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INTERVENÇÃO FAMILIAR_ CUIDADO E INTERAÇÃO

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INTERVENÇÃO FAMILIAR: 
CUIDADO E INTERAÇÃO
UNIASSELVI-PÓS
Autoria: Brenda Rodrigues da Costa Neves
Indaial - 2020
1ª Edição
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Reitor: Prof. Hermínio Kloch
Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: 
Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci
Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais
Diagramação e Capa: 
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2020
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
 UNIASSELVI – Indaial.
N518i
 Neves, Brenda Rodrigues da Costa
 Intervenção familiar: cuidado e interação. / Brenda Rodrigues 
da Costa Neves. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.
 132 p.; il.
 ISBN 978-65-5646-109-0
 ISBN Digital 978-65-5646-110-6
1. Mediação familiar. – Brasil. Centro Universitário Leonardo 
Da Vinci.
CDD 158.24
Impresso por:
Sumário
APRESENTAÇÃO ............................................................................5
CAPÍTULO 1
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA .........7
CAPÍTULO 2
A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS
INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO .......................................................51
CAPÍTULO 3
O AUTOCUIDADO FAMILIAR ........................................................93
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo à disciplina de Intervenção familiar: cuidado 
e interação. Nesta disciplina, teremos a oportunidade de conhecer um pouco a 
respeito de como podemos trabalhar com as famílias que tem um(a) filho(a) com 
TEA (Transtorno do Espectro Autista), sobre como é importante não negligenciar 
que essas famílias também precisam ser cuidadas durante o percurso de 
tratamento e de inclusão escolar de seus filhos. Este livro didático foi organizado 
e pensado de forma a expor temas que estejam diretamente ligados à intervenção 
familiar. Sendo assim, o livro foi dividido em três capítulos, com subitens em cada 
um, sobre os quais faremos uma breve descrição. 
O Capítulo 1 (Orientação familiar junto aos filhos com TEA) pretende 
abordar um panorama em torno dos impasses e impactos que um diagnóstico 
de TEA em uma criança pode interferir no contexto familiar. Por isso, foi pensado 
em deixar exposto como acontece o processo do diagnóstico de uma criança 
com suspeita de TEA; falamos sobre a “intervenção precoce” mostrando a sua 
importância para o desenvolvimento da criança que apresenta esse diagnóstico e 
como o quanto mais cedo for realizada essas intervenções, maiores e melhores 
serão os ganhos para essas crianças. Veremos, ainda, subtemas a respeito do 
Plano Terapêutico Singular, que é organizado com as famílias para a realização 
do tratamento, falamos sobre como as atividades diárias da família podem ser 
revistas, sobre o uso de algumas técnicas no manejo com a criança, dizemos o 
quão significativo é a orientação dos pais, a psicoeducação, os grupos de pais e 
como eles têm mostrado eficácia, sendo, hoje, recursos essenciais ao tratamento 
das crianças com TEA. Esses têm sido alguns dos recursos utilizados na clínica 
como meio de guiar os pais na compreensão de seu filho autista e seu modo 
único de se comportar, aprendendo a manejar o comportamento dessas crianças, 
reorganizando-se com qualidade frente ao cotidiano. Alguns cases foram expostos 
para que possamos compreender melhor, na prática, o que foi dito no âmbito 
teórico. 
O Capítulo 2 (A criança com TEA, a família e a escola: parcerias inclusivas) 
traz um rico conteúdo a respeito da história da Educação Inclusiva, como 
ela tem acontecido em nosso país e como tem sido essencial a participação 
das famílias nesse processo. Este capítulo aborda sobre como a Educação 
Inclusiva pode resultar em ganhos tanto para as crianças consideradas típicas, 
como para as crianças com autismo. Encontraremos, neste capítulo, como a 
perspectiva inclusiva tem promovido uma torção no ensino clássico e tradicional, 
nos provocando a pensar em novas maneiras de pensar o processo educativo. 
Conferiremos, também, uma discussão reflexiva em torno do processo de educar 
como uma perspectiva de tratar, quer dizer, a educação infantil como essencial 
ao tempo de desenvolvimento das crianças. E, ao final do capítulo, veremos 
exemplos de como é possível estabelecer um trabalho de parceria entre a escola 
e a família, e como novos saberes poderão ser criados. 
Para concluir este livro, conferiremos no Capítulo 3 um importante tema: 
o autocuidado familiar. Refletiremos sobre as dificuldades do exercício da 
maternidade e paternidade com o filho autista. Sendo assim, trouxemos conceitos 
relativos à função materna e à função materna e sobre como podemos pensar no 
cuidado e mesmo no autocuidado das famílias e suas crianças com TEA. E, para 
finalizar, encontraremos o tema a respeito de quem cuida dos cuidados principais, 
os pais, e sobre como é valiosa a escuta como recurso de cuidado com as famílias 
de crianças com autismo para propor novas e inventivas saídas. 
Este livro foi construído com a intenção de contribuir com a formação de 
você, acadêmico, com o objetivo de agregar e ampliar o conhecimento de forma 
reflexiva e crítica. Optamos por utilizar o termo “autismo” ao longo do texto, 
referindo-se aos transtornos do espectro autista (TEA).
Esperamos que goste do livro e que ele possa fazer diferença na vida pessoal 
e profissional. Bons estudos! 
Prof.ª Brenda Rodrigues da Costa Neves
CAPÍTULO 1
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS 
FILHOS COM TEA
A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
• Discutir sobre os impasses e impactos diagnósticos do TEA no contexto familiar.
• Apresentar a importância da intervenção precoce.
• Mostrar técnicas e orientações no manejo com as crianças com autismo no 
ambiente familiar.
• Analisar as relações familiares e a leitura dos pais sobre seus fi lhos autistas.
8
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
9
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A mãe de uma criança autista, Barnett (2013, p. 49), nos descreve de forma 
delicada e sensível como percebia seu fi lho: 
Ele fi cava brincando sozinho, parecia profundamente envolvido. 
Para os outros, podia parecer que ele estava simplesmente 
ausente, mas eu não via seu foco como vazio. Quando girava 
uma bola na mão, ou desenhava incansavelmente formas 
geométricas, ou revirava uma daquelas caixas de cereal no 
chão, ele me parecia completamente tomado. Sua atenção não 
soava aleatória ou impensada. Ele parecia alguém perdido em 
algum trabalho muito importante, muito sério. Infelizmente não 
podia dizer qual era.
Neste breve relato, podemos entender a dor dessa mãe que se coaduna a 
outras tantas mães. Como poderemos ajudar as famílias a compreenderem o que 
é ter um fi lho autista para poderem ajudar seus próprios fi lhos? 
O processo psicodiagnóstico de uma criança com suspeita de autismo 
envolve muitos especialistas, como: neuropediatras, psiquiatras infantis, 
psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos; e, ainda, outros fatores, 
como: a aplicação de escalas de avaliação, entrevistas com os pais, e, sobretudo, 
a observação clínica para a conclusão do diagnóstico. 
Podemos considerar os principais comportamentos típicos de uma criança 
autista: a recusa de estabelecimento de contato tátil ou visual com outras crianças 
ou pessoas, a não interação e a falta de compartilhamento nas brincadeiras com 
as demais crianças, o desinteresse do mundo que está a sua volta, fi xação e 
regressão sensorial, fi cando inerte somente em toques e movimentos vinculados 
ao próprio corpo,tapando os ouvidos, se autoagredindo, ou apresentando 
tendências à fl ap com as mãos quando contrariada ou irritada, ausência de fala ou 
fala monossilábica, início precoce.
10
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
FIGURA 1 – CRIANÇA MORDENDO-SE DIANTE DE UMA SITUAÇÃO CONFLITUOSA
FONTE: <https://www.tebfi x.com/image/catalog/articles/
kids/ST5.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
O tempo entre identifi car e diagnosticar uma criança com autismo pode ser 
muito angustiante para as famílias. Alguns escritos atuais de autistas adultos e 
de seus pais (GRANDIM; SCARIANO, 1999; NOTHOMB, 2003) nos atestam ao 
sofrimento das famílias até que fosse iniciado um tratamento e, mesmo durante a 
sua execução, um espaço de tempo até que pudessem colher os efeitos clínicos 
das terapêuticas empreendidas. 
A psicanalista Marie-Christine Laznik (2013a) tem realizado pesquisa há 
mais de trinta anos com bebês e crianças com sinais de autismo, chega a supor 
que, diante da recusa dessas crianças em responderem à convocação dos 
pais, esses pais podem acabar apresentando estados depressivos, devido ao 
cansaço e ao desânimo, de não obterem respostas diante do investimento para 
com o fi lho. O que a autora quer nos dizer? Os pais ou mães podem se sentir 
impotentes e frustrados com o fi lho que está apresentando sinais de autismo, 
devido à peculiaridade das suas características, como aquelas que dissemos 
anteriormente (como a recusa de interagir, não se atentando ao mundo ao seu 
entorno, a fi xação ou regressão sensorial, dentre outros). Por isso, a importância 
de terem um suporte de profi ssionais especialistas em autismo, e dispostos a 
ajudarem, contribuindo com o crescimento das crianças autistas e suas famílias. 
Por outro lado, alguns pesquisadores (BERNARDINO, 2013; BALBO, 2009) 
sublinham que o estado emocional da mãe, enquanto cuidadora principal do bebê, 
pode afetá-lo. Caso a mãe esteja deprimida, seu humor rebaixado e o pouco 
investimento de vida ao bebê pode conduzi-lo a um estado de menor energia 
vital, desencadeando reações sintomáticas semelhantes a uma psicopatologia 
autística, como o evitamento do contato, desvio de olhar, dada à condição frágil 
da mãe e de seu escasso investimento no fi lho.
11
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
Nesse sentido, os teóricos Rogers, Dawson e Vismara (2015) e Gaiato 
(2018) apontam que as intervenções e as estratégias simples, como sugerir que 
os pais assistam a fi lmes que ilustram casos bem-sucedidos, podem desangustiar 
os pais, ajudando-os a cuidar de seus fi lhos de forma mais leve, promovendo 
o desenvolvimento da criança e respeitando sua maneira única de ser. 
A ideia, portanto, é de não deixarmos que o desejo dos pais de cuidar do fi lho 
autista se perca. Dessa premissa, buscaremos neste livro apresentar informações, 
refl exões, cases, teorias, ferramentas e estratégias que poderão contribuir com 
todos os que estão cuidando das famílias que têm fi lhos autistas. Esperamos 
permitir que o material disponível contribua com o seu crescimento! 
2 A FAMÍLIA E SEU CONHECIMENTO 
SOBRE O FILHO AUTISTA: A 
INTERVENÇÃO PRECOCE
A difi culdade em reconhecer que um fi lho está com problemas é algo 
pelo qual muitos pais passam. Por isso, ver que um fi lho apresenta uma forma 
diferente de comportamentos de outros bebês, ou mesmo diferente de outro fi lho, 
gera um sentimento de tristeza e inaptidão. Em geral, as mães são as primeiras 
a identifi carem que o seu bebê apresenta movimentos aquém ao que ela espera, 
que não se aconchega em seu seio para mamar, e que faz poucas ou nenhuma 
troca de olhar. Esses são alguns dos sinais importantes observados pelas mães e 
pelos pais, que carecem de uma escuta e um olhar aguçado dos profi ssionais que 
receberão essas famílias.
Quando recebemos as famílias na clínica e pedimos para que nos contem a 
história de seu fi lho(a) autista desde o tempo de bebê, algumas famílias relatam 
como insistiram com os pediatras ou neurologistas de que seu fi lho parecia não 
estar bem, porque a coordenação e as funções motoras pareciam não funcionar 
como o esperado, demonstrando um corpinho rígido ou muito “molinho”, ou a falta 
de engajamento e a ausência de interação, bem como pela não resposta do olhar 
quando convocado ou pela ausência do balbucio nas brincadeiras e nas conversas 
de protoconversação entre as mães e seus fi lhos. Esses são hoje alguns dos 
sinais de marcadores para autismo reconhecidos pelos profi ssionais especialistas 
atuais (ROGERS; DAWSON, 2010), mas também já foram apontados pelos 
principiantes pesquisadores na descoberta do autismo: Leo Kanner (1997) e 
Asperger (1991). 
12
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
“A protoconversação é um tipo primário de conversa realizada entre a mãe 
e o bebê, o manhês, que se caracteriza pelo ritmo, altura (agudo) e entonação, 
com incidência de picos prosódicos, em sintaxe simplifi cada, valorizada pelas 
vogais às consonantais, diminutivos e repetições silábicas” (JERUSALINSKY, 
2011, p. 67). Antes mesmo de o bebê entrar na linguagem formal ele anuncia sua 
habilidade social e de intenção comunicativa ao responder à convocação materna 
com os seus balbucios, gestos faciais e olhar direcionado. Pesquisas apontam 
que crianças que evoluíram para o quadro de autismo não chegaram a iniciar 
ou concluir esta protoconversação esperada como prévia ao desenvolvimento 
posterior da linguagem formal (LAZNIK, 2013c).
FIGURA 2 – MÃE CONVERSANDO COM SEU BEBÊ
FONTE: <https://st2.depositphotos.com/3065183/8661/i/950/depositphotos_86610744-
stock-photo-family-woman-with-a-child.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
Pela escuta de alguns pais (GAIATO; TEIXEIRA, 2018), alguns relatam que 
profi ssionais da área de saúde podem não ter conferido atenção devido ao que 
os pais diziam sobre seus bebês apresentarem sinais de sofrimento psíquico 
ou mesmo sinais de autismo. Neste tempo, entre o que fazer diante do que 
observavam e o diagnóstico do especialista, os pais comumente relatam um 
período de muita angústia, medo, sentimento de culpa e ansiedade culminando no 
atraso de intervenções pontuais que já poderiam ter sido realizadas precocemente.
Escutar e buscar compreender uma família em sua angústia diante do fi lho 
que não responde as suas insistentes tentativas de interação é condição primária 
para que se possa iniciar uma observação clínica, que, a partir dos relatos dos 
pais, pode ser realizada uma hipótese diagnóstica. Considerar a fala dos pais 
signifi ca acolher e respeitar o sofrimento pelo qual estão passando. Não são 
poucos os casos em que as famílias são taxadas de ansiosas, que devem esperar 
o tempo da criança, e, neste intervalo, pode-se perder um precioso tempo relativo 
ao desenvolvimento da criança para intervir.
13
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
Em contrapartida, é verdade que nenhum pai e mãe está preparado para 
receber um diagnóstico de que seu fi lho é autista. Nesse sentido, ao receber uma 
família que se encontra nesse momento de angústia, é preciso delicadeza em 
noticiar para a família a hipótese de autismo.
Quando uma família fi ca grávida, ela espera o nascimento do bebê ideal, 
imaginado como das propagandas da TV. As mães e os pais pensam muitas 
coisas sobre como será seu fi lho, com quem ele irá parecer, até mesmo qual 
profi ssão terá no futuro, antecipando o que o fi lho virá a ser antes mesmo que ele 
responda a este desejo. Esse movimento antecipatório é prévio e primordial para 
que a criança exista em sua condição de sujeito. No entanto, nem sempre elas 
responderão a tudo o que os pais desejam, gerando um descompasso entre a 
mensagem imaginária dos pais e a resposta singular dos fi lhos.
Cabe salientar que a realidade da suspeita de que o fi lho tenha autismo em 
muito se distingue de que ele possa sofrer de défi cit de atenção ou atraso na fala 
e linguagem. A confi rmação diagnóstica para o autismoprovocará na família um 
processo de luto da perda daqueles ideais imaginados que tinham antes mesmo 
da criança nascer. Pode-se verifi car esse movimento também com as famílias que 
têm fi lhos sindrômicos ou com alguma malformação. A psicanalista Maud Mannoni 
(1999), a partir de sua prática clínica, pode observar muitos destes casos. No 
Capítulo 2, falaremos mais a respeito desta autora e de suas experiências em 
uma escola para “crianças especiais”, crianças com diagnósticos de retardo 
mental ou com síndromes.
Você pode conferir casos clínicos de crianças diagnosticadas 
com síndromes no livro A criança retardada e sua mãe, da psicanalista 
Maud Mannoni.
14
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
FIGURA 3 – BEBÊ EM INTERVENÇÃO PRECOCE
FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcSEk9GtIhLHdD-
krtp74gtw0YzBI-Vb2kNF_2zjlS3mQEUqnx5O&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020.
O diagnóstico de autismo para uma criança poderá provocar nas famílias 
um sentimento de negação até a sua aceitação. Muitas famílias podem passar 
pelo processo impactante do diagnóstico. O sentimento de negação de que o fi lho 
tenha autismo pode ser visto pela fala e comportamento dos pais. O sentimento 
de culpa, a raiva e soluções fantásticas caracterizam o negacionismo pelos quais 
podem passar algumas famílias. Alguns pais podem reagir de forma irritativa ou 
mesmo agressiva aos profi ssionais, podem questionar a própria fé, a Deus e ao 
mundo e, ao mesmo tempo, podem demonstrar um grande sentimento de culpa 
de que possam ter transmitido “genes ruins” aos fi lhos, ou de que não sabem ser 
“bons pais”, de que não consumiram vitaminas e alimentos sufi cientes, e, com 
isso, muito tempo e energia são gastos sem resultar em soluções aos problemas 
identifi cados (GAIATO, 2018). 
Nesse momento, os profi ssionais que receberem essas famílias precisarão 
ser pacientes, acolhedores e explicar sobre a importância do trabalho da equipe 
multidisciplinar, de como as terapêuticas têm sido efi cazes, lembrando da 
importância da intervenção precoce nos casos de crianças menores de três anos, 
a qual busca, dentre vários fatores, prevenir problemas futuros no desenvolvimento 
da criança.
A dor dos pais com a perda dos ideais imaginados em relação ao fi lho(a) 
pode e deve ser trabalhada em conjunto durante as sessões das terapêuticas. 
Os profi ssionais poderão explicar como acontecerá o tratamento e, com seu 
início, logo os pais poderão ver efeitos clínicos benéfi cos às crianças e, assim, 
a aceitação do diagnóstico poderá acontecer de forma conjunta, quer dizer, ao 
longo do processo de tratamento. É de extrema importância o acolhimento e a 
explicação dos profi ssionais especialistas, especialmente para os casos de 
crianças entre zero a três anos, quando se considera, atualmente, um tempo 
oportuno de realização de intervenções devido à neuroplasticidade cerebral e das 
janelas de oportunidade. Falaremos melhor sobre isso na próxima seção. 
15
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
FIGURA 4 – FAMÍLIA EM CONFLITO
FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcTpSqU1YB4wXz
BZENLwdI-zR4EwegjjKnTqn72I-wNf6-BEhhqQ&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020.
Sendo assim, os profi ssionais precisarão conceder suporte e ajuda aos 
pais conduzindo-os a compreender e aceitar a hipótese diagnóstica de autismo 
apresentando boas, criativas e construtivas saídas. Isto não signifi ca que 
estejamos recusando a dor das famílias, pelo contrário, estaremos apresentando 
à elas que seus fi lhos são capazes e tem habilidades únicas que poderão ser 
estimuladas, promovidas e remodeladas. 
2.1 SINAIS PRECOCES DE 
SOFRIMENTO OU DE AUTISMO EM 
BEBÊS
Na atualidade das pesquisas (APA, 1994; LAZNIK, 2013a; MALEVAL, 2017, 
GAIATO, 2018), é uníssono que identifi car precocemente sinais de autismo 
em bebês pode ser determinante para o curso do desenvolvimento da criança 
na aquisição das suas habilidades neuropsicomotoras, subjetivas e sociais. 
Sabe-se que existe uma variação individual entre as crianças autistas devido 
a sua condição multifatorial. Junto disso, estudos apontam que a realização da 
intervenção precoce em conjunto com programas intensivos pode muito promover 
o desenvolvimento das crianças em suas áreas prejudicadas. Desse modo, 
é indispensável a realização de uma avaliação e possível hipótese diagnóstica 
precoce para que medidas de intervenção possam ser tomadas prevenindo 
prejuízos no desenvolvimento da criança no que se refere aos campos cognitivo, 
social e subjetivo. 
Todavia, como iniciar esse trabalho? 
16
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Primeiro é interessante falarmos um pouco sobre como identifi car a 
presença de sinais de sofrimento em bebês de sinais específi cos de autismo 
e, posteriormente, o que vem a ser a intervenção precoce. Sugerimos que as 
questões seguintes possam ser refl etidas e discutidas com o seu tutor.
• É possível fazer intervenções com bebês? 
• Como identifi car algum problema ou sofrimento em um bebê 
que ainda não fala? 
• Como posso ver sinais de autismo em bebês?
Pode-se considerar como uma demanda para tratamento em intervenção 
precoce distintos fatores. Tentaremos apresentar o que seriam esses sinais de 
sofrimento em bebês distinguindo-os dos sinais de marcadores para o autismo. 
FIGURA 5 – MÃE ACALENTANDO SEU BEBÊ CHORANDO
FONTE: <https://images.prismic.io/
netmums/9399814cc6114f2a572ef59cff22512c820de1ab_colic.
jpg?auto=compress,format>. Acesso em: 22 maio 2020.
Diversas formas de alterações no comportamento do bebê e suas funções 
corporais podem nos conduzir a um olhar mais atento. Embora o bebê não fale 
como nós, podemos fazer leituras dos seus movimentos corporais. Porém, como? 
Podemos considerar alguns comportamentos dignos de nossa atenção, como:
17
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
• Quando o bebê se alimenta em excesso ou passa a recusar o alimento.
• Quando o seu choro parece inconsolável e desmedido para situações 
consideradas comuns.
• O ciclo do sono parece desregulado, apresentando-se em excesso ou 
interrompido por terrores noturnos.
• A presença da recusa ou desvio da troca de olhar com seus principais 
cuidadores, parecendo preferir objetos a pessoas (esse momento 
pode ser observado e sentido pela mãe especialmente quando está 
amamentando).
• A não oferta do corpo aos seus cuidadores (pais, avós), não se deixando 
ser cuidado – esse bebê parece ter o corpinho rígido e não se aconchega 
ao corpo de seus cuidadores.
• A ausência do balbucio, esperado entre cinco a oito meses, elemento 
prévio à fala, nos sinaliza de que algo na aquisição da habilidade de fala, 
imitação e linguagem não caminha bem.
• Grande difi culdade com o desfralde e o controle dos esfíncteres.
• Demonstração de insensibilidade à dor, ou hipersensibilidade a sons, 
ruídos, o contato físico e alimentos. 
Esses são alguns dos sinais importantes a serem observados em um bebê 
que justifi que o seu encaminhamento a profi ssionais para uma avaliação mais 
acurada, o que não destitui outros pontos que os pais possam indicar. Todavia, 
salientamos que os itens d, e, f e h seriam sinais concernentes a uma evolução 
para autismo, uma vez que são características próprias dessa estrutura psíquica. 
Isso faria uma diferenciação entre um bebê com sinais de sofrimento psíquico ao 
de um bebê com sinais de autismo.
FIGURA 6 – BEBÊS EM DESENVOLVIMENTO NO BERÇÁRIO
FONTE: <https://lh3.googleusercontent.com/93JZAmlD7drnD_
WPPYYMuvPSlJesFnk2EesbI5KmTzXQXg8x8vK_
JLs1EWN8fyCEiABUStA=s113>. Acesso em: 22 maio 2020.
18
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Traremos exemplos que você certamente poderá visualizar. O nascimento 
de um bebê em condições adversas, como o sofrimento fetal agudo (a falta de 
oxigênio, quando o parto demora a acontecer passando do tempo esperado), ou 
a descoberta de uma síndrome, logo apóso parto (como a síndrome de Down) 
podem justifi car, de antemão, antes mesmo que a criança apresente qualquer 
disfunção, desregulação ou atraso neuropsicomotor, o encaminhamento a uma 
equipe especializada em intervenção precoce para que o acompanhamento deste 
bebê seja feito. Nessas situações, é importante a estimulação precoce para o 
desenvolvimento dessas crianças devido aos fatores fi siológicos e/ou genéticos 
encontrados e que estes interferirão no desenvolvimento dessas crianças.
Os estudos das neurociências e da epigenética (COUCHERNESE; 
ANSERMET; MAGISTRATTI apud WANDERLEY, 2013) salientam que no autismo 
há um componente genético, mas que ele só vem a ser ativado dependendo 
da relação com o ambiente (epigenética), quer dizer, se caracteriza como um 
transtorno com caráter multifatorial em que fatores genéticos combinados aos 
fatores ambientais podem resultar no desenvolvimento do autismo afetando 
áreas específi cas, como as habilidades sociais (interação), de comunicação 
de da linguagem, e na presença de comportamentos restritos, repetitivos e 
estereotipados. 
Neurociência é uma área da ciência que busca pesquisar o sistema nervoso, 
suas funcionalidades e estruturas, os mecanismos de suas células nervosas, sua 
fi siologia e os processos de doenças. A neurociência abrange várias áreas do 
conhecimento como a neurociência cognitiva, comportamental, neuroanatomia 
e neurofi siologia. Suas pesquisas em muito tem contribuído com avanços nas 
terapêuticas para os autistas. 
FONTE: <https://neurosaber.com.br/o-que-e-neurociencia/>. Acesso em: 22 maio 2020.
Você deve se lembrar ou já ouviu falar da teoria do desenvolvimento humano, 
principalmente de autores reconhecidos desta área científi ca, como Jean Piaget. 
Jean Piaget foi um biólogo que se dedicou aos estudos da 
epistemologia. Ele nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 1896, e 
dedicou grande parte da sua vida aos estudos sobre a aquisição do 
conhecimento, mais precisamente sobre a epistemologia genética, 
uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento da criança. 
A sua grande infl uência e contribuição à ciência foi principalmente 
aos campos da psicologia e pedagogia, pois descreveu os estágios 
19
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
do desenvolvimento, de bebê até a adolescência, dentro de um 
tempo cronológico, o que nos permite ainda hoje “esperar” que 
certas aquisições neuropsicomotoras, cognitivas e de habilidades 
sociais sejam adquiridas e desenvolvidas dentro do tempo 
esperado. O que não signifi ca que a criança aprende sozinha, ao 
contrário, ele salienta que o aprendizado é construído pela criança 
a partir das estimulações que lhe são ofertadas. Piaget morreu em 
1980 em Genebra, na Suíça. Você pode conferir os estágios do 
desenvolvimento humano em: https://neurosaber.com.br/quais-os-
estagios-do-desenvolvimento-cognitivo/.
A abordagem construtivista proposta por Piaget (COLE; COLE, 2003) é a 
que busca demonstrar como as crianças representam mentalmente o que viram e 
perceberam e como podem atuar neste mundo. Para o autor, as crianças realizam 
essas atuações de forma ativa, assimilando e acomodando as suas experiências 
aos seus esquemas mentais preexistentes. Piaget descreve quatro estágios 
principais de desenvolvimento cognitivo em uma cronologia: estágio sensório-
motor (0-2 anos), estágio pré-operatório (2-7 anos), estágio operatório concreto 
(7-11 anos) e estágio operatório formal (11 anos em diante). 
O estágio sensório-motor é considerada a fase do bebê. Piaget a defi niu, a 
partir de suas pesquisas, ao entender que acontece neste tempo uma relação 
íntima entre a percepção do bebê diante do mundo, ou seja, seu aspecto sensorial, 
e a reação do bebê a este mundo, com o aspecto motor. 
QUADRO 1 – SUBESTÁGIOS DO ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR 
DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET
Subestágio Idade (meses) Características do subestágio sensório-motor
1 0 – 1 ½
Esquemas refl exos: movimentos refl exos de agarrar, sucção, 
involuntários movimentos.
2 1 ½ - 4 Reações circulares primárias: repetição de ações agradáveis.
3 4 – 8
Reações circulares secundárias: foco da atenção ao campo 
externo, ações estendidas produzindo mudanças no ambiente.
4 8 – 12
Coordenação das reações circulares secundárias: emergência 
da capacidade intencional e coordenação de esquemas para 
alcançar algo que deseja, fase do apego.
5 12 – 18
Reações circulares terciárias: experimentação para verifi car as 
consequências de seus atos, variando a resolução de proble-
mas.
20
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
6 18 – 24
Início da representação simbólica: o bebê busca um objeto 
escondido certo de que ele existe e está em algum lugar, 
representação de objetos e imagens familiares, combinações 
simbólicas na resolução de problemas.
FONTE: Adaptado de Cole e Cole (2003)
FIGURA 7 – JEAN PIAGET (1896-1980)
FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/67/
Jean_Piaget_in_Ann_Arbor.png>. Acesso em: 22 maio 2020.
Junto da teoria de Piaget acerca do desenvolvimento humano, temos também 
a teoria de Vygostky (COLE; COLE, 2003) que discorreu acerca da importância da 
interação social criança-adulto, sobre as capacidades das crianças em realizar algo 
independentemente dos adultos ou com o apoio deles. A neurociência (MOURÃO-
JUNIOR; OLIVEIRA; FARIA, 2017) e a descoberta da neuroplasticidade cerebral 
tem contribuído para corroborar estas teorias e para acrescentar que em todo 
momento da vida podemos aprender novas competências. Sabe-se que entre 
zero a três anos acontece de forma mais intensa a produção de células neuronais, 
por isso a intervenção precoce mostra-se muito efetiva, mas crianças maiores, 
adolescentes e os adultos também podem responder de formas diversas a 
estimulações, demonstrando novo aprendizado, por causa da nossa capacidade 
cerebral da neuroplasticidade. Isso signifi ca que nosso cérebro é maleável, 
plástico, permeável a novas modelagens mediante o aprendizado. Ele é capaz 
de se reorganizar mudando as estruturas e assimilando novas aprendizagens. 
Desse modo, o conhecimento passará pelo processo de aprendizado, por meio 
das interações sociais e dos objetos do conhecimento. 
Um ramo da neurociência busca de certo modo correlacionar maturação 
de funções cognitivas com um estágio do desenvolvimento, tal como descrito 
21
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
por Piaget, em que a aquisição de conhecimento acontece dentro de um 
tempo histórico em uma gradação do menor para estados mais avançados de 
conhecimento. Podemos considerar que um bebê não tem a mesma coordenação 
motora de um adulto, certo? 
No entanto, a neurociência vem apontar que as atividades mentais como 
percepção, memória, linguagem e consciência podem em qualquer tempo serem 
modifi cados, mas a “primeiríssima” infância se constitui como um tempo especial 
de aquisição de funções mentais e motoras, pois é quando as crianças respondem 
mais rapidamente às intervenções do que em outra fase. É por isso que os 
pesquisadores salientam a relevância da intervenção precoce. Considerando 
todas essas informações, e as de Piaget de que algumas aquisições são 
esperadas para acontecer dentro de um espaço cronológico do desenvolvimento, 
aquelas que não estão sendo vistas se instaurar devem acionar um alerta aos 
seus cuidadores. 
O reconhecido e pioneiro cientista de estudos sobre o autismo, Leo Kanner, 
psiquiatra austríaco radicado no Estados Unidos que pesquisava as psicoses 
infantis na John Hopkins University, publicou Os distúrbios autísticos do contato 
afetivo (1943), em que descreveu um estudo longitudinal realizado com 11 
crianças que apresentavam sintomas semelhantes. Ele veio a descobrir inéditos 
sintomas que se distinguiam das psicoses infantis, denominando-a como uma 
categoria nosológica diferenciada: autismo infantil precoce. Kanner identifi cou 
que, no caso do autismo, seus sintomas não irrompiamem certo momento da vida 
como nas psicoses, mas se iniciavam precocemente na infância evoluindo até 
a vida adulta, gerando incapacidades nos campos da linguagem e da interação 
social, necessitando de apoio por longo período. Desde então, muitos atuais 
especialistas corroboraram seus estudos e concordam que alguns traços podem 
ser verifi cados logo em crianças bem pequenas.
FIGURA 8 – LEO KANNER
FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/67/28/49/672849c5327769e50de0457d38a167ec.
jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
22
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Acadêmico, indicamos o capítulo Os distúrbios autísticos do 
contato afetivo de Kanner, que aparece no livro Autismos de Rocha 
(1997, p. 111-170).
Com a ajuda da pesquisadora Marie-Christine Laznik (2013c), situamos 
alguns sinais em bebês de que algo podem indicar um encaminhamento ao 
autismo, tais como: 
• Incapacidade ou grande difi culdade de as crianças estabelecerem 
relações com pessoas e situações desde o princípio de suas vidas.
• Agindo como se os outros não estivessem perto de si (solidão).
• Recusa ou desvio da troca de olhar com seus principais cuidadores.
• Não se acomodam bem no corpo de seus cuidadores, evidenciando uma 
hipersensibilidade ao contato táctil, olfativo, a ruídos.
• Como se estivessem presas ao próprio corpo e fechadas ao contato, 
não estabelecem conexões de olhar e nem trocas de fala, não chegam a 
balbuciar, fi cando em profundo isolamento.
• Não realiza trocas simbólicas e brincar compartilhado.
• Não ofertam seus corpinhos para serem cuidadas pelos pais, como 
oferecer a barriguinha ou pezinho para serem beijados.
• Não realizam a imitação.
• Parecem bebês muito bonzinhos, quase nunca choram, podem passar 
horas no berço sozinhos sem reclamar, e sem realizar qualquer demanda. 
FIGURA 9 – INTERVENÇÃO PRECOCE
FONTE: <https://madreshoy.com/wp-content/uploads/2015/09/
canguro-jugar.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
23
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
Todos esses sinais nos dão mostras de que algo em relação ao 
desenvolvimento do bebê está com difi culdades de se instaurar e de que pode 
estar em sofrimento e encaminhando para o autismo. Ao não haver o completo 
estabelecimento de suas funções cognitivas e subjetivas apresenta um laço frágil 
ao campo social. Tudo isso justifi ca uma avaliação de especialistas e a condução 
para a intervenção precoce. 
1 Quais são os sinais de autismo que podem ser vistos em bebês? 
Classifi que V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as 
FALSAS. 
( ) Incapacidade ou difi culdade de estabelecer relações com pessoas 
desde o princípio da vida.
( ) Recusa ou desvio de troca de olhar com seus cuidadores.
( ) Realiza a imitação.
( ) Não realiza trocas simbólicas e brincar compartilhado.
2.1 SOBRE A INTERVENÇÃO 
PRECOCE E A JANELA DE 
OPORTUNIDADE
Ainda que não se recomende concluir o diagnóstico de autismo antes dos 
três anos (APA, 1994), pois a criança ainda está em período de maturação 
e desenvolvimento de suas funções, devemos, contudo, aproveitar a 
neuroplasticidade cerebral. Antes dos três anos contamos com o período chamado 
de janela de oportunidades de sinapses: momento em que acontece, em nosso 
cérebro, o estabelecimento de muitas conexões as quais estimulam novas vias, 
fortalecendo-as, estabelecendo aquisições de habilidades específi cas (como a 
visão) e prevenindo prejuízos no desenvolvimento da criança (BARTOSZECK, 
2007). 
Desde que o bebê nasce, espera-se que aconteça a interação com o 
ambiente, com outras pessoas e os objetos. Nesses momentos, em nosso cérebro 
acontecem as estimulações de novas vias neuronais, de modo que, ao ocorrer 
mais sinapses entre os neurônios, resulta-se na criação e fortalecimento de novas 
vias neuronais. Sob um aspecto econômico, o cérebro realiza um mecanismo 
24
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
chamado de poda neuronal em que vias sinápticas inutilizadas são podadas, 
descartadas, permitindo ao cérebro se especializar e trabalhar de forma mais 
efi ciente. Tudo isso acontece neste tempo cronológico da janela de oportunidade, 
quando o cérebro, em sua neuroplasticidade, está em franco desenvolvimento de 
suas funções e mais aberto a estimulações.
As sinapses acontecem entre duas células nervosas, células específi cas de 
nosso cérebro, entre um neurônio e outro local em que os neurotransmissores 
fazem sua ação, realizando a transmissão de um impulso nervoso, como uma 
informação transmitida de uma célula a outra. 
FIGURA 10 – TRANSMISSÃO NERVOSA
FONTE: <https://conhecimentocientifi co.r7.com/wp-content/uploads/2019/09/sinapse-
o-que-e-onde-como-e-por-que-acontece-1-1024x402.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. 
Com a entrada das intervenções, em tempo precoce, pode-se permitir 
saídas construtivas e felizes às crianças pequenas com sinais de autismo, e as 
suas famílias, ao conceder novas possibilidades de se desenvolver, tornando-as 
capazes e com condições de construção de sua autonomia. 
Na atualidade, os diversos e distintos espaços da ciência, as mídias e os 
diferentes campos das ciências, como a medicina, a neurociências, a educação 
e a psicologia têm demarcado que a intervenção precoce permite a promoção do 
desenvolvimento dos bebês de forma a prevenir problemas quando já pode-se 
identifi car existir algo que não vai bem. 
A intervenção precoce é uma modalidade de intervenção que se propõe 
a apoiar o desenvolvimento da criança pequena (0 a 3 anos), quanto ao seu 
aspecto instrumental (funcionamento) e estrutural (subjetivação), diante de algum 
problema ou mesmo uma patologia oferecendo recursos a sua recuperação, com 
terapêuticas diversas, objetos e técnicas, que cobertos de sentido, quer dizer, 
25
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
ancorados no simbólico, ajudam a criança a se desenvolver, situando-a no mundo 
quanto ao seu aspecto neuropsicomotor, social e subjetivo. 
Como estratégia interventiva, trabalhamos com os vínculos: família-
terapeutas. Os terapeutas – aqui estamos nos referindo aos profi ssionais 
da equipe, médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fi sioterapeutas, 
fonoaudiólogos – que se colocam em posição de sustentar e fortalecer as famílias 
reativando o saber dos pais sobre o seu bebê e ofertando novas formas de 
promover a interação e estimulação do que se encontra em prejuízo. 
O processo de interação e aprendizagem faz com que nosso cérebro se 
reorganize, elimine e fortaleça novas conexões. Assim, a multiplicidade dos 
estímulos poderá determinar a complexifi cação entre as células o que não 
signifi ca que um bebê irá aprender a ler e escrever por receber muita estimulação. 
Nascemos prematuros e o cérebro termina de amadurecer até a adolescência, 
quanto as suas funções e o seu aspecto morfológico. As janelas de oportunidade, 
tal como o nome diz, se abrem e se fecham dentro de um tempo, neste sentido, 
competências podem ser desenvolvidas ou não, dependendo da estimulação. 
A competência visual, por exemplo, poderá não acontecer ou fi car seriamente 
comprometida caso não haja estimulação visual.
O trabalho de intervenção precoce poderá ser realizado em clínicas 
especializadas, consultórios dos terapeutas, em casa, mas sempre precisará 
que os profi ssionais se comuniquem entre si, procurando saber das intervenções 
dos colegas de modo a produzir e a realizar intervenções assertivas e acertadas. 
É condição indispensável àqueles que se colocam em posição de realizar 
intervenção precoce atuarem de forma interdisciplinar, quer dizer, que todos 
tenham conhecimento mínimo ao que o outro colega profi ssional realiza. 
FIGURA 11 – SALA DE INTERVENÇÃO PRECOCE
FONTE: <https://www.colegiodomus.com.br/fi les/noticias/0000001-0000500/431/9b3
64db7662965afebfba2aa7d0c23df.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
26
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Outro ponto de suma importância é que os pais sejam protagonistas e 
convocadosa estarem presentes de forma ativa. Isso já faz parte do momento 
de “treinamento dos pais”. Por isso, consideramos que os profi ssionais precisam 
estar abertos para discutir e incluir os pais a participarem da construção do Plano 
Terapêutico Singular de seus fi lhos, isso signifi ca que eles têm o direito de saber 
e compreender quais são os pontos ou marcadores do desenvolvimento que se 
encontram aquém do esperado para a idade e que precisarão de intervenções 
para serem alcançados.
FIGURA 12 – MÃE REALIZANDO A INTERVENÇÃO PRECOCE POR MEIO DO BRINCAR
FONTE: <https://atusaludenlinea.com/wp-content/uploads/2015/06/
Estimulaci%C3%B3n.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
Sobre os instrumentos de triagem e avaliação a serem utilizados pela equipe 
interdisciplinar de intervenção precoce, recomenda-se que sejam utilizados 
aqueles que são validados cientifi camente, como: o CARS (Childhood Autism 
Rating Scale); o M-CHAT (Modifi ed Checklist for Autism in Toddlers) e o PREAUT 
(CULLERE-CRESPIN; OLIVEIRA, 2015) que propõe a avaliação nos quatro e 
nove meses. 
A partir das competências avaliadas, constroem-se objetivos de intervenção, 
que deverão ser manejados dentro de um período, em torno de 12 semanas, 
conferindo um tempo de cerca de três em três meses de intervenções para 
reavaliação. O Modelo Denver de intervenção precoce com crianças com 
autismo, para a promoção da linguagem, aprendizagem e da socialização (2010)
se confi gura como um excelente material de avaliação e acompanhamento de 
crianças até os seus cinco anos e nos serve de inspiração na construção do 
Plano Terapêutico Singular, pois, por meio dele, podemos ver as áreas que se 
encontram defi citárias e que carecem de estimulação. 
A intervenção precoce para crianças com sinais de autismo precisará 
27
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
acontecer de forma sensível, clara e objetiva. Incluindo os pais durante as 
sessões, propomos que os terapeutas utilizem de objetos e brinquedos que sejam 
familiares e próximos das crianças, contextualizadas a sua realidade, de forma a 
que os pais possam dar continuidade ao que foi realizado no ambiente controlado 
do consultório para a extensão da sua realidade em casa na rotina diária.
FIGURA 13 – CAPA DO LIVRO MODELO DENVER
FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/51ASAvvZvFL._
SX342_BO1,204,203,200_.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
FIGURA 14 – EXEMPLO FICHA DO M-CHAT
FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/protocoloteasp2014-170630030352/95/protoco-
lo-tea-sp2014-66-638.jpg?cb=1498791895>. Acesso em: 22 maio 2020.
28
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Acadêmico, sugerimos a leitura do livro Compreender a agir em 
família (ROGERS; DAWSON; VISMARA, 2015).
FÓRUM DE DISCUSSÃO
Considerando o estudo até esse ponto, propomos uma questão 
para refl etir e discutir. Sob orientação do seu tutor, escreva suas 
conclusões no caderno de anotações.
• Você concorda que a intervenção precoce se justifi ca? Explique 
baseando-se em casos já vivenciados por você, ou de leituras, 
buscando contrapor com casos de intervenções com crianças que 
não tiveram intervenção precoce. O que pode vir a acarretar ao 
desenvolvimento da criança caso não haja a intervenção precoce? E 
o que essa intervenção propõe a alcançar?
3 A FAMÍLIA NO TRATAMENTO
CASE
O livro da psicanalista Rosine Lefort, escrito em contribuição de seu marido 
Robert Lefort, O nascimento do Outro, apresenta de forma detalhada e descritiva 
o atendimento inédito em intervenção precoce de duas crianças pequenas: 
Nádia, 11 meses e Marie-Françoise, 30 meses. A intervenção aconteceu em uma 
instituição pública francesa de assistência social, Fundação Parent de Rosan, 
no período do pós-Segunda Guerra Mundial (1951-1953), destinado a crianças 
em situação de abandono ou de afastamento de seus pais. Rosine Lefort 
participava de uma pesquisa junto com o do Dr. René Spitz e Jenny Aubry sobre 
o “hospitalismo”, termo utilizado por ele para se referir à observação de crianças 
pequenas que ao permanecerem privadas dos cuidados particularizados dos 
pais, devido à longa internação em hospitais ou orfanatos, passaram a regredir 
29
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
ou estagnar seu desenvolvimento global, apresentando sintomas semelhantes 
ao autismo. Na Parent de Rosan foram identifi cados que alguns bebês estavam 
apresentando comportamento regredido, como retraimento, melancolia com 
choro constante, catatonia, estereotipias como o balanceio do corpo e mãos, 
recusa em interagir, em brincar e se alimentar. Ao não se constatar a presença 
de causas orgânicas, a equipe hipotetizou que crianças privadas de cuidados 
primários de um cuidador específi co podem apresentar sinais de atraso global 
do desenvolvimento, demostrando uma espécie de abandono subjetivo. Essa 
pesquisa nos sinaliza que a privação de cuidados particularizados, ou seja, 
a falta de implicação e engajamento dos cuidadores primários (como os pais 
ou substitutos paternos) com as crianças pequenas pode resultar, dentre 
várias coisas, no atraso do desenvolvimento destas crianças. Diante disso, a 
psicanalista Rosine Lefort, se propôs a atender Nádia e Marie Françoise, que 
apresentavam traços e sinais de atraso global. Rosine utilizava de objetos do 
meio da criança, como: a mamadeira, o bico, o prato de mingau, os brinquedos, 
as fraldas, e ofertava sua presença falada ou recuada na cena interventiva, de 
forma a não invadir o espaço das crianças que demonstravam hipersensibilidade 
táctil, intencionando convocar às crianças à vida, e promover o desenvolvimento 
através do uso desses objetos e do vínculo estabelecido entre ela e as crianças. 
Retirando-as do limbo da ausência de desejo e do abandono subjetivo, 
a terapeuta estabeleceu esse vínculo particularizado com os pequenos 
pacientes e estes passaram a apresentar respostas distintas evidenciando 
os efeitos clínicos das intervenções, ainda que com limitações. Com Nádia a 
resposta foi a de apresentar engajamento e interação social, começou a falar, 
a fazer demandas, a brincar compartilhado, interagindo e trocando objetos, 
cessando os comportamentos de repetição e estereotipias com as mãos, não 
mais apresentava crises de angústia e foi indicada para o jardim de infância. 
Já Marie-Françoise mesmo apresentando melhorias quanto ao contato social, 
ainda permaneceu com abertura limitada às intervenções, mantinha-se em 
posição de preferir certo afastamento da interação social e, resistente em sair 
do comportamento autodirigido e fechado, não suportava longas intervenções, 
demonstrando hipersensibilidade ao som e ao contato táctil, não conseguindo 
se fazer entender diante de situações que lhe pareciam difíceis, gritava. Marie 
indicava um encaminhamento para o autismo, com todos esses sinais, precisando 
permanecer em tratamento, e Nádia demonstrou sua saída dele. Mesmo com 
todas as restrições da época, Rosine Lefort pode nos demonstrar a importância 
tanto da família e o papel dos cuidadores, quanto à efetividade da intervenção 
precoce. Interessante notar que Nádia era mais nova que Marie Françoise, será 
que podemos supor que o início mais precoce com Nádia pode ter promovido o 
seu melhor desempenho que com Marie? Ou o autismo também nos indica um 
modo único de ser e estar no mundo, independente das intervenções?
30
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
O caso apresentado muito pode nos colocar a refl etir sobre o papel da família 
nos cuidados com bebês e crianças. Um ambiente rico em estimulação e permeado 
de vínculo afetivo promove o crescimento e desenvolvimento global das crianças, 
enquanto um ambiente asséptico e com escassez de estímulos pode causar o 
atraso global no desenvolvimento das crianças. Podemos pensar, sobretudo, que 
a intervenção precoce permite uma considerável melhora dos sintomas autísticos 
em crianças pequenas de forma mais ligeira, mas a intervençãoterapêutica 
também o faz com crianças maiores e adolescentes. 
Após o recebimento do diagnóstico e a aceitação do tratamento é muito 
importante que possamos iniciar o processo de suporte à família. É fundamental 
que os pais possam participar de forma ativa no tratamento, incluindo-se e 
responsabilizando-se, no sentido de entender que somente as sessões de terapia 
psicológica no consultório, de integração sensorial da terapia ocupacional ou da 
fonoterapia, não resultarão em efeitos mágicos, caso em casa as crianças não 
recebam e percebam mudanças que as ajudem a se desenvolver. Portanto, eles 
precisam fazer parte do Plano Terapêutico Singular das crianças.
Atualmente, muitas famílias têm em sua estruturação o pai e a mãe com 
horários muito restritos para estarem com os fi lhos devido à rotina de trabalho. 
No entanto, ainda assim pensamos ser possível aplicar mudanças na rotina que 
possam promover um ambiente saudável e feliz. Os momentos que a família está 
unida, como a hora do café da manhã, do almoço, do jantar ou mesmo o horário 
que antecede o dormir, com a leitura de um livro, e, quando a organização da 
casa se dirige ao silêncio, podem ser feitos com qualidade se os pais entenderem 
que caso se disponham, sem desistir, e valorizem o tempo em família, podem 
colher bons e proveitosos frutos.
A família constitui-se como o primeiro lugar em que a criança se situará no 
mundo, podendo se reconhecer a partir do reconhecimento dos outros membros 
da família. Ela é uma instituição carregada de elementos simbólicos, éticos, 
morais, culturais e tem a função primária de inserir o humano no campo social 
transmitindo aqueles valores. A criança irá responder à própria família com a sua 
subjetividade única e através do que aprendeu nessa socialização primária, irá 
demonstrar na socialização secundária, quando, por exemplo, for para a escola, 
tudo o que aprendeu. Por isso, ressaltamos a importância da família na clínica 
com crianças.
Bom, para começarmos, acreditamos ser importante que os terapeutas 
busquem saber da rotina diária da família, desde o amanhecer até o momento 
de dormir, para que se possa identifi car os momentos de angústia, birras, de 
comportamentos disruptivos, de crises, todos que podem gerar cansaço e 
discussões infi ndáveis entre os pais. Todavia, também podemos identifi car os 
31
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
bons momentos e o que eles já puderam alcançar. As rotinas da vida diária devem 
e podem ser bons momentos de estimulação e interação entre as crianças e seus 
pais. Entendendo isso, muitos comportamentos que terminam por gerar brigas 
poderão ser prevenidos.
3.1 COMO INICIAR O PLANO 
TERAPÊUTICO SINGULAR
O trabalho terapêutico acontecerá no consultório, clínicas, em visitas à 
escola e, em alguns casos, em domicílio. Após ser realizada a avaliação inicial 
com entrevista e aplicação de escalas de avaliação, pode-se demarcar com os 
pais quais são os pontos principais que precisarão ser trabalhados. Aquilo que 
a criança apresenta, o modo como se situa no mundo, com as pessoas, com os 
objetos, com a linguagem, como se comporta, como realiza, ou não, as atividades 
nos indicam como cada criança é única e como podemos intervir a partir do que 
ela se mostra.
Podemos constatar como características únicas das crianças autistas 
apresentarem pouca habilidade em se comunicar, rigidez ou infl exibilidade mental, 
insistindo ou buscando manter tudo no mesmo lugar, difi culdade em realizar 
abstrações ou compreender os meandros de uma conversa e seus aspectos 
subjetivos, portar-se de modo literal nas colóquios e situações, apresentando 
difi culdade em ceder, difi culdade para manter um diálogo ou conversas com 
os familiares e amigos. Por isso, pode acontecer de as crianças apresentarem 
comportamentos vistos como inadequados ou inapropriados a determinadas 
ocasiões. Dizemos isso pois sabemos que pessoas não autistas também podem 
se apresentar inadequadas nas situações sociais. 
Temos visto que as técnicas terapêuticas que propõem intervenções de cunho 
educativo e com foco na aprendizagem têm tido grandes efeitos no tratamento 
dessas crianças o que não signifi ca que há o esquecimento da singularidade 
subjetiva delas e de suas famílias. Salientamos que as propostas terapêuticas 
não podem servir para comprovarmos nossas teses, mas para, de fato, podermos 
ajudar as famílias e as crianças com autismo nos pontos em que se localiza 
difi culdades ou impasses que culminaram no atraso do desenvolvimento. 
As intervenções que propõem o desenvolvimento de habilidades e mudança 
de comportamento por meio do aprendizado parecem ser interessantes propostas, 
pois estabelecem de forma clara e objetiva o processo que deverá ser realizado. 
Para a criança autista, quanto mais objetivo e claro um estímulo e uma proposta, 
32
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
sem demandar demais, efeitos benéfi cos poderão advir. Asperger, em seu trabalho 
com os autistas, observou que, para se fazer escutar, deveríamos não nos 
ocupar demais dessas crianças, no sentido de não insistir de forma inadvertida 
forçando uma intervenção, seu conselho era o de a falar “sem se aproximar deles 
pessoalmente, não exprimindo muito os sentimentos, mas, ‘fi ngindo uma paixão 
desbotada’” (ASPERGER, 1998, p. 69). 
O tempo de trabalho com as crianças com autismo pode variar conforme o 
grau de severidade, mas, com todas, a literatura científi ca sugere dedicar muitas 
horas semanais para que ela possa expandir e estimular novas áreas e conexões 
neuronais com o aprendizado, através do estabelecimento do vínculo terapêutico, 
assimilar e adaptar funções expandindo as que não estavam em execução, 
resultando em melhorias ao seu desenvolvimento de uma forma ampla. Então, 
pode ser que seja proposto que os encontros com os terapeutas aconteçam de 
duas a três vezes por semana, em cada especialidade. Contudo, a escola e os 
momentos com os pais também são contados como momentos terapêuticos.
A escola é um ambiente rico de aprendizado, promove a interação e 
habilidades sociais, culturais, reproduzindo as regras e costumes da sociedade, 
permitindo o conhecimento e aquisição de distintas habilidades, estimula as 
funções executivas e permite o ensaio das crianças sobre como portar-se 
socialmente, resolver problemas e buscar soluções, mantendo sua individualidade 
e particularidade enquanto sujeito. No entanto, é importante que a escola possa 
entender a peculiaridade da criança com autismo. Buscar saber quem é essa 
criança que está recebendo, conhecendo suas habilidades e difi culdades para 
que possa respeitá-la, ajudando-a e a incluindo-a no processo escolar. Falaremos 
melhor disso no próximo capítulo, mas adiantamos que a escola é considerada 
um terreno fértil para promover o desenvolvimento da criança autista e pode 
lançar mão de vários artifícios neste processo.
FIGURA 15 – CRIANÇAS EM MOMENTO DE INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLA
FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-a4lxM-DBXDo/Wbe0g3ZwcvI/
AAAAAAAAGxw/378cueNfzicQdNXh_7UB-M1YI8S92ne1ACEwYBhgL/
s1600/brincar.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
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A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
1 Sobre a participação da família no tratamento da criança autista, 
classifi que V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as 
FALSAS:
( ) É fundamental a participação da família na construção do Plano 
Terapêutico Singular.
( ) Os momentos das atividades da vida diária não são propícios a 
mudanças e na promoção de um ambiente saudável.
( ) É importante realizar uma entrevista inicial com os pais da 
criança autista buscando entender as características da criança, 
suas habilidades e difi culdades, como se comporta, como eles 
intervém e como é a rotina diária.
( ) Os momentos em que a criança autista tem com sua família e 
com a escola são contados como tempo terapêutico.
3.2 REVENDO AS ATIVIDADES DA 
VIDA DIÁRIA
Sabemos que as criançasautistas podem ter mais difi culdade para se 
expressar que as outras pessoas, que a sua capacidade de compreender o outro, 
colocando-se em seu lugar (empatia), pode ser para elas algo muito complicado. 
Sendo assim, as regras sociais são com frequência tidas como algo que resultam 
em imensos confl itos. Buscar compreender como uma criança com autismo 
funciona pode ser o caminho inicial para que as famílias se situem quanto aos 
seus fi lhos, entendendo e discernindo os momentos de angústia aos de birras. 
Bom, para podermos ajudar as famílias com seus fi lhos com autismo, 
podemos solicitar de antemão, como dissemos anteriormente, que nos informem 
da rotina diária da família e como descrevem cada momento do dia. Como um 
“Plano de Ação Inicial”, podemos fazer com a família dois quadros de rotinas: o 
atual (antes da intervenção terapêutica) e o quadro a ser aplicado. Solicitamos 
aos pais que coloquem no quadro diário tudo o que acontece em cada dia da 
semana e em certa hora e momento específi co do dia, por exemplo: “manhã de 
segunda-feira: acorda com difi culdade da cama, em horário variado, não se veste 
sozinho, café da manhã confuso (descrever como acontece tudo), o banho, vestir 
roupas, saída para escola, o percurso; tarde: horário de almoço”, e assim por 
diante, até o momento de ir dormir. Em um outro quadro, refazer a rotina de forma 
clara, ilustrada e objetiva, salientando a reorganização familiar no processo. 
34
 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Cabe frisar à família sobre a tomada de consciência de que essa rotina 
não signifi cará somente uma intervenção em prol do fi lho(a) com autismo, como 
se ele(a) fosse o rei da casa. Essa proposta serve como um dos meios de 
reorganização da rotina diária, prevenindo problemas (crises de ansiedade, birra 
e choro) para a promoção da qualidade no relacionamento familiar. 
Sendo assim, voltando ao quadro de rotina, é interessante dispor frases 
curtas com uma imagem em conjunto, de forma que a criança possa compreender 
de forma objetiva o que está sendo proposto para aquele momento, por exemplo: 
FIGURA 16 – EXEMPLO DE IMAGEM E FRASE SIMPLES PARA QUADRO DE ROTINA
FONTE: <https://img.elo7.com.br/product/main/22D657E/quadro-
de-rotina-tea-pecs-tdah.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
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A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
Após a manufatura dos quadros, é interessante dispô-los, mostrando os 
quadros atuais e o proposto, feito em conjunto com o terapeuta, permitindo à 
própria família verifi car os pontos de confl ito, os momentos benéfi cos e propor 
mudanças, adequando cada coisa em seu tempo.
Essa técnica se mostra muito efi caz aos pais e principalmente para as 
crianças, pois elas são incluídas a participar da agenda da semana da família, 
podendo assim organizar-se mentalmente sobre tudo o que virá a acontecer. 
Desse modo, permitimos à criança com autismo ser incluída ao ser tratada 
enquanto sujeito ativo. 
Ao fazer e colocar em prática esse quadro de rotina, é dado à criança a 
oportunidade de iniciar sua compreensão da ordem das coisas, o que diminui a 
angústia e os momentos de birras e discussões entre a família, momentos esses 
que podem deixar a criança ainda mais desorganizada. Já dissemos que para 
a criança com autismo é mais difícil compreender as mudanças, devido a sua 
infl exibilidade mental. O quadro de rotina permite a ela entender o processo diário, 
podendo até mesmo que em um segundo tempo, ela possa se incluir interferindo 
na rotina, propondo novos momentos, como um sujeito autista adolescente. 
O quadro tem a função de orientar a criança no seu dia a dia, sendo assim, 
ele deve ser uma ferramenta de uso diário em que os pais devem estar atentos à 
atualidade das mudanças, colocando-as no quadro, como quando algo da rotina 
que irá mudar, por exemplo, se um dia da semana ela irá almoçar com sua avó 
ao invés de ser em casa com os pais. Isso permite à criança ir trabalhando a 
fl exibilização mental e emocional, podendo aprender em como lidar com as 
frustrações e os imprevistos, os quais podem acontecer a qualquer momento em 
nossas vidas, você não concorda? 
Desse modo, muitas famílias compartilham que o quadro abre possibilidades 
para a família, promovendo diminuição da ansiedade na criança, permitindo sua 
aceitação diante de mudanças da rotina e melhorando o relacionamento entre os 
seus membros, incluindo os irmãos de crianças com autismo, que muitas vezes 
fi cam recuados, precisando ceder e tentando se adaptar ao irmão com autismo.
Importante dizer, ainda, que haverá um momento em que o quadro de rotina 
poderá ser retirado, quando a criança crescida, ou já adolescente apresentar uma 
autonomia em suas atividades da vida diária. Em nossa experiência, algumas 
famílias relatam que essa ferramenta serviu para que elas pudessem realizar até 
uma organização fi nanceira da casa, quando puderam incluir tudo o que se referia 
à família no quadro.
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 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Descreva a aplicabilidade do quadro de rotina para a criança 
autista e sua família:
4 SER CUIDADOSO NAS 
INTERVENÇÕES COM A CRIANÇA E 
SUA FAMÍLIA
Um dos momentos que os pais relatam grandes confl itos é quando algo da 
rotina da criança mudará, seja porque algo diferente do percurso ou do dia será 
retirado ou incluído. Nesse sentido, vemos a importância de falarmos sobre como 
lidar com a tolerância à frustração, mesmo que saibamos da infl exibilidade mental 
e vontade de imutabilidade da criança com autismo. 
Talvez já tenha ouvido ou visto algumas crianças autistas estabelecerem 
uma relação especial com alguns objetos, como se os acoplassem aos seus 
corpos, andam para todos os lugares com esse objeto em mãos e não permitem 
a sua retirada. Pode ser um brinquedo, um caderno com caneta, um ursinho, um 
pano. Podemos denominar como “objetos empíricos mediadores”, ou “objetos 
autísticos”, esses objetos escolhidos pelos autistas que se distinguem dos “objetos 
transicionais”. 
O objeto transicional foi cunhado pelo pediatra e psicanalista Donald Winnicott 
(1975) para evidenciar uma área simbólica intermediária entre um objeto e o bebê, 
entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, denotando 
que o bebê já consegue distinguir de forma mínima ele (ego), quer dizer, que ele é 
um e o objeto é outro (“ego/não ego”) localizando o objeto na fronteira ou fora de 
si, e estabelecendo uma relação afetuosa e de apego com o objeto escolhido. Isso 
pode acontecer no primeiro ano de vida da criança funcionando como substituto 
simbólico da separação que pressente com seu cuidador primário (mãe/pai). 
37
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
FIGURA 17 – O PEDIATRA INGLÊS DONALD WINNICOTT
FONTE: <https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/puN6C
mwCcZzgfJCFMtvezW9VNPngzC6geCYkvwDvBgtpkPwSEKtVzUJ
ABEPn/218-winnicott-01.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
Você pode constatar esse momento de angústia de separação quando o 
bebê, mesmo em sua tenra idade por volta oito meses passa a “estranhar” outras 
pessoas diferentes de sua mãe ou pai, e chora quando eles se separam, como 
quando os pais saem para trabalhar. Diante disso, a criança precisa lidar com esse 
sentimento de angústia de separação. Ao eleger um objeto de seu entorno, fralda, 
pelúcia, bico ela realiza uma operação mental primária importante de fl exibilização 
e tolerância à frustração ao criar, imaginar, inventar um substituto simbólico do 
cuidador primário, com o qual obtém satisfação. Essa fase de eleição de um 
objeto transicional é curta e, é esperado que passe logo que a criança comece 
a se interessar por outros objetos de seu entorno, fazendo uso funcional deles. 
Desse modo, ela amplia o seu repertório de comunicação e de interação social. 
Ela alcança satisfação nesses momentos, repletos de aprendizagem por meio do 
brincar e do fantasiar. A criança ensaia a imitação imaginária e os jogos simbólicosquando reproduz o que já vivenciou em um primeiro tempo com sua família, nas 
relações com outras pessoas ou mesmo sozinha. Você pode constatar quando 
uma criança pequena utiliza de um brinquedo imaginando que está comendo 
algo e diz, “humm... que papá gostoso!”. Ela dá mostras de ter introjetado o que 
apreendeu dos outros, imitando-os por meio do brincar.
Por outro lado, o “objeto autístico” além de persistir por mais tempo que o 
transicional, se caracteriza como uma criação da criança com a fi nalidade não de 
operar como substituto simbólico, mas funcionando como um objeto real e literal 
que realizaria certa borda protetiva entre a criança autista e o mundo. Podemos 
observar que as crianças com autismo que elegeram objetos específi cos com os 
quais não deixa de levar para todos os lugares, caso haja a insistência em retirá-
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 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
los, ele entra em crise e sem poder se comunicar, pode chorar muito levando 
tempo para ser acalmado. 
Maleval (2017) explica que ambos os processos, objeto transicional e objeto 
autístico, apaziguam a criança, mas para o indivíduo autista é como se o objeto 
autístico passasse a fazer parte de seu corpo, animando-o, podendo inclusive 
retirá-lo de um autocentramento, para estabelecer um laço social quando é 
permitida a sua permanência. O objeto transicional, em contrapartida, faria certa 
regulação da relação das crianças com os outros, intermediando-as. Para as 
crianças com autismo, o seu sistema perceptivo e sensorial pode se encontrar 
desregulado, de modo que não distingue sua posição e imagem corporal das 
outras pessoas, apresentando por vezes certa desintegração. Por isso, muitas 
dessas crianças quando começam a falar repetem de forma ecolálica o que 
escutam, não realizando enunciados em primeira pessoa, não se distinguem dos 
outros, mas parece com eles se misturar. 
Kanner (1997, p. 132) observou, em seus atendimentos, que as crianças 
autistas, “tem uma boa relação com os objetos; se interessa por eles, pode brincar 
com eles, alegremente, durante horas [...]. Quando está com eles, experimenta 
uma sensação prazerosa de poder e de domínio incontestáveis”. Kanner sublinha 
que os autistas estabelecem e mantêm uma excelente, expressiva e inteligente 
relação com os objetos, ao que podemos acrescentar que seria por meio desses 
objetos que a criança autista faria uma espécie de proteção contra as pessoas, 
delas se defendendo, ao manterem-se restrita à relação com o objeto?
O emprego conferido aos objetos por essas crianças pode ser o de duplicação 
de seu corpo, tratando-os como pedaços que se integram a ele. Esses “objetos 
autísticos” podem fazer parte da construção de sua imagem, e, por isso, têm 
fundamental importância, funcionando como extensões de seus corpos, ainda que 
possam parecer estranhos e inadequados à primeira vista. Tentaremos explicar 
com o recorte de um caso:
CASE
Ian é um menino autista com a idade de sete anos. Sua mãe sinaliza que 
ele é muito rígido para mudar a rotina e anda para todos os lugares com uma 
bolinha em mãos. Sendo afi cionado pelas bolinhas, em todo local que vê uma 
máquina de bolinhas, exige que sua mãe compre mais bolinhas, senão chora e 
se joga ao chão fazendo birra. Ele ainda fala pouco e quando o faz, gagueja, mas 
aponta e segura as pessoas próximas pelo braço ao que deseja. Se insistimos 
com ele em deixar a bolinha, ele grita e faz birra. A terapeuta, então, propõe 
brincar com ele por meio do seu “objeto autístico”, a sua “inha”, como diz ao se 
39
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
referir à bolinha. Ao suportar manter esse objeto, não retirando-o, no primeiro 
momento, de suas mãos, ao contrário, agregando-o em um jogo de trocas, a 
criança se permitiu brincar e começou a tentar se expressar melhor, ainda que 
de modo simples, pode iniciar a expressão de suas intenções. Parece ter havido 
a concessão desse descolamento, a partir da manutenção do objeto predileto. 
Ao produzir um espaço e tempo à criança, respeitando suas particularidades, 
de modo sensível e delicado, a criança pode ir cedendo e adequando-se às 
distintas situações. Então, a terapeuta propôs jogar bola, vôlei, futebol, tênis, 
até que em outro tempo, pode propor outros jogos, desde que a bolinha fosse 
guardada em local que a criança se sentisse confortável, como na estante, 
numa caixa ou em seu bolso da calça. Do mutismo num silêncio aterrador, e da 
angústia que o fazia cavar furos em seu corpo, Ian pode iniciar a língua falada 
com a presença da cuidadosa da terapeuta, sem ter que deixar uma parte sua, 
materializada no objeto “bolinha”. Talvez a extensão do laço ordinário do autista 
com um objeto empírico possa propiciar uma trama simbolizante por meio da 
qual as funções desse objeto possam ganhar outro estatuto (NEVES, 2018). A 
família foi orientada a fazer combinados claros e objetivos com Ian, tratando-o 
como alguém capaz de entender a ordem das coisas, e não ceder as suas 
birras diante dos combinados para que pudesse aprender novos modos de se 
comunicar e suportar a frustração. Os pais passaram a fazer acordos com Ian 
antes de sair para escola bem como para outros lugares e aos poucos passou a 
entender e a suportar os combinados e as frustrações.
Esse caso pode parecer uma intervenção pequena, no entanto, ele nos 
ilustra um trabalho sensível de respeito à criança quanto ao que ela apresenta 
como importante para si, o objeto predileto sendo gradualmente adequado às 
situações e regras sociais, conferindo diminuição da angústia e início da emissão 
da fala com intenções. 
4.1 ORIENTAÇÕES AOS PAIS 
A efetividade do tratamento contará especialmente com a contrapartida e 
engajamento dos pais. A participação dos pais no tratamento será muito efetiva 
caso eles se disponham a estarem atentos diariamente à rotina de seu fi lho. 
Sabemos que os tratamentos visam a extinção de comportamentos considerados 
inadequados para fomentar as habilidades existentes, tornando-as funcionais de 
modo a culminar na autonomia e independência em todas as atividades da vida 
diária. 
Consideramos importante que os pais possam buscar entender o fi lho com 
autismo, conhecendo-o em suas competências, habilidades e no que precisa 
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 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
extinguir ou aprimorar. Assim que o terapeuta for mostrando as propostas de 
intervenções a serem realizadas com a criança, explicando o que precisa ser 
alcançado, os pais precisam buscar entender o que os terapeutas estão dizendo 
nas sessões para poderem repeti-las em casa. 
Esse caminho é fundamental para o processo terapêutico de modo que o que 
foi realizado em consultório possa ser generalizado no ambiente de casa, escola 
ou outros lugares. Se os pais não concordam e não buscam compreender o que 
está sendo proposto, precisam ser francos com o terapeuta para que por meio da 
conversa possam cessar as dúvidas e questões podendo criar novas propostas 
de intervenções.
Os pais não precisam concordar com tudo o que os terapeutas propõem e 
devem ter a liberdade de exprimir seus sentimentos e difi culdades. Quando os 
terapeutas acolhem as famílias e escutam o processo de suspeita até o impacto 
do diagnóstico, o campo emocional em que os pais se encontram pode estar muito 
frágil, apresentando fadiga mental e tristeza. Como dissemos no início do capítulo, 
o fi lho sonhado e idealizado se distingue do real. Nesse sentido, cabe respeitar 
a dor dos pais e ajudá-los a superar os percalços, superando-os e tornando-se 
fortes. Contudo, os pais, por vezes, sentem-se pequenos diante do saber dos 
médicos e terapeutas. Permitir o estabelecimento de um vínculo de confi ança é 
necessário. Sendo assim, as propostas interventivas podem ser questionadas e 
revistas, mas um problema que vemos acontecer é o de os pais fazerem o oposto 
ao que foi proposto e acordado com os terapeutas.
A possibilidade de uma terapêutica ser efetiva dependerá dea família 
se engajar e acreditar que pode dar certo. Orientações e sugestões feitas em 
consultório devem ser levadas para casa e apresentadas aos seus membros. 
De nada valerá que o terapeuta explique que a sobremesa só poderá ser dada 
após as principais refeições se os avós ou babás não são comunicados disso e 
cedem às birras e vontades das crianças. Esses momentos podem acontecer com 
crianças típicas ou com autismo.
Com a estimulação diária, as crianças podem apresentar grandes evoluções. 
É preciso que os pais saibam que precisarão despender tempo de qualidade com 
seus fi lhos. Sabemos que na atualidade das tecnologias são vários os casos de 
crianças que são permitidas a passar horas e horas em frente às telas de tablets 
e celulares. Quando pedimos aos pais para nos dizerem o que as crianças estão 
assistindo, alguns não sabem dizer, outros informam que os fi lhos não assistem 
a tudo, mas fi cam deslizando o dedo nas telas, ou repetindo reiteradamente 
o mesmo minuto de um só episódio de um desenho. Esse tempo pode ser 
considerado perdido e poderia ser bem utilizado, caso os pais se dispusessem a 
estarem mais atentos ao que o fi lho está assistindo.
41
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
Algumas crianças com autismo demonstram grande dependência dos 
celulares e preferência por esses objetos a brinquedos, e, muitas vezes, porque 
não tiveram a oportunidade de terem momentos de brincar com os pais.
Um tempo de qualidade que os pais podem realizar em casa pode ser o do 
brincar. Os pais, ou um deles, podem reservar um tempo, ainda que pouco, a 
brincar com quebra-cabeças (começando por peças grandes), leitura de livros com 
imagens e contação de histórias simples, massinha, jogar bola, estabelecendo 
troca com a criança em jogos simbolizantes de presença-ausência, em ir e vir 
estabelecendo ritmo e no embalo temporal entre a expectativa e a satisfação, 
brincar de faz de conta, de casinha, dentre vários outros. 
Algumas crianças dão evidência de estarem pouco animadas, apenas com a 
restrição ao uso do celular, que inclusive mantém a criança afastada das pessoas 
e da interação, uma vez que não há troca intersubjetiva. Desse modo, propomos o 
brincar. No consultório podemos ver que logo as crianças pequenas com autismo 
respondem e passam a nos solicitar por mais tempo de jogo e brincadeira. Assim 
também pode acontecer com os pais. 
O brincar se constitui como meio privilegiado de intervenção na infância. 
Donald Winnicott (1975, p. 70) assevera, “em outros termos, é a brincadeira que 
é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, 
a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma 
forma de comunicação na psicoterapia”.
O brincar livre, aquele em que é permitido à criança escolher com o que 
brincar, e o brincar funcional, em que se realiza de forma orientada visando 
alcançar o aprendizado de alguma função (como as professoras propõem no 
jardim de infância), favorece o crescimento e desenvolvimento de habilidades da 
criança, e propicia o estreitamento do vínculo familiar. 
Os jogos e suas regras propiciarão um ensaio para a criança realizar a 
compreensão da ordem das coisas, aprendendo a respeitá-las, generalizando-
as no campo social. É importante que durante esses momentos os pais fi quem 
atentos em levar a sério as brincadeiras, de modo que as regras não sejam 
negligenciadas. Se a criança tem o costume de atirar objetos quando contrariada, 
por exemplo, quando fi car maior poderá atirar objetos maiores. Portanto, é 
importante que ela possa aprender a suportar ser contrariada quando perde, 
ajudando-a a compreender o processo do jogo e sua fi nalidade. 
Muitas podem ser as situações em que as crianças se veem em confl itos 
sobre como reagir diante de algo que para pessoas típicas podem ser banais. 
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 INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo
Até que a criança com autismo tenha aprendido a como lidar nas situações, ela 
pode entrar em uma crise de angústia reagindo de distintas maneiras. Importante 
que os pais façam a distinção de uma crise de angústia ao de uma birra, e não 
generalizem as duas situações. Porém, faz-se importante buscar acalmar a 
criança em ambas. 
Se a criança começa a apresentar um comportamento disruptivo, como: 
birras, autoagressão ou agressividade aos outros, fuga ou esquiva é preciso e 
possível manejar as intervenções. Os pais às vezes fi cam receosos de fazer 
intervenções com seus fi lhos com autismo, crendo que eles não são capazes 
de entender, ou que sentem dó do fi lho, por considerá-lo como alguém que se 
encontra em sofrimento, e, por isso, eles devem permitir que ele seja satisfeito em 
todo tempo. 
Esse modo de agir além de não ajudar a criança com autismo pode provocar 
a piora de seus sintomas, pois um atraso no manejo dos comportamentos vai 
acontecer. O sentimento de culpa dos pais não tratado, de pensarem que 
provocaram algo ao fi lho, de terem transmitido alguma coisa que culminou 
no autismo, denotam a necessidade de se trabalhar com o terapeuta esses 
sentimentos e concepções acerca do fi lho para que o quanto antes as intervenções 
possam acontecer.
Buscar falar fi rme, na altura da criança, buscando acalmá-la pode ser um 
dos meios de intervir nas situações de disrupção. Nunca entregar o celular, pois 
reforçará o comportamento disruptivo.
5 O QUE AS CRIANÇAS COM 
AUTISMO PODEM ENSINAR AOS 
SEUS PAIS
Os pais de crianças com autismo relatam, comumente, das habilidades 
únicas observadas em seus fi lhos. Ao perguntarmos a eles sobre o que identifi cam 
como pontos positivos e boas capacidades de seus fi lhos, eles logo se animam 
e sentem-se valorizados ao concedermos interesse não somente pelo que há 
de problema, ou de “defi citário”, mas, sobretudo, ao que há de capacidade a ser 
valorizada. 
Podemos conferir com muitas famílias que seus fi lhos com TEA são dotados 
de boa capacidade quanto à memorização de palavras, lugares e imagens. Alguns 
pais falam do modo como os fi lhos conseguem decorar longos percursos, números 
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A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA Capítulo 1 
de ônibus, nomes de ruas pelas quais passam todos os dias como quando vão 
para a escola. Sugerimos ofertar livros, mapas, aproveitar para construir juntos o 
mapa de sua região fomentando à criança suas habilidades.
FIGURA 18 – CRIANÇA BRINCANDO COM JOGO DA MEMÓRIA
FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3
AANd9GcRzYoWH1cMQNJq6nzEgw9ErD7LNsnuB_0F75PmX-
Ao4B7LECaQM&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020.
Quando as crianças saem do mutismo e da solidão, acedendo à fala e 
começando a se comunicar, muitas dão mostras de uma verbalização com 
vocabulário extenso e incrível, com excelente aquisição de leitura e escrita. 
Embora muitas apresentem literalidade de entendimento das coisas, e, por vezes, 
uma fala monótona e automatizada, os aspectos subjetivos da comunicação 
podem e devem ser traduzidos para que essas crianças consigam compreender 
o sentido do que lhe é transmitido, situando-se. Sugerimos leitura de livros 
infantis com histórias que sejam inicialmente de fácil entendimento, que tenham 
correspondência com ilustrações, e, progressivamente, poder ir avançando em 
sua complexidade.
CASE
Quando Fernandinho começou a falar, aos cinco anos, seus pais animaram-
se e contaram aos terapeutas da alegria de vê-lo falando por horas. Em certos 
momentos, chegava a parecer não escutar o que os outros diziam, tamanho era 
o seu desejo em falar chegando a ser verborrágico. Logo depois começou a 
desenvolver com certa presteza a leitura e escrita, o que lhe permitiu ler livros. 
Eles observaram que ele passou a se interessar por assuntos específi cos, 
como dinossauros, os quais ele memorizou nomes, idade geológica, tamanho, 
habilidades, chegando a se tornar um expert no assunto, o que lhe permitia 
ter assunto para conversar com outras pessoas. Todavia, mesmo diante

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