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2020-RaissaRomanoCunha

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O emaranhamento de destinos no tratamento de conflitos: 
A Constelação Familiar no Judiciário brasileiro 
 
 
 
 
 
Raissa Romano Cunha 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
2020 
 
 
2 
O emaranhamento de destinos no tratamento de conflitos: 
A Constelação Familiar no Judiciário brasileiro 
 
 
 
 
 
 
 Raissa Romano Cunha 
 
 
 
 
 Orientadora: Profª. Dra. Carla Costa Teixeira 
 
 
 
 
 Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Antropologia Social do 
Departamento de Antropologia da 
Universidade de Brasília, como um dos 
requisitos para obtenção do título de Mestre 
em Antropologia Social. 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora: 
Profª Dra. Carla Costa Teixeira (PPGAS/UnB – 
Presidente) 
Profº Dr. Rodrigo Ferreira Toniol 
(PPGAS/Unicamp) 
Profª Dra. Andréa de Souza Lobo (PPGAS/UnB) 
Profº Dr. Wilson Trajano Filho (PPGAS/UnB – 
Suplente) 
 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À Maria Margarida, meu referencial de sabedoria. 
Representante de todas que me antecederam. 
Por vocês, e com suas bênçãos, 
 Faço o que lhes foi negado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
AGRADECIMENTOS 
 O instante reservado aos agradecimentos inaugura, nesta dissertação, uma 
pequena contradição de termos: a primeira parte a ser lida e a última a ser escrita, nela 
expresso a arte do óbvio de reconhecer que o processo da produção acadêmica não é 
uma investida solitária; ao mesmo tempo que, exausta, assumo a limitação das palavras 
frente às trocas e apoios que precisam ser reconhecidos e condensados em poucas 
páginas de gratidão. Ao longo do mestrado, a minha vida se cruzou com muitas outras, 
e nessa antropofagia acadêmica, meu ser foi constantemente se re(construindo) – 
processo fundante para a construção desta pesquisa. A esses seres, presto agora os mais 
sinceros agradecimentos. 
 De antemão, agradeço as experiências compartilhadas, conversas e a acolhida que 
recebi dos meus interlocutores, em especial os membros da Comissão de Direito 
Sistêmico da OAB-DF e do Projeto Conciliar e Constelar, do TJDFT. Agradeço a 
abertura para refletir conjuntamente sobre o processo de construção desse novo campo, 
e de todo o tempo que dispuseram para contribuir com a pesquisa. Por mais que não seja 
possível nomear todas/os, devido à necessidade de preservar o anonimato, gostaria de 
frisar aos mais próximos que sou grata à receptividade e às profícuas discussões. Sou 
grata especialmente à Adhara Campos, figura pública no cenário do campo que, com 
postura sempre solícita, atendeu aos meus pedidos de acompanhamento, entrevistas, 
entre outras atividades fundamentais para a pesquisa. Agradeço também ao presidente 
da Comissão de Direito Sistêmico da OAB-DF, Rodrigo, por toda acolhida e estimulo 
ao meu trabalho. 
 Agradeço aos meus pais, Rosina e Jailton, que provêm todo o amor e apoio 
necessário para que eu consiga perseguir a minha realização profissional. Obrigada pai, 
por suportar a distância entre Brasília e Salvador mesmo que ela lhe cause crises de 
ansiedade e uma saudade imensa. Mãe, agradeço por ser essa mulher forte, porto 
seguro, fonte de tanta inspiração. Reconheço todo o amor, respeito e confiança em mim 
depositados, e agradeço. Presto ainda agradecimentos à minha madrinha, Rosângela 
Romano, quem tanto torce por mim e com quem aprendi e sigo aprendendo a amar as 
trocas que são estabelecidas em uma sala de aula. Agradeço aos meus avós e meus 
irmãos, por todo o amor. 
 
 
5 
 Presto o mais profundo agradecimento à minha orientadora, Carla Costa Teixeira, 
pela dedicação, por seu olhar atencioso em torno dos meus escritos, por todas as 
reflexões inspiradoras, conversas e apoios necessários. Aprendi e sigo aprendendo 
excepcionalmente ao seu lado. Obrigada por ser uma grande inspiração. 
 À Andréa Lobo e Rodrigo Toniol, por aceitarem gentilmente o convite de 
participarem da minha defesa, agradeço. Ambos possuem uma importância ímpar para a 
minha formação e para o desenvolvimento do trabalho; por isso, obrigada. 
 A todas as professoras e professores que integram o PPGAS/UnB, por 
contribuírem imensamente com a minha formação, agradeço. Em especial à Soraya 
Fleischer e Luís Roberto Cardoso de Oliveira. 
 Agradeço aos colegas de turma que ingressaram comigo, aos colegas de 
disciplinas, e aos mais variados encontros inesperados que ocorreram no DAN. As 
trocas estabelecidas, as inquietações compartilhadas e todas as reflexões tecidas são 
incontáveis. Em especial, agradeço à minha grande amiga Aline Miranda por todo 
companheirismo que construímos juntas – essa investida não seria a mesma sem você. 
Agradeço também em especial à Lígia Fonseca, Vinícius Venâncio e Luciana Ferreira. 
Presto ainda um agradecimento à Carla Delgado, minha orientadora da graduação e 
amiga que seguiu, mesmo com a distância, sendo um apoio fundamental na minha 
trajetória acadêmica. 
 Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 
(CNPq) pela bolsa de estudos que recebida. Em um cenário de ataques à pesquisa, 
reforço a importância de ter contado com esse apoio financeiro. 
 Agradeço também às mulheres que constroem na minha vida um “contraponto” 
saudável ao universo acadêmico, me nutrindo e inspirando de outras formas – 
companheiras de luta e de amor, agradeço a todas as integrantes do Baque Mulher, 
especialmente à Mestra Joana. 
 Não deixo de agradecer também àquelas mulheres que constroem no meu 
cotidiano acadêmico um contraponto ao universo antropológico, e que tornaram a 
trajetória na pós um lugar de afetos e resistência - em especial, Juliana Lopes e Ladyane 
Souza. 
 
 
6 
 Por fim, agradeço a quem partilhou comigo cada etapa do processo que culminou 
nesta dissertação: meu amor, Heloísa Adegas. Consciente de que é impossível 
reconhecer com algumas palavras a sua importância, me resigno em reverenciar o seu 
amor, companheirismo, apoio, entusiasmo, revisão, e tudo mais que possibilitou a 
criação deste trabalho. A você, manifesto minha eterna gratidão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
RESUMO 
 A presente dissertação analisa a incorporação e a construção do chamado direito 
sistêmico, termo cunhado para definir a utilização e cosmovisão das constelações 
familiares (prática terapêutica) na área jurídica. Inserido no processo de “modernização 
da justiça”, o movimento do direito sistêmico reforça a concepção de um novo modelo, 
no qual a pacificação social e o consenso entre as partes tornam-se o ponto nodal do 
tratamento dos conflitos. Nesse processo de “modernização”, novas tecnologias de 
gerenciamento da vida e produção de sujeitos são incorporadas e produzidas, 
desembocando, inclusive, em um modelo de justiça terapêutica. A partir das trocas 
estabelecidas ao longo de eventos e do acompanhamento da Comissão de Direito 
Sistêmico da OAB-DF e do Projeto Conciliar e Constelar, exploro neste trabalho o 
processo de institucionalização do direito sistêmico, analisando as bases que o 
sustentam, as articulações e tensões que emergem na construção desse “novo direito”, 
bem como o novo tipo de sujeito produzido por ele: o sistêmico. 
Palavras-chave: direito sistêmico; modernização da justiça; justiça terapêutica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
ABSTRACT 
 
This dissertation analyses the incorporation and constitution of what is called Systemic 
Law, a concept created to define the use and cosmovision of family constellations 
(therapeuticpractice) in the legal area. Within the“modernization of justice” process, 
the systemic law movement reinforces the conception of a new model, in which social 
pacification and consensus between the parties become the gist of conflict treatment. In 
this modernization process, new technologies of life management and production of 
subjects are incorporated and produced, resulting, indeed, in a new model of therapeutic 
justice. Based on exchanges established during events and by following the OAB-DF 
Systemic Law Commission, and the Conciliate and Constellate Project, I explore in this 
work the institutionalization process of systemic law, through the analysis of its basis, 
the tensions and articulations that emerge in the constitution of this “new Law”, as well 
as the new type of subject produced by it: the systemic. 
Keywords: systemic law; modernization of justice; therapeutic justice. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 
 
ABC Sistemas – Associação Brasileira de Consteladores 
ADR - Alternative dispute resolution 
CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania 
CFM – Conselho Federal de Medicina 
CFP – Conselho Federal de Psicologia 
CLP – Comissão de Legislação Participativa 
CNJ – Conselho Nacional de Justiça 
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 
CNS – Conselho Nacional de Saúde 
CPC – Código de Processo Civil 
DAN – Departamento de Antropologia 
DF – Distrito Federal 
EUA – Estados Unidos da América 
FD – Faculdade de Direito 
GT – Grupo de Trabalho 
LM – Linhagem Materna 
LP – Linhagem Paterna 
MEC – Ministério da Educação 
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil 
OAB-DF – Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Distrito Federal 
OAB-MG - Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais 
OMS – Organização Mundial da Saúde 
PICs – Práticas Integrativas Complementares 
PL – Projeto de Lei 
PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas Complementares 
PPGAS – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social 
RAD – Resolução Adequada de Disputas 
SUS – Sistema Único de Saúde 
TJ – Tribunal de Justiça 
 
 
10 
TJBA – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia 
TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 
UnB – Universidade de Brasília 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
SUMÁRIO 
 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................. 13 
 
CAPÍTULO I 
O emaranhamento de destinos e o fazer antropológico: campos e inserções ........ 23 
 1.1 Provocações preambulares ..................................................................... 23 
Mapeando as inquietações iniciais .................................................................. 24 
Inserções: o primeiro contato com o direito sistêmico e a apresentação dos 
múltiplos “campos” ......................................................................................... 27 
 1.2 Capturada pelo emaranhamento de destinos: a pertença ao campo ... 33 
Potência da experiência vivida ......................................................................... 33 
A pertença ao “campo”: tensões e articulações ............................................... 38 
A construção da “autoridade” ...........................................................................43 
 1.3 Conceito de campo polifônico: o entrar e sair do “Outro” ................. 45 
 
CAPÍTULO II 
O “ancestral mitológico” do direito sistêmico: Bert Hellinger e as constelações 
familiares sob um olhar antropológico ................................................................... 48 
 2.1 A permanência da morte não honrada .................................................. 50 
 O processo ritual: inserir, mover, posicionar e honrar .................................... 55 
 A captura ontológica ....................................................................................... 61 
2.2 Alma e corpo: definições e destinos partilhados .................................... 63 
 Princípios sistêmicos e a dádiva (da vida) ....................................................... 69 
 2.3 Eu escolhi isso? Um caso de constelação familiar no judiciário ........... 71 
 Vara da Infância e da Juventude: A sua dor não foi em vão ............................ 80 
A evocação obrigatória dos sentimentos e a dimensão do reconhecimento … 83 
 
 
12 
 
CAPÍTULO III 
As vias de construção do direito sistêmico: a regulamentação das práticas 
“alternativas” e o processo de “modernização” da justiça .................................... 88 
3.1 Apontamentos introdutórios: aproximações e distanciamentos com a “Nova 
Era” e o “complexo alternativo” ...................................................................... 88 
O universo da expansão e regulamentação do “alternativo” na saúde ............ 93 
3.2 As auto reformas do Judiciário e o processo de “modernização da 
justiça”............................................................................................................. 100 
A linguagem das emoções: aproximações com a justiça restaurativa ............ 111 
3.3 Intersecção saúde e justiça: a alma no (em) processo .............................. 115 
 
CAPÍTULO IV 
Expansão do direito sistêmico: Dissensos e consensos de uma institucionalização 
incipiente .................................................................................................................. 121 
4.1 Institucionalização incipiente: a retórica da inovação ............................ 122 
Traduções-estratégias de credibilidade institucional .................................... 127 
Capacitação em Direito Sistêmico: um campo em expansão........................ 131 
4.2 A regulamentação no corpo da lei: PL nº 9.444/2017............................. 134 
4.3 A postura sistêmica: transformação interna e os novos caminhos 
regulatórios.................................................................................................... 152 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 163 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 168 
 
 
 
 
 
13 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
 
 “O que é constelação? Ah, um negócio de doido! Ele coloca os mortos lá, uma 
loucura!” A frase, dita pelo cirurgião e constelador Décio e Oliveira no Workshop de 
Direito Sistêmico organizado pela Justiça Federal em Brasília1, sintetiza o que no 
princípio despertou o meu interesse em estudar o tema. Diante da notícia do uso da 
constelação familiar no judiciário, questionava-me, inquieta, de que forma uma prática 
terapêutica ancorada na comunhão com os ancestrais vem adentrando o terreno da 
justiça brasileira. A “loucura”, usada em tom jocoso e de forma irreverente pelo 
cirurgião-constelador, esteia-se em uma provocação inicial ante a proposta deste 
trabalho, a ver, a análise das tensões e articulações que emergem no judiciário brasileiro 
a partir da incorporação e construção do então chamado direito sistêmico, termo 
cunhado para definir a utilização e cosmovisão das constelações familiares na área 
jurídica. 
Na investida de tornar o tema pertinente e compreensível, julgo basilar introduzir a 
leitora na discussão retomando a indagação: o que é constelação? – Pergunta esta 
retórica e central que moveu a “resposta” debochada de Décio. De fato, a prática 
demanda uma explicação inicial mais detida do que “uma loucura que coloca os mortos 
lá”. Por outro lado, como explanação preliminar, é possível que mais dúvidas sejam 
gestadas do que resposta satisfatórias sobre o que é a prática e qual a cosmovisão que a 
sustenta. Peço paciência. Uma síntese da constelaçãonesta abertura, mesmo que 
provocadora de dúvidas, causará mais bem do que mal. 
A Constelação Familiar foi desenvolvida pelo ex-missionário católico, 
psicoterapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger na década de 70, e tem como base uma 
miscelânea de tradições, práticas terapêuticas e teorias filosóficas (MAYER & 
VIVIERS, 2015). Em alemão, o termo traduzido para o português como “Constelação 
Familiar” é Familien aufstellung, que significa “colocar a família em posição”. Dentre 
suas características centrais compete indicar, desde o princípio, que nas constelações os 
grupos familiares são concebidos dentro de uma perspectiva sistêmica2, na qual os 
 
1 Evento que tive a oportunidade de acompanhar em abril de 2018, nomeado “Inovações na Justiça: O 
direito sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos”. 
2 Cada membro, dentro do sistema, ocupa uma posição pré-determinada. A posição de cada qual baseia-se 
nas leis sistêmicas, e estar fora do devido lugar implica infortúnios para os membros do sistema. O 
posicionamento dos corpos na abertura da constelação indica as dinâmicas ocultas e a “desorganização” 
 
 
14 
membros encontram-se “emaranhados3” devido à influência de um campo de força 
dotado de saber. 
Comumente, esse campo de saber é chamado de alma, que não é individualizada, 
mas partilhada: ao invés de ter uma alma, participamos de uma (HELLINGER, 2007; 
VIEIRA, 2018). Emaranhar e emaranhamento, categorias acionadas por meus 
interlocutores, consiste em, por conta da alma partilhada, carregar o destino interligado 
com outros membros do próprio sistema, conexão e “confusão” de sinas que se expressa 
por meio da repetição de padrões inconscientes - geralmente nocivos. 
A prática das constelações familiares busca acessar os conhecimentos ocultos do 
sistema familiar mediante o contato com o campo, “desvendando” e exprimindo o não-
dito, o indizível, o não-lugar, aquilo que transcende os sujeitos e os atravessa de forma 
inconsciente, por ser transgeracional. Esse campo de saber obedece a três leis, ou 
ordens do amor, sendo elas: i) necessidade de pertencimento e de vínculos; ii) 
hierarquia estruturada com base na primariedade; e iii) equilíbrio entre o dar e receber 
no interior do sistema (HELLINGER, 2006, 2007). 
A primeira lei segue a máxima de que todos os membros do sistema familiar 
possuem o direito de pertencer, e exclusões/esquecimentos causam desequilíbrios que 
serão compensados por membros mais novos. A segunda lei - da hierarquia - considera 
que quem veio antes detém uma posição superior dentro do sistema em relação aos que 
vieram depois; ou seja, tanto os antepassados são superiores frente aos descendentes 
quanto às relações conjugais que precederam o relacionamento atual devem ser 
honradas em sua posição de primariedade dentro do campo sistêmico. Assim, o conflito 
vem à tona quando as posições hierárquicas estão invertidas. O desequilíbrio da última 
regra - o equilíbrio entre o dar e o receber - ocorre quando alguém inferior dentro do 
sistema deseja dar mais do que receber ou não aceita receber daqueles que são 
superiores – não honra o que recebeu. 
Conflitos e doenças - sejam de ordem física, psicológica ou espiritual - têm sua 
origem no desequilíbrio das configurações familiares, devido à quebra das leis 
supracitadas. Quando a constelação é realizada, ocorre a “abertura do campo” daquele 
que será constelado, visando trazer à tona a imagem da configuração do sistema 
 
da organização familiar. A reorganização dos corpos implica a busca por colocar os membros no devido 
lugar no interior do sistema. 
3 Abordarei de forma mais detida esses aspectos ao longo da dissertação. 
 
 
15 
familiar. Representantes desempenham o papel do constelado (paciente/cliente) e 
também dos membros da família (vivos ou mortos) que são significativos para o tema 
que busca elucidar. Quando o representante se posiciona no lugar a que foi levado pelo 
constelado, começa a experienciar sensações que não pertencem a ele, e sim ao 
representado. A posição dos corpos e as sensações/sentimentos/comportamentos alheios 
aos quais os representantes são acometidos escancaram os emaranhamentos de destinos 
que configuram a origem do conflito: os representantes “captam” o inconsciente 
familiar e expressam as relações atuantes no sistema. A reorganização dos corpos no 
espaço (por meio do constelador) e a evocação de frases de solução como “Eu vejo 
você”, “Honro a sua história” ou “Reconheço seu lugar” são as formas a partir das quais 
o sistema se harmoniza e o conflito é solucionado (internamente).4 
Nas constelações, o envolvimento sistêmico familiar segue a ordem de que quando 
algo nefasto ou injusto ocorre com um de seus membros ascendentes do sistema, esse 
mal precisa ser expiado por meio de algo igualmente nefasto em seus descendentes. Os 
ancestrais que tiveram os destinos mais funestos são aqueles mais relevantes para as 
constelações por sua ampla capacidade de influenciar o destino dos vivos. Nesse 
sentido, para desatar os nós que ligam os descendentes à repetição de padrões 
inconscientes e destinos funestos dos seus antepassados, ou seja, para desemaranhar, é 
necessário honrar os ancestrais e assumir o devido lugar (posição) dentro do sistema. 
Notadamente, a concepção de pessoa acionada na constelação familiar não 
remonta ao indivíduo moderno: ao invés de uma mônada, ela se expressa em um 
continuum, emaranhando membros mortos e vivos no decorrer da existência. Diante 
disso, é imprescindível apontar, dentre as provocações introdutórias, que Bert Hellinger 
(o “pai fundador” da prática), viveu por dezesseis anos em KwaZulu-Natal na África do 
Sul, na qualidade de missionário católico, no início da década de 50 - contexto marcado 
pelo Apartheid e pela colonização britânica. A “loucura” que “coloca os mortos lá” 
 
4 Além da constelação coletiva, com representantes, existem as constelações individuais e os exercícios 
com âncoras. No caso das constelações individuais, usualmente utilizam bonecos para representar os 
membros da família; e, assim como nas constelações coletivas, o posicionamento (dos bonecos) 
demonstram a “desarmonia do sistema”. Os bonecos se movem por micro movimentos involuntários do 
dedo anelar, estimulados pelo campo. Geralmente, o próprio constelado posiciona o dedo no boneco, 
colocando-se no lugar dos membros do seu sistema. No caso das âncoras, elas são utilizadas como formas 
para obter respostas a determinadas questões a partir da sintonia com o campo, e podem ser simbolizadas 
por diversos objetos, sendo o mais comum o uso de papéis. Um exemplo da utilização de âncoras consiste 
em escrever as possibilidades que originam uma dúvida no papel, e em seguida, dispor os papéis virados 
para baixo. Após posicionar, o consultante caminha pelo espaço captando as informações do campo. Com 
base nas afetações experienciadas nas diferentes posições, a decisão é tomada. 
 
 
16 
assenta-se em um complexo arranjo de saberes - marcado pelo colonialismo - que não 
deve ser ignorado quando adentramos o universo das práticas jurídicas e das suas 
“reformulações modernas”. Se, como nos provoca interlocutora da pesquisadora sul-
africana Claude-Hélène Mayer (2015), as constelações familiares são as tradições 
africanas tornadas digestíveis para o Ocidente, cabe a nós atinar como esse processo 
digestivo tem sido feito no âmbito do judiciário brasileiro. Ou seja, o que é o direito 
sistêmico? Novamente, esta é uma questão que peço paciência para o desenvolvimento, 
mas para a qual esboçar uma resposta introdutória faz-se necessário. 
A incorporação das constelações familiares no âmbito jurídico, não obstante o 
sucesso e ampla adesão a nível internacional da “psicoterapia” alemã, consiste em uma 
inovação creditada ao judiciário brasileiro. Movimento iniciado em 2012, pelo juiz e 
constelador atuante no interior da Bahia Sami Storch5, atualmenteas constelações vêm 
sendo utilizadas no judiciário em 16 Estados e no Distrito Federal. O termo direito 
sistêmico surgiu, segundo a narrativa do juiz-constelador6 pioneiro, ao compartilhar em 
um blog pessoal os seus experimentos com o uso da constelação familiar na sua atuação 
profissional como magistrado. A escolha do nome do blog (direito sistêmico) ocorreu 
quase que meramente devido às contingências de disponibilidade, pois não havia, 
segundo Storch, demasiada concorrência na literatura jurídica - ao contrário do termo 
Justiça Sistêmica. Atualmente, após a expansão do movimento, a definição mais 
“cirúrgica” de direito sistêmico é a utilização e/ou cosmovisão das constelações 
familiares na área jurídica. 
Contradizendo o que nosso imaginário poderia supor, as constelações não estão 
adentrando somente nos casos de família (sua porta de entrada), mas também na esfera 
criminal, ambiental, trabalhista e fiscal, crescendo exponencialmente suas searas de 
atuação (ver LACERDA, 2017; RUSCHEL, 2018). Busca-se, com o direito sistêmico, 
lançar um novo olhar para as relações sociais e para o conflito, visando a pacificação e a 
promoção do consenso entre as partes, mediante a observância das leis que regem as 
constelações familiares. Com base nisso, aqueles que são adeptos do direito sistêmico 
 
5 Criador do termo direito sistêmico. Vale ressaltar que apesar de disputas internas causarem atualmente 
“incômodos” em torno do conceito, ele é amplamente reconhecido como aludindo à utilização e/ou 
cosmovisão das constelações familiares no judiciário. Optei por utilizar o termo como sinônimo da sua 
definição, apesar das retóricas que emergiram e apontam como “não importa o nome” ou que consideram 
que “todo o direito é sistêmico” ou simplesmente preferem abordar como “prática sistêmica no 
judiciário”. 
6 Fala expressa no III Congresso Nacional de Direito Sistêmico realizado em Maceió, que acompanhei em 
maio de 2019. 
 
 
17 
não pensam a disputa judicial entre as partes de forma individualizada: o conflito se 
configura entre sistemas e suas lealdades invisíveis. 
A via de entrada das constelações relaciona-se a um movimento mais amplo de 
“modernização da justiça” que se desenrola no sentido da construção de uma retórica e 
prática jurídica que prioriza e impulsiona o consenso e a pacificação entre as partes, 
mediante formas alternativas de resolução de conflito, tais como a justiça restaurativa e 
os Juizados de Causas Especiais (AZEVEDO, 2001; SCHUCH, 2008). Diante dos 
discursos que apontam para a crise da administração da justiça nos estados capitalistas 
(SANTOS, 1982) e para a existência de uma “cultura do litígio”, que promoveu a 
judicialização da vida social (AVEZEDO & PALLAMOLA, 2014), a mediação e 
arbitragem - modelos informais e extrajudiciais de resolução de conflito - emergem 
como as principais saídas para “desafogar”, garantir celeridade e responder às 
incapacidades do sistema jurídico. 
Caminhando em consonância com esse projeto modernizador, a proposta evocada 
pelos ideários do direito sistêmico jaz em um “novo modelo de justiça” que se 
aproxima, teoricamente, do que Laura Nader (1994, 2002) chamou de modelo de 
harmonia ou justiça terapêutica, ao analisar as formas alternativas de disputas no 
contexto norte-americano. Tal modelo tem como característica uma abordagem em que 
a capacidade de resolução de conflitos interpessoais – e não questões de poder ou 
injustiça social – tornam-se o ponto nodal das disputas; assim, pleiteantes civis tornam-
se "pacientes", em meio ao projeto de pacificação (NADER, 1994). 
A proposta do novo modelo de justiça expresso na retórica da “modernização” da 
promove a construção de novas tecnologias de gerenciamento da vida e produção de 
sujeitos (SCHUCH, 2008a, 2008b, 2009, 2012). Concebendo o direito sistêmico como 
uma das novas tecnologias elaboradas, convém questionar: que tipo de sujeito está 
sendo produzido? Quais são as bases que o sustentam e os discursos que viabilizam tal 
inserção? Quais são as suas idiossincrasias ante o quadro mais amplo de retórica de 
“modernização da justiça”? Tais questões inquietavam-me. Confesso que, no começo da 
pesquisa, pouco conhecia, por experiência própria, da constelação familiar (como 
veremos mais adiante); porém, o pouco que conhecia da prática, por intermédio de 
terceiros, era suficiente para gerar um potente estranhamento como mote de 
investigação. 
 
 
18 
Análogo ao relatado pelo antropólogo Octavio Bonet (2014) ao pesquisar os 
médicos da família, o primeiro estímulo que motivou esta pesquisa residiu em 
compreender quem eram esses operadores do direito, engajados na construção do 
chamado “direito sistêmico”, e como estavam sendo definidos e recebidos no seio do 
judiciário brasileiro. Bonet, em sua pesquisa, direcionou a investigação para o processo 
de institucionalização dos médicos da família e para a compreensão das características 
epistemológicas que permitem situá-los como uma “nova forma” de medicina. Em larga 
medida, são essas as questões iniciais - adaptadas para se pensar o direito sistêmico - 
que orientaram o meu trabalho, assim como o caminho percorrido para respondê-las 
desembocou em direção ao processo de institucionalização e das características 
epistemológicas (em disputa) que fundamentam o processo de construção do campo do 
direito sistêmico. 
 Antes de adentrar propriamente às questões que emergiram de tal investida, é 
necessário delinear de modo mais claro o que concebo como processo de 
institucionalização. Etimologicamente, o termo “instituição” alude ao que é instituído 
(in+stäre) - instaurado, estabelecido, fixado. No que concerne ao conceito de instituição 
em termos acadêmicos, não encontramos um terreno de consensos e clarezas 
(PHILLIPS & MALHOTRA, 2008). Indico dois pontos centrais que contribuem para a 
imprecisão do termo: i) as produções que tomam o conceito a partir de uma certeza 
implícita da sua acepção, ii) a existência de abordagens distintas dentro da teoria 
institucional, o que confere ao termo uma pluralidade de perspectivas. 
Buscando mapear as distintas vertentes da análise institucional em torno do 
conceito, Scott (1995) ordenou três "pilares" gerais que sustentam as instituições: o 
regulador, o normativo e o cultural-cognitivo. Analiticamente, esses são elementos 
separados que, em maior ou menor escala, foram enfatizados nos trabalhos em torno das 
instituições. Dentro da pluralidade, as instituições podem ser concebidas como sistemas 
classificatórios e normativos compartilhados que regulam e promovem as interações 
sociais (DURKHEIM, 1984). Nessa perspectiva, de influência durkheimiana, as 
instituições são caracterizadas por sua capacidade normativa, e o processo de 
institucionalização torna-se inseparável do de socialização, na medida em que “esta 
pode ser grosseiramente definida como a internalização de normas pelos agentes 
sociais” (GALLINO, 2013). 
 
 
19 
 Por sua vez, para os adeptos de uma abordagem fenomenológica, as instituições 
são definidas principalmente em termos cognitivos - como significados e entendimentos 
compartilhados. Tal abordagem fenomenológica das instituições propõe direcionar o 
olhar para a compreensão de processos micro-interacionais nos quais as instituições se 
originam, perspectiva esta que influenciou especialmente os trabalhos neo-
institucionalistas que emergiram na década de 70, a exemplo de Meyer e Rowan (1977). 
Nessa concepção, as instituições são tomadas como estruturas cognitivas, ao passo que 
a institucionalização consiste no processo por meio do qual as instituições são 
construídas socialmente - em especial a partir da formulação do que Berger e Luckmann 
(1967) denominaram de “tipificações compartilhadas” (PHILLIPS & MALHOTRA, 
2008). 
É perceptível que a ênfase em uma dimensão (normativa ou cognitiva) não 
exclui a outra; o que permitiu a Scott (1995) definiras instituições como estruturas e 
atividades cognitivas, normativas e reguladoras que fornecem estabilidade e significado 
ao comportamento social. Ainda assim, tal definição - devido a sua generalidade 
ambiciosa - pouco soluciona a problemática acerca do que concebo por processo de 
institucionalização. Esta, de forma um tanto quanto menos genérica, pode ser concebida 
como "a continuidade histórica das tipificações e, em particular, a transmissão das 
tipificações a novos membros que, não tendo conhecimento das suas origens, estão 
aptos a tratá-las como dados sociais" (TOLBERT; ZUCKER, 1998, p. 205). Tais 
tipificações fixam processos que são essencialmente dinâmicos e ocultam a influência 
que eles exercem e sua origem social, acionando princípios oriundos da natureza, como 
forma de legitimação (DOUGLAS, 1987). Bourdieu aponta como o processo de 
“naturalização” implica ações para apagar os traços da naturalização, impedindo a 
consciência histórica de gênese da forma social (KRISCHBAUM, 2012). 
Tendo isso em vista, ao considerarmos a definição de institucionalização como o 
processo por meio do qual novidades passam a assumir um status de regra na ação e no 
pensamento social (MEYER & ROWAN, 1977), e a definição de práticas 
institucionalizadas como aquelas amplamente seguidas, que exigem permanência e que 
possuem status de regra (ZUCKER, 1993), apagando os traços da sua origem 
socialmente construída, nos deparamos, diante do direito sistêmico, com um processo 
de institucionalização incipiente, cujas disputas e construções de consenso estão em 
evidência e a própria categoria de regra é acionada de forma conflituosa. 
 
 
20 
O estado atual do direito sistêmico consiste em um campo privilegiado para 
compreensão das microdinâmicas de construção de sentido de um determinado campo, 
que não necessariamente alcançará êxito. Ao invés de considerar um “problema” o 
caráter embrionário, valho-me da potência de acompanhar o processo de 
institucionalização “in-situ e in-vivo”, considerando a efervescência da construção do 
não-institucionalizado (ainda); ou seja, capaz de falhar miseravelmente nos 
acontecimentos futuros. Tal abordagem caminha na contramão (e na lacuna) da maioria 
dos estudos dos processos institucionais, que, geralmente, buscam examinar 
retrospectivamente os processos institucionais bem-sucedidos (ZILBER, 2008). 
Em suma, devido às peculiaridades e à incipiência do direito sistêmico, situo-me 
próxima dos estudos que focam na produção de significados do processo institucional. 
Tal perspectiva propõe pensar as instituições e a institucionalização como um processo 
sensível ao contexto, conflituoso e em conflito - uma produção marcada por idas e 
vindas continuamente negociados. O enfoque, portanto, consiste nas interpretações, 
entendimentos e crenças compartilhadas que são produzidas, tensionadas e processadas 
por meio da prática - sobretudo nos esforços de atores institucionais que estão engajados 
em relações de poder, pertencentes a momentos socioculturais e históricos específicos 
(ZILBERT, 2008, p. 163). 
Dito isso, cabe destacar que adoto a compreensão do direito sistêmico como um 
campo em disputa (BOURDIEU & WACQUANT, 1992); ou seja, um espaço 
estruturado por relações de força, hierarquizado, em que se compete pela distribuição de 
capitais e a construção da verdade. Nesse jogo, os discursos e as práticas sobre o que é 
ou deveria ser o uso das constelações no judiciário operam especialmente com base em 
analogias e traduções estratégicas (DOUGLAS, 1986; DAVIS, DIEKMANN & 
TINSLEY, 1994; LEBLEBICI, 2001) que visam conferir legitimidade e sentido à 
inserção da novidade no judiciário - a título de expandir, normatizar e naturalizar o 
direito sistêmico na prática jurídica. 
 * * * 
 
 A presente dissertação encontra-se dividida em quatro capítulos. No primeiro, 
denominado O emaranhamento de destinos e o fazer antropológico: campos e 
inserções, exploro a polifonia do conceito de campo nesta pesquisa, uma vez que tal 
 
 
21 
característica se expressa tanto na pluralidade de campos – ênfase no plural como 
campos distintos e interconectados - quanto na multiplicidade de vozes encontradas em 
cada um deles. A reflexão apresenta como âmago os percursos e percalços que 
conduziram a produção da pesquisa, sem perder de vista a reflexão teórica suscitada 
pelas experiências vividas e compartilhadas com meus interlocutores. Em síntese, o 
capítulo versa sobre as tensões e articulações que emergiram diante do fazer 
antropológico na interseção entre o sistema judiciário e as constelações familiares. Nele 
compartilho tanto as dificuldades encontradas quanto as estratégias utilizadas para a 
produção do trabalho, bem como as profícuas reflexões ético-metodológicas gestadas no 
entrecruzamento de uma antropologia “das terapias” e “das instituições de poder”. 
 O segundo capítulo, intitulado O “ancestral mitológico” do direito sistêmico: 
Bert Hellinger e as constelações familiares sob um olhar antropológico, discuto de 
forma mais aprofundada a prática das constelações familiares e sua cosmovisão, tendo 
como eixo a concepção de família, a dimensão da dádiva e a acepção do conflito. Com 
esse fio condutor, o capítulo apresenta dois momentos interligados: o primeiro reside 
em uma análise das constelações por intermédio do pai fundador Bert Hellinger sob um 
escrutínio antropológico; ao passo que o segundo adentra as constelações familiares no 
judiciário com base em dois casos, realizados por meio do projeto Conciliar e Constelar 
do TJDFT. Ao final, busco elucidar a importância conferida à evocação obrigatória dos 
sentimentos e à dimensão da dádiva, em conexão com os pressupostos da primeira parte 
do capítulo. 
 Após assentar os princípios ontológicos que ancoram a cosmovisão e a prática 
das constelações familiares, intento, no terceiro capítulo, As vias de construção do 
direito sistêmico: a regulamentação das práticas “alternativas” e o processo de 
“modernização” da justiça, discorrer sobre, como o título autoexplicativo indica, as 
“vias de entrada” do direito sistêmico, compreendidas como o processo da 
modernização da justiça em intersecção com a regulamentação das práticas 
“alternativas” no campo da saúde. Além de inserir o direito sistêmico em um quadro 
mais amplo de mudanças e regulamentações, exploro suas idiossincrasias em relação às 
demais práticas terapêuticas englobadas sob o eixo de “alternativas” e as novas 
tecnologias de gerenciamento da vida e produção de sujeitos elaboradas pela 
modernização da justiça, como a justiça restaurativa. 
 
 
22 
 Por fim, no último capítulo denominado A expansão do direito sistêmico: 
Dissensos e consensos de uma institucionalização incipiente, concentro as reflexões 
no movimento de expansão e institucionalização do direito sistêmico: suas idas e 
vindas, negociações, traduções estratégicas utilizadas para construção da sua 
legitimidade, consensos e dissidências, bem como o tipo de sujeito que essa nova 
tecnologia de gerenciamento da vida propõe: o sistêmico. Com isso, resta-me alegar que 
nesta consideração inicial busquei criar um breve itinerário da dissertação, no qual foi 
propositalmente omitido a construção do meu “campo” antropológico, por estar no 
capítulo que se segue, ainda de caráter “introdutório”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
CAPÍTULO I 
O emaranhamento de destinos e o fazer antropológico: campos e inserções 
 
1. Provocações preambulares 
Em uma sala ampla, com cadeiras dispostas em círculo, preparava-se uma sessão de 
constelação familiar no interior de uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra 
a Mulher do Núcleo Bandeirantes. O convite para a vivência de constelação familiar 
havia sido feito pela diretora da varapara vários casos julgados como “semelhantes”, e 
foram convidadas as duas partes em litígio, com a restrição de não congregar, em uma 
mesma sessão de constelação, as vítimas e os perpetradores. Além das partes que 
aceitaram o convite, na sala também estavam voluntários7, alunos em cursos de 
constelação familiar8 e três magistradas. Iniciou-se a sessão com uma pequena 
exposição sobre a prática das constelações familiares: trata-se, nos termos da 
responsável por conduzir a sessão naquela tarde, de uma terapia breve, voltada para a 
solução de conflitos, mediante a representação da vida por imagens. “É como ver um 
filme da própria vida, representado por outras pessoas”, disse a consteladora. 
Após essa breve exposição, formou-se, para o início da constelação familiar, uma 
roda única, com o intuito de decidir qual das três mulheres partes em processos - que 
haviam aceitado o convite -, teria o seu tema constelado. Cada uma resumiu o seu em 
uma única palavra, a pedido da consteladora: 1º irmãos; 2º divórcio; 3º filhos. Seguindo 
as orientações da responsável por conduzir a prática, ocorreu uma votação no interior da 
roda, para decidir qual tema seria submetido à constelação familiar, com a observação 
por parte da consteladora de que uma constelação, seja qual for, conseguiria influenciar 
positivamente também os outros destinos. Em votação, o tema dos filhos obteve mais 
votos, sendo que a mulher, Pamela9, saiu da sala juntamente com a consteladora, para 
discorrer sobre o caso. 
Quando retornaram, Pamela começou, a pedido da consteladora, a escolher entre as 
pessoas que compunham as cadeiras dispostas em círculo10 representantes para os 
 
7 Grupo no qual me inseria, como pesquisadora. 
8 Cursos ministrados pela consteladora responsável pela sessão. 
9 Todos os nomes apresentados ao longo da dissertação são fictícios, exceto de figuras públicas. 
10 Fora do círculo, as três magistradas assistiam sentadas a sessão. A consteladora insistiu para que uma 
das magistradas, que não atuava na Vara em questão, integrasse a roda e participasse da constelação. A 
magistrada se recusou, alegando como justificativa o fato de ser juíza. A consteladora insistiu, dizendo ser 
 
 
24 
envolvidos no conflito11. Seguiu selecionando representantes na ordem sugerida pela 
consteladora: primeiro uma representante para a própria Pamela, depois para sua mãe, 
seu pai, seu ex-companheiro (pai das crianças), seu filho mais velho, filha do meio e 
filho mais novo, entre outros familiares. Recebi, de Pamela, o pedido para representar 
sua filha, Maria. Segurou minhas mãos conduzindo-me para o local que “sentia” ser a 
minha posição no campo e disse, acatando a indicação da consteladora: “Você vai 
representar minha filha, que amo muito12, Maria”. 
Pamela posicionou meu corpo ao lado esquerdo do representante do irmão mais 
velho e, em seguida, introduziu o representante do irmão mais novo, posicionando-o ao 
meu lado esquerdo. Após a inserção, colocou a mão de cada um dos irmãos sobre a 
minha. Meu braço esquerdo, que segurava a mão do representante do irmão mais novo, 
passou a doer de forma intensa, ao passo que a mão dele tremia. Passei a sentir 
imediatamente dores nas costas; pontadas agudas, que irradiavam por todo o braço. 
Informei à consteladora as dores intensas no braço esquerdo, e ela me orientou a soltar a 
mão do representante do irmão mais novo. Após me desvencilhar do contato, as dores 
do braço esquerdo cessaram. 
Não me cabe, sequer me é permitido, descrever o desenrolar do emaranhamento de 
destinos de Pamela. Não busco, tampouco, esmiuçar as particularidades dessa atuação 
especifica na Vara de Violência Doméstica, tendo em vista a grande pluralidade de 
abordagens possíveis nos casos de violência doméstica, os empecilhos éticos-judiciais e 
o escopo mais amplo no qual se insere a proposta desta pesquisa. Contudo, esse 
episódio marca o convite a um estranhamento inicial das experiências vividas nos 
múltiplos - e polifônicos - campos que tive acesso. 
Mapeando as inquietações iniciais 
“Quem te orienta? Qual sua pergunta de pesquisa? O pessoal da antropologia não 
gosta das constelações” Essas inquirições foram direcionadas a mim, em tom de 
desconfiança, por uma das minhas interlocutoras ao longo do intervalo que marcou essa 
 
importante para o “campo” a presença no interior da roda. A magistrada retrucou, dizendo que caso não 
pudesse apenas assistir, preferia ir embora. Com isso, permaneceu ao lado das duas colegas juízas. 
11 Ao longo da constelação vão sendo inseridos outros membros da família, seja da constelada seja do ex-
companheiro, que são relevantes para a solução do conflito manifestado. 
12 A própria Ângela acrescentou o “que amo muito”, pois a indicação era apenas dizer para o 
representante “Você vai representar” seguido do nome da pessoa e o “grau de parentesco” ou da relação. 
 
 
25 
sessão de constelação familiar13. Respondi, com todo cuidado, que me inquietava a 
abertura do Judiciário brasileiro a uma prática como a constelação familiar, e 
interessava-me, especificamente, compreender como estava ocorrendo o processo de 
institucionalização e consolidação do novo campo, então chamado de direito 
sistêmico.14 Ademais, assinalei que dentro da antropologia sequer conheciam, 
academicamente e institucionalmente, as constelações familiares, a ponto de justificar 
uma aversão coletiva do “pessoal da antropologia”. Esse episódio esporádico, evocado 
em tom anedótico, busca provocar a leitora para algumas questões que pretendo 
trabalhar ao longo deste capítulo: a importância de refletir sobre o conceito de “campo” 
no meu trabalho, e quais foram as tensões e articulações que emergiram diante do fazer 
antropológico na interseção entre o sistema judiciário e as constelações familiares, com 
enfoque em minha posição/prática como pesquisadora. 
Buscarei desenvolver ao longo deste capítulo três inquietações que nortearam as 
considerações acerca do fazer antropológico na pesquisa empreendida: a reflexão sobre 
os variados campos e suas interconexões; a potência da experiência vivida e o próprio 
corpo como instrumento de investigação; e o lugar da antropóloga nas redes de 
articulações/negociações com os interlocutores dentro de um espaço de poder que 
configura o que concebemos por sistema jurídico brasileiro. Ainda que separados 
metodologicamente como três “eixos” centrais ou inquietações, no plano reflexivo tais 
demarcações são mais fluidas do que aparentam em um primeiro momento. Proponho, 
ainda, encerrar o capítulo com uma peripécia teórica que visa a análise do conceito de 
campo, entrecruzando, a partir das contribuições de Gupta & Ferguson (1997), a 
construção e centralidade do conceito dentro das constelações familiares e da disciplina 
antropológica, evidenciando a polifonia que lhe é característica. 
A proposta do capítulo, em última instância, reside em reflexionar o fazer 
antropológico com grupos de classe alta e instituições de poder na própria sociedade da 
pesquisadora, estimulada pelas provocações de Laura Nader em Up the anthropologists 
(1972), tendo em vista que diante das constelações familiares necessito reflexionar 
também acerca de uma “antropologia das terapias”. Como diria Pierre Bourdieu, “nada 
é mais universal e universalizável quanto as dificuldades” (1989, p. 18); portanto, 
 
13 Após o intervalo, uma nova constelação seria aberta, e implicava uma segunda “leva” de convites para 
partes em processos. 
14 No campo do Direito, foi cunhado o termo direito sistêmico para se referir à utilização/cosmovisão das 
constelações na área jurídica. 
 
 
26 
pretendo expor – da forma mais sistemática possível – as dificuldades enfrentadas e as 
estratégias encontradas para minimiza-las. Com isso, espero ambientar a leitora na 
situação etnográfica (ALBERT, 1996) que configura a pesquisa, evidenciando as 
tensões e saídas éticas-metodológicas construídaspara perseguir investigando o advento 
do direito sistêmico. 
Inserções: o primeiro contato com o direito sistêmico e a apresentação dos 
múltiplos “campos” 
No início de 2018, recebi um convite para assistir um workshop de direito sistêmico 
na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), acompanhando uma pessoa 
próxima, advogada, que era entusiasta da prática. Conhecia, por seu intermédio, 
superficialmente aquilo que provoca as maiores “polêmicas” ao tratar das constelações: 
o fato dos membros do sistema familiar (mortos ou vivos) interferirem no destino da 
pessoa devido a estarem todos submetidos a um campo de força sistêmico, e dos seus 
representantes sentirem, nas constelações, aquilo que não lhes pertence. Intrigava-me 
que os participantes sentissem o que não lhes pertencia, e que esse “sentimento” fosse 
algo que os atravessassem, oriundos do sistema familiar de outrem. Intrigava-me, de 
forma ainda mais contundente, a inserção da prática dentro do sistema judiciário. Ainda 
em Up the anthropologists (1972), Nader ressalta a importância da indignação como 
motivação para a pesquisa, aspecto que reconheço como fundante desse meu interesse 
de estudo. 
No auditório lotado da Faculdade de Direito, recebemos a recomendação da 
palestrante de que o fluxo de entrada e saída do auditório deveria ser, ao máximo 
possível, interrompido, visando preservar a concentração da “abertura do campo” da 
constelação familiar - que ocorreria com fins pedagógicos. A palestrante “constelou” 
naquela noite seu próprio emaranhamento de destinos, com voluntários retirados da 
plateia. Além de questionar aos representantes de seus familiares sobre as manifestações 
físicas e os sentimentos que os assolavam em determinadas posições, a consteladora-
advogada que ministrava o workshop promovia também interpretações (leituras) dos 
corpos, movimentos e posições de cada voluntário, pois, esse saber do campo, que 
atravessa o representante, manifesta-se de forma mais nítida quanto mais distante da 
interferência “racional” deste último15. Quando a consteladora julgava que a resposta 
 
15 Observei esse padrão em outras constelações, com consteladores diferentes. 
 
 
27 
dada pelo representante carregava fortes traços interpretativos, cortava as falas alegando 
que isso não pertencia ao campo. 
Ao longo de todo workshop minha inquietação transformava-se em uma convicção: 
a consolidação do “campo de força sistêmico” (da constelação) e do campo do direito 
sistêmico, no sentido bourdiesiano, era algo instigante como mote de pesquisa 
antropológica. No que concerne ao segundo campo, do direito sistêmico, a ideia de 
campo emprestada de Pierre Bourdieu tem em vista um espaço estruturado por relações 
de força em que se disputa a construção da verdade, neste caso específico, sobre o que 
efetivamente é – ou deve ser – esse “novo direito”. Bourdieu, em sua teoria geral dos 
campos, evidencia os mecanismos próprios e as propriedades que são particulares dos 
mais variados domínios do mundo social e a possibilidade de interconexão entre eles, a 
exemplo do campo da religião, da política, da ciência e, inclusive, o jurídico. Cada 
campo, nesse sentido, constitui espaços estruturados e hierarquizados internamente, 
“arenas onde são travadas lutas pela conquista de posições e de capital” (ARAÚJO, 
2016). Ao trabalhar com a concepção bourdiesiana intento apreender, em relação ao 
campo do direito sistêmico, as crenças e as necessidades que o sustentam; os jogos de 
linguagem que nele se engendram e as coisas materiais e simbólicas em jogo na sua 
construção, expansão e perpetuação. 
Cabe aqui referenciar também, como relevante no horizonte da noção de “campo” 
aqui expresso, o conceito de “campo estatal de administração de conflitos”, que, 
influenciado por Bourdieu, incorpora o uso da informalidade e de técnicas não-judiciais 
de administração de conflito pelo Estado, privilegiando na análise: 
Os papéis e as posições assumidos nos rituais pelos agentes estatais e seus 
representantes, e pelas partes em conflito, buscando compreender as relações 
estabelecidas entre eles, as equidades e as hierarquias produzidas, a 
produção e a circulação de verdades, a negociação dos significados de leis, 
normas, valores e direitos. Procura investigar os rituais de resolução no 
modo como encarnam valores e criam efeitos de produção, reprodução e 
modificação de relações de poder. (SINHORETTO, 2010, p.111). 
 
No que concerne ao caso brasileiro, Sinhoretto aponta a existência de um campo 
com – no mínimo – quatro lógicas de administração estatal de conflitos, também 
chamados de “níveis hierárquicos”, aos quais “correspondem hierarquias de rituais, de 
pessoas e tipos de conflito” (idem, p.113). Tais níveis não são estruturados a partir da 
gravidade do conflito, mas em relação à hierarquia de pessoas e do prestígio social que 
detêm para tornar os seus conflitos grandes casos de justiça, “em que todas as 
 
 
28 
potencialidades do sistema de direito são exploradas e nenhuma forma de violação de 
seus direitos e garantias individuais passa desapercebida” (SINHORETTO, 2010, p. 
113). A primeira escala de intensidade, portanto, congrega os conflitos considerados 
mais complexos, protagonizados por pessoas de alto prestígio social, dotadas de vasto 
capital simbólico e financeiro. A segunda abarca os rituais jurídicos mais “comuns”, 
para as pessoas “comuns”, caracterizado pela limitada capacidade de mobilização dos 
recursos do direito. 
A terceira, por sua vez, de baixa intensidade, consiste na via de entrada da retórica 
que sustenta, em larga medida, o advento do direito sistêmico, sendo caracterizada por 
inovações e reformas incorporadas ao sistema de justiça com o intuito de sanar as 
mazelas do “clássico” sistema judicial, especialmente a necessidade de “desafogar” os 
tribunais abarrotados. Nesse nível de intensidade, “os rituais de administração de 
conflitos apelam para a informalidade dos procedimentos, a oralidade, a celeridade e 
costumam se justificar socialmente pelo argumento da facilitação do acesso aos 
pequenos litigantes. (SINHORETTO, 2010, p. 115). Assim, considero importante ter 
em mente que o que chamarei de “campo do direito sistêmico” está inserido em um 
campo mais vasto, situado, largamente, nesse nível de intensidade. A título de 
conclusão da tipificação realizada por Sinhoretto, vale mencionar que a escala mais 
baixa de intensidade, a quarta, refere-se aos conflitos considerados insignificantes, 
envolvendo pessoas consideradas também “irrelevantes” e engloba toda uma série de 
informalidades e ilegalidades – racistas e classistas - com o objetivo de encerramento do 
conflito. 
Quanto ao conceito de campo das constelações familiares, encontramos um universo 
vasto de referências e ambivalências, de difícil delimitação e ampla margem de disputa, 
que pretendo retomar nos capítulos seguintes. Contudo, é importante elencar duas 
influências na construção da retórica em torno do campo das constelações familiares 
para as reflexões que se seguem: a Gestalt-terapia e a teoria dos campos 
morfogenéticos. Encontramos proximidades com o conceito de campo da Gestalt-
terapia na medida em que essa propõe pensar o “homem” como um ser situado, 
diminuindo a noção individualizada em prol da de uma “configuração”, priorizando, 
portanto, a experiência vivida no setting terapêutico com base no saber fenomenológico. 
Assim, tomando como foco a experiência do ser no mundo, a Gestalt-terapia parte do 
pressuposto de que a existência humana ocorre em um campo organismo-ambiente, e a 
 
 
29 
“experiência existencial é, afirmamos, um processo eminentemente criativo de um 
corpo-sujeito-do-mundo” (ALVIM, 2007, p. 4). 
Por outro lado, o conceito de campo das constelações familiares constantemente é 
associado à teoria dos campos mórficos formulada pelo parapsicólogo Rupert Sheldrake 
(VIEIRA, 2018).Para Sheldrake a memória humana não estaria localizada no cérebro, 
mas nos campos mórficos compartilhados por todo o gênero humano sendo, inclusive, 
passível de transmissão genética. O cérebro humano teria, segundo ele, uma capacidade 
de se conectar com esse campo mórfico16 da espécie onde tudo está armazenado. Dessa 
forma, os campos mórficos são transmitidos não-materialmente pelos ancestrais e, 
quando o representante adentra a sua posição na configuração do sistema familiar do 
constelado, ele está se sintonizando com o campo mórfico em questão. Tal concepção 
quando acionada pelos consteladores busca elucidar as manifestações físicas sentidas 
pelos representantes - imediatamente - quando em contato com o “campo” das 
constelações familiares. 
Para além dos dois campos em síntese apresentados, o sistêmico (da constelação) e o 
do próprio direito sistêmico, restava-me iniciar a construção do meu próprio campo de 
pesquisa antropológica. É redundante ressaltar, para os pares, a centralidade do 
conceito de campo no interior da disciplina antropológica. Explorado nos mais variados 
ângulos e associado à própria construção da identidade do antropólogo, as experiências 
do trabalho de campo e a sua relação com a construção da produção etnográfica é vasta 
na antropologia (TEIXEIRA & SOUZA LIMA, 2010, p. 7). No começo do meu contato 
com o “direito sistêmico” pude notar que fui vítima do “mal-estar” que assola a 
antropologia, resultante do distanciamento entre as práticas concretas de 
investigação/cotidiano da pesquisa e as autorrepresentações da disciplina/discurso 
normativo (OLIVEIRA, 2013). 
O antropólogo João Pacheco de Oliveira explorou esse “mal-estar” analisando as 
reificações e reedições da “velha linguagem das pesquisas pioneiras” em nossos rituais 
acadêmicos de construção da pesquisa em sociedades urbanas. João Pacheco de Oliveira 
ressalta que se a chamada de Laura Nader (1972) para a “antropologia up” é pertinente e 
necessária - como também considero ser - ela não implica uma continuidade com 
 
16 O significado da palavra mórfico alude ao que é relativo à forma ou às manifestações externas do 
pensamento ou do sentimento. 
 
 
 
30 
modelos tradicionais de pesquisa (apenas inserindo novos objetos), mas evoca a 
necessidade de uma reelaboração metodológica e de objetivos, “uma transformação 
qualitativa da herança clássica” (OLIVEIRA, 2013). 
Se, por um lado, o interesse motivado pelo workshop de direito sistêmico na 
Faculdade de Direito da UnB orientou as questões iniciais e gerou a indignação 
necessária para o ímpeto à construção da pesquisa; por outro, o recorte dos espaços e 
interlocutores privilegiados exigia o desenvolvimento de uma segunda etapa que traçava 
novas dificuldades e que deveria levar em consideração os acessos possíveis, o tempo 
(reservado à conclusão da dissertação) e os meios financeiros para tanto. Como indicado 
anteriormente com o “mal-estar”, uma preocupação permeava a construção desse 
“campo”, tendo em vista que ele estaria inserido dentro do eixo de forças que Laura 
Nader (1972) chamou de studying up, afastando-se, portanto, dos modelos clássicos 
constantemente reificados no interior da disciplina antropológica. 
Nader (1972), diante da proposta de estudos com classes altas e instituições da 
própria sociedade da pesquisadora, buscou afastar em sua abordagem o fantasma do 
modelo de “observação participante” que predomina ditando o status quo da pesquisa 
antropológica. A mística em torno da imagem de si do antropólogo em relação a esse 
método específico impede muitos trabalhos de serem feitos pela impossibilidade de 
“cumprir” todos os “rituais” acionados no clássico modelo malinowskiano de pesquisa. 
É necessário, segundo Nader, adotar uma abordagem metodológica eclética ao trabalhar 
com as classes altas e as instituições, capaz de analisar em quais níveis é possível ao 
pesquisador participar e em quais é barrada sua participação ou observação. 
Assim, a delimitação do circuito de agentes e espaços do direito sistêmico que tive 
acesso foram se desenvolvendo no decorrer dos meses, diante de percursos e percalços 
que marcaram a minha inserção. Como primeira investida, comecei a acompanhar 
eventos, workshops e constelações abertas ao público promovidas por envolvidos na 
consolidação do uso das constelações familiares no interior do Judiciário brasileiro, em 
Brasília17, no Distrito Federal, mapeando os discursos e as possíveis (e prováveis) 
disputas que emergiam ao longo da busca por sua expansão e crescente legitimação 
institucional. Essa estratégia inicial visava criar um primeiro contato com os operadores 
do direito sistêmico, e traçar um “mapa” mental dos agentes envolvidos, reconhecendo 
 
17 Acompanhei presencialmente, para além dos eventos realizados em Brasília, o Congresso Nacional de 
Direito Sistêmico realizado na OAB-AL, em Maceió, no primeiro semestre de 2019. 
 
 
31 
os nomes mais acionados, tanto em Brasília quanto no cenário nacional e internacional. 
Em 2019, após ter contato com alguns integrantes do movimento em prol do direito 
sistêmico, especialmente devido às relações tecidas em workshops e constelações 
privadas, passei a acompanhar a Comissão do Direito Sistêmico da OAB-DF e o Projeto 
Conciliar e Constelar, em voga no Distrito Federal desde 201518. 
A proposta de investigar o processo de institucionalização do direito sistêmico e as 
características epistemológicas que o situam enquanto um “novo direito” conduziram à 
delimitação de dois “espaços” de reflexão interconectados (e sobrepostos), construídos 
– e artificialmente demarcados - com fins metodológicos: o primeiro alude a minha 
circulação em eventos de cunho nacional e internacional realizados no país, que 
serviram como base para a reflexão mais abrangente da inserção do direito sistêmico no 
poder judiciário; o segundo assenta-se nas relações estabelecidas entre a pesquisadora e 
os interlocutores de Brasília, no Distrito Federal. Se o primeiro espaço permitiu o 
contato (em via de mão única) com personagens marcantes na construção do direito 
sistêmico, a exemplo do juiz Sami Storch e do constelador Décio Oliveira, o segundo 
recorte congrega os espaços físicos frequentados com regularidade e os meus principais 
interlocutores, evidenciando o caráter marcadamente regional das reflexões gestadas: o 
cenário de Brasília, mais especificamente, a Comissão de Direito Sistêmico da OAB-DF 
e o Projeto Conciliar e Constelar do TJDFT. 
 Tanto um espaço quanto o outro são perpassados por uma terceira dimensão que 
compõe a pesquisa: os documentos, trabalhos acadêmicos e as redes sociais. No cenário 
nacional, serão analisados enquanto documentos as resoluções do Conselho Nacional de 
Justiça (CNJ), o Novo Código de Processo Civil (CPC), o projeto de lei que visa 
regulamentar o uso da constelação familiar no Judiciário (PL 9.444/2017) e o processo 
aberto no CNJ (pedido de providência) por parte da Associação Brasileira de 
Constelações Sistêmicas. No que concerne ao cenário de Brasília, os documentos 
produzidos pela Comissão da OAB-DF, como atas de reuniões e comunicados oficiais, 
integram o escopo da pesquisa. Assim como Ferreira (2018), parto da perspectiva de 
que os documentos “são gerados, produzidos ou provocados pelo encontro de agentes; 
expressam e materializam lutas, disputas e controvérsias; e expressam modelos 
 
18 O projeto vem atuando com o uso das constelações familiares em Varas de Violência Doméstica e 
Familiar contra a Mulher, Varas de Família, Vara da Infância e Juventude, e no CEJUSC com os 
Superendividados. Acompanhei ao longo do primeiro semestre de 2019 as cinco sessões que foram 
realizadas: uma na Vara da Infância e da Juventude e quatro na Vara de Violência Doméstica e Familiar 
contra a Mulher. 
 
 
32 
classificatórios, formações discursivas e formas legítimas de manifestação” 
(FERREIRA, 2018, p.19). Ecoandoas contribuições de Annalise Riles (2006), tomo tais 
documentos como artefatos paradigmáticos das práticas modernas de produção de 
conhecimento, principais instrumentos modernos de “autoconhecimento” (RILES, 
2006, p. 6). 
Outro aspecto que reforça a relevância de se pensar os documentos enquanto parte 
da investida etnográfica proposta é apontada por Zucker (1987), que elenca a passagem 
para o corpo da lei, a regulamentação e o profissionalismo como elementos que 
comprovam o processo de institucionalização; tais aspectos, que como veremos no 
Capítulo IV, estão interconectados (imbricados) quanto tratamos do direito sistêmico. 
No caso das redes sociais, vale ressaltar que no cenário nacional os vídeos produzidos 
por instituições jurídicas, como canais da OAB e a TV Justiça, foram incorporados na 
análise como um recurso de acesso público relevante. Regionalmente, por sua vez, a 
inserção enquanto pesquisadora na Comissão da OAB-DF também culminou na entrada 
no grupo de Whatsapp da Comissão, o que rendeu toda uma rede de informações, 
eventos e acesso à comunicação entre os membros que construíram parte do meu campo 
mental e de interação. 
Ademais, a pesquisa contou com a minha inserção em sessões de constelações 
familiares particulares com viés terapêutico realizadas por consteladores membros da 
Comissão da OAB-DF e do Projeto Conciliar e Constelar. Apesar de não ser 
direcionado para o campo do direito sistêmico, tais sessões de constelações – 
geralmente cinco ou seis por dia - foram fundamentais para construção de uma relação 
mais próxima com os envolvidos e interessados no uso das constelações familiares em 
Brasília, bem como para compreensão da prática – e das variadas formas de ser 
realizada. Todavia, a minha presença em tais espaços será acionada, quando necessário, 
sem expor as minúcias que permitem compreender o desenrolar das constelações e as 
especificidades dos casos pessoais trabalhados, tendo em vista a necessidade de 
preservar o sigilo dos pacientes/clientes. A saída adotada, diante da imprescindibilidade 
de expor o desenrolar completo de uma constelação, é a utilização dos materiais 
sistematizados e divulgados por meio de livros dos próprios consteladores 
(HELLINGER, 2006; VIEIRA, 2018). 
Em suma, adotei como estratégia metodológica a busca por realizar uma “etnografia 
multissituada” (MARCUS, 1995), seguindo pessoas e “eventos” envolvidos no 
 
 
33 
processo de consolidação do direito sistêmico, acompanhando as dissidências que 
marcam o interior do “campo”, investigando tanto publicações nas redes sociais quanto 
textos de teor acadêmico, bem como os documentos produzidos por vias institucionais, 
que expressam o processo de inserção das constelações familiares no Judiciário 
brasileiro (TEIXEIRA, 2016). As experiências de tal pesquisa são caracterizadas por 
uma flânerie méthodologique, nos termos de Carmen Rial, na medida em que precisei 
me adequar aos ritmos e espaços dos meus interlocutores (TORNQUIST, 2007). 
Gostaria, a partir de agora, de adentrar uma das questões centrais que norteiam as 
reflexões do presente capítulo: o fato de ter sido - e as consequências de ter sido -, à 
revelia das minhas intenções ou desejos, “capturada” pelo “campo” das constelações 
familiares. 
1.2 Capturada pelo emaranhamento de destinos: a pertença ao campo 
Potência da experiência vivida 
Devido à proposta metodológica expressa anteriormente, minha inserção no 
“campo” do direito sistêmico foi marcada por uma multiplicidade de experiências e 
relações. Assim como Lemos (2017), percebi que a exposição a situações de naturezas 
diversas no meu “campo antropológico” gerou profícuas reflexões sobre meu próprio 
lugar nos contextos experimentados. Esse “engajamento polimorfo”, nos termos de 
Gusterson (2008 apud Teixeira, 2014, p. 35) permitiu o convívio com meus 
interlocutores de formas distintas, tornando notável a variedade de dilemas que 
interpelavam a pesquisa e as relações tecidas, caso tratasse da inserção no desenrolar da 
constelação familiar como uma prática terapêutica – na Vara ou sessão particular -, ou 
como pesquisadora nos momentos de reuniões no interior da Comissão de Direito 
Sistêmico, na sede da OAB-DF. Existem dois aspectos - interconectados - a serem 
desenvolvidos dentro deste tema mais amplo que a multiplicidade de inserções 
provocou: primeiro, as “afetações”, ou “experiências vividas” que o campo das 
constelações suscita na condição de representante; segundo, o pertencimento enquanto 
pesquisadora legitimado pelas leis que regem o campo das constelações familiares, tema 
que discutirei mais adiante. 
O primeiro ponto reside no fato de que sou convidada, constantemente, a assumir a 
posição de representante nos casos de constelação familiar que acompanho. Como 
representante, apresento sintomas físicos que anteriormente não apresentava, lidos por 
meus interlocutores como “manifestações do campo”. Os “sintomas” assolam meu 
 
 
34 
corpo imediatamente ao assumir o lugar da pessoa que represento, sendo constantes 
dores em determinadas partes do corpo, tremores, formigamento, raiva, choro, entre 
outras emoções. Diante disso, a primeira questão colocada é: como explorar na pesquisa 
o meu próprio corpo sendo afetado pelo campo da constelação familiar? 
Quando acionamos o termo “afeto” ou “afetado” no interior da antropologia, 
corriqueiramente o breve texto Ser afetado (2005) de Jeanne Favret-Saada vem à mente. 
A pesquisa sobre feitiçaria realizada na região do Bocage, na França, gerou em Favret-
Saada o ensejo de trabalhar com a noção de afeto no fazer antropológico. Aos olhos da 
etnóloga francesa, debruçar-se sobre essa noção permite “apreender uma dimensão 
central do trabalho de campo (a modalidade de ser afetado); depois, para fazer uma 
antropologia das terapias (tanto “selvagens” exóticas, como “científicas” ocidentais); e 
finalmente, para repensar a antropologia.” (FAVRET-SAADA, 2005, p. 155). Uma das 
críticas formuladas por Favret-Saada reside no tratamento que a teoria antropológica 
reservou à dimensão do afeto: os antropólogos escamoteiam sua presença ou meramente 
a ignoram. 
Favret-Saada (2005) escancara, ao trabalhar com a feitiçaria, os limites da ênfase na 
observação e o paradoxo da clássica “observação participante” ou “participante 
observante”, direcionando seu enfoque de pesquisa para a dimensão efetivamente 
participativa. Isso ocorreu devido ao fato de que seus interlocutores só demonstraram 
interesse em conversar com ela a respeito da feitiçaria quando a própria autora 
apresentou sintomas de ter sido enfeitiçada. Tomou, portanto, a sério a tarefa de tornar a 
participação um instrumento de conhecimento: “Nos encontros com os enfeitiçados e 
desenfeitiçadores, deixei-me afetar, sem procurar pesquisar, nem mesmo compreender e 
reter. Chegando em casa, redigia um tipo de crônica desses eventos enigmáticos” 
(FAVRET-SAADA, 2005, p. 158). Em inúmeros casos, Favret-Saada relata que as 
situações vividas carregavam tamanha intensidade que a escrita disciplinada a posteriori 
era impraticável, assim como a rememorização era inenarrável. 
Assim, o primeiro ponto da empreitada de Favret-Saada que reforço é a postura de 
oposição à construção de um caderno de campo pautado na descrição “clássica”, 
desinteressada e totalizadora do “observador participante”; o segundo é a compreensão 
de que a noção de afeto na participação não alude à de empatia ou à emoção à revelia da 
razão. A potência do ser afetado na pesquisa de campo reside no fato de que participar 
“abre uma comunicação específica com os nativos: uma comunicação sempre 
 
 
35 
involuntária e desprovida de intencionalidade, e que pode ser verbal ou não” (FAVRET-
SAADA, 2005, p. 159). Contudo, ainda que as contribuições de Favret-Saada ecoem 
nas discussões que pretendo desenvolver a respeito da minha relação com os meus 
interlocutores e inserçãono “campo” na qualidade de representante, vale a pena evocar 
autores que anteriormente já trabalhavam com o ponto central que me interessa em 
Favret-Saada: a potência da experiência vivida. 
Victor Turner e Edward Bruner (1986) exploraram a lacuna entre a experiência e a 
manifestação simbólica que a expressa indicando as limitações, tensões e potências que 
emergem dessa lacuna, inclusive nos trabalhos antropológicos. Os autores reconhecem 
que algumas experiências são inenarráveis, e apontam como sequer o arsenal de 
expressão antropológico (diários, cadernos de campo, publicações, palestras) 
conseguem captar a riqueza e complexidade do vivido em campo. Diante desse quadro, 
Turner, mais especificamente, trouxe importantes contribuições na construção do que 
chamou de “antropologia da experiência”. A própria etimologia da palavra experiência, 
ressalta Turner, deriva do indo-europeu per, que significa “tentar, aventurar-se, correr 
riscos”, por sua vez, na origem grega o termo peraõ associa experiência a “passar por”, 
aludindo aos ritos de passagem (TURNER, 1986, p. 35). 
Partindo das formulações de Dilthey e Dewey a respeito, Turner separa o que seria 
uma “mera experiência” de “uma experiência”: a mera experiência é marcada por uma 
posição passiva – seja de resistência ou aceitação - diante do decorrer dos eventos; no 
caso de “uma experiência” ou a erlebnis, que expressa o conceito de experiência vivida 
do autor, é caracterizada por uma estrutura processual que demarca um recorte no tempo 
cronológico, instaurando começo e fim não arbitrários. Turner elenca cinco momentos 
da estrutura processual que constituem a experiência vivida: 
1) Algo acontece ao nível da percepção (sendo que a dor ou o prazer podem ser 
sentidos de forma mais intensa do que comportamentos repetitivos ou de 
rotina); 2) imagens de experiências do passado são evocadas e delineadas – de 
forma aguda; 3) emoções associadas aos eventos do passado são revividas; 4) o 
passado articula-se ao presente numa “relação musical” (conforme a analogia de 
Dilthey), tornando possível a descoberta e construção de significado; e 5) a 
experiência se completa através de uma forma de “expressão”. (DAWSEY, 
2005, p. 164) 
Todas as etapas descritas são perceptíveis no desenrolar de uma constelação 
familiar, o que me conduz a inquirir sobre o meu próprio ser inserido no feixe de forças 
de tal experiência, na medida em que assumo o papel de representante. Na primeira 
 
 
36 
constelação familiar que tive oportunidade de acompanhar para além dos espaços 
institucionais19, fui chamada a atuar como representante no caso de depressão de um 
dos constelados. A prática foi realizada em um workshop ministrado por um constelador 
que integra a Comissão de Direito Sistêmico da OAB-DF, no qual trabalhou-se temas 
que não estavam vinculados ao campo do direito. Foram realizadas cinco constelações, 
de clientes particulares e pagantes; os demais participantes que integravam o espaço, 
grupo no qual me incluía, também pagavam o workshop20 e atuavam como 
representantes nas constelações, de forma voluntária, quando solicitados. 
Antes do início das constelações, houve uma apresentação do constelador acerca das 
bases da prática, seguida de uma dinâmica a ser realizada em duplas. Acabei formando 
par com uma jovem que foi obrigada pela mãe a participar, mas que era extremamente 
cética em relação às constelações familiares. Confessei minha posição de pesquisadora, 
o que nos tornava – em alguma medida - cúmplices na posição de noviças 
desinteressadas no tratamento pessoal mediante a prática. Após a dinâmica, iniciaram-se 
as constelações familiares agendadas para aquele dia. 
Quando o constelado se posicionou ao lado do constelador para apresentar o tema, 
comecei a sentir dores intensas nas costas, na região dos ombros. Em seguida o 
constelado escolheu, a mando do constelador, um representante para si e outro para a 
depressão21. Posicionaram-se de frente um para o outro por um tempo, sustentando o 
olhar. As dores nas minhas costas aumentaram, sendo cada vez mais desconfortável 
permanecer na cadeira – apertava os ombros e movia o pescoço buscando aliviar a 
tensão. Após um momento de espera, o constelador questionou os representantes sobre 
o que sentiam: aquele que não me tinha em seu campo de visão relatou “dor nas costas” 
dentre os sintomas. O constelador olhou-me sem hesitar, convidando-me a ocupar uma 
posição dentro do espaço do campo. 
Ao me posicionar atrás do representante do constelado, as dores nas costas 
aliviaram, ao mesmo tempo que um calor intenso passou a tomar conta do lado 
esquerdo do meu corpo. Olhei para o constelador com uma expressão de 
 
19 Faculdade de Direito da UnB, Conselho da Justiça Federal, Varas da Justiça, sedes da OAB, etc. 
20 Exceto raras exceções, as constelações familiares são pagas mesmo na qualidade de representante, 
geralmente um valor menor em comparação ao custo de ser constelado. Acredita-se que o desenrolar da 
constelação afeta de forma positiva também os demais presentes, ajudando a esclarecer os próprios 
emaranhamentos. 
21 Existe a possibilidade de que uma pessoa represente problemas, histórias antigas, linhagens inteiras, 
especialmente quando não se conhece ainda (ou não se busca desvelar) quais são os membros do sistema 
familiar que originam o conflito. 
 
 
37 
incompreensão, indicando o lado esquerdo que começava a esquentar e formigar, ao 
passo que ele me respondeu “Eu sei, tem alguém aí. Pode colocar”. Hesitei, pois havia 
sido escolhida pelo constelador e temia acabar “escolhendo” a pessoa errada para 
representar. Ele insistiu: você sabe, o campo já está falando com você. Acabei sendo, a 
despeito das intenções de observação que ainda carregava comigo, capturada pelo 
campo, desafiada a me permitir mergulhar na experiência vivida assumindo as lacunas 
inevitáveis da expressão posterior. Na posição de representante, perco a capacidade de 
visualizar - intencionalmente e distanciadamente - todos os participantes envolvidos e o 
desenrolar da “terapia”, pois sou acometida por dores, angústias, amores, tremores e 
toda uma rede de relações que me conectam de forma específica com cada um dos 
representantes envolvidos. Por outro lado, assumindo a posição, adentro as intensidades 
ligadas a tal lugar e às consequências de tais envolvimentos. 
Se de algum modo é possível pensar no pesquisador como primeiro instrumento de 
pesquisa (SCHENSUL & LECOMPETE, 2013), prefiro aludir às contribuições de Löic 
Wacquant (2002) a esse respeito. Acredito que de forma mais pertinente e menos 
“instrumentalizada” do que Favret-Saada, Wacquant propõe uma abordagem 
metodológica que visa “levar a sério” o fato de que o agente social é um ser de carne, de 
nervos e de sentidos: um ser que sente e sofre. A metodologia proposta exige do 
pesquisador a capacidade de apropriar-se na e pela prática dos esquemas cognitivos, 
éticos, estéticos e conativos dos seus interlocutores. Ou seja, ressoa na epistemologia 
defendida por Wacquant o convite de aceitar ser submetida “ao fogo da ação” ao longo 
da pesquisa de campo, colocando o meu próprio organismo, sensibilidade e inteligência 
“encarnadas no cerne do feixe das forças materiais e simbólicas” que busco 
compreender, sem com isso intentar produzir uma narrativa totalizadora ou “tornar-me 
nativa”. 
Ao tomar o corpo como “um instrumento de investigação e vetor do conhecimento” 
em sua investigação acerca do boxe no gueto norte-americano, Wacquant (2002) acaba 
por justapor “descrição etnográfica, análise sociológica, e evocação literária, de modo a 
comunicar, ao mesmo tempo, - o percepto e o concepto, as determinações ocultas e as 
experiências vividas, os fatores externos e as sensações interiores que, ao mesclarem-se, 
formam o mundo do pugilismo” (WACQUANT, 2002, p. 23). Promovendo a ruptura 
com o que Wacquant chamou de “discurso moralizante

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