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O ENSINO DA LEITURA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Fabíola Sucupira Ferreira Sell CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Prof. Norberto Siegel Revisão de Conteúdo: Prof.ª Márcia Maria Junkes Revisão Gramatical: Prof.ª Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 372.414.2 S4671o Sell, Fabíola Sucupira Ferreira. O ensino da leitura/ Fabíola Sucupira Ferreira Sell Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial:Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 85 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-239-9 1. Leitura 2. Hábito e Ensino da Leitura I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Fabíola Sucupira Ferreira Sell Graduada em letras-alemão, mestrado e doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na área de Teoria e Análise Linguística. Entre 1998-1999 e 2003-2005, atuou como professora substituta na UFSC. Atualmente, é professora em três instituições de ensino superior em Santa Catarina, trabalhando nos cursos de Pedagogia, Direito, Ciências Contábeis, Administração e Ciência da Computação. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em estrutura sentencial, atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição da linguagem, interrogativas WH e teoria gerativa, bem como em metodologia e ensino de língua materna. Trabalha com ensino a distância desde 2007, atuando como conteudista, professora, monitora e designer instrucional no curso de letras-libras da Universidade Federal de Santa Catarina. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Concepções de Leitura, Texto e Ensino .............................9 CAPÍTULO 2 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura ..................................................31 CAPÍTULO 3 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio ...............................................57 CAPÍTULO 4 Pedagogia de Projetos e o Ensino de Leitura ..................75 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Este caderno de estudos traz a você uma discussão sobre o ensino de leitura de textos não-literários no ensino fundamental e médio. Você verá que o primeiro passo para o trabalho com a leitura é ter claro que tipo de concepção de língua, de texto e de leitura está por trás das nossas práticas pedagógicas de ensino de leitura. Além disso, é importante também explicitarmos qual o papel social da leitura e que tipos de conhecimentos do leitor estão envolvidos na atividade de leitura. Veremos que para formar cidadãos letrados, conforme preconizam os PCN, precisamos pensar na leitura como prática social, e não como um fim em si mesma. A partir disso, veremos quais as habilidades de leitura queremos desenvolver em nossos alunos e qual o papel da escola no desenvolvimento dessas habilidades. Por fim, vamos discutir a proposta de trabalhar o ensino da leitura a partir de projetos interdisciplinares com temas transversais, os quais ampliam a responsabilidade de ensino de leitura para além das aulas de língua materna, mostrando que todo professor é, em princípio, professor de leitura também, já que esta será o meio pelo qual o aluno terá acesso aos conhecimentos específicos das disciplinas curriculares. Você está convidado(a) a entrar agora neste estudo sobre o ensino de leitura. Boa leitura, bons estudos! A autora. CAPÍTULO 1 Concepções de Leitura, Texto e Ensino A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar diferentes concepções de linguagem/língua, atreladas às difer- entes concepções de leitura. Discutir o papel social da leitura na formação de cidadãos letrados. Distinguir e analisar os tipos de conhecimentos que o leitor utiliza na atividade de leitura. 10 O Ensino da Leitura 11 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Contextualização Lemos por prazer, lemos para adquirir conhecimento, lemos para nos informar, enfim, lemos com os mais diversos objetivos, e lemos os mais variados textos e não-textos. Ao falar de leitura, podemos estar diante de um conceito mais amplo, como leitura de mundo, podemos falar de leitura de imagens, de leituras de diferentes textos e, também, de diferentes leituras de um mesmo texto. Você já parou para pensar na importância da leitura nas nossas vidas? Pense nas leituras que fazemos no nosso dia a dia, nas leituras involuntárias de letreiros, cartazes, outdoors; pense nos livros que você leu nos últimos doze meses, naqueles cujas leituras foram prazerosas e que, de alguma forma, mudaram sua perspectiva, sua leitura diante da vida, dos outros e de si mesmo, e naqueles cujas leituras foram feitas por obrigação, atreladas a um determinado objetivo muito específico que deveria ser alcançado; pense nas leituras rápidas do cotidiano, do cartão do estacionamento, da receita médica, do aviso no elevador, da placa de trânsito, etc.; pense, enfim, na importância que as leituras do dia a dia têm nos constantes ajustes que as nossas leituras de mundo passam ao longo das nossas vidas. Veja o que nos diz Marisa Lajolo em seu livro Do mundo da leitura para a leitura de mundo, a respeito da amplitude do que pode ser entendido como leitura: Figura 1 - Pierre Auguste Renoir [Le Deux Soeurs], 1889 Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/HgMWmW>. Acesso em: 15 jun. 2009. Se pensamos no ambiente escolar, facilmente veremos que a leitura terá um papel crucial porque é ela que está lá desde o processo de alfabetização, nas aulas de português e em todas as outras disciplinas, porque é justamente a partir dela que entramos em contato com os diversos conhecimentos passados pela escolarização. Ninguém nasce sabendo ler: aprende- se a ler à medida que se vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem por aí, na chamada escola da vida: a leitura do vôo das arribações que indicam a seca - como sabe quem lê Vidas Secas de Graciliano Ramos - independente de aprendizagem formal e se perfaz na interação cotidiana com o mundo das coisas e dos outros. (LAJOLO, 2000, p. 7) Se pensamos no ambiente escolar, facilmente veremos que a leitura terá um papel crucial porque é ela que está lá desde o processo de alfabetização, nas aulas de português e em todas as outras disciplinas. 12 O Ensino da Leitura Mas a leitura não é só isso. Ela ultrapassa os muros da escola. A leitura está no nosso dia a dia, na lista de compras do supermercado, nos manuais de instrução dos eletrodomésticos, nas contas a pagar, nos bilhetes, nas placas de trânsito, nos gibis, nas atividades em frente ao computador, nas idas ao banco, no letreiro do ônibus, no registro de nascimento de um filho; enfim, a leitura faz parte do nosso cotidiano e estápresente nos mais variados momentos das nossas vidas. Paulo Freire (1981), em seu ensaio A importância do ato de ler, mostra- nos, de forma ao mesmo tempo simples e tocante, como partimos da leitura de nosso pequeno mundo de criança para a leitura das palavras e como esta leitura nos remete novamente à leitura de mundo, agora mais ampla, mais segura, mais consciente. Vejamos um trecho de seu ensaio: A retomada a infância distante, buscando compreender do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela memória -, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re- crio, e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores. (FREIRE, 1981, p. 9) Como você pode perceber, falar sobre leitura é falar sobre uma atividade bastante ampla que, embora não constitua uma disciplina autônoma, pode ser tomada como um objeto de estudo por uma variada gama de áreas de conhecimento. Precisamos, então, especificar a que tipo de leitura estamos nos referindo. Neste caderno de estudos, vamos tratar do tema leitura de uma maneira mais específica e em condições específicas; ou seja, vamos tratar do ensino da leitura de textos não-literários. Nesse sentido, precisamos, antes de mais nada, definir que tipo de concepção de leitura, e também de texto, estamos tomando como pressuposto básico aqui. Repare que trataremos das concepções de língua especificamente no que diz respeito ao ensino de leitura. É o que veremos na próxima seção. 13 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Antes passarmos para a próxima seção, que tal refletirmos um pouco acerca das nossas práticas de ensino de leitura? Faça uma avaliação do papel da leitura em suas aulas. A leitura de textos não-literários aparece em suas aulas como uma atividade principal ou secundária em relação ao ensino de outros conteúdos? Anote aqui suas reflexões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Concepções de Língua e de Leitura Antunes (2003, p. 39, grifo da autora) salienta que “toda atividade pedagógica de ensino do português tem subjacente, de forma explícita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de língua.” Nesta mesma direção, Koch e Elias (2007) mostram que dependendo da concepção de língua adotada e, consequentemente, da concepção de sujeito, de texto e de sentido, estaremos lidando com uma concepção de leitura diferente. Assim, as diferentes concepções de leitura podem ter seu foco voltado 1) para o autor; 2) para o texto; 3) para a interação autor-texto-autor. 14 O Ensino da Leitura Na concepção de língua cujo foco é o autor, língua é representação do pensamento e o sujeito é visto como um sujeito psicológico, individual, “um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja ‘captada’ pelo interlocutor da maneira que foi mentalizada”. (KOCH, 2002, p. 13-14). Ou seja, nesta concepção de língua temos um sujeito que constrói uma representação mental, isto é, produz um texto o qual deverá ser ‘”captado” passivamente pelo leitor, juntamente com as intenções psicológicas do produtor do texto. Note que a leitura é, pois, uma atividade passiva na qual captamos as intenções do autor, sem levar em conta o conhecimento prévio do leitor e sua interpretação do texto. Já se o foco está no texto, estamos diante de uma concepção de língua vista como estrutura. Neste caso, o sistema linguístico-social é que pré- determina o sujeito, e o texto é visto como um produto de codificação do emissor a ser decodificado pelo receptor, ou seja, pelo leitor/ouvinte, do qual se espera apenas o conhecimento do código a ser utilizado. Assim, a leitura, a partir desta concepção de língua como código, é vista como uma atividade linear em que se exige do leitor o reconhecimento e a reprodução do sentido das palavras e da estrutura do texto, já que “tudo está dito no dito”. Repare que nestas duas concepções de leitura o leitor tem apenas um papel passivo diante do texto, não cabendo a ele nada além de reconhecer, decifrar e reproduzir. A leitura é vista, portanto, como decodificação. Vejamos agora o que nos diz a concepção de leitura cujo foco está na interação autor-texto-leitor. Nesse caso, a concepção de língua subjacente é a interacionista, para a qual o sentido de um texto é construído dialogicamente na interação entre sujeitos ativos em situações de atuação social. Assim, a leitura é “uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos”. (KOCH; ELIAS, 2007, p.11). Esta construção de sentido se dá a partir dos elementos linguísticos presentes na superfície do texto, mas levam em conta também todo o conhecimento que os sujeitos envolvidos na interação têm acerca das práticas sociais que perpassam tal evento comunicativo. A leitura é vista, portanto, como construção de significados. Na concepção de língua cujo foco é o autor, língua é representação do pensamento e o sujeito é visto como um sujeito psicológico, individual, “um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja ‘captada’ pelo interlocutor da maneira que foi mentalizada”. (KOCH, 2002, p. 13-14). Repare que nestas duas concepções de leitura o leitor tem apenas um papel passivo diante do texto, não cabendo a ele nada além de reconhecer, decifrar e reproduzir. A leitura é vista, portanto, como decodificação. 15 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Neste caderno de estudos, assumimos a concepção interacionista, funcional e discursiva da linguagem. Consequentemente, consideramos a leitura como “atividade de produção de sentido” (KOCH; ELIAS, 2007, p.12). Nesse sentido, todo ato de leitura leva em conta a visão de um leitor como sujeito ativo, produtor de sentidos, que compreende e interpreta textos a partir de suas próprias experiências, de seus conhecimentos e das práticas sociais envolvidas em cada evento discursivo. Portanto, estamos considerando a leitura para além da simples decodificação de sinais gráficos, como afirma Antunes (2003, p.67), para quem a leitura é “uma atividade de interação entre sujeitos”. Assim, autor e leitor são tomados como sujeitos da interação, na qual o leitor tem uma participação ativa, recuperando, interpretando e compreendendo o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor. Procure no site do Museu na Língua Portuguesa o texto O que se entende por língua e linguagem, de Ataliba de Castilho, no qualvocê vai encontrar uma visão mais detalhada das relações entre língua e linguagem e suas concepções. Neste site, você encontrará também outros materiais interessantes a respeito da língua. Vale à pena conferir. www.museulinguaportuguesa.org.br Neste caderno de estudos não abordaremos a história social da leitura. No entanto, é interessante que você leia o capítulo A leitura na escola, do livro Leitura em crise na escola: as alternativas do professor, de Regina Zilberman (1982), da editora Mercado Aberto. 16 O Ensino da Leitura Atividade de Estudos: 1) Monte um quadro comparativo entre as três concepções de língua, texto e leitura apresentadas nesta seção: Leitura e Letramento O conceito de leitura está intimamente ligado a outro conceito que será de grande importância no ensino de língua materna em geral e, mais especificamente, no ensino de leitura. Estamos falando do conceito de letramento. Podemos definir letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a leitura e a escrita de acordo com as necessidades sociais do indivíduo. Assim, o sujeito letrado não é só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita. O sujeito letrado é o que exerce práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita dos mais variados tipos/gêneros. Por exemplo, ler um cartaz de cinema, ler/ escrever uma carta, um ofício, preencher um formulário, ler/escrever um artigo acadêmico etc. Estamos considerando aqui que você já conheça a noção de tipos e de gêneros textuais. Se estas noções ainda não estão claras, indicamos a leitura do trabalho de Fiorin (2005) intitulado “Gêneros e tipos textuais”. Note que este conceito se diferencia do de alfabetização, que pode ser definido como o processo que envolve a decodificação e a codificação de sinais linguísticos, bem como a combinação desses sinais formando palavras e frases. A alfabetização envolve habilidades mecânicas, desenvolvidas por meio de técnicas. Assim, quem é capaz de ler e escrever é alfabetizado. Soares (2004) nos mostra, entretanto, que o que distingue esses dois conceitos é o conceito de “práticas sociais”. Enquanto a alfabetização é a Concepção 1 Concepção 2 Concepção 3 Língua Texto Sujeito Leitura Podemos definir letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a leitura e a escrita de acordo com as necessidades sociais do indivíduo. 17 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 aquisição do sistema convencional da escrita, o letramento é o desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e de escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita. Note, portanto, que aqui estamos tratando leitura ligada ao conceito de letramento e, assim, ligada a contextos de escrita. Outro conceito que está intimamente relacionado aos conceitos de alfabetização e letramento e, obviamente, com o tema leitura, é o de analfabeto funcional. Veja um exemplo prático que Perini (1998, p. 79) nos dá sobre o analfabeto funcional: Imaginemos um eletricista que seja incapaz de se informar sobre sua especialidade, a não ser de viva voz; diante de uma situação nova no trabalho, ele só poderá consultar um colega ou uma chefia, colocando-se assim automaticamente em posição de dependência – quando a informação necessária poderia estar facilmente disponível em um texto técnico que passou por suas mãos. Apenas, ele não o poderia compreender se o lesse; e não localizaria sequer a informação dentro do texto, por não ter o convívio suficiente com o mundo da escrita e suas próprias convenções. Perini observa, também, que das pessoas consideradas como analfabetos funcionais, há, inclusive, aquelas que frequentaram vários anos de escolarização, incluindo o ensino médio. Isso evidencia, segundo o autor, que apesar de ter aumentado a taxa de escolarização dos brasileiros, esta escolarização parece não estar contribuindo substancialmente para a solução desta questão, embora a alfabetização funcional seja um dos objetivos da escolarização. Como veremos mais adiante no capítulo 3, o autor procura centrar a sua discussão na aquisição da leitura funcional e na qualidade dos textos de que o aluno dispõe para basear esta aquisição. Veja alguns conceitos, apresentados por Soares (1999, p.47), que vão ajudá-lo a compreender o conteúdo deste capítulo. Alfabetização: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. [Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita; exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita]. Aqui é importante salientar que quando falamos de letramento estamos falando de graus ou níveis de letramento (e também de alfabetização), uma vez 18 O Ensino da Leitura que justamente este conceito está relacionado com o uso social da língua. Essa ideia de graus ou níveis de letramento pode ser pensada a partir do contínuo escuta>fala>leitura>escritura; ou seja, de um processo contínuo de desenvolvimento da linguagem, pois os diferentes tipos e graus de letramento estão ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no seu meio social. (SOARES, 1999; FREITAG; GORSKI, 2008). Veja o que diz Soares (1999, p. 58): Termos despertado para o fenômeno de letramento […] significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e escrever, mas é, sobretudo, levar os indivíduos – crianças e adultos – a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita. Repare que se consideramos o letramento como algo que apresenta graus ou níveis, isso significa dizer que numa sociedade considerada moderna e/ou industrializada, centrada na escrita, dificilmente vão existir indivíduos que não possuem nem um grau sequer de letramento. Assim, quanto maior é a nossa competência para ler e, também, escrever os mais diversos textos que circulam na sociedade, maior é o nosso grau de letramento. Se você quiser aprofundar seus conhecimentos sobre letramento e alfabetização e as relações entre dois contextos, sugerimos a leitura de Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares (1999). Figura 2 - Letramento: um tema em três gêneros, Magda Soares (1999) Fonte: Disponível em: <http://www.autenticaeditora.com.br/img/fotos_ livros/letramento_um_tema-z.jpg>. Acesso em: 23 ago. 2009. Termos despertado para o fenômeno de letramento […] significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e escrever, mas é, sobretudo, levar os indivíduos – crianças e adultos – a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 1999, p. 58). 19 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Reflita sobre a seguinte situação: o letramento de um advogado deve ser o mesmo de um chef de cozinha? Quais são as diferenças e as semelhanças entre eles? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Leitura e Conhecimentos do Leitor Na atividade de construção de sentido de um texto, o leitor utiliza, conforme Koch e Elias (2007), determinadas estratégias sociocognitivas, a partirdas quais realiza o processamento textual. As autoras mostram que podemos considerar tal processamento estratégico porque o leitor, na medida em que lê um texto, realiza simultaneamente várias ações interpretativas a fim de compreender os sentidos postos em um determinado texto. Na mesma direção, Antunes (2003) ressalta que, além do conhecimento das regras gramaticais propriamente ditas no nível mais superficial do texto, a interação verbal requer um conhecimento do real e do mundo, um conhecimento das normas de textualização e um conhecimento das normas sociais de uso da linguagem. Também Koch (2002) afirma que, no processamento textual, recorremos a três sistemas de conhecimento: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. O conhecimento linguístico que o leitor utiliza abrange conhecimentos da gramática e do léxico de sua língua materna para compreender a estrutura mais superficial do texto no que diz respeito a sua organização coesiva e sequencial. Por exemplo, a leitura de qualquer texto exige do leitor o conhecimento das relações lógicas estabelecidas entre as sentenças através de elementos coesivos, tais como as conjunções. Todavia, Koch e Elias (2007) observam que, para uma compreensão mais completa dos sentidos de um texto, é preciso que o leitor recorra também ao seu conhecimento enciclopédico (ou conhecimento do real e do mundo, nas palavras 20 O Ensino da Leitura de Antunes, 2007). Este conhecimento, segundo as autoras, abrange conhecimentos gerais sobre o mundo e também “conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos espacio-temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos”. (KOCH ; ELIAS, 2007, p.42). Note que a atividade de leitura conta, portanto, com um conhecimento partilhado entre autor e leitor. Assim, boa parte do que é interpretado está implícito no texto e precisa ser recuperado a partir de outras estratégias que vão além da simples decodificação de itens linguísticos. Veja que Antunes (2007, p. 55) se refere a isso quando afirma que: [...] em todos os nossos textos, é desnecessário dizer absolutamente tudo, pois nossos interlocutores partilham conosco muito do conhecimento adquirido. Ouvir os outros, ler o que eles escreveram são atividades que mobilizam esse saber já partilhado. Kleiman (2002, p.20-1) observa, por sua vez, que o conhecimento de mundo: abrange desde o domínio que um físico tem sobre sua especialidade até o conhecimento de fatos como o gato é um mamífero, Angola fica na África, não se deve guardar fruta verde na geladeira, ou na consulta médica geralmente há uma entrevista antes do exame físico. Assim, a parte do nosso conhecimento de mundo que é importante para a compreensão da leitura deve estar ativada. A autora nos oferece um bom exemplo disso, a partir do texto a seguir, e nos convida a lê-lo tantas vezes quantas forem necessárias para entendê-lo, para depois tentarmos recontar o que lembramos: Como gemas para financiá-lo, nosso herói desafiou valentemente todos os desdenhosos que tentaram dissuadi-lo de seu plano. “Os olhos enganam” disse ele, “um ovo e não uma mesa tipificam corretamente este planeta inexplorado”. Então as três irmãs fortes e resolutas saíram à procura de provas, abrindo caminhos, às vezes através de imensidões tranqüilas, mas amiúde através de picos e vales turbulentos. Os dias se tornaram semanas, enquanto os indecisos espalhavam rumores apavorantes a respeito da beira. Finalmente, sem saber de onde, criaturas aladas e bem-vindas apareceram anunciando um sucesso prodigioso. (KLEIMAN, 2002, p. 21) E então? De que trata este texto? Kleiman explica que este texto foi usado em um teste para demonstrar como a ativação do nosso conhecimento prévio, relevante para o contexto, interfere na compreensão da leitura. A maioria das pessoas que leram o texto acima o consideraram vago demais e quando solicitadas a escreverem o que se lembravam dele, estas lembranças eram fragmentadas e distorcidas Boa parte do que é interpretado está implícito no texto e precisa ser recuperado a partir de outras estratégias que vão além da simples decodificação de itens linguísticos. 21 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Por outro lado, se conhecemos o título do texto – A descoberta da América por Colombo - é possível, então, acionar nosso conhecimento prévio sobre este evento histórico e o texto passa a fazer sentido, porque identificamos quem é o herói, que são as três irmãs as caravelas, que o planeta é a Terra, etc. Experimente ler o texto novamente agora que você já conhece o título. Vejamos agora o conhecimento interacional. Koch e Elias (2007) mostram que este tipo de conhecimento se refere às situações de interação verbal e abrange os conhecimentos ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural. O conhecimento ilocucional é aquele que permite ao leitor identificar os objetivos, os propósitos pretendidos pelo autor ao escrever seu texto. Um exemplo bem simples disso é quando alguém nos pergunta Você sabe que horas são? Há muitas maneiras de interpretar essa frase, mas o contexto mais comum seria aquele em que a pessoa está pedindo que informemos a ela que horas são no momento da pergunta, e o menos provável é aquele em que ela quer saber se sabemos que horas são. Na interpretação mais habitual da sentença, nosso conhecimento ilocucional nos permite identificar a intenção da pergunta e interpretá-la adequadamente, informando, no mais das vezes, a hora a nosso interlocutor. É pouco provável que respondamos com um simples Sei, a menos que estejamos querendo brincar (ou irritar, talvez) com nosso interlocutor. Já o conhecimento comunicacional, segundo as autoras, está ligado a três fatores: a quantidade de informação necessária para que o leitor consiga recuperar o objetivo da produção textual; a seleção da variante linguística adequada à situação de interação; e a adequação do gênero textual à situação sociocomunicativa. Nas palavras de Antunes (2007, p. 63), significa dizer que “ninguém fala o que quer, do jeito que quer, em qualquer lugar”. Pensando neste tipo de conhecimento em relação à leitura, podemos dizer que quando lemos recorremos ao nosso conhecimento comunicacional para avaliar a adequação/inadequação do texto aos objetivos do autor no que se refere a sua informatividade, à variedade linguística e ao gênero textual utilizado. Já o conhecimento metacomunicativo, segundo Koch e Elias (2007, p.52), “é aquele que permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido”. Vários tipos de ações linguísticas podem ser usados para assegurar esse efeito, tais como a introdução de sinais de articulação ou apoios textuais e também pela realização de atividades específicas de formulação ou construção textual para fazer referência ao próprio 22 O Ensino da Leitura discurso. Este conhecimento, segundo Koch (2002, p.48), permite evitar possíveis mal-entendidos ou conflitos ocorridos no processo de comunicação a partir, por exemplo, de realces ou grifos no texto, que asseguram a interpretação desejada. Um exemplo disso é a famosa frase de parachoque de caminhão “Sou casado com a Fátima, mas vivo com a MERCEDES”. Repare que o fato de a palavra Mercedes estar em caixa alta indica ao leitor que há alguma informação a mais na sentença que precisa ser interpretada. No caso, o realce chama a atenção para o fato de que Mercedes neste contexto não é simplesmente o nome de uma mulher, mas a marca do caminhão, o que leva o leitor a entender a intenção do autor, qual seja, mostrar que vive mais na estrada, trabalhando como motorista de caminhão, do que em casa, com suaesposa, a Fátima. Por fim, o conhecimento superestrutural abrange o conhecimento das macrocategorias ou unidades globais que distinguem os vários tipos de textos e também a ordenação e a sequenciação textuais, permitindo ao leitor identificar a adequação de determinado texto às práticas sociais que regulam o comportamento das pessoas nas mais variadas situações de interação verbal. (ANTUNES, 2007). Koch (2002) salienta ainda que, para cada um destes sistemas existe um conhecimento específico que regula, adapta e atualiza o uso de cada sistema de acordo com as necessidades dos interlocutores no momento da interação. Ou seja, na atividade de leitura, por exemplo, este sistema específico coloca os outros sistemas em prática na medida em que o leitor precisa deles a fim de realizar o processamento textual. Isso significa dizer também que o leitor, considerado aqui como um sujeito ativo em interação com o texto e com o autor, ao construir os sentidos de um texto, faz antecipações, formula hipóteses que serão confirmadas ou rejeitadas no decorrer da leitura. Para as rejeitadas, volta a levantar novas hipóteses, testando- as a partir dos conhecimentos arquivados na memória e ativados na interação com o texto. (KOCH; ELIAS, 2007). Tal interação, naturalmente, dependerá dos objetivos da leitura, já que, nas palavras de Koch e Elias (2007, p.19), “são os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou menos tempo; com mais ou menos atenção; com maior interação ou com menor interação”. Isso fica evidente se compararmos, por exemplo, a leitura que fazemos de um outdoor, cuja leitura é “obrigatória”, e a leitura prazerosa de um romance. No capítulo 2 voltaremos a esta questão dos objetivos da leitura. Para fechar esta seção, vejamos o trecho de Kleiman (2002) que resume o conhecimento prévio que o leitor coloca em jogo quando lê: Segundo Koch e Elias (2007, p.19), “são os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou menos tempo; com mais ou menos atenção; com maior interação ou com menor interação”. 23 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo da vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN, 2002, p. 13). Atividade de Estudos: 1) Sintetize com suas palavras os três sistemas de conhecimento que utilizamos no processamento textual. Você pode ilustrar sua explicação com exemplos. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Leitura, Intertextualidade e Produção de Sentidos Vejamos agora um conceito extremamente importante na atividade de leitura e de construção de sentidos: a intertextualidade, a qual pode ser definida como: elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e que compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos. (KOCH; ELIAS, 2007, p.86). Embora existam vários tipos de intertextualidade, seguiremos aqui Koch et al. (2007) e trataremos dos quatros tipos básicos de intertextualidade: a temática, a estilística, a implícita e a explícita, bem A intertextualidade pode ser definida como: elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e que compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/ recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos. (KOCH; ELIAS, 2007, p.86). 24 O Ensino da Leitura como de suas relações com a construção de sentidos na atividade de leitura. A intertextualidade temática pode ser encontrada em textos cujos temas, conceitos e terminologias são partilhados, pois já estão predefinidos no interior de cada área de conhecimento. Como exemplo, podemos citar os textos científicos pertencentes a uma mesma área e conhecimento. Outro exemplo dado por Koch et al. (2007) são os contos de fadas tradicionais ou as lendas folclóricas pertencentes a várias culturas. A interação do leitor com estes textos se torna mais fácil ou não, na medida em que ele compartilha o mesmo conhecimento temático veiculado pelo texto. Isto fica claro, por exemplo, quando lemos um texto acadêmico de uma área da qual temos pouco conhecimento ou, ainda, quando o texto veicula informações muito especializadas de determinadas áreas com as quais não temos muita intimidade. A produção de sentidos a partir da leitura, nestes casos, será prejudicada. A intertextualidade estilística ocorre, segundo Koch et al. (2007, p.19), “quando o produtor do texto, com objetivos variados, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades linguísticas”. Um exemplo disso, apresentado pelas autoras, é o caso de textos que se emolduram na linguagem bíblica, como este a seguir que volta e meia circula na internet: Oração do internauta Satélite nosso que estais no céu, acelerado seja o vosso link, venha a nós o vosso host, seja feita vossa conexão, assim em casa como no trabalho. O download nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai nosso tempo perdido no Chat, assim como nós perdoamos os banners de nossos provedores. Não nos deixeis cair a conexão e livrai-nos do Spam, Amém! (KOCH ; BENTES; CAVALCANTE, 2007, p. 20). Repare que a construção de sentido do texto acima, isto é, o engraçado nele acontece justamente no fato de ele remeter ao Pai Nosso. Assim, a interpretação deste texto como algo jocoso só se dará se o seu leitor conhecer a estrutura retórica de uma oração. A intertextualidade implícita vai apelar, portanto, para a memória social acerca dos diferentes tipos e gêneros textuais. Já a intertextualidade explícita acontece quando há menção, no próprio texto, da fonte do intertexto. Por exemplo, como foi feito no primeiro parágrafo desta seção, quando citamos um trecho do texto de Koch e Elias (2007). É, ainda, o caso de generalizações do tipo “segundo os povos antigos”, ou quando reportamos o que está sendo dito como tendo sido dito pelo outro (que não nós), como em citações, referências, resumos, resenhas, traduções etc. (KOCH, 2007; KOCH; ELIAS, 2007). 25 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Por outro lado, a intertextualidade implícita é aquela em que o leitor precisa recuperar o intertexto na memória a fim de construir os sentidos do texto, já que não há nenhuma menção explícita da fonte. Como exemplo deste tipo de intertextualidade, temos as alusões a textos de outros autores ou até do coletivo, como, por exemplo, a paródia, alguns tipos de paráfrase e as ironias. Neste tipo de intertextualidade também é tarefa do leitor identificar os objetivos de o autor ter inserido determinadointertexto em seu discurso. Se o leitor não consegue perceber os objetivos ou, ainda, recuperar o intertexto na memória, inevitavelmente a construção de sentido do texto ficará prejudicada. Um bom exemplo disso são os filmes Shrek, Shrek 2 e Shrek Terceiro, nos quais há o tempo inteiro o uso da intertextualidade com outros filmes, outras histórias, outros personagens, como o gato de botas, os três porquinhos, as princesas dos contos de fadas, as fadas-madrinhas, etc. Inclusive, há nestes filmes intertextualidade com a estrutura própria dos contos de fadas, em que há uma princesa em perigo que deve ser salva por um príncipe, com o qual se casará e viverá feliz para sempre no final da história: Atividade de Estudos: 1) Assista a um dos filmes do Shrek e faça uma lista dos filmes e das histórias que são referenciados via intertextualidade implícita e explícita. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ No capítulo 4 deste caderno de estudos, retomaremos o conceito de intertextualidade porque, como mostram Kleiman e Moraes (1999), ele é peça- 26 O Ensino da Leitura chave para compreendermos por que e como a leitura rompe com a fragmentação disciplinar criada, de um modo geral, pela escola. Neste capítulo, vimos que a produção de sentido de um texto depende em grande medida de se perceber/reconhecer a presença de outros textos (os intertextos) nos textos e, mais que isso, perceber que o uso de intertextos provoca uma nova construção de sentidos nos textos. Para uma visão mais detalhada sobre intertextualidade, leia Intextextualidade: diálogos possíveis, de Koch, Bentes e Cavalcante (2007). Atividade de Estudos: 1) Volte à primeira atividade de estudo deste capítulo e veja o que você respondeu lá sobre suas práticas pedagógicas ligadas à leitura. Agora que nós já estudamos as concepções de língua, texto e leitura, reflita sobre as concepções, implícitas ou não, que estavam envolvidas nestas práticas. Você mudaria algo nelas? O quê? Por quê? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 27 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Leitura, Texto e Contexto A leitura, como vimos até aqui a partir dos estudos de Koch e Elias (2007) et al., e partindo de uma concepção interacionista da linguagem, caracteriza- se como uma atividade complexa de produção de sentidos que envolve tanto elementos linguísticos da superfície do texto e de sua organização, como também conhecimentos prévios do leitor. Vimos também que os sentidos de um texto são construídos na interação leitor-autor-texto, o que torna o contexto essencial para a produção de sentidos, uma vez que, para tanto, o leitor recorre a aspectos contextuais como conhecimento de língua, de mundo, de situação sociocomunicativa, etc. Para entender melhor a dimensão do contexto na produção de sentido de um texto, podemos pensar na metáfora do iceberg, segundo a qual as informações explícitas de um texto são a ponta do iceberg, que está aparente na água. Já toda a parte submersa seriam os implícitos do texto, os quais fundamentam a interpretação deste. Uma vez que tanto a parte de superfície como a parte submersa contribuem para a interpretação e a produção de sentidos do texto, o iceberg como um todo representa o contexto. (KOCH; ELIAS, 2007). Figura 3 – Iceberg Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/J2xj2j>. Acesso em: 23 ago. 2009. Assim, segundo Koch e Elias (2007, p. 64), o contexto é “um conjunto de suposições, baseadas nos saberes dos interlocutores, mobilizadas para a interpretação de um texto”. Isso significa dizer que para que a construção de sentidos de um texto aconteça, é necessário que os contextos sociocognitivos de autor-leitor sejam pelo menos parecidos. Ou seja, os conhecimentos prévios que vimos anteriormente, como o enciclopédico, o textual, o conhecimento de mundo de ambos precisam ser, pelo menos em parte, compartilhados, para que possa haver a compreensão do texto. 28 O Ensino da Leitura Koch e Elias (2007) ressaltam, ainda, que a importância do contexto é tal para a interpretação de um texto que é a partir dele que podemos, por exemplo, desambiguizar sentenças, preencher lacunas no texto, ou ainda dar a uma mesma expressão linguística significados diferentes a partir de fatores contextuais, já que o contexto acaba por justificar o que é dito. Além disso, a noção de intertextualidade, que vimos anteriormente, é um dos conhecimentos, como salientam as autoras, que constituem o contexto. Algumas Considerações Vimos neste capítulo que a leitura é uma atividade ligada a práticas sociais e que pressupõe diversos tipos de conhecimento que vão desde o conhecimento mais básico dos sinais gráficos até um conhecimento mais amplo sobre gêneros textuais e usos interativos da linguagem. Percebemos, também, que para o leitor realizar a produção de sentidos de um texto, é necessário que ele coloque em ação seus conhecimentos referentes às informações explícitas do texto, bem como seus conhecimentos referentes às informações implícitas. Retomando a metáfora do iceberg, as primeiras estão representadas pela parte visível deste e as últimas pela parte submersa. O iceberg como todo representará o contexto a partir do qual o leitor, como um sujeito ativo, realiza a produção de sentidos do texto. No próximo capítulo, retomaremos as discussões feitas aqui, levando em conta o papel da escola no desenvolvimento das habilidades linguísticas de leitura. Para fechar este capítulo, vejamos o que nos diz Soares (1999, p. 48) sobre a leitura: Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete,ou um história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal...Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto deste continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura? 29 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1Referências ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. ______. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se complementam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1981. FREITAG, Raquel; GÖRSKY, Edair. Ensino de língua materna. Florianópolis: UFSC, 2008. FIORIN, José Luiz. Gêneros e tipos textuais. In: MARI, Hugo; WALTY, Ivete; VERSIANI, Zélia. (Org.). Ensaios sobre leitura. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2005. p.101-117. KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8.ed. Campinas, SP: Pontes, 2002. KLEIMAN, Ângela; MORAES, Silvia. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça et al. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. KOCH, Ingedore; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Monica. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. KOCH, Ingedore. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura de mundo. São Paulo: Ática, 2000. PERINI, Mário. A leitura funcional e a dupla função do texto didático. In: ZILBERMAN, R.; SILVA, Ezequiel T. (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. 4. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 78-99. 30 O Ensino da Leitura SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2004. _____. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. _____. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 5. ed. São Paulo: Ática, 1988. ZILBERMAN, Regina. A Leitura na Escola. In: _____. Gunderlines (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado aberto, 1982. CAPÍTULO 2 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Reconhecer a importância das práticas sociais de leitura como condição para o ensino da língua materna. � Discutir o papel da escola no desenvolvimento das habilidades linguísticas de leitura. � Desenvolver atividades didático-pedagógicas voltadas para o ensino da leitura. 32 O Ensino da Leitura 33 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Contextualização Neste capítulo, vamos retomar a concepção de leitura que adotamos no capítulo 1, baseada na concepção interativa da linguagem e mostrar quais as implicações de assumi-la para o ensino da leitura. Além disso, vamos entender um pouco como acontece o aprendizado da leitura pela criança para, então, discutirmos que habilidades de leitura queremos desenvolver nos nossos alunos. O primeiro passo para isso é começarmos a pensar sobre qual a importância da leitura nas nossas aulas. Em um primeiro momento a resposta parece simples, não é mesmo? A leitura é o começo de todo aprendizado, é a partir dela que nossos alunos têm acesso aos conteúdos das aulas, das disciplinas. Mas, repare, pensando desta maneira, não estaremos utilizando a leitura apenas como um meio para alcançar outros objetivos de ensino-aprendizagem? Não estaremos dando à leitura um papel secundário nas nossas aulas? Não estaremos “marginalizando” um dos pontos fundamentais da educação dos nossos alunos, tirando da leitura sua característica de prática social? Vejamos o que alguns autores têm a nos dizer a esse respeito. Antes de entrarmos nas próximas páginas, convidamos você para refletir sobre o ensino da leitura numa concepção interativa da linguagem, a partir do trecho abaixo, de Lajolo (1982, p. 52): O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um texto existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor, reunidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida o igualmente solitário ato da escritura. No entanto, sua presença na escola cumpre funções várias e nem sempre confessáveis, frequentemente discutíveis, só às vezes interessantes. 34 O Ensino da Leitura Atividade de Estudos: 1) Agora que você já leu o trecho acima e já observou o quadro do leitor solitário, com o horizonte a sua frente, procure refletir sobre quais seriam os objetivos de ensino da leitura na escola a partir de uma concepção interativa de linguagem. Escreva aqui suas reflexões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Concepção de Leitura e a Prática do Indivíduo como Professor e Leitor Um ponto importante para o ensino da leitura, já levantado por vários autores, é a própria prática de leitura dos professores envolvidos com o ensino da leitura. Ou seja, como estes professores veem a leitura e que tipo de relação estabelecem com ela. A este respeito, vejamos o que Silva (1998, p. 22) observa: 35 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Sem professores que leiam, que gostem de livros, que sintam prazer na leitura, muito dificilmente modificaremos a paisagem atual da leitura escolar. Mesmo com o preenchimento de todos os quesitos e ideias para a efetivação da leitura na escola, sem a presença devidamente instrumentalizados na comunicação escrita, não existe a mínima possibilidade de transformação e avanço. Silva (1998) procura mostrar que para formar leitores é preciso em primeiro lugar que o professor seja leitor, goste de ler e passe para seus alunos o encantamento e a beleza de se ler um bom livro e, mais que isso, mostre a seus alunos a importância que a leitura, nas suas mais variadas funções, tem na vida cotidiana. Ainda sobre esta questão, Anne-Marie Chartier (2005), por exemplo, em uma pesquisa com futuros professores, realizada no Instituto Universitário de Formação de Mestres, na França, mostra que quando estes tratam da pedagogia da leitura, demonstram a necessidade de expor os alunos a gêneros textuais diversos, sem hierarquizá-los. Contudo, quando interrogados sobre suas práticas de leitura, estes mesmos futuros professores parecem selecionar na memória as “verdadeiras leituras”, daquelas consideradas em um primeiro momento como menos importantes, como evidencia o relato que segue: “Evidentemente, também li romances policiais e histórias em quadrinhos, mas isso não conta”. (CHARTIER,2005, p. 90). O que isto ilustra? Que nós professores, às vezes, ainda trazemos arraigados alguns resquícios das concepções de língua e de leitura a que fomos expostos quando estudantes ainda, em que a atividade de leitura estava intimamente associada à leitura dos clássicos, voltada para a instrução cultural e que pouco tinha a ver com as práticas de leitura vividas pelos leitores no cotidiano. Vários autores mostram que esses ecos do passado influenciam nossas práticas pedagógicas em relação à leitura sem muitas vezes nos darmos conta disso. Ademais, como observa Lajolo (1982), o professor não pode esquecer que para além de sua condição docente, ele continua a ser leitor e um leitor privilegiado, já que sua leitura é, em princípio, mais abrangente que a leitura imatura de seus alunos. Neste sentido, a leitura do professor deve ser aquela em que a cada nova leitura há um deslocamento e uma alteração de significados, no sentido de que, como vimos até agora, a cada nova leitura se estabelece uma nova interação entre leitor-autor-texto. Ou seja, “se a relação do professor com o texto não tiver significado, se ele não for um bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor”. (LAJOLO, 1982, p. 53). É preciso em primeiro lugar que o professor seja leitor, goste de ler e passe para seus alunos o encantamento e a beleza de se ler um bom livro. (SILVA, 1998). 36 O Ensino da Leitura Lembre-se de que vimos no capítulo 1 que Antunes (2003) nos chama a atenção para o fato de que toda atividade pedagógica de ensino do português apresenta de forma subjacente, implícita ou explicitamente, uma determinada concepção de língua. Veja o que nos diz esta autora: Nada do que se realiza na sala de aula deixa de estar dependente de um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos linguísticos são percebidos e tudo, consequentemente, se decide. Desde a definição dos conteúdos, passando pela definição dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua, de suas funções, de seus processos de aquisição, de uso e de aprendizagem. (ANTUNES, 2003, p.39). Isso não é diferente com a leitura. Qualquer prática em sala de aula envolvendo a leitura tem, por trás, um posicionamento em relação à linguagem, mesmo que de modo implícito. Antunes (2003) também observa que, algumas vezes, percebe certa desconfiança da parte dos professores no que se refere a fornecer-lhes mais embasamentos teóricos que possam fundamentar melhor suas práticas. Segundo a autora, afirmativas vindas dos professores do tipo “queremos mais prática” podem significar um descontentamento com as explicações teóricas que lhes são oferecidas em cursos de formação para professores, o que pode se justificar se o que lhe foi oferecido do ponto de vista teórico não contribui significativamente para sua prática pedagógica. Por outro lado, esta desconfiança pode ser traduzida também como uma incompreensão do que seja teoria e prática e da interdependência que existe entre ambas, ou ainda como uma acomodação por parte dos professores, que esperam receber passivamente “fórmulas prontas“ para sua prática pedagógica, de forma que os dispense de “estudar , de pesquisar, de avaliar, de criar, de inventar e reinventar sua prática, o que naturalmente supõe fundamentação teórica, ampla, consistente e relevante.” (ANTUNES, 2003, p.40). Embora reconhecendo os esforços feitos para melhorar a qualidade de ensino nas escolas, Antunes (2003, p.27-28) nos oferece um panorama de como geralmente acontece a atividade pedagógica de ensino da leitura. Pensemos agora nas nossas próprias práticas pedagógicas de ensino de leitura a partir dos pontos negativos listados pela autora a seguir, que se referem ao ensino de leitura de textos não-literários: • uma atividade de leitura centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem dirigir, contudo, a aquisição de tais habilidades para a 37 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 dimensão da interação verbal; • uma atividade de leitura sem interesse, sem função, pois aparece inteiramente desvinculada dos usos sociais que se faz da leitura atualmente; • uma atividade de leitura puramente escolar, sem gosto, sem prazer, convertida em momento de treino, de avaliação ou em oportunidade para futuras “cobranças”; leitura que é, assim, reduzida a momentos de exercício, sejam aqueles da “leitura em voz alta” realizados, quase sempre, com interesses avaliativos, sejam aqueles que têm de culminar com a elaboração das conhecidas “fichas de leitura”; • uma atividade de leitura cuja interpretação se limita a recuperar os elementos literais e explícitos presentes na superfície do texto. Quase sempre esses elementos privilegiam aspectos apenas pontuais do texto (alguma informação localizada em um ponto qualquer), deixando de lado os elementos de fato relevantes para a compreensão global (como seriam todos aqueles relevantes à ideia central, ao argumento principal defendido, à finalidade global do texto, ao reconhecimento do conflito que provocou o enredo da narrativa, entre outros); • uma atividade incapaz de suscitar no aluno a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (muitas vezes, o que se lê na escola não coincide com o que se precisa ler fora dela); • enfim, uma escola “sem tempo para a leitura”. Fiorin (2007), ao discutir as práticas atuais da escola em relação ao ensino de língua materna nos níveis fundamental e médio, também aponta para problemas semelhantes a estes tratados por Antunes (2003) no que se refere à leitura. O autor observa que “o ensino de língua deve sempre ter em vista que as formas da língua existem para produzir sentido”. (FIORIN, 2007, p. 96). Contudo, o principal problema é que a escola ainda insiste no ensino de leitura sem uma boa fundamentação em teorias do discurso e do texto. Segundo o autor, “[...] o ensino do texto precisa fundamentar-se no estudo cuidadoso de mecanismos intra e interdiscursivos de produção de significados. Sem isso, ensina-se a ler um texto determinado, não a ler qualquer tipo de texto” (FIORIN, 2007, p.105). “[...] o ensino do texto precisa fundamentar- se no estudo cuidadoso de mecanismos intra e interdiscursivos de produção de significados. Sem isso, ensina-se a ler um texto determinado, não a ler qualquer tipo de texto” (FIORIN, 2007, p.105). 38 O Ensino da Leitura Atividade de Estudos: 1) E então? Você reconheceu alguma das práticas listadas por Antunes (2003) em algum momento de sua prática pedagógica de ensino da leitura? Veja que se assumimos uma concepção interativa da linguagem isso terá consequências para a nossa prática pedagógica. Que consequências seriam? Escreva aqui suas reflexões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________Reforçando o que estudamos no capítulo 1, Antunes (2003) salienta que a atividade da leitura complementa a atividade da produção escrita. Portanto, é uma atividade de interação entre autor-leitor-texto, que vai além da simples decodificação dos sinais gráficos. “O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua participativamente, buscando recuperar, interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor” (ANTUNES, 2003, p. 67), a partir de seus conhecimentos prévios à leitura. É importante salientar, neste ponto, que embora estejamos tratando do ensino da leitura em separado, apartado das demais habilidades linguísticas, a atividade de leitura está vinculada a estas por fazer parte do contínuo escuta>fala>leitura>escritura, conforme estudamos no capítulo 1 deste caderno de estudos. Isso significa dizer que apesar de estarmos construindo um olhar particular para o ensino da leitura, esta deve ser vista e pensada a partir da 39 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 interrelação e da interdependência que se estabelece entre as quatro habilidades do contínuo no ensino de língua materna. Assim, em termos gerais, a leitura, segundo Antunes (2003), desdobra-se em três pontos principais. Em primeiro lugar, a autora mostra que a atividade de leitura auxilia na ampliação dos repertórios de informação do leitor e que, por isso mesmo, a leitura escolar de textos de outras disciplinas são essenciais para que o aluno conheça novas palavras ou usos especializados de expressões já conhecidas, ou ainda para que incorpore novas ideias e novos conceitos. Com isso, o que Antunes(2003) quer nos mostrar é que se estamos pensando nas práticas pedagógicas de leitura a partir de uma concepção interacionista da linguagem, isso significa vincular o ensino da leitura a práticas sociais de leitura, incluindo aquelas próprias do ambiente escolar, como, por exemplo, o desenvolvimento das habilidades de leitura dos textos das outras disciplinas da grade curricular. Ou seja, o desenvolvimento das habilidades de leitura para a aquisição de novos conhecimentos institucionalizados, próprios do meio escolar. Em segundo lugar, a leitura possibilita a experiência do gosto pela leitura. Ou seja, ler por gostar de ler, sem que haja cobranças, apenas pela “experiência gratuita do prazer estético”. (ANTUNES, 2003, p. 71). Na mesma direção, Fiorin (2007) observa que os alunos devem ter contato com textos diferentes, tais como: textos jornalísticos, filosóficos, científicos etc., mas o contato com o texto literário é que dará ao aluno a dimensão das diferentes possibilidades de que a linguagem humana é capaz. Por fim, a atividade de leitura permite apreender o vocabulário específico de certos gêneros textuais e/ou áreas específicas, bem como os padrões gramaticais peculiares à escrita (morfologia, sintaxe, organização, forma de apresentação dos textos etc). Levando em conta estes três pontos, Antunes (2003) conclui que a atividade de leitura amplia a nossa competência discursiva da língua. A partir da concepção de leitura que assumimos aqui, e de acordo com Antunes (2003) e com os demais autores que estamos estudando, podemos dizer que a construção de sentidos de um texto não está apenas no texto e no leitor, mas sim em todo o material linguístico que o constitui e em todo o conhecimento anterior que o leitor já tem do objeto de que trata o texto. Desta forma, Antunes (2003) aponta uma série de implicações pedagógicas decorrentes desta tomada de decisão em relação à leitura e à língua e que o professor poderá fazer uso em suas aulas, desde que assuma tais princípios expostos acima. Vejamos quais são estas implicações pedagógicas: 40 O Ensino da Leitura • leitura de textos autênticos: que tenham uma função comunicativa, e que tenham como objetivo a interação, além de apresentarem um suporte social como: jornal, revista etc. Mesmo na fase da alfabetização, a autora recomenda o uso de textos reais e de boa qualidade, mesmo que sejam curtos. • leitura interativa: que sirva como um lugar de encontro entre quem escreveu e quem lê, a fim de que haja a produção de sentidos; • leitura em duas vias: que sirva para que os alunos percebam a dependência mútua entre a atividade de escrever e a atividade de ler e compreender; • leitura motivada: que sirva para mostrar aos alunos as vantagens de saber ler e de poder ler, explicando os objetivos da atividade, por que ele deve ler o texto e, assim, despertar o aluno a fazê-lo bem; • leitura do todo: levar o aluno a identificar a ideia, o tema central do texto, a finalidade, a informação principal e secundária, dando ênfase à interpretação global do texto; • leitura crítica: fazer o aluno interpretar as ideias do texto, mostrando que por trás das palavras e das afirmações existe uma ideia; isso permite que o aluno perceba que nenhum texto é neutro, já que veicula e reforça ideias já sedimentadas; • leitura de reconstrução do texto: depois de entender o texto, desmontar e descobrir os elementos que o compõem tanto no plano das ideias como no plano estrutural; • leitura diversificada: que sirvam para o aluno perceber as diferenças de linguagem e de apresentação e o suporte onde os textos circulam em leituras variadas, de gêneros diferentes e com objetivos diferentes; • leitura também por “pura curtição”: estimular com muita frequência a leitura gratuita sem cobrança, leitura pelo gosto de ler textos que despertem esse gosto; • leitura apoiada no texto: mostrar ao aluno que devemos prestar atenção às pistas que as palavras do texto nos dão, bem como aos seus efeitos de sentido, já que a interpretação de um texto deve estar apoiada nestas pistas; • leitura não só das palavras expressas no texto: mostrar ao aluno que cada leitor em sua leitura vai interpretando enquanto lê e construindo sentidos que estão em níveis que transcendem o material linguístico expresso no texto; ou Podemos dizer que a construção de sentidos de um texto não está apenas no texto e no leitor, mas sim em todo o material linguístico que o constitui e em todo o conhecimento anterior que o leitor já tem do objeto de que trata o texto. 41 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 seja, o aluno precisa ativar outros conhecimentos prévios à leitura; • leitura nunca desvinculada do sentido: quando houver leitura em voz alta, recomendar as pausas adequadas, boa pronúncia, observando a pontuação, como recurso para que os alunos compreendam melhor o texto, e não como um fim em si mesmo. Para fechar esta seção, vejamos o trecho abaixo, de Beisiegel (1988, p. 21), sobre o papel da escola na formação de seus alunos: A população conseguiu escola, isto é fundamental. E ela precisa continuar lutando para que esta escola deixe de ser de mentira e se transforme em alguma coisa que corresponda a seus interesses. Uma escola que corresponde aos interesses populares não será, nunca, uma escola que se limite a ensinar leitura, cálculo e outras noções elementares. Deverá ser, também, uma escola que discuta, ao mesmo tempo, o próprio conhecimento que está sendo transmitido, explicite os conceitos, os conteúdos ideológicos que estão sendo transmitidos. Os chamados “conteudistas” são objetivamente conservadores nas suas colocações. Leitura: Ensinar o quê? Antes de falarmos das habilidades de leitura que queremos que nossos alunos desenvolvam, é importante nos perguntarmos o que exatamente quer dizer ensinar leitura. Comecemos, então, com um trecho de Kleiman (1989, p. 51) que nos faz parar para pensar sobre o nosso papel como professores de leitura: É desmotivadoraa ideia de que a grande maioria de nossos alunos, que não chegará à Universidade, estaria condenada a sair da escola sem ter desenvolvido as habilidades necessárias para compreender um texto de modo a expressar o mais importante dele num resumo ou a perceber a atitude do autor. Se se crê que essas habilidades são adquiridas tão tardiamente no processo escolar, essa crença é apenas um passo para o abandono do exercício das estratégias que desenvolveriam essas capacidades e habilidades. Kleiman (1989), ao falar sobre ensino de leitura, nos coloca duas questões importantes: Como podemos falar de ensino de leitura? Ensinar a fazer o quê? Como observa a autora, sabemos que o processo de compreensão de um texto é algo subjetivo. A experiência que cada leitor carrega determinará uma leitura em um dado momento e uma leitura diferente em outros momentos diferentes do mesmo leitor. Assim, como podemos pensar em unificar e homogeneizar aquilo que naturalmente é heterogêneo, que depende da experiência e do momento de leitura de cada leitor em particular? 42 O Ensino da Leitura Diante disso, o argumento de Kleiman é de que se pretendemos ensinar a leitura como compreensão, está fora de questão unificar e impor uma leitura única. Ao contrário. Ensinar a ler é, para Kleiman (1989): • criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto; • mostrar que quanto mais o leitor consegue prever o conteúdo do texto, melhor será sua compreensão; • ensinar o leitor a perceber quando tem problemas com a compreensão do texto através de auto-avaliação; • ensinar o uso de diferentes tipos de conhecimento – linguístico, discursivo, enciclopédico, a fim de resolver falhas momentâneas no processo de compreensão; • ensinar que o texto é um todo significativo e que as partes que o constituem só têm sentido na medida em que contribuem para o significado global do texto. A partir disso, ensinar a ler implica muito mais que ensinar apenas um conjunto de estratégias de leitura, ensinar a ler implica “criar uma atitude que faz da leitura a procura da coerência” (KLEIMAN, 1989, p. 152). Mas como criar essa atitude? Em primeiro lugar, como observa a autora, é preciso sensibilizar o aluno para os elementos linguísticos que sustentam o quadro referencial proposto pelo autor do texto, hierarquizando ou salientando informações, dando coesão e coerência, sustentando a progressão temática do texto etc. Nesta mesma direção, Koch e Elias (2007) mostram que muitos dos mecanismos textuais, tais como a referenciação, a coesão, a coerência e a sequenciação textuais são atividades discursivas, uma vez que representam escolhas feitas pelo leitor a partir do material linguístico disponível no momento da interação verbal. Sensibilizar o aluno para isso faz parte do que chamamos ensino de leitura. Isso significa, portanto, que ensinar leitura abrange também ensinar o aluno a perceber os mecanismos de coesão, de coerência, de referenciação etc., dos textos e de que forma tais mecanismos contribuem para a produção de sentido. Um exemplo disso, apresentado em Koch e Elias (2007), é o uso dos hiperônimos com funções anafóricas, os quais podem retomar termos pouco usuais, ativando, assim, o conhecimento prévio do interlocutor: Ensinar a ler implica “criar uma atitude que faz da leitura a procura da coerência” (KLEIMAN, 1989, p. 152). 43 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Mais do que expressão de criatividade, os brasileirismos são um hábito nacional que se manteve muito depois que as palavras em tupi e guarani fossem incorporadas ao português depois de Cabral. Alguns desses neologismos surgiram da intuição popular, outros por puro impulso nacionalista de uma elite para lá de bacharelesca. Hoje muitas palavras usuais nem parecem ter certidão de nascimento nacional. Mas são brasileiras da gema! (Fonte: Revista Língua Portuguesa, ano 1, n.2, p.62. In: KOCH; ELIAS, 2007, p. 142). Repare que, a partir do exemplo acima, é possível trabalhar com o conceito de hiperônimo de maneira contextualizada e mostrando que o uso do hiperônimo neologismo é utilizado como um suporte anafórico para a construção de sentidos do texto, no sentido de ele retomar a expressão brasileirismo. Kleiman (1989, p. 152), por sua vez, observa que também é preciso “criar condições na sala de aula para que a criança interaja globalmente com o autor via o texto”. Isso significa, conforme a autora, que a leitura em voz alta, por exemplo, é uma estratégia interessante para avaliar e desenvolver certas habilidades, tais como descobrir se o aluno reconhece regras ortográficas. Entretanto, não é o tipo de atividade que auxilia nas habilidades de compreensão do texto, uma vez que o aluno não pode utilizar, durante a leitura em voz alta, estratégias de voltar a sequências do texto que não ficaram claras na primeira leitura. Portanto, se o objetivo da leitura é desenvolver a habilidade de compreensão do texto, o mais adequado, segundo Kleiman (1989), seria a leitura silenciosa, na qual o leitor tem, no seu próprio ritmo, as condições necessárias para poder voltar e avançar na leitura, a fim de compreender os sentidos do texto. Kleiman (1989) mostra, inclusive, que o uso excessivo da leitura em voz alta pode ser um fator inibidor do desenvolvimento do bom leitor. Isto porque o aluno estará mais preocupado com a decodificação da escrita e com a correta pronúncia das palavras, além da pressão de estar naquele momento sob a mira da avaliação do professor e dos colegas. Desse modo, as condições para que o leitor se envolva na busca dos significados do texto a partir de estratégias de regressão e releitura que forem necessárias ficarão prejudicadas. E isso ainda se agravará mais no caso do nível fundamental, em que as crianças não apresentam desenvoltura total na leitura. Outra prática comum que, segundo Kleiman (1989), também inibe o desenvolvimento das habilidades de compreensão na leitura é a leitura sem orientação. Como exemplo, a autora cita a prática em que o professor pede que a turma abra o livro na página tal e leia, sem uma preparação prévia que faça uma Também é preciso “criar condições na sala de aula para que a criança interaja globalmente com o autor via o texto”. 44 O Ensino da Leitura ponte entre os conhecimentos prévios dos alunos e as informações contidas no texto a ser lido, a fim de facilitar a compreensão dele. O que se poderia fazer neste caso? Kleiman (1989) afirma que o primeiro passo é ter claros os objetivos da leitura para que o aluno possa adaptar suas estratégias de leitura e de abordagem ao texto a ser lido e aos objetivos da leitura em questão. A este respeito, Antunes (2003) observa que qualquer processo pedagógico impõe o cuidado em se prever e se avaliar a todo momento as concepções, os objetivos, os procedimentos e os resultados que temos alcançado, a fim de que possamos efetivamente ampliar as competências comunicativas e interacionais dos alunos. Ler textos sem objetivos claros de leitura é o tipo de prática pedagógica que pode ser evitada a partir de uma concepção de leitura interacionista, pois, neste caso, é importante que o aluno saiba porque está lendo determinado texto e qual o papel social deste. Assim, a leitura e o texto deixam de ser pretextos para outras atividades escolares e se tornam práticas sociais consistentes com objetivos claros para o aluno. Repare que as discussões a que estamos nos referindo aqui em relação ao ensino de leitura estão contempladas nos PCN de língua portuguesa, como podemos observar na citação abaixo: O trabalho com leitura deve ser diário. Há inúmeras possibilidadespara isso, pois a leitura pode ser realizada: • de forma silenciosa, individualmente; • em voz alta (individualmente ou em grupo) quando fizer sentido dentro da atividade; e • pela escuta de alguém que lê. No entanto, alguns cuidados são necessários: • toda proposta de leitura em voz alta precisa fazer sentido dentro da atividade na qual se insere e o aluno deve sempre poder ler o texto silenciosamente, com antecedência — uma ou várias vezes; • nos casos em que há diferentes interpretações para um mesmo texto e faz-se necessário negociar o significado (validar interpretações), essa negociação precisa ser fruto da compreensão do grupo e produzir-se pela argumentação dos alunos. Ao professor cabe orientar a discussão, posicionando-se apenas quando necessário; • ao propor atividades de leitura convém sempre explicitar os objetivos e preparar os alunos. É interessante, por exemplo, dar conhecimento do assunto previamente, fazer com que os alunos levantem hipóteses sobre o tema a partir do título, oferecer informações que situem a leitura, criar um certo suspense quando for o caso, etc.; • é necessário refletir com os alunos sobre as diferentes modalidades de leitura e os procedimentos que elas requerem do leitor. São coisas muito diferentes ler para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir Ler textos sem objetivos claros de leitura é o tipo de prática pedagógica que pode ser evitada a partir de uma concepção de leitura interacionista. 45 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 o que deve ser feito, ler buscando identificar a intenção do escritor, ler para revisar. É completamente diferente ler em busca de significado — a leitura, de um modo geral — e ler em busca de inadequações e erros — a leitura para revisar. Esse é um procedimento especializado que precisa ser ensinado em todas as séries, variando apenas o grau de aprofundamento em função da capacidade dos alunos. (BRASIL, 1997, p.44-45). Resumindo, o ensino da leitura deve estar atrelado, antes de mais nada, a um objetivo específico que esteja claro tanto para o professor como para o aluno; deve estar vinculado, também, a práticas sociais de uso da leitura, a fim de desenvolver e aprimorar as habilidades linguísticas do aluno. Habilidades de Leitura a Serem Desenvolvidas no Ensino Fundamental Kato (1998) observa que o aprendizado da leitura também está vinculado, até certa medida, a um desenvolvimento biológico, já que o ser humano vem potencialmente dotado de uma capacidade simbólica que passa por desenvolvimento padrão, quando há um conjunto mínimo de estímulos desencadeadores. A autora nota, também, que estes estágios de maturação são o denominador comum entre teorias distintas, tais como Chomsky, Piaget ou Vigotsky. Enquanto Chomsky defende uma concepção inatista, Piaget e Vigotsky destacam os aspectos da interação do ser humano com o seu meio, seja físico, seja social, na construção da linguagem. Se você quiser aprofundar seus estudos sobre aquisição da linguagem, sugerimos o livro Teorias de aquisição da linguagem, de Finger e Quadros (2008), o qual apresenta um panorama geral das principais abordagens teóricas sobre aquisição da linguagem. O aprendizado da leitura também está vinculado, até certa medida, a um desenvolvimento biológico. 46 O Ensino da Leitura Ideograma No entanto, observa Kato (1998), a escola em geral não leva em conta o desenvolvimento gradativo de tais estágios e espera do aprendiz uma leitura já totalmente desenvolvida desde o início de seu letramento. Kato (1998) resume o processo de aquisição da leitura da seguinte forma: Quadro 1 – Processo de aquisição da leitura Mundo real da criança antes do letramento Pictograma Concepção semântica da palavra como unidade mínima representada pela escrita Alfabeto Concepção fonética da letra /palavra/ Concepção fonológica da palavra ‘palavra’ Concepção lexical da palavra “palavra” Concepção pragmático-textual da palavra Mundo da linguagem Fonte: Adaptado de Kato (1998). O mundo criado pela linguagem escrita tem como característica a decentração do mundo das coisas e eventos experienciados no dia a dia pela criança. No início do processo de letramento, a criança ainda não consegue diferenciar esses dois mundos. Um exemplo disso é a seguinte história narrada por Kato (1998, p. 34): Uma colega minha, a quem me referirei por M, costuma ler para sua filha, em fase de pré-alfabetização, trechos de Alice no país das maravilhas. A criança C sabe que o livro pertenceu à sua mãe quando criança e que a avó lia para M a estória de Alice, usando o mesmo livro. Um dia, quando lia um trecho que contava que um ratinho tremia de frio, C interrompeu a mãe perguntando: “mas ele está tremendo desde que você era menina, mãe?”. Retomando o quadro acima, sobre o desenvolvimento da aquisição da leitura, temos que a primeira possibilidade de representação do mundo pela criança é claramente icônica, isto é, a partir do desenho ou do pictograma. Já no estágio seguinte, já se tem uma representação simbólica, mas com uma representação icônica de quantidade, ou seja, um símbolo para cada coisa. Por exemplo, a criança pode representar cada coisa a partir de uma letra ou uma sílaba. Kato (1998) chama esta fase de ideográfica, pois a criança já começa a inferir o conceito de unidade mínima de significado, não decomponível. Já na terceira fase está em jogo a consciência da possibilidade de 47 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 decomposição de uma entidade em unidades menores de diferentes naturezas, como a sílaba e o fonema. Além disso, a criança começa a perceber que existem palavras que não designam coisas, mas ligam unidades já isoladas como unidades significativas. Kato (1998) observa que é nesta fase que a criança começa a lidar com a concepção fonológica de palavra, auxiliando-a na construção do conceito de palavra como uma unidade lexicológica autônoma, que independe do mundo e do texto. É nesta fase, também, que a criança começa a fazer uma leitura ideográfica da palavra, a partir de seu léxico visual, adivinhando o resto não lido de uma palavra ou o seu sentido a partir de pistas dadas no texto que a contorna. Por fim, quando a criança consegue adivinhar o sentido de uma palavra a partir de pistas contextuais mais distantes, ela já apresenta uma capacidade pragmática do uso da linguagem, “capaz de criar um mundo coerente a partir da linguagem.” (KATO, 1998, p.36). O que temos visto, portanto, desde as discussões feitas no capítulo 1 deste caderno de estudos, é que, além de o aprendiz em leitura passar por estágios de desenvolvimento de seu letramento, se considerarmos o letramento como um contínuo, que pressupõe o contato com novos gêneros textuais, o sujeito leitor sempre estará aprimorando suas habilidades de leitura. No caso do desenvolvimento das habilidades de leitura no ensino fundamental, nós professores precisamos atentar para o fato de que estamos ensinando muito mais do que decodificar palavras, frases, textos; estamos ensinando o nosso aluno a tomar o gosto pela leitura, estamos ensinando o nosso aluno sobre a importância social da leitura para sua vida cotidiana, para o desenvolvimento contínuo do seu letramento. Estamos dando o primeiro passo para que aqueles alunos que ainda não perceberam a importância social e interacional da leitura possam desenvolver suas habilidades de leitura em direção a isso. A este respeito, vejamos o que dizem os PCN em relação à leitura no ensino fundamental:O terceiro e quarto ciclos têm papel decisivo na formação de leitores, pois é no interior destes que muitos alunos ou desistem de ler por não conseguirem responder às demandas de leitura colocadas pela escola, ou passam a utilizar os procedimentos construídos nos ciclos anteriores para lidar com os desafios postos pela leitura, com autonomia cada vez maior. Assumir a tarefa de formar leitores impõe à escola a responsabilidade de organizar-se em torno de um projeto educativo comprometido com a intermediação da passagem do leitor de textos facilitados (infantis ou infanto-juvenis) para o leitor de textos de complexidade real, tal como circulam O que temos visto, portanto, desde as discussões feitas no capítulo 1 deste caderno de estudos, é que, além de o aprendiz em leitura passar por estágios de desenvolvimento de seu letramento, se considerarmos o letramento como um contínuo, que pressupõe o contato com novos gêneros textuais, o sujeito leitor sempre estará aprimorando suas habilidades de leitura. 48 O Ensino da Leitura socialmente na literatura e nos jornais; do leitor de adaptações ou de fragmentos para o leitor de textos originais e integrais. (BRASIL, 1998, p. 70). É importante que o professor consolide as habilidades de leitura daqueles alunos que já as têm e também que ajude aqueles que ainda não as têm a adquiri-las. Como observam Bortoni-Ricardo e Souza (2008, p. 18), “mesmo antes de os alunos saberem ler e escrever com razoável fluência podem e devem ser introduzidos em práticas sociais de letramento”. Ou seja, é importante que o aluno tenha claros os objetivos da leitura, tanto na escola como no seu cotidiano fora da escola. Em vista disso, é interessante pensar na escolha dos gêneros textuais a serem trabalhados, uma vez que estes devem estar relacionados a práticas sociais com as quais a criança possa estar envolvida. Bortoni-Ricardo e Souza (2008) sugerem, por exemplo, o uso do gênero textual carta, justamente pela função social que este gênero pode exercer no cotidiano da criança. O trabalho com este gênero pode ser vinculado a outros gêneros, como o e-mail, por exemplo, mas desde que o professor se assegure de que os alunos com quem trabalha tenham acesso a este gênero eletrônico. As autoras enfatizam a necessidade de desenvolver e ampliar as habilidades de leitura como práticas sociais no ensino fundamental, trazendo para a discussão os resultados da compreensão de leitura da Prova Brasil, aplicada em novembro de 2005, mostrando que no que se refere ao 4º ano do Ensino Fundamental não houve avanços em relação aos resultados de 2003: Num total de 350 pontos, a média obtida pelos estudantes de todo o Brasil foi de 172,09. Esse número corresponde a 49,16%. Isso significa que em média os estudantes não conseguiram responder de forma adequada sequer 50% das questões que avaliam sua compreensão textual. (BORTONI-RICARDO; SOUZA, 2008, p.33). Os seguintes itens estão incluídos nos tópicos e descritores de habilidades a serem desenvolvidas até a 5ª série do Ensino Fundamental: Matriz de Referência de Língua Portuguesa – Saeb / Prova Brasil – Tópicos e Descritores 4ª Série do Ensino Fundamental Tópico I. Procedimentos de Leitura D1 – Localizar informações explícitas em um texto. D3 – Inferir o sentido de uma palavra ou expressão. D4 – Inferir uma informação implícita em um texto. D6 – Identificar o tema de um texto. D11 – Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato. Observam Bortoni- Ricardo e Souza (2008, p. 18), “mesmo antes de os alunos saberem ler e escrever com razoável fluência podem e devem ser introduzidos em práticas sociais de letramento”. 49 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e /ou do Enunciador na Compreensão do Texto D5 – Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto, etc.). D9 – Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros. Tópico III. Relação entre Textos D15 – Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido. Tópico IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto D2 – Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto. D7 – Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa. D8 – Estabelecer relação causa /conseqüência entre partes e elementos do texto. D12 – Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc. Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido D13 – Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados. D14 – Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações. Tópico VI. Variação Lingüística D10 – Identificar as marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto. (Disponível em: <http:// portal.inep.gov.br/web/saeb/29>. Acesso em: 28 ago. 2009.) Veja agora os itens que estão incluídos nos tópicos e descritores de habilidades a serem desenvolvidas até a 9ª série do Ensino Fundamental: Matriz de Referência de Língua Portuguesa - Saeb / Prova Brasil - Tópicos e Descritores 8ª Série do Ensino Fundamental Tópico I. Procedimentos de Leitura D1 – Localizar informações explícitas em um texto. D3 – Inferir o sentido de uma palavra ou expressão. D4 – Inferir uma informação implícita em um texto. D6 – Identificar o tema de um texto. D11 – Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato. Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e /ou do Enunciador na Compreensão do Texto D5 – Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto, etc.). D12 – Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros. Tópico III. Relação entre Textos D20 – Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido. D21 – Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema. Tópico IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto D2 – Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto. D7 – Identificar a tese de um texto. 50 O Ensino da Leitura D8 – Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la. D9 – Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto. D10 – Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa. D11 – Estabelecer relação causa/conseqüência entre partes e elementos do texto. D15 – Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc. Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido D16 – Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados. D17 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações. D18 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão. D19 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos. Tópico VI. Variação Lingüística D13 – Identificar as marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto. (Disponível em: <http:// portal.inep.gov.br/web/saeb/30>. Acesso em: 28 ago. 2009.) Para saber mais sobrea Prova Brasil e obter mais informações sobre cada tópico e seus descritores, bem como exemplos de questões que procuram avaliar as habilidades de leitura e produção de sentidos, acesse o site no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (MEC). Vimos, portanto, que para o Ensino Fundamental, além da habilidade primeira de decodificação da leitura que os alunos precisam desenvolver, a habilidade principal a ser aprimorada/desenvolvida a partir do ensino da leitura é a interação verbal, pois é através dela que o aluno será capaz de interagir com o texto e com o autor deste, produzindo sentidos adequados às situações sociocomunicativas a que se vinculam tais textos, acionando, para isso, seus conhecimentos prévios na leitura. Além disso, sabemos que a proficiência na leitura adquirida no ensino fundamental, tomada como prática social,auxiliará o aluno a desenvolver outras habilidades interrelacionadas com a leitura, tais como a compreensão de conteúdos de outras disciplinas, bem como as habilidades de produção textual tanto oral como escrita. 51 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Atividades de Estudos: 1) Partindo do trecho dos PCN apresentado anteriormente e dos autores estudados neste capítulo faça uma reflexão estabelecendo uma relação entre o ensino da leitura no Ensino Fundamental e as práticas de letramento como um contínuo: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Agora pense como (procedimentos pedagógicos) você desenvolveria uma aula de leitura para o Ensino Fundamental a partir do gênero regras de jogos. No que esta prática de leitura poderia contribuir para o letramento dos seus alunos (objetivos)? Que importância social há em ser capaz de compreender e seguir regras? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 52 O Ensino da Leitura Habilidades de Leitura a Serem Desenvolvidas no Ensino Médio É costume se pensar que o hábito de leitura deve ser cultivado ainda na infância para que seja assegurado o desenvolvimento do leitor competente. Silva (1998), entretanto, nos chama a atenção para este tipo de postura, mostrando que pode levar as pessoas a pensarem que se o hábito de leitura não for adquirido na infância, pode tornar-se impossível adquiri-lo em outras fases da vida. O autor nota que: [...] o leitor pode ser formado em qualquer período de sua existência, desde que exista trabalho, gerador de história, neste sentido. Se for no período da infância, melhor, mas isso não significa que, vencido este período, o adolescente, o adulto ou o idoso não possa vir a se interessar e sentir paixão pela leitura. (SILVA, 1998, p. 54). Silva nos mostra, portanto, que podemos contribuir para formar leitores, independentemente da idade destes indivíduos. Se no Ensino Fundamental o ensino da leitura deve enfatizar o valor social das práticas de leitura tanto no ambiente escolar como fora dele, garantindo, assim, o sucesso do desencadeamento das práticas de letramento dos alunos, o que devemos entender por ensino de leitura no Ensino Médio? Como estamos considerando o letramento como um contínuo, é papel do ensino de leitura no Ensino Médio também ampliar o contato do aluno com os mais variados tipos/gêneros textuais, justamente porque o papel social da escola é formar cidadãos capazes de interagir com os mais variados textos que caracterizam as mais variadas práticas sociais. As habilidades que precisam ser desenvolvidas no Ensino Médio, portanto, são aquelas que dizem respeito a “um conjunto de disposições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar, argumentar, negociar significados, cooperar, de forma que o aluno possa participar do mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos.” (BRASIL, 2000, p. 5). A linguagem é justamente o meio a partir do qual se dará o desenvolvimento dessas habilidades. O papel das práticas de leitura aqui é fundamental porque é a partir delas que se dará toda a produção de sentidos. É a partir da leitura que o aluno desenvolverá competências de compreensão e interpretação de textos na interação social. É a partir da leitura que o aluno desenvolverá competências de compreensão e interpretação de textos na interação social. 53 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Porém, um dos problemas que se coloca é como trabalhar estas habilidades no que diz respeito à leitura, uma vez que a dimensão do ensino da leitura, a partir da concepção de linguagem adotada aqui, ultrapassa os limites da disciplina de ensino de língua materna e entra nos domínios de outras áreas do conhecimento, já que o que se pretende com o ensino da leitura vai além da compreensão de elementos linguísticos materialmente presentes no texto. Isso significa dizer que é essencial desenvolver as habilidades de compreensão e de produção de sentidos dos alunos a partir dos mecanismos linguísticos presentes no texto, tais como a coesão, a coerência, a referenciação, etc., como mostram Koch e Elias (2007). Mas também é essencial desenvolver as habilidades de leitura no que se refere àquilo que não está explícito no texto. É preciso levar o aluno a perceber, por exemplo, os mecanismos de intertextualidade, de inferências, de pressupostos e de subentendidos que há nos textos. É preciso levar o aluno a perceber que, a partir de seus conhecimentos prévios na leitura, ele é capaz de produzir sentidos diferentes para um mesmo texto, a depender do contexto em que tal texto se insere. Assim, uma mesma frase como: “Estou sem dinheiro” pode desencadear significados diversos, por exemplo, se é o filho que a enuncia para o pai, poderá ser entendido como um pedido para ganhar uma grana, já se enunciamos esta mesma sentença para alguém que deseja nos vender algo, poderá sem entendida como uma desculpa para não se envolver nesta prática de compra e venda. Assim, o desenvolvimento do letramento como prática social no Ensino Médio dependerá do desenvolvimento de habilidades de interpretação e produção de sentidos em textos e contextos que ultrapassam as aulas de língua materna e entram na esfera de outras áreas do conhecimento. Isto é contemplado também na ProvaBrasil para o Ensino Médio. Veja os itens que estão incluídos nos tópicos e descritores de habilidades a serem desenvolvidas nesta etapa da educação formal: Matriz de Referência de Língua Portuguesa - Saeb / Prova Brasil - Tópicos e Descritores 3ª Série do Ensino Médio Tópico I. Procedimentos de Leitura D1 – Localizar informações explícitas em um texto. D3 – Inferir o sentido de uma palavra ou expressão. D4 – Inferir uma informação implícita em um texto. D6 – Identificar o tema de um texto. D14 – Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato. Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e /ou do Enunciador na Compreensão do Texto D5 – Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto, etc.). D12 – Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros. É preciso levar o aluno a perceber que, a partir de seus conhecimentos prévios na leitura, ele é capaz de produzir sentidos diferentes para um mesmo texto, a depender do contexto em que tal texto se insere. 54 O Ensino da Leitura Tópico III. Relação entre Textos D20 – Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido. D21 – Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema. Tópico IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto D2 – Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto. D7 – Identificar a tese de um texto. D8 – Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la. D9 – Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto. D10 – Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa. D11 – Estabelecer relação causa/conseqüência entre partes e elementos do texto. D15 – Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc. Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido D16 – Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados. D17 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações. D18 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão. D19 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos. Tópico VI. Variação Lingüística D13 – Identificar as marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto. (Disponível em: <http:// portal.inep.gov.br/web/saeb/31>. Acesso em: 25 ago. 2009.) Atividade de Estudos: 1) A partir da leitura deste tópico, que habilidades de leitura você considera mais importantes para o aprimoramento da atividade de leitura no Ensino Médio a partir de uma concepção sociointeracionista de leitura? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 55 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Algumas Considerações Neste capítulo, apresentamos e discutimos a concepção de leitura interacionista e sua influência nas práticas pedagógicas de ensino de leitura. Além disso, também refletimos sobre o que é exatamente ensinar leitura e quais as habilidades de leitura nos propomos a desenvolver no Ensino Fundamental e Médio a partir do quadro teórico proposto aqui e embasados nas diretrizes propostas pelos PCN para o ensino da leitura. No próximo capítulo, veremos como podemos pensar as práticas de ensino da leitura a partir destas propostas dadas pelos PCN em relação à formação de cidadãos leitores críticos e de uma concepção sociointeracionista da linguagem. Referências ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. _____. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. BEISIEGEL, C.R. Política educacional e programas de alfabetização. In: Idéias – A educação básica no Brasil e na América Latina – Repensando sua história a partir de 1930. São Paulo: FDE, 1988. p. 16-22. BORTONI-RICARDO, Stella Maris; SOUZA, Maria Alice Fernandes de. Falar, ler, 56 O Ensino da Leitura escrever em sala de aula: do período pós-alfabetização ao 5º Ano. São Paulo: Parábola, 2008. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC – SEF, 2000. _____. Gunderlines. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC – SEF, 1998. _____. Gunderlines. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC – SEF, 1997. CHARTIER, Anne-Marie. Os futuros professores e a leitura. In: GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; BATISTA, Antônio Augusto Gomes. (Org.). Leitura: práticas, impressos, letramento. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 89-97. FINGER, Ingrid; QUADROS, Ronice Müller de (Org.). Teorias de aquisição da linguagem. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008. FIORIN, José Luiz. O ensino do português nos níveis fundamental e médio: problemas e desafios. In: SCHOLZE, L.; RÖSING, T. (Org.). Teorias e práticas de letramento. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007. p. 95-116. KATO, Mary. Como a criança aprende a ler: uma questão platônica. In: ZILBERMAN, R.; SILVA, Ezequiel T. (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. 4. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 30-37. KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Fontes, 1989. KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In.: ZILBERMAN, R. (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 2.ed. Porto Alegre: Mercado aberto, 1982. p. 51-62. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos de pedagogia da leitura. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. CAPÍTULO 3 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Discutir propostas de práticas pedagógicas ligadas às habilidades de leitura apresentadas pelos PCN. � Refletir sobre a adequação do livro didático às práticas deleitura requeridas em uma concepção de ensino de leitura interacionista. � Desenvolver atividades didático-pedagógicas voltadas para o ensino da leitura. 58 O Ensino da Leitura 59 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Contextualização Neste capítulo, vamos abordar o ensino de leitura a partir das propostas dos PCN, retomando o que estudamos nos capítulos anteriores em relação ao ensino de leitura a partir de uma postura sociointeracionista da linguagem. A seguir, vamos discutir a controversa prática de leitura nos livros didáticos. Como professores, sabemos que a tarefa de ensinar leitura e de preparar aulas cujo objeto de aprendizagem seja a leitura não é nada simples, não é mesmo? Já sabemos que é preciso pensar o ensino de leitura a partir de uma concepção interacionista da linguagem, na qual o leitor é visto como um sujeito ativo que produz sentidos dos textos que lê. Já sabemos, também, que esta produção de sentidos vai além das informações explícitas do texto e que precisamos ativar uma gama de conhecimentos prévios à leitura. Já sabemos que é preciso trabalhar a leitura nas suas mais diversas funções sociais e deixar claro para os nossos alunos os objetivos de nossas aulas e suas leituras. Vejamos agora, então, como podemos planejar nossas aulas de leitura partir de tais pressupostos. Para começar esta conversa, vamos ler o que os PCN nos trazem sobre o ensino da leitura: Se o objetivo é formar cidadãos capazes de compreender os diferentes textos com os quais se defrontam, é preciso organizar o trabalho educativo para que experimentem e aprendam isso na escola. Principalmente quando os alunos não têm contato sistemático com bons materiais de leitura e com adultos leitores, quando não participam de práticas onde ler é indispensável, a escola deve oferecer materiais de qualidade, modelos de leitores proficientes e práticas de leitura eficazes. Essa pode ser a única oportunidade de esses alunos interagirem significativamente com textos cuja finalidade não seja apenas a resolução de pequenos problemas do cotidiano. É preciso, portanto, oferecer-lhes os textos do mundo: não se formam bons leitores solicitando aos alunos que leiam apenas durante as atividades na sala de aula, apenas no livro didático, apenas porque o professor pede. Eis a primeira e talvez a mais importante estratégia didática para a prática de leitura: o trabalho com a diversidade textual. Sem ela pode- se até ensinar a ler, mas certamente não se formarão leitores competentes. (BRASIL, 1998, p.42). 60 O Ensino da Leitura Os PCN e o Ensino de Leitura Antes de discutirmos mais de perto as práticas pedagógicas de ensino de leitura, baseadas nos PCN de língua portuguesa, é interessante recuperarmos o porquê de trabalharmos com gêneros textuais, nesta perspectiva de língua como interação. Barbosa (2001, p. 158) observa que a adoção de gêneros discursivos no ensino de língua materna se sustenta devido às seguintes razões: • os gêneros do discurso permitem capturar, para além dos aspectos estruturais presentes no texto, também aspectos sócio-históricos e culturais, cuja consciência é fundamental para favorecer os processos de compreensão e produção de textos; • os gêneros do discurso nos permitem concretizar um pouco mais a que forma de dizer em circulação social estamos nos referindo, permitindo que o aluno tenha parâmetros mais claros para compreender ou produzir textos, além de possibilitar que o professor possa ter critérios mais claros para intervir eficazmente no processo de compreensão e produção de seus alunos; • Os gêneros do discurso (e possivelmente agrupamentos) fornecem-nos instrumentos para pensarmos mais detalhadamente as sequências e simultaneidades curriculares nas práticas de uso da linguagem, (compreensão e produção de textos orais e escritos). Isto é, o trabalho com gêneros textuais nos possibilita trabalhar a leitura no seu uso concreto, como prática social, e com objetivos claros de interação entre sujeitos e texto. Para saber um pouco mais sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa, acesse o site: <http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Outra questão que Barbosa (2001) coloca em relação aos gêneros discursivos como objeto de ensino e aprendizagem é quanto a que gêneros selecionar. Como bem nota a autora, os PCN já nos dão pistas de que nesta escolha se deve levar em conta as necessidades dos alunos e suas possibilidades de aprendizagem. Assim, os PCN priorizam os gêneros de ordem pública e oferecem uma listagem destes, os quais devem priorizar as práticas sociais de escuta, fala, leitura e escritura (lembre-se aqui do contínuo que estudamos no capítulo 1 deste caderno de estudos). Vejamos a listagem oferecida pelos PCN: O trabalho com gêneros textuais nos possibilita trabalhar a leitura no seu uso concreto, como prática social, e com objetivos claros de interação entre sujeitos e texto. 61 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 GÊNEROS DISCURSIVOS Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: • contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas populares; • poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava- línguas, • piadas, provérbios; • saudações, instruções, relatos; • entrevistas, debates, notícias, anúncios (via rádio e televisão); • seminários, palestras. Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: • cartas (formais e informais), bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal, etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem, etc.); quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis: títulos, lides, notícias, resenhas, classificados, etc.; • anúncios, slogans, cartazes, folhetos; • parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava- línguas, piadas; • contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas populares, folhetos de cordel, fábulas; • textos teatrais; • relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário, • textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros • de consulta, didáticos, etc.), textos expositivos de outras áreas e textos normativos, tais como estatutos, declarações de direitos, etc. (BRASIL, 1997, p. 82). Barbosa (2001) mostra, contudo, que classificar os gêneros a partir de critérios coerentes com os pressupostos adotados nesta perspectiva de ensino de língua materna é importante tanto para a prática escolar, bem como para que o professor possa ter parâmetros claros no momento de considerar diferentes capacidades de linguagem em diferentes esferas de comunicação. Trabalhar com uma classificação criteriosa dos gêneros evita, segundo a autora, que se trabalhe ainda na perspectiva da tipologia textual, em que se começava com a narração, depois com a descrição e, por fim, com a argumentação, como se houvesse a necessidade de uma gradação lógica entre estes tipos textuais. Barbosa propõe, então, baseada em Dolz e Schneuwly (1996 apud BARBOSA, 2001, p. 170), um agrupamento de gêneros que supõe a aprendizagem de capacidades e operações diferenciadas por parte dos alunos, a partir dos seguintes critérios: 62 O Ensino da Leitura 1) O domínio social da comunicação a que o gênero pertence; 2) As capacidades de linguagem envolvidas na produção e compreensão deste gêneros; 3) Sua tipologia geral. No quadro a seguir, você pode ver os cinco grupos que se estabeleceram a partir da aplicação dos critérios anteriormente mencionados: Quadro 2 - Agrupamento de gêneros discursivos Fonte: Adaptado de Barbosa (2001, p. 170-171). Domínio da comunicação socialÉ o da cultura literária ficcional, como manifestação estética e ideológica, que necessita de instrumentos específicos para sua compreensão e apreciação. É o da memória e o da documentação das experiências humanas vivenciadas. Discussão de assuntos sociais controversos, visando um entendimento e um posicionamento perante eles. Veiculam o conhecimento mais sistematizado que é transmitido culturalmente - conhecimento científico e afins. Englobam textos variados de instrução, regras e normas e que pretendem a prescrição ou a regulação de ações. Grupos Gêneros da ordem do narrar Gêneros da ordem do relatar Gêneros da ordem do argumentar Gêneros da ordem do expor Gêneros da ordem do instruir ou do prescrever Capacidades desenvolvidas Capacidade de mimesis da ação através da criação de uma intriga no domínio do verossímil. Representação pelo discurso de experiências vividas e situadas no tempo. Capacidades de sustentar, refutar e negociar posições. Capacidade de apresentação textual de diferentes formas dos saberes. Exigem a regulação mútua de comportamentos. Exemplário Contos de fadas, lendas, fábulas, narrativas de aventura, narrativas de ficção científica, romance policial, crônica literária, etc. Relato de experiência vivida, diários, testemunhos, autobiografias, notícia, reportagem, crônicas jornalísticas, relato histórico, biografia, etc. Textos de opinião, diálogo argumentativo, carta do leitor, carta de reclamação, carta de solicitação, debate regrado, editorial, requerimento, ensaio, resenhas críticas, artigo assinado, etc. Seminário, conferência, verbetes de enciclopédia, texto explicativo, tomada de notas, resumos de textos explicativos ou expositivos, resenhas, relato de experiência científica. Receitas, instruções de uso ou de montagem, bulas, regulamentos, regimentos, estatutos, constituições, regras de jogos, etc. 63 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Barbosa (2001) observa que esta não é a única possibilidade de agrupamento dos gêneros textuais, mas pode ser utilizada como parâmetro para o professor nas aulas de língua materna, já que tal classificação tematiza o contexto social e histórico dos gêneros, assim como considera as capacidades de ensino e aprendizagem envolvidas. A autora ainda enfatiza que é importante que gêneros de diferentes grupos sejam trabalhados desde o Ensino Fundamental: “pode- se, por exemplo, trabalhar com discussões e debates orais ou com carta de solicitação nas séries iniciais e trabalhar com editorial ou com resenha crítica nas últimas séries”. (BARBOSA, 2001, p. 171). Repare que agora já temos de onde partir para o trabalho com a leitura. Vamos, então, pensar em como trabalhar a leitura em sala de aula, partindo do agrupamento de textos proposto em Barbosa (2001). Atividade de Estudos: 1) Escolha um gênero textual dos agrupamentos mostrados no quadro 2 e pense como você trabalharia a leitura de seus alunos a partir deste gênero no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Para isso, formule o objetivo de aprendizagem levando em conta as capacidades a serem desenvolvidas de acordo com o agrupamento do gênero escolhido e com a série com a qual você irá trabalhar. Explique que tipos de atividades podem ser desenvolvidas a partir deste gênero. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Antes de realizar esta atividade de estudo, você pode acessar o site da revista Nova Escola e ler a reportagem do mês de agosto de 2009, intitulada “Como trabalhar com gêneros para melhorar a leitura e a escrita.” 64 O Ensino da Leitura Além do trabalho com gêneros textuais, os quais irão propiciar uma leitura como prática social, os PCN também preconizam que, para formar leitores, é preciso ainda condições favoráveis para a prática de leitura, as quais dizem respeito tanto a recursos materiais disponíveis como ao uso que se faz destes. Vejamos as condições propostas pelos PCN: • dispor de uma boa biblioteca na escola; • dispor, nos ciclos iniciais, de um acervo de classe com livros e outros materiais de leitura; • organizar momentos de leitura livre em que o professor também leia. Para os alunos não acostumados com a participação em atos de leitura, que não conhecem o valor que possui, é fundamental ver seu professor envolvido com a leitura e com o que conquista por meio dela. Ver alguém seduzido pelo que faz pode despertar o desejo de fazer também; • planejar as atividades diárias garantindo que as de leitura tenham a mesma importância que as demais; • possibilitar aos alunos a escolha de suas leituras. Fora da escola, o autor, a obra ou o gênero são decisões do leitor. Tanto quanto for possível, é necessário que isso se preserve na escola; • garantir que os alunos não sejam importunados durante os momentos de leitura com perguntas sobre o que estão achando, se estão entendendo e outras questões; • possibilitar aos alunos o empréstimo de livros na escola. Bons textos podem ter o poder de provocar momentos de leitura junto com outras pessoas da casa — principalmente quando se trata de histórias tradicionais já conhecidas; • quando houver oportunidade de sugerir títulos para serem adquiridos pelos alunos, optar sempre pela variedade: é infinitamente mais interessante que haja na classe, por exemplo, 35 diferentes livros — o que já compõe uma biblioteca de classe — do que 35 livros iguais. No primeiro caso, o aluno tem oportunidade de ler 35 títulos, no segundo apenas um; • construir na escola uma política de formação de leitores na qual todos possam contribuir com sugestões para desenvolver uma prática constante de leitura que envolva o conjunto da unidade escolar. • Além das condições descritas, são necessárias propostas didáticas orientadas especificamente no sentido de formar leitores. (BRASIL, 1997, p. 43-44). Repare que as condições apresentadas pelos PCN requerem do professor de leitura uma atitude própria de leitor proficiente, na mesma direção das discussões que fizemos no capítulo anterior, segundo as quais o papel do docente como leitor é fundamental na formação de novos leitores. Se o professor não for um bom leitor, se ele não tiver consciência da importância da leitura nas práticas sociais, se ele não for capaz de passar para o aluno o seu interesse pelas mais diversas leituras, boa parte do trabalho de ensinar leitura estará comprometido, como comenta Lajolo (1982, p. 53): “se a relação do professor com o texto não tiver significado, se ele não for um bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor”. Se o professor não for um bom leitor, se ele não tiver consciência da importância da leitura nas práticas sociais, se ele não for capaz de passar para o aluno o seu interesse pelas mais diversas leituras, boa parte do trabalho de ensinar leitura estará comprometido. 65 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Ainda sobre o desenvolvimento do interesse pela leitura, observe o que diz Silva (1998, p. 95-96): A leitura, enquanto um processo que atende a diferentes propósitos, precisa ser claramente “mostrada” àscrianças em função das aprendizagens que ocorrem por imitação da pessoa adulta. Muitos hábitos das crianças são uma decorrência da imitação dos hábitos dos adultos. Por isso mesmo, em situações bem visíveis aos alunos (na frente da sala de aula, na sala dos professores, no corredor, etc.), pode- se ler e discutir um livro que está em voga, jornais, revistas, etc., mostrando, concretamente, que você – professor – convive com materiais escritos. A importância do professor como modelo de leitor é um dos motivos pelos quais o autor enfatiza também a necessidade da leitura em voz alta pelos professores, principalmente aqueles das séries iniciais: Os professores do 1º. grau têm uma séria responsabilidade e um gostoso privilégio de incentivar o gosto pela leitura através da leitura em voz alta para as crianças. De fato, ninguém resiste a uma história bem contada ou mesmo a um texto informativo que seja estimulante e bem selecionado. Ao ouvir os textos lidos em voz alta, as crianças vão criando a consciência dos aspectos da expressão escrita e, ao mesmo tempo, menor relutância para se autoexprimirem. (SILVA, 1998, p. 98) O autor sugere, portanto, que o professor leia o mais frequentemente possível, mostrando que sente prazer em ler, chamando a atenção dos alunos para o tema, para as gravuras e ilustrações, para trechos interessantes, para o autor, mostrando, assim, que a leitura está inserida nos mais variados contextos. Os PCN também enfatizam este aspecto do professor como modelo de leitor, embora reduzam a responsabilidade disto ao professor de língua materna. Veremos no capítulo 4 que o ideal seria que todo professor fosse, antes de tudo, professor de leitura: Em se tratando da área de Língua Portuguesa, o professor também terá outro papel fundamental: o de modelo. Além de ser aquele que ensina os conteúdos, é alguém que pode ensinar o valor que a língua tem, demonstrando o valor que tem para si. Se é um usuário da escrita de fato, se tem boa e prazerosa relação com a leitura, se gosta verdadeiramente de escrever, funcionará como um excelente modelo para seus alunos. Isso é especialmente importante quando eles provêm de comunidades pouco letradas, onde não participam de atos de leitura e escrita junto com adultos experientes. Nesse caso, muito provavelmente, o professor será a única referência. (BRASIL, 1997, p. 38) 66 O Ensino da Leitura Um ponto muito importante levantado por Coracini (2002a; 2002b) é a questão da interação professor-alunos no processo de construção de sentidos do texto. Em pesquisas realizadas pela autora, observou-se que em geral o professor de leitura não abre espaço para que o aluno faça sua própria construção de sentidos. Ao contrário, o professor, utilizando uma metodologia diretiva e dominadora, em geral, induz a interpretação dos textos por intermédio de perguntas que devem ser respondidas pelos alunos. Estes, por sua vez, acomodam-se nesta posição passiva de ir apenas adivinhando a construção de sentidos a que o professor induz. Este tipo de postura, tanto por parte do professor como por parte do aluno, evidenciam uma concepção de leitura na qual há um único sentido “correto” a ser apreendido, além de impedir que alunos e professor possam comparar, confrontar suas leituras. Repare que se estamos pensando o ensino de leitura a partir de uma concepção sociointeracionista da linguagem, isso significa, como vimos no capítulo 1, que o leitor é um sujeito ativo que produz sentidos a partir de seus conhecimentos prévios na leitura e das condições contextuais em que tais textos se inserem. Isso é respaldado pelos PCN (BRASIL, 1997, p. 41): Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos. Um leitor competente só pode constituir-se mediante uma prática constante de leitura de textos de fato, a partir de um trabalho que deve se organizar em torno da diversidade de textos que circulam socialmente. Esse trabalho pode envolver todos os alunos, inclusive aqueles que ainda não sabem ler convencionalmente. Ou seja, como bem colocam Koch e Elias (2007), não existe um sentido a priori para os textos, mas uma construção a partir da interação sujeitos-texto, se o professor induz a produção de sentido de determinado texto, ele está apresentando a sua leitura, impedindo que o aluno construa uma leitura própria. Para esclarecer melhor esta questão, recomendamos a leitura dos artigos de Coracini (2002a) e (2002b) intitulados Diversidade e semelhanças na aula de leitura e Pergunta-resposta na aula de leitura: um jogo de imagens, respectivamente. 67 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Um Exemplo do Trabalho com o Gênero Jornalístico em Aulas de Leitura Para ilustrar a prática pedagógica de ensino de leitura, veremos agora um exemplo de como trabalhar com o gênero jornalístico em aulas de leitura. É preciso, contudo, deixar claro que nossos propósitos estão longe de passar fórmulas prontas de como ensinar leitura. Isso estaria na contramão de todas as discussões que estamos desenvolvendo nestes nossos estudos sobre o ensino da leitura, não é mesmo? É apenas uma ideia, que deve ser avaliada pelo professor, levando em conta seus objetivos em cada aula de leitura, seus alunos e o aprimoramento do letramento destes, dentre outros aspectos. Vejamos então a experiência de Camagnani (2002) com o ensino de leitura, utilizando o jornal em sala de aula. A autora propõe uma abordagem alternativa, por acreditar que, embora os textos jornalísticos estejam sendo usados em sala de aula para o desenvolvimento das habilidades de leitura de textos não- didatizados, a metodologia que vem se adotando não parece ter mudado muito em relação à maneira como os textos didáticos eram trabalhados em sala de aula. Assim, a proposta de Camagnani parte de uma visão discursiva de leitura em que o funcionamento da linguagem não é exclusivamente linguístico, mas perpassa as condições de produção dos textos. Assim, segundo a autora: [...] sensibilizar o aluno para o funcionamento discursivo de textos jornalísticos permite um trabalho mais voltado para as experiências do aluno fora da escola, dando-lhe condições de entrar no círculo vicioso da leitura (cf. Vigner, 1988), tendo em vista que para ser capaz de ler, é preciso já ter lido (Vigner, 1988). (CAMAGNANI, 2002, p. 125). Para Camagnani (2002), portanto, o trabalho com textos jornalísticos deve levar em conta as condições de produção destes, sem limitar-se ao nível de complexidade linguística que ele possui, e o professor deve deixar claro para o aluno que um texto só tem valor a partir da relação que se estabelece entre ele e outros textos ou outras leituras, fazendo parte, portanto, de um discurso maior, o qual é marcado sócio-historicamente pela ideologia. A autora propõe, então, as seguintes atividades para serem trabalhadas com o jornal em sala de aula: 1. Exploração do objeto jornal 68 O Ensino da Leitura Objetivo e atividades: fazer com que os alunos manuseiem o jornal, observem sua organização, reconheçam diferenças formais de tipos de textos que o compõem, discutam questões relativas ao público ao qual se destina, à diagramação das primeiras páginas, aos tópicos privilegiados nas manchetes, ao número, organização e características dos cadernos que o compõem, às propagandas veiculadas, etc. Justificativa: a maioria dos alunos não temo hábito de leitura dos jornais de sua região. 2. Estudo comparativo de diversos jornais Objetivo atividades e justificativa: comparar manchetes, subtítulos, fotos e textos sobre os mesmos fatos retirados de diferentes jornais, percebendo, assim, que tanto a verdade dos fatos como os sentidos produzidos pelo leitor são construídos, o que levará a uma leitura mais crítica. 3. Estudo dos elementos não-linguísticos Objetivo e atividades e justificativa: mostrar a função dos elementos não-linguísticos (fotos, diagramação, ilustrações, etc.) como parte constitutiva da produção de sentidos, solicitando que o aluno observe a relação entre estes elementos e os textos com os quais estão vinculados. 4. Estudo da materialidade lingüística Objetivos, atividades e justificativa: evidenciar para o aluno aspectos em relação aos vários recursos da linguagem utilizada, como o jargão jornalístico, como por exemplo, a utilização reiterada de alguns verbos (dizer, afirmar, declarar) e sua ligação com os personagens das notícias, metáforas, expressões de duplo sentido, referências culturais, etc. Repare que a proposta Camagnani (2002), em relação ao uso do jornal em sala vem, de encontro aos nossos propósitos de ensino de leitura como prática social trabalhados neste caderno de estudos e preconizados pelos PCN. Veja que com este tipo de atividade de leitura levamos o aluno a desenvolver suas habilidades de leitura como cidadão, capaz de saber ler e manusear um jornal no seu cotidiano. Faz parte da produção de sentidos dos textos a leitura das imagens, fotos, ilustrações, diagramação, tipo e cor de letra, etc., com as quais o texto dialoga. Ensinar a ler, portanto, inclui despertar no aluno a percepção de que tais elementos que circundam ou se inscrevem no texto também fazem parte do contexto a partir do qual se realiza a produção de sentidos. Ensinar a ler, portanto, inclui despertar no aluno a percepção de que tais elementos que circundam ou se inscrevem no texto também fazem parte do contexto a partir do qual se realiza a produção de sentidos. 69 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Poderíamos, ainda, acrescentar às atividades propostas pela autora, práticas de percepção da intertextualidade, cujo papel é determinante na produção de sentidos de um texto, conforme vimos no capítulo 1 deste caderno de estudos. A Prática da Leitura nos Livros Didáticos Figura 4 - Livro didático Fonte: Disponível em: <http://jornaletras.files.wordpress. com/2009/06/livro-didatico1.jpg>. Acesso em: 01 set. 2009 O uso do livro didático como material para o ensino de leitura é uma questão já levantada por vários estudiosos do assunto e a qual gera muitas discussões. Por um lado, o livro didático é um material de fácil acesso aos alunos, que em grande parte não têm à disposição outros materiais de leitura. Por outro, pode trazer uma influência negativa no aprendizado da leitura ligada à questão do letramento, como visto no capítulo 1, uma vez que, a depender da escolha de textos que faz, pode deixar de servir como uma base adequada para o aprendizado da leitura como prática social. Vejamos a opinião de alguns autores. Kleiman e Moraes (1999) observam que a atividade de leitura em livros didáticos contribui para consolidar a ideia de fragmentação do saber. Segundo as autoras, o uso do livro didático como “única fonte de conhecimento na sala de aula, favorece a apreensão fragmentada do material, a memorização de fatos desconexos e valida a concepção de que há apenas uma leitura disponível para o texto”. (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 66). Isto porque, como se tem ali um fragmento de texto desprovido de contexto social que o legitime, tais textos levam a uma única direção interpretativa. Além disso, as autoras observam que a maneira como ele está estruturado propicia que se represente a leitura como uma mera extração de mensagem, já que leva o professor a reproduzir leitura escolar, na qual seu papel é levar o aluno Por um lado, o livro didático é um material de fácil acesso aos alunos, que em grande parte não têm à disposição outros materiais de leitura. Por outro, pode trazer uma influência negativa no aprendizado da leitura ligada à questão do letramento, como visto no capítulo 1, uma vez que, a depender da escolha de textos que faz, pode deixar de servir como uma base adequada para o aprendizado da leitura como prática social. 70 O Ensino da Leitura a recuperar a informação lida através de perguntas, para as quais as respostas são únicas e já estão prontas. Na mesma direção, Matêncio (1994) observa que o uso exclusivo do livro didático pode levar o professor a ser um mero repetidor do que está no livro, um simples intermediário entre o que o livro apresenta e o aluno, o que tira do professor o papel de pesquisador, de alguém que tem o completo domínio sobre sua prática pedagógica e que compreende as concepções implícitas nestas práticas. Vejamos agora outro posicionamento em relação ao uso do livro didático para o ensino de leitura. Perini (1998) procura centrar a sua discussão na aquisição da leitura funcional e na qualidade dos textos de que o aluno dispõe para basear esta aquisição. A primeira questão que Perini (1998) nos coloca é em relação aos objetivos do aprendizado da leitura na escola: “Para que ler?”. Além disso, o autor direciona sua preocupação no estudante típico das escolas brasileiras, aquele que: pertence a uma família de baixa renda; tem pais analfabetos (funcionais ou totais); provavelmente não ficará mais que uns poucos anos na escola; e, finalmente, tem muito pouca oportunidade de contato com material escrito fora da escola (PERINI, 1998, p. 80). Diante desta situação, a questão que surge, conforme o autor, é como trabalhar as habilidades de leitura deste estudante de maneira que ele deixe a escola capaz de utilizar a leitura para solucionar problemas práticos da sua vida cotidiana e capaz, também, de desenvolver de forma autônoma sua habilidades de leitura fora do ambiente escolar. Para alunos nesta situação, o tipo de material a que eles têm acesso mais facilmente é o livro didático. Perini (1998) argumenta, então, que se pensarmos que a responsabilidade de ensinar a leitura funcional não é somente da disciplina de língua portuguesa e do professor de português, mas da escola como um todo, todos os textos didáticos, de todas as disciplinas, deveriam fornecer material adequado para que o aluno, lendo, aprenda a ler. Neste caso, teria que haver, segundo Perini (1998), uma gradação de dificuldades nos textos apresentados para os alunos. O autor mostra que a dificuldade de um texto pode ser de três tipos: dificuldade conceptual ou de assunto, dificuldade conceptual relativa ao conhecimento prévio do leitor e dificuldade em relação à complexidade discursiva, a maneira como o texto está organizado formalmente. O uso exclusivo do livro didático pode levar o professor a ser um mero repetidor do que está no livro, um simples intermediário entre o que o livro apresenta e o aluno. Perini (1998) argumenta, então, que se pensarmos que a responsabilidade de ensinar a leitura funcional não é somente da disciplina de língua portuguesa e do professor de português, mas da escola como um todo, todos os textos didáticos, de todas as disciplinas, deveriam fornecer material adequado para que o aluno, lendo, aprenda a ler. 71 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 A segunda e a terceira dificuldades podem ser atenuadas através da adaptaçãodo texto, sem, contudo, alterar seu conteúdo básico, tornando mais palatáveis aos alunos. Perini (1998) não se ocupa da primeira por entrar no campo da especialidade da disciplina. O autor mostra, no entanto, que os textos didáticos disponíveis aos alunos em geral não se apresentam adequados às diferentes idades, como, por exemplo, textos para o terceiro ou quarto ano do Ensino Fundamental com uma complexidade de textos universitários, o que desmotiva o aluno a ler, sentindo-se um derrotado diante do texto. Perini utilizou em seu artigo A leitura funcional e a dupla função do texto didático dados de seu projeto “Definição linguística da legibilidade” (UFMG), no qual foram analisados vários textos de livros didáticos. (PERINI, 1998). Para saber mais sobre leitura e livro didático, recomendamos que leia o capítulo Leitura e legibilidade: reflexões sobre o livro didático, que se encontra em Kleiman (1989), bem como O uso do material didático: referência ou condução?, de Matêncio (1994, p. 91-93). Para saber mais sobre pesquisas acerca do letramento dos brasileiros, sugerimos a leitura do artigo Letramento no Brasil: alguns resultados do indicador nacional de alfabetismo funcional, de Vera Masagão Ribeiro et al.(2002), que você pode encontrar facilmente do site do Scielo (www.scielo.br). Atividade de Estudos: 1) Propomos que você faça o exercício de verificar em um livro didático a que você tenha acesso que tipos e gêneros textuais são mais trabalhados. Pense agora sobre como o ensino da leitura é trabalhado neste material didático a partir da leitura dos 72 O Ensino da Leitura autores que você fez nesta seção. Observe, por exemplo, que tipos de perguntas de interpretação são feitas sobre o texto, se exigem uma compreensão e uma produção de sentidos para além da materialidade linguística do texto ou se as perguntas não ultrapassam as informações explícitas que os textos veiculam. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Algumas Considerações Neste capítulo, discutimos as práticas de leitura a partir dos PCN, evidenciando a importância do trabalho com gêneros textuais e indicando uma proposta de agrupamento para este trabalho. Vimos, um exemplo de trabalho com o gênero jornalístico apresentado por Camagnani (2002). Discutimos, as práticas de leitura encontradas em livros didáticos, no sentido de evidenciar que o uso exclusivo destes como material de leitura traz prejuízos às práticas de letramento dos alunos, mas podem ser tomados como meio a partir do qual se desenvolvam as habilidades de leitura funcional, desde que haja uma variedade de tipos e gêneros textuais no material didático e que este não seja a única fonte de acesso a textos, disponibilizada ao aluno. Referências BARBOSA, Jacqueline Peixoto. Do professor suposto pelos PCN ao professor real de língua portuguesa: são os PCN praticáveis?. In: ROJO, Roxane (org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. p. 149-182. 73 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC – SEF, 1998. _____. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC – SEF, 1997. CAMAGNANI, Ana Maria G. Diversidade e semelhanças na aula de leitura. In: _____. Maria José (Org.). O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. 2. ed. Campinas, SP: Pontes: 2002. p. 123-132. CORACINI, Maria José. Diversidade e semelhanças na aula de leitura. In: _____. (Org.). O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. 2. ed. Campinas, SP, Pontes: 2002a. p. 51-74. ______. Pergunta-resposta na aula de leitura: um jogo de imagens. In: ______. (Org.). O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. 2. ed. Campinas, SP, Pontes: 2002b. p. 75-84. KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989. KLEIMAN, Ângela.; MORAES, Silvia. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999. KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In.: ZILBERMAN, R. (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 2.ed. Porto Alegre: Mercado aberto, 1982. p. 51-62. MATÊNCIO, Maria de Lourdes M. Leitura, produção de textos e a escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1994. PERINI, Mário. A leitura funcional e a dupla função do texto didático. In: ZILBERMAN, R.; SILVA, Ezequiel T. (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. 4. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 78-99. RIBEIRO, Vera Masagão et al. Letramento no Brasil: alguns resultados dos indicadores nacionais de alfabetização funcional. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 49-70, dez. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/ v23n81/13931.pdf>. Acesso em: 11 out. 2009. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos de pedagogia da leitura. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998. 74 O Ensino da Leitura CAPÍTULO 4 Pedagogia de Projetos e o Ensino de Leitura A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Conhecer a proposta de projetos interdisciplinares de ensino de leitura baseada nas premissas dos PCN. � Valorizar a leitura global do texto, incluindo ilustrações, gravuras e pistas contextuais em geral. 76 Técnicas e Processos de Seleção 77 Seleção por Competências Capítulo 4 Contextualização Nos capítulos anteriores, estudamos a questão do ensino da leitura partindo de uma concepção de língua sociointeracionista, segundo a qual a produção de sentidos de um texto se dá na interação entre sujeitos e texto. Estudamos, também, que tipo de habilidades de leitura queremos desenvolver nos nossos alunos, tendo como ponto de partida o desenvolvimento/aprimoramento de seu letramento. Sabemos que trabalhar a leitura a partir desta perspectiva exige do professor o papel fundamental de leitor competente. Neste sentido, veremos agora que uma proposta de se trabalhar o ensino da leitura a partir de projetos interdisciplinares pode trazer resultados surpreendentes, já que a responsabilidade pelo ensino da leitura deixa de ser exclusiva do professor de língua materna e passa a ser compartilhada com os professores das demais disciplinas. Projetos interdisciplinares e os PCN Kleiman e Moraes (1999, p.16) levantam algumas questões que explicariam a tão conhecida crise de leitura na escola. A primeira questão que as autoras levantam diz respeito ao fato de que a leitura é considerada território do professor de língua. Isso significa que as discussões em tornodo assunto recaem sempre para o professor de língua materna, assim como, também, muitas vezes a “culpa” pelo fracasso dos alunos em suas práticas de leitura. A segunda questão, que está relacionada a esta primeira, é que o professor de outras matérias é mero informador, sem nenhuma responsabilidade pelo ensino e aprendizagem da leitura, como se os conhecimentos veiculados por suas disciplinas não passassem pelo crivo interacional da leitura. A terceira e última questão colocada pelas autoras diz respeito à ideia de que o desenvolvimento das habilidades de leitura passe somente pelo acesso a livros consagrados pelos cânones acadêmicos. Lembre-se da discussão levantada no capítulo 2 deste caderno de estudos acerca do posicionamento dos professores em relação à leitura e a seus papéis como leitores. Assim, Kleiman e Moraes (1999) mostram que, de acordo com A disciplinaridade, “refere-se a uma abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento questionando a segmentação entre os diferentes campos de saber produzida por uma visão compartimentada (disciplinar), que apenas informa sobre a realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu.” (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 22). 78 Técnicas e Processos de Seleção os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), há dois conceitos fundamentais para que as práticas pedagógicas voltadas para o ensino da leitura compreendam-na como ações sociais interativas. Estamos falando dos conceitos de interdisciplinaridade e de transversalidade, que se complementam mutuamente, embora não sejam a mesma coisa. A interdisciplinaridade: refere-se a uma abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento questionando a segmentação entre os diferentes campos de saber produzida por uma visão compartimentada (disciplinar), que apenas informa sobre a realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu. (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 22). Neste modelo de fragmentação disciplinar, o sujeito aceita passivamente o que é oferecido como conhecimento estável da realidade. Já a transversalidade diz respeito justamente à crítica da fragmentação e linearidade do conhecimento, questionando a alienação e o individualismo no saber disciplinar. Veja os que os PCN (BRASIL, 1997, p.36) dizem a esse respeito: A transversalidade em Língua Portuguesa pode ser abordada a partir de duas questões nucleares: o fato de a língua ser um veículo de representações, concepções e valores socioculturais e o seu caráter de instrumento de intervenção social. Os temas transversais (Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual), por tratarem de questões sociais, pertencem à dimensão do espaço público e, portanto, necessitam de participação efetiva e responsável dos cidadãos na sua gestão, manutenção e transformação. Todos eles demandam tanto a capacidade de análise crítica e reflexão sobre valores e concepções quanto a capacidade de participação. Não cabe a este documento indicar quais devam ser os projetos de estudo ou os textos a serem trabalhados na sala de aula; o que aqui se faz são sugestões e referências para que as equipes das escolas possam planejar suas propostas. Recomenda-se que não se deixe de incluí-los, sob nenhum pretexto, nos critérios de eleição de princípios metodológicos, de projetos de estudo e de textos a serem oferecidos aos alunos. Há conteúdos que podem ser trabalhados em situações de reflexão sobre a língua, com o objetivo de conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero e etnia, explicitando, por exemplo, a forma tendenciosa com que certos textos tratam questões sociais e étnicas, as discriminações veiculadas por meio de campanhas de saúde, os valores e as concepções difundidos pela publicidade, etc. Nesse sentido, a área de Língua Portuguesa oferece inúmeras possibilidades de trabalho com os temas transversais, uma vez que está presente em todas as situações de ensino e aprendizagem e serve de instrumento de produção de conhecimentos em todas as áreas e temas. A transversalidade diz respeito justamente à crítica da fragmentação e linearidade do conhecimento, questionando a alienação e o individualismo no saber disciplinar. 79 Seleção por Competências Capítulo 4 O que os PCN defendem é que a maneira pela qual a escola poderia mudar a realidade é desenvolver um projeto de educação comprometido com o desenvolvimento das capacidades que permitam a mudança da realidade. Kleiman e Moraes (1999) mostram que um projeto pedagógico que objetive isso poderá ter como guia três grandes diretrizes, como veremos na citação a seguir: 1. Posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefa educativa como uma intervenção na realidade no momento presente. Essa diretriz, para nós, implica necessariamente muito mais que a assimilação ou recepção de informações, até porque a quantidade de informações que estão disponíveis hoje ao cidadão comum é tal que seu uso se torna impossível se ele não conseguir integrá-las em redes significativas que ele próprio deve aprender a organizar. 2. Não tratar de valores apenas como conceitos, ideias, o que, para nós, implica que o educador deve pautar suas opções metodológicas de modo a incorporar o valor em questão como objetivo das atividades. Isto quer dizer, por exemplo, que não é suficiente declarar que formar leitores é um objetivo desejado, mas que o professor tem que mostrar, através das atividades que realiza, que vale a pena ensinar, aprender e praticar a leitura. 3. Incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de conhecimento escolar, o que significa, na nossa perspectiva, que o ensino e prática da leitura, atividade constitutiva da aprendizagem, deve fazer parte de todas as atividades, e que o professor é, em última instância, professor de leitura. Nessa perspectiva, cabe notar, a leitura é a atividade-elo que transforma os projetos de um professor em projetos interdisciplinares; parte-se da ótica do especialista – historiador, geógrafo, biólogo – para instaurar um espaço comum a todos, o da leitura. Como a leitura é um problema comum a todos, podemos dizer que, se por um lado partimos daquilo que nos opõe (o grau de domínio da escrita é um dos grandes divisores dos grupos sociais), também estamos partindo daquilo que é problema comum a todos, vista a ‘crise da leitura’ na escola e na sociedade. (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 22-23). As autoras mostram, assim, que a inclusão de temas transversais em projetos interdisciplinares é uma das maneiras que temos de descentralizar do professor de língua materna a tarefa do desenvolvimento das habilidades de leitura e de envolver os demais professores nesta empreitada. Lembre-se de que, no capítulo 2, estudamos o desenvolvimento das habilidades de leitura no Ensino Médio e que a formação de cidadãos letrados e críticos envolve muito mais do que podem oferecer as aulas de língua materna. Envolve, não só o conhecimento dos mecanismos linguísticos que contribuem para a construção de sentidos do texto, mas também o contato com textos de áreas de conhecimento diversificadas, que envolvem as demais disciplinas do currículo escolar e a participação dos demais professores. 80 Técnicas e Processos de Seleção Contudo, Kleiman e Moraes (1999) observam, ainda, que muitos professores se sentem pouco à vontade com este tipo de proposta, talvez justamente por terem tido uma formação pautada no conhecimento fragmentado. Em geral, os professores têm dificuldades em pensar projetos temáticos que englobem diferentes disciplinase que necessitam de um engajamento coletivo maior. As autoras observam, entretanto, que estudos recentes sobre tendências curriculares em vários países mostram a preocupação com o trabalho de temas transversais nos currículos escolares, tais como: ética, direitos humanos, respeito ao meio ambiente, cidadania e multiculturalismo. Isto porque a leitura e a escrita estão deixando de ser vistas apenas como atribuições de disciplinas para tornarem-se “atividades de linguagem fundamentais para o desenvolvimento do indivíduo em sociedades tecnológicas”. (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 24). Repare que esta última maneira de encarar a leitura e a escrita vai ao encontro do que propõem os PCN em relação ao ensino de leitura e ao desenvolvimento de cidadãos letrados e críticos a partir da concepção sociointeracionista de linguagem, texto e leitura. Em relação a temas transversais para a escola brasileira, as autoras mostram que os PCN sugerem ética, pluralidade cultural, saúde, meio ambiente, orientação sexual e temas locais. Dentro desta perspectiva, as disciplinas isoladamente não dariam conta de maneira adequada e suficiente do objetivo de educar cidadãos letrados e críticos. Faz-se necessário, portanto, que haja uma integração, uma rede de comprometimento entre as áreas de conhecimento, a fim de que a educação para a cidadania se dê de maneira rica e complexa, tal qual é a vida social dos educandos. Como vimos anteriormente, os PCN preveem como meios privilegiados para o desenvolvimento do letramento, a partir das práticas de leitura dos alunos, os projetos interdisciplinares. Podemos encontrar um bom exemplo de como esta estratégia pode dar certo na experiência com o projeto “Ler para Aprender”, relatado por Lima (2007). Segundo a autora, a característica principal do projeto “Ler para Aprender”, desenvolvido no Estado de São Paulo, foi refletir sobre a leitura como uma atividade essencial para todas as matérias escolares, e também como uma habilidade a ser desenvolvida por todas as disciplinas, e não apenas na disciplina de língua materna. O primeiro passo para o desenvolvimento do projeto foi refletir sobre as A inclusão de temas transversais em projetos interdisciplinares é uma das maneiras que temos de descentralizar do professor de língua materna a tarefa do desenvolvimento das habilidades de leitura e de envolver os demais professores nesta empreitada. 81 Seleção por Competências Capítulo 4 práticas de letramento dos próprios professores envolvidos no projeto, a fim de traçar seus perfis de leitores e receptores dos mais variados gêneros textuais para que eles percebam que apresentam naturezas diferentes e exigem também estratégias diferenciadas por parte de produtores e receptores de textos. A autora ressalta que essa discussão foi importante para mostrar que é essencial para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares envolvendo a leitura o conhecimento sobre o perfil dos alunos, para que se estabeleçam objetivos concretos e viáveis de desenvolvimento de práticas de letramento. Assim, os professores envolvidos no projeto montaram questionários que foram aplicados em diversas escolas para que se estabelecesse o perfil dos alunos, no que se refere aos tipos e gêneros textuais a que eles tinham acesso e que lhes interessavam mais, assim como quais os produtos culturais com os quais os alunos tinham mais contato. A partir dos questionários, os professores discutiram, então, que gêneros circulavam mais entre os alunos e, também, quais gêneros considerados importantes pelos professores não circulavam. Repare que Lima (2007) faz uma observação interessante quando mostra que o confronto entre os perfis dos professores e dos alunos evidenciou a necessidade de os primeiros se informarem sobre certos gêneros que circulam entre os alunos, tais como bate-papos da internet, por exemplo, que eram desconhecidos pelos professores. Uma questão importante que surgiu, conforme a autora, foi ajudar o professor a relacionar o conteúdo de sua disciplina com os diversos textos da mídia a que os alunos tinham acesso, por exemplo. Para essa discussão, foi importante discutir o conceito de interdisciplinaridade e as possibilidades concretas de práticas de interdisciplinaridade por parte dos professores. A partir destas discussões, os professores foram divididos em grupos a partir de dois critérios: diversidade de disciplinas em cada grupo e possibilidade de desenvolver trabalhos conjuntos nas escolas em que lecionavam. Assim, cada grupo escolheu um tema levando em conta o interesse e a importância dele para o letramento dos alunos, a possibilidade de tratamento interdisciplinar do tema e também a possibilidade de se trabalhar com textos da mídia, a partir de um acordo entre os professores e a orientadora do projeto. Repare que a escolha por trabalhar textos da mídia evidencia a preocupação do grupo de professores em fazer circular entre os alunos textos reais, com temas atuais e que contribuem para as práticas de letramento destes. Lima (2007) apresenta com mais detalhes dois dos temas escolhidos pelos grupos de professores: “Gravidez na adolescência” e “Leitura do jornal”. 82 Técnicas e Processos de Seleção A escolha do primeiro tema deveu-se ao fato de que na escola em que se aplicaria o projeto houve 4 casos de gravidez em turmas da 6a série. Já o segundo tema foi escolhido porque os alunos da escola eram do meio rural e na aplicação do questionário se verificou que não tinham contato com o jornal impresso. Aqui abordaremos apenas o segundo tema. O objetivo principal deste projeto foi levar os alunos a conhecerem e manusearem o jornal, bem como aprenderem a relacionar as notícias encontradas nele com suas vivências na escola. Além disso, o trabalho com o jornal permitiria trabalhar com variados gêneros textuais e diferentes estratégias de leitura, incluindo aí a leitura de textos não-verbais, tais como imagens, charges, fotos, a diagramação, etc. Deste projeto participaram os professores de português, de artes e de geografia. A professora de português trabalhou com os diversos gêneros textuais que circulam no jornal e, ao final de algumas semanas, os alunos produziram o jornal mural da escola. A professora de geografia trabalhou com o mapa-mundi, relacionando-o com o caderno internacional. Nesta situação, os alunos liam procurando identificar no mapa sobre quais países havia mais notícias, marcando-os com alfinetes. A partir disso, foi possível realizar uma discussão sobre geopolítica e sobre o porquê de o que acontece em alguns lugares virar notícia ou não. Já a professora de artes trabalhou com a leitura não-verbal com o objetivo de levar os alunos a discutirem por que algumas fotos são impressas em preto e branco e outras em cores e, também, por que determinadas matérias ocupam a página principal do jornal, enquanto outras aparecem em pequenas notas. Além disso, a professora supervisionou a montagem e diagramação do jornal mural produzido pelos alunos. Observe que, a partir deste exemplo de projeto interdisciplinar apresentado por Lima (2007), podemos perceber a importância do trabalho entre as diversas disciplinas a fim de trabalhar com o ensino da leitura em uma rede maior de interrelações entre os conhecimentos de disciplinas diversas. A própria prática da interdisciplinaridade nos dá a dimensão social da leitura, que deixa de ser um mero fim em si mesmo para ganhar significados no cotidiano do aluno, a partir de encadeamento dos conhecimentos específicos de cada disciplina curricular. O exemplo que mostramos aqui é apenas uma ilustração de uma variada gama de possibilidadesque se abrem para o ensino da A própria prática da interdisciplinaridade nos dá a dimensão social da leitura, que deixa de ser um mero fim em si mesmo para ganhar significados no cotidiano do aluno, a partir de encadeamento dos conhecimentos específicos de cada disciplina curricular. 83 Seleção por Competências Capítulo 4 leitura a partir da interdisciplinaridade e de temas transversais. Repare, contudo, que, como mostra Lima (2007), a organização e a preparação do trabalho com projetos de temas interdisciplinares são essenciais para se conseguir bons resultados. Não basta saber o que o professor quer ensinar, nem o que o aluno tem interesse em aprender. É importante uma discussão em conjunto e um entendimento sobre quais estratégias e possibilidades de letramento são viáveis e interessantes para aqueles alunos, aquela escola, aquele meio social com os quais vamos trabalhar. Além disso, este exemplo mostra que a prática de leitura envolve vários aspectos contextuais nos quais o texto está inserido, incluindo a leitura de imagens, de ilustrações, de aspectos materiais e contextuais, que auxiliam o leitor a produzir sentidos. Pesquise na internet um projeto de leitura desenvolvido na escola e relate se este projeto trabalha em uma perspectiva interdisciplinar, com temas transversais. Relate também que gêneros textuais são lidos pelos alunos neste projeto de leitura. Atividade de Estudos: 1) No capítulo 3, vimos o exemplo do trabalho com o gênero jornalístico proposto por Camagnani (2002) e neste capítulo vimos o exemplo de projeto interdisciplinar de Lima (2007). Em ambos os exemplos, as autoras propõem a leitura de vários aspectos do texto, incluindo a leitura de elementos não-verbais. Releia as duas abordagens e mostre como as autoras propõem trabalhar com tais elementos, retomando o conceito de contexto estudado no capítulo 1. ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ 84 Técnicas e Processos de Seleção ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Algumas Considerações Neste capítulo, conhecemos e discutimos a proposta dos PCN de trabalhar com o ensino da leitura em projetos interdisciplinares, com temas transversais, baseada na concepção de linguagem sociointeracionista. A título de ilustração, exemplificamos o trabalho com projetos a partir da proposta apresentada por Lima (2007). Durante as discussões neste caderno de estudos, trabalhamos com uma perspectiva de língua como interação, a qual deve orientar a nossa prática pedagógica como professores de leitura. Vimos que o ensino de leitura deve estar orientado para mostrar ao aluno o papel social desta, nas práticas de letramento, e que ensinar leitura é evidenciar ao aluno os conhecimentos prévios que ele tem na leitura, é mostrar que ler é produzir sentidos. Vimos, também, que a escola tem o papel de desenvolver/aprimorar as habilidades de leitura dos alunos e que tais habilidades estão vinculadas justamente ao papel social que a leitura desempenha, conforme mostram os PCN. Além disso, o trabalho com a leitura, nesta perspectiva interacional, requer que o professor seja o modelo de leitor competente para os alunos. Discutimos, também, que as práticas de leitura encontradas em livros didáticos podem trazer prejuízos às práticas de letramento dos alunos, mas também podem ser tomadas como meio a partir do qual se desenvolvam as habilidades de leitura funcional, se houver uma variedade de tipos e gêneros textuais no material didático e se este não for a única fonte de acesso a textos disponibilizada ao aluno. Neste sentido, pudemos pensar o ensino de leitura em dois aspectos: o ensino da leitura funcional e o ensino do desenvolvimento pelo gosto de ler. 85 Seleção por Competências Capítulo 4 Enfim, vimos que ensinar leitura não é nada fácil e requer, portanto, uma consciência por parte do professor em relação às concepções de língua que estão por trás desta prática pedagógica. Longe de esgotar o tema, este caderno de estudos procurou mostrar a você um panorama dos estudos em leitura, bem como ilustrar o trabalho com a leitura, sem, contudo, passar fórmulas prontas de como e o que ensinar em leitura. Esperamos que, a partir da leitura deste caderno de estudos, você tenha tido acesso aos estudos e discussões que se fizeram nos últimos anos sobre o ensino da leitura e que este material sirva para orientar suas próprias reflexões e escolhas acerca de suas práticas pedagógicas de ensino de leitura. Referências BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa. Brasília, DF: MEC – SEF, 1997. KLEIMAN, Ângela; MORAES, Silvia. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999. LIMA, Maria Luiza Cunha. A leitura como atividade interdisciplinar e a formação do professor. In: MATTE, Ana Cristina Fricke (Org.). Lingua(gem), texto e discurso: entre a reflexão e prática. vol 2. Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte, MG: FALE/UFMG, 2007. p. 122-135.