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noteIA-13-070519

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1. Ideais, quocientes, teorema de isomorfismo
Seja A um anel comutativo unitário. Em particular A é um grupo abeliano
com +; seja I um subgrupo aditivo de A. Como visto no primeiro modulo,
sabemos fazer o quociente A/I = {a+ I : a ∈ A} e sabemos que se trata de um
grupo aditivo abeliano com elemento neutro I = 0 + I. Observe que como visto
no primeiro modulo, x + I = y + I se e somente se x − y ∈ I (lembre-se que em
notação multiplicativa, xN = yN se e somente se y−1xN = N , se e somente se
y−1x ∈ N). Queremos indagar as propriedades que I precisa ter para poder dar
uma estrutura natural de anel a A/I. Já temos uma operação de soma em A/I,
aquela do grupo quociente: (a + I) + (b + I) := (a + b) + I. A definição natural
de produto é (a+ I)(b+ I) := ab+ I com elemento neutro 1 + I.
Imagine que A/I seja um anel bem definido com as operações definidas acima.
Lembre-se que sendo A/I um anel com zero igual a 0+I = I, temos (a+I)(0+I) =
0 + I para todo a ∈ A (pois r · 0 = 0 para todo r ∈ R, se R é um qualquer anel).
Por outro lado x+ I = 0 + I para todo x ∈ I, logo temos (a+ I)(x+ I) = 0 + I
para todo a ∈ A, x ∈ I, em outras palavras ax + I = I para todo a ∈ A, x ∈ I,
isto é, ax ∈ I para todo a ∈ A, x ∈ I.
Definição 1. Um ideal de um anel A é um subgrupo aditivo I de A tal que
ax ∈ I para todo a ∈ A, x ∈ I. Se I é um ideal de A escrevemos I EA.
Por exemplo, é facil mostrar que {0} e A são ideais de A.
Vamos mostrar que se I é um ideal de A então as operações (a+I)+(b+I) =
(a+ b)+ I, (a+ I)(b+ I) = ab+ I fazem de A/I um anel comutativo unitario com
elemento neutro da soma 0 + I = I e elemento neutro do produto 1 + I. Vamos
mostrar isso.
• O produto é bem definido. Sejam a + I = c + I (isto é, a − c ∈ I),
b + I = d + I (isto é, b − d ∈ I) elementos de A/I. Queremos mostrar
que (a+ I)(b+ I) = (c+ I)(d+ I), isto é, que o produto não depende do
representante escolhido. Mas (a+ I)(b+ I) = ab+ I e (c+ I)(d+ I) =
cd+ I, logo temos que mostrar que ab+ I = cd+ I, isto é, ab− cd ∈ I.
Temos ab− cd = a(b−d)+d(a− c) ∈ I pois I é um ideal (em particular,
grupo com +) e b− d, a− c ∈ I e a, d ∈ A. Observe que aqui usamos as
duas propriedades que definem um ideal.
• O produto é associativo:
(a+ I)((b+ I)(c+ I)) = (a+ I)(bc+ I) = a(bc) + I = (ab)c+ I =
= (ab+ I)(c+ I) = ((a+ I)(b+ I))(c+ I).
• Propriedade distributiva:
(a+ I)((b+ I) + (c+ I)) = (a+ I)((b+ c) + I) = a(b+ c) + I = ab+ ac+ I =
= (ab+ I) + (ac+ I) = (a+ I)(b+ I) + (a+ I)(c+ I).
1
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Um homomorfismo de aneis A,B é um homomorfismo de grupos aditivos
f : A → B com as duas propriedades seguintes: f(xy) = f(x)f(y) para todo
x, y ∈ A e f(1) = 1. Observe que a primeira dessas duas propriedades em geral
não implica a segunda pois f(1) = f(1·1) = f(1)f(1) não implica f(1) = 1 se f(1)
não tem inverso em A (lembre que a operação de produto em um anel não é uma
operação de grupo). Um isomorfismo de aneis é um homomorfismo bijetivo. Se
existe um isomorfismo A→ B escrevemos A ∼= B.
O núcleo de f é ker(f) := {a ∈ A : f(a) = 0} e a imagem de f é
Im(f) := {f(a) : a ∈ A}. Já sabemos que f é injetivo se e somente se é injetivo
como homomorfismo de grupos aditivos, e isso vale se e somente se ker(f) = {0}.
• ker(f) é um ideal de A. De fato já sabemos que ker(f) é um subgrupo
aditivo de A, e se a ∈ A e x ∈ ker(f) logo f(ax) = f(a)f(x) = f(a)0 = 0
então ax ∈ ker(f).
• Im(f) é um subanel de B (ou seja Im(f) é um anel com as mesmas
operações de B e os mesmos elementos neutros). De fato 1 = f(1) ∈
Im(f) e se b1, b2 ∈ Im(f) existem a1, a2 ∈ A com f(a1) = b1 e f(a2) =
b2 e b1b2 = f(a1)f(a2) = f(a1a2) ∈ Im(f).
Por exemplo a função π : A → A/I (projeção canonica) definida por
π(a) := a + I é um homomorfismo sobrejetivo de aneis e ker(π) = I. Já vi-
mos no primeiro modulo que π é um homomorfismo de grupos aditivos e que
ker(π) = I, falta mostrar que π respeita o produto e que leva 1 para 1: π(ab) =
ab+ I = (a+ I)(b+ I) = π(a)π(b) e π(1) = 1 + I.
Teorema 1 (Teorema de isomorfismo). Seja f : A → B um homomorfismo
de aneis. Então A/ ker(f) ∼= Im(f) (isomorfismo de aneis!).
Demonstração. Seja I := ker(f). Já sabemos que ϕ : A/I → Im(f)
definida por ϕ(a+ I) := f(a) é um isomorfismo de grupos aditivos (pelo teorema
de isomorfismo visto no primeiro modulo). Falta mostrar que é um homomorfismo
de aneis: temos
ϕ((a+ I)(b+ I)) = ϕ(ab+ I) = f(ab) = f(a)f(b) = ϕ(a+ I)ϕ(b+ I)
e ϕ(1 + I) = f(1) = 1. �
Por exemplo se n é um inteiro então nZ = {nz : z ∈ Z} é um ideal do anel
Z. De fato já sabemos que nZ é um subgrupo aditivo de Z e se a ∈ Z e nz ∈ nZ
então ax = anz = n(az) ∈ nZ.
Por exemplo se A = Q[X] então o conjunto S = {nX : n ∈ Z} não é um
ideal pois X ∈ S mas X2 = X · X 6∈ S (todos os polinômios em S têm grau 1
enquanto X2 tem grau 2). Logo não vale o axioma 2 da definição de ideal neste
caso.
Por exemplo Z ⊆ Q[X] mas Z não é um ideal de Q[X], de fato 1 ∈ Z,
X ∈ Q[X] mas 1 ·X = X 6∈ Z.
1. IDEAIS, QUOCIENTES, TEOREMA DE ISOMORFISMO 3
Definição 2 (Ideal principal). Seja A um anel comutativo unitário. Seja
r ∈ A. O “ideal principal gerado por r” é o conjunto (r) := {rx : x ∈ A}. Se
trata de um ideal de A.
Vamos mostrar que (r) é realmente um ideal de A.
Axioma 1. (r) é um subgrupo aditivo de A, de fato 0 ∈ (r) sendo 0 = r0 e se
rx, ry ∈ (r) então rx+ ry = r(x+ y) ∈ (r), −(rx) = r(−x) ∈ (r).
Axioma 2. Se a ∈ A e rx ∈ (r) então a(rx) = r(ax) ∈ (r).
Por exemplo {0} e A são ideais principais de A sendo {0} = (0) e A = (1).
Por exemplo se A = Z e r ∈ A então (r) = rZ.
Por exemplo se K é um corpo o ideal (X) de K[X] é o ideal
(X) = {XP (X) : P (X) ∈ k[X]}.
Proposição 1. Seja A um anel comutativo unitário. Então A é um corpo
se e somente se os únicos ideais de A são (0) = {0} e (1) = A.
Demonstração. Suponha A corpo e seja I um ideal de A com I 6= (0). Seja
x ∈ I com x 6= 0. Como A é um corpo, x−1 ∈ A, logo xx−1 ∈ I pois I é ideal,
assim 1 ∈ I. Mas se a ∈ A então a = a · 1 ∈ I pois I é ideal e 1 ∈ I. Isso mostra
que A ⊆ I, logo A = I.
Suponha que os únicos ideais de A sejam (0) = {0} e (1) = A. Seja x ∈ A com
x 6= 0 e vamos mostrar que x tem inverso em A. Como x 6= 0, o ideal principal
(x) = {ax : a ∈ A} é um ideal não nulo de A. Como os únicos ideais de A são
(0) e (1), temos (x) = (1), em particular 1 ∈ (x), logo existe a ∈ A tal que ax = 1,
assim a é o inverso de x. �
Logo A é um corpo se e somente se A tem exatamente dois ideais, (0) e (1).
Teorema 2 (Teorema de correspondência). Seja I um ideal de um anel co-
mutativo unitário A. Existe uma bijeção (canonica) A → B entre o conjunto A
dos ideais de A que contêm I e o conjunto B dos ideais de A/I.
Demonstração. Defina ϕ : A → B por ϕ(J) := J/I e ψ : B → A por
ψ(T ) := {a ∈ A : a + I ∈ T}. Primeiro, mostraremos que ϕ e ψ são bem
definidas, isto é, que se J ∈ A então ϕ(J) é um ideal de A/I e que se T ∈ B então
ψ(T ) é um ideal de A contendo I.
• Um elemento de J/I tem a forma x+I sendo x ∈ J . Se x+I, y+I ∈ J/I
então (x + I) + (y + I) = x + y + I ∈ J/I pois x + y ∈ J sendo J um
ideal de A. Além disso, −(x+ I) = −x+ I ∈ J/I pois −x ∈ J sendo J
um ideal de A. Se a+ I ∈ A/I então (a+ I)(x+ I) = ax+ I ∈ J/I pois
ax ∈ J sendo J um ideal de A. Isso mostra que J/I EA/I.
• Sejam x, y ∈ ψ(T ), assim x+ I, y+ I ∈ T . Temos x+ y+ I = (x+ I) +
(y + I) ∈ T pois x + I, y + I ∈ T e T é um ideal de A/I; isso mostra
que x+ y ∈ ψ(T ). Além disso, −x+ I = −(x+ I) ∈ T pois x+ I ∈ T e
T é um ideal de A/I; isso mostra que −x ∈ ψ(T ). Se x ∈ ψ(T ) e a ∈ A
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então ax+ I = (a+ I)(x+ I) ∈ T pois T é um ideal de A/I; isso mostra
que ax ∈ ψ(T ). Isso mostra que ψ(T )EA. ψ(T ) contem I pois se x ∈ I
então x+ I = I = 0 + I ∈ T pois T é um ideal de A/I.
Vamos mostrar que para todo J ∈ A, T ∈ B temos ψ(ϕ(J)) = J e ϕ(ψ(T )) = T .
• Temos ψ(ϕ(J)) = ψ(J/I) = {a ∈ A : a + I ∈ J/I}. a + I ∈ J/I
significa que existe j ∈ J tal que a + I = j + I, isto é, a − j = i ∈ I,
assim a = i + j ∈ J sendo J ⊇ I. Poroutro lado é claro que se a ∈ J
então a + I ∈ J/I. Isso mostra que a + I ∈ J/I é equivalente a a ∈ J ,
logo ψ(ϕ(J)) = {a ∈ A : a ∈ J} = J .
• Temos ϕ(ψ(T )) = {a ∈ A : a + I ∈ T}/I. Vamos mostrar que
ϕ(ψ(T )) = T mostrando as duas inclusões. Se x + I ∈ ϕ(ψ(T )) então
x + I = a + I com a + I ∈ T logo x + I ∈ T ; isso mostra (⊆). Se
t = a+ I ∈ T então a ∈ ψ(T ) logo t = a+ I ∈ ϕ(ψ(T )); isso mostra (⊇).
Logo ϕ e ψ são bijeções (uma a inversa da outra). �
Por exemplo, isso implica que se I E A, o anel A/I é um corpo se e somente
se I é um ideal maximal de A, isto é, os únicos ideais de A que contêm I são I
e A. De fato, como visto acima A/I é um corpo se e somente se os únicos ideais
de A/I são os ideais triviais, I/I = {I} (o ideal nulo) e A/I. Pelo teorema de
correspondência, isso significa que os únicos ideais de A contendo I são I e A.
Seja K um corpo. Os ideais de A = K[X] são principais. De fato se I é um
ideal de A diferente de {0} seja P (X) um polinômio não nulo de grau minimo
em I e seja H(X) ∈ I. Efetuando a divisão com resto entre H(X) e P (X)
obtemos H(X) = Q(X)P (X) + R(X) logo R(X) = H(X) − Q(X)P (X) ∈ I, e
como o grau de R(X) é menor que o grau de P (X) obtemos R(X) = 0 ou seja
H(X) = Q(X)P (X) ∈ (P (X)). Isso mostra que I ⊆ (P (X)) e a outra inclusão é
clara logo I = (P (X)).
Um polinômio não nulo P (X) ∈ K[X] é dito irredut́ıvel se para toda fatoração
P (X) = H(X)Q(X) com H(X), Q(X) ∈ K[X] temos que pelo menos um entre
H(X) e Q(X) pertence a U(K[X]) ou seja é um polinômio constante.
Proposição 2. Seja K um corpo e seja A = K[X]. Se 0 6= P (X) ∈ A o
ideal I = (P (X))EA é maximal em A se e somente se P (X) é irredut́ıvel. Segue
que um quociente K[X]/(P (X)) é um corpo se e somente se P (X) é irredut́ıvel
em K[X].
Demonstração. Suponha I = (P (X)) maximal em A. Se P (X) é um
produto H(X)Q(X) então P (X) ∈ (Q(X)) logo (P (X)) ⊆ (Q(X)) e sendo I
maximal isso implica (Q(X)) = (P (X)) ou (Q(X)) = A. No primeiro caso
Q(X) = P (X)S(X) com S(X) ∈ A logo P (X) = H(X)S(X)P (X) ou seja
P (X)(1 − H(X)S(X)) = 0 e sendo P (X) 6= 0 isso implica 1 − H(X)S(X) = 0
(pela formula do grau de um produto a lei de cancelamento vale em A). Segue
que H(X)S(X) = 1 logo H(X) é um polinômio inverśıvel. No segundo caso
(Q(X)) = A 3 1 logo existe H(X) ∈ A com Q(X)H(X) = 1 logo Q(X) é um
polinômio inverśıvel.
1. IDEAIS, QUOCIENTES, TEOREMA DE ISOMORFISMO 5
Suponha P (X) irredut́ıvel e seja I = P (X). Se I ⊆ J ⊆ A e J é ideal de
A vamos mostrar que J = (P (X)) ou J = A. Podemos escrever J = (Q(X))
logo P (X) = Q(X)H(X) para algum H(X) ∈ A, segue que um entre Q(X) e
H(X) é inverśıvel (sendo P (X) irredut́ıvel) e isso implica J = (Q(X)) = A ou
(H(X)) = A. No segundo caso sendo 1 ∈ A existe S(X) ∈ A com H(X)S(X) = 1
logo P (X)S(X) = Q(X)H(X)S(X) = Q(X) logo Q(X) ∈ (P (X)) = I e isso
implica J = (Q(X)) ⊆ (P (X)) = I. Como a outra inclusão vale por hipótese
deduzimos J = I. �
Exerćıcios.
(1) Um elemento a de um anel comutativo unitário A é chamado de nilpo-
tente se an = 0 para algum n ∈ N. Mostre que o conjunto dos elementos
nilpotentes de A é um ideal de A.
(2) Um elemento e de um anel comutativo unitário A é chamado de idem-
potente se e2 = e. Mostre que A contem idempotentes diferentes de 0
e de 1 se e somente se A é isomorfo a um produto direto de dois aneis
comutativos unitários não triviais, A ∼= X × Y . [Dica: mostre que 1− e
é idempotente e defina X = eA, Y = (1− e)A.]
(3) Se I e J são ideais de um anel comutativo unitário A então defina I+J =
{i + j : i ∈ I, j ∈ J}. Mostre que I + J E A. Defina IJ como sendo
o ideal de A gerado por {ij : i ∈ I, j ∈ J} (a interseção dos ideais
de A contendo {ij : i ∈ I, j ∈ J}). Mostre que se I + J = A então
I ∩ J = IJ .
(4) Seja A um anel comutativo unitário e sejam a, b ∈ A. Considere (a, b) :=
{ax+ by : x, y ∈ A}. Mostre que (a, b) é um ideal de A.
(5) Seja f : A→ B um homomorfismo de aneis comutativos unitários e seja
J um ideal de B. Mostre que f←(J) = {a ∈ A : f(a) ∈ J} é um ideal
de A. É verdade que se I é um ideal de A então f(I) é um ideal de B?
(6) Seja A um anel comutativo unitário e seja f : A[X] → A a função
definida por f(P (X)) := P (0), isto é, f(a0 + a1X + . . .+ anX
n) := a0.
Usando o teorema de isomorfismo, mostre que A[X]/(X) ∼= A.
(7) Escreva e demonstre o teorema de isomorfismo para espaços vetoriais
sobre um corpo K. Se V é um espaço vetorial e W é um subespaço,
V/W = {v + W : v ∈ V } é um espaço vetorial com a multiplicação
por escalar dada por a(v + W ) := av + W (para todo a ∈ K, v ∈ V ).
Calcule dimK(V/W ).
(8) Calcule o núcleo de vi+1 : Q[X]→ C, vi+1(P (X)) := P (i+ 1).
(9) Mostre que existem infinitos primos congruentes a 1 módulo 3. [Dica:
se por contradição são finitos seja m o produto deles, seja P (X) =
X2 + X + 1 ∈ Z[X] e seja p um divisor primo de P (3m). Mostre que
U(Z/pZ) contem um elemento de ordem 3.]

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