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81
Psicologia: Teoria e Pesquisa 
Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
sexua�s não-hegemôn�cas, com base em um ‘olhar’ crít�co 
ao modelo b�oméd�co trad�c�onal, marcado por uma le�tura 
essenc�al�sta e b�olog�zante sobre a sexual�dade. Para tanto, 
fo� de fundamental �mportânc�a o estabelec�mento de pontes 
�nterd�sc�pl�nares que v�ab�l�zaram transcender a nossa for-
mação acadêm�ca, s�tuada no contexto da c�ênc�a ps�cológ�ca. 
Ir além dos conhec�mentos produz�dos pela ps�colog�a é uma 
necess�dade, cons�derando o caráter em�nentemente �nterd�s-
c�pl�nar dos estudos de gênero e sexual�dade. 
In�c�almente apresentaremos algumas cons�derações 
sobre a nossa perspect�va teór�ca e sobre os processos �den-
t�tár�os, com destaque para as �dent�dades de gênero e as 
�dent�dades sexua�s. 
A perspectiva sociocultural construtivista
Na at�v�dade de pesqu�sa, sempre part�mos de um refe-
renc�al teór�co que or�enta o nosso “olhar” e a nossa ação, 
enquanto pesqu�sadores(as). Mesmo quando d�alogamos com 
outras abordagens teór�cas, é fundamental não perdermos de 
v�sta o nosso ponto de part�da teór�co. Ao real�zarmos um 
percurso �nterpretat�vo sobre determ�nada temát�ca, encon-
traremos uma mult�pl�c�dade de autores(as) e de abordagens 
teór�cas proven�entes de d�versas áreas do conhec�mento e 
“(...) Nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder 
que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos do Estado 
a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modi-
ficados” (Foucault, 1996, p. 149-150).
A part�r da perspect�va soc�ocultural construt�v�sta, o 
presente art�go tem como objet�vo anal�sar a construção das 
�dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas em jovens adultos na 
c�dade de Brasíl�a, com base em uma pesqu�sa qual�tat�va que 
part�u do quest�onamento amplo: como suje�tos concretos 
dão sent�do às suas v�vênc�as homoerót�cas?
Neste art�go, destacamos as relações entre os processos 
�dent�tár�os e a construção de estratég�as para l�dar com o 
preconce�to e a d�scr�m�nação no que tange às �dent�dades 
1 A pesqu�sa apresentada neste art�go corresponde à D�ssertação de 
Mestrado da pr�me�ra autora, sob a or�entação da segunda, �nt�tulada A 
construção das �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas: gênero, l�ngua-
gem e const�tu�ção da subjet�v�dade. D�ssertação de Mestrado defend�da 
no Inst�tuto de Ps�colog�a da Un�vers�dade de Brasíl�a em dezembro 
de 2000. Apo�o: Conselho Nac�onal de Desenvolv�mento C�entífico e 
Tecnológ�co - CNPq.
2 Endereço: SHCGN 716, Bloco G, Apto. 312, Brasíl�a, DF, Bras�l 70770-
737. E-mail: afam2001@terra.com.br
Identidades Sexuais Não-hegemônicas: Processos Identitários e 
Estratégias para Lidar com o Preconceito1
Ana Fláv�a do Amaral Madure�ra
Angela Mar�a Cr�st�na Uchôa de Abreu Branco
Universidade de Brasília
RESUMO – A part�r da perspect�va soc�ocultural construt�v�sta, o art�go tem como objet�vo anal�sar a construção das 
�dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas em jovens adultos na c�dade de Brasíl�a, com base em uma pesqu�sa qual�tat�va que 
part�u do quest�onamento amplo: como suje�tos concretos dão sent�do às suas v�vênc�as homoerót�cas? Part�c�param da 
pesqu�sa se�s homens e quatro mulheres de classe méd�a de Brasíl�a que se reconhecem como pessoas que apresentam 
uma or�entação sexual d�st�nta da heterossexual�dade. O estudo �nd�cou a �mportânc�a das estratég�as pessoa�s e colet�vas 
ut�l�zadas no cot�d�ano para l�dar com o preconce�to e a d�scr�m�nação em relação às �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas. 
Ta�s estratég�as são const�tut�vas da forma como os(as) part�c�pantes v�venc�am as suas exper�ênc�as homoerót�cas, bem 
como se pos�c�onam em suas relações soc�a�s e cons�go mesmos(as).
Palavras-chave: gênero; sexual�dade; homossexual�dade; �dent�dades sexua�s; preconce�to.
Non-hegemonic Sexual Identities: Identity Processes and Coping 
Strategies Concerning Prejudice
ABSTRACT – As from a construct�v�st soc�ocultural perspect�ve, the present art�cle a�ms at analyz�ng the construct�on of 
non-hegemon�c sexual �dent�t�es �n young adults l�v�ng �n the c�ty of Bras�l�a, based on a qual�tat�ve research start�ng from a 
broad quest�on�ng: how do �nd�v�duals g�ve mean�ng to the�r homoerot�c exper�ences? S�x m�ddle-class men and four women 
l�v�ng �n Bras�l�a, who see themselves as non-heterosexually or�ented, part�c�pated �n the research. The results �nd�cate the 
�mportance of collect�ve and personal strateg�es employed �n da�ly l�fe by the �nd�v�duals to cope w�th prejud�ce and d�scr�m�-
nat�on related to non-hegemon�c sexual �dent�t�es. Such strateg�es are const�tuent of the way the part�c�pants l�ve w�th the�r 
homoerot�c exper�ences, as well as w�th the�r soc�al relat�ons, and w�th themselves.
Key words: gender; sexual�ty; homosexual�ty, sexual �dent�t�es; prejud�ce.
82 Ps�c.: Teor. e Pesq., Brasíl�a, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
A. F. A. Madureira e A. M. C. U. A. Branco
para não nos perdermos nesse percurso é essenc�al expl�c�tar 
não apenas os nossos objet�vos (aonde desejamos chegar), 
mas também as nossas bases teór�co-ep�stemológ�cas. De 
forma ma�s específica, o que caracter�za a perspect�va so-
c�ocultural construt�v�sta? 
Apesar da consc�ênc�a das d�ficuldades �nerentes a qual-
quer defin�ção, defin�mos de forma d�dát�ca a perspect�va 
soc�ocultural construt�v�sta como uma perspect�va teór�ca, 
�nser�da no contexto das correntes soc�ogenét�cas, que busca, 
por me�o da síntese cr�at�va das contr�bu�ções da Ps�colog�a 
H�stór�co-Cultural de Vygotsky e colaboradores e do cons-
trut�v�smo p�aget�ano (a part�r da ênfase no papel at�vo e 
�ntenc�onal do suje�to no seu desenvolv�mento), compreender 
o desenvolv�mento humano como fenômeno d�nâm�co e 
complexo (Madure�ra & Branco, 2005a). Cabe destacar que, 
para esta perspect�va teór�ca, o conce�to de cultura ocupa um 
lugar de destaque. A cultura não é conceb�da apenas como 
uma var�ável a ser cons�derada, uma var�ável “externa” que 
�nfluenc�a as ações, pensamentos e emoções �nd�v�dua�s. A 
cultura não é uma var�ável, mas s�m o me�o em que v�vem e 
se desenvolvem os seres humanos (Cole, 1992). Portanto, a 
cultura não apresenta uma �nfluênc�a apenas �nd�reta, a cul-
tura3 const�tu� o própr�o desenvolv�mento humano (Bruner, 
1990/1997; Rogoff, 2003). 
Para Lev Semenov�ch Vygotsky (1978/1991), autor 
�mportante da perspect�va teór�ca que adotamos, a relação 
entre o ser humano e o amb�ente não é uma relação d�reta, 
mas s�m med�ada sem�ot�camente. Nesse sent�do, podemos 
defin�r a sem�ót�ca como o campo de conhec�mento que 
estuda os s�gnos que correspondem, em últ�ma �nstânc�a, a 
“elementos que representam ou expressam outros objetos, 
eventos, situações (...)” (Ol�ve�ra, 1993, p. 30). Em outras 
palavras, os s�gnos tornam presentes objetos, eventos ou 
s�tuações que estão ausentes no aqu� e agora. 
As operações com s�gnos ampl�am, de forma cons�derá-
vel, as poss�b�l�dades de ação humana, tanto no plano �nterp-
s�cológ�co como no plano �ntraps�cológ�co, na med�da em que 
tornam a comun�cação humana ma�s prec�sa, poss�b�l�tando, 
por exemplo, o planejamento colet�vo da ação, bem como 
transformando, de forma qual�tat�va, o func�onamento ps�-
cológ�co humano (Vygotsky, 1978/1991). Para a ps�colog�a 
h�stór�co-cultural de Vygotsky e colaboradores, a l�nguagem, 
enquanto s�stema de med�ação sem�ót�ca, cumpre um papel 
fundamental na consc�ênc�a humana. 
O pensamento e a l�nguagem, que refletem a real�dade 
de uma forma d�ferente daquela da percepção, são a chave 
para a compreensão da natureza da consc�ênc�a humana. As 
palavras desempenham um papel central não só no desenvol-
v�mento do pensamento, mas também na evolução h�stór�ca 
da consc�ênc�a como um todo. Uma palavra é um m�crocosmo 
da consc�ênc�a humana. (Vygotsky, 1962/1993) 
De forma coerente com o referenc�al teór�co adotado 
(Madure�ra & Branco, 2005a; Vals�ner, 1994, 1998) não 
poderíamos adotar uma ontolog�a apr�oríst�ca sobre o suje�to 
e a real�dade, na med�da em que a mesma �mpl�ca em uma 
compreensão essenc�al�sta,descontextual�zada. Defendemos, 
portanto, uma ontolog�a h�stór�ca (González Rey, 1997), 
destacando que tanto o suje�to como os fenômenos soc�a�s 
estão sempre �nscr�tos em uma temporal�dade que não pode 
ser s�mplesmente “suspensa” sob o pretexto de buscarmos 
a sua “essênc�a atemporal”. Não há, portanto, essênc�as 
supra-h�stór�cas, mas s�m a constante tensão d�alét�ca en-
tre organ�zação e processo, estab�l�dade e transformação, 
cont�nu�dade e ruptura. Tensão que marca a const�tu�ção do 
suje�to4 e o própr�o desenvolv�mento cultural. 
É a part�r da �nserção nesse quadro teór�co-conce�tual que 
podemos afirmar a �mportânc�a do estudo dos s�gn�ficados 
cultura�s, que med�am tanto a relação das pessoas concretas 
com o mundo soc�al em que estão �nser�das quanto a relação 
que estabelecem cons�go mesmas. O estudo dos s�gn�fica-
dos cultura�s (Bruner, 1990/1997) é de grande relevânc�a 
quando focal�zamos os processos �dent�tár�os relac�onados 
à construção das múlt�plas �dent�dades soc�a�s e, de forma 
ma�s específica, das �dent�dades sexua�s e das �dent�dades 
de gênero. 
Processos identitários: a construção das identidades 
sexuais e das identidades de gênero
O conce�to de �dent�dade soc�al está relac�onado às pos�-
ções que o suje�to assume na complexa rede de s�gn�ficações 
cultura�s, ao sent�mento de pertenc�mento a um determ�nado 
grupo soc�al de referênc�a (Hall, 1992/1998; Louro, 1998, 
1999; Parker, 1999). Cabe destacar que os processos �den-
t�tár�os func�onam como coordenadas cultura�s no processo 
de const�tu�ção da subjet�v�dade, além de pos�c�onarem os 
suje�tos concretos em suas relações com os d�versos grupos 
soc�a�s ex�stentes nos contextos cultura�s em que estão �n-
ser�dos. No contexto deste art�go focal�zaremos, a part�r do 
estudo dos processos �dent�tár�os, as �dent�dades de gênero 
(as múlt�plas formas de tornar-se homem ou mulher) e as 
�dent�dades sexua�s (as múlt�plas formas como são subjet�-
vadas as or�entações sexua�s). 
É �nteressante notar que, para o senso comum, é perfe�ta-
mente compreensível que uma pessoa mude a sua �dent�dade 
profiss�onal, ou mesmo a sua �dent�dade de classe soc�al. 
Entretanto, a sua �dent�dade de gênero e a sua �dent�dade 
sexual são cons�deradas como essênc�as �mutáve�s, como 
dados apr�oríst�cos que definem o que há de ma�s fundamental 
no suje�to (Louro, 1999). Nesse sent�do, 
Quando uma figura de destaque assume, publicamente, sua 
condição de gay ou de lésbica (...) é freqüentemente vista como 
protagonizando uma fraude; como se esse sujeito tivesse indu-
zido os demais a um erro, a um engano. A admissão de uma 
nova identidade sexual ou de uma nova identidade de gênero é 
considerada uma alteração essencial, uma alteração que atinge 
a “essência” do sujeito. (Louro, 1999, p. 12-13) 
3 Para uma d�scussão ma�s aprofundada sobre o conce�to de cultura na 
perspect�va soc�ocultural construt�v�sta, consultar: Vals�ner (1989, 1994, 
1997, 1998) e Madure�ra e Branco (2005a).
 4 Para uma d�scussão ma�s aprofundada sobre a noção de suje�to na c�ênc�a 
ps�cológ�ca, bem como sobre o papel da l�nguagem, enquanto s�stema 
de med�ação sem�ót�ca, na const�tu�ção da subjet�v�dade, consultar: 
Madure�ra e Branco (2005b). 
83Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
Identidades Sexuais Não-hegemônicas e Preconceito
As �dent�dades de gênero e as �dent�dades sexua�s, tra-
d�c�onalmente, são cons�deradas como ent�dades estát�cas 
�ntrapsíqu�cas. Ma�s do que �sso, são cons�deradas como o 
que, realmente, define a “natureza essenc�al” de uma pessoa. 
Nesse sent�do, coerente com tal lóg�ca essenc�al�sta, são 
cons�deradas como marcas �nscr�tas nos corpos, não apre-
sentando nenhuma relação com os contextos soc�ocultura�s 
em que o suje�to se �nsere. Não é de se estranhar, portanto, 
a obsessão de �números c�ent�stas e do públ�co em geral 
em encontrar o gene (a “marca genét�ca”) responsável pela 
homossexual�dade. Cur�osamente, tal obsessão está c�rcuns-
cr�ta às or�entações sexua�s d�st�ntas da norma heterossexual, 
como se apenas o que é cons�derado soc�almente “desv�ante” 
merecesse expl�cações. 
No século XX, pr�nc�palmente em suas últ�mas déca-
das, �númeras mudanças, contudo, v�eram a perturbar esse 
cenár�o de suposta tranqü�l�dade e s�mpl�c�dade na compre-
ensão da relação entre suje�to, sexual�dade e gênero, como, 
por exemplo, a entrada da mulher no mercado de trabalho, 
novas tecnolog�as reprodut�vas, o mov�mento fem�n�sta, os 
mov�mentos de gays e lésb�cas, novas estruturas fam�l�ares, 
etc. O que era cons�derado exclus�vamente como objeto de 
estudo das c�ênc�as b�oméd�cas, d�ante dessa mult�pl�c�dade 
de mudanças relat�vas à sexual�dade e ao gênero, tornou-se, 
cada vez ma�s, objeto de �nteresse das c�ênc�as humanas 
e soc�a�s nas últ�mas décadas (Parker & Barbosa, 1996). 
Neste contexto, um dos autores que têm �nsp�rado �números 
trabalhos nas c�ênc�as soc�a�s sobre a temát�ca relac�onada 
à sexual�dade é o filósofo francês M�chel Foucault (1926-
1984), autor de grande �mpacto nas formulações atua�s das 
c�ênc�as soc�a�s (Hall, 1992/1998; He�lborn, 1996; Louro, 
1998, 1999; Weeks, 1999).
Cons�derando as l�m�tações de espaço de um art�go 
abordaremos algumas questões levantadas por Foucault em 
suas últ�mas obras (publ�cadas na década de 1970 e 1980), 
referentes à genealog�a do poder e à hermenêut�ca do suje�-
to. Ta�s obras �nfluenc�aram não só os estudos de d�versos 
c�ent�stas soc�a�s, mas também mov�mentos organ�zados 
da soc�edade c�v�l, como o mov�mento fem�n�sta atual e o 
mov�mento de gays e lésb�cas. 
Segundo Foucault (1976/1997), a part�r do final do século 
XVII, o sexo não é “conv�dado a se calar”, ao contrár�o, o 
sexo é colocado em d�scurso, é �nc�tado a se man�festar. 
Não é de se estranhar, portanto, que no século XIX seja 
s�stemat�zada uma scientia sexualis, voltada para a produção 
de verdades sobre o sexo (antes do século XIX nem mesmo 
ex�st�a o termo sexual�dade). 
A emergênc�a de uma scientia sexualis está �ntr�nseca-
mente relac�onada ao surg�mento da noção de população, 
no final do século XVIII na Europa, como um problema 
polít�co, econôm�co, demográfico e san�tár�o (Foucault, 
1976/1997). Em outros termos, o surg�mento da população, 
enquanto problemát�ca mult�facetada, cr�ou a necess�dade 
de um �nvest�mento d�sc�pl�nar não apenas sobre o corpo 
�nd�v�dual, mas também sobre o corpo soc�al. Tornou-se 
necessár�o um controle sobre a v�da, a elaboração de uma 
b�opolít�ca que garant�sse, duplamente, a produção de 
corpos dóce�s e saudáve�s, �nd�v�dualmente, e a produção 
de uma população também dóc�l e saudável (Foucault, 
1976/1997).
A sexual�dade, portanto, const�tu�u-se em um d�spos�t�vo 
h�stór�co de poder nas soc�edades oc�denta�s modernas. Ma�s 
do que uma questão de preocupação moral, a sexual�dade 
tornou-se um foco de produção de d�scursos pretensamente 
verdade�ros sobre o suje�to. Antes do século XIX as preocu-
pações com o sexo eram preocupações referentes à rel�g�ão 
ou à filosofia moral. Com o surg�mento da sexolog�a, o sexo, 
ou melhor, a sexual�dade (como passou a ser denom�nado 
no século XIX), tornou-se objeto de estudo c�entífico, bem 
como configurou-se em uma preocupação general�zada de 
espec�al�stas, da med�c�na, de profiss�ona�s e reformadores 
mora�s (Weeks, 1999). 
É neste contexto h�stór�co que surge o termo “homossexu-
al”, ut�l�zado pela pr�me�ra vez na segunda metade do século 
XIX (Fry & MacRae, 1985). Antes do esforço class�ficatór�o 
da sexolog�a, ta�s pessoas eram t�das como pertencentes a 
uma categor�a geral e mal-defin�da denom�nada de sodom�ta, 
que se refer�a a todos aqueles que apresentavam um “poten-
c�al de natureza pecadora”, e não a uma at�v�dade própr�a de 
um t�po específico, del�m�tado, de pessoas (Weeks, 1999). 
Em outras palavras, como observou Foucault (1976/1997), o 
sodom�ta era cons�derado como uma “aberração temporár�a”, 
enquanto o homossexual faz�a parte de uma espéc�e própr�a, 
com característ�cas defin�doras.
De“pecado”, “cr�me”, as relações afet�vo-sexua�s entre 
pessoas do mesmo sexo passam – com o surg�mento h�stó-
r�co do conce�to de homossexual�dade – a ser cons�deradas 
“doença” e, por extensão, necess�tam de tratamento e cura. 
Em outras palavras, buscou-se a del�m�tação “verdade�ra” 
das �dent�dades sexua�s. Nesse sent�do, procurou-se defin�r, 
por exemplo, os atr�butos (fís�cos, mora�s, dentre outros) que 
ser�am “defin�dores da homossexual�dade”. 
É �nteressante notar que as pessoas, gu�adas pelo senso 
comum, acred�tam ex�st�r uma d�v�são mu�to nít�da e s�mples 
entre as �dent�dades sexua�s. Nesse sent�do, haver�a os “nor-
ma�s” (heterosssexua�s) e os “anorma�s” (os homossexua�s 
e os b�ssexua�s) (Weeks, 1999). Ma�s do que �sso, as �dent�-
dades sexua�s ser�am o cerne das ma�s profundas verdades 
sobre o �nd�víduo. Através da expl�c�tação da �dent�dade 
sexual �nd�v�dual ser�a possível prever, um dos grandes 
�dea�s da c�ênc�a moderna, as suas qual�dades mora�s, bem 
como se ser�a possível (ou não) a sua fel�c�dade. Portanto 
não é de se estranhar a crença d�fund�da na atual�dade de que 
uma pessoa homossexual é �moral, promíscua e dest�nada à 
�nfel�c�dade. Sobre essa relação �mplíc�ta entre �nfel�c�dade 
e homossexual�dade, Foucault afirma que: 
As pessoas dizem: “o prazer passa, a juventude acaba. Que 
eles tenham prazer, afinal sabemos que isso não os levará muito 
longe. Pagarão bem caro por esse prazer, com sofrimento e dor, 
com solidão, com rupturas, com disputas, com ódio ou com 
ciúme”, em suma, sabe-se que o prazer é compensado, e por 
conseguinte ele não incomoda. Mas a felicidade... A felicidade 
não é resgatada por nenhuma infelicidade fundamental... Então, 
as coisas se tornam intoleráveis. (Foucault c�tado por Er�bon, 
1994/1996, p. 168). 
A del�m�tação das �dent�dades sexua�s faz parte, portanto, 
de um amplo processo h�stór�co e cultural de normat�zação da 
sexual�dade, ou seja, de �nst�tuc�onal�zação da heterossexu-
84 Ps�c.: Teor. e Pesq., Brasíl�a, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
A. F. A. Madureira e A. M. C. U. A. Branco
al�dade como a ún�ca forma “normal” de �dent�dade sexual. 
Nesse processo, a defin�ção do que const�tu� a anormal�dade 
é essenc�al para se defin�r o que vem a ser a normal�dade. 
Os do�s esforços class�ficatór�os estão, portanto, �ntr�nseca-
mente relac�onados (Louro, 1998, 1999, 2003; Weeks, 1999). 
Cabe enfat�zar, também, que o processo de normat�zação da 
�dent�dade heterossexual pressupõe um processo constante 
de est�gmat�zação das �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas. 
Em outros termos, ta�s �dent�dades passam a ser cons�deradas 
como �dent�dades deter�oradas que escondem uma “falha 
fundamental” (Goffman, 1963/1988). 
Uma das prem�ssas do modelo b�oméd�co acerca da 
sexual�dade é o estabelec�mento de uma relação l�near 
entre desejo sexual, comportamento sexual e �dent�dade 
sexual. Contudo, essa relação l�near tem s�do quest�ona-
da por d�versos c�ent�stas soc�a�s (Parker, 1999; Weeks, 
1999; He�lborn, 1996), o que parece �nd�car que a �den-
t�dade sexual não pode ser s�mplesmente objet�vada em 
um comportamento sexual específico. Esta d�ferenc�ação 
é part�cularmente �mportante na cultura sexual bras�le�ra, 
na qual o “at�vo” na relação sexual permanece no status de 
homem, enquanto o “pass�vo” torna-se “b�cha”. Nota-se, 
claramente, a �mportânc�a da at�v�dade e da pass�v�dade 
como referenc�a�s s�gn�ficat�vos na construção das �dent�-
dades sexua�s na soc�edade bras�le�ra, pr�nc�palmente entre 
os homens (Parker, 1991, 1994). 
Nas anál�ses sobre a construção das �dent�dades sexua�s 
é de fundamental �mportânc�a cons�derarmos, também, 
as questões de gênero. Afinal não estamos nos refer�ndo 
a suje�tos abstratos, mas a homens e mulheres �nser�dos 
em determ�nados contextos perpassados por s�gn�ficados 
cultura�s que del�m�tam as fronte�ras s�mból�cas do que 
é soc�almente esperado em relação às mascul�n�dades e 
às fem�n�l�dades. S�gn�ficados cultura�s que se art�culam 
a s�stemas de s�gn�ficação ma�s amplos que, por sua vez, 
trazem as marcas das estruturas des�gua�s de poder presentes 
nas relações entre homens e mulheres. 
Os estudos de gênero const�tuem um campo de �nvest�-
gação �nterd�sc�pl�nar �ntr�nsecamente v�nculado ao mov�-
mento fem�n�sta, mov�mento soc�al �mportante da segunda 
metade do século XX, voltado para a transformação das 
relações des�gua�s e h�erárqu�cas entre homens e mulheres 
(Bande�ra & S�que�ra, 1997). Ass�m, quando abordamos as 
questões de gênero não estamos nos refer�ndo a ma�s um 
objeto de estudo, estamos nos refer�ndo a um campo de 
�nvest�gação recente construído a part�r do d�álogo fecundo 
entre a produção acadêm�ca e a m�l�tânc�a fem�n�sta. Como 
é ev�denc�ado por Louro (1998), os estudos de gênero apre-
sentam expl�c�tamente pretensões de mudança. Em outras 
palavras, os estudos de gênero promovem a al�ança entre 
o “fazer” c�entífico e a m�l�tânc�a polít�ca. Uma verdade�ra 
heres�a para os “guard�ões” de uma c�ênc�a pos�t�v�sta anco-
rada no m�to da neutral�dade c�entífica. 
É �mportante esclarecer que o conce�to de gênero é 
em�nentemente relac�onal, ou seja, esta categor�a analít�ca 
destaca o caráter relac�onal e polít�co da const�tu�ção da(s) 
mascul�n�dade(s) e fem�n�l�dade(s) (Fávero, 1997; Louro, 
1998, 1999; Madure�ra & Branco, 2004; Ol�ve�ra, 1998; 
Scott, 1995, 1998; Segato, 1997). Gênero cons�ste, portanto, 
em uma categor�a analít�ca que v�ab�l�za a compreensão de 
d�versos fenômenos anal�sados pelas c�ênc�as humanas, além 
de apresentar uma d�mensão claramente polít�ca. 
Nesse sent�do, é fundamental reflet�rmos sobre as relações 
de poder. Para tanto, as formulações foucault�nas são de gran-
de valor heuríst�co. Mas o que ser�a o poder para Foucault? 
De acordo com Deleuze (1986/1988, p. 78, gr�fo nosso), “A 
definição de Foucault parece bem simples: o poder é uma 
relação de forças, ou melhor, toda relação de forças é uma 
‘relação de poder’ (...)”. 
A v�são do poder como algo essenc�almente repress�vo 
(que repr�me os �nd�víduos, as pulsões, uma classe), é alvo de 
vár�as crít�cas de Foucault (1996, 1976/1997). Para ele, o po-
der não é apenas repress�vo, este é apenas um lado da h�stór�a. 
Afinal, a dom�nação cap�tal�sta não consegu�r�a se sustentar se 
fosse baseada un�camente na repressão (Foucault, 1996). As 
relações de poder devem ser cons�deradas não apenas como 
�n�b�doras, mas também como produtoras de cond�ções de 
poss�b�l�dades para a const�tu�ção de determ�nados saberes, 
de �nd�v�dual�dades (na forma de s�tuar-se/relac�onar-se com 
outras �nd�v�dual�dades, como na percepção de s�)5. 
Segundo Foucault (1996), o poder não deve cont�nuar 
sendo cons�derado como “propr�edade” do Estado, de uma 
classe soc�al ou do homem, nas relações de gênero. Nem 
como mero “subproduto” das relações econôm�cas, apesar 
de manter conexões com as mesmas. Portanto, o poder não 
é uma ent�dade: “(...) os poderes não estão localizados em 
nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam 
como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada 
ou ninguém escapa, a que não existe exterior possível, limites 
ou fronteiras (...)”(Machado, 1996, p. xv� ). O que ex�ste é 
um constante e d�nâm�co confronto de forças, de opressões 
e res�stênc�as. 
Neste art�go será pr�v�leg�ada a conce�tuação de “�den-
t�dades sexua�s não-hegemôn�cas” ao �nvés do conce�to, d�-
fund�do na atual�dade, de homossexual�dade. Tal preferênc�a 
conce�tual fo� �nsp�rada na crít�ca do ps�canal�sta bras�le�ro 
Jurand�r Fre�re Costa (1992) ao conce�to de homossexual�da-
de. De acordo com este autor, a suposta “tranqü�l�dade” com 
que as pessoas são class�ficadas em homossexua�s, b�ssexua�s 
e heterossexua�s esconde toda uma d�vers�dade de prát�cas, 
sent�mentos e auto-defin�ções que tal class�ficação parece 
obscurecer (Costa, 1992). Essa class�ficação, �ntr�nsecamente 
relac�onada à med�c�na do século XIX, está v�nculada ao 
�deal de del�m�tação “verdade�ra” das �dent�dades sexua�s, 
a fim de pred�zeros atr�butos que caracter�zar�am todos(as) 
aqueles(as) que venham a ser “d�agnost�cadas” como homos-
sexua�s, como fo� d�scut�do anter�ormente. 
Pode-se observar, portanto, uma clara al�ança entre saber 
e poder, na med�da em que a produção de verdades sobre o 
suje�to, a part�r do processo h�stór�co de med�camental�zação 
do corpo e da sexual�dade, serv�r�a de aval não apenas para 
separar os “norma�s” dos “anorma�s”, mas também para 
exclu�r estes últ�mos. Em síntese, o conce�to de homossexu-
al�dade apresenta, pelo menos, duas l�m�tações: a) obscurece 
a d�vers�dade de prát�cas, sent�mentos e auto-defin�ções entre 
5 Sobre a hermenêut�ca do suje�to, últ�ma fase da obra de Foucault, con-
sultar: A história da sexualidade II: o uso dos prazeres (1984/1994) e 
A história da sexualidade III: o cuidado de si (1984/1985).
85Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
Identidades Sexuais Não-hegemônicas e Preconceito
aqueles que recebem este rótulo; b) obscurece também a 
d�mensão polít�ca que está em jogo na busca pela “essênc�a 
verdade�ra” (causal�dade últ�ma) das or�entações sexua�s.
Nesse sent�do, é �mportante ut�l�zarmos um conce�to que 
expl�c�te as relações de poder que perme�am a “del�m�tação 
c�entífica” das �dent�dades sexua�s. Para tanto, buscou-se 
no conce�to de hegemon�a essa poss�b�l�dade conce�tual6. 
O conce�to de hegemon�a parece trazer à tona as relações 
de poder, os mecan�smos de exclusão, os preconce�tos e as 
prát�cas d�scr�m�natór�as que estão no cerne do “processo 
pelo qual um determinado grupo social garante o domínio 
político da sociedade” (S�lva, 2000, p. 65). Ass�m, o con-
ce�to de �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas se refere a: a) 
suje�tos que apresentam uma or�entação homoerót�ca e que 
b) ocupam uma pos�ção soc�al marg�nal em relação à norma 
heterossexual nas soc�edades oc�denta�s contemporâneas. 
A conce�tuação de �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas 
traz para o centro das atenções a relação entre suje�to e cultu-
ra. Afinal, tal conce�tuação só faz sent�do a part�r da anál�se 
dos contextos cultura�s específicos e do espaço soc�al con-
fer�do às or�entações homoerót�cas em ta�s contextos. Nesse 
sent�do apresentaremos, nos próx�mos tóp�cos, a pesqu�sa 
qual�tat�va7 que real�zamos sobre a construção das �dent�da-
des sexua�s não-hegemôn�cas na c�dade de Brasíl�a - DF. O 
que será apresentado, obv�amente, é um recorte que focal�za 
alguns resultados �mportantes da pesqu�sa em questão. 
Método
Part�c�param da pesqu�sa se�s homens e quatro mulheres 
de classe méd�a do D�str�to Federal (fa�xa etár�a entre 20 e 34 
anos), que se percebem como pessoas que apresentam uma 
or�entação sexual d�st�nta da heterossexual�dade. 
Fo� real�zada uma entrev�sta sem�-estruturada com cada 
part�c�pante. No momento da real�zação das entrev�stas fo� 
entregue a cada part�c�pante uma carta de apresentação da 
pesqu�sa (com a descr�ção do tema e do objet�vo da pes-
qu�sa). Se est�vessem de acordo em part�c�par, era, então, 
sol�c�tado que ass�nassem o Termo de Consent�mento L�vre 
e Esclarec�do. Fo� expl�c�tado na carta de apresentação da 
pesqu�sa, e enfat�zado pela pesqu�sadora, que o nome de 
cada part�c�pante ser�a mant�do em s�g�lo, ou seja, ser�am 
subst�tuídos por nomes fictíc�os. Fo� esclarec�do, também, 
que não eram esperadas “respostas certas” por parte dos(as) 
part�c�pantes, mas s�m as suas op�n�ões e pos�c�onamentos 
pessoa�s em relação às questões abordadas. 
Fo� elaborado, �n�c�almente, um sumár�o de todas as 10 
entrev�stas real�zadas. Tal sumár�o cons�st�u na real�zação 
de comentár�os s�ntét�cos e na transcr�ção de trechos con-
s�derados �nteressantes ou s�gn�ficat�vos das entrev�stas. A 
part�r da real�zação do sumár�o fo� possível constru�r um 
panorama amplo sobre o grupo de part�c�pantes, bem como 
selec�onar as entrev�stas que ser�am anal�sadas de forma ma�s 
aprofundada. As se�s entrev�stas selec�onadas (três homens e 
três mulheres) foram, então, transcr�tas na íntegra. Buscou-
se, na transcr�ção das entrev�stas, �ntegrar às verbal�zações 
os elementos paral�ngüíst�cos8 (como, por exemplo, a ênfase 
em certas palavras), v�sando o enr�quec�mento da anál�se e 
poss�b�l�tando uma ma�or compreensão da d�mensão metaco-
mun�cat�va (relac�onal) presente no momento da entrev�sta.
A anál�se das entrev�stas buscou, nas narrat�vas dos(as) 
part�c�pantes, ev�denc�ar os processos �dent�tár�os relac�o-
nados às questões de gênero e às or�entações sexua�s, pro-
curando art�cular os s�gn�ficados cultura�s e a const�tu�ção 
da subjet�v�dade. As anál�ses foram or�entadas a part�r das 
segu�ntes categor�as temát�cas: 1) h�stór�a de v�da; 2) questões 
de gênero; 3) mov�mentos soc�a�s, d�scr�m�nação e transfor-
mação da soc�edade; 4) comun�dade gay em Brasíl�a; 5) gêne-
se e desenvolv�mento da or�entação sexual; 6) crenças sobre 
a homossexual�dade e class�ficação das or�entações sexua�s; 
7) relações soc�a�s (famíl�a, escola, trabalho, am�zades); 8) 
relações afet�vo-sexua�s; 9) relações cons�go mesmo(a); 10) 
outras questões e comentár�os sobre a entrev�sta. 
Cons�derando que os part�c�pantes fazem parte de um 
grupo soc�almente d�scr�m�nado, o cu�dado com o s�g�lo em 
relação às suas �dent�dades fo� redobrado na pesqu�sa. Além 
de adotarmos nomes fictíc�os para os part�c�pantes e todas as 
pessoas c�tadas nas entrev�stas, om�t�mos �nformações que 
poder�am fac�l�tar a �dent�ficação dos part�c�pantes (como, 
por exemplo, a espec�ficação prec�sa da profissão). Dessa 
forma, pretendemos assegurar a �ntegr�dade dos part�c�pantes 
e o respe�to aos seus d�re�tos enquanto suje�tos de pesqu�sa, 
dentre aqueles, o d�re�to ao s�g�lo em relação à �dent�ficação 
pessoal. 
Resultados e Discussão
O estudo �nd�cou a relevânc�a de se cons�derar as estra-
tég�as pessoa�s e colet�vas ut�l�zadas no cot�d�ano para l�dar 
com o preconce�to e a d�scr�m�nação em relação às �dent�-
dades sexua�s que d�vergem da norma heterossexual. Ta�s 
estratég�as são const�tut�vas da forma como os part�c�pantes 
v�venc�am as suas exper�ênc�as homoerót�cas, suas relações 
soc�a�s e cons�go mesmos. Podemos afirmar, �nclus�ve, que 
este é o denom�nador comum de todas as entrev�stas real�za-
das. Mesmo quando os part�c�pantes não relatam s�tuações 
concretas de d�scr�m�nação, essa questão se faz presente em 6 Segundo Tomaz Tadeu da S�lva (2000, p. 65): “Hegemonia - Na teoria 
política mais geral, significa simplesmente ‘predomínio político’. Na 
teoria educacional crítica é utilizado a partir da conceptualização 
desenvolvida pelo filósofo italiano Antonio Gramsci, o qual define 
hegemonia como o processo pelo qual um determinado grupo social 
garante o domínio político da sociedade. Para Gramsci, este domínio 
depende da construção de um consenso social, obtido através da 
construção de categorias culturais que acabam por se transformar em 
senso comum (...)”. 
7 Para uma anál�se das questões ep�stemológ�cas e metodológ�cas relat�vas 
à pesqu�sa qual�tat�va em Ps�colog�a do Desenvolv�mento, consultar 
Madure�ra e Branco (2001). 
 8 Cód�gos ut�l�zados na transcr�ção das entrev�stas: (...) = pausa longa 
na fala ... = pausa breve na fala _____ = ênfase na(s) palavra(s) 
subl�nhada(s) [?] = uma palavra �n�ntel�gível [???] = ma�s de uma pa-
lavra �n�ntel�gível * = “hum, hum”, “ham, ham”, expressão que �nd�ca 
que a pesqu�sadora está acompanhando a fala do(a) part�c�pante (ou 
v�ce-versa) (risos) = r�sos por parte da pesqu�sadora e do(a) part�c�pante 
( risos -.....) = r�sos por parte da pesqu�sadora ou do(a) part�c�pante.
86 Ps�c.: Teor. e Pesq., Brasíl�a, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
A. F. A. Madureira e A. M. C. U. A. Branco
termos prospect�vos, ou seja, através do rece�o de se sent�r 
d�scr�m�nado em momentos futuros. Esse rece�o é ver�ficado 
na at�tude de ev�tar expl�c�tar a própr�a or�entação sexual 
(pr�nc�palmente na famíl�a e no trabalho), a fim de não gerar 
s�tuações constrangedoras. 
O rece�o em expl�c�tar a própr�a or�entação sexual9, emum contexto soc�ocultural ma�s amplo atravessado pela ho-
mofob�a, está assoc�ado à construção de uma rede �ntr�ncada 
de “d�tos” e “não-d�tos” que �mpl�ca em um certo grau de 
amb�gü�dade nas relações soc�a�s, requerendo um menor ou 
ma�or �nvest�mento pessoal em relação ao ocultamento da 
própr�a or�entação sexual. L�dar, no cot�d�ano, com essa rede 
�ntr�ncada de “d�tos” e “não-d�tos” representa, em d�ferentes 
graus, um foco de ans�edade, de sofr�mento psíqu�co, a�nda 
ma�s se cons�derarmos o esforço contínuo que demanda 
ocultar a or�entação sexual de pessoas com quem se tem forte 
vínculo afet�vo (fam�l�ares, am�gos/as). 
A construção dessa rede é ev�denc�ada, por exemplo, 
em relação à própr�a or�entação sexual, por exemplo, na 
entrev�sta com Fabríc�o (25 anos; nome fictíc�o). Nela, o 
part�c�pante adotou uma d�v�são clara entre o seu grupo de 
am�gos: de um lado, os seus am�gos heterossexua�s; de outro 
lado, os seus am�gos homossexua�s: 
“Sabe, entre aspas, né, entendeu*, eu já apresente� am�-
go... é... gay meu pra am�go hetero meu*, mas sem nenhum 
saber que um é e o outro é*, entendeu, cê apresenta aqueles 
que não dão mu�ta p�nta, como d�zem, né*, que não chamam 
mu�ta atenção*... [???] vou apresentar, por exemplo... um 
desses am�gos meus que adora... é... tem festa a fantas�a, é 
do�do pra botar uma peruca, um sut�ã e sa�r de sa�nha, né* 
(r�sos – Ana Fláv�a), então, ele dá, tem altos treje�tos e não se� 
o que, eu não vou apresentar um desses pro... pessoal hetero, 
porque, com certeza, va� dar falatór�o**, com certeza*. Então, 
dá d�v�são, já fiz festa em casa que eu chame� os do�s*, sem 
o menor problema, nenhum* desconfiou do outro*, quer 
d�zer, você dá um toque antes, né*: olha... geralmente pros 
gays, pros heteros não prec�sa av�sar, ó... o pessoal que tá lá 
não sabe*, quero que cont�nue ass�m, então*... beleza, não 
se� o que.”
“Porque, pô, a gente sofre mu�to, né*, pra enfrentar esse 
t�po de relação*. É... e se você não t�ver uma cabeça boa... 
pouquíss�mos são os que agüentam*... levar... a v�da ass�m 
tranqü�la, tendo que conv�ver com gente que é, com gente 
que não é*,tendo que dar suas ment�r�nhas aqu� e al�, pra 
consegu�r* fazer tudo co-ex�st�r d�re�t�nho*. Tem gente que 
ode�a, eu conheço gente que, putz, quer sa�r, tem que d�zer 
pro pa� que tá �ndo sa�r com a fulan�nha pra �r na boate e va� 
sa�r com o namorado... �sso parte a pessoa em qu�nze, de 
ment�r pro pa�, pra mãe* e não se� o que.”
Para o part�c�pante parece que não há outra opção: “é a 
questão de você ter que ter duas v�das”. Nesta entrev�sta ficou 
ev�dente a ex�stênc�a daquela rede de “d�tos” e “não-d�tos”, 
a qual demanda certos cu�dados para sua manutenção. Cabe 
destacar, também, a ut�l�zação freqüente pelo part�c�pante da 
terce�ra pessoa do plural, “eles” (“as pessoas” ou “tem gente 
que...”) para expressar o sofr�mento v�v�do por mu�tos(as) 
que não são heterossexua�s. Pela repet�ção freqüente desta 
temát�ca, levantamos a h�pótese que o part�c�pante real�zou 
uma espéc�e de deslocamento (da pr�me�ra pessoa do s�n-
gular, “eu”, para a terce�ra pessoa do plural, “eles”) para 
expressar o seu própr�o sofr�mento. Esta entrev�sta �lustra a 
complexa relação entre as estratég�as ut�l�zadas no cot�d�ano 
para l�dar com o preconce�to e a d�scr�m�nação e a questão 
do sofr�mento psíqu�co. 
Em amb�entes em que expressar a própr�a or�entação 
sexual nas relações soc�a�s é uma questão potenc�almente 
problemát�ca (em d�ferentes níve�s), part�c�par da “comu-
n�dade gay” – compreend�da de forma genér�ca como os 
lugares de d�versão e conv�vênc�a voltados para o públ�co 
homossexual e b�ssexual – adqu�re um papel �mportante. 
Cabe quest�onarmos: até que ponto a expansão de produtos 
e serv�ços voltados para o públ�co gay em centros urbanos, 
como Brasíl�a, representa um �ndíc�o de transformação 
soc�al?
Anal�sando a “comun�dade gay” em Brasíl�a, esta parece 
representar: 
a) uma estratég�a concreta, s�tuada h�stór�ca e cultural-
mente, para que as pessoas que apresentam uma �dent�dade 
sexual não-hegemôn�ca se s�ntam proteg�das do preconce�to 
e da d�scr�m�nação, que também perm�te a elas desenvol-
verem um sent�mento de pertenc�mento a um grupo soc�al 
de referênc�a (processos �dent�tár�os) e, desta forma, não se 
sent�rem �soladas; 
b) o fortalec�mento de um setor do comérc�o voltado a 
uma cl�entela específica (gays e lésb�cas de classe méd�a/
alta), com um poder aqu�s�t�vo cons�derável (a ma�or�a não 
tem que gastar, por exemplo, com a educação de cr�anças), 
o que torna este ramo de negóc�os bastante lucrat�vo;
c) uma estratég�a que, anal�sada de perto, não colabora 
efet�vamente na transformação soc�al na med�da em que 
mantém “cada um no seu lugar”, ou seja, não coloca em 
xeque o preconce�to e a d�scr�m�nação em s�, mantendo as 
fronte�ras s�mból�cas que separam o “un�verso heterossexual” 
do “un�verso homossexual”. 
Reconhecemos a �mportânc�a em termos �dent�tár�os dos 
lugares de d�versão e conv�vênc�a voltados para aqueles(as) 
que apresentam uma �dent�dade sexual não-hegemôn�ca, em 
um un�verso marcado pela homofob�a. Todav�a, levantamos 
sér�as dúv�das em relação a seu potenc�al transformador.
A d�vers�dade de or�entações sexua�s é separada, d�v�d�da, 
c�rcunscr�ta a determ�nados espaços fís�cos e soc�a�s: aqu�, 
os(as) heterossexua�s (pelo menos expl�c�tamente), al�, os(as) 
homossexua�s. Ass�m, a d�vers�dade é “adm�n�strada” de uma 
forma bastante eficaz no sent�do de ev�tar possíve�s confl�tos. 
Mas será esta a melhor estratég�a para constru�r uma cultura 
democrát�ca, de valor�zação do outro e da d�vers�dade? Os 
per�gos da segregação estão em toda e qualquer categor�-
9 De acordo com P�erre Bourd�eu (1998/2005, p. 143-144, gr�fo nosso), 
“A forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os 
homossexuais, marcados por um estigma que, à diferença da cor da 
pele ou da feminilidade, pode ser ocultado (ou exibido) (...) A opressão 
como forma de ‘invisibilização’ traduz uma recusa à existência legítima, 
pública, isto é conhecida e reconhecida, sobretudo pelo Direito, e por 
uma estigmatização que só aparece de forma realmente declarada 
quando o movimento reivindica a visibilidade. Alega-se, então, expli-
citamente, a ‘discrição’ ou a dissimulação que ele é ordinariamente 
obrigado a se impor.” 
87Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
Identidades Sexuais Não-hegemônicas e Preconceito
zação ou rótulo entre seres humanos. Ou seja, é necessár�o 
cons�derarmos ser�amente a questão do preconce�to e da 
d�scr�m�nação, tanto na esfera da cultura, das relações soc�a�s, 
como no plano subjet�vo. 
O preconce�to é um fenômeno que apresenta suas raízes 
no un�verso s�mból�co da cultura, nas relações de poder que 
perpassam as d�versas �nstânc�as soc�a�s, apresentando, por-
tanto, uma d�mensão colet�va. Por outro lado, cons�derando 
a gênese soc�al do desenvolv�mento �nd�v�dual – em con-
sonânc�a com a perspect�va soc�ocultural construt�v�sta – o 
preconce�to traz �mpl�cações no plano das �nterações soc�a�s 
e no plano subjet�vo, na forma como o suje�to v�venc�a, em 
termos cogn�t�vos e afet�vos, as suas exper�ênc�as cot�d�anas, 
organ�za a sua compreensão sobre s� mesmo e sobre o mundo 
soc�al em que está �nser�do. 
A d�scr�m�nação corresponde ao preconce�to posto em 
ação. É, justamente, neste sent�do que podemos afirmar 
que as prát�cas d�scr�m�natór�as são sustentadas por �dé�as 
preconceb�das. Apesar da �mportânc�a, em termos analít�cos, 
da d�st�nção entre preconce�to e d�scr�m�nação, ambos se 
encontram bastante v�nculados no cot�d�ano. A relação entre 
preconce�to e d�scr�m�nação é bastante complexa, po�s há 
uma �ntegração entre as esferas da ação, da cogn�ção e da 
emoção. Se a d�scr�m�nação está v�nculada à ação em relação 
a determ�nadas pessoas e grupos soc�a�s, o preconce�to não 
está ancorado apenas na cogn�ção, mas está espec�almente 
ancorado na emoção. 
De forma ma�s específica, a homofob�a, que sustenta 
e é sustentadapor concepções preconce�tuosas e prát�cas 
d�scr�m�natór�as em relação às pessoas que apresentam uma 
or�entação d�st�nta da heterossexual�dade, apresenta tanto 
uma d�mensão soc�al como subjet�va (homofob�a �nternal�-
zada). Tanto homens como mulheres que apresentam uma 
�dent�dade sexual não-hegemôn�ca se const�tuíram enquanto 
suje�tos em contextos soc�ocultura�s marcados, em d�ferentes 
graus, pela homofob�a, por uma concepção de normal�dade 
que exclu� outras poss�b�l�dades de v�vênc�a da própr�a 
sexual�dade. 
A homofob�a �nternal�zada, emoc�onalmente enra�zada, 
no caso das pessoas que apresentam uma or�entação homoe-
rót�ca traz um potenc�al desestruturante em termos subjet�vos, 
ou seja, cons�ste em um foco de sofr�mento psíqu�co (culpa, 
ans�edade, depressão...). Em outras palavras, a v�olênc�a 
s�mból�ca10 subjacente à homofob�a soc�al (plano �ntersub-
jet�vo) reaparece como v�olênc�a contra s� mesmo(a) (plano 
subjet�vo). Além d�sso, pode �mpl�car em uma d�ssoc�ação 
entre os desejos, as fantas�as e as relações afet�vo-sexua�s 
homoerót�cas v�venc�adas e outras d�mensões �mportantes de 
s� mesmo(a). Tal d�ssoc�ação pode ser �lustrada na entrev�sta 
com Renata (25 anos, nome fictíc�o). Sobre a poss�b�l�dade 
de a part�c�pante contr�bu�r, pessoalmente, na luta contra 
o preconce�to e a d�scr�m�nação por or�entação sexual, ela 
afirma que: 
“Eu tento mostrar pra esse lado*, que eu acabei de falar*, é... 
pras pessoas que me conhecem que sabe... que... tudo bem, 
que não são muitas que sabem que eu, que eu seja, entendeu?* 
Mas eu, eu tento mostrar esse lado... é... eu sou, mas... eu tento 
mostrar pra elas que eu sou isso... dentro de quatro paredes, 
ninguém tem nada a ver com isso*, tem eu e a pessoa com quem 
eu tô**... o restante disso, eu tô fazendo um... eu sou uma pessoa 
normal**, entendeu. Então, acho que é, que é por aí, através do 
respeito que você tem com a outra pessoa que você vai dando 
a seguri... a, a ... dando... é... segurança pra pessoa* ver que 
aquilo ali não é nenhum bicho de sete cabeças**... por aí.”
É �nteressante notar a d�ssoc�ação que a part�c�pante real�-
za entre a sua or�entação sexual e as outras d�mensões de sua 
v�da, como se a sua or�entação sexual fosse completamente 
c�rcunscr�ta a “quatro paredes”. Na real�dade, a part�c�pante 
parece “afastar dos olhos” de outras pessoas as suas exper�ên-
c�as homoerót�cas, a fim de se apresentar como uma “pessoa 
normal”. Essa estratég�a torna-se ev�dente quando d�z (com 
ênfase): “eu sou, mas...”. Tal expressão traz em s� a �dé�a de 
sol�c�tação de desculpas pelo que se é, ou, em outras palavras, 
“sou homossexual, mas tenho uma v�da normal”. 
Em últ�ma �nstânc�a, ela percebe a homossexual�dade 
como algo “anormal”, e busca “dr�blar” o preconce�to e a 
d�scr�m�nação tratando de encontrar para s� uma função su-
bl�me: levar as “almas perd�das” do un�verso gay para a �greja 
catól�ca. Os valores catól�cos e fam�l�ares trad�c�ona�s de 
Renata atuam para que ela se esforce em manter uma pretensa 
“harmon�a soc�al”, cr�t�cando o mov�mento gay para ev�tar 
confl�tos entre as pessoas. Tende a enfat�zar a cont�nu�dade 
(e não a transformação) de valores e crenças. Nesse sent�do, 
parece que as alternat�vas ma�s adequadas para alguém em 
sua s�tuação ser�am: a) não expl�c�tar a sua or�entação sexual; 
b) quando expl�c�tar, fazer com que esta seja perceb�da pelos 
outros como uma d�mensão relat�vamente d�ssoc�ada de s� 
(algo c�rcunscr�to a “quatro paredes”). 
Impress�ona, no caso de Renata, o quanto a homofob�a 
�nternal�zada pode conduz�r a uma d�ssoc�ação entre as v�-
vênc�as afet�vo-sexua�s e outras d�mensões �mportantes de 
s� mesmo(a), no que se refere a pessoas que apresentam uma 
or�entação homoerót�ca. 
Uma questão que susc�tou pos�c�onamentos d�vergentes 
nas entrev�stas d�z respe�to à problemát�ca da “prom�scu�da-
de”. As três mulheres apresentaram ma�or homogene�dade 
de op�n�ão sobre o tema, enquanto houve, entre os homens, 
uma ma�or d�vers�dade. Parece, ass�m, que a percepção do 
que vem a ser “prom�scu�dade” é perpassada por questões 
de gênero. Pr�me�ramente cabe destacar que a assoc�ação 
bastante freqüente no �mag�nár�o soc�al entre homossexual�-
dade e “prom�scu�dade” parece estar v�nculada à concepção 
trad�c�onal de que a sexual�dade, fora dos l�m�tes do casa-
mento, ser�a uma sexual�dade “desregrada, sem controle” e, 
portanto, “promíscua”. 
A construção da fem�n�l�dade e da mascul�n�dade ocor-
re não apenas nas relações entre homens e mulheres, mas 
também �ntra-gênero, a part�r do confronto com os contra-
�dea�s de mascul�n�dade e fem�n�l�dade (Parker, 1991). O 
contra-�deal de fem�n�l�dade é a prom�scu�dade, ou seja, tudo 
o que uma mulher não pode ser é “promíscua” (em termos 
populares, ser cons�derada “gal�nha”). Portanto, não é de 
 10 Para uma anál�se aprofundada sobre a v�olênc�a s�mból�ca nas relações 
de gênero e nas relações entre heterossexua�s, gays e lésb�cas, consultar: 
Bourd�eu (1998/2005). 
88 Ps�c.: Teor. e Pesq., Brasíl�a, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 081-090
A. F. A. Madureira e A. M. C. U. A. Branco
se estranhar o mov�mento del�berado das part�c�pantes em 
afastar o rótulo de “prom�scu�dade” de s� mesmas e do 
grupo soc�al a que pertencem (mulheres com uma or�enta-
ção homoerót�ca), deslocando este rótulo para os homens 
que apresentam uma or�entação homoerót�ca: “são eles 
que são promíscuos, nós não somos”. Nas entrev�stas com 
os homens, por outro lado, não houve o mesmo �ncômodo 
unân�me com a questão da “prom�scu�dade”, ou seja, as 
op�n�ões foram ma�s d�vers�ficadas a esse respe�to. 
Outra questão que gerou d�vergênc�as nas entrev�stas 
com homens e com mulheres d�z respe�to à forma como as 
relações afet�vo-sexua�s entre homens e entre mulheres são 
perceb�das. Novamente, observou-se uma ma�or homoge-
ne�dade entre os pos�c�onamentos no grupo de mulheres. 
Para elas, as relações afet�vo-sexua�s entre mulheres são 
perceb�das a part�r de um pr�sma que tende a enfat�zar o 
vínculo afet�vo e/ou a �dent�ficação �ntra-gênero, ou seja, 
a concepção de que as mulheres são “ma�s parec�das entre 
s�”. Entre os homens, houve uma ma�or heterogene�dade 
de pos�c�onamentos. Em nenhuma das entrev�stas com 
homens o vínculo afet�vo e/ou a �dent�ficação �ntra-gênero 
foram �nd�cados como característ�cas defin�doras das re-
lações afet�vo-sexua�s entre homens, como ocorreu entre 
as mulheres. 
Essas d�ferenças de pos�c�onamentos �nd�cam o quanto 
uma categor�a ampla, homossexuais, não é homogênea, não 
apenas por ser formada por suje�tos s�ngulares com uma h�s-
tór�a de v�da part�cular mas também por ser perpassada por 
outras questões (como, por exemplo, questões de gênero, 
etn�a, classe). Apesar de ex�st�rem pessoas que acred�tam 
que os(as) homossexua�s formam um grupo de pessoas que 
v�vem em um mundo à parte, os(as) mesmos(as) são, na 
real�dade, soc�al�zados e se const�tuem enquanto suje�tos 
em um mesmo contexto soc�ocultural amplo. Ass�m, as 
pessoas com �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas não 
estão “�munes” às canal�zações cultura�s marcadas pelas 
questões de gênero. Nas relações afet�vo-sexua�s entre ho-
mens, a expectat�va de at�tudes assoc�adas à v�r�l�dade e a 
capac�dade de d�ssoc�ação entre sexual�dade e afet�v�dade 
se fazem presentes. 
De forma s�m�lar, no processo de soc�al�zação das mu-
lheres ex�ste a expectat�va soc�al de que a at�v�dade sexual 
seja um canal para afetos que devem perdurar para além 
do ato em s� (He�lborn, 1999). Em outras palavras, ex�ste 
a expectat�va soc�al de valor�zação do vínculo afet�vo e da 
cumpl�c�dade nas relações afet�vo-sexua�s por parte das 
mulheres (tanto nas relações heterossexua�s quanto nas 
relações homoerót�cas). 
No processo de se tornarem homens e mulheres, as 
pessoas com uma or�entação homoerót�ca também deverão 
l�dar com a mult�pl�c�dade de s�gn�ficados cultura�s, mu�tas 
vezes antagôn�cos, sobre os l�m�tes leg�t�mados soc�almente 
do que vem a ser a mascul�n�dade e a fem�n�l�dade. Em um 
sent�doamplo, as questões de gênero cumprem um papel 
estruturante na forma como as pessoas l�dam com seus afe-
tos, cons�go mesmas, como se pos�c�onam em suas relações 
afet�vo-sexua�s e nas suas relações soc�a�s.
Os resultados da pesqu�sa �nd�cam a �mportânc�a da arti-
culação, no estudo das identidades sexuais não-hegemônicas, 
entre as questões de gênero, as questões relacionadas às 
orientações sexuais e a constituição da subjetividade em 
contextos socioculturais complexos. Com �sso será possível 
constru�r uma compreensão ma�s ampla e contextual�zada, 
tanto sobre as �dent�dades sexua�s, como sobre as �dent�da-
des de gênero. Compreensão út�l, �nclus�ve, na luta polít�ca 
travada tanto pela m�l�tânc�a fem�n�sta, como pela m�l�tânc�a 
GLTB (Gays, Lésb�cas, Transgêneros e B�ssexua�s). 
Considerações Finais
No presente art�go anal�samos algumas questões refe-
rentes à construção das �dent�dades sexua�s não-hegemô-
n�cas, a part�r da perspect�va soc�ocultural construt�v�sta. 
Infel�zmente, os espaços de d�álogo entre a Ps�colog�a e as 
C�ênc�as Soc�a�s a�nda são mu�to l�m�tados. Vár�os fatores 
contr�buem para a manutenção desse d�stanc�amento, como, 
por exemplo, a d�ficuldade (res�stênc�a?) em conceber 
a Ps�colog�a como c�ênc�a humana, soc�al, e não como 
c�ênc�a b�ológ�ca. Outro fator para o d�stanc�amento entre 
a Ps�colog�a e as C�ênc�as Soc�a�s cons�ste no “olhar �nd�-
v�dual�sta” que trad�c�onalmente atravessou a Ps�colog�a. 
É fundamental, po�s, superarmos o “olhar �nd�v�dual�sta” 
e real�zar pesqu�sas sobre as questões de gênero e sexual�-
dade, no contexto de um d�álogo �nterd�sc�pl�nar, para que 
se ev�tem concepções reduc�on�stas e pol�t�camente �ngê-
nuas, ancoradas no “porto seguro” do d�scurso b�oméd�co 
trad�c�onal. 
Por últ�mo, gostaríamos de menc�onar a Resolução 
No1/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de 23 de 
março de 199911, que estabelece normas de atuação para 
os(as) ps�cólogos(as) em relação à questão da or�entação 
sexual. Em consonânc�a com esta Resolução do CFP, a 
Ps�colog�a deve colaborar na superação de concepções 
preconce�tuosas e de prát�cas d�scr�m�natór�as em relação 
às �dent�dades sexua�s não-hegemôn�cas. 
A real�zação de novas pesqu�sas sobre esta temát�ca 
é, portanto, de suma �mportânc�a. Ta�s pesqu�sas devem 
subs�d�ar a atuação de profiss�ona�s d�versos e dos(as) 
ps�cólogos(as) nos d�st�ntos campos de �ntervenção profis-
s�onal (nas escolas, nos consultór�os, nas comun�dades, nas 
organ�zações...). Afinal, os conhec�mentos produz�dos pela 
Ps�colog�a podem – e devem – colaborar na transformação 
soc�al, na construção de uma cultura democrát�ca de valo-
r�zação da d�vers�dade em todos os níve�s. 
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Recebido em 06.03.2006
Primeira decisão editorial em 13.06.2006
Versão final em 30.06.2006
Aceito em 15.08.2006
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