziam sobre seus bebês apresentarem sinais de sofrimento psíquico ou mesmo sinais de autismo. Neste tempo, entre o que fazer diante do que observavam e o diagnóstico do especialista, os pais comumente relatam um período de muita angústia, medo, sentimento de culpa e ansiedade culminando no atraso de intervenções pontuais que já poderiam ter sido realizadas precocemente. Escutar e buscar compreender uma família em sua angústia diante do fi lho que não responde as suas insistentes tentativas de interação é condição primária para que se possa iniciar uma observação clínica, que, a partir dos relatos dos pais, pode ser realizada uma hipótese diagnóstica. Considerar a fala dos pais signifi ca acolher e respeitar o sofrimento pelo qual estão passando. Não são poucos os casos em que as famílias são taxadas de ansiosas, que devem esperar o tempo da criança, e, neste intervalo, pode-se perder um precioso tempo relativo ao desenvolvimento da criança para intervir. 13 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 Em contrapartida, é verdade que nenhum pai e mãe está preparado para receber um diagnóstico de que seu fi lho é autista. Nesse sentido, ao receber uma família que se encontra nesse momento de angústia, é preciso delicadeza em noticiar para a família a hipótese de autismo. Quando uma família fi ca grávida, ela espera o nascimento do bebê ideal, imaginado como das propagandas da TV. As mães e os pais pensam muitas coisas sobre como será seu fi lho, com quem ele irá parecer, até mesmo qual profi ssão terá no futuro, antecipando o que o fi lho virá a ser antes mesmo que ele responda a este desejo. Esse movimento antecipatório é prévio e primordial para que a criança exista em sua condição de sujeito. No entanto, nem sempre elas responderão a tudo o que os pais desejam, gerando um descompasso entre a mensagem imaginária dos pais e a resposta singular dos fi lhos. Cabe salientar que a realidade da suspeita de que o fi lho tenha autismo em muito se distingue de que ele possa sofrer de défi cit de atenção ou atraso na fala e linguagem. A confi rmação diagnóstica para o autismoprovocará na família um processo de luto da perda daqueles ideais imaginados que tinham antes mesmo da criança nascer. Pode-se verifi car esse movimento também com as famílias que têm fi lhos sindrômicos ou com alguma malformação. A psicanalista Maud Mannoni (1999), a partir de sua prática clínica, pode observar muitos destes casos. No Capítulo 2, falaremos mais a respeito desta autora e de suas experiências em uma escola para “crianças especiais”, crianças com diagnósticos de retardo mental ou com síndromes. Você pode conferir casos clínicos de crianças diagnosticadas com síndromes no livro A criança retardada e sua mãe, da psicanalista Maud Mannoni. 14 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo FIGURA 3 – BEBÊ EM INTERVENÇÃO PRECOCE FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcSEk9GtIhLHdD- krtp74gtw0YzBI-Vb2kNF_2zjlS3mQEUqnx5O&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020. O diagnóstico de autismo para uma criança poderá provocar nas famílias um sentimento de negação até a sua aceitação. Muitas famílias podem passar pelo processo impactante do diagnóstico. O sentimento de negação de que o fi lho tenha autismo pode ser visto pela fala e comportamento dos pais. O sentimento de culpa, a raiva e soluções fantásticas caracterizam o negacionismo pelos quais podem passar algumas famílias. Alguns pais podem reagir de forma irritativa ou mesmo agressiva aos profi ssionais, podem questionar a própria fé, a Deus e ao mundo e, ao mesmo tempo, podem demonstrar um grande sentimento de culpa de que possam ter transmitido “genes ruins” aos fi lhos, ou de que não sabem ser “bons pais”, de que não consumiram vitaminas e alimentos sufi cientes, e, com isso, muito tempo e energia são gastos sem resultar em soluções aos problemas identifi cados (GAIATO, 2018). Nesse momento, os profi ssionais que receberem essas famílias precisarão ser pacientes, acolhedores e explicar sobre a importância do trabalho da equipe multidisciplinar, de como as terapêuticas têm sido efi cazes, lembrando da importância da intervenção precoce nos casos de crianças menores de três anos, a qual busca, dentre vários fatores, prevenir problemas futuros no desenvolvimento da criança. A dor dos pais com a perda dos ideais imaginados em relação ao fi lho(a) pode e deve ser trabalhada em conjunto durante as sessões das terapêuticas. Os profi ssionais poderão explicar como acontecerá o tratamento e, com seu início, logo os pais poderão ver efeitos clínicos benéfi cos às crianças e, assim, a aceitação do diagnóstico poderá acontecer de forma conjunta, quer dizer, ao longo do processo de tratamento. É de extrema importância o acolhimento e a explicação dos profi ssionais especialistas, especialmente para os casos de crianças entre zero a três anos, quando se considera, atualmente, um tempo oportuno de realização de intervenções devido à neuroplasticidade cerebral e das janelas de oportunidade. Falaremos melhor sobre isso na próxima seção. 15 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 FIGURA 4 – FAMÍLIA EM CONFLITO FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcTpSqU1YB4wXz BZENLwdI-zR4EwegjjKnTqn72I-wNf6-BEhhqQ&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020. Sendo assim, os profi ssionais precisarão conceder suporte e ajuda aos pais conduzindo-os a compreender e aceitar a hipótese diagnóstica de autismo apresentando boas, criativas e construtivas saídas. Isto não signifi ca que estejamos recusando a dor das famílias, pelo contrário, estaremos apresentando à elas que seus fi lhos são capazes e tem habilidades únicas que poderão ser estimuladas, promovidas e remodeladas. 2.1 SINAIS PRECOCES DE SOFRIMENTO OU DE AUTISMO EM BEBÊS Na atualidade das pesquisas (APA, 1994; LAZNIK, 2013a; MALEVAL, 2017, GAIATO, 2018), é uníssono que identifi car precocemente sinais de autismo em bebês pode ser determinante para o curso do desenvolvimento da criança na aquisição das suas habilidades neuropsicomotoras, subjetivas e sociais. Sabe-se que existe uma variação individual entre as crianças autistas devido a sua condição multifatorial. Junto disso, estudos apontam que a realização da intervenção precoce em conjunto com programas intensivos pode muito promover o desenvolvimento das crianças em suas áreas prejudicadas. Desse modo, é indispensável a realização de uma avaliação e possível hipótese diagnóstica precoce para que medidas de intervenção possam ser tomadas prevenindo prejuízos no desenvolvimento da criança no que se refere aos campos cognitivo, social e subjetivo. Todavia, como iniciar esse trabalho? 16 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Primeiro é interessante falarmos um pouco sobre como identifi car a presença de sinais de sofrimento em bebês de sinais específi cos de autismo e, posteriormente, o que vem a ser a intervenção precoce. Sugerimos que as questões seguintes possam ser refl etidas e discutidas com o seu tutor. • É possível fazer intervenções com bebês? • Como identifi car algum problema ou sofrimento em um bebê que ainda não fala? • Como posso ver sinais de autismo em bebês? Pode-se considerar como uma demanda para tratamento em intervenção precoce distintos fatores. Tentaremos apresentar o que seriam esses sinais de sofrimento em bebês distinguindo-os dos sinais de marcadores para o autismo. FIGURA 5 – MÃE ACALENTANDO SEU BEBÊ CHORANDO FONTE: <https://images.prismic.io/ netmums/9399814cc6114f2a572ef59cff22512c820de1ab_colic. jpg?auto=compress,format>. Acesso em: 22 maio 2020. Diversas formas de alterações no comportamento do bebê e suas funções corporais podem nos conduzir a um olhar mais atento. Embora o bebê não fale como nós, podemos fazer leituras dos seus movimentos corporais. Porém, como? Podemos considerar alguns comportamentos dignos de nossa atenção, como: 17 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 • Quando o bebê se alimenta em excesso ou passa a recusar o alimento. • Quando o seu choro parece inconsolável e desmedido para situações consideradas comuns. • O ciclo do sono parece desregulado, apresentando-se em excesso ou interrompido por terrores noturnos. • A presença da recusa ou desvio da troca de olhar com seus principais cuidadores, parecendo preferir objetos a pessoas (esse momento pode ser observado e sentido pela mãe especialmente quando está amamentando). • A não oferta do corpo aos seus cuidadores (pais, avós), não se deixando ser cuidado – esse bebê parece ter o corpinho rígido e não se aconchega ao corpo de seus cuidadores. • A ausência do balbucio, esperado entre cinco a oito meses, elemento prévio à fala, nos sinaliza de que algo na aquisição da habilidade de fala, imitação e linguagem não caminha bem. • Grande difi culdade com o desfralde e o controle dos esfíncteres. • Demonstração de insensibilidade à dor, ou hipersensibilidade a sons, ruídos, o contato físico e alimentos. Esses são alguns dos sinais importantes a serem observados em um bebê que justifi que o seu encaminhamento a profi ssionais para uma avaliação mais acurada, o que não destitui outros pontos que os pais possam indicar. Todavia, salientamos que os itens d, e, f e h seriam sinais concernentes a uma evolução para autismo, uma vez que são características próprias dessa estrutura psíquica. Isso faria uma diferenciação entre um bebê com sinais de sofrimento psíquico ao de um bebê com sinais de autismo. FIGURA 6 – BEBÊS EM DESENVOLVIMENTO NO BERÇÁRIO FONTE: <https://lh3.googleusercontent.com/93JZAmlD7drnD_ WPPYYMuvPSlJesFnk2EesbI5KmTzXQXg8x8vK_ JLs1EWN8fyCEiABUStA=s113>. Acesso em: 22 maio 2020. 18 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Traremos exemplos que você certamente poderá visualizar. O nascimento de um bebê em condições adversas, como o sofrimento fetal agudo (a falta de oxigênio, quando o parto demora a acontecer passando do tempo esperado), ou a descoberta de uma síndrome, logo apóso parto (como a síndrome de Down) podem justifi car, de antemão, antes mesmo que a criança apresente qualquer disfunção, desregulação ou atraso neuropsicomotor, o encaminhamento a uma equipe especializada em intervenção precoce para que o acompanhamento deste bebê seja feito. Nessas situações, é importante a estimulação precoce para o desenvolvimento dessas crianças devido aos fatores fi siológicos e/ou genéticos encontrados e que estes interferirão no desenvolvimento dessas crianças. Os estudos das neurociências e da epigenética (COUCHERNESE; ANSERMET; MAGISTRATTI apud WANDERLEY, 2013) salientam que no autismo há um componente genético, mas que ele só vem a ser ativado dependendo da relação com o ambiente (epigenética), quer dizer, se caracteriza como um transtorno com caráter multifatorial em que fatores genéticos combinados aos fatores ambientais podem resultar no desenvolvimento do autismo afetando áreas específi cas, como as habilidades sociais (interação), de comunicação de da linguagem, e na presença de comportamentos restritos, repetitivos e estereotipados. Neurociência é uma área da ciência que busca pesquisar o sistema nervoso, suas funcionalidades e estruturas, os mecanismos de suas células nervosas, sua fi siologia e os processos de doenças. A neurociência abrange várias áreas do conhecimento como a neurociência cognitiva, comportamental, neuroanatomia e neurofi siologia. Suas pesquisas em muito tem contribuído com avanços nas terapêuticas para os autistas. FONTE: <https://neurosaber.com.br/o-que-e-neurociencia/>. Acesso em: 22 maio 2020. Você deve se lembrar ou já ouviu falar da teoria do desenvolvimento humano, principalmente de autores reconhecidos desta área científi ca, como Jean Piaget. Jean Piaget foi um biólogo que se dedicou aos estudos da epistemologia. Ele nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 1896, e dedicou grande parte da sua vida aos estudos sobre a aquisição do conhecimento, mais precisamente sobre a epistemologia genética, uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento da criança. A sua grande infl uência e contribuição à ciência foi principalmente aos campos da psicologia e pedagogia, pois descreveu os estágios 19 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 do desenvolvimento, de bebê até a adolescência, dentro de um tempo cronológico, o que nos permite ainda hoje “esperar” que certas aquisições neuropsicomotoras, cognitivas e de habilidades sociais sejam adquiridas e desenvolvidas dentro do tempo esperado. O que não signifi ca que a criança aprende sozinha, ao contrário, ele salienta que o aprendizado é construído pela criança a partir das estimulações que lhe são ofertadas. Piaget morreu em 1980 em Genebra, na Suíça. Você pode conferir os estágios do desenvolvimento humano em: https://neurosaber.com.br/quais-os- estagios-do-desenvolvimento-cognitivo/. A abordagem construtivista proposta por Piaget (COLE; COLE, 2003) é a que busca demonstrar como as crianças representam mentalmente o que viram e perceberam e como podem atuar neste mundo. Para o autor, as crianças realizam essas atuações de forma ativa, assimilando e acomodando as suas experiências aos seus esquemas mentais preexistentes. Piaget descreve quatro estágios principais de desenvolvimento cognitivo em uma cronologia: estágio sensório- motor (0-2 anos), estágio pré-operatório (2-7 anos), estágio operatório concreto (7-11 anos) e estágio operatório formal (11 anos em diante). O estágio sensório-motor é considerada a fase do bebê. Piaget a defi niu, a partir de suas pesquisas, ao entender que acontece neste tempo uma relação íntima entre a percepção do bebê diante do mundo, ou seja, seu aspecto sensorial, e a reação do bebê a este mundo, com o aspecto motor. QUADRO 1 – SUBESTÁGIOS DO ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET Subestágio Idade (meses) Características do subestágio sensório-motor 1 0 – 1 ½ Esquemas refl exos: movimentos refl exos de agarrar, sucção, involuntários movimentos. 2 1 ½ - 4 Reações circulares primárias: repetição de ações agradáveis. 3 4 – 8 Reações circulares secundárias: foco da atenção ao campo externo, ações estendidas produzindo mudanças no ambiente. 4 8 – 12 Coordenação das reações circulares secundárias: emergência da capacidade intencional e coordenação de esquemas para alcançar algo que deseja, fase do apego. 5 12 – 18 Reações circulares terciárias: experimentação para verifi car as consequências de seus atos, variando a resolução de proble- mas. 20 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo 6 18 – 24 Início da representação simbólica: o bebê busca um objeto escondido certo de que ele existe e está em algum lugar, representação de objetos e imagens familiares, combinações simbólicas na resolução de problemas. FONTE: Adaptado de Cole e Cole (2003) FIGURA 7 – JEAN PIAGET (1896-1980) FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/67/ Jean_Piaget_in_Ann_Arbor.png>. Acesso em: 22 maio 2020. Junto da teoria de Piaget acerca do desenvolvimento humano, temos também a teoria de Vygostky (COLE; COLE, 2003) que discorreu acerca da importância da interação social criança-adulto, sobre as capacidades das crianças em realizar algo independentemente dos adultos ou com o apoio deles. A neurociência (MOURÃO- JUNIOR; OLIVEIRA; FARIA, 2017) e a descoberta da neuroplasticidade cerebral tem contribuído para corroborar estas teorias e para acrescentar que em todo momento da vida podemos aprender novas competências. Sabe-se que entre zero a três anos acontece de forma mais intensa a produção de células neuronais, por isso a intervenção precoce mostra-se muito efetiva, mas crianças maiores, adolescentes e os adultos também podem responder de formas diversas a estimulações, demonstrando novo aprendizado, por causa da nossa capacidade cerebral da neuroplasticidade. Isso signifi ca que nosso cérebro é maleável, plástico, permeável a novas modelagens mediante o aprendizado. Ele é capaz de se reorganizar mudando as estruturas e assimilando novas aprendizagens. Desse modo, o conhecimento passará pelo processo de aprendizado, por meio das interações sociais e dos objetos do conhecimento. Um ramo da neurociência busca de certo modo correlacionar maturação de funções cognitivas com um estágio do desenvolvimento, tal como descrito 21 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 por Piaget, em que a aquisição de conhecimento acontece dentro de um tempo histórico em uma gradação do menor para estados mais avançados de conhecimento. Podemos considerar que um bebê não tem a mesma coordenação motora de um adulto, certo? No entanto, a neurociência vem apontar que as atividades mentais como percepção, memória, linguagem e consciência podem em qualquer tempo serem modifi cados, mas a “primeiríssima” infância se constitui como um tempo especial de aquisição de funções mentais e motoras, pois é quando as crianças respondem mais rapidamente às intervenções do que em outra fase. É por isso que os pesquisadores salientam a relevância da intervenção precoce. Considerando todas essas informações, e as de Piaget de que algumas aquisições são esperadas para acontecer dentro de um espaço cronológico do desenvolvimento, aquelas que não estão sendo vistas se instaurar devem acionar um alerta aos seus cuidadores. O reconhecido e pioneiro cientista de estudos sobre o autismo, Leo Kanner, psiquiatra austríaco radicado no Estados Unidos que pesquisava as psicoses infantis na John Hopkins University, publicou Os distúrbios autísticos do contato afetivo (1943), em que descreveu um estudo longitudinal realizado com 11 crianças que apresentavam sintomas semelhantes. Ele veio a descobrir inéditos sintomas que se distinguiam das psicoses infantis, denominando-a como uma categoria nosológica diferenciada: autismo infantil precoce. Kanner identifi cou que, no caso do autismo, seus sintomas não irrompiamem certo momento da vida como nas psicoses, mas se iniciavam precocemente na infância evoluindo até a vida adulta, gerando incapacidades nos campos da linguagem e da interação social, necessitando de apoio por longo período. Desde então, muitos atuais especialistas corroboraram seus estudos e concordam que alguns traços podem ser verifi cados logo em crianças bem pequenas. FIGURA 8 – LEO KANNER FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/67/28/49/672849c5327769e50de0457d38a167ec. jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. 22 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Acadêmico, indicamos o capítulo Os distúrbios autísticos do contato afetivo de Kanner, que aparece no livro Autismos de Rocha (1997, p. 111-170). Com a ajuda da pesquisadora Marie-Christine Laznik (2013c), situamos alguns sinais em bebês de que algo podem indicar um encaminhamento ao autismo, tais como: • Incapacidade ou grande difi culdade de as crianças estabelecerem relações com pessoas e situações desde o princípio de suas vidas. • Agindo como se os outros não estivessem perto de si (solidão). • Recusa ou desvio da troca de olhar com seus principais cuidadores. • Não se acomodam bem no corpo de seus cuidadores, evidenciando uma hipersensibilidade ao contato táctil, olfativo, a ruídos. • Como se estivessem presas ao próprio corpo e fechadas ao contato, não estabelecem conexões de olhar e nem trocas de fala, não chegam a balbuciar, fi cando em profundo isolamento. • Não realiza trocas simbólicas e brincar compartilhado. • Não ofertam seus corpinhos para serem cuidadas pelos pais, como oferecer a barriguinha ou pezinho para serem beijados. • Não realizam a imitação. • Parecem bebês muito bonzinhos, quase nunca choram, podem passar horas no berço sozinhos sem reclamar, e sem realizar qualquer demanda. FIGURA 9 – INTERVENÇÃO PRECOCE FONTE: <https://madreshoy.com/wp-content/uploads/2015/09/ canguro-jugar.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. 23 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 Todos esses sinais nos dão mostras de que algo em relação ao desenvolvimento do bebê está com difi culdades de se instaurar e de que pode estar em sofrimento e encaminhando para o autismo. Ao não haver o completo estabelecimento de suas funções cognitivas e subjetivas apresenta um laço frágil ao campo social. Tudo isso justifi ca uma avaliação de especialistas e a condução para a intervenção precoce. 1 Quais são os sinais de autismo que podem ser vistos em bebês? Classifi que V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as FALSAS. ( ) Incapacidade ou difi culdade de estabelecer relações com pessoas desde o princípio da vida. ( ) Recusa ou desvio de troca de olhar com seus cuidadores. ( ) Realiza a imitação. ( ) Não realiza trocas simbólicas e brincar compartilhado. 2.1 SOBRE A INTERVENÇÃO PRECOCE E A JANELA DE OPORTUNIDADE Ainda que não se recomende concluir o diagnóstico de autismo antes dos três anos (APA, 1994), pois a criança ainda está em período de maturação e desenvolvimento de suas funções, devemos, contudo, aproveitar a neuroplasticidade cerebral. Antes dos três anos contamos com o período chamado de janela de oportunidades de sinapses: momento em que acontece, em nosso cérebro, o estabelecimento de muitas conexões as quais estimulam novas vias, fortalecendo-as, estabelecendo aquisições de habilidades específi cas (como a visão) e prevenindo prejuízos no desenvolvimento da criança (BARTOSZECK, 2007). Desde que o bebê nasce, espera-se que aconteça a interação com o ambiente, com outras pessoas e os objetos. Nesses momentos, em nosso cérebro acontecem as estimulações de novas vias neuronais, de modo que, ao ocorrer mais sinapses entre os neurônios, resulta-se na criação e fortalecimento de novas vias neuronais. Sob um aspecto econômico, o cérebro realiza um mecanismo 24 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo chamado de poda neuronal em que vias sinápticas inutilizadas são podadas, descartadas, permitindo ao cérebro se especializar e trabalhar de forma mais efi ciente. Tudo isso acontece neste tempo cronológico da janela de oportunidade, quando o cérebro, em sua neuroplasticidade, está em franco desenvolvimento de suas funções e mais aberto a estimulações. As sinapses acontecem entre duas células nervosas, células específi cas de nosso cérebro, entre um neurônio e outro local em que os neurotransmissores fazem sua ação, realizando a transmissão de um impulso nervoso, como uma informação transmitida de uma célula a outra. FIGURA 10 – TRANSMISSÃO NERVOSA FONTE: <https://conhecimentocientifi co.r7.com/wp-content/uploads/2019/09/sinapse- o-que-e-onde-como-e-por-que-acontece-1-1024x402.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. Com a entrada das intervenções, em tempo precoce, pode-se permitir saídas construtivas e felizes às crianças pequenas com sinais de autismo, e as suas famílias, ao conceder novas possibilidades de se desenvolver, tornando-as capazes e com condições de construção de sua autonomia. Na atualidade, os diversos e distintos espaços da ciência, as mídias e os diferentes campos das ciências, como a medicina, a neurociências, a educação e a psicologia têm demarcado que a intervenção precoce permite a promoção do desenvolvimento dos bebês de forma a prevenir problemas quando já pode-se identifi car existir algo que não vai bem. A intervenção precoce é uma modalidade de intervenção que se propõe a apoiar o desenvolvimento da criança pequena (0 a 3 anos), quanto ao seu aspecto instrumental (funcionamento) e estrutural (subjetivação), diante de algum problema ou mesmo uma patologia oferecendo recursos a sua recuperação, com terapêuticas diversas, objetos e técnicas, que cobertos de sentido, quer dizer, 25 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 ancorados no simbólico, ajudam a criança a se desenvolver, situando-a no mundo quanto ao seu aspecto neuropsicomotor, social e subjetivo. Como estratégia interventiva, trabalhamos com os vínculos: família- terapeutas. Os terapeutas – aqui estamos nos referindo aos profi ssionais da equipe, médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fi sioterapeutas, fonoaudiólogos – que se colocam em posição de sustentar e fortalecer as famílias reativando o saber dos pais sobre o seu bebê e ofertando novas formas de promover a interação e estimulação do que se encontra em prejuízo. O processo de interação e aprendizagem faz com que nosso cérebro se reorganize, elimine e fortaleça novas conexões. Assim, a multiplicidade dos estímulos poderá determinar a complexifi cação entre as células o que não signifi ca que um bebê irá aprender a ler e escrever por receber muita estimulação. Nascemos prematuros e o cérebro termina de amadurecer até a adolescência, quanto as suas funções e o seu aspecto morfológico. As janelas de oportunidade, tal como o nome diz, se abrem e se fecham dentro de um tempo, neste sentido, competências podem ser desenvolvidas ou não, dependendo da estimulação. A competência visual, por exemplo, poderá não acontecer ou fi car seriamente comprometida caso não haja estimulação visual. O trabalho de intervenção precoce poderá ser realizado em clínicas especializadas, consultórios dos terapeutas, em casa, mas sempre precisará que os profi ssionais se comuniquem entre si, procurando saber das intervenções dos colegas de modo a produzir e a realizar intervenções assertivas e acertadas. É condição indispensável àqueles que se colocam em posição de realizar intervenção precoce atuarem de forma interdisciplinar, quer dizer, que todos tenham conhecimento mínimo ao que o outro colega profi ssional realiza. FIGURA 11 – SALA DE INTERVENÇÃO PRECOCE FONTE: <https://www.colegiodomus.com.br/fi les/noticias/0000001-0000500/431/9b3 64db7662965afebfba2aa7d0c23df.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. 26 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Outro ponto de suma importância é que os pais sejam protagonistas e convocadosa estarem presentes de forma ativa. Isso já faz parte do momento de “treinamento dos pais”. Por isso, consideramos que os profi ssionais precisam estar abertos para discutir e incluir os pais a participarem da construção do Plano Terapêutico Singular de seus fi lhos, isso signifi ca que eles têm o direito de saber e compreender quais são os pontos ou marcadores do desenvolvimento que se encontram aquém do esperado para a idade e que precisarão de intervenções para serem alcançados. FIGURA 12 – MÃE REALIZANDO A INTERVENÇÃO PRECOCE POR MEIO DO BRINCAR FONTE: <https://atusaludenlinea.com/wp-content/uploads/2015/06/ Estimulaci%C3%B3n.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. Sobre os instrumentos de triagem e avaliação a serem utilizados pela equipe interdisciplinar de intervenção precoce, recomenda-se que sejam utilizados aqueles que são validados cientifi camente, como: o CARS (Childhood Autism Rating Scale); o M-CHAT (Modifi ed Checklist for Autism in Toddlers) e o PREAUT (CULLERE-CRESPIN; OLIVEIRA, 2015) que propõe a avaliação nos quatro e nove meses. A partir das competências avaliadas, constroem-se objetivos de intervenção, que deverão ser manejados dentro de um período, em torno de 12 semanas, conferindo um tempo de cerca de três em três meses de intervenções para reavaliação. O Modelo Denver de intervenção precoce com crianças com autismo, para a promoção da linguagem, aprendizagem e da socialização (2010) se confi gura como um excelente material de avaliação e acompanhamento de crianças até os seus cinco anos e nos serve de inspiração na construção do Plano Terapêutico Singular, pois, por meio dele, podemos ver as áreas que se encontram defi citárias e que carecem de estimulação. A intervenção precoce para crianças com sinais de autismo precisará 27 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 acontecer de forma sensível, clara e objetiva. Incluindo os pais durante as sessões, propomos que os terapeutas utilizem de objetos e brinquedos que sejam familiares e próximos das crianças, contextualizadas a sua realidade, de forma a que os pais possam dar continuidade ao que foi realizado no ambiente controlado do consultório para a extensão da sua realidade em casa na rotina diária. FIGURA 13 – CAPA DO LIVRO MODELO DENVER FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/51ASAvvZvFL._ SX342_BO1,204,203,200_.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. FIGURA 14 – EXEMPLO FICHA DO M-CHAT FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/protocoloteasp2014-170630030352/95/protoco- lo-tea-sp2014-66-638.jpg?cb=1498791895>. Acesso em: 22 maio 2020. 28 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Acadêmico, sugerimos a leitura do livro Compreender a agir em família (ROGERS; DAWSON; VISMARA, 2015). FÓRUM DE DISCUSSÃO Considerando o estudo até esse ponto, propomos uma questão para refl etir e discutir. Sob orientação do seu tutor, escreva suas conclusões no caderno de anotações. • Você concorda que a intervenção precoce se justifi ca? Explique baseando-se em casos já vivenciados por você, ou de leituras, buscando contrapor com casos de intervenções com crianças que não tiveram intervenção precoce. O que pode vir a acarretar ao desenvolvimento da criança caso não haja a intervenção precoce? E o que essa intervenção propõe a alcançar? 3 A FAMÍLIA NO TRATAMENTO CASE O livro da psicanalista Rosine Lefort, escrito em contribuição de seu marido Robert Lefort, O nascimento do Outro, apresenta de forma detalhada e descritiva o atendimento inédito em intervenção precoce de duas crianças pequenas: Nádia, 11 meses e Marie-Françoise, 30 meses. A intervenção aconteceu em uma instituição pública francesa de assistência social, Fundação Parent de Rosan, no período do pós-Segunda Guerra Mundial (1951-1953), destinado a crianças em situação de abandono ou de afastamento de seus pais. Rosine Lefort participava de uma pesquisa junto com o do Dr. René Spitz e Jenny Aubry sobre o “hospitalismo”, termo utilizado por ele para se referir à observação de crianças pequenas que ao permanecerem privadas dos cuidados particularizados dos pais, devido à longa internação em hospitais ou orfanatos, passaram a regredir 29 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 ou estagnar seu desenvolvimento global, apresentando sintomas semelhantes ao autismo. Na Parent de Rosan foram identifi cados que alguns bebês estavam apresentando comportamento regredido, como retraimento, melancolia com choro constante, catatonia, estereotipias como o balanceio do corpo e mãos, recusa em interagir, em brincar e se alimentar. Ao não se constatar a presença de causas orgânicas, a equipe hipotetizou que crianças privadas de cuidados primários de um cuidador específi co podem apresentar sinais de atraso global do desenvolvimento, demostrando uma espécie de abandono subjetivo. Essa pesquisa nos sinaliza que a privação de cuidados particularizados, ou seja, a falta de implicação e engajamento dos cuidadores primários (como os pais ou substitutos paternos) com as crianças pequenas pode resultar, dentre várias coisas, no atraso do desenvolvimento destas crianças. Diante disso, a psicanalista Rosine Lefort, se propôs a atender Nádia e Marie Françoise, que apresentavam traços e sinais de atraso global. Rosine utilizava de objetos do meio da criança, como: a mamadeira, o bico, o prato de mingau, os brinquedos, as fraldas, e ofertava sua presença falada ou recuada na cena interventiva, de forma a não invadir o espaço das crianças que demonstravam hipersensibilidade táctil, intencionando convocar às crianças à vida, e promover o desenvolvimento através do uso desses objetos e do vínculo estabelecido entre ela e as crianças. Retirando-as do limbo da ausência de desejo e do abandono subjetivo, a terapeuta estabeleceu esse vínculo particularizado com os pequenos pacientes e estes passaram a apresentar respostas distintas evidenciando os efeitos clínicos das intervenções, ainda que com limitações. Com Nádia a resposta foi a de apresentar engajamento e interação social, começou a falar, a fazer demandas, a brincar compartilhado, interagindo e trocando objetos, cessando os comportamentos de repetição e estereotipias com as mãos, não mais apresentava crises de angústia e foi indicada para o jardim de infância. Já Marie-Françoise mesmo apresentando melhorias quanto ao contato social, ainda permaneceu com abertura limitada às intervenções, mantinha-se em posição de preferir certo afastamento da interação social e, resistente em sair do comportamento autodirigido e fechado, não suportava longas intervenções, demonstrando hipersensibilidade ao som e ao contato táctil, não conseguindo se fazer entender diante de situações que lhe pareciam difíceis, gritava. Marie indicava um encaminhamento para o autismo, com todos esses sinais, precisando permanecer em tratamento, e Nádia demonstrou sua saída dele. Mesmo com todas as restrições da época, Rosine Lefort pode nos demonstrar a importância tanto da família e o papel dos cuidadores, quanto à efetividade da intervenção precoce. Interessante notar que Nádia era mais nova que Marie Françoise, será que podemos supor que o início mais precoce com Nádia pode ter promovido o seu melhor desempenho que com Marie? Ou o autismo também nos indica um modo único de ser e estar no mundo, independente das intervenções? 30 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo O caso apresentado muito pode nos colocar a refl etir sobre o papel da família nos cuidados com bebês e crianças. Um ambiente rico em estimulação e permeado de vínculo afetivo promove o crescimento e desenvolvimento global das crianças, enquanto um ambiente asséptico e com escassez de estímulos pode causar o atraso global no desenvolvimento das crianças. Podemos pensar, sobretudo, que a intervenção precoce permite uma considerável melhora dos sintomas autísticos em crianças pequenas de forma mais ligeira, mas a intervençãoterapêutica também o faz com crianças maiores e adolescentes. Após o recebimento do diagnóstico e a aceitação do tratamento é muito importante que possamos iniciar o processo de suporte à família. É fundamental que os pais possam participar de forma ativa no tratamento, incluindo-se e responsabilizando-se, no sentido de entender que somente as sessões de terapia psicológica no consultório, de integração sensorial da terapia ocupacional ou da fonoterapia, não resultarão em efeitos mágicos, caso em casa as crianças não recebam e percebam mudanças que as ajudem a se desenvolver. Portanto, eles precisam fazer parte do Plano Terapêutico Singular das crianças. Atualmente, muitas famílias têm em sua estruturação o pai e a mãe com horários muito restritos para estarem com os fi lhos devido à rotina de trabalho. No entanto, ainda assim pensamos ser possível aplicar mudanças na rotina que possam promover um ambiente saudável e feliz. Os momentos que a família está unida, como a hora do café da manhã, do almoço, do jantar ou mesmo o horário que antecede o dormir, com a leitura de um livro, e, quando a organização da casa se dirige ao silêncio, podem ser feitos com qualidade se os pais entenderem que caso se disponham, sem desistir, e valorizem o tempo em família, podem colher bons e proveitosos frutos. A família constitui-se como o primeiro lugar em que a criança se situará no mundo, podendo se reconhecer a partir do reconhecimento dos outros membros da família. Ela é uma instituição carregada de elementos simbólicos, éticos, morais, culturais e tem a função primária de inserir o humano no campo social transmitindo aqueles valores. A criança irá responder à própria família com a sua subjetividade única e através do que aprendeu nessa socialização primária, irá demonstrar na socialização secundária, quando, por exemplo, for para a escola, tudo o que aprendeu. Por isso, ressaltamos a importância da família na clínica com crianças. Bom, para começarmos, acreditamos ser importante que os terapeutas busquem saber da rotina diária da família, desde o amanhecer até o momento de dormir, para que se possa identifi car os momentos de angústia, birras, de comportamentos disruptivos, de crises, todos que podem gerar cansaço e discussões infi ndáveis entre os pais. Todavia, também podemos identifi car os 31 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 bons momentos e o que eles já puderam alcançar. As rotinas da vida diária devem e podem ser bons momentos de estimulação e interação entre as crianças e seus pais. Entendendo isso, muitos comportamentos que terminam por gerar brigas poderão ser prevenidos. 3.1 COMO INICIAR O PLANO TERAPÊUTICO SINGULAR O trabalho terapêutico acontecerá no consultório, clínicas, em visitas à escola e, em alguns casos, em domicílio. Após ser realizada a avaliação inicial com entrevista e aplicação de escalas de avaliação, pode-se demarcar com os pais quais são os pontos principais que precisarão ser trabalhados. Aquilo que a criança apresenta, o modo como se situa no mundo, com as pessoas, com os objetos, com a linguagem, como se comporta, como realiza, ou não, as atividades nos indicam como cada criança é única e como podemos intervir a partir do que ela se mostra. Podemos constatar como características únicas das crianças autistas apresentarem pouca habilidade em se comunicar, rigidez ou infl exibilidade mental, insistindo ou buscando manter tudo no mesmo lugar, difi culdade em realizar abstrações ou compreender os meandros de uma conversa e seus aspectos subjetivos, portar-se de modo literal nas colóquios e situações, apresentando difi culdade em ceder, difi culdade para manter um diálogo ou conversas com os familiares e amigos. Por isso, pode acontecer de as crianças apresentarem comportamentos vistos como inadequados ou inapropriados a determinadas ocasiões. Dizemos isso pois sabemos que pessoas não autistas também podem se apresentar inadequadas nas situações sociais. Temos visto que as técnicas terapêuticas que propõem intervenções de cunho educativo e com foco na aprendizagem têm tido grandes efeitos no tratamento dessas crianças o que não signifi ca que há o esquecimento da singularidade subjetiva delas e de suas famílias. Salientamos que as propostas terapêuticas não podem servir para comprovarmos nossas teses, mas para, de fato, podermos ajudar as famílias e as crianças com autismo nos pontos em que se localiza difi culdades ou impasses que culminaram no atraso do desenvolvimento. As intervenções que propõem o desenvolvimento de habilidades e mudança de comportamento por meio do aprendizado parecem ser interessantes propostas, pois estabelecem de forma clara e objetiva o processo que deverá ser realizado. Para a criança autista, quanto mais objetivo e claro um estímulo e uma proposta, 32 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo sem demandar demais, efeitos benéfi cos poderão advir. Asperger, em seu trabalho com os autistas, observou que, para se fazer escutar, deveríamos não nos ocupar demais dessas crianças, no sentido de não insistir de forma inadvertida forçando uma intervenção, seu conselho era o de a falar “sem se aproximar deles pessoalmente, não exprimindo muito os sentimentos, mas, ‘fi ngindo uma paixão desbotada’” (ASPERGER, 1998, p. 69). O tempo de trabalho com as crianças com autismo pode variar conforme o grau de severidade, mas, com todas, a literatura científi ca sugere dedicar muitas horas semanais para que ela possa expandir e estimular novas áreas e conexões neuronais com o aprendizado, através do estabelecimento do vínculo terapêutico, assimilar e adaptar funções expandindo as que não estavam em execução, resultando em melhorias ao seu desenvolvimento de uma forma ampla. Então, pode ser que seja proposto que os encontros com os terapeutas aconteçam de duas a três vezes por semana, em cada especialidade. Contudo, a escola e os momentos com os pais também são contados como momentos terapêuticos. A escola é um ambiente rico de aprendizado, promove a interação e habilidades sociais, culturais, reproduzindo as regras e costumes da sociedade, permitindo o conhecimento e aquisição de distintas habilidades, estimula as funções executivas e permite o ensaio das crianças sobre como portar-se socialmente, resolver problemas e buscar soluções, mantendo sua individualidade e particularidade enquanto sujeito. No entanto, é importante que a escola possa entender a peculiaridade da criança com autismo. Buscar saber quem é essa criança que está recebendo, conhecendo suas habilidades e difi culdades para que possa respeitá-la, ajudando-a e a incluindo-a no processo escolar. Falaremos melhor disso no próximo capítulo, mas adiantamos que a escola é considerada um terreno fértil para promover o desenvolvimento da criança autista e pode lançar mão de vários artifícios neste processo. FIGURA 15 – CRIANÇAS EM MOMENTO DE INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLA FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-a4lxM-DBXDo/Wbe0g3ZwcvI/ AAAAAAAAGxw/378cueNfzicQdNXh_7UB-M1YI8S92ne1ACEwYBhgL/ s1600/brincar.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. 33 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 1 Sobre a participação da família no tratamento da criança autista, classifi que V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as FALSAS: ( ) É fundamental a participação da família na construção do Plano Terapêutico Singular. ( ) Os momentos das atividades da vida diária não são propícios a mudanças e na promoção de um ambiente saudável. ( ) É importante realizar uma entrevista inicial com os pais da criança autista buscando entender as características da criança, suas habilidades e difi culdades, como se comporta, como eles intervém e como é a rotina diária. ( ) Os momentos em que a criança autista tem com sua família e com a escola são contados como tempo terapêutico. 3.2 REVENDO AS ATIVIDADES DA VIDA DIÁRIA Sabemos que as criançasautistas podem ter mais difi culdade para se expressar que as outras pessoas, que a sua capacidade de compreender o outro, colocando-se em seu lugar (empatia), pode ser para elas algo muito complicado. Sendo assim, as regras sociais são com frequência tidas como algo que resultam em imensos confl itos. Buscar compreender como uma criança com autismo funciona pode ser o caminho inicial para que as famílias se situem quanto aos seus fi lhos, entendendo e discernindo os momentos de angústia aos de birras. Bom, para podermos ajudar as famílias com seus fi lhos com autismo, podemos solicitar de antemão, como dissemos anteriormente, que nos informem da rotina diária da família e como descrevem cada momento do dia. Como um “Plano de Ação Inicial”, podemos fazer com a família dois quadros de rotinas: o atual (antes da intervenção terapêutica) e o quadro a ser aplicado. Solicitamos aos pais que coloquem no quadro diário tudo o que acontece em cada dia da semana e em certa hora e momento específi co do dia, por exemplo: “manhã de segunda-feira: acorda com difi culdade da cama, em horário variado, não se veste sozinho, café da manhã confuso (descrever como acontece tudo), o banho, vestir roupas, saída para escola, o percurso; tarde: horário de almoço”, e assim por diante, até o momento de ir dormir. Em um outro quadro, refazer a rotina de forma clara, ilustrada e objetiva, salientando a reorganização familiar no processo. 34 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Cabe frisar à família sobre a tomada de consciência de que essa rotina não signifi cará somente uma intervenção em prol do fi lho(a) com autismo, como se ele(a) fosse o rei da casa. Essa proposta serve como um dos meios de reorganização da rotina diária, prevenindo problemas (crises de ansiedade, birra e choro) para a promoção da qualidade no relacionamento familiar. Sendo assim, voltando ao quadro de rotina, é interessante dispor frases curtas com uma imagem em conjunto, de forma que a criança possa compreender de forma objetiva o que está sendo proposto para aquele momento, por exemplo: FIGURA 16 – EXEMPLO DE IMAGEM E FRASE SIMPLES PARA QUADRO DE ROTINA FONTE: <https://img.elo7.com.br/product/main/22D657E/quadro- de-rotina-tea-pecs-tdah.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. 35 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 Após a manufatura dos quadros, é interessante dispô-los, mostrando os quadros atuais e o proposto, feito em conjunto com o terapeuta, permitindo à própria família verifi car os pontos de confl ito, os momentos benéfi cos e propor mudanças, adequando cada coisa em seu tempo. Essa técnica se mostra muito efi caz aos pais e principalmente para as crianças, pois elas são incluídas a participar da agenda da semana da família, podendo assim organizar-se mentalmente sobre tudo o que virá a acontecer. Desse modo, permitimos à criança com autismo ser incluída ao ser tratada enquanto sujeito ativo. Ao fazer e colocar em prática esse quadro de rotina, é dado à criança a oportunidade de iniciar sua compreensão da ordem das coisas, o que diminui a angústia e os momentos de birras e discussões entre a família, momentos esses que podem deixar a criança ainda mais desorganizada. Já dissemos que para a criança com autismo é mais difícil compreender as mudanças, devido a sua infl exibilidade mental. O quadro de rotina permite a ela entender o processo diário, podendo até mesmo que em um segundo tempo, ela possa se incluir interferindo na rotina, propondo novos momentos, como um sujeito autista adolescente. O quadro tem a função de orientar a criança no seu dia a dia, sendo assim, ele deve ser uma ferramenta de uso diário em que os pais devem estar atentos à atualidade das mudanças, colocando-as no quadro, como quando algo da rotina que irá mudar, por exemplo, se um dia da semana ela irá almoçar com sua avó ao invés de ser em casa com os pais. Isso permite à criança ir trabalhando a fl exibilização mental e emocional, podendo aprender em como lidar com as frustrações e os imprevistos, os quais podem acontecer a qualquer momento em nossas vidas, você não concorda? Desse modo, muitas famílias compartilham que o quadro abre possibilidades para a família, promovendo diminuição da ansiedade na criança, permitindo sua aceitação diante de mudanças da rotina e melhorando o relacionamento entre os seus membros, incluindo os irmãos de crianças com autismo, que muitas vezes fi cam recuados, precisando ceder e tentando se adaptar ao irmão com autismo. Importante dizer, ainda, que haverá um momento em que o quadro de rotina poderá ser retirado, quando a criança crescida, ou já adolescente apresentar uma autonomia em suas atividades da vida diária. Em nossa experiência, algumas famílias relatam que essa ferramenta serviu para que elas pudessem realizar até uma organização fi nanceira da casa, quando puderam incluir tudo o que se referia à família no quadro. 36 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Descreva a aplicabilidade do quadro de rotina para a criança autista e sua família: 4 SER CUIDADOSO NAS INTERVENÇÕES COM A CRIANÇA E SUA FAMÍLIA Um dos momentos que os pais relatam grandes confl itos é quando algo da rotina da criança mudará, seja porque algo diferente do percurso ou do dia será retirado ou incluído. Nesse sentido, vemos a importância de falarmos sobre como lidar com a tolerância à frustração, mesmo que saibamos da infl exibilidade mental e vontade de imutabilidade da criança com autismo. Talvez já tenha ouvido ou visto algumas crianças autistas estabelecerem uma relação especial com alguns objetos, como se os acoplassem aos seus corpos, andam para todos os lugares com esse objeto em mãos e não permitem a sua retirada. Pode ser um brinquedo, um caderno com caneta, um ursinho, um pano. Podemos denominar como “objetos empíricos mediadores”, ou “objetos autísticos”, esses objetos escolhidos pelos autistas que se distinguem dos “objetos transicionais”. O objeto transicional foi cunhado pelo pediatra e psicanalista Donald Winnicott (1975) para evidenciar uma área simbólica intermediária entre um objeto e o bebê, entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, denotando que o bebê já consegue distinguir de forma mínima ele (ego), quer dizer, que ele é um e o objeto é outro (“ego/não ego”) localizando o objeto na fronteira ou fora de si, e estabelecendo uma relação afetuosa e de apego com o objeto escolhido. Isso pode acontecer no primeiro ano de vida da criança funcionando como substituto simbólico da separação que pressente com seu cuidador primário (mãe/pai). 37 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 FIGURA 17 – O PEDIATRA INGLÊS DONALD WINNICOTT FONTE: <https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/puN6C mwCcZzgfJCFMtvezW9VNPngzC6geCYkvwDvBgtpkPwSEKtVzUJ ABEPn/218-winnicott-01.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. Você pode constatar esse momento de angústia de separação quando o bebê, mesmo em sua tenra idade por volta oito meses passa a “estranhar” outras pessoas diferentes de sua mãe ou pai, e chora quando eles se separam, como quando os pais saem para trabalhar. Diante disso, a criança precisa lidar com esse sentimento de angústia de separação. Ao eleger um objeto de seu entorno, fralda, pelúcia, bico ela realiza uma operação mental primária importante de fl exibilização e tolerância à frustração ao criar, imaginar, inventar um substituto simbólico do cuidador primário, com o qual obtém satisfação. Essa fase de eleição de um objeto transicional é curta e, é esperado que passe logo que a criança comece a se interessar por outros objetos de seu entorno, fazendo uso funcional deles. Desse modo, ela amplia o seu repertório de comunicação e de interação social. Ela alcança satisfação nesses momentos, repletos de aprendizagem por meio do brincar e do fantasiar. A criança ensaia a imitação imaginária e os jogos simbólicosquando reproduz o que já vivenciou em um primeiro tempo com sua família, nas relações com outras pessoas ou mesmo sozinha. Você pode constatar quando uma criança pequena utiliza de um brinquedo imaginando que está comendo algo e diz, “humm... que papá gostoso!”. Ela dá mostras de ter introjetado o que apreendeu dos outros, imitando-os por meio do brincar. Por outro lado, o “objeto autístico” além de persistir por mais tempo que o transicional, se caracteriza como uma criação da criança com a fi nalidade não de operar como substituto simbólico, mas funcionando como um objeto real e literal que realizaria certa borda protetiva entre a criança autista e o mundo. Podemos observar que as crianças com autismo que elegeram objetos específi cos com os quais não deixa de levar para todos os lugares, caso haja a insistência em retirá- 38 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo los, ele entra em crise e sem poder se comunicar, pode chorar muito levando tempo para ser acalmado. Maleval (2017) explica que ambos os processos, objeto transicional e objeto autístico, apaziguam a criança, mas para o indivíduo autista é como se o objeto autístico passasse a fazer parte de seu corpo, animando-o, podendo inclusive retirá-lo de um autocentramento, para estabelecer um laço social quando é permitida a sua permanência. O objeto transicional, em contrapartida, faria certa regulação da relação das crianças com os outros, intermediando-as. Para as crianças com autismo, o seu sistema perceptivo e sensorial pode se encontrar desregulado, de modo que não distingue sua posição e imagem corporal das outras pessoas, apresentando por vezes certa desintegração. Por isso, muitas dessas crianças quando começam a falar repetem de forma ecolálica o que escutam, não realizando enunciados em primeira pessoa, não se distinguem dos outros, mas parece com eles se misturar. Kanner (1997, p. 132) observou, em seus atendimentos, que as crianças autistas, “tem uma boa relação com os objetos; se interessa por eles, pode brincar com eles, alegremente, durante horas [...]. Quando está com eles, experimenta uma sensação prazerosa de poder e de domínio incontestáveis”. Kanner sublinha que os autistas estabelecem e mantêm uma excelente, expressiva e inteligente relação com os objetos, ao que podemos acrescentar que seria por meio desses objetos que a criança autista faria uma espécie de proteção contra as pessoas, delas se defendendo, ao manterem-se restrita à relação com o objeto? O emprego conferido aos objetos por essas crianças pode ser o de duplicação de seu corpo, tratando-os como pedaços que se integram a ele. Esses “objetos autísticos” podem fazer parte da construção de sua imagem, e, por isso, têm fundamental importância, funcionando como extensões de seus corpos, ainda que possam parecer estranhos e inadequados à primeira vista. Tentaremos explicar com o recorte de um caso: CASE Ian é um menino autista com a idade de sete anos. Sua mãe sinaliza que ele é muito rígido para mudar a rotina e anda para todos os lugares com uma bolinha em mãos. Sendo afi cionado pelas bolinhas, em todo local que vê uma máquina de bolinhas, exige que sua mãe compre mais bolinhas, senão chora e se joga ao chão fazendo birra. Ele ainda fala pouco e quando o faz, gagueja, mas aponta e segura as pessoas próximas pelo braço ao que deseja. Se insistimos com ele em deixar a bolinha, ele grita e faz birra. A terapeuta, então, propõe brincar com ele por meio do seu “objeto autístico”, a sua “inha”, como diz ao se 39 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 referir à bolinha. Ao suportar manter esse objeto, não retirando-o, no primeiro momento, de suas mãos, ao contrário, agregando-o em um jogo de trocas, a criança se permitiu brincar e começou a tentar se expressar melhor, ainda que de modo simples, pode iniciar a expressão de suas intenções. Parece ter havido a concessão desse descolamento, a partir da manutenção do objeto predileto. Ao produzir um espaço e tempo à criança, respeitando suas particularidades, de modo sensível e delicado, a criança pode ir cedendo e adequando-se às distintas situações. Então, a terapeuta propôs jogar bola, vôlei, futebol, tênis, até que em outro tempo, pode propor outros jogos, desde que a bolinha fosse guardada em local que a criança se sentisse confortável, como na estante, numa caixa ou em seu bolso da calça. Do mutismo num silêncio aterrador, e da angústia que o fazia cavar furos em seu corpo, Ian pode iniciar a língua falada com a presença da cuidadosa da terapeuta, sem ter que deixar uma parte sua, materializada no objeto “bolinha”. Talvez a extensão do laço ordinário do autista com um objeto empírico possa propiciar uma trama simbolizante por meio da qual as funções desse objeto possam ganhar outro estatuto (NEVES, 2018). A família foi orientada a fazer combinados claros e objetivos com Ian, tratando-o como alguém capaz de entender a ordem das coisas, e não ceder as suas birras diante dos combinados para que pudesse aprender novos modos de se comunicar e suportar a frustração. Os pais passaram a fazer acordos com Ian antes de sair para escola bem como para outros lugares e aos poucos passou a entender e a suportar os combinados e as frustrações. Esse caso pode parecer uma intervenção pequena, no entanto, ele nos ilustra um trabalho sensível de respeito à criança quanto ao que ela apresenta como importante para si, o objeto predileto sendo gradualmente adequado às situações e regras sociais, conferindo diminuição da angústia e início da emissão da fala com intenções. 4.1 ORIENTAÇÕES AOS PAIS A efetividade do tratamento contará especialmente com a contrapartida e engajamento dos pais. A participação dos pais no tratamento será muito efetiva caso eles se disponham a estarem atentos diariamente à rotina de seu fi lho. Sabemos que os tratamentos visam a extinção de comportamentos considerados inadequados para fomentar as habilidades existentes, tornando-as funcionais de modo a culminar na autonomia e independência em todas as atividades da vida diária. Consideramos importante que os pais possam buscar entender o fi lho com autismo, conhecendo-o em suas competências, habilidades e no que precisa 40 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo extinguir ou aprimorar. Assim que o terapeuta for mostrando as propostas de intervenções a serem realizadas com a criança, explicando o que precisa ser alcançado, os pais precisam buscar entender o que os terapeutas estão dizendo nas sessões para poderem repeti-las em casa. Esse caminho é fundamental para o processo terapêutico de modo que o que foi realizado em consultório possa ser generalizado no ambiente de casa, escola ou outros lugares. Se os pais não concordam e não buscam compreender o que está sendo proposto, precisam ser francos com o terapeuta para que por meio da conversa possam cessar as dúvidas e questões podendo criar novas propostas de intervenções. Os pais não precisam concordar com tudo o que os terapeutas propõem e devem ter a liberdade de exprimir seus sentimentos e difi culdades. Quando os terapeutas acolhem as famílias e escutam o processo de suspeita até o impacto do diagnóstico, o campo emocional em que os pais se encontram pode estar muito frágil, apresentando fadiga mental e tristeza. Como dissemos no início do capítulo, o fi lho sonhado e idealizado se distingue do real. Nesse sentido, cabe respeitar a dor dos pais e ajudá-los a superar os percalços, superando-os e tornando-se fortes. Contudo, os pais, por vezes, sentem-se pequenos diante do saber dos médicos e terapeutas. Permitir o estabelecimento de um vínculo de confi ança é necessário. Sendo assim, as propostas interventivas podem ser questionadas e revistas, mas um problema que vemos acontecer é o de os pais fazerem o oposto ao que foi proposto e acordado com os terapeutas. A possibilidade de uma terapêutica ser efetiva dependerá dea família se engajar e acreditar que pode dar certo. Orientações e sugestões feitas em consultório devem ser levadas para casa e apresentadas aos seus membros. De nada valerá que o terapeuta explique que a sobremesa só poderá ser dada após as principais refeições se os avós ou babás não são comunicados disso e cedem às birras e vontades das crianças. Esses momentos podem acontecer com crianças típicas ou com autismo. Com a estimulação diária, as crianças podem apresentar grandes evoluções. É preciso que os pais saibam que precisarão despender tempo de qualidade com seus fi lhos. Sabemos que na atualidade das tecnologias são vários os casos de crianças que são permitidas a passar horas e horas em frente às telas de tablets e celulares. Quando pedimos aos pais para nos dizerem o que as crianças estão assistindo, alguns não sabem dizer, outros informam que os fi lhos não assistem a tudo, mas fi cam deslizando o dedo nas telas, ou repetindo reiteradamente o mesmo minuto de um só episódio de um desenho. Esse tempo pode ser considerado perdido e poderia ser bem utilizado, caso os pais se dispusessem a estarem mais atentos ao que o fi lho está assistindo. 41 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 Algumas crianças com autismo demonstram grande dependência dos celulares e preferência por esses objetos a brinquedos, e, muitas vezes, porque não tiveram a oportunidade de terem momentos de brincar com os pais. Um tempo de qualidade que os pais podem realizar em casa pode ser o do brincar. Os pais, ou um deles, podem reservar um tempo, ainda que pouco, a brincar com quebra-cabeças (começando por peças grandes), leitura de livros com imagens e contação de histórias simples, massinha, jogar bola, estabelecendo troca com a criança em jogos simbolizantes de presença-ausência, em ir e vir estabelecendo ritmo e no embalo temporal entre a expectativa e a satisfação, brincar de faz de conta, de casinha, dentre vários outros. Algumas crianças dão evidência de estarem pouco animadas, apenas com a restrição ao uso do celular, que inclusive mantém a criança afastada das pessoas e da interação, uma vez que não há troca intersubjetiva. Desse modo, propomos o brincar. No consultório podemos ver que logo as crianças pequenas com autismo respondem e passam a nos solicitar por mais tempo de jogo e brincadeira. Assim também pode acontecer com os pais. O brincar se constitui como meio privilegiado de intervenção na infância. Donald Winnicott (1975, p. 70) assevera, “em outros termos, é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia”. O brincar livre, aquele em que é permitido à criança escolher com o que brincar, e o brincar funcional, em que se realiza de forma orientada visando alcançar o aprendizado de alguma função (como as professoras propõem no jardim de infância), favorece o crescimento e desenvolvimento de habilidades da criança, e propicia o estreitamento do vínculo familiar. Os jogos e suas regras propiciarão um ensaio para a criança realizar a compreensão da ordem das coisas, aprendendo a respeitá-las, generalizando- as no campo social. É importante que durante esses momentos os pais fi quem atentos em levar a sério as brincadeiras, de modo que as regras não sejam negligenciadas. Se a criança tem o costume de atirar objetos quando contrariada, por exemplo, quando fi car maior poderá atirar objetos maiores. Portanto, é importante que ela possa aprender a suportar ser contrariada quando perde, ajudando-a a compreender o processo do jogo e sua fi nalidade. Muitas podem ser as situações em que as crianças se veem em confl itos sobre como reagir diante de algo que para pessoas típicas podem ser banais. 42 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo Até que a criança com autismo tenha aprendido a como lidar nas situações, ela pode entrar em uma crise de angústia reagindo de distintas maneiras. Importante que os pais façam a distinção de uma crise de angústia ao de uma birra, e não generalizem as duas situações. Porém, faz-se importante buscar acalmar a criança em ambas. Se a criança começa a apresentar um comportamento disruptivo, como: birras, autoagressão ou agressividade aos outros, fuga ou esquiva é preciso e possível manejar as intervenções. Os pais às vezes fi cam receosos de fazer intervenções com seus fi lhos com autismo, crendo que eles não são capazes de entender, ou que sentem dó do fi lho, por considerá-lo como alguém que se encontra em sofrimento, e, por isso, eles devem permitir que ele seja satisfeito em todo tempo. Esse modo de agir além de não ajudar a criança com autismo pode provocar a piora de seus sintomas, pois um atraso no manejo dos comportamentos vai acontecer. O sentimento de culpa dos pais não tratado, de pensarem que provocaram algo ao fi lho, de terem transmitido alguma coisa que culminou no autismo, denotam a necessidade de se trabalhar com o terapeuta esses sentimentos e concepções acerca do fi lho para que o quanto antes as intervenções possam acontecer. Buscar falar fi rme, na altura da criança, buscando acalmá-la pode ser um dos meios de intervir nas situações de disrupção. Nunca entregar o celular, pois reforçará o comportamento disruptivo. 5 O QUE AS CRIANÇAS COM AUTISMO PODEM ENSINAR AOS SEUS PAIS Os pais de crianças com autismo relatam, comumente, das habilidades únicas observadas em seus fi lhos. Ao perguntarmos a eles sobre o que identifi cam como pontos positivos e boas capacidades de seus fi lhos, eles logo se animam e sentem-se valorizados ao concedermos interesse não somente pelo que há de problema, ou de “defi citário”, mas, sobretudo, ao que há de capacidade a ser valorizada. Podemos conferir com muitas famílias que seus fi lhos com TEA são dotados de boa capacidade quanto à memorização de palavras, lugares e imagens. Alguns pais falam do modo como os fi lhos conseguem decorar longos percursos, números 43 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 de ônibus, nomes de ruas pelas quais passam todos os dias como quando vão para a escola. Sugerimos ofertar livros, mapas, aproveitar para construir juntos o mapa de sua região fomentando à criança suas habilidades. FIGURA 18 – CRIANÇA BRINCANDO COM JOGO DA MEMÓRIA FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3 AANd9GcRzYoWH1cMQNJq6nzEgw9ErD7LNsnuB_0F75PmX- Ao4B7LECaQM&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020. Quando as crianças saem do mutismo e da solidão, acedendo à fala e começando a se comunicar, muitas dão mostras de uma verbalização com vocabulário extenso e incrível, com excelente aquisição de leitura e escrita. Embora muitas apresentem literalidade de entendimento das coisas, e, por vezes, uma fala monótona e automatizada, os aspectos subjetivos da comunicação podem e devem ser traduzidos para que essas crianças consigam compreender o sentido do que lhe é transmitido, situando-se. Sugerimos leitura de livros infantis com histórias que sejam inicialmente de fácil entendimento, que tenham correspondência com ilustrações, e, progressivamente, poder ir avançando em sua complexidade. CASE Quando Fernandinho começou a falar, aos cinco anos, seus pais animaram- se e contaram aos terapeutas da alegria de vê-lo falando por horas. Em certos momentos, chegava a parecer não escutar o que os outros diziam, tamanho era o seu desejo em falar chegando a ser verborrágico. Logo depois começou a desenvolver com certa presteza a leitura e escrita, o que lhe permitiu ler livros. Eles observaram que ele passou a se interessar por assuntos específi cos, como dinossauros, os quais ele memorizou nomes, idade geológica, tamanho, habilidades, chegando a se tornar um expert no assunto, o que lhe permitia ter assunto para conversar com outras pessoas. Todavia, mesmo diante
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