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Flavio Jose Souza Silva Micaela Alves Rocha da Costa FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS 60-80 © Universidade Positivo 2019 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 – Campo Comprido Curitiba-PR – CEP 81280-330 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa: © Thinkstock / © Shutterstock. Presidente da Divisão de Ensino Reitor Direção Acadêmica Gerente de Educação à Distância Coordenação de Metodologia e Tecnologia Autoria Parecer Técnico Supervisão Editorial Projeto Gráfi co e Capa Prof. Paulo Arns da Cunha Prof. José Pio Martins Prof. Roberto Di Benedetto Rodrigo Poletto Profa. Roberta Galon Silva Prof. Flavio Jose Souza Silva Profa. Micaela Alves Rocha da Costa Profa. Cristiane Gonçalves de Souza Felipe Guedes Antunes Regiane Rosa Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Positivo – Curitiba – PR DTCOM – DIRECT TO COMPANY S/A Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. Sumário CAPÍTULO 1 - A QUESTÃO SOCIAL: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E SEUS REFLEXOS NA ATUALIDADE 10 Objetivos do capítulo 15 Tópicos de estudo 15 Contextualizando o cenário 16 1.1 Transformações societárias e os impactos nas relações sociais 16 1.1.1 Revolução Industrial e as mudanças nas relações de trabalho 16 1.1.2 O processo de instauração do capitalismo industrial 18 1.1.3 A pauperização da classe trabalhadora 19 1.1.4 As relações contraditórias entre capital e trabalho no capitalismo 19 1.2 Concepções sobre a questão social do ponto de vista da Igreja 22 1.2.1 Influência do pensamento religioso na manutenção da estrutura social 22 1.2.2 Ação social da Igreja e as encíclicas papais 23 1.3 Processo de politização das contradições capitalistas e reconhecimento da questão social 25 1.3.1 A organização política dos trabalhadores 25 1.3.2 A influência dos intelectuais ligados à crítica social 26 1.3.3 O reconhecimento da questão social pela classe trabalhadora 28 1.4 A questão social na contemporaneidade e suas expressões na sociedade brasileira 28 1.4.1 Definição de questão social 29 1.4.2 Principais expressões da questão social na atualidade 30 Proposta de atividade 31 Recapitulando 31 Referências 31 CAPÍTULO 2 - ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS DE 1960 A 1980 NO BRASIL 33 Objetivos do capítulo 34 Tópicos de estudo 34 Contextualizando o cenário 34 2.1 Período democrático popular e a questão social 35 2.1.1 Jânio Quadros (1961) 35 2.1.2 João Goulart (1961-1964) (SANTOS, 2012) 37 2.2 A questão social e a primeira fase da ditadura militar 38 2.2.1 As principais reivindicações da classe trabalhadora 39 2.2.2 As propostas de enfrentamento das manifestações 40 2.3 A segunda fase da ditadura militar e o controle sobre a questão social 41 2.3.1 Políticas sociais desenvolvidas no período 42 2.3.2 Movimentos sociais no final da década de 1970 43 2.3.3 A questão indígena no período da ditadura militar 44 2.4 Questão social e a política de austeridade militar a política de austeridade militar 45 2.4.1 Principais índices sociais do período 46 2.4.2 20 anos de ditadura militar e o acirramento das expressões da questão social 47 Proposta de atividade 48 Recapitulando 48 Referências 48 CAPÍTULO 3 - O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA AUTOCRACIA BURGUESA 50 Objetivos do capítulo 51 Tópicos de estudo 51 Contextualizando o cenário 51 3.1 Capitalismo dependente e a autocracia burguesa 52 3.1.1 Sistema econômico brasileiro e a dependência econômica 52 3.1.2 Elites brasileiras e o desenvolvimento econômico 53 3.2 Golpe militar (1964) 55 3.2.1 EUA e a contrarrevolução 55 3.2.2 Brasil subdesenvolvido e dependente 57 3.3 Autocracia burguesa e o modelo dos monopólios 58 3.3.1 Manutenção do esquema de acumulação capitalista 58 3.3.2 Funcionalidade política e econômica do Estado e a burguesia 60 3.4 Autocracia burguesa e o mundo da cultura 61 3.4.1 Enquadramento do sistema educacional 62 3.4.2. Política cultural da ditadura 62 3.4.3 Controle e censura 64 Proposta de atividade 66 Recapitulando 66 Referências 66 CAPÍTULO 4 - DITADURA MILITAR E A QUESTÃO SOCIAL 68 Objetivos do capítulo 69 Tópicos de estudo 69 Contextualizando o cenário 69 4.1 Política econômica do período militar 70 4.1.1 Resultados econômicos do período ditatorial 71 4.1.2 Inflação e poder de compra 72 4.1.3 O milagre econômico 73 4.1.4 Fundo Monetário Internacional (FMI) 74 4.2 Indicadores sociais do período 75 4.2.1 Taxas de natalidade e de mortalidade 76 4.2.2 Analfabetismo e evasão escolar 76 4.2.3 Saneamento básico 77 4.2.4 Taxas de empregabilidade 78 4.3 As políticas sociais e o trato com a questão social 78 4.3.1 Política de Habitação (BNH) 79 4.3.2 Políticas voltadas à infância e à juventude 79 4.3.3 A política de saúde 80 4.4 Ditadura militar e a crise do petróleo 81 4.4.1 Programa de energias brasileiro 81 4.4.2 Programa nacional do álcool (Proácool) 82 4.4.3 Fortalecimento da Petrobrás 82 Proposta de atividade 83 Recapitulando 83 Referências 83 CAPÍTULO 5 - A PRÁTICA PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DO POPULISMO (1961-1964) 84 Objetivos do capítulo 85 Tópicos de estudo 85 Contextualizando o cenário 85 5. 1 A prática profissional 85 5.1.1 Principais acontecimentos do período democrático-popular 86 5.1.2 Emergência de uma nova prática profissional 87 5.2 Movimentos sociais no governo de Jânio Quadros 89 5.2.1 Movimento de educação de base (MEB) 89 5.2.2 Movimento de cultura popular (MPC) 90 5.2.3 Ligas camponesas e sindicatos rurais 91 5.3 O serviço social e o Estado 93 5.3.1 O Assistente social como funcionário do Estado 93 5.3.2 Objeto profissional do assistente social 94 5.3.3 Deslocamento do eixo do indivíduo para o da comunidade 95 5.4 O Desenvolvimento de comunidade (DC) 96 5.4.1 A metodologia do DC no Brasil 97 5.4.2 DC no Brasil: caráter político, crítico e clássico 98 Proposta de atividade 99 Recapitulando 99 Referências 100 CAPÍTULO 6 - O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR (1964-1985) 102 Objetivos do capítulo 103 Tópicos de estudo 103 Contextualizando o cenário 103 6.1 Ditadura militar e o serviço social 104 6.1.1 O regime militar e o Impacto sobre os profissionais 105 6.1.2 O cerceamento à liberdade dos profissionais do serviço social 107 6.2 As possibilidades de atuação profissional 108 6.2.1 Requisição do profissional do serviço social no período 109 6.2.2 As principais atividades desenvolvidas por assistentes sociais 110 6.3 Políticas sociais e atuação profissional 111 6.3.1 Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PNP) 112 6.3.2 Projeto Rondon e Centros Sociais Urbanos (CSU’s) 114 6.4 A Política de integração social 116 6.4.1 Legião Brasileira de Assistência (LBA) 117 6.4.2 Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) 118 Proposta de atividade 118 Recapitulando 118 Referências 119 CAPÍTULO 7 - O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DA NOVA REPÚBLICA (1986-1989) 120 Objetivos do capítulo 121 Tópicos de estudo 121 Contextualizando o cenário 121 7.1 A transição democrática e o saldo dos governos militares 121 7.1.1 A crise e a falência dos Estados 122 7.1.2 A inexistência de condições de intervenção profissional 123 7.1.3 Situação econômica do período 124 7.2 Reorganização do serviço social 125 7.2.1 O Serviço social e movimentos sociais 125 7.2.2 A Assembleia Nacional Constituinte e a possibilidade de participação popular 127 7.3 O serviço social no contexto da constituição cidadã 128 7.3.1 Seguridade social 129 7.3.2 Saúde universal 130 7.3.3 Previdênciacontributiva 132 7.3.4 A assistência social ganha status de política pública 133 Proposta de atividade 135 Recapitulando 135 Referências 136 CAPÍTULO 8 - AS PARTICULARIDADES DO FAZER PROFISSIONAL E SEUS SIGNIFICADOS (1960-1980) 137 Objetivos do capítulo 138 Tópicos de estudo 138 Contextualizando o cenário 138 8.1 Espaço institucional e espaço profissional 138 8.1.1 Espaço sócio-político das instituições sociaiss 139 8.1.2 As alternativas de ação em espaços públicos e privado 141 8.2 Participação e poder 142 8.2.1 Formas de participação utilizadas na época 142 8.2.2 O processo de planejamento e consulta popular 145 8.3 Estratégias e táticas utilizados pelos profissionais 146 8.3.1 Estratégias de grupos populares e o movimento operário 146 8.3.2 As mobilizações e as relações de forças 148 8.4 Os centros sociais urbanos e a prática profissional 148 8.4.1 A expansão capitalista e a integração social 149 8.4.2 As relações de poder e o relacionamento do/a assistente social com a população 151 Proposta de atividade 153 Recapitulando 153 Referências 154 FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS 60-80 CAPÍTULO 1 - A QUESTÃO SOCIAL: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E SEUS REFLEXOS NA ATUALIDADE Micaela Alves Rocha da Costa 10 Compreenda seu livro: Metodologia Caro aluno, A metodologia da Universidade Positivo apresenta materiais e tecnologias apropriadas que permitem o desenvolvimento e a interação entre alunos, docentes e recursos didáticos e tem por objetivo a comunicação bidirecional entre os atores educacionais. O seu livro, que faz parte dessa metodologia, está inserido em um percurso de aprendizagem que busca direcionar a construção de seu conhecimento por meio da leitura, da contextualização teórica-prática e das atividades individuais e colaborativas; e fundamentado nos seguintes propósitos: • valorizar suas experiências; • incentivar a construção e a reconstrução do conhecimento; • estimular a pesquisa; • oportunizar a reflexão teórica e aplicação consciente dos temas abordados. Compreenda seu livro: Percurso Com base nessa metodologia, o livro apresenta os itens descritos abaixo. Navegue no recurso para conhecê-los. 1. Objetivos do capítulo Indicam o que se espera que você aprenda ao final do estudo do capítulo, baseados nas necessidades de aprendizagem do seu curso. 2. Tópicos que serão estudados Descrição dos conteúdos que serão estudados no capítulo. 3. Contextualizando o cenário Contextualização do tema que será estudado no capítulo, como um cenário que o oriente a respeito do assunto, relacionando teoria e prática. 4. Pergunta norteadora Ao final do Contextualizando o cenário, consta uma pergunta que estimulará sua reflexão sobre o cenário apresentado, com foco no desenvolvimento da sua capacidade de análise crítica. 5. Pausa para refletir São perguntas que o instigam a refletir sobre algum ponto estudado no capítulo. 6. Boxes São caixas em destaque que podem apresentar uma citação, indicações de leitura, de filme, apresentação de um contexto, dicas, curiosidades etc. 7. Proposta de atividade Sugestão de atividade para que você desenvolva sua autonomia e sistematize o que aprendeu no capítulo. 8. Recapitulando É o fechamento do capítulo. Visa sintetizar o que foi abordado, retomando os objetivos do capítulo, a pergunta norteadora e fornecendo um direcionamento sobre os questionamentos feitos no decorrer do conteúdo. • • • • 11 9. Referências bibliográficas São todas as fontes utilizadas no capítulo, incluindo as fontes mencionadas nos boxes, adequadas ao Projeto Pedagógico do curso. Boxes Navegue no recurso abaixo para conhecer os boxes de conteúdo utilizados. Afirmação Citações e afirmativas pronunciadas por teóricos de relevância na área de estudo. Assista Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações complementares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. Biografia Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. Contexto Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstram a situação histórica, social e cultural do assunto. Curiosidade Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado. 12 Dica Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. Esclarecimento Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. Exemplo Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto abordando a relação teoria-prática. Apresentação da disciplina Intrínseca à ordem do capital, a questão social, compreendida como a contradição entre capital e trabalho, é um elemento fundamental para o entendimento do Serviço Social e para a atuação dos assistentes sociais. A questão social permite a compreensão da totalidade por meio de uma análise crítica, comprometida com o projeto ético- político profissional e a classe trabalhadora. Considerando sua centralidade para o Serviço Social, se faz necessário entender os antecedentes históricos da questão social, a influência dos setores conservadores sob seu conteúdo no passado, as lutas travadas entre as classes sociais e o processo de politização que culminou na compreensão utilizada na contemporaneidade, bem como os desafios impostos para sua leitura e entendimento na formação e no exercício profissional. Como se sabe, o profissional de Serviço Social é contratado para enfrentar, cotidianamente, as diversas expressões da questão social que estão presentes em todos os âmbitos de atuação: na família, na educação, na saúde, na assistência social, na previdência social, na área sócio jurídica, entre tantos outros espaços. Convidamos o leitor para fazer uma viagem histórica que enfatiza a importância da questão social para a profissão na contemporaneidade. A autoria Micaela Alves Rocha da Costa Assistente social e mestra em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Ética e Direitos (GEPTED) e Questão Urbana, Rural, Ambiental, Movimentos sociais e Serviço Social (QTEMOSS) da mesma universidade. Tem experiência na área da formação profissional, movimentos sociais, assistência social e regularização fundiária. Currículo Lattes: < >.http://lattes.cnpq.br/2156820038707892 13 http://lattes.cnpq.br/2156820038707892 Para todas as mulheres da classe trabalhadora, que cotidianamente questionam e enfrentam as barreiras do patriarcado, do machismo, do racismo na ordem do capital e sonham com uma vida sem medo. Flávio José Souza Silva O professor Flávio José Souza Silva é Assistente Social, com mestrado em Serviço Social, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ministra aulas na graduação e na pós-graduação em Serviço Social, nas disciplinas vinculadas ao debate dos Fundamentos Teórico-Histórico-Metodológico, desde 2017. Currículo Lattes: < >.http://lattes.cnpq.br/4767941845483534 14 http://lattes.cnpq.br/4767941845483534 À literatura de Clarice Lispector, à poesia erótica de Hilda Hilst, às canções de Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso e as interpretações de Elis Regina e Maria Bethânia. Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Compreender as bases conceituais a respeito da questão social. • Reconhecer o processo histórico que levou ao nascimento das contradições entre capital e trabalho. • Identificar as diferentes expressões da questão social na sociedade contemporânea. Tópicos de estudo • Transformações societárias e os impactos nas relações sociais • Revolução Industrial e as mudanças nas relações de trabalho. • O processo de instauração do capitalismo industrial • A pauperização da classe trabalhadora. • As relações contraditórias entre capital e trabalho no capitalismo. • Concepções sobre a questão social do ponto de vista da Igreja.• Influência do pensamento religioso na manutenção da estrutura social. • Ação social da Igreja e as encíclicas papais. • Processo de politização das contradições capitalistas e reconhecimento da questão social. • A organização política dos trabalhadores. • A influência dos intelectuais ligados à crítica social. • O reconhecimento da questão social pela classe trabalhadora. • A questão social na contemporaneidade e suas expressões na sociedade brasileira. • • • • • • • • • • • • • • • • 15 • Definição de questão social. • Principais expressões da questão social na atualidade. Contextualizando o cenário A compreensão acerca da base conceitual da questão social sofreu diversas modificações ao longo da história do Serviço Social brasileiro, sendo um objeto de luta teórica e política das forças que estiveram presentes na categoria profissional desde 1930 até a atualidade. Inúmeros elementos foram determinantes para o direcionamento da questão social, enquanto objeto de trabalho do assistente social, como a influência doutrinária da Igreja, a aproximação com os movimentos sociais e partidos políticos, a politização das contradições do capital, entre outros. Todas essas influências incidiram diretamente sobre o pensar e o fazer profissional, provocando uma série de mudanças importantes para o Serviço Social contemporâneo. Diante de tantas lutas travadas, a politização da questão social contribuiu para a formação e para a prática profissional na atualidade? Por quê? 1.1 Transformações societárias e os impactos nas relações sociais Desde a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, no final do século XVIII e início do século XIX, o mundo do trabalho vem sofrendo inúmeras transformações oriundas da ordem do capital, que tem dinamizado seu funcionamento e consequentemente, tem modificado toda a sociedade e suas relações sociais. Essas transformações demarcam o avanço da ordem capitalista, permeada por contradições e, sobretudo, pelo aprofundamento da luta de classes. O entendimento acerca dos antecedentes históricos da questão social e seus rebatimentos na contemporaneidade, em que iremos tratar neste capítulo, se torna um elemento de fundamental importância para a compreensão dos desafios impostos pela realidade e que estão no horizonte de trabalho do/a assistente social em formação. 1.1.1 Revolução Industrial e as mudanças nas relações de trabalho O processo de acumulação do capital teve na Revolução Industrial uma nova fase de fortalecimento e difusão em âmbito mundial. A industrialização começou na Europa, no início do século XIX, em que todo o trabalho artesanal e manufatureiro foi substituído pela utilização de máquinas à vapor e carvão, possibilitando a maior praticidade, rapidez, produção de mercadorias e, consequentemente, a maior lucratividade para a burguesia. Nesta época, a população inglesa, que vivia no campo, passou a migrar para as cidades, em busca de melhores condições de vida e assim constituíram grandes polos urbanos, em meio ao desenvolvimento econômico e social das cidades. • • 16 Fonte: © Marzolino / / Shutterstock. A seguir, clique nas abas e conheça mais sobre as condições e mudanças da época: Economia A economia da época passou a ser aquecida através de trocas comerciais com outros países, exploração da mão de obra dos trabalhadores, aumento da produção de mercadorias com o advento da maquinaria, desenvolvimento dos centros urbanos, reprodução das relações sociais, etc. Mercado e liberalismo O mercado passa, então, a regular o modo de produção das mercadorias e o modo de reprodução das relações sociais através da perspectiva liberal. O liberalismo considera que, “[...] cada indivíduo agindo em seu próprio interesse econômico, quando atuando junto a uma coletividade de indivíduos, maximizaria o bem-estar coletivo” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 56). Para tanto, os ideais liberais tinham como pressupostos centrais alguns valores que legitimavam a exploração de uma classe sob a outra. Dentre suas principais características podemos destacar, conforme apontam Behring e Boschetti (2008): Pressupostos centrais de exploração de uma classe sobre a outra. O avanço do liberalismo ocorreu em larga escala ao longo dos continentes, ainda que com particularidades próprias de cada país e modificaram substancialmente o modo de viver e produzir da humanidade. O 17 tensionamento de interesses entre a classe trabalhadora e a burguesia aumentaram, de acordo com a organização destes e na medida em que a produção e a exploração iam se desenvolvendo. No âmbito do trabalho, as mudanças operadas com o processo de industrialização significavam, a maior exploração dos trabalhadores e a exposição a condições insalubres e perigosas nas fábricas e, para a classe dominante, um enriquecimento maior e a valorização da indústria, bem como da produção. 1.1.2 O processo de instauração do capitalismo industrial A partir do desenvolvimento da maquinaria, o capitalismo inaugura sua fase industrial, extrapolando os limites do tempo e do espaço através da sua produção e reprodução. A relação entre o trabalhador e o trabalho ganha certas nuances oriundas da ordem então vigente, determinadas pelo avanço da tecnologia industrial. Assim, o trabalho passa a ser fragmentado e alheio ao acompanhamento e entendimento dos trabalhadores. De acordo com Santos (2012, p. 57) “os trabalhadores deixam de construir o produto em todas as suas etapas, e passam a atuar, através de operações monótonas e repetitivas, como uma pequena peça da engrenagem da manufatura”. Frente à grande absorção dos trabalhadores pelas indústrias, as condições trabalhistas não garantiam a saúde dos operários, tampouco, uma remuneração condizente às suas necessidades básicas. Mulheres e crianças compunham a massa de trabalhadores expostos a mais adversas situações, conforme aponta Marx (1980, p. 450- 451), [...] Tornando supérflua a força muscular, a maquinaria permite o emprego de trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto, mas com membros flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista ao empregar a maquinaria foi a de utilizar o trabalho de mulheres e das crianças. Assim, de poderoso meio de substituir o trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou- se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e de idade, sob o domínio direto do capital. Para, além destas condições, os operários também permaneciam ameaçados pela considerável quantidade de pessoas que estavam disponíveis para assumir seus lugares nas fábricas, compondo o exército industrial de reserva. No modo de produção capitalista, há a produção de uma massa de trabalhadores empregados, como também há o aumento da população excedente que permanece desempregada e que provoca o acirramento da correlação de forças entre as classes sociais. Como estratégia para desmobilizar a classe trabalhadora, a burguesia passa a utilizar o exército industrial de reserva para afetar a organização dos operários em seus locais de trabalho, dificultando as greves e demais atividades com a ameaça permanente do desemprego. ASSISTA Assista ao filme , com Charles Chaplin, que ilustra a vida dos trabalhadores Tempos Modernos após a Revolução Industrial. 18 1.1.3 A pauperização da classe trabalhadora Neste período histórico de consolidação do capitalismo industrial, a questão social é identificada pela sociedade como expressão das desigualdades sociais e a vigência de um forte pensamento liberal apregoava que cada indivíduo deveria buscar as melhorias das próprias condições de vida, sendo responsável por tal. Para tanto, sem condições objetivas e subjetivas de enfrentar a pauperização, a classe trabalhadora padecia frente a exploração pela classe dominante, que se expressava nas péssimas condições de saúde, habitação, alimentação; na degradação moral e intelectual dos trabalhadores, entre outras (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006). Ademais, é importantedestacar que os acidentes de trabalho, envolvendo a morte de operários ou seu adoecimento, físico e mental, eram muito comuns no cotidiano dos locais de trabalho. Ou seja, dentro e fora das fábricas a condição da classe trabalhadora no capitalismo industrial era um constante movimento de sobrevivência. 1.1.4 As relações contraditórias entre capital e trabalho no capitalismo As transformações nas relações sociais na ordem do capital industrial desvelaram uma série de contradições próprias dessa sociabilidade. Enquanto a classe dominante lucrava com as indústrias, mercadorias e melhoria na qualidade de vida, a classe trabalhadora vivenciava a opressão e a exploração, vendendo sua força de trabalho de forma barata e em condições sub-humanas. Fonte: © AjFile / / Shutterstock. PAUSA PARA REFLETIR Qual a relação entre o pensamento liberal e o agravamento da pobreza e da desigualdade social no período da Revolução Industrial? 19 A estratégia utilizada pelos trabalhadores para enfrentar essa situação foi por meio de greves e mobilizações nos locais de trabalho. O fortalecimento dos sindicatos na fase do capitalismo industrial foi fundamental para alcançar conquistas e direitos sociais. Conforme aponta Iamamoto e Carvalho (2006, p. 66), [...] Esta luta pela sobrevivência se expressa também em confrontos com o capital, na busca de reduzir o processo de exploração, com vitórias parciais, mas significativas da classe trabalhadora. De forma a garantir a exploração dos trabalhadores, a burguesia enfrentada pelos sindicatos fazia pequenas concessões que foram essenciais para o fortalecimento da luta operária. Aumento dos salários, melhores condições de trabalho com carga horária definida, legislação trabalhista, entre outras conquistas foram importantes vitórias proletárias, que possibilitaram outros avanços. Uma das estratégias utilizadas pela burguesia para frear o avanço das lutas sindicais foi a tentativa de trair e controlar os trabalhadores. O corporativismo dentro dos limites da empresa foi amplamente utilizado pela classe dominante para minar os avanços dirigidos pelos trabalhadores. Esse processo de conscientização dos processos de desigualdades sociais foi determinante para a politização da classe trabalhadora e se configura como um importante marco histórico para a luta de classes e para o enfrentamento à ordem capitalista, considerando que “[...] foram as lutas sociais que romperam o domínio do privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública” (IAMAMOTO, 2012, p. 160). ASSISTA Assista ao filme que conta a história dos trabalhadores da Europa no período daGerminal, Revolução Industrial, no século XIX, e a importância das greves para o fortalecimento da luta e dos direitos da população. 20 Fonte: © Mopic / / Shutterstock. No Brasil, as relações contraditórias entre capital e trabalho surgem com outra configuração, considerando as expressões do capitalismo competitivo, como a permanência de traços herdados de um passado colonial e escravocrata (ALMEIDA, 2016). A burguesia brasileira se consolida enquanto classe dominante sem qualquer compromisso com os avanços civilizatórios e com os direitos da população. Avanços civilizatórios e direitos da população. 21 Com base em ações repressivas, as lutas encampadas contra a pauperização por parte dos trabalhadores eram enfrentadas duramente pelo Estado liberal. Conforme aponta Almeida (2016), somente alguns trabalhadores, ligados à área da agroexportação, desfrutavam de algum tipo de reconhecimento permitido pela cidadania burguesa. Aos demais trabalhadores, não era permitido nenhum tipo de avanço ou reconhecimento. Esse cenário de violência e pobreza passa a ser alterado com a intervenção da Igreja Católica, como veremos a seguir. 1.2 Concepções sobre a questão social do ponto de vista da Igreja Os inúmeros problemas sociais, fruto da contradição entre o capital e o trabalho, constituíam um cenário bastante conhecido pela classe trabalhadora. A intensificação da pobreza, da miséria e o aprofundamento da desigualdade social mostravam as condições de sobrevivência em que havia ausência de acesso a serviços de saúde, educação, escassez de alimentação e de condições dignas de trabalho. Nesse contexto, a organização política dos trabalhadores em face à exploração na qual estavam expostos passou a ganhar atenção por parte de setores importantes da Igreja Católica e da burguesia. A pauperização, antes completamente ignorada, adentra as esferas da classe dominante e se transforma em pauta na agenda de setores importantes da sociedade. 1.2.1 Influência do pensamento religioso na manutenção da estrutura social A intervenção da Igreja Católica frente à questão social é um marco histórico importante para as lutas da classe trabalhadora e para o surgimento do Serviço Social. Frente à acentuada exploração a que eram expostos os trabalhadores e as inúmeras lutas sindicais realizadas por estes, a questão social passa a ser considerada como uma ameaça aos valores da sociedade burguesa, como a moral e os bons costumes. A secularização presente na época, ganhava espaço entre a população e intimidava os mais diversos setores da classe dominante. PAUSA PARA REFLETIR Por qual motivo a questão social ganha destaque entre a burguesia e a Igreja Católica? 22 De acordo com Iamamoto e Carvalho (2006, p. 126) “[...] em torno da “questão social” são obrigadas a posicionar- se as diversas classes e frações de classes dominantes, subordinadas ou aliadas, o Estado e a Igreja”. Dessa forma, as lutas sindicais começam a ter respostas, ainda que paliativas, dos setores da burguesia, que compreendem a importância da intervenção junto à classe trabalhadora para minimizar aspectos da contradição gerada no processo de exploração capitalista. A coerção e integração para a população passa a ser estratégia de ação da burguesia frente ao contexto em tela. 1.2.2 Ação social da Igreja e as encíclicas papais A Igreja Católica, na tentativa de se fortalecer e recuperar sua ação junto à população, resgata dois instrumentos importantes para inspirar as ações católicas no enfrentamento a secularização oriunda dos movimentos operários: as encíclicas papais e Quadragésimo Ano.Rerum Novarum Fonte: © Shawn Hempel / / Shutterstock. Estas duas encíclicas são cartas escritas por autoridades católicas e tem por finalidade dialogar sobre acontecimentos da sociedade sob a ótica religiosa. Segundo Iamamoto (2013, p. 21), “[...] para a Igreja, a questão antes de ser econômico-política, é uma questão moral e religiosa”. Com isso, entende que somente umasocial, sociedade pautada em princípios cristãos pode realizar a justiça social para toda a sociedade. ESCLARECIMENTO A secularização é o termo utilizado para denominar o processo de transformação quando se passa do domínio religioso para o leigo. 23 Questões sociais. A seguir, clique e conheça mais sobre essa questão religiosa. Rerum Novarum A escrita pelo Papa Leão XVIII em maio de 1891, aborda as questões trabalhistas referentes aRerum Novarum, revolução industrial e ao direito de greve. No documento dirigido a todos os membros da Igreja, o Papa reconhece e defende o direito da organização dos trabalhadores, bem como os direitos da burguesia através da propriedade privada; condena as ações socialistas e critica a secularização crescente na sociedade. Encíclica Quadragésimo Ano A encíclica Quadragésimo Ano, escrita pelo Papa Pio XI em maio de 1931, tem como foco uma análise acerca da sociedade e a importância de reconstruir a ordem social. Nesta encíclica, escrita na época da Grande Depressão (a crise de 1929), o pontífice reitera a condenação ao socialismo, bem como ao comunismo, alguns ideais populares presentes em diversos países no mundo. Além disso, enfatiza a importância dos valores morais para a fé cristã e para a reforma dos costumes da sociedade. A carta também comenta aspectos econômicos e políticos, orientando que as atividades econômicas devem ser orientadaspelo bem coletivo e não somente pelo bem individual da classe dominante. Considerações em comum 24 As duas encíclicas apontam considerações em comum, visto que “[...] impõe-se ação doutrinária e organizativa com o objetivo de livrar o proletariado das influências da vanguarda socialista do movimento operário e harmonizar as classes em conflito a partir do humanismo cristão” (IAMAMOTO, 2006, p. 21). Para tanto, de forma a apaziguar a luta entre a classe dominante e o proletariado, a Igreja tenta intervir na expressão da questão social, apelando para os valores morais da ordem capitalista. A organização das lutas sociais por parte dos operários abre espaço para a pressão da sociedade pelo reconhecimento dos mínimos sociais e esse processo cria as condições para o estabelecimento de uma nova conjuntura política e social. 1.3 Processo de politização das contradições capitalistas e reconhecimento da questão social No tensionamento entre a ação repressiva do Estado e a tentativa de acolhimento e integração pelos setores da burguesia e da Igreja Católica, a classe trabalhadora compreende o poder da mobilização e organização dos operários e sua força dentro da luta de classes. A organização política ganha espaço nos locais de trabalho entre homens e mulheres, bem como nos demais espaços da vida social. A influência política de outros países inspira diversos líderes sindicais e trabalhadores a se organizarem cada vez mais, e enfrentar a burguesia, questionando as bases da profunda desigualdade social e o crescente pauperismo. O constante conflito entre burguesia e proletariado trouxe muitas consequências para o entendimento da questão social por toda a sociedade conforme veremos a seguir. 1.3.1 A organização política dos trabalhadores O processo de organização dos trabalhadores foi determinante para a politização da questão social e seu enfrentamento nos mais diversos espaços da sociedade. A miséria a que os trabalhadores estavam expostos era alarmante, conforme apontam historiadores e sociólogos da época. De acordo com Iamamoto e Carvalho (2006, p. 129), os trabalhadores “[...] amontoam-se em bairros insalubres, junto às aglomerações industriais, em casas infectas, sendo muito frequente a carência – ou mesmo falta absoluta – de água, esgoto e luz”. No trabalho, além das condições precárias, o desemprego era um elemento ameaçador, visto que comprometia a única renda possível dos trabalhadores. A pressão exercida pelo exército industrial de reserva reforçava o tensionamento desta situação. PAUSA PARA REFLETIR Qual a importância da organização política dos trabalhadores no reconhecimento da questão social? 25 Fonte: © Jacob_09 / / Shutterstock. Essas condições de vivência e de trabalho, mobilizam a classe trabalhadora a se organizar em defesa de melhorias. O processo de politização da questão social começa a ganhar mais espaço entre estes, desenvolvendo a consciência política do proletariado. Reuniões nos locais de trabalho, formações políticas, discussões acerca das melhorias nas fábricas passam a ser pautas construídas coletivamente entre os trabalhadores. O desencadeamento dessa organização política assume formas diferenciadas nos mais diversos estágios de seu desenvolvimento (IAMAMOTO, CARVALHO, 2006). Algumas organizações ganham destaque no processo organizativo do proletariado, como é o caso das Ligas Operárias. As articulações políticas entre os trabalhadores passam a fortalecer suas pautas e bandeiras no enfrentamento a burguesia, além de permitir a criação de outras organizações coletivas em prol do trabalho e das melhores condições de vida. Todavia cabe indicar que a repressão estatal e patronal frente as reivindicações foi um elemento bastante presente na luta de classes neste período, mas que não refreou os ânimos da população frente à miséria e o pauperismo. 1.3.2 A influência dos intelectuais ligados à crítica social No processo de politização dos trabalhadores e da questão social, cabe destacar a influência de intelectuais que contribuíram significativamente neste processo. No âmbito mais geral, podemos destacar o trabalho de pensadores tais como Friedrich Engels, Karl Marx, Vladimir Lênin, Antonio Gramsci, Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, entre outros. DICA As Ligas Operárias organizavam trabalhadores dos mais diversos espaços e tinham como pauta central a defesa de seus interesses. 26 Pensador alemão Friedrich Engels Fonte: © vkilikov / / Shutterstock. 27 Esses autores realizaram grandes análises para o entendimento das contradições entre o capital e o trabalho, além de contribuir com outros elementos importantes para a luta de classes, como a economia política, as relações sociais, a sociedade, etc. No Brasil, temos grandes análises realizadas por Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Darcy Ribeiro que possibilitaram a compreensão da crítica social em temas de relevância para toda a sociedade e para o país e que contribuíram para a organização da luta dos trabalhadores em diferentes épocas. No âmbito do Serviço Social, destaca-se a contribuição de José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Ivanete Boschetti, Elaine Behring, Yolanda Guerra, Ana Elizabete Mota, Silvana Mara de Morais dos Santos, Maria Inês Souza Bravo, entre outros inúmeros autores e autoras que possibilitaram o entendimento do processo de constituição da questão social no modo de produção capitalista. 1.3.3 O reconhecimento da questão social pela classe trabalhadora As particularidades sócio históricas e políticas do Brasil não acompanham o mesmo o tempo histórico de outros países. Dito isso, é importante considerar que embora a questão social tenha ganhado espaço de discussão e enfrentamento em outras sociedades, no Brasil ela se manifesta diferentemente e com uma organicidade própria. É apenas no início do século XX, que a questão social se coloca como questão política para o conjunto dos trabalhadores brasileiros. Segundo Behring e Boschetti (2008, p. 78), “[...] a criação dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classes e expressa a correlação de forças predominante”. Questões sociais e políticas. Para tanto, a partir da organização política coletiva os trabalhadores puderam apreender as contradições existentes entre o capital e o trabalho, as consequências desta relação desigual, oriunda do processo de acumulação capitalista, para a sociedade e assim pensar em estratégias para tensionar a luta entre a classe dominante e o proletariado. A politização da questão social permitiu que os trabalhadores pudessem entender seu papel, enquanto sujeito histórico e revolucionário, frente aos ditames impostos pela burguesia. Esta, historicamente descompromissada com os direitos sociais e democráticos para a população, passou a fazer concessões para os trabalhadores, para não perder sua legitimidade e poder. 1.4 A questão social na contemporaneidade e suas expressões na sociedade brasileira Com o fortalecimento do capitalismo monopolista, período em que se adensa o desenvolvimento tecnológico, a ampliação do mercado e a luta de classes na sociedade, a questão social se torna mais complexa. Considerando 28 que no período de seu surgimento, a questão social era apenas voltada apenas ao debate acerca das condições de trabalho dos operários, a partir desta época, as relações trabalhistas ficam cada vez mais determinadas pelo mercado, influenciadas pelos interesses financeiros e tensionadas pela luta dos trabalhadores. Esse contexto permeado por inúmeros elementos faz com que a questão social se torne mais complexa. Por isso, entender o modo de funcionamento da ordem do capital permite, aos profissionais do Serviço Social, uma maior compreensão da totalidade e do seu funcionamento no processo de constituição das relações sociais. As inúmeras expressões da questão social, como por exemplo, o desemprego e o consequente aumento da pobreza e da violência, sinalizam os desafios postos para o Serviço Social, na medida em que incita o aumento do número de usuários das políticassociais e, consequentemente, a atuação do assistente social no atendimento destas demandas. Estes desafios que se fazem presentes no cotidiano profissional em uma conjuntura marcada pelo retrocesso dos direitos sociais, direitos trabalhistas e a consequente diminuição e precarização das políticas sociais. 1.4.1 Definição de questão social Após compreender a dinâmica do desenvolvimento histórico e das contribuições dos intelectuais ligados à crítica social, é importante reconhecer a centralidade da questão social para o Serviço Social, seja na formação ou na prática profissional. Partindo de uma análise contemporânea, pautada no método marxista, [...] o desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social” – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da ‘questão social’. Ele a toma não como um desdobramento indesejável ou temporário, mas uma dimensão constitutiva do desenvolvimento do capitalismo (NETTO, 2006, p. 81). Clique nas abas a seguir para continuar aprendendo sobre a questão social: • A questão social é inerente ao modo de produção capitalista Faz parte de sua estrutura de produção e reprodução e na medida em que o capital se modifica (a partir do desenvolvimento tecnológico, por exemplo), a questão social ganha mais um elemento que a deixa mais complexa. Dessa forma, ao passo que o desenvolvimento capitalista avança, a questão social também acompanha esse movimento, se tornando cada vez mais complexa. • No Brasil, a questão social apresenta características próprias São características de um país com a economia subordinada aos interesses de outros países e com influências herdadas de um passado escravocrata. Todo esse histórico nos mostra que a colonização do Brasil teve como objetivo primeiro a exploração comercial e não a constituição de uma sociedade. Esse passado tem interferências na nossa realidade e, por isso, compreender as manifestações da questão PAUSA PARA REFLETIR Frente a esse contexto, qual é a relação entre as expressões da questão social e o capitalismo monopolista? • • 29 social pautada na teoria crítica se torna fundamental para que o pensar e o fazer profissional não retornem à moralização da questão social ou ao mero entendimento desta como desigualdade social. 1.4.2 Principais expressões da questão social na atualidade A sociabilidade capitalista, que ora oculta e ora exibe, suas contradições, instiga e desafia os estudantes e profissionais a estarem atentos ao movimento da realidade que se mostra complexo e dinâmico. As principais expressões da questão social estão presentes no mais diversos espaços: na saúde, na educação, na habitação, na cidade, no campo, nos espaços sócio jurídicos, entre outros. Ainda que estejam revestidas com estas novas configurações, a estrutura capitalista mantém a contradição entre o capital e o trabalho. Desvelar estas expressões requer observar a realidade, identificando os processos de luta de classes, de articulação da classe trabalhadora e/ou dos movimentos sociais, as respostas da burguesia e do Estado, entendendo a correlação de forças existentes entre estes sujeitos e nestes espaços. Fonte: © Pixel-Shot / / Shutterstock. A pobreza, a violência, a perda dos direitos historicamente conquistados; o machismo, o racismo, a LGBTfobia; a precarização das políticas sociais, a desqualificação do Estado, a privatização, a corrupção; todos estes elementos são expressões da questão social na contemporaneidade em que o Serviço Social realiza intervenção cotidianamente No entanto, as expressões da questão social não se limitam somente a estes elementos. Pelo contrário, estão imersas na realidade e cabe ao assistente social identifica-las em seu cotidiano, criando estratégias de enfrentamento profissional e na articulação com outras áreas da classe trabalhadora. 30 Proposta de atividade Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Elabore infográfico com os principais acontecimentos históricos que proporcionaram politização da questão social, destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Além de figuras, utilize palavras-chave que retomem o conteúdo do capítulo. Ao produzir seu cartaz considere as leituras básicas e complementares realizadas. Recapitulando Neste capítulo pudemos apreender um pouco mais sobre o surgimento da Questão Social e seus reflexos na atualidade, fazendo um resgate histórico necessário para compreender esta temática. Vimos o avanço tecnológico com a Revolução industrial, na época do liberalismo, trazendo avanços significativos para a sociedade, mas com condições de trabalho desumanas para o conjunto da classe trabalhadora. O agravamento da pobreza e da desigualdade social, fomentaram revoltas e mobilizações por parte dos trabalhadores. Estes se organizaram politicamente, exigindo melhores condições de trabalho, retirando a desigualdade social do âmbito privado das fábricas para a discussão pública pela sociedade. Analisamos a influência da Igreja Católica nesse processo, que teve como reação às manifestações da classe trabalhadora, a proteção da moral cristã e dos bons costumes através das encíclicas papais eRerum Novarum Quadragésimo Ano. Além disso, o Laicato também moveu a questão social do campo das desigualdades sociais, para o campo dos valores morais e religiosos, numa tentativa de apaziguar o tensionamento da luta de classes. Os trabalhadores que estavam organizados politicamente neste contexto de reivindicação, com a influência de intelectuais ligados à crítica social, reconhecem a questão social como uma questão política, considerando que as condições determinadas pela compra e venda do trabalho coletivo estão condicionadas pela interferência de interesses da classe dominante. Desse modo, toda a concepção conservadora da questão social como uma questão voltada à moralidade é enfrentada. A politização das lutas permite a politização da questão social. Na contemporaneidade, apreendemos que a base conceitual da questão social é identificada como a contradição entre capital e trabalho e compõe a estrutura da sociabilidade capitalista, marcadamente desigual entre as classes sociais. A temática das expressões da questão social são elementos presentes na formação e na prática profissional e embora possam de manifestar com uma nova roupagem, são manifestações oriundas e inerentes à ordem do capital. Na contemporaneidade, a ausência de políticas sociais e o enxugamento do Estado contribuem para o agravamento da questão social e se configuram como um dos desafios impostos para o Serviço Social. Referências ALMEIDA, N. L. T. Questão social e Serviço Social no Brasil. In: SILVA, M. L. Oliveira (Org.). Serviço Social no Brasil: São Paulo: Cortez, 2016.História de Resistências e Ruptura com o Conservadorismo. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Fundamentos e História. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2008.Política Social: IAMAMOTO, M. V. Ensaios Críticos. 12. ed. São Paulo: Cortez,Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: 2013. _________. Capital Fetiche, Questão Social e Serviço Social. In: Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: Capital Financeiro, Trabalho e Questão Social. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2012. 31 _________. CARVALHO, R. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2006.Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. MARX, K. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. O Capital. NETTO, J. P. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2006.Capitalismo Monopolista e Serviço Social. O GERMINAL. Direção: Claude Berri. França. 1993. 170min. SANTOS J. S. Particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012.Questão Social: TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplin. EUA: 1936. 87 min.Modern Times, 32 FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS 60-80 CAPÍTULO 2 - ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS DE 1960 A 1980 NO BRASIL Flávio José Souza Silva 33 Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Conhecer os principais acontecimentos do período histórico. • Identificar as propostasde enfrentamento da questão social no período. • Reconhecer as expressões da questão social que se manifestaram no período. Tópicos de estudo • Período democrático popular e a questão social. • Jânio Quadros (1961). • João Goulart (1961-1964). • A questão social e a primeira fase da ditadura militar. • As principais reivindicações da classe trabalhadora. • As propostas de enfrentamento das manifestações. • A segunda fase da ditadura militar e o controle sobre a questão social. • Políticas sociais desenvolvidas no período. • Movimento sociais no final da década de 1970. • A questão indígena no período militar. • Questão social e a política de austeridade militar. • Principais índices sociais do período. • 20 anos de ditadura militar e o acirramento das expressões da questão social. Contextualizando o cenário Neste capítulo, veremos ocorreu o processo de enfrentamento das expressões da questão social no contexto histórico brasileiro entre os anos 1960 a 1980. Assim, nos debruçaremos por um momento histórico compreendido como , como, também, vamos percorrer o período ditatorial e, por fim, particularizar os elementosdemocrático mais centrais que levaram ao enfraquecimento da ditadura militar, expressa pela abertura democrática no Brasil nos fins dos anos de 1970 e entrada da década de 1980. Portanto, nos apropriaremos dos principais acontecimentos desse período histórico, identificando as propostas de enfrentamento da questão social neste contexto. Também veremos a caracterização dessas expressões, partindo do pressuposto de que elas assumiram traços particulares correspondendo à realidade de nossa sociedade à época. Assim, nossa apreensão sobre as expressões da questão social está alicerçada na contradição entre trabalhadores e burgueses, que demanda ao Estado a elaboração de mecanismos interventivos nessa relação desigual. Assim sendo, as expressões da questão social são históricas e tomam, em contexto históricos diferentes, novas formas e expressões. A partir de tal reflexão, surge a seguinte questão: o Brasil viveu, no período ditatorial, uma nova questão social? • • • • • • • • • • • • • • • • 34 2.1 Período democrático popular e a questão social O período que se estende de 1945 a 1960 é designado por Fausto (1997) como em nosso país. Ademocrático sustentação histórica do autor seria a posse, em 1945, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, por meio do voto direto, regido pela Constituição Federal, aprovada em 1946. Porém, como Santos (2012) assevera, este contexto histórico é marcado por uma forte heterogenia nas diversas dimensões da sociabilidade, como a: política, social, econômica, cultural e etc., fruto do início da industrialização pesada no Brasil. A industrialização pesada, especificamente nos anos 1956 a 1961, segundo Fernandes (2006), completa a revolução burguesa brasileira, concluindo a constituição do capitalismo em nosso país. Uma característica, também marcante desse período histórico, foi a inexpressividade das políticas sociais, demonstrando as parcas ações do Estado brasileiro, mesmo em um quadro de profundas e intensas mobilizações rurais e urbanas. Assim, a questão social é “[...] senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe [...] pelo empresariado e o Estado (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 84). Neste contexto histórico, portanto, há novas expressões da questão social no país, mas que ganharam outras configurações nos governos seguintes, como veremos adiante. 2.1.1 Jânio Quadros (1961) Nas eleições presidenciáveis de 1960, Jânio Quadros (1917-1992) venceu a disputa junto com seu vice, João Goulart. Jânio Quadros tornou-se, assim, o vigésimo segundo presidente eleito por meio do voto popular no Brasil. Cabe destacar que no âmbito internacional, o período também ficou marcado por um contexto de grave crise econômica e de grandes disputas ideológicas internacionais, fruto das tensões proporcionadas pela Guerra Fria. CURIOSIDADE Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) foi militar e o décimo sexto presidente do Brasil, no período de 1946 a 1951. ESCLARECIMENTO A Guerra Fria (1945-1991) marca um período histórico, pós-segunda Guerra Mundial, de disputas ideológicas entre os países capitalistas e socialistas, sem a utilização de armamentos bélicos. 35 Segundo Santos (2012), Jânio Quadros foi uma figura ligada a um inexpressivo partido político paulista, que ganhou notoriedade por meio do personalismo e pelo carismático (e popular) discurso de combate à corrupção. Assim, a figura do novo presidente apresentava-se enquanto um , que estaria para além dascorpo estranho disputas entre e . Porém, no governo dele, a incapacidade de conciliação fora logogetulista anti-getulista evidenciando-se. Fonte: © StunningArt / / Shutterstock. O curto governo de Jânio Quadros (durou apenas sete meses, já que ele renunciou em agosto de 1961), foi marcado por diferentes questões. Clique nos ícones e confira. A inabilidade de conciliação em lidar com interesses divergentes entre a esquerda e a direita conservadora. Um quadro polarizado pela Revolução Cubana (1959), a qual traria mais tensões para esse cenário. A Guerra Fria. O grande endividamento econômico herança do governo Juscelino Kubitschek. (SANTOS, 2012). Assim, o curto governo de Jânio não conseguiu mudar os “rumos do país”; falhando na implementação de uma política econômica ortodoxa. Como ressalta Fausto (1997), sem as condições histórico-concretas, para a implementação dos seus projetos, que versavam em uma “reforma institucional”, Jânio Quadros renuncia sem grandes explicações. Em seu lugar, assume o seu vice, João Goulart, como iremos ver a seguir. 36 2.1.2 João Goulart (1961-1964) (SANTOS, 2012) A instabilidade enfrentada pelo Governo Jânio Quadros, como vimos antes, ocasionou a renúncia da presidência do Brasil. Durante 13 (treze) dias, o país foi governado por Ranieri Mazzilli (1910-1975), presidente da Câmara Federal e, como previa a Constituição, assumiu o cargo, tendo em vista que o vice-presidente, João Goulart (1919- 1976), eleito na mesma chapa que Jânio, estava em visita oficial na República Democrática da China. Na figura a seguir, para melhor apreensão, iremos sistematizar esses dados históricos. Contexto histórico do Governo João Goulart O Governo Jango foi marcado por um contexto de forte instabilidade econômica, social, cultural e política, decorrente do forte endividamento do país, durante o governo JK, mas, sobretudo, pela disputa ideológica do contexto da Guerra Fria. Mesmo assim, alguns autores, como é o caso de Santos (2012) e Fausto (1997), apontam que este fora o governo mais progressista da história brasileira, até então. O governo de Jango durou cerca de dois anos e meio, tendo sido caraterizado por um mandato que estava comprometido com medidas denominadas de reforma de base. O propósito delas, como aponta Cardoso (2013), não seria apenas a diminuição da desigualdade social no país, mas também, foco econômico, principalmente se ressaltarmos o interesse pela implementação da reforma agrária. No entanto, a formação social e econômica do país foi marcada por um passado escravocrata de um lado e de uma forte concentração fundiária, de outro. Outro elemento, importante, é que não vivenciamos processos de 37 revolução burguesa, como em outros países de capitalismo avançando. Isto possibilitou na nossa realidade, a constituição de uma burguesia reacionária e conservadora que se impunha, fortemente, contra qualquer modificação na estrutura desigual do nosso país (SANTOS, 2012). Fonte: © Prazis Images / / Shutterstock. Em janeiro de 1964, Jango iniciava uma série de comícios, com o objetivo de espalhar as suas propostas de reformar a base da economia brasileira. Em contrapartida, por meio da radicalização do seu discurso, o seu governo caminha para o fim. As classes médias urbanas brasileiras se sentiam ameaçadas pela radicalização do discurso de Jango e acolheramo discurso que tinha como suporte a l, que tinha porDoutrina da Segurança Naciona vistas a de seus elementos subversivos.purificação da democracia Assim, em 1º de abril de 1964, foi instaurada a Ditadura Militar no Brasil que trouxe consigo novas configurações para a sociedade, como veremos a seguir. 2.2 A questão social e a primeira fase da ditadura militar Aqui, estamos nos apropriando de uma concepção teórica sobre a questão social que tem por base a construção histórica. Assim, a inserção da classe trabalhadora/operária no cenário político, no tocante ao seu reconhecimento enquanto classe ao Estado e a burguesia é essencial (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). Neste sentido, a organização da classe trabalhadora em classe para si (terminologia elaborada por Karl Marx), exigiu a externalização da sua posição desigual no processo produtivo, reivindicando ao Estado a construção de mecanismos que possam, por meio de políticas públicas, amenizar tais desigualdades. Neste sentido, o governo Jango tentou, mas foi impedido pela implementação do golpe militar de 1964. 38 O golpe militar, assim, trouxe repercussões significativas à organização da classe trabalhadora, principalmente no tocante às políticas, em torno do Estado brasileiro, cuja influência foi direta no tratamento das refrações da questão social. Neste sentido, iremos trabalhar, no próximo tópico, quais as reivindicações da classe trabalhadora da época. 2.2.1 As principais reivindicações da classe trabalhadora O contexto social anterior a 1964, marcou a explicitação da questão social na realidade brasileira, impulsionando o Estado por respostas, por meio da construção de alternativas à dependência do Brasil ao capitalismo. No entanto, com a implementação do golpe militar, a elaboração desta alternativa teve que se abortada, em um contexto de forte repressão das entidades classistas operárias, as quais foram fechadas pela intervenção do Estado ditatorial. Segundo Netto (2011), a ditadura militar expressava-se por meio de sua funcionalidade econômica e política, no tocante à reinserção do Brasil no processo produtivo internacional, de forma dependente ao imperialismo estadunidense. Ou seja, um novo padrão de acumulação que resgata e atualiza as formas mais tradicionais e conservadoras do modelo de produção no Brasil, assegurando, assim, um desenvolvimento depende e associado ao imperialismo. ESCLARECIMENTO As categorias classe em si e classe para si fazem partem das elaborações teóricas de Karl Marx (1818-1883), que dizem respeito, no primeiro momento do não reconhecimento da sua posição de classe (classe em si) e do reconhecimento da sua posição de classe (classe para si). PAUSA PARA REFLETIR Qual o motivo de muitos não reconhecerem o golpe de 1964 enquanto golpe, mas sim, como ?revolução de 1964 39 Fonte: © claudenakagawa / / Shutterstock. Assim, as reivindicações da classe trabalhadora brasileira pautadas, sobretudo, na elaboração de um padrão de desenvolvimento nacionalista, que versassem no combate à desigualdade social e apontassem à reforma agrária, foram deixados de lado e sufocados, por meio de uma série de propostas enfrentadoras das manifestações populares, como veremos a seguir. 2.2.2 As propostas de enfrentamento das manifestações Com a instauração da ditadura militar no Brasil, concomitantemente, foram inaugurados processos reafirmando contextos sociais contrarrevolucionários que seriam o do projeto ditatorial em nosso país. Neste sentido, anorte implementação de um capitalismo nacionalista (CARDOSO, 2013) deveria dar espaço para uma direção que apontasse para um capitalismo associado e dependente (NETTO, 2011). Neste sentido, a principal proposta de enfrentamento das manifestações, ou seja, da organização da classe trabalhadora brasileira, versava sobre desmantelamento da organização sindical operária, por meio de forte intervenção estatal, sendo obrigadas ao fechamento e a proibição da imprensa operária. Em resposta, o Estado militar implementou políticas de arrocho salarial e de diminuição do poder de compra dos trabalhadores. Na sistematização a seguir, temos algumas informações, para melhor compreensão deste contexto. PAUSA PARA REFLETIR Para um país como o Brasil, que não vivenciou processos revolucionários burgueses clássicos, o que representa uma contrarrevolução? 40 Políticas do Estado Militar Veja que a questão social, na primeira fase da ditadura militar brasileira, fora intensificada ao contrário, ou seja, houve o aumento das desigualdades sociais. Em contrapartida, o Estado militar intensificou a sua luta contra organização da classe trabalhadora, mas era notório que o Estado deveria aumentar as suas ações na construção de consensos. Portanto, a segunda fase da ditadura seria marcada pelo controle do Estado sobre a questão social, por outras vias, como veremos a seguir. 2.3 A segunda fase da ditadura militar e o controle sobre a questão social A caracterização que marcou o período histórico, durante a ditadura militar brasileira, no processo que trabalhamos, em linhas precedentes, é conhecida como modernização conservadora (NETTO, 2011). Este processo, de forma geral, modernizava o sistema produtivo em nosso país, sem romper com as essências da formação social brasileira: a dependência exterior; o grande latifúndio; e os altos índices de desigualdade social. 41 Fonte: © zef art / / Shutterstock. Assim, a ditadura militar reeditou e intensificou o processo de modernização conservadora, que, como afirma Netto (2011) foi em uma direção claramente monopolista. Neste sentido, a ditadura necessitava criar consensos, em uma perspectiva que alinhasse não apenas repressão, mas também, de assistência à classe trabalhadora. Portanto, percebiam a política social como uma possibilidade de interferir, ideologicamente, no cotidiano da vida dos trabalhadores, como veremos a seguir. 2.3.1 Políticas sociais desenvolvidas no período Neste momento, iremos percorrer algumas características, mesmo que centrais, do padrão de política social no contexto da ditadura militar no Brasil. Em um momento histórico marcado pela perda das liberdades democráticas, de censura, autoritarismo, prisões e tortura “(...) o bloco militar-tecnocrático-empresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de políticas sociais” (FALEIROS, 2000 BEHRING;apud BOSCHETTI, 2011, p. 136). Assim, a ditadura militar estruturou as políticas sociais, com ênfase na saúde, na previdência e, com muito menor importância, a assistência social, por meio da uniformização e unificação (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Cabe ressaltar que não havia a participação da classe trabalhadora nessa estruturação. ESCLARECIMENTO A nossa apreensão sobre o golpe militar no Brasil perpassa o entendimento de que se tratou de um projeto tecnocrático-militar-empresarial-conservador-modernizador. 42 Portanto, a estruturação das políticas sociais, no contexto ditatorial, estaria orientada para atender à lucratividade do capital internacional, pela abertura do campo privado de acesso a estas políticas (como é o caso da saúde e da educação privadas). Ao final dos anos 1970, começaram a aparecer as primeiras fissuras e sinais de esgotamento do projeto social da ditadura. Assim, iremos trabalhar, a seguir, os movimentos sociais que se expressam em decorrência deste desgaste. 2.3.2 Movimentos sociais no final da década de 1970 A década de 1970 foi o momento histórico marcado, durante a ditadura militar, de explicitação do esgotamento do chamado prometido pelos anos de suspensão da democracia. Já em 1974, especificamente, asmilagre brasileiro, fissuras do projeto tecnocrático-modernizador-conservador se objetivavam, em função “(...) dos impactos da economia internacional, restringindo o fluxo de capitais, e também os limites internos” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 137). Essas fraturas expuseram, para o conjunto da sociedade, o esgotamento do padrão de desenvolvimento optado durante a ditadura militar. Assim, o demostrava que seus frutos,muito avessos ao que foramilagre brasileiro divulgado, não seriam redistributivos. Ou seja, trabalhadores e movimento sociais visualizavam uma tendência à crise econômica que se aproximava. Fonte: © first vector trend / / Shutterstock. (Adaptado). PAUSA PARA REFLETIR Quais seriam as orientações portanto das políticas sociais nesse contexto? 43 Ao passo que os movimentos sociais e trabalhadores percebiam a crise do projeto militar, houve a possibilidade de articulação, já no final da década de 1970 e início dos anos 1980, de reestruturação da luta coletiva em torno da redemocratização do Estado brasileiro. A seguir, iremos tratar da questão indígena neste contexto. 2.3.3 A questão indígena no período da ditadura militar O golpe militar de 1964 marcou a história recente do nosso país com muito sangue, torturas, mortes e suspensões das liberdades e dos direitos coletivos e individuais. Para determinados grupos sociais, que estavam associados à marginalização, as repercussões deste processo foram ainda mais intensificadas, em um contexto de expressiva violação dos direitos humanos. Neste momento, nossa proposta consiste em trazer algumas referências, por meio dos dados coletados e apresentado no volume segundo do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014, particularizando a violação dos direitos humanos dos povos indígenas, no período da ditadura brasileira. Fonte: © celio messias silva / / Shutterstock. Segundo o CNV (2014, p. 204) as violações dos direitos humanos dos povos indígenas não foram esporádicas e nem acidentais “(...) elas são sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de políticas estruturais do Estado, que respondem por elas, tanto por suas ações diretas quanto pelas suas omissões”. Segundo o mesmo relatório, como expressão de tais políticas, estima-se que, ao menos, 8.350 (oito mil trezentos e cinquenta) indígenas tenham sido mortos no período de investigação do CNV, dado este que pode ser ainda maior. Para melhor apreensão destas informações, vejamos a seguinte sistematização. 44 Dados da CNV A política do Estado ditatorial brasileiro, assim, era marcada pela ação violenta e arbitrária, mas, também, pela omissão das particularidades deste povo originário. A seguir, iremos trazer alguns elementos que perpassam a Questão Social e a política de austeridade militar. 2.4 Questão social e a política de austeridade militar a política de austeridade militar A ditadura militar em nosso país durou 21 (vinte e um) anos, marcados por momentos econômicos de resseção e de crescimento. O conduziu o país à ideia de quando o aclamado milagre econômico bolo crescesse ele seria repartido (expressão usada à época, pelo então ministro da fazenda, Delfim Neto). No entanto, a repartição com a classe trabalhadora nunca aconteceu. A questão social, assim, fora intensificada pela escolha de políticas sociais austeras, as quais impossibilitavam o combate efetivo contra as desigualdades sociais no país. Desse modo, enquanto a classe trabalhadora esperava a repartição do a mesma era assolada pela austeridade do Estado militar, a destruição do poder de compra dosbolo trabalhadores e o agravamento da situação econômica no país. 45 Fonte: © Timofey Zadvornov / / Shutterstock. Portanto, este contexto histórico foi marcado pela associação de impactos desastrosos na política econômica, mas que só se manteve por meio da manutenção da repressão e da violação de direitos civis e políticos (CARDOSO, 2013). Sendo, assim, a principal estratégia à sua consolidação no país, sobre a égide do imperialismo burguês. A seguir, traremos alguns dos principais índices sociais do período da ditadura militar, a fim de apreendermos as expressões destas políticas austeras ao país. 2.4.1 Principais índices sociais do período A repercussão das políticas de austeridade do período militar expressava-se às avessas do que fora prometido, com o . Objetivamente, a década de 1980 é apontada como uma para o país, tendomilagre brasileiro década perdida vista os parcos avanços econômicos, que na verdade, apresentam-se enquanto retrocessos sociais e econômicos (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). A partir de dados trazidos por Cano (1994, p. 52 BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 139), “(...) os resultados desseapud processo foram terríveis na década perdida brasileira: taxa média de crescimento de 2,1% (na indústria, de 1%); redução da taxa de investimentos e recrudescimento da inflação”. Assim, ao longo da década de 1980, a direção do governo ditatorial foi a emissão de títulos da dívida, elevando cada vez mais os juros e alimentando o processo inflacionário. Vejamos as seguintes sistematizações: Dados da década perdida 46 Dados da década perdida Como podemos visualizar, na sistematização anterior, os patamares de crescimento obtidos, durante o período ditatorial, expressaram uma verdadeira tragédia econômica para o país. A década de 1980, assim, foi caracterizada como uma década perdida, um momento histórico cujo o déficit da ditadura militar objetivava-se de forma violenta e reverberava as expressões da questão social em nosso país. Outro elemento, pontuado por diversos analistas históricos, seria a inflação anual que chegava, ao final da ditadura militar, a níveis extraordinários. Vejamos a seguinte ilustração. Inflação anual no Brasil no período da ditadura militar Como podemos visualizar, na imagem, o Brasil passou, assim, de uma inflação anual de 91,2%, em 1981, para 217,9%, em 1985. Portanto, as incertezas marcaram o fim da ditadura militar em nosso país, que apontou à reabertura democrática e a constituição de novos processos democráticos. A seguir, iremos discutir o acirramento das expressões da questão social no contexto histórico dos 20 anos da ditadura militar. 2.4.2 20 anos de ditadura militar e o acirramento das expressões da questão social Os 21 (vinte e um) anos de duração da ditadura militar no Brasil acirraram ainda mais as expressões da questão social em nosso país. Como exposto, os anos de chumbo (expressão para os anos de ditadura militar), em nosso país, apostaram em um projeto de sociedade que resgatava os traços mais conservadores da formação social e histórica do país, reeditando a dependência e a associação da economia brasileira aos ditames dos interesses imperialistas burgueses. Neste sentido, o acirramento das expressões da questão social (fome, miséria, queda no índice de acesso e manutenção nas escolas, desemprego estrutural e etc.) aconteceu graças ao aumento das desigualdades sociais, fruto de um projeto de nação que se estruturava por meio da austeridade, com vistas de alcançar o milagre 47 e a repartição do bolo com a classe trabalhadora, que foi surpreendida pela destruição da suabrasileiro organização sindical e de políticas sociais austeras. Proposta de atividade Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Elabore um pequeno resumo, de até quatro (4) páginas, destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir seu pequeno resumo, considere as leituras básicas e complementares realizadas, a partir das indicações dadas neste capítulo. Recapitulando Neste capítulo, trabalhamos o tema do enfrentamento da questão social no contexto sócio histórico dos anos 1960 a 1980 no Brasil. Os objetivos consistiram em conhecer os principais acontecimentos históricos, a identificação das expressões da questão social, assim como o reconhecimento destas neste específico momento histórico. Todavia, apesar da ditadura militar apresentar novas configurações nas expressões da questão social, devemos nos atentar que não estamos trabalhando com uma nova questão social, pois, partimos do pressuposto que a essência do modelo de produção capitalista, alicerçada pela socialização da produção e da apropriação privada do que é produzido coletivamente, não é alterada pela historicidade humana. O que se percebe, no entanto, são novas expressões, mas que partem da essência que constitui este modelo de produção. A questãosocial no Brasil é fundada sócio e historicamente no processo de constituição do nosso país, marcado por um passado escravocrata e fundiário. Assim sendo, temos a constituição de uma burguesia conservadora, que não passou por processos revolucionários clássicos, apontando, neste sentido, para projetos contrarrevolucionários, que acentuam as contradições e as desigualdades sociais. O reacionarismo da nossa burguesia, na atualidade, pode ser visto na tentativa de revisionismo histórico que tentam reescrever a nossa história, de golpe para uma revolução. A ditadura militar brasileira, portanto, expressou os ideias e ideais dos setores dominantes, fator reconhecido na negação da participação da classe trabalhadora na gestão e elaboração de políticas sociais. Referências BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. : Fundamentos e História. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.Política Social BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Textos Temáticos. Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV,Relatório: 2014, p. 416. CARDOSO, P. F. G. : os Diferentes Caminhos do Serviço Social no Brasil. Campinas:Ética e Projetos Profissionais Papel Social, 2013. FAUSTO, B. . 5. ed. São Paulo: Edusp, 1997.História do Brasil FERNANDES, F. : Ensaios de Interpretação Sociológicas. 5. ed. Rio de Janeiro:A Revolução Burguesa no Brasil Globo, 2006. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. : Esboço de uma InterpretaçãoRelações Social e Serviço Social no Brasil Histórico-Metodológica. 35. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 48 NETTO, J. P. : uma Análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo: Cortez,Ditadura e Serviço Social 2011. SANTOS, J. S. : Particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012.Questão Social 49 FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: QUESTÃO SOCIAL NOS ANOS 60-80 CAPÍTULO 3 - O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA AUTOCRACIA BURGUESA Micaela Alves Rocha da Costa 50 Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Possibilitar reflexão sobre a hegemonia burguesa com o golpe militar de 1964. • Identificar o significado do golpe militar para a elite brasileira. • Compreender a teoria acerca da autocracia e as teorias das elites. Tópicos de estudo • Capitalismo dependente e a autocracia burguesa. • Sistema econômico brasileiro e a dependência econômica. • Elites brasileiras e o desenvolvimento econômico. • Golpe militar (1964). • EUA e a contrarrevolução. • Brasil subdesenvolvido e dependente. • Autocracia burguesa e o modelo dos monopólios. • Manutenção do esquema de acumulação capitalista. • Funcionalidade política e econômica do Estado e da burguesia. • Autocracia burguesa e o mundo da cultura. • Enquadramento do sistema educacional. • Política cultural da ditadura. • Controle e censura. Contextualizando o cenário A década de 1960 foi um período de grande relevância para a história do Brasil, marcada por um grave retrocesso político: a ditadura militar. Instigada por diversos acontecimentos, que despertaram a ameaça do poder político de setores importantes da burguesia em detrimento do fortalecimento de projetos populares, o golpe militar foi uma resposta às ações acontecidas no país. Estas conquistavam cada vez mais espaço junto à população, além do avanço do comunismo em contexto mundial na época. A maior expressão do período ditatorial no país foram as medidas repressivas contra os movimentos sociais que ousassem questionar o regime: métodos de extrema violência como a tortura física e psicológica, diversos assassinatos, além da censura, do exílio político e a perda de direitos importantes como a cidadania. Além dessa expressão, é importante destacar a regressão da economia que provocou o acirramento da desigualdade social no país. Diante deste contexto surge a seguinte questão: qual o legado da ditadura militar para a história do Brasil e para a contemporaneidade? • • • • • • • • • • • • • • • • 51 3.1 Capitalismo dependente e a autocracia burguesa Para compreender os motivos consolidaram o golpe militar na década de 1960, é importante resgatar a conjuntura histórica do referido período e suas inflexões que firmaram a autocracia burguesa no Brasil. Isto traz, para o Serviço Social, uma série de mudanças de caráter político e instrumental ao longo do tempo. Essas mudanças, se expressaram em diversos âmbitos e culminaram na erosão do projeto conservador no âmbito profissional. Mas por enquanto, esse conteúdo fica reservado para outro momento. Por hora, destacaremos a seguir, os principais elementos históricos, políticos e culturais e que fomentaram a desigualdade social no período. Além disso, estes localizaram o país, durante anos, como um país de regime fechado e de economia dependente. Vamos embarcar nessa pequena viagem histórica? 3.1.1 Sistema econômico brasileiro e a dependência econômica O período que antecede o golpe militar no Brasil apresenta grande influência política e econômica com o contexto internacional, principalmente com a grande potência norte-americana: os Estados Unidos. Por isso, é fundamental compreendermos o contexto disso e suas particularidades no cenário brasileiro, de modo a conceber as consequências do período de consolidação da autocracia burguesa no país. A análise da totalidade se faz imprescindível para entender o local que o Brasil ocupava naquele momento. Ainda durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) houve a implementação do Plano de Metas, um plano de industrialização que se propôs a alavancar a economia do país baseada em três pilares: a energia, a indústria e o transporte. Com o mote 50 anos em 5, o plano dinamizar o avanço do país em um curto período de tempo. Fonte: © violetkaipa / / Shutterstock. 52 Com base nessa expansão, o intercâmbio e a dependência da política econômica externa se tornaram preponderantes para o contexto nacional, de modo que “[...] a capacidade de importar tornou-se dependente do dinamismo das exportações concentradas em commodities minerais e agrícolas, e ainda enfrentou o protecionismo dos países centrais” (IPEA, 2010, p. 10). Inúmeras consequências econômicas e políticas oriundas das ações do governo JK, prolongaram-se até o governo de seu sucessor, Jânio Quadros (1961) e instauraram uma complexa crise que se expressou na renúncia do então presidente frente a este contexto. Dessa forma, o governo de João Goulart (1961-1964), assumiu a responsabilidade de administrar o país, nesse cenário de forte dependência econômica, com um alto índice inflacionário que atingia a população e tensionava os interesses entre os opositores do atual governo. Essa situação exigiu de Jango (como era popularmente conhecido) um plano de governo que pudesse conter o crescimento da inflação e da dívida externa. Os desafios eram inúmeros para resgatar o Brasil de uma grave crise política. A seguir, veremos como era a relação das elites com o desenvolvimento econômico. 3.1.2 Elites brasileiras e o desenvolvimento econômico O governo de Jango passou por dois momentos críticos, desde a sua posse até seus últimos dias. Vamos conhecer mais sobre esses momentos na história das elites e da economia brasileira clicando nas abas a seguir. Limitação de poderes O primeiro momento foi marcado pela limitação de poderes com base em um sistema de governo parlamentarista e “[...] em seguida, recuperada sua plena capacidade governamental, em um sistema de governo presidencialista, em um contexto, contudo, marcado por inegável polarização política, nacional e internacional” (DELGADO, 2010, p. 126). Forças em oposição Dentre as ações promovidas por Jango, que insuflaram a polarização de forças em oposição, podemos destacar as iniciativas de repressão institucional aos movimentos sociais e forças democráticas, por parte de um executivo composto por protagonistas comprometidos com a população (NETTO, 2007). Reforma de base Essas ações incitaram nos setores populares ações unitárias com o objetivo de reivindicar uma reforma de base, em que as decisões governamentais pudessem contar com a participação também dos trabalhadores
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