Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
No planisfério adquirido pelo italiano Alberto Cantino em Lisboa, em 1502, o Brasil apareceu mais bem caracterizado, como uma faixa litorânea muito verde, alusiva às florestas exploradas pelos negociantes de pau-brasil. O planisfério de Cantino destacou as regiões exploradas pelos portugueses na América, na África e na Ásia. Reprodução/Biblioteca Universitária Estense de Modena, Modena, Itália TERR I TÓR IO ECONÔMICO: OS S I S TEMAS DE ARQUIPÉLAGOS Arquipélagos são conjuntos de ilhas próximas umas das outras, dispostas sobre uma superfície marítima. Utiliza-se esse termo também para analisar um período da história do Brasil em que a economia colonial estava organizada em um sistema de regiões quase autônomas, cada uma delas composta de lavouras de exportação cujos produtos eram drenados por via terrestre aos portos marítimos mais próximos. Essa ideia de arquipélago destaca a falta de unidade territorial entre as regiões. No transcurso do período colonial, a cabotagem foi um elo importante para a circulação de mercadorias entre as regiões litorâneas. No século XVIII, por exem- plo, o charque produzido no atual Rio Grande do Sul era levado ao nordeste da co- lônia por via marítima. No interior, as rotas fluviais também se destacavam, como as que ligavam o centro-oeste a São Paulo. O rio São Francisco era via importante para trocas comerciais entre as capitanias do nordeste. Os caminhos terrestres, por outro lado, eram mais difíceis de percorrer. Muitas estradas não passavam de trilhas no meio da mata que somente os indígenas conheciam e, por isso, eles serviam de guias dos europeus. Muitas expedições foram destroçadas por indíge- nas hostis ou foram vítimas de doenças. No século XVIII, a comunicação terrestre avançou em meio à exploração aurífera, estimulando os caminhos do ouro que ligavam as Minas Gerais ao Rio de Janeiro e à Bahia. Embora seja útil para explicar o circuito entre áreas de economia exportadora e os portos marítimos, além de frisar a quase incomunicabilidade entre elas, o conceito de sistema de arquipélagos não explica tudo sobre o funcionamento da economia colonial, que se coloca de forma muito mais complexa. O historiador brasileiro Caio Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1942), descreveu em detalhes os circuitos internos da economia colonial entre regiões diferentes. O autor discutiu o abastecimento das zonas exportadoras com gêneros alimentícios produzidos no interior, em “lavouras de mandioca”, e a venda de gado criado no interior do atual Nordeste para as regiões açucareiras de Pernambuco e Bahia. Se não chegou a existir um mercado interno articulado, muito menos mone- tizado, houve conexões inter-regionais importantes, sobretudo a partir do fim do século XVI. cabotagem navegação realizada entre portos marítimos de uma mesma costa ou entre eles e portos fluviais. Com a chancela do papa, Portugal e Espanha celebraram, em 1494, o Tratado de Tordesilhas, que estabelecia um meridiano para dividir a posse das terras "descobertas e por descobrir" entre essas duas nações. A França questionou esse decisão durante o século XVI. Por esse motivo, organizou expedições e ocupou o que hoje é a baía de Guanabara, no estado do Rio de Janeiro, entre 1555 e 1570, denominada França Antártica. OBSERVE QUE . . . PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 12. ed. São Paulo: Brasiliense, 1972. 65 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 65V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 65 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM EXPLORAÇÃO ECONÔMICA NOS SÉCULOS XVI E XVII A exploração econômica do território começou, como vimos, por meio do es- cambo do pau-brasil entre os nativos e os portugueses e franceses – que eram rivais nesse comércio com os nativos. O historiador Capistrano de Abreu (1853- -1927) escreveu que, nas primeiras décadas do século XVI, Portugal era dono do litoral brasileiro apenas do ponto de vista legal, amparado na divisão do mundo “descoberto e por descobrir”, fixada pelo Tratado de Tordesilhas entre portugueses e espanhóis. Na prática, segundo o autor, ninguém saberia dizer se a colonização do atual território brasileiro seria feita por franceses ou portugueses, pois havia feitorias de uns e outros espalhadas pelo litoral. O cultivo de cana-de-açúcar foi, de fato, o que tornou essas terras lucrativas para a metrópole, além de incentivar o povoamento do território e fazer valer a posse portuguesa contra as ambições francesas. Além do potencial econômico, o litoral brasileiro tinha importância estratégica, pois o comércio com a Índia, que partia de Lisboa, precisava fazer escala para reparo de navios e reabastecimento da frota. Assim, a Coroa portuguesa dividiu o litoral brasileiro em lotes, chamados capita- nias ou donatarias, concedendo-as a homens de pequena nobreza ou com serviço militar valorizado em nome do rei. Estes recebiam a propriedade hereditária das terras concedidas em troca de defendê-las de piratas, estimular seu povoamento e cobrar impostos para a Coroa sobre as atividades econômicas ali desenvolvidas. Com o tempo, a Coroa retomou a pos- se de algumas donatarias, transforman- do-as em capitanias reais administradas diretamente por funcionários da metró- pole. Esse foi o caso da Bahia, elevada a sede do governo-geral do Brasil em 1548. A organização institucional do territó- rio foi simultânea à sua exploração eco- nômica, com destaque para a economia açucareira. Os colonos comandaram a implantação de lavouras de cana-de- -açúcar e de engenhos para fabricar o açúcar a ser exportado para Portugal e, de Portugal, para outros países eu- ropeus. Essa atividade prosperou em Pernambuco e nas capitanias adjacen- tes, como a da Paraíba e a do atual Rio Grande do Norte (que a ntes era chama- da apenas de Rio Grande), desde os anos 1530, além da Bahia, a partir da década de 1550. Tais regiões possuíam um solo propício para a agricultura canavieira, o massapê. feitorias construções fortificadas ao longo do litoral da América e da África onde os portugueses abasteciam embarcações. Posteriormente, foram transformadas em estruturas de armazenamento de mercadorias. massapê solo fértil, constituído a partir da decomposição de rochas com características minerais de tonalidade escura, como gnaisse e calcário. Mapa das capitanias hereditárias com os respectivos donatários, incluindo a divisão da América do Sul entre as terras de Portugal e as da Espanha conforme o disposto no Tratado de Tordesilhas. TRATADO DE TORDESILHAS E CAPITANIAS HEREDITÁRIAS (SÉCULO XVI ) Trópico de Capricórnio OCEANO ATLÂNTICO Equador 0º 50º O 0 250 km Santana Santo Amaro Itamaracá Piauí Maranhão Pará Espírito Santo Porto Seguro Ilhéus Baía de Todos-os-Santos Rio Grande Pernambuco São Vicente São Vicente São Tomé João de Barros e Aires da Cunha João de Barros e Aires da Cunha Pero Lopes de Sousa Pero Lopes de Sousa Martim Afonso de Sousa Martim Afonso de Sousa Pero Lopes de Sousa Duarte Coelho Francisco Pereira Coutinho Vasco Fernandes Coutinho Jorge Figueiredo Correia Pero do Campo Tourinho Pero de Góis Fernão Álvares de Andrade Antônio Cardoso de Barros Limite entre capitanias Li n h a d e T o rd es ilh as ão Álvares de Andrade Ilha de Santa Catarina Fonte: elaborado com base em CAMPOS, Flavio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas de História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997. p. 7. S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra 66 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 66V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 66 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). Trad. Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2.ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Durante muito tempo, historiadores caracterizaram a economia colonial agro- exportadora como de latifúndios monocultores, isto é, baseada em grandes pro- priedades e exclusivamente voltada para a produção de açúcar nos engenhos ou, em menor escala, de tabaco. No entanto, algumas pesquisas indicaram que a maior parte do açúcar exportado não era produzida em grandes empreendimen- tos, mas em engenhos de médio e pequeno porte. Estudos do estadunidense brasilianista Stuart B. Schwartz (1940-) contradi- zem o predomínio de latifúndios, preconizado por historiadores como Caio Prado Júnior. Segundo Schwartz, havia grandes propriedades canavieiras, cujo dono também possuía engenho para produzir açúcar, e outras menores, que só pro- duziam cana – logo, dependiam dos senhores de engenho para fazer açúcar, pa- gando taxas aos proprietários maiores. Parte das terras s enhoriais era reservada para o plantio de alimentos, como mandioca ou milho, em lavouras de roça. Mais do que isso: desenvolveu-se um mercado interno no interior que provia os enge- nhos e cidades litorâneas, como demonstrou o historiador João Fragoso (1958-). Em todo caso, a mão de obra predominante era de pessoas escravizadas: primeiro, foram escravizados os indígenas nativos até fins do século XVI. Até que foram substituídos pelos africanos escravizados em razão da forte queda demográfica da população indígena, uma catástrofe provocada, sobretudo, por epidemias, em especial a da varíola. Fonte: elaborado com base em THÉRY, Hervé; MELLO-THÉRY, Neli A. de. Atlas do Brasil. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2018. p. 49. ECONOMIA E TERRITîRIO NO SƒCULO XVI 0° 50° O Trópico de Capricórnio OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO Olinda São Paulo Santos Cananeia Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém São Sebastião do Rio de Janeiro Nossa Senhora da Vitória Salvador São Cristóvão Porto Seguro Santa Cruz Natal Filipeia São Jorge dos Ilhéus Espírito Santo Li n h a d e To rd es ilh as Equador Pau-brasil Cana-de-açúcar Pecuária Limites das capitanias hereditárias Domínio português Capitanias reais Cidades e vilas Limites atuais 0 405 km Outra lavoura de exportação importante era a do tabaco, planta nativa do Bra- sil, muito valorizado na época, até mesmo para o tráfico de escravizados afri- canos. A pecuária bovina também se difundiu, com gado de corte e para tração animal de carroças. A criação de cavalos e muares foi introduzida no século XVI. S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra 67 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 67V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 67 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM Detalhe de Engenho de Itamaracá, de Frans Post, 1647 (gravura de 41 cm 3 63,5 cm). A configuração de uma propriedade açucareira de grande porte era complexa, incluindo a casa-grande senhorial, a senzala, oficinas artesanais, currais e o próprio engenho, edifício essencial da empresa escravista. O pintor holandês Frans Post (1612-1680) viveu no Brasil de 1637 a 1644, durante a ocupação holandesa, e produziu uma extensa coleção de telas a óleo e desenhos. Observe a obra a seguir. ■ Em grupos, analisem a imagem e façam um levantamento complementar de informações para redigir um breve resumo que descreva a propriedade colonial açucareira, com destaque para os espaços econômi- cos essenciais, os personagens e as atividades que realizavam. A N A L I S A N D O M E N S A G E N S EXPANSÃO PARA O INTER IOR : OS SERTÕES A interiorização da colonização portuguesa e a consequente diversificação econômica a partir do século XVII implicou o desbravamento dos chama- dos sert›es. Sertões no plural, e não no singular, como se diz hoje, porque assim eram chamados na época os lugares desconhecidos e não povoados pelos portugueses. A historiografia atual indica que os sertões estavam em toda parte: eram florestas ocupadas por grupos indígenas não dominados e incorporadas às capitanias à medida que avançava a colonização. Em contrapartida, nesses locais os colonizadores fundavam pequenas vilas, além de desalojar, escravizar ou matar os povos indígenas que ali existiam. A designação “sertões” na época colonial demons- tra o pragmatismo de uma expansão colonial vacilan- te, o desconhecimento do interior pelos colonizado- res e outras incertezas: sertões do norte, do sul, de dentro e de fora. Enfim, uma nomenclatura incerta e lacunosa do interior do Brasil. R e p ro d u ç ã o /C o le ç ã o p a rt ic u la r 68 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 68V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 68 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM O historiador Capistrano de Abreu, um dos pioneiros no estudo dos sertões coloniais, destacou os “sertões de dentro e de fora” no atual Nordeste, usando termos do século XVII. Da Bahia para o interior eram os sertões de dentro, passando pelo rio São Francisco, rumo às florestas do Ceará e do Maranhão, ao passo que Pernambuco era o ponto de partida para os sertões de fora, ultrapassando o planalto da Borborema no sentido das matas cearenses. A nomenclatura em foco exprimia mais um caminho, uma rota de exploração, do que propriamente uma região. Os sertões de fora, segundo Capistrano de Abreu, ocupavam um trecho entre o interior a oeste do rio Capibaribe e do rio Paraíba, ultrapassava a Borborema e terminava nas matas ribeirinhas do Acaraú e do Jaguaribe, no atual Ceará. No século XVI, a identificação dos sertões era ainda mais incerta. Não por acaso, frei Vicente do Salvador (1564-1636), cronista do século XVII, escreveu: “[…] da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato porque até agora não houve quem a andasse por negligência dos portugueses que, grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de andar arranhando ao longo do mar como caranguejos”. Frei Vicente exagerou nessa opinião, pois, no início do século XVII, os portugueses já se arriscavam nos sertões. ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500–1800. 1. ed. 1907. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988. FREI Vicente do Salvador. História do Brasil (1627). São Paulo: Melhoramentos, 1975. p. 59. O sertão e os sertões O jornalista e militar Euclides da Cunha (1866-1909) acompanhou a expedição contra os rebeldes de Canudos, no interior da Bahia, no fim do século XIX. Em Os sertões, escrito em 1897 durante a expedição e publicado em livro em 1902, tratou somente do caminho para Monte Santo, onde ficava o arraial dos rebeldes. Gilberto Freyre (1900-1987) foi um dos principais intelectuais brasileiros nos campos da Antropologia, Sociologia e História. Sua vasta obra privilegiou a região açucareira do Nordeste, mas também abordou outras regiões e os sertões coloniais. Na obra de Euclides da Cunha, o sertão é uma terra desolada, de clima árido, da caatinga, do juazeiro. É um deserto pontilhado por vilas paupérrimas dispersas na paisagem. A maioria da população era formada por mestiços de índios e negros, chamados cafuzos, mulatos ou cabras. Eram jagunços ou vaqueiros a serviço de grandes criadores de gado. Quanto a Gilberto Freyre, no livro Nordeste, publicado em 1945, lê-se que: a palavra nordeste é hoje uma palavra des�gurada pela expressão obras do nordeste, que quer dizer obras contra as secas. E quase não sugere senão as secas… mas este Nordeste de �guras e homens e bichos de El Greco é apenas um lado do Nordeste… Mais velho que ele é o nordeste de árvores gordas, e sombras profundas, de bois pachorrentos, de gente vagarosa e às vezes arre- dondada quase em sanchos-pan•a pelo mel do engenho. El Greco pintor grego que fez carreira na Espanha do século XVII. Várias de suas obras retratavam figuras alongadas e esquálidas. Sancho-Pança era o gordo escudeiro do cavaleiro Dom Quixote, personagem central de Miguel de Cervantes (1547-1616) na obra O engenhoso fidalgoDom Quixote de La Mancha (1605). CONVERSA DE CONVERSA DE SOCIÓLOGO & FILÓSOFO CUNHA, Euclides da. Os sertões. 33. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987. FREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1989. p. 41. ■ Discuta com os colegas as questões a seguir. a) Que visão cada autor manifesta sobre o Nordeste? b) O que pode explicar duas visões tão diferentes sobre uma mesma região? c) Euclides da Cunha foi o pioneiro, entre os escritores pré-modernistas, a aproximar a Literatura da História. Sua obra Os sertões é conhecida como ‘’a Bíblia da nacionalidade brasileira’’. Apesar disso, o autor escreveu influenciado por teorias deterministas, ultrapassadas hoje em dia. Pes- quisem como o escritor brasileiro traz um alerta sobre os preconceitos racistas tão implícitos na época e transcrevam alguns trechos que comprovem essa visão em Os sertões. 69 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 69V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 69 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM Os protagonistas da expansão territorial na colônia portuguesa foram os bandeirantes, nome derivado de “bandeiras”, entendidas na época como expedições, ora particulares, ora ordenadas por governadores coloniais para capturar indígenas, reprimir nativos considerados hostis e buscar metais preciosos – verdadeira obsessão dos portugueses desde o século XVI. A historiografia tradicional construiu a figura do bandeirante como o aventureiro natural de São Paulo e, mesmo na época, eram costumeiramente chamados de paulistas. Isso porque partiram dali muitas expedições desbravadoras dos sertões ou punitivas de rebeliões. O Quilombo dos Palmares, na serra da Barriga (atual Alagoas) – principal foco de luta contra a escravidão no Brasil colonial –, foi reprimido de vez em 1695 por tropas comandadas pelo paulista Domingos Jorge Velho (1641-1705), contratado pelo governo de Pernambuco para esse objetivo específico. A imagem acima reproduz um bilhete da Loteria Federal, de um sorteio realizado em 1971. Ela traz a ilustração de um bandeirante e um grupo de negros armados. ■ Analisem a imagem em grupos e, com base nas informações do capítulo, façam as atividades seguintes. a) Identifiquem o nome do bandeirante celebrado e o episódio a que se refere a ilustração. b) Pesquisem o regime político vigente no Brasil no início dos anos 1970. c) Relacionem o episódio da história colonial ilustrado no bilhete e a maneira como ele foi representa- do ao contexto brasileiro no concurso da Loteria Federal realizado em 6 de fevereiro de 1971. A N A L I S A N D O M E N S A G E N S Bilhete lotérico brasileiro de 400 mil cruzeiros. Domingos Jorge Velho era português, mas a maioria dos bandeirantes era natural do Brasil. Em geral, eram filhos de indígenas com portugueses – os mamelucos. Muitos eram nascidos e criados em aldeias indígenas, por vezes em missões jesuíticas, e depois passavam a viver no litoral a serviço dos colonizadores. Conheciam melhor do que ninguém as florestas do interior, eram falantes de tupi e de português, sabiam como viver no mato e como retirar do corpo veneno inoculado por cobras, buscar alimentos na mata quando as provisões acabavam, entre outras coisas. A expansão territorial foi liderada por homens nascidos no Brasil, não por portugueses. R e p ro d u ç ã o /A rq u iv o d a e d it o ra 70 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 70V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 70 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM Fonte: elaborado com base em THÉRY, Hervé; MELLO-THÉRY, Neli A. de. Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do território. São Paulo: Edusp, 2009. p. 39. DESLOCAMENTOS TERR I TOR IA IS A partir do fim do século XVII, o eixo da economia colonial alcançou o sudeste do território, com a descoberta de ouro e dia- mantes nas chamadas Minas Gerais. Goiás e Mato Grosso também foram áreas minera- doras. Desse modo, essas três áreas se tor- naram capitanias reais. A economia açuca- reira, por sua vez, continuava ativa. Portanto, não ocorreu uma substituição do ciclo açu- careiro pelo ciclo minerador: as duas econo- mias funcionavam simultaneamente. ECONOMIA E TERRITÓRIO NO SÉCULO XVI I I OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO São Paulo Mariana Sabará Vila Boa Cuiabá Vila Bela Borba Barcelos Olivença Barra do Rio Negro Óbidos Macapá Santarém São Pedro del-Rei Ouro Preto São João del-Rei Porto Alegre Laguna DesterroLajes Curitiba Sorocaba Paranaguá Cananeia Iguape Santos Rio de Janeiro Espírito Santo Vitória Porto Seguro Santa Cruz São Jorge dos Ilhéus Salvador São Cristóvão Penedo Recife Olinda Paraíba Natal Fortaleza Parnaíba São Luís Belém Alcântara Quixeramobim 50° O 0° Equador Cametá Trópico de Capricórnio Ouro e diamantes Drogas do sertão Cana-de-açúcar Pecuária Algodão Eixo de transporte Limites atuais Cidades e vilas 0 530 km São Luís 0° S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra ■ Em grupos, analisem o mapa. Depois, façam uma pesqui- sa para realizar as ativida- des seguintes. a) Qual é a diferença entre ser- tanismo de contrato e caça ao indígena? b) Identifiquem no mapa a principal evidência de que as expedições bandeirantes ampliaram o território do Brasil português. c) De acordo com o mapa, qual era o principal objetivo eco- nômico das expedições ban- deirantes? ANALISAR E REFLETIR BRASIL : PR INCIPAIS BANDEIRAS (SÉCULO XVI I ) 0 425 km 50° O Equador Trópico de Capricórnio 0° OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO Li n h a d e To rd es ilh as Vila Boa Gurupá Salvador São Paulo Taubaté Santiago de Xerez Vila Bela Cuiabá Sabará Vila Rica SETE POVOS DAS MISSÕES TAPE GUAÍRA P asco al Moreira Cabral M an ue l d e B o rb a G at o Fe rn ão D ia s P ae sA. Raposo Tavares A. RaposoTavares B arto lo m eu B ueno da Silva A. Ra posoTa vares Manuel Preto Fe rn ão D ia s Pa es A. Rapo so Ta va re s A nt ôn io Ra po so Ta va res Terras pertencente à Espanha Bandeiras de busca de ouro e diamantes Bandeiras de apresamento de indígenas Limites atuais Missões Terras pertencentes a Portugal Fonte: elaborado com base em ALBUQUERQUE, Manoel M. Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: Fename, 1978. p. 22. S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra 71 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 71V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 71 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM A ORGANIZAÇÃO DO TERR I TÓR IO Como vimos anteriormente, a primeira demarcação do território colonial, em termos institucionais, foi decorrente do sistema de capitanias hereditárias – re- gime que combinava os interesses da Coroa com benefícios particulares dados aos donatários. Algumas capitanias nem sequer chegaram a ser povoadas e re- tornaram à Coroa, como a da Bahia. Outras passaram ao domínio real ao longo do período colonial, como Pernambuco, sendo os donatários indenizados. Algumas capitanias já foram criadas como reais, sem passar pela concessão a particulares, como as do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais. O ESTADO DO BRASIL, NÚCLEO DO BRASIL PORTUGUÊS Em 1548, a Coroa portuguesa superpôs ao poder dos donatários particulares ou governadores reais das capitanias uma estrutura de governo centralizadora. Isso se deu com a criação do Estado do Brasil, primeiro nome do futuro país em sua dimensão territorial. A primeira tentativa de aperfeiçoar a organização administrativa do território luso-brasileiro foi decretada em 1573. A reforma territorial dividiu o Estado do Brasil em duas partes: Repartição do Norte e Repartição do Sul. A Repar- tição do Norte estava sob a autoridade do próprio governo-geral do Estado do Brasil, com sede em Salvador, e englobava as principais capitanias açucarei- ras. Naquela época, aliás, não se usava a palavra “nordeste” para designá-las geograficamente porque o Brasil se limitava a uma extensa faixa litorânea, de modo queessas regiões eram designadas como Capitanias do Norte. O norte do Brasil, na época, não era o Norte atual, que ainda não tinha sido explorado, mas o Nordeste contemporâneo. A Repartição do Sul englobava as terras ao sul da Bahia e tinha por capital o Rio de Janeiro, recém-fundado, em 1565. A cidade foi criada para garantir o domínio português na baía de Guanabara, que chegou a ser ocupada pelos franceses na década de 1560. Tinha governo próprio, mas subordinado ao governador-geral. Além disso, o Rio de Janeiro cuidava de um negócio muito lucrativo, embora ilegal: o comércio com a região do rio da Prata, que englobava partes dos atuais Argentina, Uruguai e Paraguai. A prata produzida no Alto Peru (hoje Bolívia), escoada por esse rio para o Rio de Janeiro, era trocada por escravizados africanos comprados em Angola, na África centro-ocidental. QUESTÕES EM FOCO Economia colonial e formação territorial do Brasil O mapa "Economia e território no século XVIII" (página 71) indica a diversificação da economia colonial no século XVIII, incluindo algumas conexões entre regiões diferentes. ■ Analisem, em grupo, esse mapa econômico para realizar as seguintes atividades: a) Identificar as regiões ocupadas segundo as atividades predominantes em cada uma delas. b) Indicar os eixos de transporte que uniam algumas regiões. c) Discutir se a abrangência da economia colonial no século XVIII permite afirmar a configuração do Brasil como base do futuro território nacional. 72 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 72V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 72 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM BRASIL ESPANHOL: CRIAÇÃO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO Em 1578, o exército português foi derrotado pelos muçulmanos no Marrocos. O jovem rei dom Sebastião morreu na batalha, sem deixar esposa nem filhos. Com isso, Portugal foi anexado pela Espanha, e passou a ser governado também por Filipe II, que se tornou rei de Portugal e de todos os domínios portugueses no ul- tramar: Brasil e regiões em África e Ásia. Os espanhóis fizeram uma nova divisão da América portuguesa, em 1621, crian- do o Estado do Maranhão, mais tarde chamado de Estado do Grão-Pará e Ma- ranhão, que incluía os territórios do extremo norte brasileiro – Maranhão, Piauí, Pará, parte do Amazonas e de outros estados brasileiros, como Roraima e Amapá. O objetivo era organizar a exploração econômica dessa região. A capital do novo estado foi São Luís e, em seguida, Belém. Ambas as capi- tais eram diretamente subordinadas a Lisboa, e não mais à Bahia. A Coroa fez essa divisão respeitando o Tratado de Tordesilhas. Na prática, como sabemos, a fronteira foi atropelada pelo bandeirantismo luso-brasileiro, que adentrou o atual Amazonas. UM BRASIL HOLANDÊS NAS CAPITANIAS AÇUCAREIRAS Outro fato inusitado ocorreu durante a dominação espanhola no Brasil. A Holan- da, inimiga da Espanha, atacou as colônias portuguesas. Fez isso primeiro em 1624, quando tentou conquistar a Bahia, mas foi detida pela resistência local. Na nova tentativa, em 1630, em Pernambuco, obteve êxito. Em 1635, os holandeses já dominavam Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Itamaracá. Destruíram a resistência local, localizada na várzea do rio Ca- pibaribe – o Arraial do Bom Jesus, entre Recife e Olinda. Em 1637, conquistaram Sergipe e fundaram um forte na embocadura do rio São Francisco, em Penedo. No início da década de 1640, avançaram para o litoral do Maranhão e para o Ceará. Essa anexação de Portugal pela Espanha ficou conhecida como União Ibérica e durou sessenta anos, de 1580 a 1640. OBSERVE QUE . . . O BRASIL HOLANDÊS (SÉCULO XVI I ) São Cristóvão Salvador Penedo Olinda Recife Fortaleza São Luís Porto Calvo OCEANO ATLÂNTICO 40o O 10o S R io Pa rn aí ba Ri o Ja gu ar ib e Rio São Fran cis co Rio Vaza-Barris Ri o Aç u Rio Itapicuru Rio Par agu açu 0 145 km Conquistas holandesas Fonte: elaborado com base em ALBUQUERQUE, Manoel M. Atlas hist—rico escolar. Rio de Janeiro: Fename, 1978. p. 26. S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra 73 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 73V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 73 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM O objetivo da Holanda era conquistar a principal área produtora de açúcar do mundo: a atual região Nordeste brasileira. A partir de 1630 os holandeses conseguiram ocupar o território por quase 25 anos, até 1654. Com isso, criaram uma colônia holandesa no Brasil, a Nova Holanda, cujo núcleo era Pernambuco. Os holandeses foram expulsos da região em 1654, após uma longa guerra e negociações diplomáticas. Se os holandeses vencessem a guerra ou se os portugueses cedessem o nordeste açucareiro à Holanda, o território brasileiro de hoje seria outro. Vale repetir que o Brasil atual não é um território “natural”, e sim o resultado de um longo processo de construção histórica. TERRITORIALIDADES REBELDES Tratamos até aqui da formação territorial do Brasil português, considerando os períodos das tomadas de território por franceses, espanhóis e holandeses. A população de regiões que hoje fazem parte do Brasil poderia falar francês, holandês ou, sobretudo, espanhol, se a União Ibérica não fosse rompida em 1640. No entanto, nas guerras pelos territórios os luso-brasileiros prevaleceram, e o Brasil enraizou a herança lusitana e a língua portuguesa como traço unificador. Podemos localizar, porém, territorialidades rebeldes, que recusaram a colonização europeia e a escravização de indígenas e africanos. Houve muitas, mas vamos mencionar apenas duas: uma nativa e outra africana. A principal resistência nativa ocorreu nos sertões nordestinos, entre a segunda metade do século XVII e o início do século XVIII. Foi uma grande revolta dos índios de língua Jê contra a expansão territorial portuguesa nos sertões nordestinos. Ficou conhecida como Guerra dos Bárbaros, expressão cunhada pelos colonizadores para justificar os massacres da população nativa. A tese de doutorado do historiador brasileiro Pedro Puntoni trata desse assunto. A defesa das terras indígenas, nesse caso, não deve ser entendida no sentido patrimonial, mesmo porque eram povos nômades. Tratou-se de uma guerra de defesa de seu espaço econômico e cultural. Os rebeldes lutaram pela sobrevi- vência com suas técnicas culturais. Lutaram pelos lugares onde enterravam os mortos. Lutaram por sua identidade como grupo. Perderam a guerra e foram exterminados ou escravizados. A principal resistência africana que construiu uma territorialidade rebelde ocorreu no território atual de Alagoas, na época integrado a Pernambuco. O foco foi o Quilombo dos Palmares, surgido em 1630. Nessa região, vários quilombos eram agregados, e sua população era de es- cravizados fugidos do cativeiro, mas muitos nasceram livres ali, na serra da Barriga. Tornaram-se um flagelo para a sociedade escravista ao atacarem engenhos, roubando escravizados e resistindo com bravura à re- pressão dos governos coloniais. Alguns au- tores afirmam que Palmares foi um Estado negro no Brasil, com território definido. QUILOMBO DOS PALMARES: SÉCULO XVI I 10o S 36o O Rio Coruripe PERNAMBUCO SERGIPE ALAGOAS MacacoAndalaquituche Subupiraé Dambrapanga União dos Palmares Rio São Francisco OCEANO ATLÂNTICO 0 30 km Área dos Palmares Mocambo Fonte: elaborado com base em REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um � o. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 30. S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra língua Jê família linguística do tronco Macro-jê, falada pelos indígenas do Brasil do interior à época da chegada dos portugueses, que os denominavam genericamente de tapuias em contraposição aos indígenas do litoral, do tronco linguístico tupi-guarani. PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec, 2008. 74 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd74V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 74 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM A CONSTRUÇÃO TERRITORIAL DO FUTURO PAÍS O momento de inflexão para a construção do Bra- sil como território nacional ocorreu na segunda me- tade do século XVIII. E foi paradoxal, pois no reinado de dom José I, o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal (1699-1782), formulou políticas visando melhor controle da América por- tuguesa. Liderou a delimitação de fronteiras com a América espanhola. Transformou todas as capita- nias em capitanias reais, suprimindo as capitanias hereditárias (particulares), e criou várias outras capitanias na região amazônica, nesse momento já incorporada ao domínio português, definindo o que seria a região Norte do Brasil. Suprimiu a divisão do território entre o Estado do Brasil e o Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorrida em 1621, como já vimos. Enfim, unificou a administração. DEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS Este tema na história da territorialida- de brasileira é conhecido como Tratados e Limites. O Tratado de Madri, assinado em 1750, foi o marco legal do processo. Com sua assina- tura, Portugal adquiriu a posse legal do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso e da maior parte da atual Amazônia brasileira, regiões situadas a oeste da linha de Tordesilhas. Por outro lado, em troca da área dos Sete Povos das Missões, no sul, reconhecia a soberania espanhola sobre a Colônia do Sacramento (no atual Uruguai), povoação fundada em 1680 na margem norte do estuário platino. As dificuldades na aplicação do tratado de 1750, ao lado das divergências quanto às in- formações sobre o território, resultaram em sua anulação. Porém, mudanças na políti- ca interna dos dois reinos no último quartel do século XVIII prepararam o terreno para o Tratado de Santo Ildefonso (1777). Por meio dele, a Espanha tomou a Colônia do Sacra- mento e os Sete Povos das Missões, esten- dendo sua soberania às duas margens do rio Prata, enquanto Portugal conservava os limites oeste e norte acordados em Madri. V e s p u c io C a rt o g ra � a /A rq u iv o d a e d it o ra CENTRALIZAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO Em 1772, o Estado do Grão-Pará foi dividido: criou-se o Estado do Grão-Pará e Rio Negro, abran- gendo a Amazônia, com sede em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com sede em São Luís. Ou- tras capitanias reais foram criadas na região, como tentativas de centralizar o poder metropolitano por meio da regionalização administrativa geral e local. Mas, logo em 1774, essa divisão foi abolida e os dois estados do extremo norte foram integrados ao antigo Estado do Brasil. Pode-se dizer que o território bra- sileiro foi esboçado naquele ano. As capitanias hereditárias vinham sendo abolidas desde o século XVI em favor do controle da metró- pole. Mas o grande golpe ocorreu em 1759, quando o marquês de Pombal, principal ministro da monar- quia portuguesa, aboliu-as de vez, juridicamente. A consolidação dessa extinção só ocorreu, porém, em 1821, quando o rei de Portugal, dom João VI, gover- nava o reino no Rio de Janeiro. Todas as capitanias foram transformadas em províncias, nomenclatura das regiões no Brasil imperial. Foi assim que a Coroa portuguesa acabou por definir que Brasil e América portuguesa eram uma coisa só. Nesse momento se consolidou a noção de império luso-brasileiro, conectado com a África cen- tro-ocidental no Atlântico Sul. PRINCIPAIS TRATADOS ENTRE PORTUGAL E ESPANHA (1715-1801) SETE POVOS DAS MISSÕES Barra do Rio Negro Belém São Luís Fortaleza Natal Paraíba (atual João Pessoa) Olinda Salvador Rio de JaneiroSão Paulo Santos Rio Grande de São Pedro Colônia do Sacramento Assunção Lima Buenos Aires Mariana Laguna Li n h a d e T o rd es ilh as 50o O 0o OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO Equador Trópico de Capricórnio Território atual do Brasil Limite atual Tratado de Utrecht (1715) Tratado de Madri (1750) Tratado de Santo Ildefonso (1777) Área incorporada ao Brasil pelo Tratado de Badajós (1801) São Luís 0 0 590 km Fonte: elaborado com base em ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1986. p. 26. 75 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 75V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 75 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM Segundo Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), Portugal construiu a terri- torialidade brasileira, e o próprio país, como continuidade da história portuguesa. Capistrano de Abreu, em Capítulos de história colonial, ao contrário, afirmou que havia vários Brasis no fim o século XVIII: 1) a Baixada amazônica, com predomínio da água e da mata, extração de pro- dutos florestais, população de indígenas e mamelucos; 2) a zona pastoril das caatingas do nordeste, com pouca chuva, bovino encurra- lado ou descampado, carne de sol, milho verde, povo indígena ou mestiço; 3) a zona de São Paulo expandida para o oeste, com brancos e mamelucos como protagonistas, agricultura de mantimentos e mobilidade social; 4) a zona pastoril do sul, com chuvas frequentes, pastagens suculentas para o gado vacum, cavalar e muar, região onde mais havia brancos, poucos negros e mulatos; 5) a zona de exportação, à beira-mar e na região dos metais preciosos, com predomínio de negros e mulatos, economia exportadora, sendo uma re- gião conectada ao Atlântico, com destaque para Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Havia dois modelos de território brasileiro. No modelo de Varnhagen, considera- -se o território vocacionado para a unidade política em decorrência da colonização portuguesa. O modelo de Capistrano é baseado na cultura material e no perfil etno- gráfico, mostrando um Brasil fragmentado. gado vacum designação comum para gado de vacas, bois, touros e bezerros. No fim de seu livro Capítulos de história colonial, de 1907, Capistrano descreveu o Brasil às vésperas da independência nos seguintes termos: Cinco grupos etnográficos, ligados pela comunidade passiva da religião, moldados pelas condi- ções ambientes de cinco regiões diversas, tendo pelas riquezas naturais da terra um entusiasmo estrepitoso, sentindo pelo português aversão ou desprezo, não se prezando, porém, uns aos ou- tros de modo particular – eis em suma ao que se reduziu a obra de três séculos. ABREU, Capistrano. Cap’tulos de hist—ria colonial. 6.ed. Rio de Janeiro: Civiliza•‹o Brasileira, 1976. p. 213. ■ Com base no trecho acima, discutam em grupo a interpretação de Capistrano de Abreu em comparação com a tese de Varnhagen sobre a vocação unitária do Brasil graças à colonização portuguesa. A N A L I S A N D O M E N S A G E N S RIO DE JANEIRO, CAPITAL DO BRASIL O Brasil, territorialmente falando, foi um projeto português que teve muitas pos- sibilidades de não se realizar, além de ter sua integridade territorial ameaçada em determinados momentos. O ouro do Brasil, do qual os portugueses tiveram notícia em 1693, tornou-se um produto essencial para a metrópole portuguesa no decorrer do século XVIII. Era ouro de aluvião, facilmente encontrado nas margens ou na foz dos rios, mas também facilmente esgotável (na década de 1750, já havia indícios de que estava diminuindo). Para o novo monarca, dom José I, que reinou entre 1750 e 1777, a prosperidade estava portanto ameaçada. A extração do minério provocou, porém, o deslocamento de milhares de indi- víduos sertões adentro, interiorizando a ocupação e a dominação portuguesas do miolo do Brasil, e expulsando cada vez mais para o interior os grupos indígenas que lá viviam. Ao mesmo tempo, utilizou de forma intensiva animais resistentes ao transporte por regiões montanhosas – as mulas, que passaram a ser criadas nos pastos do sul, principalmente na capitania do Rio Grande de São Pedro (atual Rio Grande do Sul). A integração territorial, assim, ampliava-se. Essa prosperidade está evidente nas palavras que o historiador Charles Boxer atribui ao rei dom João V, quereinou de 1689 a 1750, época de auge da produção aurífera: “Meu avô devia e temia; meu pai devia; eu não temo nem devo”. OBSERVE QUE . . . BOXER, Charles. O império colonial português (1415- -1825). Lisboa: Edições 70, 1981. p. 171. 76 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 76V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 76 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM Caravana de comerciantes indo à Tijuca, de Godefroy Engelmann (1788-1839) a partir de aquarela de Johann Moritz Rugendas (1802-1858), c. 1835 (litografia, de 21,6 cm 3 16,6 cm). vice-rei denominação dada a alguns governadores do Brasil indicados pela administração portuguesa, geralmente os de alta fidalguia, reservando-se o título de governador-geral aos demais; essa situação foi modificada a partir de 1720, quando todos passaram a ser denominados vice-reis, independentemente de suas origens, até 1808. O comércio de muares foi uma atividade que interligou várias regiões do Brasil. Durante o século XVIII, os animais eram criados nas capitanias do sul do Brasil e conduzidos por cerca de 2 mil quilômetros, parando para invernadas nos pastos do Paraná, até as famosas feiras da cidade de Sorocaba, interior de São Paulo. Ali, eram amansados e negociados para outras regiões do Brasil, em particular para as capitanias de Minas Gerais e de Goiás, mas também para o Rio de Janeiro e outras áreas do sudeste. A capacidade de carga das mulas permitiu, por um longo tempo, o transporte de mercadorias pelas trilhas do interior do território. OBSERVE QUE . . . BICALHO, Maria Fernanda. O Rio de Janeiro no século XVIII: a transferência da capital e a construção do território centro-sul da América portuguesa. Urbana. Revista Eletrônica do CIEC/IFCH/UNICAMP, v. 1, p. 1-20, 2006. p. 2. Disponível em: https:// periodicos.sbu.unicamp. br/ojs/index.php/urbana/ article/view/8635108. Acesso em: 12 jul. 2020. Até esse momento, a ca- pital do Brasil era a cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos. Alguns atribuem à cri- se aurífera a transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, de onde poderiam controlar com maior eficiência o comércio do ouro. A situação, entretanto, era mais complexa. O porto do Rio de Janeiro havia se tornado a prin- cipal saída do minério, além de centro do comércio de escravizados vindos pelo Atlântico, por causa do ouro. Além disso, as disputas de fronteiras entre Espanha e Portugal, no estuário do Prata, transformaram a cidade do Rio de Janeiro em local articulador do território centro-sul da América portuguesa e dos territórios ligados pelo Atlântico, incluindo a África e a Ásia. Alguns historiadores indicam, a exemplo de Fernanda Bicalho, a escassez de registros oficiais que formalizam o Rio de Janeiro como capital. Na realidade, o que houve foi uma determinação do governo português para que o indicado, Antônio Álvares da Cunha (1700-1791), tomasse posse como vice-rei do Estado do Bra- sil, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1763. A autora indica a centralidade que a região passou a ter nas questões geopolíticas da monarquia portuguesa em relação a outras colônias da Ásia e da África e ao comércio com o Oriente. Teria sido, portanto, o reconhecimento de uma situação de fato política e econômica. UM PROJETO DE MONARQUIA NOS TRîPICOS Um dos mais destacados conselheiros políticos do rei dom João V, dom Luís da Cunha (1662-1749), escreveu Instruções políticas, em 1736. Nelas, lembra um conselho que seu bisavô dera a dom Antônio, prior do Crato (1531-1595), possível sucessor do reino de Portugal, quando o rei de Castela, Felipe II, rei- vindicou o trono português depois da morte do rei dom Sebastião, sem descen- dentes, em 1580: que embarcasse para o Brasil, junto com a corte, mantendo- -se rei. Dom Antônio não seguiu o conselho, foi desterrado, e Portugal acabou, como vimos, sob domínio espanhol por sessenta anos, período denominado União Ibérica. Nas Instruções políticas, dom Luís ensaiou o mesmo conselho ao então rei, dom João V, mas indicando um lugar específico: o Rio de Janeiro, considerando que futuramente a cidade se tornaria mais opulenta do que a cidade de Lisboa: […] estando tão próxima das minas de ouro e diamantes, seria mais fácil prevenir os seus descaminhos, e cresceriam os seus descobrimentos […] a que justi�caria a facilidade de tirar mais negros da costa de África e da ilha de São Lourenço, para a cultura de todos os gêneros que o Brasil produz. SILVA, Abílio Diniz (ed.). CUNHA, d. Luís da. Instruções políticas. Lisboa: CNCDP, 2001. p. 366 apud BICALHO, Maria Fernanda. A cidade do Rio de Janeiro e o sonho de uma capital americana: da visão de D. Luís da Cunha à sede do vice-reinado (1736-1763). Revista Hist—ria, v. 30, n. 1, Franca, jan./jun. 2011. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742011000100003. Acesso em: 10 ago. 2020. Reprodução/Coleção particular 77 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 77V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 77 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM M O N A R Q U I A R E A L I Z A D A N O S T R Ó P I C O S O projeto de transferência da Corte portuguesa para o Brasil não foi somente de dom Luís da Cunha. Outros antes dele já haviam proposto essa transferência, como o padre Antônio Vieira, no século XVII, durante as guerras de restauração da monarquia portuguesa em relação à Espanha. Aconselhou que a família real deve- ria se deslocar para o Brasil se a Espanha invadisse o reino. Nesse caso, a região escolhida seria Pernambuco, lugar ocupado pelos holandeses por décadas e onde eles construíram um sistema de fortificação eficiente e capaz de proteger a Corte portuguesa. O projeto não se realizou em virtude da assinatura do tratado luso-bri- tânico, de 1661, que garantiu a independência de Portugal. Por sua vez, o ministro de dom José I, o marquês de Pombal, temendo uma invasão franco-espanhola em 1762, aconselhou o rei a tomar medidas para sua transferência para o Brasil. Em suma, a ideia de tornar o Brasil, e o Rio de Janeiro em especial, a capital do império português, centro de uma monarquia pluricontinental, não era nova, mas tomou forma e se realizou no início do século XIX, novamente por ameaça de invasão externa: o plano de expansão territorial da França, levado a cabo pelo governo de Napoleão Bonaparte. Em 1807, a França invadiu a Espanha e ameaçou Portugal caso não rompes- -se sua aliança com a Inglaterra. Pressionada, em novembro de 1807 a família real portuguesa embarcou, com mais centenas de nobres e familiares, para a América, em vários navios, chegando ao Brasil no ano seguinte. A corte de dom João VI instalou-se no Rio de Janeiro, tornando a cidade uma “metrópole inte- riorizada”, segundo definição da historiadora Maria Odila da Silva Dias. O projeto de um império luso-brasileiro não se realizou, mas outro império se formou: o do Brasil. QUESTÕES EM FOCO História e armadilhas da linguagem Para exemplificar a situação do Rio de Janeiro, Fernanda Bicalho cita o trecho de uma carta de 1765, en- dereçada ao principal ministro de dom José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, em que o governador da capitania de São Paulo fez a seguinte declaração: […] pelas notícias e informações de pessoas práticas que incessantemente tenho ouvido desde que desembarquei, e por tudo o que tenho observado, considero hoje o Rio de Janeiro a chave deste Brasil pela sua situação, pela sua capacidade, pela vizinhança que tem com os domínios de Espanha e pela dependência que desta cidade têm as Minas com o interior do país, �cando por este modo sendo [sic] uma das pedras fundamentais em que se a�rma a nossa Monarquia e em que [se] segura uma parte muito principal de suas forças e das suas riquezas. Carta de dom Luiz Antonio de Souza ao Conde de Oeiras. Rio de Janeiro, 26 de junho de 1765. Apud BICALHO, Maria Fernanda. O Rio de Janeiro no século XVIII: a transferênciada capital e a construção do território centro-sul da América portuguesa. Urbana. Revista Eletrônica do CIEC/IFCH/UNICAMP, v. 1, p. 1-20, 2006. p. 2. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8635108. Acesso em: 12 jul. 2020. Veja o significado de “vizinhar” no dicionário de Antônio Moraes e Silva, de 1789: […] estar vizinho de outros, e tratar-se, visitarem-se a miúdo como os vizinhos soem. VIZINHAR. In: SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. p. 9. ■ Com base nas palavras do governador de São Paulo sobre a situação do Rio de Janeiro: a) Pesquise e situe historicamente a expressão “vizinhança que tem com os domínios da Espanha”. b) Que outra vizinhança pode ser considerada nos argumentos do governador de São Paulo para justificar seu agrado por ter o Rio de Janeiro se tornado sede do vice-reinado do Brasil? DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. 2. ed. São Paulo: Alameda, 2009. 78 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 78V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 78 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM PERÍODO JOANINO O período joanino do Brasil teve problemas territoriais, como a invasão da Guia- na Francesa, em 1809, e da Banda Oriental do rio da Prata, em 1816, tomada dos espanhóis e incorporada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. Também enfrentou o movimento separatista de Pernambuco, a Revolução Pernambucana de 1817, considerada “outra independência”, nas palavras do historiador Evaldo Cabral de Mello, e que foi sufocada pelo projeto centralista de dom João VI. A INDEPENDÊNC IA E A INTEGRAL IDADE T ERR I TOR IAL A transferência da Corte portuguesa para o Brasil é considerada o ponto de partida do processo de independência, principalmente porque o primeiro ato de dom João VI foi liberar alguns portos brasileiros ao comércio com outros países. A partir desse ato, os comerciantes e produtores do Brasil poderiam negociar com o exterior diretamente. Teria sido uma independência econômica de fato. A independência formal, entretanto, só ocorreu em 1822, quando dom Pedro, filho do rei, se recusou a voltar para Portugal, como havia feito seu pai no ano anterior. A invasão napoleônica à península Ibérica repercutiu fortemente nas colônias das Américas espanhola e portuguesa, mas com resultados muito diferentes. Na América espanhola, iniciou-se o processo de rebeldia e de independências. O território estava dividido em quatro vice-reinados e quatro capitanias gerais. De- pois das independências, em meados do século XIX, criou-se mais de uma deze- na de países, todos com regime de governo republicano. O Brasil estava dividido em dezoito capitanias, mantendo todas sob o sistema monárquico de governo. MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independ•ncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2014. cisplatina em relação ao Brasil, significa “aquém, antes do rio da Prata”. Corresponde ao atual Uruguai. O fim do século XVIII foi marcado pela Independência dos Estados Unidos da América (1776), pela Revolução Francesa (1789), pela Revolução Haitiana (1791) e pela Revolução Industrial na Inglaterra. Nesse momento, o absolutismo e o sistema colonial mercantilista foram colocados em xeque. OBSERVE QUE . . . Fonte: elaborado com base em VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. p.123. Fonte: elaborado com base em VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. p.123. AMÉRICA ESPANHOLA: PAÍSES INDEPENDENTES NO SÉCULO XIX Trópico de Câncer OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO Trópico d e Capricó rnio Equador 60° O 0° CHILE (1818) URUGUAI (1828) ARGENTINA (1816) PARAGUAI (1811) BOLÍVIA (1825) BRASIL*PERU (1821) VENEZUELA (1832) REPÚBLICA DOMINICANA (1865) CUBA (1898) HAITI** GUATEMALA (1838) EL SALVADOR (1838) NICARÁGUA (1838) HONDURAS (1838) COSTA RICA (1838) COLÔMBIA (1810) EQUADOR (1822) MÉXICO (1821) Deixou de ser colônia portuguesa em 1822 Tornou-se independente da França em 1804 Áreas em disputa para demarcação de fronteira com o Brasil * ** 0 1200 km 60° O60° O VICE-RE INADOS NA AMÉRICA ESPANHOLA NO SÉCULO XVI I I 0° 60° O Trópico de Câncer Trópico d e Capricó rnio Equador CAPITANIA-GERAL DA VENEZUELA VICE-REINADO DA NOVA ESPANHA VICE-REINADO DA NOVA GRANADA VICE-REINADO DO PERU CAPITANIA-GERAL DO CHILE VICE-REINADO DO RIO DA PRATA OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO 0 1200 km 60° O60° O M a p a s : S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra 79 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 79V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 79 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM O IMPÉR IO DO BRAS I L : CONSOL IDAÇÃO TERR I TOR IAL No início da história do Brasil como país independente, o governo imperial teve de enfrentar manifestações de insatisfação em várias províncias, algumas das quais discordavam da separação de Portugal, como Grão-Pará, Piauí, Ceará, Cis- platina. Mas foi no Maranhão e em parte da Bahia que os combates foram mais sangrentos, só controlados pelo novo Império em meados de 1823. Posteriormente, em 1824, a província de Pernambuco voltou a se revoltar, seguida por outras, com objetivo separatista. Esse movimento ficou conhecido como Confederação do Equador e agregava as províncias do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte, além das que pretendiam anexar, como as do Piauí e do Pará. Isso ocorreu, seguindo sua tradição de luta por autonomia, após a disso- lução da Assembleia Constituinte e a outorga da Constituição de 1824, de cunho centralista, pelo imperador dom Pedro I. Os revoltosos foram derrotados pelas tropas imperiais e seus líderes foram condenados à morte. Na fronteira sul do Brasil, a derrota foi inevitável. A província Cisplatina, ane- xada ao Brasil ainda no período joanino, em 1816, se organizou com o objetivo de se separar do Império e se juntar às Províncias Unidas do Reino do Prata (atual Argentina). Aos interesses brasileiros na bacia do Prata não interessava o controle argentino de acesso ao rio da Prata, fundamental para alcançar as províncias brasileiras do interior, por exemplo Mato Grosso. A reação do Brasil foi a guerra, entre 1825 e 1828, só resolvida com a interferência britânica. A província Cisplatina se tornou um país independente, com o nome de República Oriental do Uruguai. Dom Pedro I abdicou para assumir o trono português e o Brasil passou a ser governado por regentes. Assim, entre 1831 e 1840 a polarização política se acen- tuou, com os restauradores, centralistas, de um lado, cujo objetivo era trazer dom Pedro I de volta ao Brasil, e os liberais radicais, de outro, defendendo mais autonomia para as províncias e, alguns, até mesmo o federalismo e a República. Entre os dois, havia os moderados, grupo de origens e interesses bastante diver- sificados, mas unidos em duas bandeiras de luta: a manutenção da integralidade do território e do sistema escravista. As revoltas regenciais, como ficaram conhecidas, tinham objetivos variados. Algumas pretendiam realmente a separação do Brasil; outras, conquistar maior liberdade para suas províncias em relação ao poder centralizado no Rio de Janei- ro. Nenhuma delas, entretanto, pretendia mudar profundamente a estrutura da sociedade nem mesmo acabar com a escravidão. Essas revoltas representaram o momento mais perigoso para os que defen- diam a manutenção do território brasileiro. A resposta do Império dependeu dos revoltosos. Duas delas, em especial, enfrentaram a violência explícita da milícia imperial: a Sabinada (em Salvador, na Bahia) e a Balaiada (no Maranhão). Esta última, que se espalhou pelo interior do Maranhão, foi a que mais envolveu dife- rentes grupos sociais e também os escravizados, liderados por Cosme Bento das Chagas (c. 1800-1842), conhecidocomo Preto Cosme. Em nenhum momento os revoltosos falaram em separação, mas a repressão ao movimento foi violenta. A repressão foi liderada pelo coronel Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880), que, por causa da vitória, recebeu o título de Duque de Caxias. Foram mortos mais de 3 mil rebeldes e outros milhares foram presos. A Farroupilha, por outro lado, liderada pela elite gaúcha com o objetivo claro de separação do Império, teve resultado bastante diferente. Foi apoiada e financiada por pecuaristas – criadores de gado e muares e produtores de charque. Foi a de mais longa duração, continuando mesmo após a subida de dom Pedro II ao trono, em 1840, com a antecipação de sua maioridade para 14 anos. Encerrou-se somente federalismo sistema de governo que mantém a autonomia de estados, que se unem na esfera federal somente para defender interesses comuns. charque carne salgada e seca ao sol, principal alimento da população do Brasil na época, incluindo a escravizada. Na época, as revoltas foram julgadas como anomalias, como selvageria, em oposição à civilização representada pela ordem monárquica. OBSERVE QUE . . . 80 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 80V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 80 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM em 1845 pela liderança do mesmo Luís Alves de Lima e Silva, que adotou outro perfil para seu encerramento. Propôs anistia para os líderes em troca de ta- xar o charque uruguaio em 25%, com o que os farroupilhas concordaram. A antecipação da maioridade de dom Pedro II não resultou de imedia- to na contenção dos ânimos. O gover- no ainda teve de enfrentar as revoltas liberais de 1842 em São Paulo e em Minas Gerais e a Revolução Praieira, em Pernambuco, entre 1848 e 1849. A Praieira representava a ascensão de um novo grupo, além dos tradicio- nais plantadores de cana-de-açúcar e comerciantes: intelectuais e profis- sionais liberais, de tendência republi- cana. Os revoltosos foram derrotados pelas forças governamentais, e o Im- pério do Brasil e sua extensão terri- torial foram preservados. Até o fim do período monárquico, não houve mais movimentos separatistas. FERROVIAS: UMA LIGAÇÃO ENTRE ÁREAS DINÂMICAS O extenso território brasileiro era composto de relevo acidentado, cober- turas florestais de difícil penetração e rios pouco adequados à navegação em regiões produtivas, além de possuir um litoral com poucos portos naturais. Quando o desenvolvimento tecno- lógico das ferrovias na Europa tornou esse tipo de transporte viável, na dé- cada de 1830, o Brasil rapidamente in- corporou essa modernidade. A insta- lação do sistema ferroviário brasileiro durante o Império foi expressiva e de alto custo, e priorizou as áreas que já eram mais dinâmicas e densamente povoadas, seja no sudeste cafeicultor, seja no nordeste açucareiro. Há consenso entre os historiadores de que a propaganda sobre o sucesso do sistema ferroviário europeu, a liberação de capitais originados da abolição do tráfico de africanos em 1850 e a consolidação política do Segundo Reinado foram os principais fatores para a instalação das primeiras ferrovias no Brasil. No fim do período monárquico, somente as províncias do Amazonas, Maranhão, Piauí, Sergipe, Goiás e Mato Grosso não contavam com ferrovias. No século XX, porém, o investimento em ferrovias foi preterido pelo transporte rodoviário. Fontes: elaborado com base em ARRUDA, J. J. Atlas histórico básico. São Paulo: Ática, 1993.p. 42; CAMPOS, F.; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1994. p. 28-29. Fonte: elaborado com base em THÉRY, Hervé; MELLO-THÉRY, Neli A. de. Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do território. São Paulo: Edusp, 2009. p. 41. S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra REVOLTAS REGENCIAIS (SÉCULO XIX) MATO GROSSO GOIÁS GRÃO-PARÁ MARANHÃO CEARÁ 50°O 0° Equador Trópico d e Capricórn io OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO PIAUÍ RIO GRANDE DO NORTE PARAÍBA PERNAMBUCO ALAGOAS SERGIPE BAHIA MINAS GERAIS RIO DE JANEIRO ESPÍRITO SANTOSÃO PAULO PARANÁ SANTA CATARINA RIO GRANDE DO SUL Cabanagem (1835-1840) Farroupilha (1835-1845) Liberal (1842) Carrancas (1833) Manoel Congo (1838) Sabinada (1837-1838) Dos Malês (1835) Dos Cabanos (1832-1835) Balaiada (1838-1841) Carneirada (1834-1836) Praieira (1848-1849) Revoltas 0 540 km S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra BRASIL : ECONOMIA NO SÉCULO XIX 0° Equador 50° O São Paulo Goiás Cuiabá Manaus Ouro Preto Porto Alegre Florianópolis Curitiba Santos Rio de Janeiro Vitória Salvador Aracaju Recife Maceió Paraíba Natal Fortaleza São LuísBelém OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Capricórnio Ouro e diamantes Drogas do sertão e borracha Cana-de-açúcar Pecuária Algodão Ferrovia Limites atuais Cidades e vilas Mate Cacau Fumo Café 0 520 km São Luís 81 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 81V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 81 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM O político do Império Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850) chegou a avaliar o investimento em ferrovias da seguinte forma: […] é estrada de ouro, não de ferro; carregará no primeiro dia do mês toda a produção e ficará trinta dias ociosa. VASCONCELOS, Bernardo Pereira apud SCHOPPA, René F. 150 anos do trem no Brasil. Rio de Janeiro: Milograf, 2004. p. 22. ■ Faça o que se pede: a) Compare os investimentos em ferrovias nos períodos imperial e republicano. b) No estado em que você mora existem estações ferroviárias? Elas estão ativas ou inativas? Para que estão sendo utilizadas? c) O transporte de mercadorias e pessoas sobre trilhos em longas distâncias diminuiu ou foi descontinuado, mas o transporte sobre trilhos se ampliou nos centros urbanos, para transporte de pessoas. Elabore um painel sobre esses sistemas de transporte urbano, com texto e imagens, falando de seu histórico. Observe o gráfico sobre a evolução da malha ferroviária brasileira e o mapa das ferrovias no Brasil. ANALISAR E REFLETIR Fonte: elaborado com base em MASSARA, Vanessa Meloni. An overview about Brazilian railway system – Part I: 1835- -1930. Med Crave, 30 set. 2019. Disponível em: https:// medcraveonline.com/MOJCE/ MOJCE-05-00156.pdf. Acesso em: 2 ago. 2020. Fonte: elaborado com base em BRASIL. Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ferrovias, 2018. Disponível em: <https://www.antt.gov.br/ ferrovias>. Acesso em: 2 ago. 2020. BRASIL : S ISTEMA FERROVIÁRIO (1854-2010) BRASIL : REDE FERROVIÁRIA (2018) 40000 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 1 8 5 4 1 5 2 2 3 7 4 5 3 3 9 8 9 9 3 7 1 5 3 1 6 2 1 3 2 6 2 8 5 3 5 3 2 4 7 8 3 4 2 5 2 3 6 6 8 1 3 8 2 8 7 3 1 8 4 8 2 9 6 5 9 3 0 1 2 9 3 0 1 2 9 3 0 1 2 9 1 8 6 0 1 8 7 0 1 8 8 0 1 8 9 0 19 0 0 19 10 19 2 0 19 3 0 19 4 0 19 5 0 19 6 0 19 7 0 19 8 0 19 9 0 2 0 0 0 2 01 0 0 3 0 3 0 3 0 3 0 3 0 2 9 6 5 9 3 1 8 4 83 8 2 8 7 3 8 2 8 7 3 6 6 8 1 3 4 2 5 2 3 4 2 5 2 3 2 4 7 8 3 2 4 7 8 2 8 5 3 5 2 8 5 3 5 2 1 3 2 6 1 5 3 9 9 3 7 3 3 9 8 3 3 9 8 2 2 3 1 5 Ano km 0º Equador 50º O Trópic o de C apricór nio URUGUAI CHILE ARGENTINA PARAGUAI BOLÍVIA PERU EQUADOR COLÔMBIA VENEZUELA GUIANA SURINAME Guiana Francesa (FRA) AM AC RR RO PA MT MS PR SC SP RJ ES BA SE AL PE PB RNCE PI MA TO DF GO MG RS AP 0 520 km OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO 0º Planejada Em operação Limite entre países Limite entre estados S o n ia V a z/ A rq u iv o d a e d it o ra B a n c o d e i m a g e n s / A rq u iv o d a e d it o ra 82 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 82V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap3_062a087_LA.indd 82 9/21/20 2:15 PM9/21/20 2:15 PM
Compartilhar