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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE CASTANHAL FACULDADE DE LETRAS Rosielen Antonia da Silva Leite DIAGNÓSTICO DO TRABALHO COM A LEITURA NA QUINTA SÉRIE Castanhal 2011 Rosielen Antonia da Silva Leite DIAGNÓSTICO DO TRABALHO COM A LEITURA NA QUINTA SÉRIE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Licenciado em Letras (habilitação em Língua Portuguesa), pela Faculdade de Letras do Campus Universitário de Castanhal, Universidade Federal do Pará. Área de concentração: Estudos linguísticos. Orientadora: Profª. Msc. Márcia Cristina Greco Ohuschi. Castanhal 2011 Rosielen Antonia da Silva Leite DIAGNÓSTICO DO TRABALHO COM A LEITURA NA QUINTA SÉRIE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Licenciado em Letras (habilitação em Língua Portuguesa), pela Faculdade de Letras do Campus Universitário de Castanhal, Universidade Federal do Pará. Área de concentração: Estudos linguísticos. Orientadora: Profª. Msc. Márcia Cristina Greco Ohuschi. Data de aprovação: Banca Examinadora ________________________________________- Orientadora Membro: Márcia Cristina Greco Ohuschi Titulação: Mestre Instituição: UFPA ________________________________________ Membro: Ivan Pereira de Sousa Titulação: Mestre Instituição: UFPA A Deus, pois sem Ele jamais teria conseguido vencer os obstáculos que se colocaram a minha frente, principalmente, nos momentos em que mais precisei de força. A minha família, pela fé e confiança de que esse momento tão sonhado seria realidade em minha vida. AGRADECIMENTOS A Deus, o autor e consumador de minha fé, pela coragem e ensinamentos. Por ter gerado, em meu coração, o grande desejo de ensinar jovens e adolescentes e, principalmente, de contribuir para a formação deles. A minha mãe, pelas palavras de coragem. Sempre me impulsionando a seguir em frente, sem me deixar dar espaço para os abatimentos que surgiram no meio do caminho. Amo-te de todo meu coração! A meu irmão Rodrigo Leite, por todas as palavras de sabedoria. Sempre me mostrou minha real capacidade, não deixando, em momento algum, que eu pensasse na palavra “desistir”. Você é um exemplo de perseverança para mim. Amo-te meu irmão! A minha grande amiga, Fernanda Lima, pelo carinho e companheirismo que sempre mostrou nas horas em que as lágrimas caíram do meu rosto. Obrigada pelos sábios conselhos que você sempre me deu. A minha orientadora, Márcia Ohuschi, por marcar tão positivamente minha trajetória acadêmica, sempre me ensinando a levar o processo de ensino e aprendizagem como algo que deve ser feito como muito amor e respeito. Agradeço à Universidade Federal do Pará, por ter me concedido fazer parte da bolsa auxílio acadêmico, pois, em grande parte, foi por meio desse auxílio que consegui realizar esse tão almejado objetivo. Muito obrigada! E a todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para a materialização desse sonho. Obrigada por tudo! “O simples ato da leitura transforma a nossa forma de pensar e enriquece o nosso conhecimento, gerando uma capacidade imensurável de criar o inimaginável”. (Thiago Henrique Miranda) http://pensador.uol.com.br/autor/thiago_henrique_miranda/ SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................... 08 ABSTRACT ........................................................................................................... 10 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12 UMA PERSPECTIVA DO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE LEITURA ............................................................................... 15 1.1 AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM .............................................................. 15 1.2 AS CONCEPÇÕES DE LEITURA .................................................................... 24 1.3 O ENSINO E APRENDIZAGEM DA LEITURA ................................................. 33 1.3.1 A LEITURA NA ESCOLA .............................................................................. 34 1.3.2 AS ESTRATÉGIAS DA LEITURA.................................................................. 44 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 52 2.1 TIPO DE PESQUISA ....................................................................................... 52 2.2 CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................................ 54 2.3 MATERIAL COLETADO ................................................................................... 55 2.4 METODOLOGIA E ANÁLISE DOS REGISTROS ............................................. 56 UM DIAGNÓSTICO DAS CONCEPÇÕES DE LEITURA....................................... 57 3.1 RELATO DAS AULAS DO DIA 14 DE MARÇO DE 2011 ................................. 57 3.1.1 ANÁLISE DAS AULAS DO DIA 14 DE MARÇO DE 2011 ............................. 60 3.2 RELATO DAS AULAS DO DIA 15 DE MARÇO DE 2011 ................................. 63 3.2.1 ANÁLISE DAS AULAS DO DIA 15 DE MARÇO DE 2011 ............................. 63 3.3 REALATO DAS AULAS DO DIA 22 DE MARÇO DE 2011 ............................... 65 3.3.1 ANÁLISE DAS AULAS DO DIA 22 DE MARÇO DE 2011 ............................. 66 3.3.2 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO E CONFRONTO COM A ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PROFESSORA .................................................................. 69 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 75 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 78 ANEXOS ................................................................................................................ 80 RESUMO Nos últimos anos, muito se tem falado em crise do ensino, especialmente, no ensino de língua portuguesa. Dessa forma, percebemos, juntamente com essa crise, a problematização do ensino de leitura em sala de aula. Por isso, nesta pesquisa, investigamos a questão do ensino e aprendizagem da leitura, em uma 5ª série de uma escola pública, estadual, do município de Castanhal – PA, observando se o trabalho com a leitura realizado em sala de aula contribui para a formação do leitor crítico. Logo, temos como objetivo geral refletir sobre a prática de leitura em sala de aula, com o intuito de contribuir para o ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa. Como objetivos específicos, propomo-nos a: a) identificar a concepção de linguagem predominante nas aulas de Língua Portuguesa, a fim de verificar a postura que o professor tem com relação ao ensino da Língua materna; b) diagnosticar a concepção de leitura presente nas aulas de Língua Portuguesa; c) verificar as estratégias de leitura utilizadas nas aulas; d) observar se o trabalho com a leitura realizado em sala de aula contribui para a formação do leitor crítico. Para isso, apresentamos uma pesquisa qualitativo-interpretativa, de cunho etnográfico e de natureza aplicada, na qual observamos dez aulas sucessivas de Língua Portuguesa, selecionando, para a tal análise, aquelas em que houve, de fato, trabalho com a leitura. Além disso, aplicamos um questionário à docente, mediante o que queríamos saber sobre sua prática, sobretudo no que se refere à abordagem da leitura. A pesquisa está vinculada ao projeto de pesquisa “Diagnóstico do trabalho com os gêneros discursivosna escola”, cadastrado na UFPA (Processo: 022581/2010), que tem como base teórica a perspectiva bakhtiniana, bem como outros teóricos que seguem essa vertente. Os resultados obtidos evidenciam que: a) predominou-se, nas aulas, a concepção de linguagem como instrumento de comunicação; b) o ensino da leitura é concebido a partir de uma perspectiva de leitura com foco no texto, uma vez que, além de o texto ser usado apenas como pretexto para o ensino de gramática, não ocorreu, nenhuma interação entre texto-leitor; c) o ensino da leitura em sala de aula não foi feito de forma que comtemplasse as estratégias de compreensão leitora propostas por Solé (1998), ou seja, “antes”, “durante” e “após a leitura”; d) notamos, ainda, que, pelo fato de o texto ser empregado apenas como pretexto para se ensinar a gramática, não houve espaço para reflexão, propiciando aos alunos a compreensão e a interpretação do texto, com o intuito de que se tornassem leitores ativos, reflexivos e mais maduros. Palavras-chave: Ensino aprendizagem. Concepção de leitura. Interação. ABSTRACT In the last years, too much has been said about education, specially, Portuguese language teaching. So, we realize, along with this crisis, the issue of teaching in the classrooms concerning reading. Therefore, in this research we look into the issues of teaching and learning reading in a 5th grade classroom in a public state school in the city of Castanhal – Pa, observing if the reading work performed in class room helps to the formation of the critical reader. Now, we have as a general objective the reflection of the practice of reading in the classroom with the intention of contributing to the teaching and learning of the Portuguese language. As specific objectives, we propose to: a) identify the conception of the predominant language in the Portuguese language classes in order to verify the posture that the teacher has in relation to the mother tongue; b) diagnose the conception of reading in the Portuguese language classes; c) verify the reading strategies used in the classes; d) observe if the reading work done in the classroom contributes to the formation of a critical reader. To do this we presented a qualitative-interpretive survey of ethnographic and applied nature, which ten Portuguese language classes were successively watched, selecting, for the analysis, those which actually had reading work done. Besides that, a questionnaire was applied to the teacher through what we wanted to know about his practice, overall about what concerns the approach of the reading. The research is bound to the research project “Diagnóstico do trabalho com gêneros discursivos na escola” (Diagnosis of the work with discursive genres in the school), registered at UFPA (Process: 022581/2010), which has as a theoretical basis the bakhtiniana perspective, along with other theorists that follow this slope. The results show that: a) in the classes the conception of language predominated as an instrument of communication; b) the teaching of reading is planned from a perspective of reading with a focus on text, since, in addition to the text being used only as a pretext to the teaching of grammar, there was no interaction between text and reader; c) the teaching of reading in the classroom was not done in a contemplated way, the reading comprehension proposed by Solé (1998), in other words, “before”, “during”, and “after the reading”; d) we note that because the text was used only as pretext to teach grammar, there was no space for reflection, providing for the students and the interpretation of the text, in order that they would turn into active, reflective and mature reader. Keywords: teaching and learning. conception of the reading. Interaction. 11 INTRODUÇÃO Sabemos que, atualmente, muitos setores da sociedade reclamam que o ensino está em crise e, mais especificamente, o ensino de língua portuguesa. Por isso, atentando para este fato, valemo-nos, aqui, do pensamento de Geraldi (1997, p. 39) ao enfatizar que, no sistema educacional brasileiro, “ocupa lugar privilegiado o baixo nível de desempenho lingüístico demonstrado por estudantes na utilização da língua”. Citamos Geraldi porque, assim como ele, voltamos nosso olhar para os exames como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), além dos concursos vestibulares que constatam a triste realidade do baixo nível de leitura dos alunos. Dessa forma, percebemos, concomitantemente, a deflagração do ensino de leitura, pois, em meio aos discursos que enfatizam a crise, desenvolvem-se, também, por parte de alguns teóricos e pesquisadores, reflexões a respeito dessa situação. Nesse sentido, Menegassi (2005) argumenta que a leitura precisa ser ensinada em todos os níveis de ensino e não apenas nas séries iniciais. O autor enfatiza o papel do professor enquanto mediador no processo de leitura, ensinando, ao aluno, estratégias que façam com que ele aprenda e desenvolva sua leitura com mais facilidade e de maneira adequada. Logo, a partir das reflexões proporcionadas pelas disciplinas Ensino- aprendizagem do Português I, Ensino-aprendizagem do Português II e das experiências obtidas no estágio do ensino fundamental como, também, das discussões do grupo de estudos “Interação e ensino de língua materna” (UFPA), tivemos como ampliar nossos conhecimentos sobre os aspectos teóricos e metodológicos a respeito do ensino da língua, especialmente sobre o ensino da leitura, aumentando, também, nossas preocupações a respeito da crise, dos baixos índices e, ainda, do baixo desempenho dos alunos no que se refere à leitura. Por isso, sentimos a necessidade de averiguar quais concepções de leitura perpassam o ensino e aprendizagem da 5ª série de uma escola pública de Castanhal – PA? Assim, temos como tema desta pesquisa o “Diagnóstico do trabalho com a leitura em uma 5ª série”. Como objetivo geral, procuramos refletir sobre a prática de leitura em sala de aula, com o intuito de contribuir para o ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa e, como objetivos específicos: a) Identificar a concepção de linguagem predominante nas aulas de Língua Portuguesa, a fim de verificar a postura 12 que o professor tem com relação ao ensino da Língua materna; b) diagnosticar a concepção de leitura presente nas aulas de Língua Portuguesa; c) verificar as estratégias de leitura utilizadas nas aulas; d) observar se o trabalho com a leitura realizado em sala de aula contribui para a formação do leitor crítico. Deste modo, essa pesquisa é caracterizada como qualitativo-interpretativa, de cunho etnográfico e de natureza aplicada. Para a coleta dos dados, observamos dez aulas de uma 5ª série de uma escola pública, estadual, do município de Castanhal – PA, além da aplicação de um questionário à docente, mediante o que queríamos saber sobre sua prática, sobretudo no que se refere ao trabalho com a leitura. A escola em questão não foi escolhida de forma aleatória, já que faz parte do projeto de pesquisa em que se vincula nosso trabalho “Diagnóstico do trabalho com os gêneros discursivos na escola”, cadastrado na UFPA (Processo: 022581/2010), coordenado pela professora Márcia Cristina Greco Ohuschi, em que tal escolha se deu com base no baixo desempenho da instituição no IDEB (Índice de Desenvolvimento Educacional Brasileiro). É válido ressaltarmos, ainda, que, nesse projeto, foi observada uma turma de 5ª série da mesma professora no ano de 2010, porém, a pesquisadora Valdeiza Leal Silva1, ateve-se, em sua análise, à abordagem dos gêneros discursivos e não à abordagem da leitura. Esta foi investigada pela pesquisadora Carla Viviane da Silva Alves2, que, em 2010, verificou a leitura na 8ª série. Assim, faltava, noreferido projeto, uma investigação do trabalho com a leitura na quinta série, o que nos propusemos a realizar. Esta pesquisa se pauta em uma perspectiva sociointeracionista, embasada nos pressupostos de Bakhtin/Volochinov (1988), Vygotsky (1988) e de pesquisadores brasileiros que pautam seu trabalho, também, nesse viés como, por exemplo, Geraldi (1997), Travaglia (1996), Soares (1998), Zanini (1999), Perfeito (2005), Menegassi e Angelo (2005), Solé (1998), Leffa (1996), Kato (1995), Kleiman (1993), entre outros 1SILVA, Valdeiza Leal. Diagnóstico do trabalho com os gêneros discursivos na 5ª série. TCC (Faculdade de Letras). Universidade Federal do Pará – Campus Castanhal, 2010. 2ALVES, Carla Viviane da Silva. Diagnóstico de leitura em uma turma de 8ª série do ensino fundamental. TCC (Faculdade de Letras). Universidade Federal do Pará – Campus Castanhal, 2010. 13 que procuram, ainda, tecer contribuição a respeito do ensino e aprendizagem de língua portuguesa em sala de aula. Este trabalho está dividido em três capítulos: O primeiro capítulo, Uma perspectiva do ensino de língua materna: Concepções de linguagem e de leitura, no qual apresentamos uma reflexão sobre as concepções linguagem, relatando o contexto em que vigoraram como, também, as orientações filosófico-linguísticas, com menção ao círculo de Bakhtin. Além disso, temos as concepções de leitura e uma discussão a respeito de seu ensino e aprendizagem em sala de aula, levando em consideração os Parâmetros Curriculares Nacionais e, ainda, sobre as estratégias que podem ser empregadas no momento da leitura como o “antes”, “durante” e “após”, de acordo com Solé (2003). Este capítulo é formado por quatro seções: As concepções de linguagem; As concepções de leitura; O ensino e a aprendizagem da leitura; A leitura na escola; As estratégias de leitura. O segundo capítulo, Metodologia da pesquisa, encontra-se organizado em duas seções: na primeira, Tipo de pesquisa, apontamos a qual tipo de pesquisa se caracteriza este trabalho e as bases teóricas que o sustentam. Na segunda, Contexto da pesquisa e o material coletado, expomos o contexto em que a pesquisa foi elaborada e o material separado para a análise. No terceiro capítulo, Um diagnóstico das concepções de leitura, temos os relatos das aulas, assim como a análise desses dados. Em seguida, fazemos a análise do questionário aplicado à professora, confrontando as respostas com o que observamos de sua prática de ensino em sala de aula. Por fim, a conclusão, na qual enfatizamos os objetivos gerais e específicos, analisando se eles foram, de fato, alcançados e mostrando, ainda, os resultados obtidos nesta pesquisa. 14 1 UMA PERSPECTIVA DO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE LEITURA Neste capítulo, discutimos a respeito do ensino de língua materna, considerada, aqui, como língua portuguesa, e das práticas pedagógicas utilizadas pelos professores em sala de aula. Ressaltamos, também, a leitura e as suas estratégias de ensino. Para isso, trabalhamos, primeiramente, as orientações filosófico-linguísticas discutidas pelo círculo de Bakhtin3, as quais foram nomeadas, no contexto da educação brasileira, como concepções de linguagem. Por meio destas últimas, fizemos um paralelo entre elas e o contexto em que vigoraram, para que, em seguida, pudéssemos abordar as concepções de leitura e suas estratégias, na perspectiva de Kleiman (1993), Leffa (1996), Solé (1998) e Menegassi e Angelo (2005). 1.1 As concepções de linguagem Reconhecer como o professor concebe a linguagem é um ponto muito importante no ensino de língua materna, pois é mediante essa concepção que o trabalho em sala de aula se organiza. Por isso, é preciso, primeiramente, refletirmos sobre as concepções de linguagem, uma vez que o modo como ela é concebida se refletirá no ensino de leitura como, também, nas outras práticas linguísticas. Assim, compreendemos que a abordagem metodológica para a prática de leitura, em classe, deve partir de um posicionamento adotado a respeito da concepção de linguagem, pelo educador, que dimensionará todo o trabalho com a leitura. Nesse sentido, fazemos um panorama a respeito dessas concepções desde as orientações do pensamento filosófico-linguístico, discutidas, no século XX, pelo grande filósofo da linguagem M. Bakhtin e seu círculo. Segundo Faraco (2009), os 3 Conforme Faraco (2009), trata-se de um grupo de intelectuais que fez suas reuniões regularmente nos anos de 1919 a 1929, primeiro na cidade de Nevel e Vitebsk e, depois em São Petersburgo. Entre esses filósofos destacaram-se Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Voloshinov, Pavel N. Medvedev. 15 estudiosos do círculo bakhtiniano deram grande contribuição em relação ao pensamento contemporâneo da época, foram eles os responsáveis por dar uma nova direção ao que se entendia por linguagem. O círculo de Bakhtin, segundo o autor, com base na literatura que circulava na época, ou seja, entre os anos de 1919 a 1929, buscou, por meio de artigos, criticar os teóricos de seu tempo, para poder “limpar o caminho”, e mais adiante lançar, de fato, suas próprias teorias. Algumas dessas críticas podem ser constatadas no livro “Marxismo e filosofia da linguagem”, no qual Bakhtin/Volochinov4 apresentam críticas e indagações às orientações do pensamento filosófico-linguístico da época: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Bakhtin/Volochinov (1988) criticaram o subjetivismo idealista, primeira orientação desse pensamento, por fundamentar seus estudos a respeito da língua, vendo-a como um processo criativo, ininterrupto de construção, em que sua materialização se dá de forma individual. Em suas críticas, os autores comentam que essa percepção concebe a língua a partir de uma visão análoga a outras formas de manifestações ideológicas, principalmente às criações artísticas. Fato que nos faz pensar que essa visão limita- se a uma atividade individual, que visa apenas à tarefa de classificar, descrever etc., os atos da língua, sem nenhuma atividade prática, que leve em consideração as vivências sociais do indivíduo. Logo, Bakhtin/Volochinov (1988, p.73) discordam quando essa tendência ressalta que: A língua, enquanto produto acabado (“érgon”), enquanto sistema estável (léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lingüística, abstratamente como instrumento pronto para ser usado. Desse modo, compreendemos que, nessa perspectiva, o indivíduo se compara a um receptáculo vazio, que deve ser preenchido com as regras da língua. Por isso, 4 Temos consciência, embasados em Faraco (2009), que existe uma confusão a respeito da autoria do livro “Marxismo e filosofia da linguagem”, uma vez que alguns estudiosos consideram ser de Bakhtin, apenas, o que foi publicado em seu nome ou que tenha sido encontrado em seus arquivos. Outros atribuem a Bakhtin todos os textos publicados. Há, ainda, aqueles que, por uma solução de compromisso, atribuem a Bakhtin/Volochinov a autoria da obra. Nós, por exemplo, seguimos o último posicionamento exposto, já que tanto o grupo de estudos “Interação e ensino de língua materna” (UFPA), como também o projeto de pesquisa “Diagnóstico do trabalho com os gêneros discursivos na escola”, cadastrado na UFPA (Processo: 022581/2010), seguem esse direcionamento. 16 ele não tem a possibilidade de mudá-la ou, ainda, de criar expressões fora de suas normas. A segunda orientação do pensamento filosófico-linguístico, o objetivismo abstrato, também foi criticada por Bakhtin/Volochinov (1988), devido ao fato de discutir a língua a partir de um sistema estável, inalterável, regida por leis basicamente linguísticas, que constituem ligações entre signos linguísticos no interior de um sistema fechado. Bakhtin/Volochinov(1988, p. 96) explicam que “(...) a separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui um dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato”, pois, para a consciência do falante que faz uso da língua, não há sentido algum, se esta for separada e vista apenas como um sistema fechado de normas. Isso porque ao usá-la, em um contexto social, não se preocupa com tais regras, mas sim a aproxima de seu uso real, ou seja, de uma palavra que é viva, e sempre está carregada de um conteúdo ideológico. Do ponto de vista dessa tendência, conforme Bakhtin/Volochinov (1988), o indivíduo já recebe do meio linguístico um sistema de regras da língua já construído. Logo, não lhe cabe a opção de mudar qualquer regra deste sistema, pois a língua opõe-se a ele como um produto acabado, do qual só lhe resta a alternativa de aceitá- la, sem restrições. Para o Círculo bakhtiniano, esta orientação, do ponto de vista das relações linguísticas, especificamente, nada tem a ver com o conteúdo ideológico, pois para ela, entre a palavra e seu sentido, não há nenhuma relação com a consciência do indivíduo. Os autores enfatizam que, na opinião dessa tendência, “(...) entre o sistema da língua e sua história não existe vínculo nem afinidade de sentidos. Eles são estranhos entre si” (BAKTHIN/VOLOCHINOV, 1988, p. 83). Diante disso, após uma minuciosa indagação sobre o pensamento filosófico- linguístico da época, os estudiosos concluem que as duas orientações que vigoravam nesse período não davam conta da verdadeira natureza da linguagem, propondo, então, uma nova orientação, a interação verbal. Para essa proposta, “A língua é viva e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988, p.124). Ainda para os autores, 17 A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988, p. 123). De acordo com Bakhtin/Volochinov (1988), na interação verbal, as relações sociais evoluem e, consequentemente, a comunicação e a interação verbal também, gerando mudanças nas formas de uso da língua, já que, nessa perspectiva, o indivíduo assume um lugar, defende suas opiniões e interage com o outro. Nessa visão, defendida pelos autores, a linguagem passa a ser vista mediante sua natureza sócio-histórica, como um acontecimento social em que um diálogo ocorre entre dois ou até mais indivíduos. Contudo, não se trata, aqui, apenas de uma relação dialógica de concordar com o outro, mas, também, de contestar o que fora dito anteriormente, ou seja, de confronto entre ideias. Com isso, discutimos, então, a partir de agora, alguns aspectos da interação verbal, segundo Bakhtin/Volochinov (1988), para que, assim, possamos compreendê- los. São eles: a monologização da consciência, o diálogo, o outro (interlocutor) e a ordem metodológica para o estudo da língua. Conforme os autores, a monologização da consciência acontece do social para o individual, pois, ao se exteriorizar o conteúdo interior, esse muda seu aspecto, já que “é obrigado a apropriar-se do material exterior, que dispõe de suas próprias regras, estranhas ao pensamento interior” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988, p. 111). Desse modo, os autores apontam que é a expressão, a exteriorização de um discurso, que constitui a atividade mental do indivíduo e não o oposto, pois é no social, lugar em que a pessoa vive e mantém suas relações em sociedade, que se determina a maneira de expressão. Vygotsky (1988, p. 63) vem ao encontro dos pesquisadores, ao nomear esse aspecto de “internalização a reconstrução interna de uma operação externa”, comentando, desse modo, que a consciência é internalizada através das interações ocasionadas pelas vivências sociais do indivíduo, ou seja, o que ocorre no social para o individual. Para Bakhtin/Volochinov (1988, p. 123), o diálogo, outro aspecto da interação verbal, é um dos mais importantes, pois é por meio dele que se determina “não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda 18 comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”. Portanto, temos como exemplo concreto disso, um livro impresso, que mediante (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988, p. 123), O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa (...). Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. Dessa maneira, a escrita do livro é um diálogo, que procede de alguém e vai ao encontro de outro alguém, ocasionando, assim, a produção de um novo diálogo. Isso porque “o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros autores” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988, p. 123). Assim, compreendemos que a palavra se orienta em função do outro, adequando-se às mediações feitas em outras situações com o texto, já que a linguagem é compreendida como uma forma de ação social constituída pela interação verbal, tornando-se, dessa forma, justificável a importância da participação do outro na construção de textos escritos. Com isso, Bakhtin/Volochinov (1988) apontam três tipos de interlocutores, ou seja, o real (palpável), o virtual (passível de existência) e o destinatário superior ou superdestinatário (toda a ideologia a qual se estar inserido). Dessa maneira, a partir de Ohuschi (2006), exemplificamos, como locutor, um acadêmico que apresentará sua produção científica em um determinado congresso. Logo, ele deverá escrever seu texto em função do público-alvo desse evento, uma vez que os participantes que assistirão à exposição de seu trabalho estarão presentes nele como seu interlocutor virtual. Portanto, levando em conta esse interlocutor, o acadêmico deverá adequar sua produção de maneira que seu público compreenda as informações que deseja transmitir. Isso porque, em caso de ter em meio a seus ouvintes pessoas leigas, no que tange ao assunto que irá expor, buscará ser o mais explicativo possível, para que, desse modo, consiga obter êxito na exposição. Adverso disso, caso tenha um público que conheça o assunto, buscará ser o mais objetivo, prontamente chegando ao que deseja por em destaque no seu trabalho. No entanto, cabe-nos, ressaltar, em conformidade com a mesma autora, que, antes de encaminhar seu texto para o congresso, esse acadêmico o entregará para 19 seu orientador - que é o interlocutor real nesse processo - o qual também deverá levar em conta para escrever o texto. O orientador - interlocutor real - assume o papel de mediador, pois é ele quem proporcionará o diálogo entre o texto e o discente, fazendo comentários, notas, apontamentos que propiciarão melhoras em sua escrita. Conforme Ohuschi (2006), quanto ao encaminhamento do trabalho para publicação nos Anais do congresso, o locutor reproduzirá uma ideologia que é dominante ao conjunto acadêmico de discentes e docentes de graduação e pós- graduação (superdestinatário). É nesse contexto que se determinará a conduta e o gênero escrito por ele, confirmando-se, assim, a internalização do que fora apreendido do social no individual. Quanto à ordem metodológica para o estudo da língua, Bakhtin/Volochinov (1988) expõem que esta deve considerar alguns aspectos.Nesse enfoque, compreendemos que os autores propõem que, inicialmente, considere-se uma abordagem das formas e dos tipos de interação verbal, relacionadas às condições concretas em que são realizados, isto é, às condições de produção do enunciado, que incluem todo o contexto social e ideológico. Em segundo momento, as maneiras distintas das enunciações, dos atos de fala, isolados em sua estreita relação com os elementos que constituem a interação discursiva, atendo-se à enunciação, ou seja, à marca do sujeito que se instaura. Já em um terceiro momento, as formas da língua em sua interpretação linguística habitual, ou seja, as regras que compõem a língua. Com isso, embasado nessa teoria, podemos concluir que há uma ordem metodológica para o ensino da língua, que parte do mais amplo até se chegar, de fato, nos aspectos mais específicos e formais. Assim, essa proposta possibilita ao indivíduo mais consciência de si e do meio social que faz parte, tornando-se, desse modo, protagonista de suas ações e reflexões. Portanto, após considerações sobre as orientações do pensamento filosófico da linguagem e, mais especificamente a respeito da interação verbal, passamos a refletir como elas se deram em nosso país. No Brasil, alguns estudiosos renomearam essas correntes (subjetivismo idealista, objetivismo abstrato e a interação verbal), como proposto por Geraldi (1997), respectivamente em: a linguagem como expressão do pensamento, a linguagem como instrumento de comunicação e a linguagem como forma de interação. Porém, ressaltamos que, apesar das novas nomenclaturas, cada uma delas permaneceu com 20 sua particularidade no que concerne à linguagem, foram apenas adaptadas ao ensino e aprendizagem de língua, no contexto da educação brasileira. Segundo Perfeito (2005), a concepção de linguagem como expressão do pensamento foi categoricamente sustentada pela tradição gramatical grega, perpassando pelos latinos, Idade Média e Moderna, só sendo, de fato, rompida no começo do século XX, pelo linguista F. Saussure. Essa primeira concepção, de acordo com a autora, fundamenta seus estudos tradicionais de língua, no que tange à língua portuguesa, ainda, nos dias atuais, sob uma perspectiva “de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam” (GERALDI, 1997, p. 41). Zanini (1999) também enfatiza que, na educação brasileira, essa concepção, mais especificamente nos anos 60, vigorou com a ideia do ensino da gramática pela gramática, na qual se priorizava o “bem falar” e o “bem escrever”. Essa educação era feita a partir de exercícios de classificações de sujeito, substantivos etc., repletos de regras gramaticais. Nesse momento, de acordo com a autora, acreditava-se que, para que o indivíduo ganhasse o mundo afora, era necessário que ele tivesse informações que revelassem suas habilidades e domínio sobre um determinado conteúdo. Não se preocupava em ensinar um conteúdo que levasse em conta a realidade social do aluno, já que, aqui, ele era apenas um recipiente vazio, no qual, o professor, detentor do saber, depositava o conhecimento. De acordo com a pesquisadora, para essa concepção, conhecer a língua materna era muito além de valer-se em termos de erudição, era distinguir as normas que dirigiam a língua. Assim sendo, conhecer a língua significava ter domínio da gramática, ou seja, de sua história e de suas normas. Travaglia (1996, p. 21) também nos dá suporte a respeito desse assunto, apresentando-nos que: (...) Para essa concepção (...) a expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução (...). As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia individual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica seu pensamento dependerá a exteriorização desse pensamento por meio de uma linguagem articulada e organizada. Portanto, para a primeira perspectiva, a comunicação humana não tem uma relação de dependência com o momento da comunicação, ela, apenas, preocupa-se 21 com a forma lógica com que os pensamentos devem se organizar e com a maneira que estes vão ser exteriorizados, mas, sem existir uma interação com outro, ou seja, sem levar em consideração o contexto de uso da língua. Soares (1998) ressalta que, no Brasil, os anos 60 trazem uma nova percepção “sociopolítica”, e também, outra concepção no que se refere ao ensino de português, pois é nesse momento que, de fato, tem-se firmada a democratização da escola e juntamente com ela o direito das classes populares de alcançarem seu espaço, principalmente no que se refere à escola pública. Cabe-nos salientar, ainda, que, segundo a autora, fica perceptível que esse novo contexto de educação, que não contemplava mais, apenas, as classes privilegiadas, precisava de uma nova concepção que atendesse, agora, alunos de classes populares, pois o ensino de língua através de uma teoria que priorizava a linguagem como expressão do pensamento já não era mais adequado. Com isso, o ensino de língua teria que contemplar métodos que fossem capazes de desenvolver as habilidades de se expressar e de compreender mensagens, no que diz respeito ao uso da língua. Essa teoria perdurou durante os anos 70 até os primeiros anos da década de 80. Essa nova forma de ensino de língua da época, a segunda concepção, vê a linguagem, conforme Perfeito (2005), como um instrumento de comunicação, código linguístico, que pode transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor, mesmo fora de seu contexto de utilização. A autora também nos apresenta um resgate teórico, em relação a essa concepção, que nos faz atentar para o fato de que esta foi instaurada por F. Saussure, nos fins do século XX, quando ele rompe com a concepção de linguagem como expressão do pensamento, dando início a um estudo da língua, embasado em seu funcionamento interno, o qual ainda não levava em consideração as suas condições sócio-históricas. Zanini (1999) expõe que, de acordo com essa vertente, o indivíduo só era capaz de internalizar o que estava fora dele, a partir de exercícios que contemplassem comandos de questões como “siga o modelo”, já que se acreditava que só se aprendia o saber que estava fora após várias repetições. Mas, essa crença de que “repetir várias vezes a mesma tarefa” levaria o indivíduo a internalizar o conhecimento não deve ser considerada como uma verdade, pois sabemos que o simples fato de repetir a mesma sentença gramatical muitas vezes não garante que o ensino da língua obterá o sucesso previsto. Dessa forma, questiona-se: como pode um sujeito adquirir 22 conhecimento de sua língua, simplesmente, através de exercícios que não o levam a refletir a respeito do que lhe está sendo proposto? Tanto Zanini (1999) como Geraldi (1997) nos apresentam que a concepção de linguagem como instrumento de comunicação é bastante presente nos livros didáticos, principalmente nas instruções ao professor que o direcionam a como aplicar as tarefas propostas pelo livro em sala de aula, fechando, portanto, qualquer possibilidade que poderia existir de interação entre o aluno e o professor. Diante disso, fica confirmado que o período em que, na educação brasileira, contemplou essa concepção de ensino, deixou professores e alunos presos a uma realidade de ensino repleta de normas. Os professores, mais ainda, pois ficaram presos a livros didáticos que os diziam a toda momento o que deveriam ou não fazer em sala de aula, só lhes restando a tarefa de cumprir à risca, sem objeções. Na segunda metade da década de 80, Soares (1998) aponta que o ensino de língua embasado na visão de língua como instrumento de comunicação já não era mais motivo de inspiração para a educação brasileira, pois já não encontrava sustento no contexto político-ideológico vivenciado no país e nem nas novas teorias que começavam a surgir no campo do ensino de línguamaterna. É fato que um país, ao passar por mudanças (políticas, sócias, ideológicas etc.) traz, juntamente com elas, crenças que influenciam de forma direta ou indireta o ensino de língua. Por isso, ao olharmos para o quadro de grandes mudanças que passou e continua passando a nação brasileira, acreditamos que elas são de fundamental importância para o ensino e aprendizagem de língua portuguesa, pois é através dessas tentativas que podem gerar erros ou acertos, que o ensino de língua tem tentado, há várias décadas, ajustar-se às novas concepções de ensino que têm surgido. Portanto, é na tentativa de melhorar, mais uma vez, o ensino de língua materna, que surge a terceira concepção de linguagem, ou seja, a linguagem, sob o âmbito da interação. Tal perspectiva pode ser compreendida por meio das observações de Geraldi (1997, p. 41): (...) a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, construindo compromissos e vínculos que não preexistem à fala. 23 Então, entendemos, a partir da contribuição de Geraldi, que agora o sujeito assume um lugar na conversação, que ele age sobre o outro, construindo vínculos de interação mediante o uso da linguagem, fato que não era possível nas outras concepções de linguagem. O ensino da gramática, por sua vez, que antes era feito de forma descontextualizada, ou seja, por meio de exercícios de classificações e preenchimento de lacunas, alheios a qualquer contexto de comunicação, agora, mediante uma visão interacionista advinda da perspectiva bakhtiniana, é feito de forma contextualizada e reflexiva, levando em consideração o seu uso. Zanini (1999) aponta que, nessa concepção, o texto passa a ser o ponto de chegada das atividades linguísticas, o que possibilita ao indivíduo tornar-se um sujeito capaz de interagir com as várias formas de discurso, pois (...) “aqui o texto já não se revela um produto pronto, intocável, que pertence somente ao seu criador” (ZANINI, 1999, p. 84). Dessa forma, diante de várias concepções de linguagem, compreendemos que elas, mesmo que não tenham sido apropriadas em todas as suas abordagens, foram e são importantes, ainda nos dias atuais, para que, a partir das discussões feitas pelos autores citados, possamos delinear qual a concepção de linguagem tem norteado o ensino de língua portuguesa em sala de aula. A seguir, abordamos as concepções de leitura e suas estratégias, estabelecendo uma discussão entre alguns autores e suas abordagens a respeito das práticas pedagógicas em sala de aula. 1.2 As concepções de leitura Segundo Menegassi e Angelo (2005), o desenvolvimento dos estudos sobre a leitura está ligado ao desenvolvimento da própria Linguística. Nessa maneira de conceber a língua, valorizavam-se, no início desses estudos, como objeto de investigação as unidades isoladas da língua (fonemas, sons, palavras, frases). Entretanto, esse foco foi modificado, a partir do surgimento da Linguística Aplicada, da Sociolinguística, da Psicolinguística, até chegar à concepção de recepção do texto como unidade comunicativa, proposta que vigora na atualidade. De acordo com Kato (1986, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005) apresenta, mesmo que de forma geral, um panorama de como ocorreu o desenvolvimento das 24 concepções sobre leitura. Na linguística estruturalista, por exemplo, acreditava-se na leitura apenas como decodificação sonora das palavras escritas, ou seja, “o leitor apenas decodificando a palavra, conseguiria, por um dispositivo de mágica existente, (...), juntar todas as palavras, mesmo as que não conhece” (MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 16). Kato (1986, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005) argumenta que, apesar da preocupação com a palavra ainda obter seu espaço, surge, aos poucos, outro conceito, o de se valorizar o conhecimento lexical do leitor. Agora, sob a influência da linguística gerativista, o observador assume seu espaço tomando consciência do contexto sentencial da palavra. Segundo Menegassi e Angelo (2005), a partir de observações, alguns pesquisadores começaram a perceber que não bastava apenas que o leitor conhecesse previamente a palavra, mas que era necessário que ele considerasse o contexto linguístico da sentença, isto é, como ela ocorre no texto. Portanto, dando sinais de mais mudanças, logo se percebeu que estudar o texto a partir de sentenças isoladas de seu contexto não era o suficiente, surgindo, então, a Linguística Textual, que volta seu olhar para os princípios de constituição de um texto, ou seja, “a situação, a intenção, o aceite, enfim, o contexto de produção”. (MENEGASSI; ANGELO, p. 16). Em seguida, Menegassi e Angelo (2005) comentam que surge a pragmática, corrente que influencia os estudos atuais sobre a linguagem articulada do homem. Essa corrente concebe a leitura como um processo de interação entre leitor e texto, já que, nesta, o leitor, por meio das informações explícitas e implícitas no texto, tenta alcançar os objetivos e intuitos do autor. Os autores atentam, também, para a influência que a análise do discurso tem no modo de pensar a leitura, pois ela traz em seu bojo discussões a respeito da historicidade na construção do discurso, ou seja, da importância do momento sócio- histórico de leitura tanto do autor como do leitor. Nessa concepção, o texto não tem sentido sozinho, ele precisa de um leitor que tem uma história de vida, crenças, as quais são veiculadas para o texto no momento da leitura. Dessa forma, após apresentarmos um breve cenário de como se deu o desenvolvimento da leitura ligado ao desenvolvimento da própria linguística, passaremos, então, a refletir a respeito das concepções de leitura segundo a visão de Kleiman (1993), Leffa (1996), Solé (2003 apud MENEGASSI; ANGELO, 2005). 25 Segundo Kleiman (1993), a leitura é vista mediante quatro concepções: leitura como decodificação, leitura como avaliação, concepção autoritária de leitura e leitura como interação. De acordo com a autora, “a leitura como decodificação” está embasada em uma prática empobrecedora, uma vez que em nada modifica a visão de mundo do leitor. Nessa concepção, basta, somente, que o leitor passe os olhos literalmente pelo texto à procura de trechos que respondam a perguntas que já apresentam respostas prontas. A leitura como processo de avaliação, de acordo com Kleiman (1993, p.21), é outra prática que inibe a formação de leitores, já que a maioria das vezes que o educador pede ao aluno que leia em voz alta, “a prática é justificada porque permite ao professor ‘perceber se o aluno está entendendo ou não’, apesar de sabermos que é mais fácil perder o fio da estória quando estamos prestando atenção à forma”. Sabemos que quando essa atividade é solicitada ao aluno, acaba por ocasionar nele uma grande preocupação se está respeitando ou não a pronúncia das palavras e a pontuação do texto, não garantindo, pois, sua compreensão. Kleiman (1993) argumenta que, se o objetivo da leitura for conferir se o aluno conhece ou não as letras, os sinais de pontuação, essa prática será eficaz, mas, antes disso, o educador deverá possibilitar ao educando um momento para que ele faça uma leitura silenciosa e consiga, dessa forma, familiarizar-se com o texto. Já a leitura em voz alta, com o intuito de verificar a beleza do texto como, por exemplo, a leitura de um poema, de acordo com a autora, pode, também, ocasionar benefícios, uma vez que por meio desta o aluno poderá perceber os efeitos ocasionados como, por exemplo, pelas figuras de linguagem utilizadas em um texto. Quanto à concepção autoritária, Kleiman (1993) expõe que há, apenas, uma maneira de abordar e interpretar o texto. Nessa percepção, a leitura autorizada restringe-se, apenas, à leitura e interpretação, sendo, dessamaneira, a contribuição do aluno dispensável, fato que transforma essa prática em uma avaliação do nível de proximidade entre a leitura feita pelo aluno e interpretação admitida. Kleiman (1993) destaca que, nessa visão, a prática de ensino de leitura em sala de aula não proporciona interação entre professor e aluno, pois na maioria dos casos em que se objetiva o ensino do texto, ocorre, apenas, um monólogo do professor para os alunos escutarem. No entanto, pesquisas demonstram que é por meio da interação que o educando compreende, de fato, o texto. 26 Por isso que, no ponto de vista de Kleiman (1993, p. 24), é a partir da interação que o leitor, mesmo o que não tem muitas experiências, tem a oportunidade de compreender o texto; “não durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre aspectos relevantes do texto”. Logo, percebemos a importância do professor, como mediador, propiciar em sala de aula momentos em que os educandos possam discutir sobre o texto, para que, assim, sejam esclarecidos dúvidas e pontos que tenham ficado confusos na leitura do texto. No ponto de vista de Leffa (1996, p. 10), “a leitura é basicamente um processo de representação. Como esse processo envolve o sentido da visão, ler é, na sua essência, olhar para uma coisa e ver outra”. Logo, o ato de ler para essa percepção não se dá de forma direta a realidade, mas por meio de outros elementos que fazem parte dela. Com isso, ler é reconhecer o mundo por meio de espelhos, mas isso sem deixar de considerar que esses espelhos transmitem, apenas, imagens fragmentadas, já que a verdadeira leitura só será, de fato, possível se o leitor tiver um conhecimento prévio do mundo que faz parte. Assim, Leffa (1996, p. 11), adverte que: (...) Numa leitura do mundo, o objeto para o qual se olha funciona como um espelho. Se o objeto for, por exemplo, uma casa, vai oferecer tantas leituras quantas forem as posições de cada um dos observadores em relação à casa. O arquiteto fará uma leitura arquitetônica, o sociólogo uma leitura sociológica, o ladrão uma leitura estratégica, e assim por diante. Portanto, dessa maneira, compreendemos que a leitura que o observador fará de seu objeto de análise dependerá em grande parte de seu conhecimento e apreensões em relação a seu objeto de análise. Conforme Leffa (1996), podemos definir a leitura em três acepções distintas: “Ler é extrair significado do texto”, “Ler é atribuir significado ao texto” e “Ler é interagir com o texto”. Na primeira acepção, o autor compara o texto com uma mina com inúmeros corredores subterrâneos, que precisa ser persistentemente explorada. Essa ideia de leitura como extração de significado está agregada ao conceito de que o texto tem um significado preciso, certo, que o leitor só poderá obter caso se mostre persistente. Leffa (1996) afirma que, para essa concepção, o ato de ler deve ser cauteloso, com consulta ao dicionário sempre que se perceber uma palavra desconhecida. 27 Nessa situação, deve-se, também, evitar o uso de adivinhações, já que, segundo o autor, “a leitura é um processo exato e a compreensão não comporta aproximações”. (LEFFA, 1996, p. 12). Os erros cometidos na leitura oral são vistos, aqui, como provas de deficiência por parte do leitor. Dessa forma, a leitura corresponde a um processo linear, ou seja, a leitura é feita palavra por palavra e a partir da compreensão de cada palavra o significado vai sendo construído. Para a segunda acepção, “Ler é atribuir significado ao texto”, Leffa (1996) propõe que a origem do significado advém do leitor e não, propriamente, do texto. Desse modo, nessa concepção, o mesmo texto pode provocar em cada leitor uma reação distinta, principalmente, em momentos diferentes de leitura. Leffa (1996, p. 14) evidencia que, de acordo com essa visão, “(...) a riqueza da leitura não está necessariamente nas grandes obras clássicas, mas na experiência do leitor ao processar o texto”. Por isso, compreendemos que o conhecimento prévio do leitor é um fator importante para o momento da leitura, já que é por meio deste que ele conseguirá compreender o texto com mais profundidade e relacioná-lo com outros assuntos que já tenha lido. Nessa percepção, ainda de acordo com o autor, a leitura é compreendida como um processo, no qual é aceitável que se faça uma leitura lenta e cuidadosa, rápida ou até mesmo superficial, usando ou não o dicionário quando perceber uma palavra desconhecida. Isso porque, mediante a leitura, o leitor poderá, pelo contexto em que a palavra estiver inserida, tentar compreender, de fato, seu significado e, dessa maneira, provavelmente, abo final da leitura a terá entendido. A respeito dessa percepção, Leffa (1996, p. 14) esclarece que: A leitura não é interpretada como um procedimento linear, onde o significado é construído palavra por palavra, mas como um procedimento de levantamento de hipóteses. O que o leitor processa da página escrita é o mínimo necessário para confirmar ou rejeitar hipóteses. A terceira percepção de leitura, segundo o teórico, mostra que “Ler é interagir com o texto”, ou seja, é uma troca de informações entre texto e leitor. Logo, para que essa interação ocorra, de fato, é necessário que o leitor tenha mais do que habilidades, que esteja, também, interessado em realizar a leitura. De acordo com Leffa (1996), a partir do momento em que o ser humano mostra- se satisfeito, realizado com a leitura, inicia-se o processo de interação entre leitor e 28 texto. Segundo o autor, a leitura é um processo feito de diversos processos, os quais ocorrem tanto ao mesmo tempo como sequencialmente. Tendo em vista a perspectiva da Psicolinguística, Solé (2003, apud MENEGASSI, ANGELO, 2005) apresenta que existem, no âmbito da prática escolar, diferentes concepções de leitura: a perspectiva do texto, a perspectiva do leitor, a perspectiva interacionista, a perspectiva discursiva. A primeira perspectiva que tem sua base no estruturalismo (corrente teórica que propunha o estudo da língua a partir de estruturas) concebe a leitura como um “processo de decodificação de letras em sons, e a relação destes com o significado”. (MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 18). Essa concepção, de acordo com Leffa (1999, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005), que predominou nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos, buscou mostrar o conteúdo do texto da maneira mais clara possível. Para isso, enfatizava-se o uso de uma linguagem simples, que fosse comum a todos, pois, acreditava-se que se chegaria a um sucesso da leitura com mais facilidade. Menegassi e Angelo (2005) enfatizam que nessa concepção a leitura não é vista como um processo ativo, mas sim como passivo, no qual há apenas o reconhecimento de palavras e ideias. Por conta disso, este processo configura-se como ascendente (bottom-up), já que as ideias partem do texto para o leitor. Nessa perspectiva, os autores ressaltam, assim como Kleiman (1996), suas críticas em relação à leitura em voz alta, pois por muitas vezes esta acaba se tornando, apenas, um meio de avaliar seus alunos. Essa concepção que põe em foco o leitor tem provocado várias críticas por parte de muitos autores, a exemplo disso temos Leffa (1999 apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 21), ao apontar que essa perspectiva dá: (...) Ênfase no processamento linear da leitura; defesa da intermediação do sistema fonológico da língua para acesso ao significado; valorização das habilidades de nível inferior, como reconhecimento de letras e palavras. Outra crítica advém de Menegassi e Angelo (2005), ao comentarem que a linguística textual compreende o texto de forma que seu significado é completo, acabado, tendo, apenas, espaço para as apreensões do autor. Entretanto, sabemos que a leitura, como afirmam os autores, é particular, pessoal, já que depende dos conhecimentos e experiênciasque cada leitor leva para o momento da leitura. 29 Desse modo, temos a segunda concepção, vertente que, de acordo com Menegassi e Angelo (2005), defende que a construção do sentido do texto ocorre de forma descendente (top-down), ou seja, parte do leitor para o texto. Dessa maneira, o leitor é considerado um agente principal nesse processo de construção, pois é por meio dos conhecimentos prévios, que são adquiridos no cotidiano, que ele consegue colaborar na leitura, atribuindo significado ao texto. Diante disso, Menegassi e Angelo (2005) expõem que o processo de obtenção de significado do texto não ocorre de maneira linear - leitura de palavra por palavra -, mas, sim de modo que o leitor possa contribuir com seus conhecimentos adquiridos previamente. Com isso, de acordo com os autores, “ler, nessa perspectiva é atribuir significado ao texto”. (MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 23). Com isso, observamos que Leffa (1996), como já exposto, aqui, também comenta a respeito desse processo de leitura, a partir da denominação “Ler é atribuir significado ao texto”. Menegassi e Angelo (2005, p. 26) observam que “embora seja atribuído um papel altamente ativo ao leitor”, isso não eximiu a perspectiva do leitor de críticas. Isso ocorre porque, nessa concepção, os aspectos sociais do texto são descartados, confiando-se, excessivamente, nas adivinhações feitas pelo leitor e, também, por considerar, no ensino de leitura, qualquer interpretação feita pelo aluno. Diante disso, surge a terceira perspectiva, a interacionista, que segundo Menegassi e Angelo (2005), não se centra apenas em um dos participantes, mas sim na relação entre os processamentos ascendentes e descendentes, ou seja, na relação entre leitor e texto e os conhecimentos de mundo que aquele leva para o texto no momento da leitura. Desse modo, os autores argumentam, ainda, que o ato de ler, nessa concepção, passa a envolver dois processos: um perceptivo e um cognitivo, sendo que o primeiro corresponde às informações da página impressa; e o segundo os conhecimentos que o leitor traz de seu cotidiano. Conforme Leffa (1999 apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 28), nessa visão, perpassa todas as teorias de leitura, porém, dando ênfase nas abordagens psicolinguística e social, expressando-se que o estudo da leitura abrange tanto um modo transacional, como uma teoria da compensação. A primeira abordagem leva em consideração o processo ascendente de leitura. Já a segunda, como proposto por Stanovitch (1980); Leffa (1999, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005) compreende a leitura a partir de diversos níveis de conhecimento (lexical, sintático, enciclopédico 30 etc.) que interatuam entre si, participando em maior ou menor nível na construção do significado. Sendo assim, caso o leitor se depare em alguma situação de sua vida com um enunciado ou parte de um texto e não consiga compreender, precisará fazer uso de outras informações que fazem parte do texto para que dessa forma entenda o enunciado. A perspectiva da interação, também, é trabalhada por (KLEIMAN, 1993) “leitura como interação” e por (LEFFA, 1996) “Ler é interagir com o texto”, apresentadas, aqui, anteriormente. Além desses, Menegassi e Angelo (2005, p. 30) comentam que vários outros autores posicionam-se em favor da teoria interacionista, dentre eles os mais tradicionais são: “Colomer e Camps (2002), Kleiman (1996; 2000), Silva (1991)”. Esses pesquisadores são bastante conhecidos por contribuírem de maneira bastante significativa com o ensino de leitura em sala de aula. Colomer e Camps (2002, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 31), por exemplo, discorrem que no âmbito educacional muitas vezes os alunos leem sem nenhum interesse, já que o texto não os acrescenta nada de novo. Isso ocorre porque quando o texto é levado para a sala de aula, o aluno não consegue relacionar o tema proposto com as informações prévias de sua vida. Diante disso, as autoras argumentam que “o equilíbrio entre o dado e o novo é condição essencial para a compreensão” do aluno. Kleiman (2000, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 32) indica que o trabalho de leitura em classe só fará sentido para o educando se a escola trabalhar, levando em consideração a “conscientização linguística crítica”, no que tange ao ensino de leitura, e, com isso, não se prendendo, apenas em constatar como a linguagem funciona no texto. Em Silva (1991, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005), percebemos que o pesquisador adverte que o professor ao levar o texto para sua turma precisa permitir que seus alunos leiam nas entrelinhas, reflitam, busquem sentido para o texto, pois como ressalta o autor, o sujeito “ao ler, (...) constrói um “outro” texto, produto de sua história de vida, de seu repertório de experiências (...)” (p.32). Entretanto, mesmo com importantes contribuições desses pesquisadores em relação ao ensino de leitura, por meio de uma visão interacionista, autores como, por exemplo, Moita Lopes (1996, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005), apontam que há 31 limitações no estudo dessa concepção, uma vez que ela não considera os aspectos sociais e psico-sociais. Nessa opinião crítica, temos, também, Coracini (1995, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005) que ressalta que, embora essa concepção seja uma das mais aceitas no meio acadêmico, ainda é apenas um prolongamento de uma abordagem ascendente, uma vez que esta em sua essência ainda vê o texto como um objeto autoritário, no qual sua leitura é direcionada para uma análise literal. Menegassi e Angelo (2005) nos apresentam, então, a perspectiva discursiva, na qual não se lê o texto como um texto, mas como um discurso, ou seja, levando-se em conta as condições de produção. Essa concepção é embasa em uma abordagem da análise do discurso de orientação francesa (disciplina constituída por Michel Pêcheux nos fins dos anos 60) o que, de acordo com os autores, justifica seu modo de pensar e ler. Nessa percepção, Pêcheux (1997, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p.35) postula que “o discurso é, ao mesmo tempo, estrutura e acontecimento”, o que significa que, a estrutura é o requisito sobre o qual se embasa e se desenvolve os processos discursivos e, deste modo, não funcionando como uma teoria estabilizada, mas suscetível a moldar-se aos movimentos histórico, social e ideológico. Menegassi e Angelo (2005) exprimem que, na análise do discurso, os sentidos das palavras não estão somente no texto, mas na relação que se estabelece com o que está fora dele, ou seja, com as condições de produção. Essas “condições de produção são acionadas pela memória discursiva” (MENEGASSI; ANGELO, 2005, p.36) e essa diz respeito aos conhecimentos experimentados por uma pessoa ao longo da vida e que são reativados para subsidiar cada nova palavra que surge, mas isso com sentidos e sensações diferenciadas. Ainda assim, a análise do discurso, como as perspectivas anteriores, também é alvo de crítica, pois, de acordo com Possenti (1996, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 38), ela que “prioriza o processo histórico de produção, a memória discursiva (...)”, deve ativar os valores pragmáticos na análise de textos ou discursos. Diante dessa crítica, Possenti (1996, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 38) destaca que: (...) o funcionamento do texto necessita dos seguintes fatores: a) material linguístico; b) fatores históricos e psicanalíticos – os discursos prévios, c) fatores pragmáticos – o papel do próprio falante na analise dos fatos da linguagem, isto é, o saber do falante. 32 Com isso, percebemos que no que tange às práticas de ensino de leitura em sala de aula, de acordo com Menegassi e Angelo (2005), é possível que muitos professores que ensinam nas escolas brasileiras adequem-se em um ou outro conceito exposto aqui. Entretanto, os autores ressaltam que entre esses conceitos a maneira mais adequada de se ensinar a leitura é aproveitando as característicasmais úteis de cada perspectiva em relação à situação em que professores e alunos estão interagindo. Assim, concordamos com o que propõe Ritter (1999, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005), quando, em suas pesquisas a respeito do âmbito educacional, sugere uma junção entre as abordagens cognitivistas e discursiva, ou seja, as perspectivas do leitor, do texto (na verdade da interação entre elas) e do discurso, resultando, dessa forma, em uma visão cognitivo-discursiva para o ensino da leitura. Dell’Isola (1996, apud MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 39) propõe em seus estudos um enfoque no conceito interacionista-sócio-discursivo por contemplar “a) a leitura como habilidade fundante do ser humano; b) a leitura como prática social; c) a leitura como ato de co-produção”. Depois de apresentarmos um breve traçado teórico das concepções de linguagem e o desenvolvimento das teorias sobre as concepções de leitura, expomos, no tópico seguinte, sobre o ensino e aprendizagem da leitura. 1.3 O ensino e a aprendizagem da leitura De acordo com Ritter (2005), nessa reflexão sobre o ensino e a aprendizagem da leitura, em contexto escolar, não podemos deixar de lado a posição oficial sobre seu ensino, pois, teórica e oficialmente, é a posição da escola e a que o governo lhe oferece. Por isso, entendemos, aqui, a importância de refletirmos a respeito do que os PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais - documento que rege o ensino de língua materna em nosso país, oferecem-nos quanto ao ensino de leitura. Para isso, tomamos como base, nesse documento, o enfoque que ele apresenta aos textos e seu uso em sala de aula. Outra reflexão bastante pertinente é o grande desafio, em dimensão escolar, de colocar em prática as abordagens sugeridas pelos PCN. Isso porque o professor, 33 mediador entre conhecimento-aluno, só conseguirá, de fato, colocar em prática essas orientações se conhecer e compreender, verdadeiramente, os mecanismos que possibilitem a competência leitora de seus alunos. Diante disso, consideramos importante fazer uma abordagem a respeito da leitura além da concepção dos PCN, contemplando, também, seu ensino na escola, sob o viés teórico de Vygotsky (1988), Geraldi (2008) e Menegassi (2005). Além disso, discorremos sobre as estratégias de leitura, de acordo com Menegassi (2005) e Solé (1998), que dão os subsídios ao professor em um processo de ensino e aprendizagem. 1.3.1 A leitura na escola Os PCN nos apresentam, em síntese, que a necessidade de reorganização do ensino fundamental no Brasil é uma discussão bastante antiga e esta se associa as imposições do processo de universalização da educação básica, que se impôs como precisão política para as nações pertencentes do Terceiro Mundo, na metade do século XX. Além disso, há, também, várias discussões sobre o ensino de língua materna e uma delas está ligada ao domínio da leitura dos alunos, pois, de acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p. 17), ele é o grande “responsável pelo fracasso escolar que se expressa com clareza nos dois funis em que se concentra a maior parte da repetência: (...) primeira e quinta série”. Por esse motivo que, em Perrotti (1993, apud RITTER, 2005, p. 135), fica evidente que nesse “contexto de crise da leitura na escola” não satisfaz mais que essa prática da linguagem seja solicitada de maneira isolada, pois, atualmente, deve-se pensá-la de forma que atenda às produções que circulam no meio social e, assim, o educando possa ter contato direto com elas. Segundo Ritter (2005), pensando nisso, os PCN do ensino fundamental propõem sugestões para que o trabalho com textos em sala de aula seja feito levando em consideração a realidade dos alunos, já que o documento prevê que: 34 (...) Considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio, cabe à escola promover sua ampliação de forma que, progressivamente, durante os oito anos do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações (BRASIL, 1998, p. 19). Com isso, fica clara a importância da escola e, especificamente, do professor conhecer, antecipadamente, a realidade social de seus alunos, para que, dessa maneira, possa construir suas práticas de ensino, levando em consideração os textos que circulam em sociedade. Logo, torna-se possível que o aluno, no final dos anos do nível fundamental, consiga, realmente, assumir uma postura madura frente à leitura. Ainda nessa abordagem, os PCN (BRASIL, 1998, p. 70) acrescentam que: (...) assumir a tarefa de formar leitores impõe à escola a responsabilidade de organizar-se em torno de um projeto educativo comprometido com a intermediação da passagem do leitor de textos facilitados (...) para o leitor de textos de complexidade real (...). No entanto, sabemos que, para isso ocorrer, é indispensável que o professor mostre ao aluno a diversidade de textos existentes no contexto social, pois sua intervenção nesse processo ajudará o educando a perceber que não se lê, por exemplo, uma notícia da mesma maneira que se consulta um dicionário. Dessa forma, conforme os PNC (BRASIL, 1998), é válido atentarmos, ainda, que o alcance da maturidade leitora do aluno não se deve, apenas, ao fato dos materiais que são usados em classe, mas, principalmente, da maneira como eles são colocados em prática pelo professor. Sendo assim, o documento apresenta algumas condições favoráveis para que isso ocorra: (...) A escola deve dispor de uma biblioteca em que os livros sejam colocados à disposição dos alunos (...). É desejável que as salas de aula disponham de um acervo de livros e de outros materiais de leitura. Mais do que a quantidade, a variedade (...). O professor deve organizar momentos de leitura livre em que também ele próprio leia, criando um circuito de leitura em que se fala sobre o que se leu (...). O professor deve planejar a atividade de leitura, assegurando que tenham a mesma importância dada ás demais. (...) Deve permitir que os alunos escolham suas leituras. Fora da escola, os leitores escolhem o que lêem. (...) A escola deve organizar-se em torno de uma política de formação de leitores, envolvendo toda a comunidade escolar (...) (BRASIL, 1998, p. 71-72). Após citarmos alguns fatores importantes para a construção da competência leitora, pautamo-nos nos PCN, em algumas orientações didáticas para que o trabalho 35 com a leitura em sala de aula seja efetivado: leitura autônoma, leitura colaborativa, leitura em voz alta pelo professor, leitura programada e leitura de escolha pessoal. Mediante os PNC (BRASIL, 1998), a leitura autônoma compreende que o educador, ao desempenhar seus trabalhos de maneira independente, possibilite aos educandos um momento de leitura silenciosa, de textos que já tenham certo nível de competência. Ao vivenciar essas situações de ensino e aprendizagem de leitura, o aluno tem a oportunidade de aumentar, ainda mais, sua confiança leitora, sentindo-se encorajado para aceitar outras provocações. A leitura colaborativa, de acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p. 72), “é uma atividade em que o professor lê um texto com a classe e, durante a leitura, questiona os alunos sobre os índices lingüísticos que dão sustentação aos sentidos atribuídos”. Quanto à leitura em voz alta pelo professor, não é um método muito comum nas escolas, pois, conforme os parâmetros curriculares, a maioria das vezes que um texto é lido em classe, centram-se, basicamente, nos alunos. No entanto, existem textos que, ao serem lidos pelo educador, ganham beleza, mais vida, podendo, desse modo, ser apreciados pelo educando com outro olhar. A leitura programada, conforme os PCN (BRASIL, 1998, p. 73), “é uma situação adequada para discutir coletivamente um título considerado difícilpara a condição atual dos alunos, pois permite reduzir parte da complexidade da tarefa, compartilhando a responsabilidade”. Dessa maneira, o educador tem a oportunidade de discutir com os educandos partes de uma determinada obra, sequenciando-as para, após isso, estimular discussões sobre a referida obra em classe. Segundo os PCN (BRASIL, 1998), a leitura de escolha pessoal “são situações didáticas, propostas com regularidade, adequadas para desenvolver o comportamento do leitor”, já que, mediante esse processo, o leitor tem a oportunidade de optar pelo material que mais lhe interessa para a leitura. Nesse tipo de atividade, podem acontecer momentos em que se eleja um gênero, autor ou tema de importância, para que os alunos se sintam estimulados a emprestar, do acervo da escola, livros para lerem em casa e, no dia estabelecido pelo educador, trocarem experiências sobre as leituras feitas. Todas essas atividades apresentadas nos PCN são importantes para o amadurecimento do leitor, mas não podemos deixar de enfatizar, ainda, que cabe à escola adequar-se às mudanças que ocorrem no meio social e, assim, possibilitar aos 36 alunos o ensino de língua materna a partir de textos que auxiliem em sua formação leitora. Dessa forma, compreendemos ser o papel da escola proporcionar aos alunos o contato com textos de suas realidades, pois se sabe que mesmo que a ela não desempenhe este papel, ainda assim os alunos terão certa aproximação com esses textos, pois, no meio em que vivem, adquirem conhecimentos. Entretanto, caso esses conhecimentos não sejam bem aproveitados pelo professor, os educandos poderão, de alguma maneira, pensar que os textos que leem em casa não podem ser lidos na escola e vice-versa. Nesse sentido, Vygotsky (1988) nos apresenta que a aprendizagem das crianças ocorre muito antes de entrarem, de fato, na escola, pois elas começam a aprender a partir do social, pela interação que estabelecem com outras crianças e com os adultos que as cercam. Contudo, para que possam ampliar esse conhecimento, captado de suas vivências sociais, precisam, conforme o autor, de um tempo para amadurecer, já que “A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1988, p. 64). Vemos, portanto, a importância da socialização das leituras, para que se estabeleça uma interação entre textos-leitores e dos leitores entre si. Dessa forma, as trocas de vivências, opiniões contribuirão para a construção de sentidos do texto. O autor delineou o conceito de Zona de desenvolvimento proximal, ou seja, a “distância entre o nível de desenvolvimento real (...) e o nível de desenvolvimento potencial” (VYGOTSKY, 1988, p.97). Constituindo-se, dessa maneira, nível de desenvolvimento real como um elemento decisivo das funções mentais que já estão amadurecidas, e nível proximal, daquelas que ainda não passaram por amadurecimento, mas, que já estão nesse processo, que amadurecerão se forem estimuladas por um mediador, ou seja, o educador. Desse modo, observamos a fundamental importância da atuação do professor como mediador no momento da leitura. Portanto, depois de apresentarmos uma breve abordagem acerca da leitura na concepção dos PCN, abordando, também, as teorias de Vygotsky, discorremos sobre o ensino da leitura a partir do ponto de vista de Geraldi (2008) e Menegassi (2005). De acordo com Geraldi (1997, p. 169-170), o primeiro questionamento que deve ser feito ao levar um texto para sala de aula é “para que se lê o que se lê?”. Isso ocorre 37 porque a maioria das vezes que o texto é levado para a classe, prende-se, apenas, em responder perguntas que já estão, de certa forma, previamente fixadas, assim, alterando-se em um “meio de estimular operações mentais e não um meio de, operando mentalmente, produzir conhecimentos. Não há perguntas prévias para se ler. Há perguntas que fazem porque se leu”. Logo, Geraldi (2008) aborda que o ensino de língua portuguesa em sala de aula deve se pautar em três práticas: leitura de texto, produção de textos, análise linguística. Assim, de acordo com o autor, essas abordagens atreladas ao processo de ensino e aprendizagem estão, também, interligadas a dois objetivos: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificialidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b) possibilitar, pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 2008, p. 88). Conforme o exposto, entendemos, como expõe Geraldi (2008), que a maioria das vezes que se institui uma atividade linguística em classe, faz-se, apenas, com o mero objetivo da metalinguagem, ou seja, do estudo da língua pela própria língua. Logo, da mesma maneira, ocorre, também, com o texto, quando não é realizada uma leitura e, apenas, “fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos. E isso nada mais é do que simular leitura” (GERALDI, 2008, p. 90). Entretanto, mesmo percebendo a importância de refletirmos a respeito de como essas práticas ocorrem em classe, ateremo-nos, aqui, com mais profundidade na questão da leitura, já que, como sugere Lajolo (1982, apud, GERALDI, 2008, p. 91): Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. No entanto, sabemos que falar na habilidade do leitor, relacionar o texto lido com outras informações possíveis, faz-nos pensar que, para que isso ocorra, ele necessite de maturidade. Consequentemente, para que esta seja garantida é considerável ter em mente que “cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (LAJOLO, 1982, apud GERALDI, 2008, p. 92). 38 Dessa maneira, levamos em consideração Geraldi (2008, p. 93), ao apontar que “mais do que o texto definir suas leituras possíveis, são os múltiplos tipos de relações que com eles nós, leitores mantivemos e mantemos, que o definem”. Sendo assim, o autor nos apresenta quatro tipos de leituras: a leitura-busca de informações; leitura-estudo do texto; leitura-pretexto e leitura fruição. Na leitura para busca de informações, segundo Geraldi (2008), trata-se de ir ao texto com um objetivo enquanto leitor e, a partir daí, retirar dados pertinentes para o seu alcance. Assim, lê-se um texto tanto para responder questões como, também, para verificá-las. Logo, podemos citar, como exemplo, algumas situações em que lemos para buscar informações: leitura de um dicionário para sabermos o significado de uma palavra; leitura de uma lista telefônica; leitura de um manual de jogos. A leitura do estudo do texto, de acordo com Geraldi (2008, p. 94), é uma prática que, infelizmente, ocorre mais nas aulas de outras disciplinas do que, propriamente, nas de língua portuguesa que, em princípio, precisariam contemplar as mais variadas maneiras de “interlocução leitor/texto/autor”. Nessa perspectiva, o autor sugere que o estudo do texto pode ser feito em conformidade com alguns procedimentos como, por exemplo, os expostos no texto, “os argumentos apresentados em favor da tese defendida, os contra-argumentos levantados em teses contrárias, coerência entre tese e argumentos”. Além disso, podemos desdobrá-los em tópicos mais definidos, que podem dar mais legitimidade aos argumentos citados: “tese, argumentos, contra- argumentos, coerência entre tese/argumentos” (GERALDI, 2008, p. 95). Em relação à leitura do texto como pretexto,conforme Geraldi (2008) existe tanto um “pretexto” para o aluno como, também, para o professor. Desse modo, por exemplo, um texto poderia ser usado como pretexto para escrever uma carta, uma dissertação, um resumo. Isso é claro sem um aprofundamento das informações expostas. A leitura como fruição, segundo Geraldi (2008, p. 97), tem a pretensão de recuperar das experiências as maneiras de interlocução que são métodos praticamente distantes das aulas de língua portuguesa, ou seja, “o ler por ler, gratuitamente”. Dessa forma, faz-se necessário que a escola recupere para dentro dela o que ela mesma elimina, ou melhor, o prazer pela leitura. Para isso, Geraldi (2008, p. 98-99) enfatiza três princípios necessários para a que se possa recuperar a vivência leitora: o caminho do leitor, o circuito do livro e não há leitura qualitativa no leitor de um livro. Desse modo, o caminho do livro é “o respeito 39 pelos passos e pela caminhada do aluno enquanto leitor (...)”. O circuito do livro refere- se aos “rodízios de livros entre alunos, bibliotecas de sala de alunos, biblioteca escolar (...)”. Sobre o fato de que não há leitura qualitativa no leitor de um livro, isso ocorre porque “a qualidade (profundidade?) do mergulho de um leitor num texto depende – e muito – de seus mergulhos anteriores. A quantidade ainda pode gerar qualidade”. Mediante às possibilidades de leitura apresentadas, conforme Geraldi (2008), apreendemos que são, simplesmente, algumas das escolhas para que o texto possa entrar na sala de aula, sendo assim, cabe a nós, enquanto educadores, buscarmos alternativas para inserir o texto no processo de ensino e aprendizagem da língua materna. Geraldi (2008, p.110) aborda, ainda, outra grande preocupação ao se trabalhar com a leitura, a questão da avaliação, que é uma das grandes inquietações dos professores. O autor discute que é muito comum que os educadores façam perguntas como, por exemplo: “Como vou saber se o aluno leu o livro, se não exijo resumos, fichas de leitura (...). Como vou analisar a qualidade/profundidade da leitura do aluno?”, quando se dispõem a avaliar a leitura do aluno. O teórico postula que, com esses questionamentos, mesmo que tenham bons propósitos, mostram mais um controle de avaliação do que saber o que o aluno aprendeu em todo um processo. Desse modo, Geraldi (2008, p. 110) propõe que é indispensável que tanto a escola como o educador tenha em mente a necessidade de recuperar para o âmbito educacional “o prazer de ler sem ter que apresentar à função professor-escola”. Assim, espera-se que, neste caso, a avaliação passe a ser considerada não como um controle autoritário, mas como parte de todo um processo de ensino. Temos em Menegassi (2005), também, a perspectiva da prática de leitura como instrumento de avaliação. O autor enfatiza que ela está de acordo com as novas concepções de ensino de língua, “envolvidas aí também as novas concepções de leitura, de escrita e seus respectivos ensinos, pode-se pensar que a avaliação de leitura deve ser vista sob os parâmetros diferenciados daqueles tradicionais”. Isto porque, na percepção tradicional, a leitura é exercitada apenas para duas práticas avaliativas: uma leitura de prova oral, na qual se preconiza a pronúncia das palavras e a intensidade que elas são lidas; e uma prova contendo um amplo questionário de perguntas de caráter compreensivo e interpretativo. Partindo desse entendimento, fica claro porque Menegassi (2005) comenta que, ultimamente, discute-se bastante sobre essa temática, já que pensar em 40 avaliação em sala de aula, desperta-nos para o fato de como o professor de língua portuguesa pode estabelecer critérios avaliativos que sondem o aluno não apenas no final de um bimestre ou ano letivo, mas que ele que tenha consciência de que esse processo deve se dar continuamente. Logo, é preciso verificar o que está ocorrendo cotidianamente nas atividades que propõe em classe, como os alunos estão se envolvendo com o material apresentado e como estão se desenvolvendo enquanto leitores. Dessa maneira, Colomer e Camps (2002, apud MENEGASSI, 2005, p. 100) tratam que “a avaliação deixa de ser um instrumento nas mãos do professor e passa a envolver também o aluno no controle do próprio processo”. Isso porque o educando toma consciência de que os resultados obtidos pelo professor não são para evidenciar seus erros, mas sim para diagnosticá-los e, por conseguinte, vencê-los. Com isso, entendemos que, especificamente, a avaliação formativa em classe faz com que, de certa maneira, seja rompido o “critério principal da avaliação tradicional” e, assim, seja dado lugar para o reconhecimento de que é necessária a “diversificação de instrumentos avaliativos” (MENEGASSI, 2005, p. 102). Desse modo, o professor poderá propiciar para os alunos não apenas um teste, mas situações que possibilitem a avaliação em diferentes momentos, aqui, especialmente, os de leitura. Nesse sentido, Menegassi (2005, p. 102) expõe alguns instrumentos bastante comuns na prática escolar: “questionários, provas, resumos, relatórios, discussões” que, de certa maneira, não podem ser renunciados da rotina escolar, pois sempre fizeram parte dela. Contudo, sabemos que é necessário que essas práticas sejam readequadas a uma concepção de avaliação formativa, aqui, de leitura. Além disso, Colomer e Camps (2002, apud MENEGASSI, 2005) fazem algumas sugestões de como, também, outras práticas podem ser reunidas à avaliação que se faz na escola, com o intuito de examinar como se dá o procedimento e o domínio da leitura feita pelo aluno. Portanto, temos: a análise dos erros cometidos durante a leitura em voz alta-essa atividade permite ao professor detectar quais procedimentos deve tomar para melhorar a leitura do aluno, não para denegrir sua postura frente à atividade (...). análise das autocorreções feitas pelo próprio leitor-durante a leitura, seja em voz alta ou silenciosa, o aluno demonstra certos indícios de autocorreção, os quais indicam o seu nível de consciência sobre os 41 erros que comete e os quais arruma no momento em que se produzem (...). o nível de consciência do leitor sobre seus erros e autocorreção durante a leitura em voz alta - determinar o nível de consciência do aluno e permitir que ele tome essa consciência faz com que o processo de leitura tenha sentido para o aluno e para o professor(...). a hipótese levantada pelo leitor para preencher os espaços que exigem inferências no texto, essa atividade exige por parte do aluno uma explicação oral ou escrita da hipótese que levantou para construir, como chegou a inferência do texto (...) (COLOMER; CAMPS, 2002, apud MENEGASSI, 2005, p. 102-103). Portanto, levar em consideração os pontos apresentados acima é importante à medida que possibilita ao professor avaliar o nível de maturidade leitora do aluno, a consciência que este tem de autoavaliar seus próprios erros, exatamente no momento em que ocorrem, e refletir sobre eles. Cabe-nos salientar, ainda, outra prática que é muito presente no âmbito escolar, a leitura em voz alta com fim avaliativo. Menegassi (2005, p. 113) discorre que “é tradição, na escola o emprego da leitura em voz alta como recurso para se avaliar a leitura do aluno”. O autor explica que essa prática tornou-se presente no meio educacional a partir da leitura de textos considerados clássicos na literatura, para que lessem, oralmente, fato que os colocava em contato com textos de boa qualidade, gerando, assim, bons leitores. Outra explicação apresentada por Menegassi (2005, p.113 -114): Como a sociedade brasileira tem uma formação cristã, e nos cultos cristãos lê-se a Bíblia em voz alta para os fiéis, seja pelo sacerdote, pelo celebrante ou pelos fiéis, tornou-se prática na sociedade essa leitura, estendendo-se, conseqüentemente, à escola, através dos primeirosprofessores em solo brasileiro: os jesuítas. De acordo com Menegassi (2005), apesar de essa prática ser muito presente nas escolas brasileiras, é de extrema necessidade que ela seja readequada às novas inquietações que surgem na sociedade atual, pois ela não garante a compreensão do texto como vimos em Kleiman (1993). Entretanto, como adverte o autor, não há a pretensão de que seja abolida, de sala de aula, espera-se, sim, que seja utilizada, porém não como único método para avaliar a leitura do aluno. Assim, o autor nos apresenta alguns pontos que podem ser usados como procedimentos, para que a leitura em voz alta seja tomada de maneira adequada pelo educador: 42 a) treinamento da leitura – se o professor deseja que seus alunos leiam em voz alta, ele deve, necessariamente, capacitá-los para isto, oferecendo-lhes técnicas vocais de leitura, de postura e de conduta, que possibilitem um real procedimento de leitura em voz alta; b) seleção de textos – nem todo texto serve para a leitura em voz alta na sala de aula. O professor deve selecionar apropriadamente os textos que necessitam de expressão oral; c) apresentação em público – o desenvolvimento da oralidade na escola não está condicionado à construção de discursos coerentes sobre determinado tema, também, se apega à apresentação de textos lidos em público. Para isto, faz-se necessário um trabalho que mostre ao aluno como se portar frente a um público, dando sentido à leitura que faz, é o caso de apresentação em feiras de ciências, normalmente conduzidas na escola (MENEGASSI, 2005, p. 116). Além disso, Menegassi (2005) acrescenta que, nesse tipo de leitura, é importante que a tonalidade em que ela é manifestada seja feita de maneira que se leve em consideração quem ouve, ou seja, o público alvo, a plateia, pois é mediante à forma com que as palavras são pronunciadas que quem escuta atribui um significado ao texto. Reiteramos Kleiman (1993) ao afirmar que a leitura em voz alta para contemplar a beleza do texto pode trazer benefícios. Portanto, diante desses conceitos, percebemos com Menegassi (2005) que leitura em voz alta não é única maneira de se avaliar a leitura do aluno em sala de aula, mas que é fundamental que o educador esteja presente em todo esse processo, auxiliando o educando no decorrer das situações em que encontrar dificuldades com esta e, assim, aperfeiçoá-las. Diante do exposto, o tópico seguinte aborda as estratégias de leitura no processo de ensino e aprendizagem. 1.3.2 As estratégias de leitura O trabalho com estratégias, segundo Menegassi (2005), no ensino fundamental é muito relevante para o processo de formação de um leitor competente, pois a partir de seu ensino, o leitor obterá sucesso na leitura de textos que circulam no meio social, compreendendo-os e, assim, tornando-se apto a fazer uso desses conhecimentos para conseguir transitar na sociedade em que vive. Menegassi (2005, p. 78) postula que “as estratégias não amadurecem sozinhas, nem se desenvolvem, nem emergem, nem aparecem no aluno só porque o 43 professor deseja”, mas requer do educador, mediador no processo de ensino e aprendizagem, um mínimo de conhecimento do trabalho com textos em classe. O autor nota, além disso, que essa necessidade se dá porque os textos que circulam em sociedade têm em sua essência uma leitura particular, não podendo ser lidos da mesma maneira, pois cada texto requer o uso de uma ou várias estratégias de leitura. Menegassi (2005, p. 79) ressalta que: (...) o aluno aprende na escola o trabalho com estratégias de leitura, para, posteriormente, usufruir desse procedimento na leitura de textos que encontra no cotidiano social em que convive, não se restringindo o trabalho com estudo do texto somente à sala de aula. Isto é formar um leitor competente! Assim, apreendemos que a escola tem um papel muito importante na formação de leitores competentes, pois é por meio dos procedimentos de ensino, que são passados por ela, que o aluno alcançará ou não êxito em sua formação leitora. Diante disso, expomos as estratégias de leitura, de acordo com Menegassi (2005), que também são apresentadas como referências a orientações no trabalho de ensino de textos nos PCN (BRASIL, 1998). São elas: seleção, antecipação, inferência e verificação. Elas são conceituadas, ainda, pelo autor como “procedimentos conscientes ou inconscientes utilizados pelo leitor para decodificar, compreender e interpretar o texto e resolver os problemas que encontra durante a leitura” (MENEGASSI, 2005, p. 97). Na seleção, o leitor seleciona para a leitura, apenas, os textos que mais o despertam interesse como, por exemplo, de jornais e revistas, para, depois, no ato da leitura, destacar as informações que lhe parecem importantes. Menegassi (2005) comenta que, nesse processo, o leitor, primeiramente, folheará alguns textos, para que, se o título desses textos lhe chamarem atenção, possa fazer uma leitura do lide5, e, somente, após isso começar suas investigações sobre a temática escolhida, levando em conta seus objetivos enquanto leitor. 5 De acordo com Menegassi (2005), é a parte introdutória de uma matéria jornalística, na qual se resume um fato ocorrido, levando-se em consideração algumas perguntas: o quê, quem, onde, como e o por quê sobre o assunto tratado no texto. Esse termo também é usado por alguns autores como lead, seguindo, dessa maneira, sua forma original, o inglês. 44 Já a antecipação são as predições que o leitor faz sobre o texto que escolheu para a leitura. De acordo com Menegassi (2005, p. 80) “o leitor, durante a leitura do texto, cria hipóteses e previsões sobre os significados a partir das informações explícitas e implícitas constantes no texto”. É importante ressaltar que, caso essas predições não funcionem, o leitor, na busca de construção de significado, seleciona outra estratégia que melhor se adeque às suas expectativas, comportando-se, dessa forma, como um leitor competente. A estratégia de inferência se dá quando o leitor consegue capturar as informações que não estão explícitas no texto, por meio de seus conhecimentos prévios. Há, com isso, uma nova produção de sentidos, “que não existia antes no texto, nem no leitor” (MENEGASSI, 2005, p. 81). A verificação é o momento em que o leitor confirma se as hipóteses levantadas no ato da leitura estão corretas ou não. Segundo Menegassi (2005, p. 82), é essa estratégia “que mais controla a eficácia das estratégias escolhidas pelo leitor”. Deste modo, o leitor tem a capacidade de dizer se as estratégias optadas por ele, para o momento da leitura, foram apropriadas ou não. Serão apropriadas quando ele perceber que suas inferências condizem com as pistas deixadas no texto, caso contrário, serão inapropriadas. Além das estratégias expostas, anteriormente, há, em uma perspectiva psicolinguística, três estratégias de compreensão leitora que, de acordo com Solé (1998), contemplam três momentos: “antes”, “durante” e “após” a leitura. A autora expõe o que pode ser feito antes, de fato, da leitura para auxiliar os alunos no processo de ensino e aprendizagem das atividades propostas em classe. Para isso, apresenta- nos seis pontos que fazem parte dessa estratégia: ideias gerais; motivação para a leitura; objetivos da leitura; revisão e atualização do conhecimento prévio; estabelecimento de previsões sobre o texto; formulação de perguntas sobre ele. Solé (1998) comenta que, no processo de ideias gerais, a concepção que o professor tem sobre leitura é muito importante, pois é por meio dela que ele projeta as experiências que proporcionará em sala de aula. Além disso, a autora nos aponta alguns aspectos que são importantes para que o ensino das estratégias de compreensão leitora sejam postos em prática de maneira adequada. Ler é muito mais do que possuir um rico cabedal deestratégias e técnicas. Ler é sobretudo uma atividade voluntária e prazerosa, e quando ensinamos devemos levar isso em conta (...). 45 (...) A leitura deve ser avaliada como instrumento de aprendizagem, informação e deleite. A leitura não deve ser considerada uma atividade competitiva, através da qual se ganham prêmios ou se sofrem sanções (...). Antes da leitura, o professor deveria pensar na complexidade que a caracteriza e, simultaneamente, na capacidade que as crianças têm para enfrentar – de seu modo – essa complexidade (SOLÉ, 1998, p.90). A motivação, de acordo com Solé (1998), no ensino da leitura, é um pré- requisito para que se dê início, de fato, no ato de ler, já que, somente se os alunos estiverem motivados, conseguirão compreender os objetivos estabelecidos pelo educador durante a leitura. Além do mais, “(...) a criança tem de saber o que deve fazer - conhecer os objetivos que se pretende que alcance com sua atuação - sentir que é capaz de fazê-lo (...) e achar interessante o que se propõe que ela faça” (SOLÉ, 1998, p. 91). A teórica comenta, ainda, que um fator que, indiscutivelmente, propicia motivação aos alunos em relação a certo material, consiste em que o professor ofereça a eles a oportunidade de se sentirem desafiados. Portanto, de acordo com a autora, o jeito mais apropriado para que isso ocorra é usar, em classe, textos não tão conhecidos, mas que levem em consideração os conhecimentos prévios da criança, pois, dessa forma, a construção do significado por parte dela não ficará comprometido. Solé (1998, p. 91) enfatiza que: As situações de leitura mais motivadoras são as mais reais: isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se aproxima do cantinho da biblioteca ou recorre a ela. Ou aquelas outras em que, com um objetivo claro – resolver uma dúvida, um problema ou adquirir a informação necessária para um determinado projeto (...). Diante disso, entendemos que a criança ao manter contato real com uma situação de leitura, não importando se será em classe ou até mesmo em qualquer outro lugar da escola, deve encontrar prazer, sentir-se motivada, encorajada para se desprenda, verdadeiramente, frente ao que ler. Em relação aos objetivos da leitura, Brown (1984, apud SOLÉ, 1998) explana que sua importância deve-se ao fato de que são eles que determinam a maneira que o leitor se posiciona frente à leitura e, assim, consegue alcançar os desígnios desta, ou seja, a compreensão do texto. Solé (1998, p. 93) esclarece, também, que esses objetivos podem variar dependendo da situação leitora na qual o indivíduo se 46 encontra, pois “haverá tantos objetos como leitores, em diferentes situações e momentos”. Solé (1998) destaca algumas finalidades que podem ser estabelecidas pelo leitor durante a leitura de um texto como, por exemplo, ler para obter uma informação precisa, quando o leitor tiver a pretensão de localizar algum dado, no texto, que o interessa. Fato que, de acordo com a autora, ocorre concomitante ao desprezo dos outros dados do texto, pois quando se seleciona um deixa-se de lado os outros. Essa percepção vem ao encontro da estratégia “seleção”, exposta anteriormente, conforme Menegassi (2005). Outro tipo de leitura citado pela pesquisadora seria ler para seguir instruções, ou seja, ler seguindo objetivos concretos, como também fora exposto em Geraldi (2008), na leitura para busca de informações. Para exemplificar, Solé (1998) aponta a leitura de uma receita de torta, as orientações de uma oficina ou até mesmo as regras de um jogo, nas quais o indivíduo, para colocar em prática seus comandos, precisa, primeiramente, entendê-las. Segundo Solé (1998), há, da mesma maneira, a leitura feita para se obter uma informação de caráter geral de um texto - esse tipo de leitura é aquele que queremos saber do que se trata um texto - e, deste modo, podermos analisar se vale ou não a pena continuar sua leitura, pois, dessa forma o leitor não precisará enraizar-se em um texto para saber se este lhe desperta interesse ou não. Solé (2003, p. 95) também aponta a leitura realizada com o intuito de aprendermos, ou seja, com a finalidade de ampliar nossos conhecimentos. Nessa situação “(...) o leitor sente-se imerso em um processo que o leva a se auto-interrogar sobre o que lê, a esclarecer relações com o que já sabe, a rever os novos termos, a efetuar recapitulações e sínteses frequentes, a sublinhar, a anotar (...)” (SOLÉ, 2003, p. 95-96). A pesquisadora menciona que existem, também, aqueles que utilizam a leitura como instrumento de seu trabalho, já que “o autor (...) revisa a adequação do texto que elaborou para transmitir o significado que o levou a escrevê-lo, neste caso a leitura adota um papel de controle de regulação (...) (SOLÉ, 2003, p.96)”. Essa leitura é muito importante no âmbito escolar, pois ela ajuda o indivíduo a ler de forma crítica, adequada e, consequentemente, a escrever bem. Quanto à ativação dos conhecimentos prévios, Solé (1998) enfatiza que ela é muito importante para que um leitor compreenda, critique, recomende ou até mesmo 47 rejeite um texto. Desse modo, se o leitor possuir um conhecimento apropriado desse texto, poderá estabelecer vínculo com ele, ou caso não consiga, de acordo com Brown (1984, apud SOLÉ, 1998, p. 103 - 104), isso pode acontecer por três motivos: Pode ser porque o leitor não possua os conhecimentos prévios exigidos para abordar o texto (...). Podemos possuir o conhecimento prévio, mas o texto em si não nos oferece nenhuma pista que nos permita recorrer a ele. (...) Por último, pode acontecer que o leitor possa aplicar determinados conhecimentos e construir uma interpretação sobre o texto, mas esta pode não coincidir com que o autor pretendia. No processo de estabelecer previsões sobre o texto, Solé (1998) comenta que ele é contínuo na leitura, porém, ao focar, mais necessariamente, no momento “antes da leitura”, a autora estabelece alguns aspectos do texto que podem ser mencionados pelo professor - por exemplo, títulos, ilustrações, cabeçalhos - antes de dar início, de fato, à leitura de um texto. Além disso, é importante atentarmos para as vivências e conhecimentos do aluno sobre o que esses indicadores textuais permitem compreender a respeito do conteúdo do texto. Segundo a autora, estabelecer hipóteses significa correr riscos, pois à medida que se lê um texto, o que se previu ou formulou pode se realizar ou não. Porém, de acordo com autora, para se correr riscos, é necessário estar ciente de que esse processo é realmente possível, isto é, “que ninguém vai ser sancionado por ter se aventurado” (SOLÉ, 1998, p.108). Logo, ao agir desse jeito, o professor abre espaço para que o aluno se sinta, também, participante na produção de sentido do texto. Quanto ao ato de formular perguntas sobre o texto, Solé (1998) comenta que o aluno, ao fazer questionamentos, não só está usando seus conhecimentos prévios como, também, toma consciência daquilo que sabe ou não a respeito do texto. Além do mais, desta maneira, aprende a estabelecer sentidos próprios, dando significado para sua leitura. Portanto, compreendemos, até aqui, conforme Solé (1998), que várias estratégias auxiliam o leitor na compreensão dos textos e, dessa maneira, possibilita- o um papel ativo. Mas, é no momento “durante a leitura”, do qual falaremos a partir de agora, que ocorre a maior parte do exercício de compreensão, já que é nele que o leitor utiliza um grande número de estratégias, tendo também, em alguns momentos, que resolver problemas que aparecem no decorrer do processo de leitura. 48 A estratégia denominada “durante a leitura”, na visão de Solé (1998), é o momento em que o leitor deve ter a oportunidade de se sentir apto a compreender, de fato, os diferentes textos que se propõe a ler. No contexto dessa concepção,a autora aborda a leitura compartilhada, que pode ser usada pelo professor como meio de avaliação formativa da leitura de seus alunos. Para isso, a pesquisadora apresenta algumas estratégias que auxiliam a compreensão durante a leitura e que podem ser incentivadas em leituras compartilhadas: “formular previsões sobre o texto a ser lido”, “formular perguntas sobre o que foi lido”, “esclarecer possíveis dúvidas sobre o texto”, “resumir as ideias gerais” (PALINCSAR; BROWN, 1984, apud SOLÉ, 1998, 118). De acordo com Solé (1998, p. 118), nessas estratégias, o professor e os alunos assumem a responsabilidade de organizar o trabalho de ensino da leitura. Nessa tarefa, acontece, “(...) de maneira simultânea, uma demonstração do modelo do professor e o assumir progressivo dos alunos em torno de quatro estratégias fundamentais (...)”, para que, com isso, a leitura assuma um caráter produtivo. Nessas estratégias, segundo Solé (1998), o professor deve fazer a leitura de um texto para que, a partir daí, contemplando as quatro estratégias (antes, durante e após a leitura) solicite aos alunos que façam um resumo para um determinado grupo. Depois, poderá pedir a eles alguns esclarecimentos a respeito de dúvidas que possam ter surgido no decorrer da leitura; e após isso, também, pode estabelecer algumas previsões sobre aquilo que ainda não foi lido, ou até mesmo propor algumas questões para eles respondam. Dessa maneira, o educador fará com que seus alunos voltem ao texto na busca de respostas, reiniciando-se “(...) o ciclo de ler, resumir, solicitar esclarecimentos, prever (...)” (SOLÉ, 1998, p.119). Ainda nessa abordagem, a autora comenta que o uso dessas estratégias não deve ser algo estático, formulado na mesma sequência, mas que sempre que possível, o professor altere, adapte sua ordem levando em consideração as diferentes situações em que a leitura acontece. Solé (1998) cita que uma maneira de incentivar os alunos seria pedir que eles mesmos elaborassem as questões que serão respondidas sobre o texto após a leitura, ou que preparem um resumo em equipe ou individualmente. Solé (1998) ressalta que essas atividades de leitura compartilhada devem admitir a transferência do encargo e o controle da tarefa das mãos do educador. Porém, enfatiza que somente o professor poderá dizer o que pode ou não pedir para que seus alunos façam. De acordo com a autora, é muito importante que, nesse 49 processo, as tarefas sejam planejadas, antecipadamente, para que assim o docente tenha tempo para observar seus alunos, com o intuito de propiciá-los desafios que os permitam continuar amadurecendo enquanto leitores. Diante disso, Solé (1998) comenta que seria muito interessante que essas tarefas de leitura compartilhada pudessem fazer parte da vida do aluno desde as séries iniciais, pois, dessa forma, eles aprenderiam a resumir, fazer questionamentos, solucionar problemas desde muito pequenos, obtendo, dessa maneira, um papel ativo no ensino e aprendizagem da leitura. Quanto à estratégia “após a leitura”, Solé (1998, p. 138) concebe que “a idéia principal resulta da combinação entre os objetivos de leitura que guiam o leitor, entre seus conhecimentos prévios e a informação que o autor queria transmitir mediante seus escritos”. Nesse enfoque, a pesquisadora atenta à necessidade do papel do professor como mediador do ensino e aprendizagem do texto, ou seja, de ensinar o aluno a verificar quais as principais ideias do texto. Portanto, saber qual é a ideia principal é muito importante no ato da leitura, pois, é a partir dela que o leitor tem como elaborar um resumo ou tomar nota do que foi lido. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário que se leve em consideração dois aspectos, de acordo com Solé (1998, p. 138): “a necessidade de ensinar a identificar ou gerar a idéia principal de um texto em função dos objetivos (...)” e, também, de que “se não ensinamos, não é por não querer ensinar. Ainda sabemos muito pouco, apesar das diversas pesquisas efetuadas, sobre o processo de leitura e seu ensino (...)”. Solé (1998) enfatiza que, nesse processo, o grande desafio consiste em que os alunos consigam realizar eles mesmos o que vão aprendendo, nos diversos níveis de dificuldade, mesmo que ainda não tenham se apropriado totalmente de como usar as estratégias. Por isso, a autora comenta que as atividades compartilhadas, aqui citadas, são importantes para que o professor possa saber o que pode ou não pedir em diferentes momentos de ensino de leitura e, dessa maneira, assegurar que seus alunos se sintam competentes para solucionar os objetivos desta. Portanto, após explicarmos sobre as concepções de linguagem, as concepções de leitura e as estratégias que a auxiliam, considerando as diferentes práticas do ensino de leitura em sala de aula, observamos que os autores abordados têm, em suas explicações, ideias parecidas sobre as teorias expostas. Optamos por elenca- las à medida que nos possibilitam uma reafirmação a respeito das pesquisas que vem 50 sendo feitas no âmbito educacional por estes teóricos. Passamos, agora, para o seguinte capítulo, no qual abordamos os procedimentos metodológicos para a realização dessa pesquisa como, também, o tipo de investigação e enfoque do material coletado. 2 METODOLOGIA DA PESQUISA Neste capítulo, apresentamos, inicialmente, a natureza da pesquisa sob o viés teórico de Lüdke e André (1986), Vasconcelos (2002) e Gil (1999). Além disso, delineamos o contexto no qual as aulas foram observadas, os materiais coletados e os procedimentos utilizados para a análise dos dados. 2.1 Tipo de pesquisa Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativo-interpretativa, de cunho etnográfico e de natureza aplicada. Para compreendermos as características mais básicas desse tipo de pesquisa, buscamos subsídios teóricos para fomentar nossa investigação. A pesquisa qualitativa, de acordo com Lüdke e André (1986, p. 11), tem “(...) o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento (...)”. Conforme as autoras, esse tipo de pesquisa pressupõe que o pesquisador esteja diretamente ligado ao espaço e à situação que está sendo pesquisada. Deste modo, Lüdke e André (1986, p. 11) observam que: 51 (...) se a questão que está sendo estudada é a da indisciplina escolar, o pesquisador procurará presenciar o maior número de situações em que se manifeste, o que vai exigir um contato direto e constante como o dia-a-dia escolar. Além disso, as pesquisadoras salientam que “como os problemas são estudados no ambiente em que eles ocorrem, sem qualquer manipulação intencional do pesquisador, esse tipo de estudo é também chamado de ‘naturalístico’(...)”, já que Bogdan e Biklen (1982), autores que embasam a discussão proposta por Lüdke e André (1986), concebem que toda pesquisa qualitativa, também, é naturalística. Para Vasconcelos (2002, p. 281), “as pesquisas qualitativas servem de análise e ainda criam condições que contribuem para formação de professores mais reflexivos, como também para o estabelecimento de Programas de Desenvolvimento de Recursos Humanos na Área Educacional (...)”. De acordo com essa pesquisadora, há, ainda, autores como, por exemplo, Erickson (1988, apud VASCONCELOS, 2002, p. 282) que elege a nomenclatura “pesquisas interpretativas”, pois, assim, acredita que a pesquisa se centraliza no homem, na vida em sociedade e, principalmente, em como esses dados são esclarecidos e apresentados pelo pesquisador. Cabe-nos, apresentar que Vasconcelos (2002, p. 282) comenta que nesse tipo de pesquisa “quer sob a etiqueta de qualitativa ou de interpretativa, as pesquisas na área da educação em relação à sala-de-aula, ao livro didático e à interação professor- aluno proporcionam novas percepções do fenômeno educacional”. Quanto àpesquisa de caráter etnográfico, Lüdke e André (1986, p. 13-14) discorrem que não se pode denominá-la, assim, apenas, “porque utiliza observação participante nem sempre será apropriado, já que etnografia tem um sentido próprio: é a descrição de um sistema de significados culturais de um determinado grupo”. (SPRADLEY, 1979, apud, LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 13-14). Nessa abordagem, Vasconcelos (2002, p. 284) nos faz compreender que, no que se refere ao domínio educacional, “o foco central do estudo etnográfico é o processo educativo, e não o produto, a partir da observação participante, da entrevista e da análise de documentos. É a chamada triangulação na coleta de dados”, pois é por meio desse procedimento que o pesquisador tem a possibilidade de assegurar, ainda mais, a lealdade aos dados obtidos em campo. Em relação à natureza da pesquisa, Gil (1999, p. 42-43) nos respalda que há uma distinção entre o que é pesquisa pura e aplicada. A pura tem a preocupação de desenvolver os conhecimentos científicos, mas sem a pretensão de compreendê-los 52 em uma situação pratica. Com isso, “seu desenvolvimento tende a ser bastante formalizado e objetiva à generalização, com vistas na construção de teorias e leis”. Já a pesquisa aplicada sua principal característica é “o interesse na aplicação, utilização e conseqüências práticas dos conhecimentos. Sua preocupação está menos voltada para o desenvolvimento de teorias de valor universal que para a aplicação imediata numa realidade circunstancial (...)”. As contribuições expostas, aqui, são importantes, já que nos fazem compreender o tipo de investigação presente nessa pesquisa e relacioná-la com os acontecimentos do dia a dia escolar. Logo, podemos dizer que temos, ainda mais, suporte teórico para interpretar as questões pautadas às práticas educacionais, proporcionando, dessa maneira, uma reflexão sobre elas. Assim, passamos para a próxima seção, na qual faremos uma breve contextualização a respeito da pesquisa realizada em uma escola pública do município de Castanhal. 2.2 Contexto da pesquisa Os dados coletados para essa pesquisa foram alcançados ao observarmos dez aulas de língua portuguesa no período de 14/03/11 a 28/03/11, em uma escola estadual de nível fundamental e médio, localizada na área periférica do município de Castanhal-PA. A escola participa do Projeto de Pesquisa intitulado “Diagnóstico do trabalho com os gêneros discursivos na escola”, cadastrado na UFPA (Processo: 022581/2010), coordenado pela docente Márcia Cristina Greco Ohuschi. A escola tem, em média, 1800 alunos, nos períodos da manhã, tarde e noite, sendo que a maioria deles são moradores de agrovilas situadas nas proximidades do município. As observações foram realizadas em uma turma de 5ª série, no período matutino, na qual constatamos a presença de 42 alunos matriculados, com faixa etária entre 12 a 14 anos de idade e, dentre eles, 19 tri-repetentes6. Pudemos notar, ainda, 6 De acordo com comentários da professora da turma, esses alunos chegaram à série atual com bastante dificuldade na leitura e na escrita. Ela explica que o problema da repetência não está na disciplina de língua portuguesa, mas nas demais disciplinas. 53 que se trata de uma turma com bastante dificuldade de concentração, já que tantos os alunos que circulavam pelos corredores, como os da própria turma, eram bastante barulhentos. Percebemos que a professora não apresentava muito domínio sobre a turma, pois deixava com que os alunos fizessem o que queriam a todo o momento, fato que, provavelmente, agravou, ainda mais, a agitação na classe. Era perceptível o desinteresse dos educandos pela prática de ensino da professora, pois todas as vezes que ela entrava em classe, para ministrar suas aulas, eles já iam perguntando se seriam liberados mais cedo. Acreditamos que um dos aspectos que contribuem para essa falta de interesse possa ser a prática de ensino adotada por ela, uma vez que os exercícios não eram propostos de forma que os motivassem. Ela, apenas, enchia a lousa com atividades, mas sem se aprofundar nos assuntos expostos. Fato que, também, ocasionava reclamações, já que os alunos tinham que copiar demais. Além disso, a educadora passava a maior parte do tempo em silêncio, só tirando dúvidas quando era questionada. De acordo com o banco de dados do Projeto mencionado, obtido a partir de questionário aplicado em 2010, pudemos delinear o perfil da professora. Constatamos que a educadora é formada pela Universidade Federal do Pará, no ano de 2004, tem experiência no ramo há 12 anos, trabalha efetivamente como professora de língua portuguesa há 4 anos. Sua carga-horária é de 40 horas semanais. A educadora, também, expôs que já participou de um curso de formação continuada, mas desistiu por falta de tempo. Depois de uma breve abordagem sobre o contexto das observações, passaremos, então, para a próxima seção, na qual destacaremos as formas empregadas para o alcance dessas informações. 2.3 Material coletado As obtenções dos dados foram feitas por meio de anotações das aulas de Língua Portuguesa observadas. Dentre as dez aulas observadas, somente, em seis houve, de fato, alguma atividade que abordasse a leitura, quanto às outras quatro se destinaram ao ensino de gramática. 54 Não tivemos como obter os dados por meio de gravação de áudio, pois, além de a turma ser muito barulhenta, tinha, também, como já mencionamos, o barulho ocasionado pelos alunos que circulavam nos corredores. Diante desse fato, optamos pelo diário de campo, no qual procuramos anotar as observações das aulas da forma mais detalhada possível. Nesse diário, relatamos, minuciosamente, os métodos usados nas aulas, assim como a maneira que os assuntos foram abordados e as atividades propostas pela educadora. Além do diário de campo, dispomos, também, de um questionário aplicado à professora7, elaborado por nós, mediante o que queríamos saber sobre sua prática em sala de aula, sobretudo no que se refere ao trabalho com a leitura. O questionário é composto por oito questões, expostas a seguir. 1) Com que frequência você trabalha com a leitura em sala de aula? 2) Como você trabalha com a leitura em sala de aula? 3) Que concepção de leitura predomina em suas aulas? Justifique. 4) Você faz uso de estratégias para o ensino da leitura? Quais? 5) Você acha que a forma com que trabalha o ensino da leitura é produtiva? Por quê? 6) Como você avalia o nível de leitura de seus alunos? 7) Que tipo de atividade você costuma passar nas aulas de leitura? 8) Qual (quais) etapa (s) do processo de leitura (decodificação, compreensão, interpretação) mais se evidenciam nas suas aulas? 2.4 Metodologia e análise dos registros A análise metodológica dos registros partirá das seis aulas, obtidas por meio de diários de campo, com a finalidade de diagnosticar qual (is) a(s) concepção (ões) de linguagem e de leitura se faz (em) presente(s) nas aulas de língua portuguesa, mais especificamente naquelas destinadas ao trabalho com a leitura. Depois, confrontaremos os resultados obtidos com as respostas dadas pela professora, no questionário de pesquisa, para que, assim, possamos diagnosticar como tem se dado o ensino de língua materna em sala de aula. 7 O questionário foi respondido pela docente, em sala de aula, sob nossa supervisão. Entretanto, ressaltamos que, em momento algum, fizemos contribuições. 55 Dessa maneira, encerramos este capítulo metodológico e expomos, no capítulo seguinte, a análise dos dados dessa pesquisa. 3 UM DIAGNÓSTICO DAS CONCEPÇÕES DE LEITURA Neste capítulo, fazemos a análise das seis aulas observadas na quinta série, deixando claro que cada dia exposto nos relatos diz respeito a duas horas-aula. Desse modo, esperando alcançar os objetivos estabelecidosnesta pesquisa, apresentamos as descrições das aulas de cada dia de observação, seguidos de uma análise. Logo em seguida, confrontamos as respostas fornecidas pela professora no questionário, com o que vimos em sua prática em sala de aula. 3.1 Relato das aulas do dia 14 de março de 2011 As duas aulas desse dia iniciaram com a professora verificando se os alunos haviam feito a tarefa de casa da aula passada. Logo depois, a educadora deu início à atividade do dia, mas, sem socializar as respostas do dever de casa. A atividade que foi exposta na lousa foi um texto do gênero discursivo piada “O surdo” (Anexo 1), no qual foram deixados alguns quadrados em branco para que os alunos preenchessem com possíveis sinais de pontuação. Nessa tarefa, a educadora colocou ao lado do texto algumas dicas, que especificavam os pontos presentes no texto e suas respectivas quantidades. Depois de passar a tarefa na lousa, a professora convidou seus alunos para lerem o texto juntos, mas a maioria não lhe deu muita atenção, apenas alguns da turma contribuíram com a leitura. Logo após, perguntou se eles tinham compreendido a respeito do que tratava o texto. Entretanto, não percebendo muitos comentários por parte dos educandos, pediu que eles pontuassem corretamente o texto, pois sem pontuação não haveria sentido na hora da leitura. 56 Após ter comentado o que era para eles fazerem, um dos alunos a questionou sobre o fato de o homem ser surdo e, ainda assim, ter escutado alguma coisa, mesmo que de maneira equivocada. Após ter escutado o aluno, a professora não se pronunciou, apenas deixou a tarefa seguir em frente, sem dar muita atenção, também, às dúvidas de outros alunos, as quais foram surgindo no decorrer da tarefa. Em seguida, sem dar tempo para a resolução da atividade, a educadora pediu que os alunos fossem até a lousa para pontuar o texto. De início, eles não mostraram muito interesse em cumprir a tarefa, mas, após ter dito que estavam sendo avaliados, demonstraram empenho em participar. Ao observar a atividade no quadro, a docente apenas disse que alguns sinais de pontuação haviam sido colocados de forma trocada, por conta disso, pediu que alguém fosse, de novo, à lousa para fazer as correções. Após isso, a professora fez uma leitura do texto para que todos pudessem perceber como o texto ficou com as pontuações devidamente colocadas. É válido ressaltar, ainda, que, nessa leitura, ela perguntou aos alunos a respeito dos sinais de pontuação usados no texto, como por exemplo, “como usar o travessão?”. Alguns deles responderam que é usado quando alguém vai falar alguma coisa. Depois desse momento de correção, sem mais questionamentos, a professora passou outro texto “Catarata fatal” (Anexo 2), na lousa, para que, segundo ela, pudessem continuar o trabalho com o texto em sala de aula. Nesse texto, mais uma vez, solicitou que os educandos colocassem as pontuações nas lacunas, dando, novamente, dicas para a resolução da tarefa. Em seguida, a professora pediu que os alunos fizessem uma leitura individual, pois precisavam, mais uma vez, colocar a pontuação que estava faltando e, para isso, eles precisariam ler o texto. A docente comentou que muitos alunos não queriam ler e, por isso, não entendiam o texto. Logo após, ela passou de carteira em carteira para verificar como eles estavam fazendo a tarefa. Alguns alunos a questionaram a respeito da palavra catarata, um deles falou que, “no texto, esta se referia a uma doença”, outro disse que era “uma grande cachoeira de água”. Com isso, ela foi até a lousa, escreveu a palavra CATARATA e disse que possui dois sentidos e que é necessário saber qual deles está sendo tratado no texto. Porém, sem prolongar as explicações, falou apenas isso e foi, novamente, olhar os cadernos dos alunos. Ao passar pelas carteiras disse, em voz alta, que alguns alunos já haviam acertado a tarefa e, assim, passou visto nos cadernos destes. 57 A educadora perguntou se todos tinham acabado, mas eles, um pouco eufóricos, não prestaram atenção e, por conta disso, ela falou que a participação nas atividades, também, valeria ponto. Depois, pediu para que eles prestassem atenção e questionou a respeito de qual tipo de texto estava na lousa, se era uma fábula, receita, notícia ou bilhete. Os alunos até tentaram responder, mas ela, sem esperar muito, deu uma dica dizendo que começava com “p”, em seguida, sem muita dificuldade, eles responderam que o texto era uma PIADA. Logo depois, ela perguntou a eles qual era o objetivo da piada e um deles respondeu que era “narrar, contar uma história”. Após isso, a professora passou para a leitura em voz alta, ou seja, leu o texto com todos para corrigirem a tarefa. Nessa atividade, os alunos também foram até a lousa para preencherem os quadrinhos vazios. A professora perguntou, mais uma vez, sobre a palavra CATARATA, pois o texto que ela usou para a atividade falava que Belarmino tinha morrido disso. Ela argumentou que se alguém não entendesse o sentido da palavra, no texto, poderia comprometer o sentido do texto. Sem demorar muito com os comentários, ela disse que iria distribuir algumas piadas para que todos lessem em voz alta. Logo após, falou que ia passar outra tarefa, para que eles fizessem, enquanto ela recortava os papéis em que estavam as piadas. Para essa atividade, a educadora pediu que os alunos escrevessem corretamente quatro palavras que estavam no texto comentado, anteriormente (“Cê”, “homi”, “tá”, “num”). Ao terminar de recortar os papéis, a professora os entregou para os alunos e pediu que eles sentassem, pois estavam andando e fazendo muito barulho na sala. Posteriormente, alguns alunos pediram para ir até a lousa corrigirem a tarefa. Ela permitiu e, quando eles terminaram, ela comentou que as palavras que estavam na lousa eram da linguagem coloquial e que estas eram muito comuns no nordeste ou até mesmo no interior. Depois do comentário, ela questionou se eles conheciam alguém que falava da mesma maneira. Alguns disseram que sim, mas, sem entrar em muitos detalhes, ela disse que esse tipo de palavra era correto na fala, mas não na escrita, já que esta deveria ser feita com mais atenção. Sem mais explicações, a professora perguntou quem ia fazer a leitura das piadas que ela entregou. Alguns se dispuseram a fazer a leitura e ela, sempre fazendo observações, dizia se eles haviam lido em voz alta e respeitando, corretamente, as pontuações. Ao terminarem a leitura, ela falou que ia fazer a última leitura, em voz 58 alta, de uma piada, mas, como os alunos faziam muito barulho, não lhe dando atenção, ela resolveu desistir. Depois desse acontecimento, sem falar mais nada, a professora começou a escrever, na lousa, mais dois textos “Lição de casa” (Anexo 3) e “Aula de inglês” (Anexo 4), com o mesmo intuito dos primeiros, ou seja, preencher os espaços vazios com os sinais de pontuação (com apresentação de dicas ao lado dos textos).Além disso, no último texto, também pediu que retirassem uma frase interrogativa e cinco dígrafos. Após de ter colocado a tarefa no quadro, a educadora falou para os alunos que pesquisassem e copiassem, no caderno, uma piada, para a próxima aula, solicitou que a piada não fosse com assunto imoral, mas sim que falasse de igreja, escola, família etc. 3.1.1 Análise das aulas do dia 14 de março de 2011 Nessas aulas, o primeiro aspecto que observamos foi o fato de a educadora pedir para passar o visto no dever de casa dos alunos e não fazer a mediação socializando, juntamente com eles, a correção. Isso, de certa maneira, impossibilitou que eles soubessem se realmente conseguiram alcançar os objetivos da tarefa e, ainda, por terem perdido a oportunidade de escutarem as respostas dos outros colegas, como também da professora, a fim de que trocassem ideias e ampliassem seus conhecimentos.Assim, sentimos falta, nesse momento, dos princípios teóricos abordados por Vygotsky (1988), ao tratar da possibilidade do aluno ampliar seu conhecimento a partir do social, ou seja, das trocas que poderiam ter sido estabelecidas entre os alunos, já que, conforme o autor “A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1988, p.64). Na primeira atividade exposta, na lousa, referente ao texto “O surdo”, o esperado seria que a educadora propiciasse aos alunos uma interação com o texto, inter-relacionando os conhecimentos deles, com os presentes no texto, porém, a atividade abordou, apenas, exercícios de preenchimento de lacunas com seus 59 devidos sinais de pontuação. Essa abordagem contempla a segunda concepção de linguagem (ZANINI, 1999), pois, visa à aprendizagem da língua por meio de atividades que não levam o aluno a questionar, refletir, apenas, prende-lhe a exercícios repetitivos, que não consideram suas vivências sociais. Com isso, não se promoveu interação do leitor com o texto, não considerou os aspectos discursivos, o contexto de produção, nada que pudesse se remeter a uma concepção de leitura interacionista, contemplando, apenas a perspectiva do texto (MENEGASSI; ANGELO, 2005) e usando, ainda, o texto como pretexto para o ensino de gramática. Observamos, também, que essa mesma a atividade não exigiu muito dos alunos, já que a professora deu dicas de quais e quantos eram os sinais de pontuação presentes no texto, fato que não permitiu com que eles refletissem por conta própria sobre a atividade. Assim, conforme Solé (1998), o educador, ao levar um determinado material para sala de aula, deve propiciar a seus alunos motivação, oferecendo, além disso, a possibilidade de se sentirem desafiados frente à proposta. Percebemos como ponto positivo, na postura da docente, o momento em que ela mostrou-se preocupada se os alunos haviam compreendido, realmente, o texto trabalhado. Entretanto, nessa ocasião, não verificamos, por parte dela, o uso de nenhuma estratégia de leitura que contribuísse, ainda mais, nesse processo. Assim, acreditamos que se ela tivesse proporcionado, durante a leitura, resumo das principais ideias do texto, perguntas sobre o texto lido, esclarecimento de possíveis dúvidas sobre o texto, estaria, desse modo, contemplando o que Solé (1998) sugere para esse momento. Outra situação pertinente retomar foi quando a professora, ao perceber a falta de interesse dos alunos pela atividade da lousa, prometeu que daria ponto para quem fosse ao quadro resolvê-la. Menegassi (2005) comenta que nesses momentos o educador deve propiciar ao aluno a oportunidade de torná-los conscientes quanto à importância de que participem das atividades, a fim de conhecê-los, diagnosticar suas principais dificuldades e não apenas de avaliá-los em uma única oportunidade. Quanto à ocasião em que a educadora entregou alguns textos do gênero piada, para que os alunos lessem, percebemos que se deteve, unicamente, em avaliar a leitura em voz alta e em saber se respeitavam as pontuações do texto. Essa prática demonstra uma perspectiva de leitura com vista no texto, uma vez que, conforme 60 Menegassi e Angelo (2005), preconiza a leitura em voz alta como fator importante no estudo do texto em sala de aula. Portanto, segundo Menegassi (2005), embora a leitura como avaliação ainda seja muito comum nas escolas, há a necessidade de sua adequação às precisões da sociedade atual, pois o simples fato de pôr o aluno para ler em voz alta não garante que ele tenha compreendido o texto. Além disso, como sugere o autor, é essencial que o educador avalie a leitura do aluno em um processo contínuo, verificando, cotidianamente, as tarefas que propõe à turma, e não, apenas, em um momento isolado. A outra atividade exposta na lousa, relacionada ao texto “Catarata fatal”, foi, mais uma vez, de preenchimento de lacunas, seguindo, assim, o mesmo perfil da citada anteriormente, caracterizando a segunda concepção de linguagem. Porém, nessa tarefa, a educadora, pela primeira vez, após já ter dado início ao trabalho com o gênero piada, tentou fazer um reconhecimento do gênero quando questionou se os alunos sabiam que “tipo de texto” (expressão utilizada pela educadora) estava na lousa. Entretanto, ela não deu muito tempo para que eles refletissem a respeito e tentassem responder de acordo com suas apreensões, já que logo deu uma dica dizendo que começava com “p”. Desse modo, concordamos com Vygotsky (1988) ao comentar que é importante que o aluno tenha um tempo para internalizar o conhecimento e, dessa maneira, consiga conscientizar-se a respeito do que se espera que ele aprenda. Consideramos positivo o fato de a educadora ter escolhido para trabalhar o gênero piada, pois, devido a sua finalidade cômica, normalmente, é de interesse dos alunos, sobretudo na faixa etária em que eles se encontram. Porém, esse interesse poderia ter sido mais instigado, se ela tivesse feito uso de algumas estratégias de leitura como, por exemplo, uso do título do texto para questionamentos a respeito do que os alunos pensam a respeito, mostrar alguma imagem que tivesse relação como o que se pretendia trabalhar, em consonância ao que propõe Solé (1998), para o momento antes da leitura. Vimos como positivo, também, mais um ponto na abordagem da docente, quando, ao final da aula, propôs que os alunos fizessem uma pesquisa a respeito do gênero piada. Concebemos essa atitude como um fator importante para que os educandos aprimorassem os conhecimentos sobre gênero trabalhado em classe. 61 Notamos, ainda, que, na atividade com o último texto, “Aula de inglês”, a professora pediu que os alunos retirassem do texto uma frase interrogativa e cinco palavras com dígrafos. Nisso, entendemos que houve uma falta de planejamento na atividade, pois ela começou o trabalho com pontuação e distante disso, passou a trabalhar outro assunto, fugindo, assim, da tarefa inicial. Além disso, o texto foi usado apenas como pretexto para trabalhar a gramática, deixando-se de lado, mais uma vez, a leitura, compreensão e interpretação, o que não contribui para a formação do leitor competente. Passamos, agora, para o relato das aulas do segundo dia de observação. 3.2 Relato das aulas do dia 15 de março de 2011 Nesse dia, a professora deu início às aulas passando o visto na atividade que os alunos levaram para casa no dia anterior. Logo em seguida, sem muitos comentários, passou uma tarefa na lousa para que eles fizessem. Para essa atividade ela deu as seguintes orientações: “trabalho em dupla ou trio”; “Para entregar a folha”; “Leia o texto e copie na ordem certa”. Após ter escrito as orientações no quadro, a educadora entregou as folhinhas com o texto “O burro e o cão” (Anexo 5) para as equipes. Em seguida, comentou sobre qual tipo de texto havia entregado para eles, dizendo que era uma fábula e que esta sempre tem uma moral. Depois disso, a docente fez um esquema na lousa para indicar aos alunos qual seria a ordem que o texto deveria ficar (Título; um fragmento do primeiro parágrafo e moral da história). Nessa mesma ocasião, ela comentou que após a dica ficaria muito mais fácil para que eles descobrissem as outras partes, inclusive a moral. Nessa atividade, os alunos não conseguiram trabalhar, de fato, em equipe, pois ficaram muito dispersos e agitados. Notamos, também, que a professora os deixou fazerem a atividade, só respondendo a alguns questionamentos, mas, de forma geral, ela não deu muito auxílio no cumprimento da tarefa. 3.2.1 Análise das aulas do dia 15 de março de 2011 62 No que tange a essas aulas, observamos que, mais uma vez, como dito na análise das aulas anteriores, a educadora perdeu a oportunidade deviabilizar aos alunos um momento para a socialização do que haviam feito com os demais alunos da turma. Portanto, como explanado por Vygotsky (1988), fica comprometida a troca de conhecimento adquirido pelos alunos no meio social. Outro aspecto refere-se ao momento em que a educadora deu orientações para que os alunos trabalhassem em equipe na atividade com o texto “O burro e o cão”. Essas informações poderiam ter sido mais consistentes se a educadora tivesse estabelecido alguns objetivos para esse trabalho, pois de acordo com Brown (1984, apud SOLÉ, 1998), é importante que sejam propiciados ao aluno desígnios que o façam alcançar a compreensão do texto e, consequentemente, sua interpretação. Desse modo, temos em Solé (1998) a apresentação de algumas finalidades que podem ser sugeridas ao leitor durante a leitura: ler para obter uma informação precisa e, assim, conseguir obter o máximo de informações possíveis do texto; ler para seguir instruções, ou seja, para seguir objetivos concretos. Consideramos positiva a tentativa da professora em fazer com que os alunos reconhecessem o gênero discursivo presente no material apresentado, entretanto, acreditamos que ela poderia ter propiciado, nessa ocasião, como proposto por Solé (1998), o uso das estratégias de compreensão leitora (antes, durante e após a leitura). Assim, como sugerido pela autora, no momento “antes da leitura”, a educadora poderia ter indicado uma temática, para que o aluno recuperasse, em sua memória, informações que já tivesse sobre o conteúdo. Além disso, ela poderia ter ajudado o aluno a atentar para determinados aspectos do texto, ou até mesmo ter mostrado figuras, ilustrações, títulos etc. que apresentassem relação com o texto e, ainda, incentivá-los a expor o que já sabiam sobre o tema. Quanto ao momento “durante a leitura”, seria interessante que a professora tivesse feito aos alunos algumas perguntas sobre o texto e, dessa maneira, esclarecido possíveis dúvidas sobre ele. Outra possibilidade seria a educadora pedir a eles que formulassem o resumo das principais ideias do texto, compartilhando-as com a turma em roda de conversa. “Após a leitura”, ela poderia ter aproveitado para auxiliar os alunos a usar algumas estratégias que os ajudassem a ler o texto além do campo visual, a chegar à ideia principal. Logo, embasados em Solé (1998), trazemos como exemplo, sublinhar 63 as principais informações do texto, fazer anotações ao lado dos parágrafos, produzir um resumo, formular perguntas sobre o texto para que os alunos respondessem e, assim, colocassem em prática tudo que aprenderam no decorrer do trabalho com o texto. Portanto, com todas as possibilidades que poderiam ter sido colocadas em prática no trabalho com o texto, é perceptível que, nessa atividade, a educadora usou o texto somente com o intuito de que os alunos o colocassem na ordem correta, preocupando-se apenas com a sua estrutura, o que nos remete à segunda concepção de linguagem (GERALDI, 1997). Desse modo, não houve preocupação coma compreensão e a interpretação do texto, o que contribuiria para o aperfeiçoamento da capacidade leitora e crítica desses alunos. Por isso, verificamos uma concepção de leitura com perspectiva no texto (MENEGASSI; ANGELO, 2005). Notamos, também, que, ao fazer um esquema na lousa para indicar aos alunos a ordem que o texto apresentado deveria ficar, a docente subestimou, de certa maneira, a capacidade dos alunos de conseguirem alcançar o que havia sido estabelecido por ela para a atividade. Dessa forma, segundo Solé (1998, p. 91), o aluno tem que “(...) saber o que deve fazer – conhecer os objetivos que se pretende que alcance com sua atuação - sentir que é capaz de fazê-lo (...) e achar interessante o que se propõe (...)” que ele faça. Com isso, passamos agora para o terceiro dia de observação. 3.3 Relato das aulas do dia 22 de março de 2011 As aulas começaram com a professora entregando uma tarefa produzida na aula passada. Em seguida, ela comentou que alguns alunos não alcançaram o objetivo estabelecido para a tarefa, que era colar os parágrafos do texto na ordem correta, fato que contribuiu para que tirassem uma baixa pontuação na atividade. Após isso, sem mais comentários, distribuiu alguns papéis, que apresentavam um texto, em formato de caracol (Anexo 6), para a turma. Logo depois, escreveu a tarefa na lousa: Leia o texto: 1. Dê um título: 2. Qual a principal característica do caracol? 64 3. O que acontecia quando ele ia contar uma história? 4. Como a professora ficava após ler a prova do caracol? 5. Escreva um diálogo entre a professora e o caracol. A educadora não deu muitas orientações na hora da atividade, somente a partir do momento em que estava passando visto nos cadernos dos alunos, comentou a respeito do diálogo, ou seja, falou que o diálogo é uma conversa e que, no começo desta, deveria ser colocado um travessão. Depois de alguns minutos, passando o visto nos cadernos dos alunos, a professora constatou que eles escreveram a palavra ENROLADO de três maneiras (“enrolado”, “emrolado”, “enrrolado”). Após isso, ela foi até a lousa e escreveu as três formas encontradas nos cadernos e pediu para que os alunos marcassem qual delas era a maneira correta. Nessa mesma ocasião, a educadora solicitou que um dos alunos da classe fosse até a lousa e marcasse a opção correta, isso, sem aproveitar a situação para explicar, de fato, o que os alunos precisavam saber. No cumprimento da atividade citada acima, os discentes fizeram muita bagunça, fato que atrapalhou bastante na concentração dos poucos alunos que queriam prestar mais atenção na aula. Logo depois, a professora passou outra atividade na lousa, relacionada ao poema “Água, terra, fogo e ar” (Anexo 7). 1. Quantos versos há no poema? 2. Explique o 5º e o 6º versos: 3. Produza um pequeno texto falando sobre a importância da água em nossa vida. Percebendo que não daria tempo para terminar toda a atividade antes do término da aula, a professora pediu que os alunos fizessem a terceira questão em casa. Após a explicação, os educandos levaram os cadernos para ela passar o visto e, depois, foram embora. 3.3.1 Análise das aulas do dia 22 de março de 2011 Na primeira atividade desse dia, constatamos que a professora distribuiu o texto sem fazer muitos comentários de como seria o andamento da tarefa. Isso, como explicado na análise anterior, impossibilita que os alunos consigam verificar um 65 objetivo claro, estabelecido para a tarefa, pois Brown (1984, apud SOLÉ, 1998) nos aponta que esses desígnios são importantes para que o aluno consiga atingir a compreensão e interpretação do texto. Com relação aos textos entregues aos alunos, notamos que não houve nenhuma leitura oral ou solicitação de leitura silenciosa, tampouco o uso de alguma estratégia de leitura. Eles apenas foram entregues para que os alunos respondessem às questões expostas na lousa. Dessa forma, passamos a uma breve análise das questões, para verificarmos se elas promovem interação leitor-texto e se contribuem para a formação do leitor crítico. Na primeira questão da atividade, a educadora pediu que os alunos dessem um título para o texto. Nela, percebemos que, mesmo sem ler o texto, o aluno já tinha uma possível resposta para a questão, pois o aspecto visual do texto já o direcionava a um possível título: “O caracol”. Quanto às questões 2, 3 e 4, verificamos, embasados em Kleiman (1993), a leitura como decodificação, já que bastava, somente, que o aluno passasse os olhos literalmente pelo texto para conseguir encontrar trechos das respostas prontas. Conforme a autora, essa prática em nada modifica a visão de mundo do leitor, ou seja, não lhe propicia interação com o texto, nem com os demais alunos da classe. Notamos, também, nesses itens, a “leitura como busca de informação”(GERALDI, 2008), na qual o leitor vai ao texto com o intento de encontrar informações específicas. Consideramos ser importante que o aluno consiga localizá-las, mas, acreditamos que o trabalho com a leitura não deve se restringir exclusivamente a essa finalidade, já que ela não garante a formação de um leitor crítico, reflexivo. No que tange à questão 5, “Escreva um diálogo entre a professora e o caracol”, compreendemos que, para o alunos escreverem um diálogo, seria interessante que a educadora tivesse aplicado algumas estratégias que os levassem a fazer inferências sobre o texto. Observamos que o texto serve apenas como um pretexto para a escrita do diálogo, haja vista que não foram realizadas atividades prévias que pudessem dar suporte para a escrita. Outra situação refere-se ao momento em que a professora percebeu, nos cadernos dos alunos, a palavra “enrolado” escrita de três maneiras (“enrolado”, “emrolado”, “enrrolado”). Nessa ocasião, ela foi à lousa, escreveu as palavras, no entanto, diferentemente do que imaginávamos, apenas pediu que marcassem a maneira correta. Pensávamos que ela fosse aproveitar a situação para explicar para 66 os alunos o porquê da palavra não poder ser escrita da maneira grafada por eles, que mostraria outros exemplos desse termo, relacionando-o com situações de uso da língua. Dessa maneira, verificamos, aqui, uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação (ZANINI, 1999; GERALDI, 1997), pois o ensino da língua limitou-se aos signos linguísticos, não levando em conta a interferência do meio social, do qual o aluno faz parte. Na última atividade dessa aula, sobre o poema “Água, terra, fogo e ar”, verificamos que a primeira questão diz respeito somente à estrutura do texto (quantos versos há no poema?), não propiciando ao aluno a oportunidade refletir, argumentar, de relacionar o dado exposto com outras informações já apreendidas por ele. A segunda pede para explicarem as estrofes 5 e 6, nas quais averiguamos que, para comentá-las, seria necessário que o aluno refletisse, compreendesse e interpretasse o poema, que não ficasse em uma leitura superficial. Logo, a questão é adequada, porém, a forma como foi trabalhada, a falta de leitura e de discussão do texto provavelmente tenha limitado as respostas e impedido que os alunos emitissem um juízo de valor. Na terceira, a educadora pediu a produção de um texto que falasse sobre a importância da água, contudo, sabemos que, apenas com as informações do poema e as questões, o aluno sentiria dificuldades de escrever, sendo essa produção uma consequência da atividade. Diagnosticamos, nas aulas, a predominância da concepção de linguagem como instrumento de comunicação (GERALDI, 1997), logo, também, como consequência dessa maneira de conceber o ensino de língua, uma perspectiva de leitura com foco no texto (MENEGASSI; ANGELO, 2005), já que os métodos empregados pela educadora para o ensino de ambas as práticas não foram feitos por meio de uso de estratégias que contribuíssem para a formação do leitor competente. Desse modo, notamos um trabalho superficial com o texto, contemplando uma abordagem tradicional do ensino da língua e da leitura, apesar de a maior parte das aulas observadas terem sido destinadas ao trabalho com a leitura, constatamos que esse trabalho ocorreu de maneira superficial, em que o texto foi usado como pretexto para o ensino de gramática. Dessa forma, passamos à seção seguinte, na qual analisamos e confrontamos as respostas dadas pela educadora no questionário aplicado, a fim de contrastarmos sua postura com sua prática de ensino em sala de aula. 67 3.3.2 Análise do questionário e confronto com a abordagem metodológica da professora Neste tópico, confrontamos as respostas oferecidas pela professora no questionário que aplicamos a ela, a fim de percebermos se suas respostas condizem ou não com a realidade do que percebemos, de fato, em sua prática de ensino em sala de aula. Para verificarmos tal situação, passamos para análise das respostas: 1) Com que frequência você trabalha com a leitura em sala de aula? R: Frequentemente. Procuro, sempre, contextualizar os assuntos de minha disciplina buscando ganchos com outros assuntos do dia a dia do aluno. A partir da resposta acima, verificamos que, no decorrer das aulas observadas, a educadora ateve-se quase que exclusivamente ao ensino da gramática e nas poucas aulas que trabalhou a leitura, foi de maneira superficial, usando o texto apenas como pretexto para ensiná-la. Desse modo, a maneira que expôs os textos levados para a classe não propiciou interação entre autor-leitor-texto. Constatamos, também, que a maneira que ela apresentou os textos levados para a sala de aula, não possibilitou aos alunos perceberem alguma relação entre estes textos e os assuntos relacionados ao seu cotidiano. Assim, verificamos que, mesmo que ela tenha feito uma ótima escolha ao levar para a classe o gênero piada, por ser cômico, engraçado, não deixou transparecer a eles essa informação, fato que poderia ter contribuído para a formação dos educandos enquanto leitores críticos, reflexivos e competentes. 2) Como você trabalha com a leitura em sala de aula? R: Leitura silenciosa e às vezes em grupo. Com textos variados da realidade do aluno. A docente esclarece, nessa questão, como faz o trabalho com a leitura em classe. Diante dessa resposta, concluímos que ela não corresponde totalmente com a realidade que constatamos em sua prática de ensino. Isso porque, apesar de presenciá-la pedindo para que os alunos fizessem uma leitura individual do texto “Catarata fatal”, não verificamos esse fato ocorrendo em outras situações de trabalho com o texto. Nas tarefas em equipe, averiguamos que, embora ela tenha dado 68 orientações, na lousa, para que os alunos lessem o texto “O burro e o cão” e o texto em formato de caracol, não verificamos que eles tenham colocado em prática esses direcionamentos, já que, apenas ter exposto no quadro as informações, sem mediar como realmente deveria ocorrer, comprometeu o andamento da tarefa. Além disso, ainda que tenhamos percebido, na abordagem do gênero discursivo piada, que ela tenha, de certa forma, levado em conta a realidade dos alunos, não o fez contemplando estratégias que ampliassem, ainda mais, o cabedal de informações do aluno sobre o texto. Logo, os PCN comentam que, para o aluno alcançar a maturidade leitora, não basta, apenas, que se leve em consideração os materiais que são usados em classe, mas, principalmente, a maneira como eles são colocados em prática (BRASIL, 1998). Outro ponto percebido nessa resposta foi sobre a variedade de textos que a educadora diz usar em sala de aula. Conforme assistimos, ela trabalhou vários gêneros discursivos como, por exemplo, piada, fábula, poema etc. Entretanto, a maneira que os abordou, infelizmente, preocupou-nos, já que a docente não possibilitou interação texto-leitor, o que contribuiria na compreensão e interpretação do texto. 3) Que concepção de leitura predomina em suas aulas? Justifique. R: Que a leitura não é só decodificar letras, sílabas e palavras e sim saber entender o que está implícito, qual o sentido da mensagem, para saberem se comunicar no meio em que vivem. Por meio das considerações expostas acima, entendemos que ela concebe a leitura como as etapas do processo de leitura (decodificação, compreensão e interpretação). Desse modo, depreendemos, em primeira instância, que, talvez, a educadora não tenha conhecimento de quais são as concepções que embasam o ensino da leitura em sala de aula, conforme Menegassi e Angelo (2005) - a leitura como perspectiva do texto - como perspectiva do leitor - a perspectiva da interação leitor-texto - a perspectiva discursiva. Constatamos, ainda, que a educadora leva em consideração, no ensino daleitura do texto, apenas que os alunos o entendam e saibam comunicar-se no meio social em que vivem. Entretanto, discordamos dela e nos embasamos em Lajolo (1982, apud, GERALDI, 2008, p. 91) ao enfatizar que “ler não é decifrar, como num 69 jogo de adivinhações, o sentido do texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a outros textos (...)”. 4) Você faz uso de estratégias para o ensino da leitura? Quais? R: Procuro trazer textos que chamem a atenção do aluno. Utilizo as questões de interpretação da prova Brasil. Recorte e colagem onde deve ter o entendimento do leitor na hora de colar e organizar o que leu. Conforme essa resposta, verificamos que a professora mostrou não ter conhecimento sobre as estratégias para o ensino de leitura, pois a partir do que expôs, notamos que ela explicou quais os materiais que leva para a sala de aula e não, por exemplo, como os utiliza, a partir de estratégias que façam com que os alunos desempenhem um papel maduro frente ao texto, tornando-se, verdadeiramente, leitores competentes. Dessa maneira, como aborda Menegassi (2005, p.78), “as estratégias não amadurecem sozinhas, nem desenvolvem, nem emergem, nem aparecem no aluno só porque o professor deseja”, mas é necessário que o professor exerça seu papel de mediador no processo de ensino e aprendizagem. Quanto a proporcionar aos alunos recorte e colagem, averiguamos que a educadora realmente apresentou essa tarefa para os alunos, mas a partir do que vimos, acreditamos que essa prática em nada modifica a visão de mundo do leitor, pelo contrário, prende-lhe a uma abordagem tradicional, que não auxilia em sua formação leitora. Sobre usar as questões de interpretação da prova Brasil, não constatamos, nas aulas em que observamos, que ela tenha apresentado esse material em classe. 5) Você acha que a forma com que trabalha o ensino da leitura é produtiva? Por quê? R: Nem sempre. Pois, ao me deparar com o pouco entusiasmo dos alunos, eu me retraio um pouco e deixo a desejar. No mais, esforço-me para que seja produtiva. Na questão acima, a educadora teve a possibilidade de autoavaliar sua abordagem metodológica sobre o ensino de leitura. Nesse sentido, foi importante à medida que nos possibilitou saber como a professora se sente de frente com seus alunos nas atividades que lhes propõe. Entretanto, entendemos que o pouco entusiasmo dos alunos pode ser reflexo de sua maneira de planejar, de expor alguns materiais que leva para a classe. Desse modo, segundo Solé (1998) é muito 70 importante que o educador observe seus alunos, com o intuito de propiciá-los desafios que os ajudem a amadurecer enquanto leitores. 6) Como você avalia o nível de leitura de seus alunos? R: Geralmente eles veem (sic.) do fundamental I sem saber ler (o que se está implícito, com significação). Eles apenas decodificam as palavras. Só então na 5ª série que estão tendo contato com a compreensão e interpretação de textos. Por meio desse comentário da educadora, percebemos que ela, primeiramente, quis, de certo modo, deixar explícito que, se existe algum problema quanto ao nível de leitura dos alunos, este advém das séries anteriores a que estão. Em seguida, ela afirma que, na quinta série, eles passam a ter contato com a compreensão e a interpretação de textos. Entretanto, quando estivemos com os alunos, verificamos que alguns, muitas vezes, mal conseguiam decodificar certas palavras presentes no texto. Além do mais, não percebemos, nas aulas observadas, que a professora tenha proporcionado a compreensão e a interpretação de textos, pois o que realmente constatamos foram textos trabalhados por meio de questões que não propiciaram reflexão. Confirmamos esse fato ao lembrarmos, aqui, das atividades de preenchimento de lacunas, da tarefa em que os alunos precisavam colocar o texto na estrutura correta, das questões relacionadas ao poema “Água, terra, fogo e ar”, ou seja, atividades que não propiciavam interação texto-leitor. 7) Que tipo de atividade você costuma passar nas aulas de leitura? R: Costumo usar os gêneros textuais: fábulas, receitas, anedotas, classificados... Ao verificarmos a resposta acima, constatamos que a professora a respondeu, levando em consideração o material que usa em sala de aula e não como os utiliza em possíveis atividades de leitura. Entretanto, mesmo que ela tenha conduzido a resposta para outro âmbito, averiguamos, nos dias em que observamos suas aulas, que ela trabalhou apenas o gênero discursivo fábula, dentre os que citou acima. 8) Qual (quais) etapa (s) do processo de leitura (decodificação, compreensão, interpretação) mais se evidenciam nas suas aulas? R: A maioria já decodifica. Então procuro trazer texto para estimular a compreensão e interpretação dos alunos. 71 Obs.: Eles chegam até esta série, mas não são letrados. Ao atentarmos para o que expôs a professora, percebemos uma contradição em sua resposta quanto ao fato de primeiramente dizer que alguns alunos já decodificam e, no final, fazer uma observação de que eles chegam até a série atual, 5ª série, sem letramento8. Ao refletirmos sobre isso, por meio de nossas observações, não concordamos quando ela menciona que a maioria deles já decodifica, pois o que pudemos constatar foi que muitos nem se quer passam do primeiro nível de decodificação, ou seja, a decodificação fonológica de palavras. Também verificamos que, conforme explicado na questão 6, a educadora não propiciou aos alunos textos que estimulassem ainda mais a compreensão e interpretação dos educandos, diminuindo as dificuldades apresentadas, no decorrer das atividades com esses textos. Percebemos, ainda, que a resposta da docente, mais uma vez, assim como ocorreu na questão 6, girou em torno de tentar explicar que os problemas que ocorrem, em classe, quanto à compreensão e interpretação de textos, sobrevém, em maior parte, das séries anteriores. Dessa maneira, por meio desse diagnóstico, pudemos refletir como, infelizmente, em sala de aula, ainda perduram práticas tradicionais de ensino de língua e, consequentemente, de leitura. Verificamos, na análise, que a leitura não foi trabalhada de forma adequada, propiciando a interação entre autor-leitor-texto e, desse modo, conduzindo os alunos a compreenderem e a interpretarem o texto. Não observamos, também, uso de estratégias que possibilitassem no ensino e aprendizagem da leitura, a contribuição para a formação desses alunos enquanto leitores competentes. Por isso, corroboramos Solé (1998), quando enfatiza que a maneira que o professor concebe a leitura é muito importante, pois é por meio dela que projeta as experiências que proporcionará a seus alunos em sala de aula. Assim, constatamos 8De acordo com Kleiman (2005, p. 21), o termo letramento “emergiu (...) na literatura especializada (...) para se referir a um conjunto de práticas de uso da escrita que vinham modificando profundamente a sociedade, mais amplo do que as práticas escolares de uso da escrita, incluindo-as, porém (...)”. 72 que tudo o que analisamos sobre o modo como a educadora trabalha a leitura em classe, nada mais é de como considera, pensa o ensino da leitura. CONCLUSÃO 73 Ao tomarmos como relevantes nossas preocupações a respeito da crise educacional, dos baixos índices linguísticos e, ainda, do baixo desempenho dos alunos no que se refere à leitura, propomo-nos, nessa pesquisa, averiguar quais concepções de leitura perpassam o ensino e aprendizagem da 5ª série de uma escola pública do ensino fundamental. Para isso, nosso primeiro objetivo específico foi “Identificar a concepção de linguagem predominante nas aulas de Língua Portuguesa, a fim de verificar a posturaque o professor tem com relação ao ensino da Língua materna”. Conseguimos alcançá-lo, por meio da análise das atividades proporcionadas pela educadora em sala de aula, as quais demonstraram, com predominância, uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação. A importância de verificar, primeiramente, a concepção de língua da educadora, deve-se ao fato de que a maneira que ela a concebe, reflete em como organiza todo seu trabalho em sala de aula, inclusive com a prática de leitura. O segundo objetivo específico, “diagnosticar a concepção de leitura presente nas aulas de Língua Portuguesa”, foi atingido à medida que, na análise dos dados coletados, percebemos que a concepção de leitura predominante nas aulas foi a “perspectiva do texto”. Verificamos que não houve nenhum tipo de interação entre texto-leitor, sendo, neste caso, a percepção do aluno-leitor deixada de lado, considerando, apenas, o que estava no texto. Objetivamos, como terceiro objetivo, “verificar as estratégias de leitura utilizadas nas aulas”. Com esse intuito, averiguamos, na análise dos dados, que a professora não utilizou as estratégias de compreensão leitora (“antes”, “durante” e “após” a leitura), sugeridas por Solé (1998). Nesse sentido, constatamos que o fato dessas estratégias não terem sido contempladas na metodologia empregada pela educadora, impossibilitou que os educandos alcançassem uma leitura profunda do texto, ou seja, de que percebessem mais do que informações superficiais. Como quarto objetivo, observamos “se o trabalho com a leitura realizado em sala de aula contribui para a formação do leitor crítico”. Entretanto, examinamos que o texto foi utilizado, apenas, como pretexto para um ensino de gramática, fato que não proporcionou aos alunos uma reflexão, levando-os à compreensão e à interpretação do texto e, ainda, com a finalidade de que se tornassem leitores ativos, reflexivos, que conseguissem dialogar com o texto. 74 Por meio da abordagem de nossos objetivos específicos, chegamos ao nosso objetivo geral, refletir sobre a prática de leitura em sala de aula, com o intuito de contribuir para o ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa. Desse modo, refletimos, nessa análise, que, embora tenham muitas pesquisas a respeito da necessidade de readequação das práticas tradicionais de ensino ao novo contexto de educação, ainda subjaz, no contexto educacional, um método embasado em atividades repletas de normas, que utilizam o texto apenas como pretexto para um ensino de gramática, que não levam os alunos a uma reflexão de como, de fato, usá- las ou até mesmo de garantir-lhes uma leitura profunda do texto por meio de estratégias. Levando em consideração os resultados dessa análise, e refletindo a respeito da necessidade de mudanças que ainda precisam ocorrer no ensino da língua, inquietamo-nos, para além das abordagens feitas, aqui, para um prosseguimento dessa pesquisa, já que, por meio dela, tivemos a oportunidade de pensar, de fato, sobre a prática de ensino e aprendizagem de língua materna. Dessa forma, esse trabalho nos despertou a futuramente verificar como tem ocorrido a formação de professores de língua portuguesa no âmbito acadêmico, já que não consideramos ser, somente, responsabilidade da professora observada a culpa de ainda subsistir práticas tradicionais no âmbito escolar. Sabemos que o papel da universidade como formadora desses profissionais tem grande peso, pois é ela que modifica ou dá prosseguimento a determinadas concepções de ensino. Além disso, os conhecimentos teóricos obtidos no decorrer desse trabalho foram de grande importância acadêmica e pessoal, pois pudemos ampliar ainda mais as informações que tínhamos a respeito do ensino da leitura, e despertar para o fato de que podemos pôr em prática, se estivermos empenhados, em nossa metodologia de ensino, uma abordagem interacionista. Mas para isso, necessitamos procurar cada vez mais ouvir e compreender o mundo do aluno, para que desse modo, possamos propiciar-lhes atividades que contemplem sua realidade, suas vivências sociais. Para isso, salientamos que devemos sempre ter como perspectiva para nossas aulas um plano de ensino que considere a oportunidade de os alunos conquistarem outros mundos possíveis por meio da leitura, partindo dos conhecimentos que eles já têm adquiridos do meio em que vivem e convivem. Além do mais, acreditamos que cabe a nós, educadores, mediadores no processo de ensino e aprendizagem, estarmos sempre nos atualizando, para que consigamos propiciar, em classe, 75 atividades que atendam às necessidades de uma abordagem interacionista, possibilitando aos alunos um ensino reflexivo que os faça amadurecerem enquanto leitores. Referências 76 BAKHTIN, M./ VOLOCHINOV, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Terceiro e quarto ciclos. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998. FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009. GERALDI, J.W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2008. p. 39- 46. ________, J.W. Portos de passagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 1999. KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes/ Ed. Unicamp, 1993. ________, A. B. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever? Campinas: Cefiel - Unicamp; MEC, 2005. LEFFA, Vilson J. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística. Porto Alegre: Sagra/ Luzzato, 1996. LÜDKE, M. ANDRÉ, M, E, D, A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MENEGASSI, R. J. Avaliação de leitura. 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Volume 21. p. 79-88. 1999. 78 ANEXOSAnexo 1 O surdo 79 O surdo vai ao médico e, Terminando a consulta, pergunta Quanto lhe devo, doutor Duzentos reais Trezentos reais Sim, trezentos reais Anexo 2 Catarata fatal Cê tá sabendo que o Belarmino morreu Morreu de que homi Catarata Mas catarata num mata É que empurraram ele Anexo 3 Lição de casa O pai pergunta Filho, você acha que sua professora desconfia que eu te ajudo a fazer a lição de casa Acho que sim pai. Ela até já me disse que você deveria para a escola Anexo 4 Aula de inglês Isabel pergunta para o coleguinha na aula de inglês O que são dois pontinhos azuis no chão da rua Não sei Isabel São um blueraco e bluero Anexo 5 O burro e o cão 80 Anexo 6 81 Anexo 7 Poema: Água, terra, fogo e ar Água que sai do meu olho Quando eu estou a chorar Seja pitada de sal Põe um tempero no mar Para que o sol com seu fogo Leve esta gota pro ar Para depois virar chuva E a terra então fecundar.