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Filosofia 
 
 
ENEM 
 
1 
FILOSOFIA 
 
 UNIDADE 1 
 
NASCIMENTO DA FILOSOFIA 
 
Todos nós sabemos que os primeiros filósofos da 
humanidade foram gregos. 
Isso significa que embora tenhamos referências de 
grandes homens na China (Confúcio, Lao Tsé), na Índia 
(Buda), na Pérsia (Zaratustra), suas teorias ainda estão por 
demais vinculadas à religião para que se possa falar 
propriamente em reflexão filosófica. 
O que veremos neste capítulo é o processo pelo qual se 
tornou possível a passagem da consciência mítica para a 
consciência filosófica na civilização grega, constituída por 
diversas regiões politicamente autônomas. 
 
A CONCEPÇÃO MÍTICA 
 
Os mitos gregos eram recolhidos pela tradição e 
transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores 
ambulantes que davam forma poética aos relatos 
populares e os recitavam de cor em praça pública. Era 
difícil conhecer os autores de tais trabalhos de 
formalização, porque num mundo em que predomina a 
consciência mítica não existe a preocupação com a autoria 
da obra, já que o anonimato é a conseqüência do 
coletivismo, fase em que ainda não se destaca a 
individualidade. Além disso, não havia a escrita para fixar 
obra e autor. 
Por esse motivo há controvérsia a respeito da época em 
que teria vivido Homero, um desses poetas, e até se ele 
realmente teria existido (séc. IX a.C.?). É costume 
atribuir-lhe a autoria de dois poemas épicos (epopéias): 
Ilíada, que trata da guerra de Tróia (Tróia em grego é 
Ilion), e Odisséia, que relata o retorno de Ulisses a Ítaca, 
após a guerra de Tróia (Odisseus é o nome grego de 
Ulisses). Por vários motivos, inclusive pelo estilo 
diferente dos dois poemas, alguns intérpretes acham que 
são obras de diversos autores. 
De qualquer forma, as epopéias tiveram função didática 
importante na vida dos gregos porque descrevem o 
período da civilização micênica e transmitem os valores 
da cultura por meio das histórias dos deuses e 
antepassados, expressando uma determinada concepção de 
vida. Por isso desde cedo as crianças decoravam 
passagens dos poemas de Homero. 
As ações heróicas relatadas nas epopéias mostram a 
constante intervenção dos deuses, ora para auxiliar um 
protegido seu, ora para perseguir um inimigo. O homem 
homérico é presa do Destino (Moira), que é fixo, 
imutável, e não pode ser alterado. Até distúrbios psíquicos 
como o desvario momentâneo de Agamêmnon são 
atribuídos à ação divina. É nesse sentido a fala de Heitor: 
"Ninguém me lançará ao Hades" contra as ordens do 
destino! Garanto-te que nunca homem algum, bom ou 
mau, escapou ao seu destino, desde que nasceu!". 
O herói vive, portanto, na dependência dos deuses e do 
destino, faltando a ele a nossa noção de vontade pessoal, 
de livre-arbítrio. Mas isto não o diminui diante dos 
homens comuns. Ao contrário, ter sido escolhido pelos 
deuses é sinal de valor e em nada tal ajuda desmerece a 
sua virtude. 
A virtude do herói se manifesta pela coragem e pela 
força, sobretudo no campo de batalha, mas também na 
assembléia, no discurso, pelo poder de persuasão. 
Nessa perspectiva, a noção de virtude não deve ser 
confundida com o conceito moral de virtude como o 
conhecemos posteriormente, mas como excelência, 
superioridade, alvo supremo do herói. Trata-se da virtude 
do guerreiro belo e bom. 
Hesiodo, outro poeta que teria vivido por volta do final 
do século VIII e princípios do VII a.C., produz uma obra 
com características que apontam para a época que se vai 
iniciar a seguir, com particularidades que tendem a 
superar a poesia impessoal e coletiva das epopéias. 
Mas mesmo assim, sua obra Teogonia (teo: deus; gonia: 
origem) reflete ainda a preocupação com a crença nos 
mitos. Nela Hesíodo relata as origens do mundo e dos 
deuses, e as forças que surgem não são a pura natureza, 
mas sim as próprias divindades: Gaia é a Terra, Urano é o 
Céu, Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação, ora 
pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os 
opostos. 
 
A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA 
 
É no período arcaico que surgem os primeiros filósofos 
gregos, por volta de fins do século VII a.C. e durante o 
século VI a.C. 
Alguns autores costumam chamar de "milagre grego" a 
passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico 
racional e filosófico. Atenuando a ênfase dada a essa 
"mutação", no entanto, alguns estudiosos mais recentes 
pretendem superar essa visão simplista e ahistórica, 
realçando o fato deque o surgimento da racionalidade 
crítica foi o resultado de um processo muito lento, 
preparado pelo passado mítico, cujas características não 
desaparecem "como por encanto na nova abordagem 
filosófica do mundo. Ou seja, o surgimento da filosofia na 
Grécia não foi o resultado de um salto, um "milagre" 
realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de 
um processo que se fez através dos tempos e tem sua 
divida com o passado mítico. 
Algumas novidades surgidas no período arcaico 
ajudaram a transformar a visão que o homem mítico tinha 
do mundo e de si mesmo. São elas a invenção da escrita, o 
surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da pólis 
(cidade-estado), todas elas tornando-se condição para o 
surgimento do filósofo. Vejamos como isso se deu. 
 
A ESCRITA 
 
Geralmente a consciência mítica predomina nas culturas 
de tradição oral, onde ainda não há escrita. E interessante 
observar que mythos significa "palavra", "o que se diz". A 
palavra antes da escrita, ligada a um suporte vivo que a 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
2 
pronuncia, repete e fixa o evento por meio da memória 
pessoal. Aliás, etimologicamente, epopéia significa "o que 
se exprime pela palavra" e lenda é "o que se conta". 
É bem verdade que, de inicio, a primeira escrita é 
mágica e reservada aos privilegiados, aos sacerdotes e aos 
reis. Entre os egípcios, por exemplo, hieróglifos significa 
literalmente "sinais divinos". 
Na Grécia, a escrita surge por influência dos fenícios e 
já no século VIII a.C. se acha suficientemente desligada 
de preocupações esotéricas e religiosas. 
Enquanto os rituais religiosos são cheios de fórmulas 
mágicas, termos fixos e inquestionados, os escritos 
deixam de ser reservados apenas aos que detêm o poder e 
passam a ser divulgados em praça pública, sujeitos à 
discussão e à crítica. Apenas um parêntese esclarecedor: 
isso não significa que a escrita tenha se tornado acessível 
a todos. Muito ao contrário, permanece ainda grande o 
número de analfabetos. O que está em questão, no entanto, 
é a dessacralização da escrita, ou seja, seu desligamento 
da religião. 
A escrita gera uma nova idade mental porque exige de 
quem escreve uma postura diferente daquela de quem 
apenas fala. Como a escrita fixa a palavra, e 
conseqüentemente o mundo, para além de quem a 
proferiu, necessita de mais rigor e clareza, o que estimula 
o espírito crítico. Além disso, a retomada posterior do que 
foi escrito e o exame pelos outros - não só de 
contemporâneos, mas de outras gerações - abrem os 
horizontes do pensamento, propiciando o distanciamento 
do vivido, o confronto das idéias, a ampliação da crítica. 
Portanto, a escrita aparece como possibilidade maior de 
abstração, uma reflexão da palavra que tenderá a 
modificar a própria estrutura do pensamento. 
 
A MOEDA 
 
Por volta dos séculos VIII a VI a.C. houve o 
desenvolvimento do comércio marítimo decorrente da 
expansão do mundo grego mediante a colonização da 
Magna Grécia (atual sul da Itália) e Jônia (atual Turquia). 
O enriquecimento dos comerciantes promoveu profundas 
transformações decorrentes da substituição dos valores 
aristocráticos pelos valores da nova classe em ascensão. 
Na época da predominância da aristocracia rural, cuja 
riqueza se baseava em terras e rebanhos, a economia era 
pré-monetária e os objetos usados para troca vinham 
carregados de simbologiaafetiva e sagrada decorrentes da 
posição social ocupada por homens considerados 
superiores e do caráter sobrenatural que impregnava as 
relações sociais. 
A fim de facilitar os negócios, a moeda, que tinha sido 
inventada na Lídia, aparece na Grécia por volta do século 
VII a.C. A moeda torna-se necessária porque, com o 
comércio, os produtos que antes eram feitos sobretudo 
com valor de uso passam a ter valor de troca, isto é, 
transformam-se em mercadoria, daí a exigência de algo 
que funcionasse como valor equivalente universal das 
mercadorias. 
A invenção da moeda desempenha papel revolucionário, 
pois está vinculada ao nascimento do pensamento 
racional. Isso porque passa a ser emitida e garantida pela 
Cidade, revertendo benefícios para a própria comunidade. 
Além desse efeito político de democratização, a moeda 
sobrepõe aos símbolos sagrados e afetivos o caráter 
racional de sua concepção: muito mais do que um metal 
precioso que se troca por qualquer mercadoria, a moeda é 
um artifício racional, uma convenção humana, uma noção 
abstrata de valor que estabelece a medida comum entre 
valores diferentes. 
 
A LEI ESCRITA 
 
Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clistenes (séc. VI a.C.) 
são os primeiros legisladores que marcam uma nova era: a 
justiça, até então dependente da arbitrariedade dos reis ou 
da interpretação da vontade divina, é codificada numa 
legislação escrita. Regra comum a todos, norma racional, 
sujeita à discussão e modificação, a lei escrita passa a 
encarnar uma dimensão propriamente humana. 
As reformas provocadas pela legislação de Clístenes 
fundam a pólis sobre uma base nova: a antiga organização 
tribal é abolida e estabelecem-se novas relações, não mais 
baseadas na consangüinidade, mas determinadas por nova 
organização administrativa. Tais modificações expressam 
o ideal igualitário que prepara a democracia nascente, pois 
a unificação do corpo social abole a hierarquia fundada no 
poder aristocrático das famílias. 
 
O CIDADÃO DA POLIS 
 
Jean-Pierre Vernant, helenista e pensador francês, vê no 
nascimento da pólis (por volta dos séculos VIII e VII a.C.) 
um acontecimento decisivo que "marca um começo, uma 
verdadeira invenção", que provocou grandes alterações na 
vida social e nas relações entre os homens. 
A originalidade da cidade grega é que ela está 
centralizada na agora (praça pública), espaço onde se 
debatem os problemas de interesse comum. Separam-se na 
pólis o domínio público e o privado: isto significa que ao 
ideal de valor de sangue, restrito a grupos privilegiados 
em função do nascimento ou fortuna, se sobrepõe a justa 
distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto 
representantes dos interesses da cidade. Está sendo 
elaborado o novo ideal de justiça, pelo qual todo cidadão 
tem direito ao poder. A nova noção de justiça assume 
caráter político, e não apenas moral, ou seja, ela não diz 
respeito apenas ao indivíduo e aos interesses da tradição 
familiar, mas se refere a sua atuação na comunidade. 
A pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a 
palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, 
portanto, comum a todos, mas a palavra humana do 
conflito, da discussão, da argumentação. O saber deixa de 
ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. 
A expressão da individualidade por meio do debate faz 
nascer a política, libertando o homem dos exclusivos 
desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na 
praça pública. A instauração da ordem humana dá origem 
ao cidadão da pólis, figura inexistente no mundo 
coletivista da comunidade tribal. 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
3 
Portanto, o cidadão da pólis participa dos destinos da 
cidade por meio do uso da palavra em praça pública. Mas 
para que isso fosse possível, desenvolveu-se uma nova 
concepção a respeito das relações entre os homens, não 
mais assentadas nas suas diferenças, na hierarquia típica 
das relações de submissão e domínio. Ou seja, "os que 
compõem a cidade, por mais diferentes que sejam por sua 
origem, sua classe, sua função, aparecem de uma certa 
maneira "semelhantes" uns aos outros". 
De início a igualdade existe apenas entre os guerreiros, 
mas "essa imagem do mundo humano encontrará no 
século VI sua expressão rigorosa num conceito, o de 
isonomia: igual participação de todos os cidadãos no 
exercício do poder". (J.P. Vernant, As origens do 
pensamento grego, p. 42.) 
O apogeu da democracia ateniense se dá no século V 
a.C., já no período clássico, quando Péricles era estratego. 
É bem verdade que Atenas possuía meio milhão de 
habitantes, dos quais 300 mil eram escravos e 50 mil 
metecos (estrangeiros); excluídas mulheres e crianças, 
restavam apenas 10% considerados cidadãos propriamente 
ditos, capacitados para decidir por todos. 
Por isso, quando falamos em democracia ateniense, é 
bom lembrar que a maior parte da população se achava 
excluída do processo político. Aliás, quanto mais se 
desenvolvia a idéia de cidadão ideal, com a consolidação 
da democracia, mais a escravidão surgia como 
contraponto indispensável, na medida em que ao escravo 
eram reservadas as tarefas consideradas "menores" dos 
trabalhos manuais e da luta pela sobrevivência. Mas não 
resta dúvida de que, na fase aristocrática anterior, havia 
ainda outros tipos de privilégios. O que enfatizamos no 
processo é a mutação do ideal político e o surgimento de 
uma concepção nova de poder. 
 
O NASCIMENTO DO FILÓSOFO 
 
A grande aventura intelectual dos gregos não começa 
propriamente na Grécia continental, mas nas colônias: na 
Jônia (metade sul da costa ocidental da Ásia Menor) e na 
Magna Grécia (sul da península itálica e Sicilia). 
 
 
Os primeiros filósofos viveram por volta do século VI 
a.C. e, mais tarde, foram classificados como pré-socráticos 
(a divisão da filosofia grega se centraliza na figura de 
Sócrates) e agrupados em diversas escolas. Por exemplo, 
escola jônica (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, 
Heráclito, Empédocles); escola itálica (Pitágoras); escola 
eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão); escola atomista 
(Leucipo e Demócrito). 
Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram 
com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou 
referências feitas por filósofos posteriores. Sabemos que 
geralmente, escreviam em prosa, abandonando a forma 
poética característica das epopéias, dos relatos míticos. É 
interessante notar que, enquanto Hesíodo, ao relatar o 
princípio do mundo (cosmogonia) e dos deuses (teogonia), 
refere-se a sua gênese ou origem, as preocupações dos 
primeiros pensadores levam à elaboração de uma 
cosmologia, pois procuram a racionalidade do universo. 
Isso significa que, ao perguntarem como seria possível 
emergir do Caos um "cosmos" - ou seja, como da 
confusão inicial surgiu o mundo ordenado -, os pré-
socráticos procuram o princípio (a arché) de todas as 
coisas, entendido este não como o que antecede no tempo, 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
4 
mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é 
explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas. 
A filosofia surgiu no século VI a.C. nas colônias gregas 
da Magna Grécia e da Jônia. Só no século seguinte 
desloca-se para Atenas, centro da fermentação cultural do 
período clássico. 
As respostas dos filósofos à questão do fundamento das 
coisas são as mais variadas. Cada um descobre a arché, a 
unidade que pode explicar a multiplicidade: para Tales é a 
água; para Anaxímenes é o ar; para Demócrito é o átomo; 
para Empédocles, os famosos quatro elementos, terra, 
água, ar e fogo, teoria aceita até o século XVIII. quando 
foi criticada por Lavoisier. 
 
MITO E FILOSOFIA: CONTINUIDADE E RUPTURA 
 
Já podemos observar a diferença entre o pensamento 
mítico e a filosofia nascente: os filósofos divergem entre 
si e a filosofia se distingue da tradição dogmática dosmitos oferecendo uma pluralidade de explicações 
possíveis. Assim justificamos a perspectiva comumente 
aceita da ruptura entre mythos e logos (razão). 
No entanto, estudiosos como Cornford se preocuparam 
em encontrar os elementos que, apesar das diferenças, 
mostrassem como o pensamento filosófico nascente ainda 
tinha vinculações com o mito. Segundo Vernant, Cornford 
observou que a física jônica é a expressão do pensamento 
filosófico racional e abstrato, pois recorre a argumentos e 
não a explicações sobrenaturais. No entanto, se a atitude 
do filósofo o distingue do homem mítico, o conteúdo da 
filosofia permanece semelhante ao do mito, e dele o 
aproxima. 
Por exemplo, Hesíodo relata na Teogonia como Gaia 
(Terra) gera sozinha, por segregação, o Céu e o Mar; 
depois, a união da Terra com o Céu, presidida por Eros 
(princípio de coesão do Universo), resulta na geração dos 
deuses. Ora, examinando os textos dos filósofos jônicos, 
Cornford descobriu neles a mesma estrutura de 
pensamento existente no relato mítico: os jônios afirmam 
que, de um estado inicial de indistinção, separam-se pares 
opostos (quente e frio, seco e úmido) que vão gerar os 
seres naturais (o céu de fogo, o ar frio, a terra seca, o mar 
úmido), Para os filósofos, a ordem do mundo deriva de 
forças opostas que se equilibram reciprocamente, e a 
união dos opostos explica os fenômenos meteóricos, as 
estações do ano, o nascimento e a morte de tudo que vive 
(J. P. Vemant. Mito e pensamento entre os gregos, p. 
297). 
Portanto, na passagem do mito à razão, há continuidade 
no uso comum de cenas estruturas de explicação. Na 
concepção de Cornford não existe "uma imaculada 
concepção da razão", pois o aparecimento da filosofia é 
um fato histórico enraizado no passado. 
Embora existam esses aspectos de continuidade, a 
filosofia surge como algo muito diferente, pois resulta de 
uma ruptura quanto à atitude diante do saber recebido, 
Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se 
questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida à 
discussão. Enquanto no mito a inteligibilidade é dada, na 
filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, 
a interferência de agentes divinos na explicação dos 
fenômenos. 
Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a 
definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão, 
organiza-se em doutrina e surge, portanto, como 
pensamento abstrato. 
Na nova abordagem do real caracterizada pelo 
pensamento filosófico, podemos ainda notar a vinculação 
entre filosofia e ciência. O próprio teor das preocupações 
dos primeiros filósofos é de natureza cosmológica. De 
maneira que, na Grécia Antiga, o filósofo é também o 
homem do saber científico. Só no século XVII as ciências 
encontram seu próprio método e separam-se da filosofia, 
formando as chamadas ciências particulares. 
https://docs.google.com/document/d/1IstVzu7YZkQHmSC2YoSWL4
qZVw_bgQKjxl80_fGqKVA/edit 
 
 
 UNIDADE 2 
 
FILOSOFIA ANTIGA 
 
OS PRÉ-SOCRÁTICOS 
 
É interessante notar que, enquanto Hesíodo, ao relatar o 
princípio do mundo (cosmogonia) e dos deuses 
(teogonia), refere-se a sua gênese ou origem, as 
preocupações dos primeiros pensadores levam à 
elaboração de uma cosmologia, pois procuram a 
racionalidade do universo. Isso significa que, ao 
perguntarem como seria possível que do Caos emergisse 
um “cosmos” – ou seja, como da confusão inicial surgiu 
um mundo ordenado –, os pré-socráticos procuram o 
princípio (a arché) de todas as coisas, entendido este não 
como o que antecede no tempo, mas enquanto fundamento 
do ser. Buscar a arché é explicar qual é o elemento 
constitutivo de todas as coisas. 
As respostas dos filósofos pré-socráticos eram em geral, 
monistas, ou seja, acreditavam que o universo tinha sido 
gerado através de um único elemento ou fenômeno. Cada 
um pretende descobrir a arché, a unidade que pode 
explicar a multiplicidade. 
Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram 
com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou 
referências feitas por filósofos posteriores. 
Apesar de passar a ideia de que existiram antes de 
Sócrates, o termo pré-socrático indica uma tendência de 
pensamento, estando relacionado também com filósofos 
que viveram na mesma época de Sócrates e até mesmo 
depois dele. 
Aquilo que une os filósofos pré-socráticos é a 
preocupação em perguntar e compreender a natureza do 
mundo (a physis). Queriam entender a origem, aquilo que 
originou todas as coisas, o princípio delas. Os filósofos 
pré-socráticos são divididos em escolas do pensamento: 
Escola Jônica, Escola Itálica, Escola Eleática, Escola 
Atomística; de acordo com o local e problemas discutidos 
por seus pensadores. 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
5 
A Escola Jônica recebe este nome por se desenvolver 
na colônia grega Jônia, na Ásia Menor, local onde hoje é a 
Turquia. Seus principais filósofos foram: Tales de Mileto, 
Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e 
Heráclito de Éfeso. Pensavam sobre o elemento primeiro, 
chegando a conclusões diferentes. Para Tales, o elemento 
que forma todas as coisas é a Água. Para Anaximandro, o 
elemento é o ápeiron, aquilo que é ilimitado e que 
possibilita a união e separação dos diferentes corpos. Para 
Anaxímenes, o elemento é o Ar. De acordo com Heráclito, 
o elemento que representa a natureza das coisas é o fogo. 
Apesar das diferenças sobre qual seria o elemento 
primeiro, os filósofos da Escola Jônica pensavam o mundo 
como algo em movimento, a água que congela e evapora, 
o ápeiron que não pode ser determinado e não é estático, o 
ar nada palpável e o fogo que está sempre em movimento 
e transformando o que queima. 
A Escola Itálica se desenvolveu no sul da Itália. O 
filósofo principal desta escola foi Pitágoras de Samos. 
Nascido na ilha de Samos, foi na península itálica, na 
cidade de Crotona, onde ele desenvolveu suas ideias. 
Pensou serem os números as essências das coisas. Suas 
investigações da física e matemática eram misturadas com 
misticismo. São atribuídos aos discípulos de Pitágoras, os 
pitagóricos, diversas descobertas matemáticas. Foi 
Pitágoras o responsável pela criação da palavra filosofia 
(amizade pela sabedoria) ao chamar a si mesmo de 
filósofo (amigo da sabedoria). 
A Escola Eleática se desenvolveu na cidade de Eleia, 
ao sul da Itália. Seus principais filósofos foram Xenófanes 
de Cólofon, Parmênides de Eleia e Zenão de Eleia. Apesar 
de não ter nascido em Eleia, Xenófanes se estabeleceu na 
cidade após levar uma vida andando de povoado em 
povoado. A ideia principal ensinada por Xenófanes e 
posteriormente trabalhada por Parmênides é a ideia de 
Um. Xenófanes pensava no Um a partir de um 
pensamento mais voltado à religião, dizendo que Deus é 
Um, não foi feito, é eterno, perfeito e não se modifica. Em 
oposição à Escola Jônica, Parmênides pensa que o mundo 
é formado por um Ser-Absoluto, que não foi feito, é 
eterno, perfeito e não se modifica. Contra a ideia de 
movimento, Zenão desenvolveu argumentações que foram 
e são muito discutidas. Entre elas está a ideia de que uma 
flecha em voo sempre ocupa o seu espaço de flecha, logo 
a flecha está em repouso e todo movimento é uma ilusão. 
A Escola Atomística, ou atomismo, desenvolveu-se a 
partir da ideia de que são vários os elementos que formam 
as coisas. A ideia de átomo (a = negação e tomos = 
divisão, ou seja, aquilo que não pode ser dividido) foi 
desenvolvida por Leucipo de Mileto e depois trabalhada 
por Demócrito de Abdera e Epicuro de Samos. Para 
Leucipo, o mundo é formado a partir do choque aleatório 
e imprevisível de infinitos átomos. 
Embora diversos destes filósofos tenham escrito mais 
sobre outros assuntos do que sobre a natureza das coisas, 
como é o caso de Demócrito, que escreveu sobre ética, é o 
questionar-se sobre a natureza das coisas que os une neste 
período. 
www.mundoeducação.com/filosofia/presocráticos.htmAlém destes pensadores é preciso destacar outros que 
posteriormente desenvolveram suas teorias combinando 
aspectos de diferentes escolas e valorizando uma 
concepção do mundo natural como múltiplo e dinâmico. 
 
Anaxágoras de Clazômena. Sofreu a influência dos 
milesianos como Anaxímenes e possivelmente dos 
pitagóricos. Concebeu a realidade como composta de uma 
multiplicidade infinita de elementos a que denominou de 
homeomerias. Uma passagem de Aristóteles (Metafísica, 
I, 3) sintetiza bem o que conhecemos do pensamento de 
Anaxágoras: 
 
Anaxágoras de Clazômena [...] diz que os primeiros 
princípios são ilimitados em número. E explica que 
todas as substâncias de partes iguais (homeomerias), 
como a água e o fogo, são geradas e destruídas por 
combinação e separação; em outro sentido, nem são 
geradas, nem destruídas, mas persistem eternamente. 
 
Anaxágoras usa o termo nous (espírito) no sentido de 
causa da existência do cosmo, ou de primeiro motor, de 
uma maneira que antecipa a concepção aristotélica 
formulada na Física. 
 
Empédocles de Agrigento é conhecido principalmente 
por sua doutrina dos 4 elementos (fogo, água, terra e ar), 
que de certa forma procura sintetizar as doutrinas de 
pensadores anteriores sobre os elementos primordiais, 
bem como superar a oposição entre a concepção monista 
eleata de unidade do real e as concepções pluralistas e 
mobilistas. Essa doutrina teve grande influência em toda a 
Antiguidade, chegando mesmo ao Renascimento e ao 
início do período moderno. Esses elementos são vistos 
como raízes (rizómata) de todas as coisas, e de sua 
combinação resulta a pluralidade do mundo natural. 
 (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-
socráticos a Wittgenstein. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 33-35) 
 
 
HERÁCLITO, PARMÊNIDES E DEMÓCRITO 
 
Alguns exemplos indicam a existência da preocupação 
dos primeiros filósofos com o conhecimento e, aqui, 
tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e 
Demócrito de Abdera. 
Heráclito de Éfeso considerava a natureza (o mundo, a 
realidade) um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo 
dos seres em mudança perpetua. Dizia: “Não podemos 
banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas 
nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. 
Comparava o mundo à chama de uma vela que queima 
sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em 
fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se 
torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido 
seca, tudo se transforma no seu contrário. O mundo é um 
processo incessante de transformação em que cada ser está 
caminhando de seu contrário; cada ser é um movimento 
em direção ao seu contrário. 
 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
6 
 
Heráclito (550-480 a.C.) 
 
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, 
que não cessam de se transformar uns nos outros. Se tudo 
não cessa de se transformar perenemente, como explicar 
que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem 
estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o 
filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que 
nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso 
pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a 
imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a 
verdade como mudança contínua. 
Parmênides de Eléia colocava-se na posição oposta a 
Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que 
permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o 
pensamento não pode pensar sobre coisas que são e não 
são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são 
contrárias a si mesmas e contraditórias. 
 
 
Parmênides (530-460 a.C.) 
 
Conhecer é alcançar o idêntico, imutável. Nossos 
sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em 
incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada 
permanece idêntico a si mesmo, onde tudo se torna o 
contrário de si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira 
primavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira grande, 
o grande diminui, o quente esfria, o frio se aquece, o 
líquido vira vapor ou vira sólido. 
Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? Como 
pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e 
contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides. 
Pensar e apreender um ser em sua identidade profunda e 
permanente. Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito – 
perceber e pensar são diferentes -, mas o dizia no sentido 
oposto ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças 
impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis. 
Demócrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o 
Ser ou sobre a natureza conhecida com o nome de 
atomismo: a realidade é constituída por átomos. A palavra 
átomo tem origem grega e significa “o que não pode ser 
cortado ou dividido”, isto é, a menor partícula indivisível 
de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos 
átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e 
morrem por separação dos átomos. 
 
 
Demócrito (460-370 a.C.) 
 
Os átomos para Demócrito possuem formas e 
consistências diferentes (redondos, triangulares, lisos, 
duros, moles, rugosos, pontiagudos, etc.) e essas 
diferenças e os diferentes modos de combinação entre eles 
produzem a variedade de seres, suas mudanças e 
desaparições. Por meio de nossos órgãos dos sentidos, 
percebemos o quente e o frio, o doce e o amargo, o seco e 
o úmido, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores, 
odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos 
prazer e dor, porque percebemos os efeitos das 
combinações dos átomos que, em si mesmos, não 
possuem tais qualidades (isto é, não são doces nem 
amargos, nem azuis, nem verdes, nem grandes, nem 
pequenos, pois são as menores partículas materiais 
existentes). 
Somente o pensamento pode conhecer os átomos que 
são invisíveis para nossa percepção sensorial. Dessa 
maneira, Demócrito concordava com Heráclito e 
Parmênides em que há uma diferença entre o que 
conhecemos por meio de nossa percepção e o que 
conhecemos apenas pelo pensamento; porém, 
diversamente dos outros dois filósofos, não considerava a 
percepção ilusória, mas penas um efeito da realidade sobre 
nós. O conhecimento sensorial ou sensível é tão 
verdadeiro quanto aquilo que o pensamento puro alcança, 
embora de uma verdade diferente e menos profunda ou 
menos relevante do que aquela alcançada pelo puro 
pensamento. 
Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus 
começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do 
conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão 
do verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta 
de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou 
regras para conhecer as coisas e que há uma diferença 
entre perceber e pensar. Pensamos com base no que 
percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O 
pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O 
modo como os seres nos aparecem é o modo como os 
seres realmente são? 
(CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003. pp. 
121-123) 
 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
7 
 
 UNIDADE 3 
 
OS SOFISTAS 
 
A palavra sofista (em grego sophistes) deriva de sophia 
«sabedoria», e designa genericamente todo o homem que 
possui conhecimentos consideráveis em qualquer ramo do 
saber. 
No início, a palavra sofista foi utilizada para realçar 
uma capacidade ou arte especial num determinado 
assunto. Homero refere que um construtor naval, um 
cocheiro, um navegador, um adivinho ou um escultor são 
sábios nas suas profissões. Também Apolo é sophos com 
a sua lira. 
No início do séc. V a.C. o termo "sofista" passa a ser 
utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a 
poetas, a músicos e rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete 
Sábios, aos filósofos pré-socráticos e a figuras com 
poderes superiores, como Prometeu. Pelo final do século, 
o termo "sofista"era aplicado a quem escrevia ou 
ensinava e que era visto como tendo uma especial 
capacidade ou conhecimento a transmitir. 
No entanto, depois dos sofistas terem aparecido na 
Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a 
multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser 
utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a 
ser utilizada no sentido de ladrão, charlatão ou mentiroso, 
significado que acaba por ir ao encontro do seu sentido 
atual. 
Como, nesta altura, os jovens atenienses estavam ávidos 
de novidades, rapidamente os sofistas se viram rodeados 
de rapazes desejosos de encontrar o segredo do domínio 
das multidões. 
Os sofistas recebiam dinheiro pelos ensinamentos que 
ministravam, o que era alvo da censura dos atenienses. 
Também Sócrates - que ao contrário dos sofistas, 
dispensava gratuitamente o seu saber a quem dele 
necessitava - achava vergonhoso vender o saber na praça 
publica. Como Platão diz no Protágoras, Sócrates 
comparava os sofistas aos mercadores, que elogiam os 
produtos que vendem mesmo sem saberem se são bons ou 
não e que, inevitavelmente eram tentados a acomodar a 
sua mercadoria ao gosto dos compradores. 
Porém, há que reconhecer que, ao receberem pelos 
ensinamentos ministrados, os sofistas forçaram o 
reconhecimento do caráter profissional do trabalho de 
professor. Essa é uma dívida que a institucionalização da 
escola tem para com eles. 
O palco dos sofistas eram os locais públicos mais 
frequentados, nomeadamente os ginásios, e também casas 
particulares dos que os podiam acolher — já que viajam 
de cidade em cidade à procura de alunos, levando consigo, 
de umas cidades para outras, os que conseguiam cativar. 
Em termos educativos, os sofistas vinculam-se à 
tradição dos grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, de 
Simónides a Píndaro. Forneciam livros dos grandes 
poetas aos seus discípulos, e interpretavam metodicamente 
os grandes poetas a cujos ensinamentos se vinculavam 
com afinco. No entanto, as suas interpretações dos poetas 
são em geral muito pragmáticas. Os sofistas procuram 
colher todos os conhecimentos registrados nos poemas 
(Homero é uma útil enciclopédia, onde figuram regras 
fulcrais para a vida, desde a construção de carros, às 
estratégias militares). Além disso, para os sofistas o uso 
dos poemas justifica-se pelo fato de estes permitirem 
alcançar uma pronúncia e dicção correta das palavras. 
Para além de formar o homem, a educação deve, 
sobretudo, formar o cidadão. A finalidade cívica da 
educação passa, claramente, a primeiro plano. 
Habitante da Polis, o homem só é o que é porque vive 
na cidade e sem ela não é nada. E o que diz respeito à 
cidade, é comum, isto é, afeta a todos enquanto 
comunidade e cada um enquanto cidadão, membro dessa 
comunidade. Neste sentido, é evidente que, antes de mais, 
o homem é zoon politikon, como bem sintetizou 
Aristóteles, distinguindo-o do animal pela sua qualidade 
de cidadão; o biós politikos é a forma própria e sublime da 
vida do homem enquanto habitante da polis. 
A consciência da cidadania desde cedo faz sentir a falta 
de uma nova educação, uma vez que a antiga, com o seu 
receituário básico, simples e elementar de ginástica e 
música, não servia a formação do cidadão, não 
correspondia às novas necessidades individuais nem às 
novas exigências sociais e políticas. Politicamente, a 
forma democrática de organização do Estado foi o modo 
de governo escolhido pela Cidade-Estado de Atenas. No 
estado democrático ateniense, a exigência de todos, 
enquanto homens livres, intervirem ativamente na vida 
pública é um dever cívico, e a participação nas 
assembleias indispensável. Neste contexto, compreende-se 
que tenha surgido uma nova estirpe de "educadores", os 
sofistas — com o sucesso que se lhes reconhece. Estes 
apresentam-se como professores, no sentido atual do 
termo (os primeiros da história), e oferecem, a troco de 
dinheiro, o ensino da virtude, da aretê ou, como também 
lhe chamam, a technê (técnica, ofício, habilidade, arte ou 
saber aplicado) política. 
Os sofistas convertem, pois, a educação numa técnica 
ou numa arte, na qual se apresentam como mestres e, por 
isso, capazes de a transmitirem e ensinar — e os seus 
alunos que vierem a dominar esta technê alcançarão a 
aretê política. No entanto, esta technê está em conexão 
com objectivos práticos — formação de homens de 
Estado, dirigentes da vida pública — e, conduzindo à 
valorização do cidadão individualmente considerado, 
acaba por se orientar num sentido amoral. Os seus 
contemporâneos vão acusá-los de imoralidade. 
Ora, quem quer vencer na vida política (fazer valer 
interesses e convicções, ganhar um lugar de destaque, ser 
eleito para cargos públicos e aceder ao poder) precisa de 
saber como encantar auditórios, construir discursos 
persuasivos, formular argumentos que justifiquem e 
validem as posições, fazendo-as prevalecer como 
melhores; precisa, portanto, da arte sofística da oratória, 
da retórica e da dialética. Mas, porque o fim é o sucesso 
pessoal, vencer a todo o custo, e isso apenas é possível 
convencendo os outros, retórica e dialética tornam-se 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
8 
técnicas que, servindo as conveniências, se podem aplicar 
a qualquer conteúdo. Não admira, pois, que os sofistas 
venham a ser acusados de imoralidade, de administrar 
uma educação perversa e pervertida, de corromper a 
juventude e sublevar os valores tradicionais, de minar as 
bases da ordem social e política. 
Como temos vindo a referir, os sofistas surgiram em 
resposta às novas exigências que se colocavam à 
educação. De fato, quando os primeiros sofistas surgiram, 
não havia, mestres para ensinar a discursar e a convencer 
as multidões e a sociedade não os reconhecia como uma 
possível resolução dos seus problemas. Desta forma, não é 
difícil imaginarmos que os primeiros sofistas devem ter 
sido recebidos de modo bastante frio e sarcástico. Se, por 
um lado, os sofistas não tiveram dificuldades em encontrar 
discípulos que lhes pagassem os seus serviços, por outro 
lado, enfrentaram severas críticas dos mais idosos e 
conservadores que viam neles uma ameaça à estabilidade 
da Paideia. 
Os sofistas raramente eram filhos de Atenas e, no 
entanto, a sua condição de "estrangeiros" não os impedia 
de oferecerem aos jovens da cidade a educação pela qual 
todos ansiavam e que os preparava para uma carreira de 
engrandecimento pessoal na vida política e social da 
época. Geralmente não se fixavam em nenhuma cidade. 
Viajavam de terra em terra angariando discípulos que 
passavam alguns anos (habitualmente três ou quatro) 
estudando com eles. 
Mas o maior desejo de qualquer sofista era ser bem 
recebido em Atenas. Era aqui, no centro da cultura 
helênica, que eles tinham maiores probabilidades de 
enriquecer, aumentar a sua fama, e adquirir prestígio. 
Se é verdade que os sofistas acabavam por enfrentar 
alguns perigos, também é verdade que a sua condição 
usufruía de alguns benefícios. Para além da fama que eles 
iam conquistando pelos sítios em que iam passando, iam 
desfrutando da hospitalidade de casas ricas onde 
acabavam por ficar hospedados. Além disso, eram por 
vezes convocados a exercer importantes funções políticas, 
graças aos seus extraordinários dotes oratórios. Como se 
isto não bastasse, ficavam dispensados de cumprir serviço 
militar e de pagar impostos ao Estado, o que era 
obrigatório para todos os cidadãos. Como diz Jäeger "não 
foi só pelo seu ensino, mas também pela atração do seu 
novo tipo espiritual e psicológico que os sofistas foram 
considerados como as maiores celebridades do espírito 
grego de cada cidade, onde por longo tempo deram tom, 
sendo hóspedes prediletos dos ricos e dos poderosos" 
(Jäeger, 1986: pág.347). 
(http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/sofistas.htm) 
 
OS SOFISTAS, A PHYSIS E O NÓMOS 
 
Apesar de admitirem o homem como um ser 
constitutivo da natureza, os sofistas concebiam que ele 
possuía características específicas que deveriam ser 
levadas em conta. Acreditavam que o foco da Filosofia 
deveria ser o homem, e não os aspectos cosmológicos, ou 
seja, de origem da natureza, tão discutidos até então. 
Assim, os sofistas ajudaram a mudar o ponto central do 
pensamento filosófico: se no período pré-socrático a 
Filosofia era de cunho naturalista, no período socrático ela 
se tornou antropológica. 
Os sofistas vão trazer para o debate filosófico a ideia de 
nómos e deixar de lado a discussão acerca da physis. Mas, 
o que seria esse nómos? 
Os sofistas eram homens viajados que tinham entrado 
em contato com diferentes culturas e costumes. Por isso, 
eles sabiam que certas questões do mundo não eram 
determinadas pela natureza, mas dependiam da ação e das 
decisões humanas. 
O nómos era, então, a palavra usada para representar as 
práticas sociais estabelecidas pelo costume, pelas ações e 
pelas escolhas do próprio homem, e não pela natureza. 
Nómos era, portanto, uma máxima que possuía a aceitação 
dos membros de um grupo, a exemplo das leis escritas, da 
moral, da religião e da política. 
Apesar de parecerem naturais, essas convenções eram, 
segundo os sofistas, produtos de cada sociedade. Assim, 
cada sociedade possui suas próprias convenções, seus 
próprios costumes. Para os sofistas, as diferenças de 
costumes que as diversas sociedades apresentavam era a 
prova de que nem tudo era determinado pela physis, pela 
natureza. 
Essa concepção fez surgir um debate muito importante 
para a Filosofia e despertou a crítica dos aristocratas de 
Atenas. A grande questão era: as leis têm essência natural 
ou são convenções estabelecidas pelos homens em cada 
sociedade? 
Para os aristocratas, as leis, assim como os usos e 
costumes, eram elementos naturais que sempre existiram, 
e assim não poderiam ser modificados; eram superiores ao 
homem e sua vontade. Já para os sofistas, apoiados pelos 
democratas, as leis eram convenções criadas pela própria 
sociedade, de modo que cada agrupamento social 
desenvolvia as suas singularidades. 
Quando questionados acerca das desigualdades sociais, 
os aristocratas respondiam que essas desigualdades eram 
naturais, e que cada homem deveria ocupar a posição que 
lhe foi determinada. Já os democratas, junto aos sofistas, 
concebiam que essas desigualdades eram resultados da 
própria ação do homem. 
Os sofistas argumentavam que o homem não nasce 
sabendo as leis e os costumes que deve seguir. Isso lhe é 
ensinado ao longo de sua educação, e essa era mais uma 
prova da origem social – e não natural – das leis e dos 
costumes. 
Os defensores da democracia e os sofistas ainda 
partilhavam da seguinte constatação: como a maioria dos 
costumes e das leis foi elaborada muito tempo atrás, sua 
origem se perde no tempo, dando-nos a sensação de que 
eles sempre existiram e que são independentes da vontade 
do homem. A verdade, no entanto, é que em algum 
momento eles tiveram uma origem social. 
Por isso, em suas diversas viagens os sofistas se 
deparavam com grupos e sociedades cujos valores, 
costumes e comportamentos eram diferentes daqueles 
estabelecidos em Atenas e em outras regiões da Grécia 
Antiga. Para os sofistas, as diferentes culturas era uma 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
9 
prova de que os costumes e as leis eram criações do 
homem e, portanto, poderiam ser modificados e 
reformulados pelo próprio homem. 
A partir da concepção de nómos, os sofistas elaboraram 
então o primeiro conceito de cultura. Cultura seria não 
apenas o acúmulo de variados conhecimentos, mas 
também a constituição do homem como membro de uma 
sociedade; seria sua formação social, para além de sua 
natureza. 
(http://www.klickeducacao.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR-
4664-41611-,00.html) 
 
Podemos reconhecer aos sofistas gregos os seguintes 
méritos: 
- Iniciaram uma reflexão sistemática sobre os problemas 
humanos, ao invés das questões naturais e cosmológicas 
dos filósofos pré-socráticos; 
- Aperfeiçoaram a dialética e a discussão crítica sobre as 
limitações e o valor do conhecimento; 
- Destacaram o caráter diverso e relativo das leis, próprias 
de cada cidade, enfatizando a contraposição entre natureza 
(phýsis), lei (nómos) e pacto (thésis), em que se baseiam o 
direito natural e o direito positivo. Ver a respeito o 
fragmento «A Verdade» de Antifonte; 
- Defenderam o conceito de natureza comum a todos os 
homens, o que serviu para fundamentar a lei de modo 
mais igualitário e universalista; 
- Desenvolveram princípios educativos para o ensino de 
gramática e retórica; Protágoras considerava-se um mestre 
da sabedoria e da virtude política (politiké areté), 
formando os jovens para o debate público e o governo do 
Estado. O ideal sofístico de uma natureza humana que 
pode ser educada e constantemente aperfeiçoada deu 
início à ciência pedagógica e à formação humanista na 
antiguidade. 
Não é pouca coisa, mas não se iguala, sem dúvida 
alguma, às contribuições de Sócrates, Platão e Aristóteles. 
Ao menos seja reconhecida a influência positiva dos 
sofistas no debate jusfilosófico: a defesa do naturalismo 
permite assentar o direito numa perspectiva mais 
cosmopolita e equânime. 
 
PROTÁGORAS E GÓRGIAS 
 
O mais eminente dos sofistas foi Protágoras, tratado 
com respeito por Platão no diálogo que leva seu nome. 
Atribui-se o primeiro estudo sistemático de gramática, 
distinguindo os gêneros masculino, feminino e neutro e as 
partes da oração em substantivo, adjetivo e verbo. Em 
retórica distinguiu as partes componentes do discurso: 
preâmbulo, disposição, exposição, discussão, refutação e 
conclusão. Ensinou durante quarenta anos e tornou-se 
muito rico, pois cobrava caro por suas lições. 
 
 
Protágoras (490-420a.C.) 
 
Protágoras defendia o relativismo do conhecimento, 
através do famoso dito «O homem é a medida de todas as 
coisas». Se não há uma razão ou um bem imutável, se 
todas as percepções são subjetivas, a habilidade retórica 
deve prevalecer para que meu argumento seja vencedor. A 
posição relativista conduz ao dilema da verdade e do 
discurso verdadeiro: vence a discussão quem tem razão ou 
tem razão quem vence a discussão? 
Górgias é famoso por seu niilismo exacerbado. Levando 
as teses relativistas ao extremo, nega a possibilidade de 
qualquer conhecimento, seja do espaço e do tempo, das 
coisas particulares ou mesmo do ser em geral. Conserva-
se de Górgias os três princípios: a) Nada existe (o ser e o 
não-ser não existem); b) Se algo existisse, não poderia ser 
conhecido, ou seja, seria incompreensível para nós; c) Se 
algo existe e pode ser conhecido, não pode o 
conhecimento ser comunicado a alguém (este 
conhecimento seria totalmente subjetivo). 
 
 
Górgias (485-380a.C.) 
 
É possível que as teses de Górgias fossem um exercício 
de retórica, para provocar os oponentes ou exercitar os 
alunos. Um jogo dialético para questionar as afirmações 
dogmáticas ou pretensamente absolutas de muitos 
filósofos. O fato é que ambos, Protágoras e Górgias, 
compartilham das mesmas teses céticas e reduzem o 
conhecimento ao jogo das aparências. 
Outros sofistas de destaque foram Hípias, Pródicos, 
Cálicles, Crítias e Antifonte. Chegaram até nós alguns 
fragmentos de suas obras e referências às suas façanhas de 
oratória. 
No que interessa à filosofia do direito, a contribuição 
dos sofistas foi questionar os valores éticos e jurídicos da 
pólis ateniense, pondo em causa a forma de governo, 
combatendo a injustiça da economia escravista, 
embasando o direito natural a partir da ordem humana e 
não divina. Os sofistas forneceram os argumentos contra 
as distorções do direito positivo vigente nas diversas pólis 
 Ciências Humanase suas Tecnologias 
 
 
 
 
10 
gregas. O indivíduo é o criador da cidade e vale sempre 
mais que a coisa criada: sua consciência, sua lei interior é 
mais valiosa que o decreto do democrata Péricles ou do 
tirano de Tebas. 
A crítica dos sofistas trouxe problemas. Com relação à 
escravidão, diziam: os deuses nos fizeram livres e a 
ninguém fez escravo. Ironizavam, na prática, a justiça da 
cidade, ensinando a quem quisesse pagar como vencer 
uma causa, independentemente da tese a ser defendida. Às 
leis decretadas pelo poder governante (nómos), opunham 
o conceito de uma natureza ou princípio natural (phýsis) 
presente no cosmo e no homem, assinalando, desse modo, 
a diferença entre as normas jurídicas convencionais e que 
quase sempre se identificam com os interesses do grupo 
mais forte. 
(http://www.vaniadiniz.pro.br/espaco_ecos/filosofia_virginia/reinerio
_os_sofistas.htm) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• O surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de 
um processo muito lento, preparado pelo passado mítico. 
• O surgimento da filosofia na Grécia não foi o resultado de 
um salto, um "milagre" realizado por um povo privilegiado, mas 
a culminação de um processo que se fez através dos tempos e 
tem sua divida com o passado mítico. 
• A pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a 
palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, 
portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da 
discussão, da argumentação. O saber deixa de ser sagrado e 
passa a ser objeto de discussão. 
• A expressão da individualidade por meio do debate faz 
nascer a política, libertando o homem dos exclusivos desígnios 
divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na praça pública. 
• As preocupações dos primeiros pensadores levam à 
elaboração de uma cosmologia, pois procuram a racionalidade 
do universo. Os pré-socráticos procuram o princípio (a arché) de 
todas as coisas, entendido este não como o que antecede no 
tempo, mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é 
explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas. 
• Os sofistas ajudaram a mudar o ponto central do 
pensamento filosófico: se no período pré-socrático a Filosofia 
era de cunho naturalista, no período socrático ela se tornou 
antropológica. 
• Para os sofistas, as diferentes culturas era uma prova de 
que os costumes e as leis eram criações do homem e, portanto, 
poderiam ser modificados e reformulados pelo próprio homem. 
 
 
Exercícios 
 
1. (ENEM 2015) O que implica o sistema da pólis é uma 
extraordinária preeminência da palavra sobre todos os 
outros instrumentos do poder. A palavra constitui o debate 
contraditório, a discussão, a argumentação e a polêmica. 
Torna-se a regra do jogo intelectual, assim como do jogo 
político. 
VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: 
Bertrand, 1992 (adaptado). 
Na configuração política da democracia grega, em 
especial a ateniense, a ágora tinha por função 
a) agregar os cidadãos em torno de reis que governavam 
em prol da cidade. 
b) permitir aos homens livres o acesso às decisões do 
Estado expostas por seus magistrados. 
c) constituir o lugar onde o corpo de cidadãos se reunia 
para deliberar sobre as questões da comunidade. 
d) reunir os exércitos para decidir em assembléias 
fechadas os rumos a serem tomados em caso de 
guerra. 
e) congregar a comunidade para eleger representantes 
com direito a pronunciar-se em assembleias. 
 
2. (ENEM 2014) Compreende-se assim o alcance de uma 
reivindicação que surge desde o nascimento da cidade na 
Grécia antiga: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se 
faz mais que assegurar-lhes permanência e fixidez. As leis 
tornam-se bem comum, regra geral, suscetível de ser 
aplicada a todos da mesma maneira. 
VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: 
Betrand Brasil, 1992 (adaptado) 
 
Para o autor, a reivindicação atendida na Grécia antiga, 
ainda vigente no mundo contemporâneo, buscava garantir 
o seguinte princípio: 
a) Isonomia – igualdade de tratamento aos cidadãos. 
b) Transparência – acesso às informações 
governamentais. 
c) Tripartição – separação entre os poderes políticos 
estatais. 
d) Equiparação – igualdade de gênero na participação 
política. 
e) Elegibilidade – permissão para candidatura aos cargos 
públicos. 
 
3. (ENEM 2015) A filosofia grega parece começar com 
uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e 
a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-
nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em 
primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre 
a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem 
imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque 
nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o 
pensamento: Tudo é um. 
NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: 
Nova Cultural, 1999. 
 
O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da 
filosofia entre os gregos? 
a) O impulso para transformar, mediante justificativas 
os elementos sensíveis em verdades racionais. 
b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos 
seres e das coisas. 
c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa 
primeira das coisas existentes. 
d) A ambição de expor, de maneira metódica, as 
diferenças entre as coisas. 
e) A tentativa de justificar, a partir de elementos 
empíricos, o que existe no real. 
 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
11 
4. (ENEM 2015) Trasímaco estava impaciente porque 
Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era 
algo real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu 
entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado 
apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da 
sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam de 
invenções humanas. 
RACHELS, J. Problemas da filosofia. Lisboa: Gradiva, 2009. 
 
O sofista Trasímaco, personagem imortalizado no diálogo 
A República, de Platão, sustentava que a correlação entre 
justiça e ética é resultado de 
a) determinações biológicas impregnadas na natureza 
humana. 
b) verdades objetivas com fundamento anterior aos 
interesses sociais. 
c) mandamentos divinos inquestionáveis legados das 
tradições antigas. 
d) convenções sociais resultantes de interesses humanos 
contingentes. 
e) sentimentos experimentados diante de determinadas 
atitudes humanas. 
 
 
5. (ENEM 2012) 
 
TEXTO I 
Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento 
originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que 
outras coisas provêm de sua descendência. Quando o ar se 
dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os ventos são ar 
condensado. As nuvens formam-se a partir do ar por 
filtragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em 
água. A água, quando mais condensada, transforma-se em 
terra, e quando condensada ao máximo possível, 
transforma-se em pedras. 
BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 
2006 (adaptado) 
 
TEXTO II 
Basílio Magno, filósofo medieval, escreveu: “Deus, como 
criador de todas as coisas, está no princípio do mundo e dos 
tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face 
desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos, 
para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro 
elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos, como 
julga Demócrito. Na verdade, dão impressão de quererem 
ancorar o mundo numa teia de aranha.” 
GILSON, E.; BOEHNER, P. Historia da Filosofia Crista. São Paulo: 
Vozes, 1991 (adaptado). 
 
Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram 
teses para explicar a origem do universo, a partir de uma 
explicação racional. As teses de Anaxímenes, filósofo 
grego antigo, e de Basílio, filósofo medieval, têm em 
comum na sua fundamentação teorias que: 
a) eram baseadas nas ciências da natureza. 
b) refutavam as teorias de filósofos da religião. 
c) tinham origem nos mitos das civilizações antigas. 
d) postulavam um princípiooriginário para o mundo. 
e) defendiam que Deus é o princípio de todas as coisas. 
 
GABARITO 
 
1 2 3 4 5 
C A C D D 
 
 
 UNIDADE 4 
 
SÓCRATES 
 
O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, 
rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram 
filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem 
respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso 
fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois 
faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade. 
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e 
dos sofistas, o que propunha Sócrates? 
Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e 
antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, 
primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. 
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os 
valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam 
conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores 
embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam 
responder ao célebre “o que é”, descobriam surpresos, que 
não sabiam responder e que nunca tinham pensado em 
suas crenças, seus valores e suas ideias. 
 
 
Sócrates (469 – 399 a.C.) 
 
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas 
esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, 
que soubesse as respostas às perguntas, más Sócrates, para 
desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso 
estou perguntando”. Donde a famosa expressão atribuída a 
ele: “Sei que nada sei”. 
A consciência da própria ignorância é o começo da 
Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a 
definição daquilo que uma coisa, uma ideia, um valor é 
verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da 
coisa, da ideia, do valor. Procurava o conceito e não a 
mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das 
ideias e dos valores. 
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A 
opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, 
de época para época. É instável, mutável, depende de cada 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
12 
um, de seus gostos e preferências. O conceito ao contrário, 
é uma verdade intemporal, universal e necessária que o 
pensamento descobre, mostrando que é a essência 
universal, intemporal e necessária de alguma coisa. 
Por isso, Sócrates não perguntava se tal o qual coisa era 
bela – pois nossa opinião sobre ela pode variar – e sim: O 
que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo? 
Do justo? Do amor? Da amizade? 
Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui 
para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o 
fundamento racional daquilo que você fala e pensa? 
Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a ideias, 
valores, práticas e comportamentos que os atenienses 
julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si 
mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, 
Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas 
também sobre a pólis. Aquilo que parecia evidente 
acabava sendo percebido como duvidoso e incerto. 
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, 
pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo 
mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como 
nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os 
poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois 
fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de 
desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as 
leis. Levado perante a assembleia, Sócrates não se 
defendeu e foi condenado a tomar um veneno e obrigado a 
suicidar-se. 
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”, dizia ele, 
“se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu 
não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão 
exigir de mim? Que pare de filosofar. Mas eu prefiro a 
morte a ter que renunciar à Filosofia”. 
 
ENSINO PELO DIÁLOGO 
 
Nas palavras atribuídas a Sócrates por Platão na obra 
Apologia de Sócrates, o filósofo ateniense considerava sua 
missão "andar por aí (nas ruas, praças e ginásios, que eram 
as escolas atenienses de atletismo), persuadindo jovens e 
velhos a não se preocuparem tanto, nem em primeiro 
lugar, com o corpo ou com a fortuna, mas antes com a 
perfeição da alma". 
Defensor do diálogo como método de educação, Sócrates 
considerava muito importante o contato direto com os 
interlocutores - o que é uma das possíveis razões para o fato 
de não ter deixado nenhum texto escrito. Suas ideias foram 
recolhidas principalmente por Platão, que as sistematizou, e 
por outros filósofos que conviveram com ele. 
Sócrates se fazia acompanhar frequentemente por 
jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas 
famílias de Atenas. Para Sócrates, ninguém adquire a 
capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os 
demais, se não possuir a capacidade de autodomínio. 
Depois dele, a noção de controle pessoal se transformou 
em um tema central da ética e da filosofia moral. Também 
se formou aí o conceito de liberdade interior: livre é o 
homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites 
e segue os princípios que, por intermédio da educação, 
afloram de seu interior. 
Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, para os 
quais a verdade e a prática da virtude dependiam de 
circunstâncias, Sócrates valorizava acima de tudo a 
verdade e as virtudes - fossem elas individuais, como a 
coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e 
a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o 
conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações 
isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que 
tem caráter uno e indivisível. 
Segundo Sócrates, só age erradamente quem 
desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do 
saber é o caminho para a perfeição humana, dizia, 
introduzindo na história do pensamento a discussão sobre 
a finalidade da vida. 
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/mestre-busca-verdade-
423245.shtml?page=1 
 
MÉTODO DE SÓCRATES 
 
É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das 
coisas e na variabilidade extrema das impressões 
sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo 
se transformam, concluíram os sofistas pela 
impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates 
restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro 
objeto da ciência. 
O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o 
indivíduo que passa; é o inteligível, o conceito que se 
exprime pela definição. Este conceito ou idéia geral 
obtém-se por um processo dialético por ele chamado 
indução e que consiste em comparar vários indivíduos da 
mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as 
qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, 
estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por 
onde se vê que a indução socrática não tem o caráter 
demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do 
fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que 
remonta do indivíduo à noção universal. 
Praticamente, na exposição polêmica e didática destas 
idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia 
uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário 
a confutar ou de um discípulo a instruir. 
Essa busca, conduzida metodicamente, pressupõe dois 
momentos. 
O primeiro é chamado de protréptico ou exortação. 
Nesse momento, Sócrates estimula seu interlocutor a se 
concentrar em um assunto, lançar uma tese e buscar a 
verdade sobre a tese exposta. 
O segundo momento é denominado élenkhos ou 
indagação, ocorrendo quando Sócrates apresenta 
sucessivas perguntas, encaminhando uma conceituação 
adequada ao tema. 
Esse momento se subdivide em outros dois: a eironéia, 
ou ironia – o comentário crítico das opiniões apresentadas, 
que conduz à refutação da tese proposta – é o trabalho de 
gerar (maiêutica) um conceito válido. Sócrates afirma que 
se reconhece herdeiro, por analogia, do trabalho de sua 
mãe, uma parteira (maiêuta), pois crê quea alma tem 
acesso à verdade, mas precisa ser auxiliada na tarefa de 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
13 
gerar ideias. Ele quer ser aquele que auxilia no nascimento 
do ocnhecimento verdadeiro, uma parteiro das ideias. 
DOUTRINAS FILOSÓFICAS 
 
A introspecção é o característico da filosofia de 
Sócrates. E exprime-se no famoso lema conhece-te a ti 
mesmo - isto é, torna-te consciente de tua ignorância - 
como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da 
ciência mediante a virtude. E alcançava em Sócrates 
intensidade e profundidade tais, que se concretizava, se 
personificava na voz interior divina do gênio ou demônio. 
"Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cifra 
toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do 
homem é o objetivo de todas as suas especulações e a 
moral, o centro para o qual convergem todas as partes da 
filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia 
de estímulo à virtude e de natural complemento da ética. 
Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e 
imortalidade da alma, distingue as duas ordens de 
conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o 
livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência. 
Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o 
argumento teológico, formulando claramente o princípio: 
tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma 
inteligência; b) com o argumento, apenas esboçado, da 
causa eficiente: se o homem é inteligente, também 
inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o 
argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao 
homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. 
Deus não só existe, mas é também Providência, governa o 
mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com 
sacrifícios e orações. Apesar destas doutrinas elevadas, 
Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da 
mitologia corrente que ele aspira reformar. 
Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates 
ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de 
alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim 
supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude 
adquiri-se com a sabedoria ou, antes, com ela se 
identifica. Esta doutrina, uma das mais características da 
moral socrática, é conseqüência natural do erro 
psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. 
Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa, 
virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se 
músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, 
justo será o que sabe a justiça". 
Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e 
escritas, a existência de uma lei natural - independente do 
arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo 
direito positivo, expressão da vontade divina promulgada 
pela voz interna da consciência. 
Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, 
em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo 
e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a 
beleza moral do sistema. 
 
GNOSIOLOGIA 
 
O interesse filosófico de Sócrates volta-se para o mundo 
humano, espiritual, com finalidades práticas, morais. 
Como os sofistas, ele é cético a respeito da cosmologia e, 
em geral, a respeito da metafísica; trata-se, porém, de um 
ceticismo de fato, não de direito, dada a sua revalidação 
da ciência. A única ciência possível e útil é a ciência da 
prática, mas dirigida para os valores universais, não 
particulares. Vale dizer que o agir humano - bem como o 
conhecer humano - se baseia em normas objetivas e 
transcendentes à experiência. O fim da filosofia é a moral; 
no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecê-
lo; para construir uma ética é necessário uma teoria; no 
dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder 
logicamente a moral. Mas, se o fim da filosofia é prático, 
o prático depende, por sua vez, totalmente, do teorético, 
no sentido de que o homem tanto opera quanto conhece: 
virtuoso é o sábio, malvado, o ignorante. O moralismo 
socrático é equilibrado pelo mais radical intelectualismo, 
racionalismo, que está contra todo voluntarismo, 
sentimentalismo, pragmatismo, ativismo. 
A filosofia socrática, portanto, limita-se à gnosiologia e 
à ética, sem metafísica. A gnosiologia de Sócrates, que se 
concretizava no seu ensinamento dialógico, donde é 
preciso extraí-la, pode-se esquematicamente resumir 
nestes pontos fundamentais: ironia, maiêutica, 
introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de 
tudo, cumpre desembaraçar o espírito dos conhecimentos 
errados, dos preconceitos, opiniões; este é o momento da 
ironia, isto é, da crítica. Sócrates, de par com os sofistas, 
ainda que com finalidade diversa, reivindica a 
independência da autoridade e da tradição, a favor da 
reflexão livre e da convicção racional. A seguir será 
possível realizar o conhecimento verdadeiro, a ciência, 
mediante a razão. Isto quer dizer que a instrução não deve 
consistir na imposição extrínseca de uma doutrina ao 
discente, mas o mestre deve tirá-la da mente do discípulo, 
pela razão imanente e constitutiva do espírito humano, a 
qual é um valor universal. É a famosa maiêutica de 
Sócrates, que declara auxiliar os partos do espírito, como 
sua mãe auxiliava os partos do corpo. 
Esta interioridade do saber, esta intimidade da ciência - 
que não é absolutamente subjetivista, mas é a certeza 
objetiva da própria razão - patenteiam-se no famoso dito 
socrático "conhece-te a ti mesmo" que, no pensamento de 
Sócrates, significa precisamente consciência racional de si 
mesmo, para organizar racionalmente a própria vida. 
Entretanto, consciência de si mesmo quer dizer, antes de 
tudo, consciência da própria ignorância inicial e, portanto, 
necessidade de superá-la pela aquisição da ciência. Esta 
ignorância não é, por conseguinte, ceticismo sistemático, 
mas apenas metódico, um poderoso impulso para o saber, 
embora o pensamento socrático fique, de fato, no 
agnosticismo filosófico por falta de uma metafísica, pois, 
Sócrates achou apenas a forma conceptual da ciência, não 
o seu conteúdo. 
O procedimento lógico para realizar o conhecimento 
verdadeiro, científico, conceptual é, antes de tudo, a 
indução: isto é, remontar do particular ao universal, da 
opinião à ciência, da experiência ao conceito. Este 
conceito é, depois, determinado precisamente mediante a 
definição, representando o ideal e a conclusão do processo 
gnosiológico socrático, e nos dá a essência da realidade. 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
14 
 
 
 
A MORAL 
 
Como Sócrates é o fundador da ciência em geral, 
mediante a doutrina do conceito, assim é o fundador, em 
particular da ciência moral, mediante a doutrina de que 
eticidade significa racionalidade, ação racional. Virtude é 
inteligência, razão, ciência, não sentimento, rotina, 
costume, tradição, lei positiva, opinião comum. Tudo isto 
tem que ser criticado, superado, subindo até à razão, não 
descendo até à animalidade - como ensinavam os sofistas. É 
sabido que Sócrates levava a importância da razão para a 
ação moral até àquele intelectualismo que, identificando 
conhecimento e virtude - bem como ignorância e vício - 
tornava impossível o livre arbítrio. Entretanto, como a 
gnosiologia socrática carece de uma especificação lógica, 
precisa - afora a teoria geral de que a ciência está nos 
conceitos - assim a ética socrática carece de um conteúdo 
racional, pela ausência de uma metafísica. Se o fim do 
homem for o bem - realizando-se o bem mediante a virtude, 
e a virtude mediante o conhecimento - Sócrates não sabe, 
nem pode precisar este bem, esta felicidade, precisamente 
porque lhe falta uma metafísica. Traçou, todavia, o 
itinerário, que será percorrido por Platão e acabado, enfim, 
por Aristóteles. Estes dois filósofos, partindo dos 
pressupostos socráticos, desenvolverão uma gnosiologia 
acabada, umagrande metafísica e, logo, uma moral. 
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/socrates.htm) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Sócrates propunha que, antes de querer conhecer a 
Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um 
deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. 
• A consciência da própria ignorância é o começo da 
Filosofia (“sei que nada sei”). 
• Através do diálogo Sócrates procurava o conceito e não a 
mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das ideias 
e dos valores. 
• Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os 
fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a 
pólis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido 
como duvidoso e incerto. 
• A maiêutica designa a arte de fazer dar à luz os espíritos, 
arte pela qual Sócrates conduzia seus interlocutores a 
descobrirem-se a si mesmos, 
• Só o conhecimento conduz à prática da virtude em si 
mesma, que tem caráter uno e indivisível. 
• Segundo Sócrates, só age erradamente quem 
desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do 
saber é o caminho para a perfeição humana. 
• Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. 
• A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates 
e exprime-se no famoso lema “conhece-te a ti mesmo” - isto é, 
torna-te consciente de tua ignorância - como sendo o ápice da 
sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude. 
"Conhece-te a ti mesmo" significa precisamente consciência 
racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria 
vida. 
 
 UNIDADE 5 
 
PLATÃO 
 
Para Platão, a primeira virtude do filósofo é admirar-se. 
A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de 
problematizar, o que marca a filosofia não como posse da 
verdade, mas como sua busca. Para Kant, filósofo alemão 
do século XVIII, “não há filosofia que se possa aprender; 
só se pode aprender a filosofar”. Isto significa que a 
filosofia é, sobretudo uma atitude, um pensar permanente. 
No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia, 
sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores 
da indagação humana. 
Na ordem do saber estipulada por Platão através da 
dialética - movimento e/ou itinerário, ascese progressiva 
para o verdadeiro, longe das ilusões e crenças de ordem 
puramente sensível ou imaginativa -, o homem começa a 
conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois 
passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para 
só então ser capaz de atingir o nível mais alto do saber 
filosófico. 
 
 
Platão (428-347 a.C.) 
 
A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e 
Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas 
aceitam a validade das opiniões e das percepções 
sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos 
de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as 
opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das 
coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas 
imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a 
verdade plena da realidade. 
Aos olhos de Platão, o mundo sensível subordina-se às 
Essências ou Ideias, formas inteligíveis, modelos de todas 
as coisas, que salvam os fenômenos e lhes dão sentido. 
Em suma, a Ideia ou Essência (dois termos que têm, aqui, 
uma significação vizinha) são as “coisas” no seu estado 
mais puro, modelos do pensamento e da reflexão. É a 
dialética, itinerário regulado e metódico, que, de conceitos 
em conceitos e de proposições em proposições, permite 
atingir estas essências ideais assim como o Bem, termo 
último do procedimento racional. O Bem designa, aos 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
15 
olhos de Platão, o Divino; não é, a rigor, nem uma noção 
nem um conceito, mas um princípio supremo, superior 
tanto à existência quanto à essência, ultrapassando-as de 
longe em dignidade e potência. Essa ideia do Bem, causa 
de tudo o que há de reto e belo, comunica sua verdade e 
sua vida a todos os objetos cognoscíveis. 
 
REMINISCÊNCIA E MAIÊUTICA 
 
A dialética das Ideias e a teoria do Amor levam, como 
se vê, a falar de um idealismo platônico, no sentido forte 
do termo idealismo: como doutrina que atribui às Ideias 
ou Essências uma existência em si, independente do 
espírito e das coisas individuais (embora a palavra 
idealismo não é do próprio Platão). Mas pode-se perguntar 
que argumentos permitem assim a Platão elaborar essa 
teoria “idealista” das Essências. Parece que maiêutica e 
reminiscência constituem dois elementos maiores que 
justificam essa elaboração e essa doutrina. Sócrates, o 
parteiro espiritual, punha, com efeito, no mundo as 
inteligências; tal com sua mãe, Fenareta, parteira, fazia dar 
à luz os corpos, assim também ele fazia nascer para si 
mesmos, na sua verdade, os espíritos. A maiêutica designa 
a arte de fazer dar à luz os espíritos, arte pela qual 
Sócrates conduzia seus interlocutores a descobrirem-se a 
si mesmos, a tomarem consciência de suas riquezas 
implícitas. Assim, no diálogo Menon, o pequeno escravo 
ignorante descobre, ele mesmo, pelas virtudes de sua 
própria inteligência, como construir um quadrado duplo a 
partir de um quadrado dado. Se cada um de nós pode, 
assim, pelo diálogo e pela maiêutica, nascer para si 
mesmo e reaprender verdades (escondidas), não seria 
porque se lembra então de uma verdade outrora 
contemplada? Tal é a doutrina da reminiscência: 
contemplamos, durante nossas existências anteriores, as 
Ideias, que constituem, desde então, apenas lembranças. 
Aprender é rememorar a verdade percebida outrora. Todo 
o exercício filosófico visa a dominar e organizar esse 
conteúdo secreto, escondido, fruto de uma longínqua 
contemplação. 
 
MORAL E POLÍTICA 
 
Mas a resposta dada ao problema especulativo, a 
constituição de uma dialética, apoiando-se na 
reminiscência, permite também a Platão resolver o 
problema moral e político. 
Os sofistas, esses mestres de retórica e eloquência, 
criticados por Platão, que via neles simples produtores de 
mentiras, falsos prestígios e ilusões – sendo definida a 
sofística por esse pensador como negócio e tráfico do 
discurso –, solaparam a crença num Absoluto que permitia 
à moral edificar-se; a verdade, pensavam, nada mais é do 
que a subjetividade. Sua doutrina relativista conduzia, 
frequentemente, a um puro imoralismo. Muito pelo 
contrário, com Platão, a moral torna-se outra vez possível, 
quando o filósofo, depois de contemplar as Ideias, desce 
novamente à “caverna” – a famosa Alegoria da Caverna 
designa, com efeito, esse relato pelo qual Platão pinta 
nossa condição: os homens são semelhantes a prisioneiros 
que tomam as sombras projetadas diante deles na parede 
da caverna pela verdade; o prisioneiro que se desliga e 
sobe para fora simboliza o filósofo que acede as Essências 
–, ele está, doravante, em condição de edificar uma moral 
e uma política. 
 
ALEGORIA DA CAVERNA 
 
Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a 
infância, geração após geração, seres humanos estão 
aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão 
algemados de tal modo que são forçados a permanecer 
sempre no mesmo lugar e olhar apenas para frente, não 
podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. 
A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali 
penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, 
enxergar o que se passa no interior. 
A luz que ali entra provém de uma imensa e alta 
fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros – no exterior, 
portanto – há um caminho ascendente ao longo do qual foi 
erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um 
palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, 
homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras 
de seres humanos, animais e todas as coisas. 
Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por 
ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da 
caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem 
poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que astransportam. Como jamais viram outra coisa, os 
prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as 
próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são 
sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de 
coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da 
caverna. 
Que aconteceria indaga Platão, se alguém libertasse os 
prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em 
primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros 
seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. 
Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a 
caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando 
com o caminho ascendente, nele adentraria. 
Num primeiro momento, ficaria completamente cego, 
pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria 
inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se 
com a claridade, veria os homens que transportam as 
estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as 
próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, 
não vira senão sombras de imagens (as sombras das 
estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente 
agora está contemplando a própria realidade. 
Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro 
regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, 
contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. 
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais 
prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas 
palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas 
caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo 
assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a 
sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, 
quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
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dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à 
realidade. 
O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são 
as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais 
que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai 
da caverna? O filosofo. O que é a luz exterior do sol? A 
luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das 
ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o 
instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja 
libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão 
do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os 
prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo? 
Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e 
o único verdadeiro. 
 
O REI-FILÓSOFO CONHECE A JUSTIÇA 
 
Para o filósofo grego Platão, cada indivíduo possui três 
almas ou três princípios que o compõem: a alma 
desejante, que busca a satisfação dos instintos e impulsos; 
a alma irascível, que é o seu princípio de defesa; e a alma 
racional, que busca o conhecimento. Através da educação, 
o indivíduo deve alcançar um equilíbrio entre essas três 
partes, mas um equilíbrio hierárquico, pois a alma racional 
deve preponderar. 
Platão transportou esse pensamento para a cidade. A 
cidade seria dividida também em três partes ou classes 
sociais: a classe que fornece a produção material da 
riqueza (que corresponderia à alma desejante), a classe 
que garante a defesa da cidade (que corresponderia a alma 
irascível) e a classe que governa a cidade (que 
corresponderia à alma racional). A justiça na cidade 
dependeria do equilíbrio entre essas três classes, ou seja, 
de que cada uma delas cumpra a sua função, uma vez que 
se trata de um aspecto necessário à vida da cidade. A 
cidade é como um corpo no qual: 
 
Tendo posto de acordo seus três elementos, 
exatamente como os três termos de uma harmonia, o da 
corda grave, o da alta e o da intermédia, e qualquer 
outro que possa haver entre esses – depois de enlaçar 
tudo isso, e de construir com essa variedade a sua 
própria unidade, então é que, bem afinado e temperado, 
passa a agir (...) e em tudo isso julga e denomina justa e 
boa à ação que conserve e corrobore esse estado. 
PLATÃO. A República, p. 120 
 
Da mesma forma que a alma racional no indivíduo, a 
esfera preponderante na cidade deve ser a dos 
governantes. Mas quem deve ser o governante? 
Platão propõe em seu livro A república um modelo de 
educação que possibilite a todos igual acesso à educação, 
independentemente da classe social a que pertença cada 
indivíduo por nascimento. Em sua formação, as crianças 
iriam passando por processos de seleção, ao longo dos 
quais seriam destinadas a uma das três classes que formam 
a cidade. Os mais aptos continuariam seus estudos até o 
ponto mais alto desse processo – a filosofia – a fim de se 
tornarem sábios e, assim, se habilitarem a administrar a 
cidade. 
Essa concepção política de Platão é aristocrática, porque 
supõe uma massa de pessoas incapazes de dirigir a cidade 
e apenas uma pequena parcela de sábios, que estariam 
aptos para exercer o poder político. Aristocracia (palavra 
de origem grega composta de aristoi, “melhores”, e 
cracia, “poder”) é a forma de governo em que o poder é 
exercido pelos “melhores”, que, na proposta de Platão, 
seriam uma elite que se distinguiria pelo saber. Assim, a 
aristocracia de Platão não está baseada no poder 
econômico, pois se trata de uma “aristocracia de espírito”. 
Isso significa que Platão não acreditava na democracia, 
e a justificativa para essa sua posição pode ser encontrada 
na alegoria ou mito da caverna. Para Platão, o filósofo é 
aquele que, saindo do mundo das trevas, da ilusão, alcança 
a verdade, o mundo das ideias. No entanto, ele deveria 
voltar para dirigir seus companheiros que não alcançaram 
esse ponto. Por isso Platão criou a ideia do rei-filósofo: 
aquela pessoa que, pela contemplação das ideias, 
conheceu a essência da justiça deve governar a cidade. 
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora 
Saraiva, 2002. pp. 295-297) 
 
Desta perspectiva, a virtude designa uma participação 
nas Essências e no verdadeiro conhecimento, uma ciência 
do Bem e do Mal inseparável da dialética. Em Platão e de 
uma maneira geral em todo pensamento helênico, virtude 
e moral são, com efeito, da ordem do saber. Ninguém é 
mau voluntariamente. 
Eis esta filosofia que muito marcou a reflexão ocidental, 
tanto pela análise do Amor e do desejo quanto pela da 
dialética especulativa. Platão, morto há mais de vinte e 
quatro séculos, desenhou os caminhos que continuam a 
fascinar toda a nossa civilização e nossa cultura. Nessa 
via, ele leva-nos da opinião – esse tipo de conhecimento 
inferior, faculdade intermediária que apreende as coisas 
que flutuam entre o nada e o ser absoluto – até a ciência, 
conhecimento racional que permite atingir a essência da 
verdade. Itinerário que nos persegue ainda, em nosso 
tempo, e a que se referem muitos pensadores e cientistas 
contemporâneos. 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Segundo Platão, através da dialética - movimento e/ou 
itinerário, ascese progressiva para o verdadeiro, longe das 
ilusões e crenças de ordem puramente sensível ou imaginativa -
, o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião 
(doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência 
(episteme). 
• Aos olhos de Platão, o mundo sensível subordina-se às 
Essências ou Ideias, formas inteligíveis, modelos de todas as 
coisas, que salvam os fenômenos e lhes dão sentido. 
• A doutrina da reminiscência afirma que contemplamos, 
durante nossas existências anteriores, as Ideias, que 
constituem, desde então, apenas lembranças. Aprender é 
rememorar a verdade percebida outrora. 
• Através da Alegoria da Caverna Platão pinta nossa 
condição: os homens são semelhantes a prisioneiros que 
tomam as sombras projetadas diante deles na parede da 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
17 
caverna pela verdade; o prisioneiro que se desliga e sobe para 
fora simboliza o filósofo que acede as Essências –, ele está, 
doravante, em condição de edificar uma moral e uma política. 
• A cidade seria dividida emtrês partes ou classes sociais: 
a classe que fornece a produção material da riqueza (que 
corresponderia à alma desejante), a classe que garante a 
defesa da cidade (que corresponderia a alma irascível) e a 
classe que governa a cidade (que corresponderia à alma 
racional). 
• A justiça na cidade dependeria do equilíbrio entre essas 
três classes, ou seja, de que cada uma delas cumpra a sua 
função. 
• Essa concepção política de Platão é aristocrática, porque 
supõe uma massa de pessoas incapazes de dirigir a cidade e 
apenas uma pequena parcela de sábios, que estariam aptos 
para exercer o poder político. 
 
 
 UNIDADE 6 
 
ARISTÓTELES 
 
Filósofo grego, inicialmente aluno de Platão, será, na 
sequencia, o discípulo infiel do mestre, criticando, em sua 
obra, alguns de seus temas (como a teoria das Ideias). 
Aristóteles apresenta uma verdadeira enciclopédia de 
todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos 
em todos os ramos do pensamento e da prática 
considerando essa totalidade de saberes como sendo a 
Filosofia. Esta, portanto, não é um saber específico sobre 
algum assunto, mas uma forma de conhecer todas as 
coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada 
campo de coisas que conhece. 
 
 
Aristóteles (384-322 a.C.) 
 
Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade 
dos conhecimentos e práticas humanas, ela também 
estabelece uma diferença entre esses conhecimentos, 
distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples e 
inferiores aos mais complexos e superiores. Essa 
classificação e distribuição dos conhecimentos fixaram, 
para o pensamento ocidental, os campos de investigação 
da Filosofia como totalidade do saber humano. 
Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu 
objeto específico, procedimentos específicos para sua 
aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e 
prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência 
(ciência, em grego, é episteme). 
Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento 
constituir seu objeto e seu campo próprios, seus 
procedimentos próprios de aquisição e exposição, de 
demonstração e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis 
gerais que governam o pensamento, independentemente 
do conteúdo que possa vir a ter. 
O estudo das formas gerais do pensamento, sem 
preocupação com seu conteúdo, chamasse lógica, e 
Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do 
conhecimento em qualquer campo do saber. 
A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a 
ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por 
Aristóteles a lógica não aparece, embora ela seja 
indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha-se 
tornado um dos ramos específicos dela. 
 
OS CAMPOS DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO 
 
Vejamos, pois, a classificação aristotélica: 
 Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas 
produtivas ou as técnicas, isto é, as ações humanas cuja 
finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade 
é a produção de um objeto, de uma obra. São elas: 
arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa), 
economia (cujo fim é a produção agrícola, o artesanato e o 
comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e para o 
acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a 
saúde ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro, 
oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em 
suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas 
que resultam num produto ou numa obra. 
 Ciências práticas: ciências que estudam as práticas 
humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu 
próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela 
mesma, é o próprio ato realizado. São elas: ética, em que a 
ação é realizada pela vontade guiada pela razão para 
alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes 
morais (coragem, clemência, prudência, amizade, justiça, 
modéstia, honradez, temperança, etc.); e política, em que a 
ação é realizada pela vontade guiada pela razão para ter 
como fim o bem da comunidade ou o bem comum. 
Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, 
a política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade, 
sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida 
na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a 
vida boa e bela, a vida livre. 
 Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são 
aquelas que estudam coisas que existem 
independentemente dos homens e de suas ações e que, não 
tendo sido feitas pelos homens, só podem ser 
contempladas por eles. Theoria, em grego, significa 
contemplação da verdade. O que são as coisas que existem 
por si mesmas e em si mesmas, independentes de nossa 
ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e 
política? São as coisas da natureza e as coisas divinas. 
Aristóteles, aqui, classifica também por graus de 
superioridade as ciências teóricas, indo da mais inferior à 
superior: 
1. ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao 
devir: física, biologia, meteorologia, psicologia (pois a 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
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alma, que em grego se diz psychê, é um ser natural, 
existindo de formas variadas em todos os seres vivos, 
plantas, animais e homens); 
2. ciência das coisas naturais que não estão submetidas à 
mudança ou ao devir: as matemáticas e a astronomia (os 
gregos julgavam que os astros eram eternos e imutáveis); 
3. ciência da realidade pura, que não é nem natural 
mutável, nem natural imutável, nem resultado da ação 
humana, nem resultado da fabricação humana. Trata-se 
daquilo que deve haver em toda e qualquer realidade, seja 
ela natural, matemática, ética, política ou técnica, para ser 
realidade. É o que Aristóteles chama de ser ou substância 
de tudo o que existe. A ciência teórica que estuda o puro 
ser se chama metafísica; 
4. ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a 
finalidade de tudo o que existe na Natureza e no homem. 
As coisas divinas são chamadas de theion e, por isso, esta 
última ciência se chama teologia. 
A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais 
alto na metafísica e na teologia, de onde derivam todos os 
outros conhecimentos. 
 
A METAFÍSICA DE ARISTÓTELES COMO 
CONCEPÇÃO DE REALIDADE 
 
Esse novo ponto de partida consistirá, para Aristóteles, 
em uma concepção de realidade segundo a qual o que 
existe é a substância individual, que podemos considerar 
aqui como o indivíduo material concreto (synolon). Este 
seria o constituinte último da realidade, o que evitaria o 
dualismo, a realidade sendo composta de um conjunto de 
indivíduos materiais concretos. 
Aristóteles afirma, entretanto, que os indivíduos são, por 
sua vez, compostos de matéria (hyle) e forma (eidos). A 
matéria é o princípio de individualização e a forma a 
maneira como, em cada indivíduo, a matéria se organiza 
(Metafísica Z e H, Física I, II). Assim, todos os indivíduos 
de uma mesma espécie teriam a mesma forma, mas 
difeririam do ponto de vista da matéria, já que se trata de 
indivíduos diferentes, ao menos numericamente. É como 
se, de certo modo, Aristóteles jogasse o dualismo 
platônico para dentro do indivíduo. Da substância 
individual. Matéria e forma são, entretanto, indissociáveis, 
constituindo uma unidade (o sentido literal de 
“indivíduo”): a matéria só existe na medida em que possui 
uma determinada forma, a forma por sua vez é sempre 
forma de um objeto material concreto. Não existem 
formas ou ideias puras como no mundo inteligível 
platônico. É o intelecto humano que, pela abstração, 
separa matéria de forma no processo de conhecimento da 
realidade, relacionando os objetos que possuem a mesma 
forma e fazendo abstração de sua matéria, de suas 
características particulares. Tipos gerais, gêneros e 
espécies (animal, mamífero, etc.) só existem como 
resultado deste processo de abstração a partir da forma de 
cada um desses objetos concretos.Assim, o cavalo não 
existe, o que existe é este cavalo, aquele cavalo etc. O 
cavalo, enquanto tipo geral, é apenas resultado desse 
processo de abstração que identifica e separa a forma do 
cavalo em cada cavalo individual. As formas ou ideias não 
existem em um mundo inteligível, independente do 
mundo dos objetos individuais. A ideia de homem é 
apenas uma natureza comum a todos os homens, não pode 
existir isoladamente. A ideia ou forma é um princípio de 
determinação que faz com que um indivíduo pertença a 
uma determinada espécie. Porém, apenas as substâncias 
existem; se não existissem indivíduos, nada existiria, nem 
gêneros, nem espécies. 
Podemos dizer que, de certo modo, tanto a teoria 
aristotélica do ser quanto a da causalidade visam resolver 
o impasse, até certo ponto ainda presente em Platão, entre 
o monismo de Parmênides e as teorias pré-socráticas do 
fluxo e do movimento, como o atomismo. Contra o 
monismo de Parmênides, Aristóteles defende a concepção 
de uma natureza plural, na medida em que composta de 
indivíduos; porém, isso não deve ser visto como 
problemático, desde que algumas distinções básicas sejam 
feitas acerca da noção de ser. Há, na verdade, segundo 
Aristóteles, uma confusão em torno dos vários sentidos e 
usos do verbo “ser” em grego (einai). As coisas existem 
de diferentes maneiras, ou seja, o modo de existência da 
substância individual é diferente das qualidades, 
quantidades, e relações, já que estas dependem das 
substâncias. Aristóteles desenvolve tais distinções em seu 
Tratado das categorias. A mudança só é considerada 
contraditória pelos monistas porque ela envolve o 
problema da identidade, é interpretada como equivalendo 
a dizer que o ser é e não é. Contudo, o verbo “ser” nem 
sempre expressa identidade, podendo ter um uso 
atributivo ou predicativo, designando uma característica 
do objeto. P.ex.: “Sócrates é sábio” (uso predicativo), o 
que consiste em um uso diferente de “Sócrates é [ou 
existe]” (uso existencial, meramente afirma a existência), 
é “Sócrates é Sócrates” (afirmação da identidade – tudo 
objeto é igual a si mesmo –, mas que não acrescenta nada 
ao conhecimento de Sócrates. 
Na Metafísica encontramos ainda três distinções 
adicionais a esse respeito que resultam da elaboração da 
teoria aristotélica do ser: essência e acidente (livro E); 2) 
necessidade e contingência (livro Z e H) ato e potência 
(livro O). 
1. Essência e acidente. Dentre as características da 
substância individual, a essência (o termo ousia aí em 
sentido estrito) é aquilo que faz com que a coisa seja o que 
é, a unidade que serve de suporte aos predicados, o 
hypokeimenon, literalmente “aquilo que subjaz”, o sujeito 
ou substrato dos predicados (daí a origem do verbo 
substare, donde substantia, termo pelo qual os latinos 
traduziram a ousia aristotélica). Os acidentes são as 
características mutáveis e variáveis da coisa, que explicam 
portanto a mudança, sem que isso afete sua natureza 
essencial, que é estável. P.ex., a distinção entre “Sócrates 
é um ser humano”, o que designa sua essência, e “Sócrates 
é calvo”, o que descreve uma característica acidental: 
Sócrates não foi sempre calvo. 
2. Necessidade e contingência. É correlata à distinção 
entre essência e acidente. As características essenciais são 
necessárias, ou seja, a coisa não pode deixar de tê-las, 
caso contrário deixaria de ser o que é, ao passo que as 
contingentes são variáveis e mutáveis. No exemplo acima, 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
19 
Sócrates é necessariamente um ser humano e apenas 
contingentemente calvo. 
3. Ato e potência. Essa distinção também permite 
explicar a mudança e a transformação. Uma coisa pode ser 
una e múltipla. A semente é, em ato, semente, mas contém 
em potência a árvore. A árvore é árvore em ato, mas em 
potência pode ser lenha. 
 
TEORIA DAS QUATRO CAUSAS 
 
A mesma estratégia argumentativa é usada por 
Aristóteles a propósito da noção de causa (aitia) e do 
problema da causalidade ao introduzir sua Teoria das 
Quatro Causas (Física II, 3, 194b16), mostrando que os 
filósofos anteriores, por não terem feito essa distinção, 
acabaram cometendo equívocos. Distingue assim quatro 
sentidos ou dimensões de causalidade: 
1. Causa formal. Trata-se da forma ou modelo que faz 
com que a coisa seja o que é. É a resposta à questão: o que 
é x? 
2. Causa material. É o elemento constituinte da coisa, a 
matéria de que é feita. Responde à questão: de que é feito 
x? 
3. Causa eficiente. Consiste na fonte primária da mudança, 
o agente da transformação da coisa. Responde à questão: 
por que x é x?, ou o que fez com que x viesse a ser x? 
4. Causa final. Trata-se do objetivo, propósito, finalidade 
da coisa. Responde à questão: para que x? A visão 
aristotélica é fortemente teleológica (do grego telos, 
finalidade), isto é, supõe que tudo na realidade possui uma 
finalidade. A natureza apresenta uma regularidade, uma 
ordem, e isso não pode ser obra do acaso: deve existir um 
propósito. 
Para esclarecer consideremos o exemplo dado pelo 
próprio Aristóteles. Curiosamente, já que ele parecia 
restringir-se a objetos naturais, o da estátua de uma deusa. 
A causa formal é o modelo que serve para dar forma à 
estátua. A causa material é a matéria de que é feita a 
estátua, p.ex., o bronze ou o mármore. Assim, uma 
determinada quantidade de matéria recebe a forma de uma 
estátua. Podemos ter a mesma forma, a estátua, e 
diferentes matérias, bronze, gesso, mármore etc., assim 
como a mesma matéria pode se encontrar em diferentes 
formas, o mármore na estátua, na pedreira, numa coluna 
etc. A causa eficiente é o que faz com que aquela matéria 
adquira uma determinada forma, em nosso exemplo o 
escultor com suas ferramentas, que dá ao mármore a 
forma da estátua. A causa final caracteriza o objetivo ou 
propósito da estatua: o culto, a decoração, uma 
homenagem etc. 
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-
socráticos a Wittgenstein. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 71-74) 
 
A LÓGICA 
 
Lógica: esse termo é desconhecido de Aristóteles, que, 
todavia, é o autor da primeira doutrina lógica sistemática, 
a disciplina que determina, para as operações do espírito, 
as que são válidas e as que não o são. 
Lógica significa, simplesmente, a arte e o método do 
pensamento correto. E a logia ou método de toda ciência, 
de toda disciplina e de todas as artes; e até a música a 
contém. É uma ciência porque, numa proporção 
muitíssimo elevada, os processos de pensamento correto 
podem ser reduzidos a regras como a física e a geometria, 
e ensinados a qualquer inteligência normal; é uma arte, 
porque, pela prática, dá ao pensamento, afinal, aquela 
precisão inconsciente e imediata que guia os dedos do 
pianista sobre seu instrumento para extrair harmonias sem 
esforço. Nada é tão enfadonho quanto a lógica, e nada tão 
importante. 
Havia vestígios dessa nova ciência na enfurecedora 
insistência de Sócrates com relação a definições, e no 
constante refinamento de cada conceito por parte de 
Platão. 
Aristóteles tem uma atitude saudável; ele é um realista 
quase que no sentido moderno; está decidido a se 
preocupar com o presente objetivo, enquanto Platão está 
absorvido em um futuro subjetivo. Havia, na procura 
socrático-platônica por definições, uma tendência a se 
afastar das coisas e dos fatos para as teorias e as ideias, 
dos particulares para as generalidades, da ciência para a 
escolástica; por fim, Platão se tornou tão dedicado às 
generalidades que elas começaram a determinar seus 
particulares, tão dedicado às ideias que elas começaram a 
definir ou selecionar seus fatos. Aristóteles prega um 
retorno às coisas e à realidade; ele tinha uma forte 
preferência pelo particular concreto, pelo indivíduo de 
carne e osso. Mas Platão amava tanto o geral e o 
universal, que em A República destruiu o indivíduo para 
formarum Estado perfeito. 
A mais característica e original das contribuições de 
Aristóteles para a filosofia – a doutrina do silogismo. Um 
silogismo é um trio de proposições das quais a terceira (a 
conclusão) segue-se da verdade admitida das outras duas 
(as premissas “maior” e “menor”). Por exemplo, o homem 
é um animal racional; mas Sócrates é homem; portanto, 
Sócrates é um animal racional. A estrutura do silogismo 
assemelha-se à proposição de que duas coisas iguais à 
mesma coisa são iguais entre si. Se A é B, e C é A, então C 
é B. Como no caso matemático, chega-se à conclusão 
cancelando das duas premissas o termo comum às duas, A; 
assim, no nosso silogismo chega-se à conclusão 
cancelando das duas premissas o seu termo comum 
“homem” e combinado o que restar. 
Parece que o silogismo não é tanto um mecanismo para 
a descoberta da verdade quanto para a clareza de 
exposição e de pensamento. 
 
A ÉTICA PARA ARISTÓTELES 
 
A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da 
noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada 
uma ética eudemonista por buscar o que é o bem agir em 
escala humana, o agir segundo a virtude. A felicidade é 
definida como uma certa atividade da alma que vai de 
acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa 
definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma 
virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
20 
estudo da natureza da virtude moral. Como a virtude 
moral é consistida por uma mediedade relativa a nós, 
analisaremos o conceito de mediania (mediedade ou justa-
medida) assim como aparece no livro II de Ética a 
Nicômaco. 
 
VIRTUDE MORAL E INTELECTUAL 
 
Aristóteles define a virtude moral como disposição – já 
que não podem ser nem faculdades nem paixões – para 
agir de forma deliberada e a disposição está de acordo 
com a reta razão. A virtude moral consiste em uma 
mediania relativa a nós. Após estabelecer a virtude moral 
como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o 
comportamento do homem com relação às emoções, há 
ainda a necessidade de que a diferença específica entre 
virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. 
Segundo o Estagirita, o que distingue as duas espécies 
de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida 
através do ensino, e assim, necessita de experiência e 
tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como 
resultado do hábito. O hábito determina nosso 
comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito 
que tomamos a justa-medida com relação a nós. Logo, a 
mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é 
relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz. 
Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por 
natureza porque o que é por natureza não pode ser 
alterado pelo hábito e “a natureza nos dá a capacidade de 
recebê-las [as virtudes], e tal capacidade se aperfeiçoa 
com o hábito” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II, 
1103 a 26). Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, 
ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que 
se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade 
de o homem ser bom, de ser virtuoso. Tornamo-nos justos 
ao praticarmos atos justos pois “toda a virtude é gerada e 
destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios” 
(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II, 1103b 5-6). Já 
que as virtudes morais são vistas como produto do hábito, 
consequentemente são tomadas como inatas. Ao 
considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma 
implicação de que o homem é causa de suas próprias 
ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a 
ação precede e prevalece sobre a disposição. Está na 
natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas 
pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar 
as virtudes morais e também diferencia-las das virtudes 
naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida 
preconiza que qualquer virtude é destruída pelos 
extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em 
excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude 
busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as 
emoções extremas. O meio-termo é experimentar as 
emoções certas no momento certo e em relação às pessoas 
certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a 
mediania, é a excelência moral. 
 
MEDIANIA OU MEIO-TERMO 
 
Ao propor a mediania como gênero de virtude moral, 
como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega 
clássica porque esta indicava a mediania como a regra de 
ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não 
silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a 
essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva 
moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às 
emoções e paixões. De acordo com Aristóteles, a posição 
de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos 
extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse 
viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica 
evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois 
“não é único e o mesmo para todos” (ARISTÓTELES, 
Ética a Nicômaco, II, 1106 a 34). 
A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meio-
termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações e 
paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-
termo. As ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo 
que determine sua tendência para a falta ou para o excesso. 
Por sua vez, a tendência à mediania expressa a virtude moral, 
expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O 
que nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de 
atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido 
e visa a mediania. Esta, por sua vez, é determinada por um 
princípio racional (LOPES, 2008). Pode-se notar que, para 
Aristóteles, a virtude é uma espécie de mediania já que visa o 
meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem 
relação com a escolha dos atos e das paixões. 
A justa-medida é determinada por um princípio racional 
próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, ao 
buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles 
define-a como mediania, ou ainda, “a mediedade é a 
quididade da virtude” (ZINGANO, 2008, p. 23). 
O Estagirita afirma que sua investigação acerca da 
virtude não é de cunho exclusivamente teórico, mas a 
investigação se dá com a finalidade de que os homens 
tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à 
Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto 
a função de fazer com que os homens se tornem bons. 
Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos 
fatos particulares. 
A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses 
vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a 
carência. Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a 
mediania tanto nas ações – embora algumas ações não 
permitem um meio-termo por seus próprios nomes já 
implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. 
Um dos extremos – entre os quais a mediania se localiza – 
é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar 
atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para 
ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado 
ao se analisar o prazer e o sofrimento acarretado pelo 
mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, deve-
se ir em direção oposta, ao outro extremo para que se 
chegue ao estado intermediário e, consequentemente, 
afastar-se do erro. 
Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser 
louvado, conclui Aristóteles ao fim do Livro II. Contudo, 
ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora da falta 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
21 
com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é 
correto e ao meio-termo. 
 (https://www.psicologiamsn.com/2012/10/a-etica-para-
aristoteles.html) 
 
 
MORAL E POLÍTICA 
 
A moral de Aristóteles, desenvolvida emparticular na 
Ética a Nicômaco, é essencialmente eudemonista, como 
são todas as morais da Antiguidade; vê na felicidade o fim 
da vida. Mas que designa a felicidade? Essencialmente, 
uma atividade da razão, atividade que consiste na 
contemplação; a vida contemplativa corresponde, com 
efeito, ao que há em nós de divino e permite compreender 
o Soberano Bem do homem, isto é, o Bem por excelência, 
bom unicamente em si mesmo. 
Nessa análise da felicidade, Aristóteles não poderia 
dissociar-se da política. Como todos os grandes 
pensadores, Aristóteles unifica a moral, estudo do que é 
bem e bom, e a política, ciência da Cidade. Como se 
poderia dissociá-las, uma vez que o homem é, 
fundamentalmente, um animal político, nascido para viver 
na Cidade? Analisando a organização da cidade, 
Aristóteles chega às diversas formas de governo e 
distingue três (na Política): chama monarquia o Estado em 
que o comando, dirigido para o interesse comum, pertence 
apenas a um; aristocracia, o Estado em que ele é confiado 
a mais de um; república, o Estado em que a multidão 
governa para a utilidade pública. A monarquia pode 
degenerar em tirania, a aristocracia em oligarquia e a 
república em democracia. 
O filósofo grego Aristóteles afirmava que o homem é 
por natureza um ser social, pois, para sobreviver, não pode 
ficar completamente isolado de seus semelhantes. 
Constituída por um impulso natural do homem, a 
sociedade deve ser organizada conforme essa natureza 
humana. O que deve guiar, então, a organização de uma 
sociedade? É a busca de um determinado bem, 
correspondente aos anseios dos homens que a 
organizaram. 
Para Aristóteles, a organização adequada à natureza do 
homem é a polis: “a cidade (pólis) encontra-se entre as 
realidades que existem naturalmente, e o homem é por 
natureza um animal político”. 
Aristóteles admitia que os homens não são naturalmente 
iguais, pois uns nascem para a escravidão e outros para o 
domínio. O pensamento aristotélico refletia, dessa 
maneira, a realidade social encontrada na Grécia Antiga. 
Em Atenas a sociedade estava dividida em três grandes 
grupos sociais: 
Os cidadãos – eram os homens maiores de 21 anos, 
nascidos de pai e de mãe atenienses. Somente eles 
possuíam direitos políticos de participar da democracia. O 
número de cidadãos variou conforme a época. Alguns 
historiadores calculam que representou, em média, cerca 
de 1/10 da população total. As mulheres não faziam parte 
do grupo dos cidadãos. 
Os metecos – eram os estrangeiros que habitavam 
Atenas. Não tinham direitos políticos e estavam proibidos 
de adquirir terra, mas podiam dedicar-se ao comércio e ao 
artesanato. Em geral, pagavam impostos para viver na 
cidade e, em certas épocas, podiam ser convocados à 
prestação do serviço militar. 
Os escravos – formavam a grande maioria da população 
e eram considerados propriedade do seu senhor, embora 
houvesse leis que os protegessem contra maus-tratos. 
A pólis grega, portanto, é vista por Aristóteles como um 
fenômeno natural. Por isso, o homem verdadeiramente 
digno desse nome é um animal político, isto é, envolvido 
na vida da pólis. Assim Aristóteles toma um fenômeno 
social característico da Grécia como modelo natural de 
todo o gênero humano. 
Aristóteles também entende que a cidade tem 
precedência sobre cada um dos indivíduos, uma vez que 
cada indivíduo isoladamente não é auto-suficiente, 
enquanto a falta de um indivíduo não destrói a cidade. Por 
isso ele disse “o todo deve necessariamente ter 
precedência sobre as partes”. 
É por isso que, para Aristóteles, a política é uma 
continuidade da ética, ou melhor, a ética é entendida como 
uma parte da política. A ética se dirige ao bem individual 
enquanto a política se dirige ao bem comum. 
Aristóteles, da lógica à política, trouxe-nos a visão das 
estruturas que, ainda hoje, dão forma a nossa existência. A 
figura do Sábio destaca-se plenamente em sua obra; 
designa quem possui o conhecimento de todas as coisas; 
belo ideal sobre o qual ainda hoje podemos meditar. 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Segundo Aristóteles, não existem formas ou ideias puras 
como no mundo inteligível platônico. É o intelecto humano que, 
pela abstração, separa matéria de forma no processo de 
conhecimento da realidade, relacionando os objetos que 
possuem a mesma forma e fazendo abstração de sua matéria, 
de suas características particulares. 
• Partindo da realidade sensorial ou empírica, a ciência 
deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. A partir da 
existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de 
um processo de conhecimento que caminharia do individual e 
específico para o universal e genérico. 
• Para tentar resolver a contradição entre o caráter estático 
e permanente do ser em oposição ao movimento e à 
transitoriedade das coisas, ele propôs que em todo ser 
podemos distinguir categorias como essência e acidente, 
necessidade e contingência e por último ato e potência. 
• Lógica é um termo desconhecido para Aristóteles, que, 
todavia, é o autor da primeira doutrina lógica sistemática (teoria 
do silogismo), a disciplina que determina, para as operações do 
espírito, as que são válidas e as que não o são. 
• Um silogismo é um trio de proposições das quais a 
terceira (a conclusão) segue-se da verdade admitida das outras 
duas (as premissas “maior” e “menor”). 
• Aristóteles define a virtude moral como disposição para 
agir de forma deliberada e a disposição está de acordo com a 
reta razão. 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
22 
• A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e 
assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é 
adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. 
• O hábito determina nosso comportamento como bom ou 
ruim. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser 
bom, de ser virtuoso. 
• A ideia de justa-medida preconiza que a virtude é um 
meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o 
excesso e o outro vício envolve a carência. 
• O meio-termo é experimentar as emoções certas no 
momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, 
de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral. 
• A moral de Aristóteles, desenvolvida em particular na 
Ética a Nicômaco, é essencialmente eudemonista, como são 
todas as morais da Antiguidade; vê na felicidade o fim da vida. 
• Aristóteles unifica a moral, estudo do que é bem e bom, e 
a política, ciência da Cidade. A pólis grega é vista por 
Aristóteles como um fenômeno natural. Por isso, o homem 
verdadeiramente digno desse nome é um animal político, isto é, 
envolvido na vida da pólis. 
• Aristóteles entende que a cidade tem precedência sobre 
cada um dos indivíduos afirmando que “o todo deve 
necessariamente ter precedência sobre as partes”. Desse 
modo, a política é uma continuidade da ética, ou melhor, a ética 
é entendida como uma parte da política. A ética se dirige ao 
bem individual enquanto a política se dirige ao bem comum. 
 
 
 UNIDADE 7 
 
FILOSOFIA HELENÍSTICA 
 
 Depois da morte de Platão e de Aristóteles, os dois 
grandes nomes da Filosofia clássica grega e o advento do 
helenismo com Alexandre Magno, os novos filósofos 
mudam consideravelmente o rumo das suas investigações 
e as novas escolas filosóficas buscam responder como 
orientar a vida para encontrar a verdadeira felicidade, 
numa forma de organização político social, na qual os 
interesses coletivos cedem lugar aos interesses privados, e 
o conceito de cidadão desaparece, dando origem ao 
conceito de individuo. As principais escolas filosóficas da 
época são: cinismo, epicurismo, estoicismo, ceticismo e 
ecletismo. 
 
CINISMO 
 
O Cinismo foi uma escola filosófica grega criada por 
Antístenes, seguidor de Sócrates, aproximadamente no 
ano 400 a.C., mas seu nome de maior destaque foi 
Diógenes de Sínope. Estes filósofos menosprezavam os 
pactossociais, defendiam o desprendimento dos bens 
materiais e a existência nômade que levavam. 
 
 
Diógenes de Sínope (400-325 a.C.) 
 
A origem dessa expressão é um tanto controvertida, pois 
alguns pesquisadores crêem que ela provém do Ginásio 
Cinosarge, espaço no qual Antístenes teria edificado sua 
Escola, enquanto outros afirmam que ela deriva da palavra 
grega kŷőn, kynós, que significa ‘cachorro’, alusão à vida 
destes animais, que seria igual à pregada pelos cínicos. 
Aliás, o símbolo deste grupo era justamente a imagem de 
um cão. De qualquer forma, porém, ela se origina do 
grego Kynismós, passando pelo latim cynismu, e assim 
chegando até nossos dias. Hoje, através de desvios de 
significado, este termo se refere àqueles desprovidos de 
vergonha e de qualquer sentimento de generosidade em 
relação à dor do outro. Mas não por acaso, pois os cínicos 
desejavam se desprender de todo tipo de preocupação, 
inclusive com o sofrimento alheio. 
Sócrates já expressava seu repúdio pelo excesso de bens 
materiais dos quais a Humanidade dependia para 
sobreviver. Ele tinha como alvo a verdadeira felicidade, 
para a qual nada disso era necessário, pois ela estava 
conectada aos estados da alma, não a objetos externos. 
Posteriormente os cínicos passaram a pregar justamente 
esta forma de viver, na prática diária. O nome de 
Diógenes, seu principal defensor, tornou-se praticamente 
sinônimo desta Escola. Segundo histórias antigas, ele 
encontrou-se com Antístenes assim que chegou a Atenas, 
mas este não queria a seu lado nenhum discípulo. 
Diógenes, porém, gradualmente convenceu-o do contrário. 
Diógenes radicalizou as propostas de Antístenes, e as 
exemplificou em sua própria vida, com severidade e 
persistência tais que sua forma de agir atravessou os 
séculos, impressionando os estudiosos da Filosofia. Ele 
ousou quebrar a visão clássica do grego, substituindo-a 
por uma imagem que logo se tornou modelar para a 
primeira etapa do Helenismo e mesmo para o período do 
Império. Ele procurava um homem que vivesse de acordo 
com seu eu essencial, sem se preocupar com nenhuma 
convenção social, em harmonia com sua verdadeira forma 
de ser – somente esta pessoa estaria apta a alcançar a 
felicidade. 
Para este filósofo, a existência submetida apenas à 
teoria, escrava das elaborações intelectuais, sem o 
exercício da prática, do exemplo e da ação, não tinha 
nenhum sentido. Assim, sua doutrina seguia na contramão 
da cultura, do saber racional, pois ele considerava as 
matemáticas, a física, a astronomia, a música e a 
metafísica – conhecimentos super valorizados na época – 
sem nenhuma utilidade para a jornada interior do Homem. 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
23 
Ele radicalizava quando afirmava que as pessoas 
deveriam buscar seus instintos mais primários, ou seja, 
seu lado animal, vivendo sem objetivos, sem nenhuma 
carência de residência ou de qualquer conforto material. 
Assim, elas encontrariam seu fim maior – as virtudes 
morais. A este estado de desprendimento ele chamava 
Autarcia ou Autarquia. Os cínicos, mais uma vez seguindo 
o estilo de Sócrates, não deixaram nenhum legado escrito. 
O que se conhece sobre esta Escola foi narrado por outras 
pessoas, geralmente de um ângulo crítico. 
(http://www.infoescola.com/filosofia/cinismo/) 
 
EPICURISMO 
 
Epicuro de Samos fundou sua escola na cidade de 
Atenas em 306. Ela se manteve por mais de seis séculos, e 
se propagou depois a Roma e Oriente. De seus escritos 
restaram somente alguns fragmentos: máximas capitais, 
Cartas e Sobre a Natureza. 
 
 
Epicuro (341-270 a.C) 
 
Ensina a seus discípulos a ataraxia (= 
imperturbabilidade); para consegui-la, é preciso viver às 
ocultas, fugindo de empreendimentos. Sua filosofia está 
fundamentada numa visão atomista e materialista da 
natureza e da alma humana. 
Para Epicuro, a filosofia tem a missão de libertar o 
homem das turbulências que o agitam. “Deves servir à 
filosofia só para alcançar a verdadeira liberdade”. O que 
perturba o ser humano são quatro erros, dos quais ele se 
liberta só quando os domina e reconhece que são somente 
opiniões. São eles: temor dos deuses, medo da morte, 
ânsia dos prazeres, tristeza pelas dores. A filosofia nos 
oferece os quatros remédios para desprendermo-nos 
desses erros, através de um verdadeiro conhecimento do 
mundo e uma verdadeira doutrina da natureza. 
Temor dos Deuses. Os deuses existem em sua 
divindade, em perfeita serenidade nos espaços 
intermundanos que os separam dos homens, alimentados 
pelos afluxos de átomos que equilibram o fluxo de 
átomos. Frente aos deuses o homem deve ter uma atitude 
de desinteresse, e não de culto servil de imploração e 
conjuros, alimentados pelo interesse e temor aos deuses. 
Temor da Morte. Epicuro considera o medo da morte 
um temor e sofrimento desnecessário, pois o nosso 
nascimento é apenas o resultado de um entrechoque de 
átomos que se combinam originando essa unidade 
psicossomática que somos nós. A morte é somente a 
desagregação corpórea (onde reside a nossa sensibilidade) 
dessa unidade psicossomática, de tal forma que não 
sentiremos mais nada quando isso acontecer. Noutras 
palavras, nunca nos encontraremos com a morte, pois, 
enquanto existimos, ela não existe para nós, e quando ela 
chega, nós é que não existimos mais para ela, pois 
perdemos a capacidade de sentir. 
Ânsia de prazeres. O verdadeiro critério de avaliação do 
bem e do mal é o prazer e a dor. Todos nós tendemos para 
o prazer, mas nem todo prazer nos conduz à felicidade; os 
prazeres sensuais só nos acarretam mais dor, pois a dor é 
proporcionada por nossas necessidades; portanto, não é 
este o caminho do verdadeiro prazer. Assim transmuta o 
prazer fugaz, pregado pelo hedonismo, em um prazer 
perene e permanente, que coincida com toda ausência de 
dor. 
Temor à dor. Como dissemos antes, o prazer fugaz só 
acentua mais ainda a dor e a infelicidade no homem. Mas 
esse não é o verdadeiro prazer. O prazer perfeito não é 
mais que o cessar de todo desejo e de necessidades, o que 
só se obtêm limitando as necessidades, único meio para 
conseguir a calma, a imperturbabilidade (ataraxia) e a 
ausência de toda dor (aponía), que o sábio deve perseguir. 
Mediante este domínio o homem é capaz de renunciar a 
um prazer que não é mais que fonte de dor, e transformar 
um mal que é fonte de prazer perene. Neste domínio o 
homem chega à contemplação da verdade. 
 
ESTOICISMO 
 
Zenão de Citio fundou a Escola do pórtico (stoá). 
Professa uma física panteísta (A Razão é a alma do 
mundo). Por conseguinte, a regra suprema é viver 
conforme a natureza e procurar a apatia ou insensibilidade 
frente a bens e males. Esta escola teve famosos discípulos 
latinos: Sêneca (4 - 65 d.C.), o preceptor de Nero, Epicteto 
(50-138 d.C.), escravo liberto, o imperador Marco Aurélio 
(121-180 d.C.). 
 
 
Zenão de Citio (336-263 a.C ) 
 
O homem, na filosofia estoica, é apenas um órgão desse 
imenso organismo chamado universo, um ser a mais 
dentre os seres da natureza, e sua alma é apenas uma 
centelha ou faísca da manifestação da alma divina ou 
Razão universal. Por isso, a sua liberdade consiste 
exatamente em compreender e conformar suas ações e 
vontade às leis da Razão universal, que é a razão perfeita. 
O estoico deve aceitar e seguir serenamente e com alegria 
interior a razão universal. Daí a máxima estoica “segue a 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
24 
natureza que é teu guia”. Epitecto, filósofo estoico, 
resume essa concepção de liberdade, afirmando: “Até hoje 
não houve coisa alguma que me trouxesse impedimento 
ou coação. Por quê? Porque sempre dispus minha vontade 
segundo a Vontade de Deus. Quer Deus que eu tenha 
febre? também eu quero”. Ou seja, o ideal de liberdade 
consiste em compreender essa inexorabilidade do universo 
regido segundo as leis do Logosou Razão universal e 
colocar-se em harmonia com ela, numa atitude de 
profunda resignação da vontade. 
Como a ética estoica defende a felicidade como fim que 
dá sentido à vida e ao agir humano, ela é considerada 
finalista e eudemonista. Porém, a vinculação da ética a 
uma cosmologia monista e materialista, dá ao homem e o 
seu ideal de felicidade uma compreensão, em muitos 
aspectos, diferente da aristotélica. Para os estoicos, a vida 
feliz consiste numa disposição da vontade para aceitar, 
com serenidade, as coisas como elas são. Isso não 
significa uma anulação da liberdade, pois além da heroica 
aceitação da natureza, a ética defende que o homem pode 
ser livre, basta saber distinguir quais coisas e 
acontecimentos independem de sua vontade e que, 
portanto, ele não tem poder sobre elas, por exemplo: sua 
saúde, morte, etc.. que devem ser tratadas como realidades 
indiferentes. Mas, pode decidir sobre suas paixões e seus 
juízos. As paixões são consideradas irracionais e nos 
afastam da vida segundo a razão, por isso, o homem sábio 
é aquele capaz de viver a apatheia - apatia, no sentido 
filosófico estoico -, isto é, a indiferença em relação às 
emoções e as paixões e, através dela, alcançar a ataraxia, 
ou seja, o ideal de serenidade ou imperturbabilidade da 
alma alcançada quando se domina ou elimina as paixões e 
emoções. 
 
CETICISMO 
 
“O termo cetiscismo vem do sképsis, que significa 
“investigação”, “procura ele quer indicar mais 
precisamente que a sabedoria não consiste no 
conhecimento da verdade, mas na sua procura. De fato, o 
ceticismo sustenta que o homem não pode conhecer a 
verdade, mas somente procurá-la. 
Conhecer a verdade compete a Deus; investigá-la, ao 
homem. Existem, pois, duas espécies de sabedoria: uma 
divina, e outra que consiste na investigação da verdade. 
Antes de Platão e Aristóteles, já se desenvolvera a 
Grécia uma orientação filosófica essencialmente cética, o 
famoso movimento dos sofistas. Ele se revigorou e se 
difundiu largamente durante o período do helenismo, 
principalmente depois que se tornou a doutrina oficial da 
escola de Platão, a Academia. 
Os principais expoentes do ceticismo são Pírron, 
Carnéades e Sexto Empírico. 
Pírron é considerado geralmente como fundador do 
movimento; viveu entre 360 e 270 a.C. depois de 
participar, como cavaleiro, da campanha de Alexandre 
Magno no Oriente, voltou para Elís, sua pátria, onde 
fundou uma escola de Filosofia. Ensinou uma forma de 
ceticismo radical. 
 
 
Pírron de Élida (365-275 a.C.) 
 
Partindo do princípio de que as coisas são inatingíveis 
ao conhecimento humano, Pírron conclui que para o 
homem a única atitude cabível é a suspensão (epoché) 
total do juízo; não se pode afirmar de coisa alguma que 
seja verdadeira ou falsa, justa ou injusta, e assim por 
diante. 
Essa suspensão do juízo leva a considerar todas as 
coisas como indiferentes ao homem e, consequentemente, 
anão dar preferência a uma coisa em relação à outra. 
De modo que a suspensão do juízo já é, por si mesma, 
uma ataraxia, ausência de qualquer perturbação e paixão. 
A felicidade consiste, portanto, na suspensão do juízo. 
As doutrinas de Pírron tiveram larga acolhida na 
Academia. Isto aconteceu quando os platônicos, 
persuadidos da validade das críticas de Aristóteles, 
abandonaram a teoria das Ideias. Tirada a base sobre a 
qual se apoiava a confiança de Platão no conhecimento 
humano, não restava aos platônicos outra saída senão 
refugiar-se no ceticismo. 
Para distinguir a escola platônica que permaneceu fiel 
aos ensinamentos do mestre de que, abandonando a teoria 
das idéias, aceitou a posição cética, a primeira foi 
chamada Velha Academia, e a segunda, Nova Academia. 
Os principais expoentes desta última são Carnéades e 
sexto Empírico. 
Carnéades (214-129 a.C.) tempera o ceticismo radical 
de Pírron, admitindo para o homem a possibilidade de 
conhecer o que é provável, apesar de não lhe reconhecer o 
poder de atingir a verdade. Para ele, o sábio é aquele que, 
embora sabendo que a verdade é inatingível, não desiste 
de procurá-la assiduamente. Na vida prática, o sábio segue 
o que lhe parece mais próximo da verdade e do bem, o que 
tem a seu favor mais razões para ser considerado como 
válido, mesmo que não se manifeste como absolutamente 
certo e indiscutível. 
Sexto empírico (século II d.C) dá ao ceticismo a 
exposição mais sistemática e rigorosa. Por vários motivos 
julga ele que o único sistema filosófico possível é o 
ceticismo. Os principais são os dois seguintes: a) o 
profundo desacordo entre os filósofos em relação a 
qualquer problema; b) os enganos dos sentidos: o 
conhecimento varia segundo as condições do sujeito 
(circunstâncias, saúde), segundo as condições do objeto 
(distancia, posição, ambiente, massas corpóreas) e 
segundo as relações (freqüência dos acontecimentos). 
Com Sexto Empírico o ceticismo fecha-se em uma 
posição fenomenística que faz mais do que anular a 
própria possibilidade do saber, porque limita o 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
25 
conhecimento aos fenômenos e às suas relações 
experimentáveis, eliminando toda indagação em torno das 
coisas transcendentes, inverificáveis. Toda indagação 
metafísica é considerada vã porque fundada no princípio 
de causalidade e no processo silogístico. Ora, Sexto 
empírico contesta, ao princípio de causalidade, sucessão 
de fatos concomitantes ou consecutivos. Quanto ao 
silogismo, ele o considera um exercício formalístico 
vazio, que encerra o pensamento num círculo-vicioso. 
Sexto Empírico não reconhece o valor da lógica apodítica 
de Aristóteles e se abandona à contigência dos 
acontecimentos.” (MONDIN, Battista, p.166-118) 
 (http://filosofiaprofrodrigues.blogspot.com.br/2010/09/as-escolas-
filosoficas-no-periodo-do.html) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• O cinismo prega principalmente desprezar os bens 
materiais, rejeitando as convenções sociais e os desejos 
artificiais para reconhecer como legítimas só as necessidades 
naturais. 
• O epicurismo propunha a ideia de que o ser humano deve 
buscar o prazer duradouro da vida. O verdadeiro prazer está na 
ausência da dor (aponia) e na falta de perturbação da mente 
(ataraxia). 
• O estoicismo acreditava afirmava que devemos nos 
preocupar em levar uma vida virtuosa neste mundo, no tempo 
presente em que vivemos e que perante a nossa impotência 
com relação às adversidades da vida, devemos adotar uma 
postura resignada diante da morte e das tragédias pessoais. 
• O ceticismo considerava que diante de dois argumentos 
contrários e ambivalentes, o melhor é suspender o juízo e 
desistir em afirmarmos a verdade ou falsidade de uma ou outra 
das teses. Portanto, e de modo mais geral, devemos abandonar 
a pretensão filosófica de procurar a verdade e aceitarmos os 
costumes e as práticas presentes em nosso mundo cotidiano. 
 
Exercícios 
 
1. (ENEM 2012) Para Platão, o que havia de verdadeiro 
em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um 
objeto de razão e não de sensação, e era preciso 
estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto 
sensível ou material que privilegiasse o primeiro em 
detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a 
Doutrina das Ideias formava-se em sua mente. 
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: 
Odysseus, 2012 (adaptado) 
 
O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um 
aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 
a.C.-346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se 
situa diante dessa relação? 
a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as 
duas. 
b) Privilegiando os sentidos e subordinando o 
conhecimento a eles. 
c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e 
sensação são inseparáveis. 
d) Afirmando que a razão é capaz de gerar 
conhecimento, mas a sensação não. 
e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a 
sensação é superior à razão. 
 
2. (ENEM 2014)SANZIO, R. Detalhe do afresco A Escola de Atenas. Disponível em: 
http://fil.cfh.ufsc.br. Acesso em: 20 mar. 2013. 
 
No centro da imagem, o filósofo Platão e retratado 
apontando para o alto. Esse gesto significa que o 
conhecimento se encontra em uma instância na qual o 
homem descobre a 
a) suspensão do juízo como reveladora da verdade. 
b) realidade inteligível por meio do método dialético. 
c) salvação da condição mortal pelo poder de Deus. 
d) essência das coisas sensíveis no intelecto divino. 
e) ordem intrínseca ao mundo por meio da sensibilidade. 
 
3. (ENEM 2013) A felicidade é, portanto, a melhor, a 
mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses 
atributos não devem estar separados como na inscrição 
existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é a mais 
justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que 
amamos”. Todos estes atributos estão presentes nas mais 
excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a 
identificamos como felicidade. 
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo. Cia das Letras. 2010. 
 
Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes 
atributos, Aristóteles a identifica como: 
a) busca por bens materiais e títulos de nobreza. 
b) plenitude espiritual e ascese pessoal. 
c) finalidade das ações e condutas humanas. 
d) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas. 
e) expressão do sucesso individual e reconhecimento 
público. 
 
4. (ENEM 2014) 
 
TEXTO I 
 
Olhamos o homem alheio às atividades públicas não 
como alguém que cuida apenas de seus próprios 
interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, 
decidimos as questões públicas por nós mesmos na crença 
de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim no 
fato de não estar esclarecido pelo debate antes de chegar a 
hora da ação. 
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: UnB, 1987 
(adaptado) 
 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
26 
 
TEXTO II 
 
Um cidadão integral pode ser definido por nada mais 
nada menos que pelo direito de administrar justiça e 
exercer funções públicas; algumas destas, todavia, são 
limitadas quanto ao tempo de exercício, de tal modo que 
não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela 
mesma pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos 
intervalos de tempo prefixados. 
ARISTÓTELES. Política. Brasília: UnB, 1985. 
 
Comparando os textos I e II, tanto para Tucídides (no 
século V a.C.) quanto para Aristóteles (no século IV a.C.), 
a cidadania era definida pelo(a) 
a) prestígio social. 
b) acúmulo de riqueza. 
c) participação política. 
d) local de nascimento 
e) grupo de parentesco. 
 
5. (ENEM 2009) Segundo Aristóteles, “na cidade com o 
melhor conjunto de normas e naquela dotada de homens 
absolutamente justos, os cidadãos não devem viver uma 
vida de trabalho trivial ou de negócios — esses tipos de 
vida são desprezíveis e incompatíveis com as qualidades 
morais —, tampouco devem ser agricultores os aspirantes 
à cidadania, pois o lazer é indispensável ao 
desenvolvimento das qualidades morais e à prática das 
atividades políticas”. 
VAN ACKER, T. Grécia. A vida cotidiana na cidade-Estado. São Paulo: 
Atual, 1994. 
 
O trecho, retirado da obra Política, de Aristóteles, permite 
compreender que a cidadania: 
a) possui uma dimensão histórica que deve ser criticada, 
pois é condenável que os políticos de qualquer época 
fiquem entregues à ociosidade, enquanto o resto dos 
cidadãos tem de trabalhar. 
b) era entendida como uma dignidade própria dos 
grupos sociais superiores, fruto de uma concepção 
política profundamente hierarquizada da sociedade. 
c) estava vinculada, na Grécia Antiga, a uma percepção 
política democrática, que levava todos os habitantes 
da pólis a participarem da vida cívica. 
d) tinha profundas conexões com a justiça, razão pela 
qual o tempo livre dos cidadãos deveria ser dedicado 
às atividades vinculadas aos tribunais. 
e) vivida pelos atenienses era, de fato, restrita àqueles 
que se dedicavam à política e que tinham tempo para 
resolver os problemas da cidade. 
 
6. (ENEM 2014) Alguns dos desejos são naturais e 
necessários; outros, naturais e não necessários; outros, 
nem naturais nem necessários, mas nascidos de vã 
opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não 
satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode 
ser facilmente desfeito, quando é difícil obter sua 
satisfação ou parecem geradores de dano. 
EPICURO DE SAMOS. Doutrinas principais. In: SANSON, V. F. 
Textos de filosofia. Rio de Janeiro: Eduff, 1974. 
 
No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem 
como fim 
a) alcançar o prazer moderado e a felicidade. 
b) valorizar os deveres e as obrigações sociais. 
c) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com 
resignação. 
d) refletir sobre os valores e as normas dadas pela 
divindade. 
e) defender a indiferença e a impossibilidade de se 
atingir o saber. 
 
GABARITO 
 
1 2 3 4 5 6 
D B C C B A 
 
 
 
 UNIDADE 8 
 
FILOSOFIA PATRISTICA 
 
Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho 
de São João e termina no século VIII, quando teve início a 
Filosofia medieval. 
A patrística resultou do esforço feito pelos dois 
apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros 
Padres da Igreja para conciliar a nova religião – o 
Cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e 
romanos, pois somente com tal conciliação seria possível 
convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. 
A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa 
da evangelização a à defesa da religião cristã contra os 
ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. 
A patrística foi obrigada a introduzir ideias 
desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a ideia de 
criação do mundo, de pecado original, de Deus como 
Trindade uma, de encarnação e morte de Deus, de juízo 
final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. 
precisou também explicar como o mal pode existir no 
mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é pura 
perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo 
Agostinho e Boécio, a ideia de “homem interior”, isto é, 
da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o 
homem se torna responsável pela existência do mal no 
mundo. 
Para impor as ideias cristãs, os Padres da Igreja as 
transformaram em verdades reveladas por Deus (através 
da Bíblia e dos Santos) que, por serem decretos divinos, 
seriam dogmas, isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com 
isso, surge uma distinção, desconhecida pelos antigos, 
entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou 
humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades 
naturais, as primeiras introduzindo a noção de 
conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao 
simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
27 
tema de toda a Filosofia patrística é o da possibilidade ou 
impossibilidade de conciliar razão e fé. 
 
SANTO AGOSTINHO 
 
Nascido em Tagasta, na Numídia (atual Argélia), sua 
vida divide-se em dois períodos: o período de sua 
formação, ocorrido antes da conversão, e o período de sua 
conversão ao cristianismo e da produção de suas obras 
filosóficas. 
Após educar-se em colégios pagãos, não obstante o 
fervor cristão de Santa Mônica, sua mãe, Agostinho vai a 
Cartago, onde se envolve em aventuras juvenis e tem um 
filho. Ingressa em uma seita maniqueísta e torna-se 
professor de retórica em Tagasta e, depois, em Cartago. 
Depois de passar, como professor, por Roma e Milão, e 
de sofrer desilusões espirituais com o maniqueísmo, 
converte-se ao cristianismo católico, aceitando a verdade 
divinamente revelada e a sabedoria da Igreja. Mas essa 
conversão não o satisfaz por completo: há uma lacuna 
filosófica que somente será preenchida com a descoberta 
de Platão, por meio de filósofos neoplatônicos, como 
Plotino, Porfírio,Jâmblico e Apuleio. Realiza, então, uma 
síntese do pensamento platônico com o pensamento 
cristão, que reinará absoluta nas concepções católicas por 
quase mil anos. 
Em 386 ouve o “chamado de Deus”, deixa-se batizar, 
vende seu patrimônio e volta ao norte da África, onde abre 
um mosteiro a fim de aprofundar suas especulações e 
entregar-se, por inteiro, à fé. Torna-se padre, em 391, e 
bispo, em 395. 
 
Santo Agostinho (354-430) 
 
Segundo Agostinho, Deus é a causa perfeita, explicativa 
de todo o ser em suas diversas naturezas e ações. Suas 
demonstrações levam à existência divina e a suas 
características básicas, como unidade, imutabilidade e 
eternidade. 
Um dos problemas que atormenta Agostinho é o da 
existência do mal. Como justificar que Deus, a suprema 
bondade e perfeição, tenha criado o mal? A justificativa 
agostiniana é bastante interessante: não existiria o mal em 
si, que nunca fora criado propriamente. 
Quando Deus cria algo, esse novo ser passa a ter 
existência autônoma em relação a Ele, afastando-se de Sua 
perfeição. Se Deus criasse coisas que compartilhem, na 
plenitude, de sua perfeição, então criaria novos deuses, o 
que, em termos lógicos, seria impossível, posto Deus ser 
único. Assim, toda a obra de Deus padece de um grau de 
imperfeição. 
Ora, Agostinho reinterpreta o mal, não como criação em 
si, mas como ausência de plenitude da bondade. Deus é a 
bondade plena; as coisas criadas, afastam-se dessa 
plenitude, tornando-se imperfeitas em bondade e, logo, 
adquirindo a “maldade”. 
Com essa explicação, Agostinho refuta a tese, também, 
de que Deus teria dado ao ser humano a opção de escolher 
entre o “bem” e o “mal”, como coisas equivalentes. 
Afirma duvidar que fosse desígnio divino dotar as pessoas 
da capacidade plena de fazer coisas ruins, disseminando, 
assim, a maldade. 
Na verdade, os seres humanos estariam no nível mais 
distante da criação divina, situando-se entre os seres que 
padecem do maior grau de imperfeição. Com isso, 
tornam-se incapazes de agir de modo plenamente correto 
ou de fazer o bem movidos pela razão. Dada a imperfeição 
humana, torna-se suscetível de praticar o mal. 
O pensamento agostiniano desvaloriza, de modo 
excessivo, o ser humano e sua razão. Visto como um ser 
imperfeito, a salvação independe de seus atos racionais. 
Deus escolhe previamente aqueles que vai salvar, no 
instante da criação, pois é onisciente, e sabe quais os 
caminhos que serão seguidos por cada ser humano. Mas, 
da perspectiva de cada um, a salvação é obtida no 
cotidiano. Então, as pessoas devem manifestar fé em seus 
atos, demonstrando, em vida, que estão em contato com 
Deus e podem ser salvas. 
A ética, assim, consiste na busca da fé como critério que 
norteia a ação humana, pois a razão não demonstra que a 
pessoa está em contato com Deus. Em concreto, isso 
significa respeitar as autoridades que representam a 
vontade divina, como a Igreja, independentemente do 
valor racional de suas ordens, mas em decorrência da fé. 
Essa perspectiva está na raiz do medievo, das imagens 
negativas e escuras da vida e na perspectiva de que o ser 
humano é falho e limitado. Há uma inegável matriz 
platônica: Deus é a ideia máxima (plena, perfeita, eterna) 
e os objetos correspondem ao concreto real (limitado, 
imperfeito, mortal). 
Politicamente, Agostinho estabelece uma distinção 
marcante: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus. A 
primeira é real, construída por homens, marcada por 
instituições imperfeitas, incompletas e injustas. Seus 
moradores são pessoas pecadoras, viciosas, que amam 
mais a si do que a Deus. Os atos coletivos, como as leis e 
os julgamentos, padecem das mesmas imperfeições 
humanas, sendo injustos e não levando ao bem comum. 
A Cidade de Deus é a obra do Criador mais próxima de 
si. Nela estão os santos e as pessoas salvas, que, durante 
suas vidas, amaram mais Deus do que a si. As instituições 
possuem o grau máximo de perfeição, dada a proximidade 
do Criador, sendo suas leis justas e imutáveis. 
Algumas questões surgem dessas concepções. As 
pessoas que vivem em meio às calamidades da Cidade dos 
Homens deveriam fazer algo? Sabendo que a imperfeição 
da humanidade a impede de fazer coisas realmente boas, 
haveria a necessidade de uma ação política? 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
28 
Agostinho considera a fé fundamental na vida humana. 
Somente aqueles que norteiam seus atos pela fé podem ser 
salvos. Assim, a resposta às questões acima passa por ela. 
Ainda que os humanos sejam incapazes e seus atos 
sempre imperfeitos, Deus escolheria alguns para governar. 
O objetivo dessa escolha é garantir um mínimo de 
segurança para os escolhidos poderem viver com fé. Desse 
modo, caberia a todos respeitarem integralmente essa 
autoridade que, claro, passaria pela Igreja Católica. 
Aqueles escolhidos por Deus para exercerem o poder 
político deveriam elaborar leis inspirados naquelas 
existentes na Cidade de Deus. O modelo de legislação e 
também de justiça torna-se transcendente, devendo ser 
encontrado pela fé. Mas, dada a falibilidade humana, essas 
leis sempre seriam imperfeitas, por maior que fosse o 
esforço dessas autoridades. Mesmo nesse caso, em nome 
da segurança, as pessoas deveriam curvar-se, pois não 
podem compreender e julgar a escolha inicial, de Deus. 
Somente uma ampla obediência à autoridade traria o grau 
de segurança necessário para uma vida repleta de fé na 
Cidade dos Homens. 
Independentemente das críticas que podem ser 
apresentadas, sob o ponto de vista racional, à síntese 
empreendida por Agostinho, não se pode negar méritos a 
seu esforço. Mesmo se admitindo que não explica os 
motivos pelos quais Deus, onipotente, cria coisas 
imperfeitas, há de se convir que sua filosofia torna-se um 
sistema coerente, ainda que com o predomínio da fé. 
Também devemos ressaltar o fôlego que adquire, 
sobrevivendo por muitos séculos e inspirando a 
consolidação da Igreja Católica e da Filosofia Medieval. 
(http://filosofiadodireito.info/fildireito/?p=194) 
 
 
 UNIDADE 9 
 
FILOSOFIA ESCOLASTICA 
 
Abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o 
período em que a Igreja Romana dominava a Europa, 
ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e 
criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou 
escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas 
escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o 
nome de Escolástica. 
A filosofia medieval teve como influências principais 
Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais 
conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de 
Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que 
conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos 
árabes, particularmente Avicena e Averrois. 
Durante esse período surge propriamente a filosofia 
cristã, que é, na verdade, a teologia. Um de seus temas 
mais constantes são as provas da existência de Deus e da 
alma, isto é, demonstrações racionais da existência do 
infinito criador e do espírito humano imortal. 
A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito 
(homem, mundo), a diferença e separação entre corpo 
(matéria) e alma (espírito), o Universo como uma 
hierarquia de seres, onde os superiores dominam e 
governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, 
corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do 
poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de 
papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia 
medieval. 
Outra característica marcante da Escolástica foi o 
método por ela inventado para expor as ideias filosóficas 
conhecido como disputa: apresentava-se uma tese e esta 
devia ser ou refutada ou defendida por argumentos tirados 
da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de outros Padres da 
Igreja. 
Assim, uma ideia era considerada uma tese verdadeira 
ou falsa dependendo da forçae da qualidade dos 
argumentos encontrados nos vários autores. Por causa 
desse método de disputa – teses, refutações, defesas, 
respostas, conclusões baseadas em escritos de outros 
autores –, costuma-se dizer que, na Idade Média, o 
pensamento estava subordinado ao principio da 
autoridade, isto é, uma ideia é considerada verdadeira se 
for baseada nos argumentos de uma autoridade 
reconhecida (bíblia, Platão, Aristóteles, um papa, um 
santo). 
Os teólogos medievais mais importantes foram: Pedro 
Abelardo, Johannes Duns Scotus, João Escoto Erígena, 
Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto 
Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São 
Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e 
Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides, 
Yeudah bem Levi. 
 
SANTO TOMÁS DE AQUINO 
 
Após uma longa preparação e um desenvolvimento 
promissor, a escolástica chega ao seu ápice com Tomás de 
Aquino. Adquire plena consciência dos poderes da razão, 
e proporciona finalmente ao pensamento cristão uma 
filosofia. Assim, converge para Tomás de Aquino não 
apenas o pensamento escolástico, mas também o 
pensamento patrístico, que culminou com Agostinho, rico 
de elementos helenistas e neoplatônicos, além do 
patrimônio de revelação judaico-cristã, bem mais 
importante. 
Para Tomás de Aquino, porém, converge diretamente o 
pensamento helênico, na sistematização imponente de 
Aristóteles. O pensamento de Aristóteles, pois, chega a 
Tomás de Aquino enriquecido com os comentários 
pormenorizados, especialmente árabes. 
 
Santo Tomás de Aquino (1225-1274) 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
29 
 
Diversamente do agostinianismo, e em harmonia com o 
pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia como 
uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o 
problema do mundo. Considera também a filosofia como 
absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser 
o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia 
evidente e racional. 
A gnosiologia tomista - diversamente da agostiniana e 
em harmonia com a aristotélica - é empírica e racional, 
sem inatismos e iluminações divinas. O conhecimento 
humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o 
segundo pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível 
do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a 
assim chamada espécie sensível . Esta é a impressão, a 
imagem, a forma do objeto material na alma, isto é, o 
objeto sem a matéria: como a impressão do sinete na cera, 
sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido 
pelo olho, sem a materialidade do ouro. 
O conhecimento intelectual depende do conhecimento 
sensível, mas transcende-o. O intelecto vê em a natureza 
das coisas - intus legit - mais profundamente do que os 
sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie 
sensível - que representa o objeto material na sua 
individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas 
sem a matéria - o inteligível, o universal, a essência das 
coisas é contida apenas implicitamente, potencialmente. 
Para que tal inteligível se torne explícito, atual, é preciso 
extraí-lo, abstraí-lo, isto é, desindividualizá-lo das 
condições materiais. Tem-se, deste modo, a espécie 
inteligível, representando precisamente o elemento 
essencial, a forma universal das coisas. 
Pelo fato de que o inteligível é contido apenas 
potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente 
que abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível 
do fantasma ou representação sensível. Este intelecto 
agente é como que uma luz espiritual da alma, mediante a 
qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no 
entanto, é absolutamente desprovido de conteúdo ideal, 
sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o 
inatismo agostiniano. E, ademais, é uma faculdade da 
alma individual, e não advém de fora, como pretendiam 
ainda o iluminismo agostiniano e o panteísmo averroísta. 
O intelecto que propriamente entende o inteligível, a 
essência, a idéia, feita explícita, desindividualizada pelo 
intelecto agente, é o intelecto passivo, a que pertencem as 
operações racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar, 
elaborar as ciências até à filosofia. 
Como no conhecimento sensível, a coisa sentida e o 
sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie 
sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, 
acontece no conhecimento intelectual, mediante a espécie 
inteligível, entre o objeto conhecido e o sujeito que 
conhece. Compreendendo as coisas, o espírito se torna 
todas as coisas, possui em si, tem em si mesmo imanentes 
todas as coisas, compreendendo-lhes as essências, as 
formas. 
É preciso claramente salientar que, na filosofia de 
Tomás de Aquino, a espécie inteligível não é a coisa 
entendida, quer dizer, a representação da coisa (id quod 
intelligitur), pois, neste caso, conheceríamos não as 
coisas, mas os conhecimentos das coisas, acabando, 
destarte, no fenomenismo. Mas, a espécie inteligível é o 
meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais (é, 
logo, id quo intelligitur ). E isto corresponde 
perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos 
garante conhecermos coisas e não idéias; mas as coisas 
podem ser conhecidas apenas através das espécies e das 
imagens, e não podem entrar fisicamente no nosso 
cérebro. 
O conceito tomista de verdade é perfeitamente 
harmonizado com esta concepção realista do mundo, e é 
justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade 
lógica não está nas coisas e nem sequer no mero intelecto, 
mas na adequação entre a coisa e o intelecto: veritas est 
adaequatio speculativa mentis et rei . E tal adequação é 
possível pela semelhança entre o intelecto e as coisas, que 
contêm um elemento inteligível, a essência, a forma, a 
idéia. O sinal pelo qual a verdade se manifesta à nossa 
mente, é a evidência; e, visto que muitos conhecimentos 
nossos não são evidentes, intuitivos, tornam-se 
verdadeiros quando levados à evidência mediante a 
demonstração. 
Todos os conhecimentos sensíveis são evidentes, 
intuitivos, e, por consequência, todos os conhecimentos 
sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos 
sentidos nada mais são que falsas interpretações dos dados 
sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo contrário, no campo 
intelectual, poucos são os nossos conhecimentos 
evidentes. São certamente evidentes os princípios 
primeiros (identidade, contradição, etc.). Os 
conhecimentos não evidentes são reconduzidos à 
evidência mediante a demonstração, como já dissemos. É 
neste processo demonstrativo que se pode insinuar o erro, 
consistindo em uma falsa passagem na demonstração, e 
levando, destarte, à discrepância entre o intelecto e as 
coisas. 
A demonstração é um processo dedutivo, isto é, uma 
passagem necessária do universal para o particular. No 
entanto, os universais, os conceitos, as idéias, não são 
inatas na mente humana, como pretendia o 
agostinianismo, e nem sequer são inatas suas relações 
lógicas, mas se tiram fundamentalmente da experiência, 
mediante a indução, que colhe a essência das coisas. A 
ciência tem como objeto esta essência das coisas, 
universal e necessária. 
 
A METAFÍSICA 
 
A metafísica tomista pode-se dividir em geral e 
especial. A metafísica geral - ou ontologia - tem como 
objeto o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A 
metafísica especial estuda o ser em suas grandes 
especificações: Deus, o espírito, o mundo. Daí temos a 
teologia racional - assim chamada, para distingui-la da 
teologia revelada; a psicologia racional (racional, 
porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna 
psicologia empírica, que é ciência experimental); a 
cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
30 
em suas causas primeiras, ao passo que a ciência 
experimental estuda a naturezaem suas causas segundas). 
O princípio básico da ontologia tomista é a 
especificação do ser em potência e ato. Ato significa 
realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade, 
imperfeição. Não significa, porém, irrealidade absoluta, 
mas imperfeição relativa de mente e capacidade de 
conseguir uma determinada perfeição, capacidade de 
concretizar-se. Tal passagem da potência ao ato é o vir-a-
ser, que depende do ser que é ato puro; este não muda e 
faz com que tudo exista e venha-a-ser. Opõe-se ao ato 
puro a potência pura que, de per si, naturalmente é irreal, é 
nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se 
matéria. 
 
A NATUREZA 
 
Uma determinação, especificação do princípio de 
potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio 
da matéria e de forma. Este princípio vale unicamente 
para a realidade material, para o mundo físico, e interessa 
portanto especialmente à cosmologia tomista. A matéria 
não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma, 
pela qual é determinada, como a potência é determinada, 
como a potência é determinada pelo ato. É necessária para 
a forma, a fim de que possa existir um ser completo e real 
(substância). A forma é a essência das coisas (água, ouro, 
vidro) e é universal. A individuação, a concretização da 
forma, essência, em vários indivíduos, que só realmente 
existem (esta água, este ouro, este vidro), depende da 
matéria, que portanto representa o princípio de 
individuação no mundo físico. Resume claramente 
Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: "Na 
filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda 
substância corpórea é um composto de duas partes 
substanciais complementares, uma passiva e em si mesma 
absolutamente indeterminada (a matéria), outra ativa e 
determinante (a forma)" . 
Além destas duas causas constitutivas (matéria e forma), 
os seres materiais têm outras duas causas: a causa 
eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz 
surgir um determinado ser na realidade, é a que realiza o 
sínolo , a saber, a síntese daquela determinada matéria 
com a forma que a especifica. A causa final é o fim para 
que opera a causa eficiente; é esta causa final que 
determina a ordem observada no universo. Em conclusão: 
todo ser material existe pelo concurso de quatro causas - 
material, formal, eficiente, final; estas causas constituem 
todo ser na realidade e na ordem com os demais seres do 
universo físico. 
 
O ESPÍRITO 
 
Quando a forma é princípio da vida, que é uma 
atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma. 
Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que 
se alimenta, cresce e se reproduz), e os animais (alma 
sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se 
move). Entretanto, a psicologia racional , que diz respeito 
ao homem, interessa apenas a alma racional. Além de 
desempenhar as funções da alma vegetativa e sensitiva, a 
alma racional entende e quer, pois segundo Tomás de 
Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma 
alma só em cada indivíduo; e a alma superior cumpre as 
funções da alma inferior, como a mais contém o menos. 
No homem existe uma alma espiritual - unida com o 
corpo, mas transcendendo-o - porquanto além das 
atividades vegetativa e sensitiva, que são materiais, se 
manifestam nele também atividades espirituais, como o 
ato do intelecto e o ato da vontade. A atividade intelectiva 
é orientada para entidades imateriais, como os conceitos; 
e, por conseqüência, esta atividade tem que depender de 
um princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a 
alma racional. Assim, a vontade humana é livre, 
indeterminada - ao passo que o mundo material é regido 
por leis necessárias. E, portanto, a vontade não pode ser 
senão a faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou 
seja, da alma racional, que pelo fato de ser imaterial, isto 
é, espiritual, não é composta de partes e, por conseguinte, 
é imortal. 
Como a alma espiritual transcende a vida do corpo 
depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a 
origem material do corpo e é criada imediatamente por 
Deus, com relação ao respectivo corpo já formado, que a 
individualiza. Mas, diversamente do dualismo platônico-
agostiniano, Tomás sustenta que a alma, espiritual 
embora, é unida substancialmente ao corpo material, de 
que é a forma. Desse modo o corpo não pode existir sem a 
alma, nem viver, e também a alma, por sua vez, ainda que 
imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu 
instrumento indispensável. 
 
DEUS 
 
Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem 
da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a 
doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional 
tomista depende - e mais intimamente ainda - da doutrina 
da potência e do ato. Contrariamente à doutrina 
agostiniana que pretendia ser Deus conhecido 
imediatamente por intuição, Tomás sustenta que Deus não 
é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente 
por demonstração; entretanto esta demonstração é sólida e 
racional, não recorre a argumentações a priori , mas 
unicamente a posteriori , partindo da experiência, que sem 
Deus seria contraditória. 
As provas tomistas da experiência de Deus são cinco: 
mas todas têm em comum a característica de se firmar em 
evidência (sensível e racional), para proceder à 
demonstração, como a lógica exige. E a primeira dessas 
provas - que é fundamental e como que norma para as 
outras - baseia-se diretamente na doutrina da potência e do 
ato. "Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja 
solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma 
experiência sensível, que pode ser a constatação do 
movimento, das causas, do contingente, dos graus de 
perfeição das coisas ou da ordem que entre elas reina; e 
uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende 
o movimento ao imóvel, as causas segundas à causa 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
31 
primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao 
perfeito, a ordem à inteligência ordenadora". 
Se conhecermos apenas indiretamente, pelas provas, a 
existência de Deus, ainda mais limitado é o conhecimento 
que temos da essência divina, como sendo a que 
transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o 
Aquinate, antes de tudo sabemos o que Deus não é 
(teologia negativa), entretanto conhecemos também algo 
de positivo em torno da natureza de Deus, graças 
precisamente à famosa doutrina da analogia. Esta doutrina 
é solidamente baseada no fato de que o conhecimento 
certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas, 
porquanto o efeito deve ter semelhança com a causa. A 
doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a 
Deus as perfeições criadas positivas, tirando, porém, as 
imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade. 
O que conhecemos a respeito de Deus é, portanto, um 
conjunto de negações e de analogias; e não é falso, mas 
apenas incompleto. 
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/aquino.htm) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• A afirmação de Santo Agostinho Credo ut intelligam 
(Creio para que possa entender) expressa o seu interesse com 
a relação entre fé e a razão, mostrando que sem a fé a razão é 
incapaz de alcançar a salvação e a felicidade para o homem. A 
razão funciona como um auxiliar da fé fazendo compreensível 
aquilo que é revelado intuitivamente pela fé. 
• Segundo Santo Agostinho livre arbítrio é a causa de todo 
mal que existe. O mal não existe enquanto substância própria: 
ele é a ausência do bem, ou seja, a ausência de Deus. Mas a 
verdadeira liberdade estaria na harmonia das ações humanas 
com a vontade de Deus. 
• Politicamente, Agostinho estabelece uma distinção 
marcante: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus. A 
primeira é real, construída por homens, marcada por instituições 
imperfeitas, incompletas e injustas e na segunda estão os 
santos e as pessoas salvas e nela as instituições possuem ograu máximo de perfeição sendo suas leis justas e imutáveis. 
• Segundo São Tomás de Aquino o conhecimento humano 
tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo 
pressupõe o primeiro. Nosso conhecimento do mundo é 
adquirido por meio da experiência sensorial, mas, além disso, é 
necessário que o intelecto agente (reflexão), próprio do ser 
humano, pense nos objetos fornecidos pelos sentidos. 
• Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser 
Deus conhecido imediatamente por intuição, São Tomás 
sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é 
cognoscível unicamente por demonstração para isso propõe 
cinco argumentos ou provas da existência de Deus: o primeiro 
motor imóvel, a causa eficiente, o ser necessário, o ser perfeito 
e a inteligência ordenadora. 
• Deus é a causa de tudo, mas não age diretamente nos 
fatos da criação. Ele instaurou um sistema de leis, causas 
segundas, ordenando cada um dos domínios naturais segundo 
sua especificidade própria. 
 
 
Exercícios 
 
1. (ENEM 2015) A casa de Deus, que acreditam una, está, 
portanto, dividida em três: uns oram, outros combatem, 
outros, enfim, trabalham. Essas três partes que coexistem 
não suportam ser separadas; os serviços prestados por uma 
são a condição das obras das outras duas; cada uma por 
sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto... Assim a lei 
pode triunfar e o mundo gozar da paz. 
ALDALBERON DE LAON. In: SPINOSA, F. Antologia de textos 
históricos medievais. 
Lisboa: Sá da Costa, 1981. 
 
A ideologia apresentada por Aldalberon de Laon foi 
produzida durante a Idade Média. Um objetivo de tal 
ideologia e um processo que a ela se opôs estão indicados, 
respectivamente, em: 
a) Justificar a dominação estamental / revoltas 
camponesas. 
b) Subverter a hierarquia social / centralização 
monárquica. 
c) Impedir a igualdade jurídica / revoluções burguesas. 
d) Controlar a exploração econômica / unificação 
monetária. 
e) Questionar a ordem divina / Reforma Católica. 
 
2. (ENEM 2015) 
 
Calendário medieval, século XV. 
 
 
Disponível em: www.ac-grenoble.fr. Acesso em: 10 maio 2012. 
 
Os calendários são fontes históricas importantes, na 
medida em que expressam a concepção de tempo das 
sociedades. Essas imagens compõem um calendário 
medieval (1460-1475) e cada uma delas representa um 
mês, de janeiro a dezembro. Com base na análise do 
calendário, apreende-se uma concepção de tempo 
a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno. 
b) humanista, identificada pelo controle das hora de 
atividade por parte do trabalhador. 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
32 
c) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o 
trabalho. 
d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo 
com as estações do ano. 
e) romântica, definida por uma visão bucólica da 
sociedade. 
 
3. (ENEM 2013) Quando alguém duvida da existência de 
um outro mundo, a morte é uma passagem que deve ser 
celebrada entre parentes e vizinhos. O homem da Idade 
Média tem a convicção de não desaparecer 
completamente, esperando a ressurreição. Pois nada se 
detém e tudo continua na eternidade. A perda 
contemporânea do sentimento religioso fez da morte uma 
provação aterrorizante, um trampolim para as trevas e o 
desconhecido. 
 
DUBY, G. Ano 2000 na pista dos nossos medos. São Paulo: Unesp. 
1998 (adaptado) 
 
 
Ao comparar as maneiras com que as sociedades têm 
lidado com a morte, o autor considera que houve um 
processo de: 
 
a) mercantilização das crenças religiosas. 
b) transformação das representações sociais. 
c) disseminação do ateísmo nos países de maioria cristã. 
d) diminuição da distância entre saber científico e 
eclesiástico. 
e) amadurecimento da consciência ligada à civilização 
moderna. 
 
4. (ENEM 2010/2) Quando Édipo nasceu, seus pais, Laio 
e Jocasta, os reis de Tebas, foram informados de uma 
profecia na qual o filho mataria o pai e se casaria com a 
mãe. Para evitá-la, ordenaram a um criado que matasse o 
menino. Porém, penalizado com a sorte de Édipo, ele o 
entregou a um casal de camponeses que morava longe de 
Tebas para que o criasse. Édipo soube da profecia quando 
se tornou adulto. Saiu então da casa de seus pais para 
evitar a tragédia. Eis que, perambulando pelos caminhos 
da Grécia, encontrou-se com Laio e seu séquito, que, 
insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo 
reagiu e matou todos os integrantes do grupo, sem saber 
que entre eles estava seu verdadeiro pai. Continuou a 
viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge. 
Ele decifrou o enigma da Esfinge, tornou-se rei de Tebas e 
casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia. 
Disponível em: http://www.culturabrasil.org. Acesso em 28 ago. 2010 
(adaptado) 
 
No mito Édipo Rei, são dignos de destaque os temas do 
destino e do determinismo. Ambos são características do 
mito grego e abordam a relação entre liberdade humana e 
providência divina. A expressão filosófica que toma como 
pressuposta a tese do determinismo é: 
 
a) "Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu 
tinha de mim mesmo." Jean Paul Sartre 
b) "Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que 
Deus nela escreva o que quiser." Santo Agostinho 
c) "Quem não tem medo da vida também não tem medo 
da morte." Arthur Schopenhauer 
d) "Não me pergunte quem sou eu e não me diga para 
permanecer o mesmo." Michel Foucault 
e) "O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua 
imagem e semelhança." Friedrich Nietzsche 
 
5. (ENEM 2015) Ora, em todas as coisas ordenadas a 
algum fim é preciso haver algum dirigente, pelo qual se 
atinja diretamente o devido fim. Com efeito, um navio, 
que se move para diversos lados pelo impulso dos ventos 
contrários, não chegaria ao fim de destino, se por indústria 
do piloto não fosse dirigido ao porto; ora, tem o homem 
um fim, para o qual se ordenam toda a sua vida e ação. 
Acontece, porém, agirem os homens de modos diversos 
em vista do fim, o que a própria diversidade dos esforços 
e ações humanas comprova. Portanto, precisa o homem de 
um dirigente para o fim. 
AQUINO, T. Do reino ou do governo dos homens: ao rei do Chipre. 
Escritos políticos de São Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1995 
(adaptado). 
 
No trecho citado, Tomás de Aquino justifica a monarquia 
como o regime de governo capaz de 
a) refrear os movimentos religiosos contestatórios. 
b) promover a atuação da sociedade civil na vida 
política. 
c) unir a sociedade tendo em vista a realização do bem 
comum. 
d) reformar a religião por meio do retorno à tradição 
helenística. 
e) dissociar a relação política entre os poderes temporal 
e espiritual. 
 
Gabarito 
 
1 2 3 4 5 
A D B B C 
 
 
 UNIDADE 10 
 
FILOSOFIA MODERNA 
 
A efervescência teórica e prática foi alimentada com as 
grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem 
o conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras 
e novas gentes, permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua 
própria sociedade. Essa efervescência cultural e política 
levou a críticas profundas à Igreja Romana, culminando 
na Reforma Protestante, baseada na ideia de liberdade de 
crença e de pensamento. À Reforma a Igreja respondeu 
com a Contra-Reforma e com o recrudescimento do poder 
da Inquisição. 
 
Esse período, conhecido como o Grande Racionalismo 
Clássico, é marcado por três mudanças intelectuais: 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
33 
1. Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do 
conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar 
seu trabalho conhecendo a Natureza de Deus, para depois 
referir-se ao homem, começa indagando qual é a 
capacidade do intelecto humano para conhecer e 
demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras 
palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela 
volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua 
capacidade de conhecer. 
O ponto de partida é o sujeito do conhecimento comoconsciência de si reflexiva, isto é, como consciência que 
conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do 
conhecimento é um intelecto no interior de uma alma, cuja 
natureza e substância é completamente diferente da 
natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos 
exteriores. 
Por isso, a segunda pergunta da Filosofia, depois de 
respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é: 
Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é 
diferente dele? Como pode conhecer os corpos da 
Natureza? 
2. A resposta à pergunta acima constitui a segunda 
grande mudança intelectual dos modernos, e essa 
mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os 
modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e 
política) podem ser conhecidas desde que sejam 
consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos 
formulados pelo sujeito do conhecimento. 
Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser 
conhecido deve poder ser transformado em um conceito 
ou numa ideia clara e distinta, demonstrável e necessária, 
formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza 
e a sociedade ou política podem ser inteiramente 
conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si 
mesmas, isto é, são racionais em si mesmas e propensas a 
serem representadas pelas ideias do sujeito do 
conhecimento. 
3. Essa concepção da realidade como intrinsecamente 
racional e que pode ser plenamente captada pelas ideias e 
conceitos preparou a terceira grande mudança intelectual 
moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida 
como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja 
estrutura profunda e invisível e matemática. O “livro do 
mundo”, diz Galileu, está escrito em caracteres 
matemáticos. 
A realidade, concebida como sistema racional de 
mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência 
clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são 
descritos, explicados e interpretados todos os fatos da 
realidade: astronomia, física, química, psicologia, política, 
artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo 
mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e 
efeito entre um agente e um paciente. 
A realidade é um sistema de causalidades racionais 
rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo 
homem. Nasce a ideia de experimentação e de tecnologia 
(conhecimento teórico que orienta as intervenções 
práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar 
tecnicamente a Natureza e a sociedade. 
Predomina, assim, nesse período, a ideia de conquista 
científica e técnica de toda a realidade, a partir da 
explicação mecânica e matemática do Universo e da 
invenção das máquinas, graças às experiências físicas e 
químicas. 
Existe também a convicção de que a razão humana é 
capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das 
paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo 
intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las, de sorte 
que a vida ética pode ser plenamente racional. 
A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto 
é, a ideia de que a razão é capaz de definir para cada 
sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo 
racionalmente. 
 
 
 UNIDADE 11 
 
MAQUIAVEL 
 
O REALISMO POLÍTICO 
 
O filósofo italiano Nicolau Maquiavel é considerado o 
fundador do pensamento político moderno, porque 
desenvolveu a sua filosofia política em um quadro teórico 
completamente diferente do que se tinha até então. 
Vimos que, no pensamento antigo, a política estava 
relacionada com a ética e que, na Idade Média, essa ideia 
permaneceu, acrescida dos valores cristãos. Ou seja, o 
bom governante seria aquele que possuísse as virtudes 
cristãs e que as implementasse no exercício do poder 
político. 
Maquiavel observou, porém, que havia uma distância, 
entre o ideal de política e a realidade política da sua 
época. Por isso escreveu o livro O príncipe, com o 
propósito de tratar da política tal como ela se dá, ou seja, 
sem pretender fazer uma teoria da política ideal, mas, ao 
contrário, compreender e esclarecer os princípios da 
política real. Dessa forma, ele se afastou da concepção 
idealizada de política. 
 
 
Nicolau Maquiavel (1469-1527) 
 
Maquiavel centrou a sua reflexão na constatação de que 
o poder político tem como função regular as lutas e 
tensões entre as classes sociais que, conforme ele, eram 
basicamente duas: a classe dos poderosos e o povo. Essas 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
34 
lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que seria 
uma ilusão buscar um bem comum para todos. 
Mas, se a política não tem como objetivo o bem comum, 
qual seria o seu objetivo então? 
Maquiavel respondeu: a política tem como objetivo a 
manutenção do poder. E, para manter o poder, o 
governante deve lutar com todas as armas possíveis, 
ficando sempre atento às correlações de forças que se 
mostram a cada instante. Isso significa que a ação política 
não cabe nos limites do juízo moral. O governante deve 
fazer aquilo que, a cada momento, se mostra interessante 
para conservar o seu poder. Não se trata, portanto, de uma 
decisão moral, mas sim de uma decisão que atende à 
lógica do poder. É por isso que, para Maquiavel, os fins 
justificam os meios. Ele se pergunta: 
 
E melhor ser amado que temido ou o contrário? 
Respoder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa; 
mas, como é difícil casá-las, é muito mais seguro ser 
temido que amado, quando se haja de optar por uma 
das alternativas. 
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe, p. 108. 
 
Em O príncipe, Maquiavel faz uma análise objetiva, não 
moral dos atos de diversos governantes, procurando 
mostrar em que momentos as suas opções políticas foram 
interessantes para a manutenção do poder. Deve-se a essa 
franqueza despudorada maquiaveliana o uso do termo 
maquiavélico, que passou a designar o comportamento 
“sem moral”, “desleal”. 
Mas o que se deve reter do pensamento de Maquiavel é 
que ele inaugura um novo patamar de reflexão política que 
procura compreender e descrever a ação política tal como 
ela se dá realmente. Este é o mérito de Maquiavel: ter 
compreendido que a política, no início da Idade Moderna, 
se desvinculava das esferas da moral e da religião, 
constituindo-se em uma esfera autônoma. 
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora 
Saraiva, 2002. pp. 299-300) 
 
MAQUIAVEL E O PENSAMENTO POLÍTICO 
 
A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do 
Príncipe, foi a separação da política da ética. A tradição 
ocidental, exatamente como a tradição chinesa, ligava 
tanto a ciência como a atividade política à ética. 
Aristóteles tinha resumido esta posição quando definiu a 
política como uma mera extensão da ética. A tradição 
ocidental via a política em termos claros, de certo e 
errado, justo e injusto, correto e incorreto, e assim por 
diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as 
ações humanas eram os termos empregues para avaliar as 
ações políticas. 
Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os 
fenômenos sociais nos seus próprios termos sem recurso à 
ética ou à jurisprudência. De fato pode-se considerar 
Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo 
a aplicar o método científico de Aristóteles e de Averróis 
à política. Fê-lo observando os fenômenos políticos, e 
lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e 
descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios 
termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa: 
conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o 
resto - a religião, a moral, etc. - que era associado à 
política nada tinha a ver com este aspecto fundamental - 
tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à 
conquista e à manutenção do poder. A única coisa que 
verdadeiramente interessa para a conquista e a 
manutenção do poder é ser calculista; o político bem 
sucedido sabeo que fazer ou o que dizer em cada 
situação. 
Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no 
Príncipe única e simplesmente os meios pelos quais 
alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo. 
A maioria dos exemplos que deu são falhanços. De fato, o 
livro está cheio de momentos intensos, já que a qualquer 
momento, se um governante não calculou bem uma 
determinada ação, o poder e a autoridade que cultivou tão 
assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O 
mundo social e político do Príncipe é completamente 
imprevisível, sendo que só a mente mais calculista pode 
superar esta volatilidade. 
Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só 
tece elogios aos vencedores. Por esta razão, mostra 
admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio 
II devido ao seu extraordinário sucesso militar e político, 
sendo eles odiados universalmente em toda a Europa 
como papas ímpios. A sua recusa em permitir que 
princípios éticos interferissem na sua teoria política 
marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente, 
como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas 
obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel. 
Em capítulos como «De que modo os príncipes devem 
cumprir a sua palavra» (cap. XVIII) Maquiavel afirma que 
todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista, 
consolidação e manutenção do poder. A resposta à 
pergunta formulada mais acima, por exemplo, é que: 
«Todos concordam que é muito louvável um príncipe 
respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem 
astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso 
tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que 
não ligaram muita importância à fé dada e que souberam 
cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, 
ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade». 
Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar 
que não está a falar sobre o estado em termos éticos, mas 
sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que 
a situação italiana era desesperada e que o estado 
Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao 
problema de um ponto de vista ético, Maquiavel 
preocupou-se genuinamente em curar o estado para o 
tornar mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos 
revoltados, Maquiavel não apresenta um argumento ético, 
mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados 
antes que infectem o estado inteiro.» 
O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú 
(virtus em Latim), que é relacionado normalmente com 
«virtude». Mas de fato, Maquiavel utiliza-a mais no 
sentido latino de «viril», já que os indivíduos com virtú 
são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de 
impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
35 
numa combinação de caráter, força, e cálculo. Numa das 
passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve 
qual é a maneira mais apropriada para responder a 
volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-a a 
uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à 
tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o 
objeto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O 
príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem implora a 
Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o 
que quer. Esta passagem, já escandalosa na época, 
representa uma tradução clara da ideia renascentista do 
potencial humano aplicado à política. É que, de acordo 
com Pico della Mirandola, se um ser humano podia 
transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a 
um indivíduo de caráter forte pôr ordem no caos da vida 
política. 
 (http://www.arqnet.pt/portal/teoria/maquiavel.html) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Contrariamente ao pensamento tradicional de que o 
objetivo principal da política é o bem comum Maquiavel afirmou 
que o objetivo dela é a manutenção do poder. E, para manter o 
poder, o governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se 
mostre interessante para conservar o seu poder. Isso significa 
que a ação política não cabe nos limites do juízo moral. Desse 
modo, os fins justificam os meios. 
• Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar 
e manter o poder ou a autoridade. A moral e a religião só eram 
relevantes, eventualmente, se ajudassem à conquista e à 
manutenção desse poder. 
• O poder político tem como função essencial regular as 
lutas e tensões entre as classes sociais dos poderosos e o 
povo. Essas lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que 
seria uma ilusão buscar um bem comum para todos. 
• As paixões que regem o comportamento humano são o 
amor, o ódio, o temor e o desprezo. Para o governante interessa 
cultivar em seus súditos o temor e o amor e evitar o ódio e o 
desprezo. 
• Para Maquiavel os indivíduos com virtú são definidos 
fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade 
em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de caráter, 
força, e cálculo. 
 
Exercícios 
 
1. (ENEM 2011) Acompanhando a intenção da burguesia 
renascentista de ampliar seu domínio sobre a natureza e 
sobre o espaço geográfico, através da pesquisa científica e 
da invenção tecnológica, os cientistas também iriam se 
atirar nessa aventura, tentando conquistar a forma, o 
movimento, o espaço, a luz, a cor e mesmo a expressão e 
o sentimento. 
SEVCENKO, N. O Renascimento. Campinas: Unicamp, 1984. 
 
O texto apresenta um espírito de época que afetou também 
a produção artística, marcada pela constante relação entre: 
a) fé e misticismo. 
b) ciência e arte. 
c) cultura e comércio. 
d) política e economia. 
e) astronomia e religião. 
 
2. (ENEM 2013) Nasce daqui uma questão: se vale mais 
ser amado que temido ou temido que amado. Responde-se 
que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é 
difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que 
amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos 
homens se pode dizer, duma maneira geral. Que são 
ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de 
lucro, e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus. 
Oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, quando, 
como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele 
chega, revoltam-se. 
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991. 
 
A partir da análise histórica do comportamento humano 
em suas relações sociais e políticas. Maquiavel define o 
homem como um ser: 
 
 
a) munido de virtude, com disposição nata a praticar o 
bem a si e aos outros. 
b) possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para 
alcançar êxito na política. 
c) guiado por interesses, de modo que suas ações são 
imprevisíveis e inconstantes. 
d) naturalmente racional, vivendo em um estado pré-
social e portando seus direitos naturais. 
e) sociável por natureza, mantendo relações pacíficas 
com seus pares. 
 
3. (ENEM 2012) Não ignoro a opinião antiga e muito 
difundida de que o que acontece no mundo é decidido por 
Deus e pelo acaso. 
Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às 
grandes transformações ocorridas, e que ocorrem 
diariamente, as quais escapam à conjectura humana. Não 
obstante, para não ignorar inteiramente o nosso livre-
arbítrio, creio que se pode aceitar que a sorte decida 
metade dos nossos atos, mas [o livre-arbítrio] nos permite 
o controle sobre a outra metade. 
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Brasília: EdUnB, 1979 (adaptado) 
 
Em O Príncipe, Maquiavel refletiu sobre o exercício do 
poder em seu tempo. No trecho citado, o autor demonstra 
o vínculo entre o seu pensamento político e o humanismo 
renascentista ao: 
a) valorizar a interferência divina nos acontecimentos 
definidores do seu tempo. 
b) rejeitar a intervenção do acaso nos processos 
políticos. 
c) afirmar a confiança na razão autônoma como 
fundamento da ação humana. 
d) romper com a tradição que valorizava o passado 
como fonte de aprendizagem. 
e) redefinir a ação política com base na unidade entre fé 
e razão.Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
36 
4. (ENEM 2010/1) O príncipe, portanto, não deve se 
incomodar com a reputação de cruel, se seu propósito é 
manter o povo unido e leal. De fato, com uns poucos 
exemplos duros poderá ser mais clemente do que outros 
que, por muita piedade, permitem os distúrbios que levem 
ao assassínio e ao roubo. 
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2009. 
 
No século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe, reflexão 
sobre a Monarquia e a função do governante. 
A manutenção da ordem social, segundo esse autor, 
baseava-se na: 
a) inércia do julgamento de crimes polêmicos. 
b) bondade em relação ao comportamento dos 
mercenários. 
c) compaixão quanto à condenação dos servos 
d) neutralidade diante da condenação dos servos. 
e) conveniência entre o poder tirânico e a moral do 
príncipe 
 
5. (ENEM 2012) 
 
 
Charge anônima. BURKE, P. A fabricação do rei. Rio de Janeiro: 
Zahar, 1994. 
 
Na França, o rei Luís XIV teve sua imagem fabricada por 
um conjunto de estratégias que visavam sedimentar uma 
determinada noção de soberania. Neste sentido, a charge 
apresentada demonstra: 
a) a humanidade do rei, pois retrata um homem comum, 
sem os adornos próprios à vestimenta real. 
b) a unidade entre o público e o privado, pois a figura do 
rei com a vestimenta real representa o público e sem a 
vestimenta real, o privado. 
c) o vínculo entre monarquia e povo, pois leva ao 
conhecimento do público a figura de um rei 
despretensioso e distante do poder político. 
d) o gosto estético refinado do rei, pois evidencia a 
elegância dos trajes reais em relação aos de outros 
membros da corte. 
e) a importância da vestimenta para a constituição 
simbólica do rei, pois o corpo político adornado 
esconde os defeitos do corpo pessoal. 
 
GABARITO 
 
1 2 3 4 5 
B C C E E 
 
 
 UNIDADE 12 
 
FRANCIS BACON 
 
O iniciador do empirismo é Francis Bacon. Enalteceu 
ele a experiência e o método dedutivo de tal modo, que o 
transcendente e a razão acabam por desaparecer na 
sombra. Falta-lhe, no entanto, a consciência crítica do 
empirismo, que foram aos poucos conquistando os seus 
sucessores e discípulos até Hume. Ademais, Bacon 
continua afirmando - mais ou menos logicamente - o 
mundo transcendente e cristão; antes, continua a 
considerar a filosofia como esclarecedora da essência da 
realidade, das formas, sustentáculo e causa dos fenômenos 
sensíveis. É uma posição filosófica que apela para a 
metafísica tradicional, grega e escolástica, aristotélica e 
tomista. Entretanto, acontece em Bacon o que aconteceu a 
muitos pensadores da Renascença, e o que acontecerá a 
muitos outros pensadores do empirismo e do 
racionalismo: isto é, a metafísica tradicional persiste neles 
todos histórica e praticamente ao lado da nova filosofia, 
tanto mais quanto esta é menos elaborada, acabada e 
consciente de si mesma. 
 
 
Francis Bacon (1561-1626) 
 
É quase inacreditável que o imenso saber e as 
realizações literárias desse homem fossem apenas os 
incidentes e as digressões de uma turbulenta carreira 
política. Era seu lema que se vivia melhor na vida oculta - 
bene vixit qui bene latuit. Não conseguia chegar a uma 
conclusão sobre se gostava mais da vida contemplativa ou 
da ativa. Sua esperança era de ser filósofo e estadista, 
também, como Sêneca; embora desconfiasse de que essa 
dupla direção de sua vida fosse encurtar o seu alcance e 
reduzir suas realizações. "É difícil dizer", escreve ele, e 
"se a mistura de contemplações com uma vida ativa ou o 
retiro inteiramente dedicado a contemplações é o que mais 
incapacita ou prejudica a mente." Achava que os estudos 
não podiam ser um fim ou a sabedoria por si sós, e que o 
conhecimento não aplicado em ação era uma pálida 
vaidade acadêmica. "Dedicar-se em demasia aos estudos é 
indolência; usá-los em demasia como ornamento é 
afetação; fazer julgamentos seguindo inteiramente suas 
regras é o capricho de um scholar. (...) Os homens astutos 
condenam os estudos, os homens simples os admiram, e os 
homens sábios se utilizam deles, obtida graças à 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
37 
observação." Eis uma nova nota que marca o fim da 
escolástica - isto é, o divórcio entre o conhecimento e o 
uso e a observação - e coloca aquela ênfase na experiência 
e nos resultados que distingue a filosofia inglesa, e 
culmina no pragmatismo. 
 
A "INSTAURATIO MAGNA" 
 
A Instauratio magna scientiarum deveria ter 
precisamente representado a reforma do saber, deveria ter 
constituído a summa philosophica dos tempos novos, e 
lançado o fundamento do regnum hominis, tão 
audazmente iniciado pela ciência e pela política da 
Renascença. Essa obra deveria ter abraçado a enciclopédia 
das ciências e compreendido também as técnicas, segundo 
o novo ideal humano e prático e imanentista. Começa-se, 
portanto, com a classificação geral das disciplinas 
humanas, baseada no respectivo predomínio das três 
faculdades que presidem à organização do saber: 
memória, fantasia, razão. Essa classificação é baseada não 
no objeto do conhecimento, e sim no sujeito que conhece. 
1) História tanto civil quanto natural, que registra 
(memória) os dados de fato; 2) Poesia, elaboração 
imaginativa desses dados; 3) Ciência ou filosofia, isto é, 
conhecimento racional de Deus, do homem e da natureza. 
A teologia natural de Bacon não exclui, mas prescinde 
da revelação cristã e da religião positiva. A ciência do 
homem divide-se em ciência do homem individual 
(philosophia humanitatis), e em ciência da sociedade 
humana (philosophia civilis). A primeira diz respeito ao 
homem todo, espírito e matéria. A segunda diz respeito à 
arte de governar e às relações sociais e aos negócios. A 
filosofia natural ou física, divide-se em especulativa e 
operativa. A primeira, por sua vez, se divide em física 
especial ("que procura a causa eficiente e material"), e em 
metafísica ("que procura a causa final e a forma"). 
Pertencem pois à física operativa as artes mecânicas. 
Acima das ciências filosóficas particulares, Bacon põe 
uma ciência filosófica comum, denominando-a 
philosophia prima. Esta não é a ontologia tradicional, a 
ciência do ser em geral, mas a ciência dos princípios 
comuns às várias ciências. 
 
O "NOVUM ORGANUM" 
 
Entretanto, o que interessa mais a Bacon não é esta 
ciência dos princípios comuns, e sim a ciência da 
natureza, e, portanto, o Novum organum, que deveria 
conter precisamente as regras para a construção da ciência 
da natureza. Como é sabido, Bacon reivindica, contra 
Aristóteles e a Escolática, o método indutivo. Aristóteles e 
Tomás de Aquino afirmaram claramente este método, e 
até o reconheceram como único procedimento inicial do 
conhecimento humano; entretanto a eles interessavam 
muito mais as causas do que a experiência, o que 
transcende a experiência do que a experiência; muito mais 
a metafísica do que a ciência. 
Segundo Bacon, o verdadeiro método da indução 
científica compreende uma parte negativa ou crítica, e 
uma parte positiva ou construtiva. A parte negativa 
consiste, antes de tudo, em alertar a mente contra os erros 
comuns, quando procura a conquista da ciência 
verdadeira. Na sua linguagem imaginosa Bacon chama as 
causas destes erros comuns, fantasmas - idola - e os divide 
em quatro grupos fundamentais. 
1) Idola tribus, a saber, os erros da raça humana 
"fundamentados em a natureza como tal" (não se sabe, pois, 
o verdadeiro porquê); 
2) Idola specus (por alusão à caverna de Platão) 
determinados pelas disposições subjetivas de cada um; 
3) Idola fori, erros da praça, provenientes do comércio 
social ou da linguagem imperfeita; 
4) Idola theatri, isto é, os erros provenientes das escolas 
filosóficas, que substituem o mundo real por um mundo 
fantástico, por um jogo cênico. 
 
Desembaraçado o terreno destes erros, Bacon passa a 
tratar da natureza positiva, construtiva, dagenuína 
interpretação da natureza para dominá-la. Mas, para 
tanto, é mister conhecer as que Bacon chama de formas, 
isto é, os princípios imanentes, causa e lei da ação e da 
ordem das naturezas. As naturezas são precisamente os 
fenômenos experimentais, objeto da física especial (luz, 
calor, pêso, etc.); as formas são leis genéticas e 
organizadoras das naturezas, as essências ou causas 
formais, objeto da metafísica de Bacon. 
Esta pesquisa, esta passagem das naturezas às formas, 
dos fenômenos às essências - bem conhecida pela filosofia 
tradicional - é determinada por Bacon, segundo um 
método preciso, desconhecido dos predecessores, nas 
famosas tabulae baconianas. Para determinar de um modo 
certo as causas e as leis dos fenômenos - isto é, as formas 
das naturezas - Bacon recolhe, antes de tudo, o maior 
número possível de exemplos, em que um determinado 
fenômeno aparece; depois enumera os casos que mais se 
assemelham às primeiras, em que, porém, o mesmo 
fenômeno não aparece. Enfim registra o aumentar ou o 
diminuir do fenômeno em questão, quer no mesmo objeto, 
quer em objetos diferentes. Têm-se, desta maneira, três 
espécies de registros ou tabelas: 1) tabelas de presença; 2) 
tabelas de ausência; 3) tabelas de gradações. É evidente 
que nos casos onde uma determinada natureza ou 
fenômeno aparecem, aí se encontrará também a sua causa 
e lei; nos casos em que o fenômeno não se manifesta, aí 
faltará também a sua causa e lei; e nos casos onde o 
fenômeno aumenta ou diminui, aí aumentará ou diminuirá 
também a sua causa e lei. A causa (forma) dos fenômenos 
(naturezas) será procurada, portanto, com base nos 
fenômenos presentes na primeira tabela; não sendo fácil, a 
princípio, ter-se tabelas completas e isolar as naturezas 
simples, e desta maneira pôr em evidência a causa, é 
mister estabelecê-la por hipótese, que será, em seguida, 
averiguada pelas experimentações. 
Essa gnosiologia, metodologia (empírica) é baseada em 
uma metafísica, uma física materialista e, mais 
precisamente, atomista, bastante semelhante à de 
Demócrito. O mundo material é constituído de 
corpúsculos, qualitativamente idênticos, diversos apenas 
por grandeza, forma e posição. Estes corpúsculos são 
animados por uma força, em virtude da qual se agrupam 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
38 
em determinados complexos, que constituem as formas 
baconianas. 
http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Segundo Bacon a ciência deveria valorizar a pesquisa 
experimental, para assim proporcionar resultados objetivos ao 
homem. Ela deveria estar ao serviço da utilidade do homem e 
de seu poder. Ele estava convencido da necessidade de fazer 
dos conhecimentos científicos um instrumento prático de 
controle da realidade. 
• Para alcançar tal objetivo, Bacon considerava primordial 
que o cientista se libertasse dos “ídolos”, isto é, das falsas 
noções, dos preconceitos e dos vícios mentais. Esses ídolos 
podiam ser classificados em quatro categorias: ídolos da tribo, 
ídolos da caverna, ídolos do fórum e ídolos do teatro. 
• Com o propósito de dominar a natureza era preciso 
conhecer suas leis por métodos comprovados. Então estabelece 
o método experimental de pesquisa das causas naturais dos 
fatos: em primeiro lugar, acumular os fatos; depois, classificá-
los; e por último determinar as suas causas. 
• O grande mérito de Bacon está em conceber o 
conhecimento científico como resultado de um método de 
investigação que integra a observação dos fenômenos, a 
elaboração racional das hipóteses e a experimentação 
controlada para comprovar as conclusões obtidas. 
 
 
 UNIDADE 13 
 
THOMAS HOBBES 
 
Hobbes é um empirista inglês e nele encontramos os 
temas fundamentais que serão sempre os da escola. A 
origem de todo conhecimento é a sensação, princípio 
original do conhecimento dos próprios princípios: a 
imaginação é um agrupamento inédito de fragmentos de 
sensação e a memória nada mais é do que o reflexo de 
antigas sensações. 
 
 
Thomas Hobbes (1588-1679) 
 
Todavia, Hobbes crê na possibilidade de uma lógica 
pura, de um raciocínio demonstrativo muito rigoroso. Ao 
lado de uma indução empírica aproximativa, que da 
experiência passada conclui, sem prova decisiva, o que se 
passará amanhã (e que não tem outro fundamento além da 
associação de idéias, the trayan of imagination), Hobbes 
admite a existência de uma lógica pura, perfeitamente 
racional. Mas a essa lógica só concernem símbolos, 
palavras (Hobbes é nominalista). Se definirmos 
rigorosamente as palavras e as regras do emprego dos 
signos, podemos chegar a conclusões rigorosas, isto é, 
idênticas aos princípios de que partimos. Mas trata-se de 
um jogo do pensamento, estranho às realidades concretas. 
A filosofia de Hobbes é materialista e mecanicista. 
Assim como a percepção é explicada mecanicamente a 
partir das excitações transmitidas pelo cérebro, assim a 
moral se reduz ao interesse e à paixão. Na fonte de todos 
os nossos valores, há o que Hobbes denomina endeavour, 
em inglês, e conatus, em latim, isto é, o instinto de 
conservação ou, mais exatamente, de afirmação e de 
crescimento de si próprio; esforço próprio a todos os seres 
para unir-se ao que lhes agrada e fugir do que lhes 
desagrada (esse tema do conatus será reencontrado no 
spinozismo). 
É partindo de tais fundamentos psicológicos que 
Hobbes elabora sua justificação do despotismo. O 
absolutismo da época de Hobbes geralmente se apoia na 
teologia (Deus teria investido os reis de seu poder 
absoluto). Hobbes, ao justificar o poder absoluto do 
soberano, descobre-lhe uma origem natural. 
Para ele, o direito, em todos os casos, reduz-se à força; 
mas distingue dois momentos na história da humanidade: 
o estado natural e o estado político. No estado natural, o 
poder de cada um é medido por seu poder real; cada um 
tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos só 
pensam na própria conservação e nos interesses pessoais. 
Para Hobbes, o homem se distingue dos insetos sociais, 
como as abelhas e as formigas; por isso, o homem não 
possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só 
o será por acidente. 
Para compreender como o homem se resolve a criar a 
instituição artificial do governo, basta descrever o que se 
passa no estado natural; o homem, por natureza, procura 
ultrapassar todos os seus semelhantes: ele não busca 
apenas a satisfação de suas necessidades naturais, mas 
sobretudo as alegrias da vaidade (pride). O maior 
sofrimento é ser desprezado. Assim sendo, o ofendido 
procura vingar-se, mas - observa Hobbes, antecipando 
aqui os temas hegelianos - comumente não deseja a morte 
de seu adversário e deseja seu cativeiro a fim de poder ler, 
em seu olhar atemorizado e submisso, o reconhecimento 
de sua própria superioridade. 
É claro que esse estado, em que cada um procura senão 
a morte, ao menos a sujeição do outro, é um estado 
extremamente infeliz. As expressões pelas quais Hobbes o 
descreve são célebres: "Homo homini lupus", o homem é 
o lobo do homem; "Bellum omnium contra omnes", é a 
guerra de todos contra todos. Não pensemos que mesmo 
os homens mais robustos desfrutem tranquilamente as 
vitórias que sua força lhe assegura. Aquele que possui 
grande força muscular não está ao abrigo da astúcia do 
mais fraco. Este último - por maquinação secreta ou a 
partir de hábeis alianças - sempre é o suficientemente forte 
para vencer o mais forte. Por conseguinte, ao invés de 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
39 
uma desigualdade, é uma espécie de igualdade dos 
homens no estado natural que faz sua infelicidade. Pois, 
em definitivo, ninguém está protegido; o estado natural é, 
para todos, um estado de insegurança e de angústia. 
Assim sendo, o homem sempre tem medo de ser morto 
ou escravizado e esse temor, em última instância mais 
poderoso doque o orgulho, é a paixão que vai dar a 
palavra à razão. (Essa psicologia da vaidade e do medo é, 
em Hobbes, uma espécie de laicização da oposição 
teológica entre o orgulho espiritual e o temor a Deus ou 
humildade.) É o medo, portanto, que vai obrigar os 
homens a fundarem um estado social e a autoridade 
política. 
Os homens, portanto, vão se encarregar de estabelecer a 
paz e a segurança. Só haverá paz concretizável se cada um 
renunciar ao direito absoluto que tem sobre todas as 
coisas. Isto só será possível se cada um abdicar de seus 
direitos absolutos em favor de um soberano que, ao herdar 
os direitos de todos, terá um poder absoluto. Não existe aí 
a intervenção de uma exigência moral. Simplesmente o 
medo é maior do que a vaidade e os homens concordam 
em transmitir todos os seus poderes a um soberano. 
Quanto a este último, notemo-lo bem, ele é o senhor 
absoluto desde então, mas não possui o menor 
compromisso em relação a seus súditos. 
Seu direito não tem outro limite que seu poder e sua 
vontade. No estado de sociedade, como no de natureza, a 
força é a única medida do direito. No estado social, o 
monopólio da força pertence ao soberano. Houve, da parte 
de cada indivíduo, uma atemorizada renúncia do seu 
próprio poder. Mas não houve pacto nem contrato, o que 
houve, como diz Halbwachs, foi "uma alienação e não 
uma delegação de poderes". O efeito comum do poder 
consistirá, para todos, na segurança, uma vez que o 
soberano terá, de fato, o maior interesse em fazer reinar a 
ordem se quiser permanecer no poder. Apesar de tudo, 
esse poder absoluto permanece um poder de fato que 
encontrará seus limites no dia em que os súditos 
preferirem morrer do que obedecer. Em todo caso, esta á a 
origem psicológica que Hobbes atribui ao poder 
despótico. Ele chama de Leviatã ao seu estado totalitário 
em lembrança de uma passagem da Bíblia (Jó XLI) em 
que tal palavra designa um animal monstruoso, cruel e 
invencível que é o rei dos orgulhosos. 
Finalmente, o totalitarismo de Hobbes submete - apesar 
de prudentes reservas - o poder religioso ao poder político. 
Assim é que ele exclui o "papismo" e o 
"presbiterianismo" por causa "dessa autoridade que alguns 
concedem ao papa em reinos que não lhe pertencem ou 
que alguns bispos, em suas dioceses, querem usurpar". 
(http://www.mundociencia.com.br/filosofia/hobbes.htm) 
 
O ESTADO PARA DOMAR O LOBO DO PRÓPRIO 
HOMEM 
 
Para o filósofo inglês Thomas Hobbes, o homem, 
embora vivendo em sociedade, não possui o instinto 
natural de sociabilidade. Cada homem sempre encara seu 
semelhante como um concorrente que precisa ser 
dominado. Onde não houve o domínio de um homem 
sobre outro existirá sempre uma competição intensa até 
que esse domínio seja alcançado. 
A consequência óbvia dessa disputa infindável dos 
homens entre si teria gerado um permanente estado de 
guerra e de matança nas comunidades primitivas. Nas 
palavras de Hobbes: “o homem é o lobo do próprio 
homem (homo homini lúpus)”. 
Só havia uma solução para dar fim à brutalidade social 
primitiva: a criação artificial da sociedade política, 
administrada pelo Estado. Para isso, os homens tiveram 
que firmar um contrato entre si, pelo qual cada um 
transferia seu poder de governar a si próprio a um terceiro 
– o Estado – para que esse estado governasse a todos, 
impondo ordem, segurança e direção à conturbada vida 
social. 
Hobbes apresentou essas ideias no seu livro Leviatã, no 
qual o Estado é comparado a uma criação monstruosa do 
homem, destinada a pôr fim à anarquia e ao caos da 
comunidade primitiva. O nome Leviatã refere-se ao 
monstro bíblico citado no Livro de Jó (Bíblia), descrito da 
seguinte maneira: 
 
O seu corpo é como escudos de bronze fundido (...) 
Em volta de seus dentes está o terror (...) O seu coração 
é duro como a pedra, e apertado como a bigorna de 
ferreiro. No seu pescoço está a força, e diante dele vai a 
fome (...) Não há pode sobre a terra que se lhe compare, 
pois foi feito para não ter medo de nada. 
(Jó, 40-41). 
 
Vejamos, nas palavras do próprio Hobbes, como ele 
imaginou o estabelecimento do contrato social que deu 
origem ao Estado (Leviatã). Para Hobbes, a única maneira 
que os homens tinham para instituir, entre si, um poder 
comum era: 
 
Conferir toda sua força e poder a um homem, ou a 
uma assembleia de homens, que possa reduzir suas 
diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só 
vontade (...) é como se cada homem dissesse a cada 
homem (...) transfiro meu direito de governar-me a mim 
mesmo a este Homem, ou a esta Assembleia de homens, 
com a condição de transferires a ele teu direito, 
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. 
Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se 
chama Estado (...) É esta a geração daquele grande 
Leviatã (...)ao qual devemos (...) nossa paz e defesa. 
Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada 
indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho 
poder e orça que o terror assim inspirado o torna capaz 
de conformar as vontades de todos eles, no sentido da 
paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os 
inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do 
Estado, a qual pode ser assim definida: uma pessoa de 
cujos atos uma grande multidão, mediante pactos 
recíprocos uns cm os outros, foi instituída por cada um 
como autora, de modo a ela poder usar a força e os 
recurso de todos, da maneira que considerar 
conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. 
Àquele que é portador dessa pessoa se chama Soberano, 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
40 
e dele se diz que possui poder soberano. Todos os 
restantes são súditos. 
HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 105-6 
 
É na obra Sobre o cidadão que Hobbes expõe 
primeiramente suas concepções sobre a origem do poder 
político, que contrariam a tese de Aristóteles, que, como 
vimos, apresentava o homem como naturalmente sociável. 
Para Hobbes, os homens só passam a viver em sociedade 
diante de uma ameaça à preservação da vida. Ou seja, 
entre os homens a cooperação não é natural, como se dá 
com as abelhas e as formigas, por exemplo. O pacto 
social, através do qual se estabelece uma ordem moral e 
política, vem da necessidade de acabar com o estado de 
guerra, de conservar a vida, sendo por isso artificial. 
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora 
Saraiva, 2002. pp. 301-303) 
 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Hobbes afirmava que os seres humanos em seu estado 
natural não diferenciam seus atos entre justos ou injustos 
(noção de moralidade). Procuram aquilo que lhes dê prazer, e 
evitam o desprazer. O que chamamos de bem é tão somente 
aquilo para o qual tendemos, enquanto o mal seria só aquilo 
que evitamos. 
• Hobbes define a liberdade como a ausência de 
impedimentos à movimentação humana, na qual cada um dos 
homens se conduz unicamente por sua sobrevivência traduzida 
em desejo de poder. 
• Para Hobbes, o homem, embora vivendo em sociedade, 
não possui o instinto natural de sociabilidade. Cada homem 
sempre encara seu semelhante como um concorrente que 
precisa ser dominado, “o homem é o lobo do próprio homem”. 
• Os homens só passam a viver em sociedade diante de 
uma ameaça à preservação da vida. O pacto social, através do 
qual se estabelece uma ordem moral e política, vem da 
necessidade de acabar com o estado de guerra, de conservar a 
vida, sendo por isso artificial. 
• Ao passarem do estado de natureza para o estado de 
sociedade, os seres humanos procedem voluntaria e 
contratualmente trocando a guerra pela paz e a liberdade pela 
segurança que será garantida com a criação coletiva de um ser 
soberano ou instituição artificial, o Estado (Leviatã). 
 
 
 
 UNIDADE 14 
 
RENE DESCARTES 
 
 A filosofia de Descartes assenta numa concepção 
unitária do saber, fundada na razão. 
A sabedoria é única,porque a razão é única, e só ela nos 
permite distinguir o verdadeiro do falso, o conveniente do 
inconveniente. Com o objetivo de criar um fundamento 
seguro para a filosofia, desenvolve um método de dúvida 
radical, que constitui a base da sua filosofia. 
Este método surge como resposta ao ambiente de 
incerteza do seu próprio tempo. Com ele empreende um 
enorme trabalho de reconstrução de todo o saber que é 
deduzido a partir de certezas indubitáveis. Após ter posto 
em causa todo o saber adquirido pela experiência, chega à 
primeira certeza indubitável: a da sua existência como ser 
pensante ("Penso, logo existo"). É com base nesta 
evidência que irá desenvolver uma ciência universal. 
(http://afilosofia.no.sapo.pt/12Descartes.htm) 
 
AS IDEIAS 
 
A maior parte da obra de Descartes é consagrada às 
ciências (domínios da matemática e da ótica) mas o que 
ele mais quer é conseguir um modo de chegar a verdades 
concretas. Sua filosofia, exposta principalmente em o 
"Discurso sobre o Método", o mais amplamente lido de 
todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal. 
 
 
René Descartes (1596-1650) 
 
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é 
proposta como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida 
sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como para os 
céticos. Argumenta que as ideias em geral são incertas e 
instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, 
se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem 
a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das 
experiências dos sentidos, e isto significa que residem na 
mente de todas as pessoas e são inatas. Descartes vai, por 
etapas, nomear as ideias que ele inclui nessa categoria de 
claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são ideias 
verdadeiras, não podem ser ideias falsas. 
A primeira ideia que examina é a do próprio Eu. Desta 
ideia, diz ele que não pode duvidar. É a ideia do próprio 
Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua 
célebre frase: "Penso, logo existo". 
Este dito, talvez o mais famoso na história da filosofia, 
aparece primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o 
método", de 1637, em francês, Je pense donc je suis, e 
depois na primeira parte do "Princípios de Filosofia" 
(1644) que é praticamente a versão latina do "Discurso", 
Cogito ergo sum. Mas, Descartes pondera, a ideia de 
minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo 
existo") não me traz nenhuma certeza sobre qualquer ideia 
do mundo físico. 
Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas 
uma única verdade, a de que ele existe, e isto não basta 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
41 
para encontrar a verdade sobre o universo. O mundo 
existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias 
ideias com grande nitidez e estabilidade, e delas 
compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante 
que não estejamos todos enganados. Uma delas é a ideia 
da "extensão". 
Esta é uma ideia que Descartes considera inata, clara e 
evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa ideia 
existe no espírito humano como a ideia de algo dotado de 
grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna 
provável a existência dos corpos, a existência dos objetos 
e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a ideia de 
extensão não é garantia de que os objetos correspondam às 
ideias que deles fazemos. 
 
 
DEUS VERDADEIRO 
 
O problema está em encontrar uma garantia de que a 
tais ideias de objetos correspondam efetivamente a algo 
real. Tenho também a ideia de Deus. Mas agora sim, tenho 
uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o pensar, 
do qual concluo que se penso, então existo com certeza. A 
garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que 
nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, 
poderia ter produzido a ideia de um ser infinito e perfeito; 
somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como 
"a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, 
conclui no "Discurso sobre o Método", a ideia de Deus 
implica a real existência de Deus. 
Voltemos então à ideia clara, distinta e inata da extensão. 
Se a percepção que tenho da extensão não correspondesse a 
uma realidade extensa, isso significaria que o espírito 
humano estaria sempre errado, e então essa ideia de 
extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com 
a ideia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como 
ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir 
o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é 
perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior 
não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que 
indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e 
Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe 
como coisa física. Portanto, as ideias claras e distintas 
correspondem de fato à realidade - elas não são a armadilha 
de um gênio enganador e perverso. 
 
DUALISMO 
 
Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua 
concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O 
universo consiste de duas diferentes substâncias: as 
mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última 
sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável 
em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem 
as duas substâncias se juntaram em uma união substancial, 
unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um 
dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada 
pela escolástica tomista. 
Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma 
distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na 
diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu 
conceito fixo. Para ele o "poder de conhecer" é sempre o 
mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado. 
Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal 
aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em muitas 
de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou 
seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo. 
Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação 
entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido 
de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, - 
um pequeno corpo localizado centralmente na base do 
cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada 
saber de sua atividade fisiológica por muito tempo 
desconhecida pela ciência. 
Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a 
psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o 
comportamento de animais inteiramente em bases de 
funções mecânicas do sistema nervoso, negando que 
tivessem "almas". Ele também propôs uma teoria que 
explicava a percepção visual de distancia, forma e 
tamanho, em termos de indicações secundárias. 
 
ÉTICA 
 
Descartes reconhece o corpo humano como a mais 
perfeita das máquinas; trabalha por impulsos naturais, - o 
que é hoje chamado reflexos condicionados -, mas os 
efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser 
controlados ou modificados pela mente, pelo poder de 
vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há 
igualmente a necessidade de uma higiene mental, a qual é 
baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores 
psicológicos que condicionam o comportamento. A mente 
necessita do treinamento do "bom senso" e a aquisição de 
sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento 
das verdades da metafísica a qual, por seu turno, inclui o 
conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a 
atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro 
dos valores, ou seja, em ideias claras e distintas garantidas 
por Deus, do valor relativo das coisas. 
...É o Bom Deus quem garante o conhecimento 
científico, porque garante as ideias claras. A física 
cartesiana resulta, assim, de deduções racionais abstratas: 
Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da 
dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo 
físico está de antemão provadopor uma ideia inata, a de 
extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante 
que ideias claras da realidade têm correspondência na 
realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos 
capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do 
homem, cujas impressões sensíveis vêm de fora e são 
deformadas. 
 
O MÉTODO 
 
O seu Método para o raciocínio correto é principalmente 
"nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa 
não pode ser vista clara e distintamente como tal. 
Descartes assim implica a rejeição de todas as ideias e 
opiniões aceitas, a determinação a duvidar até ser 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
42 
convencido do contrario por fatos auto evidentes. Outro 
preceito é "Conduzir os pensamentos em ordem, 
começando com os objetos que são os mais simples e 
fáceis de saber e assim procedendo, gradualmente, ao 
conhecimento dos mais complexos. 
Recomenda recapitular a "cadeia de raciocínio" para se 
estar certo de que não há omissões. Propõe também 
preceitos metodológicos complementares ou preparatórios 
da evidência: o preceito da análise (dividir as dificuldades 
que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam 
necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir 
com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais 
simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois 
tentar gradativamente o conhecimento dos mais 
complexos) e o da enumeração (realizar enumerações de 
modo a verificar que nada foi omitido). 
 
INFLUÊNCIA 
 
A Física de Descartes tem, como é salientado 
geralmente, raízes metafísicas, isto é, a certeza depende, 
em ultima análise, da fé em Deus. Neste sentido, não 
deixou de representar um certo retrocesso, se 
consideramos quanto todos os eruditos de então, incluídos 
aqueles seus contemporâneos que vieram a ser mártires do 
saber, estavam empenhados em abrir o caminho oposto, 
suplicando a seus algozes a separação entre filosofia e 
religião. Mas aconteceu que a filosofia de Descartes, em 
lugar de por esse motivo precipitar-se no esquecimento, 
projetou-se para o alto, e isto aconteceu graças à 
oportunidade e ao soar sedutor de uma frase: "Penso, logo 
existo". Além de agradável como uma goma de mascar, 
essa frase também representou, na época, um desafio à 
ditadura dos intelectuais escolásticos. Deixava claro que 
só existe um ponto de partida verdadeiro, mesmo na 
dúvida, que sou eu e meu pensamento: se duvido, penso, e 
se penso, existo. Ela foi prontamente interpretada com 
sentido de liberdade e emulação de coragem para a busca 
da verdade, e não o de apenas indicar, como seu autor 
pretendia, a tábua rasa jacente sob as ideias inatas 
garantidas por Deus. Portanto esta frase na verdade está, 
no seu sentido mais revolucionário, divorciada do próprio 
pensamento de Descartes. Porém, graças a ela Descartes, 
embora não tenha sido o primeiro a tentar, na verdade foi 
o primeiro a conseguir libertar o pensamento filosófico de 
suas peias escolásticas e assim inaugurar definitivamente a 
filosofia moderna. 
(http://antroposmoderno.com/biografias/Descartes.html) 
 
A METAFÍSICA 
 
No Discurso sobre o Método, Descartes pensa 
sobretudo na ciência. Para bem compreender sua 
metafísica, é necessário ler as Meditações. 
 
1. - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário 
espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender 
que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida 
metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e 
sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um 
argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os 
instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares 
psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um 
verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, 
uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz 
Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de 
estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o 
"robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à 
lareira; na verdade, "estava despido em meu leito"). 
Duvidemos também das próprias evidências científicas 
e das verdades matemáticas! Mas quê? Não é verdade - 
quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se 
um gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me 
iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e 
físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso 
duvidar do objeto (permitam-me retomar os termos do 
mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié). 
2. - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, 
mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo 
que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu 
penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, 
mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, 
cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio 
(apesar do logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida 
que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, 
metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um 
ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer 
Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente 
gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, 
portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do 
que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito 
pensante e suas idéias como o fundamento de todo 
conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico 
(estes objetos que são as evidências matemáticas remetem 
a este ser que é meu pensamento). 
3. - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu 
itinerário espiritual, Descartes é solipsista. Ele só tem 
certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre 
duvido desse objeto que é meu corpo; a alma, diz 
Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser conhecida 
que o corpo"). 
É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes 
escapará dessa solidão. Dentre as idéias do meu cogito 
existe uma inteiramente extraordinária. É a idéia de 
perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim 
mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão 
imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la 
recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o 
autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a 
existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus 
perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o 
fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é 
perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e todas as 
minhas idéias claras e distintas são garantidas pela 
veracidade divina. Uma vez que Deus existe, eu então 
posso crer na existência do mundo. O caminho é 
exatamente o inverso do seguido por São Tomás. 
Compreenda-se que, para tanto, não tenho o direito de 
guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem 
confusas e que só têm um valor de sinal para os instintos 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
43 
do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto 
(por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é 
o que é claramente pensável, isto é, a extensão e o 
movimento). Alguns acham que Descartes fazia um 
circulo vicioso: a evidência me conduz a Deus e Deus me 
garante a evidência! Mas não se trata da mesma evidência. 
A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a 
Deus fundamenta a evidência dos objetos matemáticos. 
Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma 
evidência mais profunda que a ciência. É ela que 
fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode 
ser geômetra!). 
4. - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de 
provar a existência de Deus. Não mais se trata de partir de 
mim, que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de 
Deus que há em mim. Apreender a idéia de perfeição e 
afirmar a existência do ser perfeito é a mesma coisa. Pois 
uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o 
argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo 
que Descartes (que não leu SantoAnselmo) reencontra: 
trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma 
experiência espiritual (a de um infinito que me ultrapassa) 
do que de um raciocínio. 
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes.htm) 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela 
é proposta como uma via para se chegar à certeza e não é 
dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como 
para os céticos. 
• Após ter posto em causa todo o saber adquirido pela 
experiência, chega à primeira certeza indubitável: a da sua 
existência como ser pensante ("Penso, logo existo"). 
• Frequentemente os seres humanos erram nos seus 
julgamentos porque se apóiam nas informações recolhidas 
através do conhecimento sensível, por isso o conhecimento 
verdadeiro só pode ser puramente intelectual, isto é, tendo 
como ponto de partida ideias inatas ou observações que foram 
inteiramente controladas pelo pensamento. 
• A ideia de perfeição não tem origem humana, pois ele é 
imperfeito. Assim, a ideia de perfeição só pode ter surgido de 
um ser perfeito, autor de si mesmo e de todas as coisas. A 
existência de Deus fica, por tanto demonstrada através do 
pensamento humano. 
 
 
 UNIDADE 15 
 
JOHN LOCKE 
 
Sobre a linha do desenvolvimento do empirismo, Locke 
representa um progresso em confronto com os 
precedentes: no sentido de que a sua gnosiologia 
fenomenista-empirista não é dogmaticamente 
acompanhada de uma metafísica mais ou menos 
materialista. Limita-se a nos oferecer, filosoficamente, 
uma teoria do conhecimento, mesmo aceitando a 
metafísica tradicional, e do senso comum pelo que 
concerne a Deus, à alma, à moral e à religião. Com 
relação à religião natural, não muito diferente do deísmo 
abstrato da época; o poder político tem o direito de impor 
essa religião, porquanto é baseada na razão. Locke 
professa a tolerância e o respeito às religiões particulares, 
históricas, positivas. 
 
 
John Locke (1632-1704) 
 
Locke viajou fora da Inglaterra, especialmente em 
França, onde ampliou o seu horizonte cultural, entrou em 
contato com movimentos filosóficos diversos, em especial 
com o racionalismo. Tornou-se mais consciente do seu 
empirismo, que procurou completar com elementos 
racionalistas (o que, entretanto, representa um desvio na 
linha do desenvolvimento do empirismo, procedente de 
Bacon até Hume). 
As fontes principais do pensamento de Locke são: o 
nominalismo escolástico, cujo centro famoso era Oxford; 
o empirismo inglês da época; o racionalismo cartesiano e 
a filosofia de Malebranche. 
 
O PENSAMENTO 
 
Locke julga, como Bacon, que o fim da filosofia é 
prático. Entretanto - diversamente de Bacon, que julgava 
fim da filosofia o conhecimento da natureza para dominá-
la (fim econômico) - Locke pensa que o fim da filosofia é 
essencialmente moral; quer dizer: a filosofia deve 
proporcionar uma norma racional para a vida do homem. 
E, como os seus predecessores empiristas, ele sente, antes 
de mais nada, a necessidade de instituir uma investigação 
sobre o conhecimento humano, elaborar uma gnosiologia, 
para achar um critério de verdade. Podemos dizer que a 
sua filosofia se limita a este problema gnosiológico, para 
logo passar a uma filosofia moral (e política, pedagógica, 
religiosa), sem uma adequada e intermédia metafísica. 
Locke não parte, realisticamente, do ser, e sim, 
fenomenisticamente, do pensamento. No nosso 
pensamento acham-se apenas ideias (no sentido genérico 
das representações): qual é a sua origem e o seu valor? 
Locke exclui absolutamente as ideias e os princípios que 
deles se formam, derivam da experiência; antes da 
experiência o espírito é como uma folha em branco, uma 
tabula rasa. 
No entanto, a experiência é dúplice: externa e interna. A 
primeira realiza-se através da sensação, e nos proporciona 
a representação dos objetos (chamados) externos: cores, 
sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. A 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
44 
segunda realiza-se através da reflexão, que nos 
proporciona a representação das próprias operações 
exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, 
como: conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc. Nas 
ideias proporcionadas pela sensibilidade externa, Locke 
distingue as qualidades primárias, absolutamente 
objetivas, e as qualidades secundárias, subjetivas 
(objetivas apenas em sua causa). 
As ideias ou representações dividem-se em ideias 
simples e ideias complexas, que são uma combinação das 
primeiras. Perante as ideias simples - que constituem o 
material primitivo e fundamental do conhecimento - o 
espírito é puramente passivo; pelo contrário, é ele ativo na 
formação das ideias complexas. Entre estas últimas, a 
mais importante é a substância: que nada mais seria que 
uma coleção constante de ideias simples, referida pelo 
espírito a um misterioso substrato unificador. O espírito é 
também ativo nas sínteses que são as ideias de relação, e 
nas análises que são as ideias gerais. Às ideias de ralação 
pertencem as relações temporais e espaciais e de ideias 
simples dos complexos a que pertencem e da 
universalização da ideia assim isolada, obtendo-se, desse 
modo, a ideia abstrata (por exemplo, a brancura). Locke é, 
mais ou menos, nominalista: existem, propriamente, só 
indivíduos com uma essência individual, e as ideias gerais 
não passam de nomes, que designam caracteres comuns a 
muitos indivíduos. Entretanto, os nomes que designam 
uma ideia abstrata, isto é, uma propriedade semelhante em 
muitas coisas, têm um valor e um escopo práticos: auxiliar 
os homens a se conduzirem na vida. 
Dado o nominalismo de Locke, compreende-se como, 
para ele, é impossível a ciência verdadeira da natureza, 
considerada como conhecimento das leis universais e 
necessárias. Locke julga também inaplicável à natureza a 
matemática - reconhecendo-lhe embora o caráter de 
verdadeira ciência - isto é, não acredita na físico-
matemática, à maneira de Galileu. Entretanto, mesmo que 
a ciência da natureza não nos desse senão a probabilidade, 
a opinião, seria útil enquanto prática. 
Até aqui foram analisados e descritos os conteúdos de 
consciência. É mister agora propor a questão do seu valor 
lógico. Costuma-se dizer que as ideias são "verdadeiras ou 
falsas"; melhor seria chamá-las "justas ou erradas", 
porque, propriamente, "a verdade e a falsidade pertencem 
às proposições", em que se afirma ou se nega uma relação 
entre duas ideias. E esta relação, afirmada ou negada, 
pode ser precisamente falsa ou verdadeira. O 
conhecimento da relação positiva ou negativa entre as 
ideias é, segundo Locke, de dois tipos: intuitivo e 
demonstrativo. No primeiro caso a relação é colhida 
intuitiva, imediata e evidentemente. Por exemplo: 3 = 2 + 
1. No segundo caso a relação é colhida mediatamente, 
recorrendo às ideias intermediárias, ao raciocínio. Por 
exemplo: a existência de Deus demonstrada pela nossa 
existência e pelo princípio de causalidade. Naturalmente, a 
demonstração é inferior à intuição. 
 
IDEIAS METAFÍSICAS 
 
Estamos, porém, ainda fechados no mundo subjetivo, 
fenomênico; de fato, tratou-se, até agora, de relações 
positivas ou negativas, concordes ou desacordes com as 
ideias. Podemos nós sair desse mundo subjetivo e atingir o 
mundo objetivo, isto é, podemos conhecê-lo 
imediatamente ou mediatamente na sua existência e na sua 
natureza? Locke afirma-o, sem mostrar, entretanto, como 
este conhecimento do mundo externo possa concordar 
com a sua geral (fenomenista) concepção e definição do 
conhecimento. É a sólita posição de um fenomenismo 
ainda não plenamente consciente de si mesmo. Corta as 
relações com o ser e vai para o fenomenismo absoluto, 
mas tem ainda saudade desse ser do qual se isolou. 
Em todo caso, Locke acredita poder atingir, antes de 
tudo, o nosso ser, depois o de Deus, e, finalmente,o das 
coisas. O nosso ser seria intuitivamente percebido através 
da reflexão. A existência de Deus seria racionalmente 
demonstrada mediante o princípio de causa, partindo do 
conhecimento imediato de uma outra existência (a nossa). 
A existência das coisas, alfim, seria sentida 
invencivelmente, porque nos sentimos passivos em nossas 
sensações, que deveriam ser causadas por seres externos a 
nós. 
Entretanto, pelo que diz respeito ao nosso ser, é mister 
ter presente que nós não conhecemos intuitivamente a 
substância da alma, e sim as suas atividades. Pelo que diz 
respeito a Deus, a prova da sua existência vale, se vale 
absolutamente o princípio de causa - o que Locke não 
demonstrou. Enfim, pelo que diz respeito às coisas 
externas, mesmo admitida a prova aduzida por Locke - 
segundo a confissão do próprio filósofo - tal prova vale 
apenas pelo que concerne à existência das coisas, e não 
pelo que concerne à natureza delas. De fato, segundo a 
filosofia de Locke, não sabemos se as ideias da natureza 
das coisas correspondem à realidade das coisas. 
 
MORAL E POLÍTICA 
 
Locke não admite, naturalmente, ideias e princípios 
inatos nem sequer no campo da moral. A sua moral, 
todavia, é muito mais intelectualista do que empirista, pois 
ele lhe reconhece o caráter de verdadeira ciência, 
universal e necessária. 
Entretanto, não basta ter construído uma moral em 
abstrato, embora racional. É preciso torná-la praticamente 
eficaz, isto é, faz-se mister uma obrigação moral, que se 
imponha à nossa vontade. Ora, visto que é natural, no 
homem, a tendência para o próprio bem-estar, é natural 
que ele seja atingido pelas penas, pelas sanções, que 
precisamente lhe impedem tal realização. Que parte tem a 
liberdade da vontade em tudo isto? Locke nega, 
propriamente, o livre arbítrio, porquanto nós nos 
inclinamos necessariamente para um bem determinado e 
devemos desejar o bem maior. 
Quanto à política, Locke deriva a lei civil da lei natural, 
racional, moral, em virtude da qual todos os homens - 
como seres racionais - são livres e iguais, têm direito à 
vida e à propriedade; e, entretanto na vida política, não 
podem renunciar a estes direitos, sem renunciar à própria 
dignidade, à natureza humana. Locke admite um 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
45 
originário estado de natureza antes do estado civilizado. 
Não, porém, no sentido brutal e egoísta de inimizade 
universal, como dizia Hobbes; mas em um sentido moral, 
em virtude do qual cada um sente o dever racional de 
respeitar nos outros a mesma personalidade que nele se 
encontra. 
Também Locke admite a passagem do estado de 
natureza ao estado civilizado, porquanto, no primeiro, 
falta a certeza e a regularidade da defesa e da punição, que 
existe no segundo, graças à autoridade do superior. 
Entretanto, estipulando este contrato social, os indivíduos 
não renunciam a todos os direitos, porquanto os direitos 
que constituem a natureza humana (vida, liberdade, bens), 
são inalienáveis; mas renunciam unicamente ao direito de 
defesa e de fazer justiça, para conseguir que os direitos 
inalienáveis sejam melhor garantidos. Antes, se o estado 
violasse esses direitos inalienáveis, os indivíduos teriam o 
direito e o dever de a ele resistir e de se revoltar contra o 
poder usurpador. A doutrina política de Locke, contida no 
seu Tratado sobre o Governo Civil, é a expressão teórica 
do constitucionalismo liberal inglês, em contraste com a 
doutrina do absolutismo naturalista de Hobbes. 
(http://www.mundociencia.com.br/filosofia/locke.htm) 
 
 
 
A CONCEPÇÃO LIBERAL DO ESTADO 
 
Assim como Hobbes, o filósofo inglês Locke também 
refletiu sobre a origem do poder político e sobre sua 
necessidade para congregar os homens, que, em seu 
estado de natureza, vivam isolados. 
No entanto, enquanto Hobbes imagina um estado de 
natureza marcado pela violência e pela “guerra de todos 
contra todos”, Locke faz uma reflexão mais moderada e se 
refere ao estado de natureza como uma condição na qual, 
pela falta de uma normatização geral, cada qual seria juiz 
da sua própria causa, o que levaria ao surgimento de 
problemas nas relações entre os homens. Para evitar esses 
problemas, é que o Estado teria sido criado. O Estado teria 
a função de garantir a segurança dos indivíduos e seus 
direitos naturais, como a liberdade e a propriedade. Nas 
palavras de Locke: 
 
Se o homem no estado de natureza é tão livre, 
conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria 
pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por 
que abrirá ele mão dessa liberdade, por que 
abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e 
controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio 
responder que, embora no estado de natureza tenha tal 
direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está 
constantemente exposta à invasão de terceiros porque, 
sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a 
ele, na maior parte pouco observadores da equidade e 
da justiça, a fruição da propriedade que possui neste 
estado é muito insegura, muito arriscada. Estas 
circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição 
que, embora livre, está cheia de temores e perigos 
constantes, e não é sem razão que procura de boa 
vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já 
unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua 
conservação da vida, da liberdade e dos bens a que 
chamo de “propriedade”. 
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo, p. 88. 
 
Diferentemente de Hobbes, portanto, Locke concebe a 
sociedade política como um meio de assegurar os direitos 
naturais e não como o resultado de uma transferência dos 
direitos dos indivíduos para o governante. E assim nasce a 
concepção de Estado liberal, segundo a qual o Estado 
deve regular as relações entre os homens, atuar como juiz 
nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo as 
liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao 
pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade 
econômica. 
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora 
Saraiva, 2002. pp. 303-304) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Para Locke, o entendimento é como uma “tabula rasa” 
que vai sendo, paulatinamente preenchida pelos conteúdos 
recolhidos mediante os sentidos. Todo conteúdo presente na 
mente deriva da experiência, e, desse modo, não podemos 
afirmar que existe algo na mente que não tenha sido objeto de 
uma experiência. 
• Locke entende por ideia qualquer coisa que esteja 
presente na consciência, seja de natureza sensível ou de 
natureza reflexiva. Das ideias simples, a mente avança em 
direção às ideias cada vez mais complexas chegando às ideias 
gerais ou universais que já não mais correspondem a realidades 
ou a essências existentes, mas são nomes que instituímos por 
convenção para organizar nossos pensamentos e discursos. 
• Locke identifica a liberdade com o direito de todos os 
homens para reger racionalmente suas vidas e reconhecendo 
naturalmente a autonomia dos demais membros de sua 
espécie. Assim as ações de um indivíduo não podem implicar 
no prejuízo de outros. 
• Através do seu trabalho o homem se apropria de parte da 
natureza separando o que desde então passa a lhe pertencer 
em particular daquilo que é um bem comum à humanidade. 
Portanto, a propriedade privada de parte dos recursos naturais, 
matérias primas, meios de produção e produtos finais é uma 
justa consequência do trabalho, pois quem investiu algo de si à 
natureza transformou o produto desse esforço em parte de si 
mesmo. 
• É com Locke que nasce a concepção de Estado liberal, 
segundo a qual o Estado deve regular as relações entre os 
homens e atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer 
isso garantindo as liberdades e direitos individuais, tanto no que 
se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e 
atividade econômica. 
 
Exercícios 
 
1. (ENEM 2014) Todo homem de bom juízo, depois que 
tiver realizadosua viagem, reconhecerá que é um milagre 
manifesto ter podido escapar de todos os perigos que se 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
46 
apresentam em sua peregrinação; tanto mais que há tantos 
outros acidentes que diariamente pode, aí ocorrer que seria 
coisa pavorosa àqueles que aí navegam querer pô-los 
todos diante dos olhos quando querem empreender suas 
viagens. 
J. P. T. Histoire de plusieurs voyages aventureux. 1600. In: DELUMEU, 
J. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Cia. das 
Letras, 2009 (adaptado). 
 
Esse relato, associado ao imaginário das viagens 
marítimas da época moderna, expressa um sentimento de 
a) gosto pela aventura. 
b) fascínio pelo fantástico. 
c) temor do desconhecido. 
d) interesse pela natureza. 
e) purgação dos pecados. 
 
2. (ENEM 2015) A natureza fez os homens tão iguais, 
quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora 
por vezes se encontre um homem manifestamente mais 
forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, 
mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, 
a diferença entre um e outro homem não é suficientemente 
considerável para que um deles possa com base nela 
reclamar algum benefício a que outro não possa 
igualmente aspirar. 
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil, 
quando dois homens desejavam o mesmo objeto, eles 
a) entravam em conflito 
b) recorriam aos clérigos. 
c) consultavam os anciãos. 
d) apelavam aos governantes. 
e) exerciam a solidariedade. 
 
3. (ENEM 2014) É o caráter radical do que se procura que 
exige a radicalização do próprio processo de busca. Se 
todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza 
que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada 
pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma 
daquelas que foram anteriormente varridas por essa 
mesma dúvida. 
SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: 
Moderna, 2001 (adaptado) 
 
Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida 
radical da filosofia cartesiana tem caráter positivo por 
contribuir para o (a) 
a) dissolução do saber científico 
b) recuperação dos antigos juízos. 
c) exaltação do pensamento clássico. 
d) surgimento do conhecimento inabalável. 
e) fortalecimento dos preconceitos religiosos. 
 
4. (ENEM 2013) 
TEXTO I 
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus 
primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como 
verdadeiras, e de aquilo que depois eu fundei em 
princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui 
duvidoso e incerto. Era necessário tentar seriamente, uma 
vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a 
que até então dera crédito, e começar tudo novamente a 
fim de estabelecer um saber firme e inabalável. 
DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia. 
São Paulo: Abril Cultural, 1973 (adaptado) 
 
TEXTO II 
É o caráter radical do que se procura que exige a 
radicalização do próprio processo de busca. Se todo o 
espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que 
aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela 
própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas 
que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida. 
SILVA, F.I. Descartes, a metafísica da modernidade. São Paulo: 
Moderna, 2001 (adaptado) 
 
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, 
para viabilizar a reconstrução radical do conhecimento, 
deve-se: 
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência 
com legitimidade. 
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas 
ideias e concepções. 
c) investigar os conteúdos da consciência dos homens 
menos esclarecidos. 
d) buscar uma via para eliminar da memória saberes 
antigos e ultrapassados. 
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que 
dispensam ser questionados. 
 
5. (ENEM 2014) A filosofia encontra-se escrita neste 
grande livro que continuamente se abre perante nossos 
olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender 
antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os 
quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, 
os caracteres são triângulos, circunferências e outras 
figuras geométricas, sem cujos meios é impossível 
entender humanamente as palavras; sem eles, vagamos 
perdidos dentro de um obscuro labirinto. 
GALILEI, G. O ensaiador. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 
1978. 
 
No contexto da Revolução Científica do século XVII, 
assumir a posição de Galileu significava defender a 
a) continuidade do vínculo entre ciência e fé dominante 
na Idade Média. 
b) necessidade de o estudo linguístico ser acompanhado 
do exame matemático. 
c) oposição da nova física quantitativa aos pressupostos 
da filosofia escolástica. 
d) importância da independência da investigação 
científica pretendida pela igreja. 
e) inadequação da matemática para elaborar uma 
explicação racional da natureza. 
 
6. (ENEM 2013) Os produtos e seu consumo constituem 
a meta declarada do empreendimento tecnológico. Essa 
meta foi proposta pela primeira vez no início da 
Modernidade, como expectativa de que o homem poderia 
dominar a natureza. No entanto, essa expectativa, 
convertida em programa anunciado por pensadores como 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
47 
Descartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não 
surgiu “de um prazer de poder”, “de um mero 
imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o 
homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente. 
CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico de três enfoques. 
Scientiae Studia. São Paulo, v.2 n. 4, 2004 (adaptado). 
 
Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e 
Bacon, e o projeto iluminista concebem a ciência como 
uma forma de saber que almeja libertar o homem das 
intempéries da natureza. Nesse contexto, a investigação 
científica consiste em: 
a) expor a essência da verdade e resolver 
definitivamente as disputas teóricas ainda existentes. 
b) oferecer a última palavra acerca das coisas que 
existem e ocupar o lugar que outrora foi da filosofia. 
c) ser a expressão da razão e servir de modelo para 
outras áreas do saber que almejam o progresso. 
d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a 
natureza e eliminar os discursos éticos e religiosos. 
e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos 
naturais e impor limites aos debates acadêmicos. 
 
GABARITO 
 
1 2 3 4 5 6 
C A D B C C 
 
 UNIDADE 16 
 
FILOSOFIA ILUMINISTA 
 
Esse período também crê nos poderes da razão, 
chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O 
Iluminismo afirma que: 
 Pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a 
felicidade social e política (a filosofia da Ilustração foi 
decisiva para as ideias da Revolução Francesa de 1789); 
 A razão é capaz de evolução e progresso, e o homem é 
um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberar-
se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em 
libertar-se da superstição e do medo, graças ao 
conhecimento, às ciências, às artes e à moral; 
 O aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progresso 
das civilizações, que vão das mais atrasadas (também 
chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais 
adiantadas e perfeitas (as da Europa ocidental); 
 Há diferença entre Natureza e civilização, isto é, a 
Natureza é o reino das relações necessárias de causa e 
efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto 
a civilização é o reino da liberdade e da finalidade 
proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu 
aperfeiçoamento moral, técnico e político. 
Nesse período há grande interesse pelas ciências que se 
relacionam com a ideia de evolução e por isso, a biologias 
terá um lugar central no pensamento ilustrado, 
pertencendo ao campo da filosofia da vida. 
Data também desse período o interesse pela 
compreensão das bases econômicasda vida social e 
política, surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma 
da riqueza das nações, com uma controvérsia sobre a 
importância maior ou menor da agricultura e do comércio, 
controvérsia que se exprime em duas correntes do 
pensamento econômico: a corrente fisiocrata (a agricultura 
é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o 
comércio é a fonte principal da riqueza das nações). 
 
DAS TREVAS PARA A LUZ 
 
Inicialmente, as ideias do Iluminismo foram 
disseminadas por filósofos e economistas que se diziam 
propagadores da luz e do conhecimento. Julgavam que a 
via para se adquirir o conhecimento era através da razão, e 
para isso, o estimula ao questionamento sobre a origem ou 
a ordem das coisas que se fazia presente em suas 
discussões; utilizavam-se da pesquisa e da investigação 
para entender, na natureza, a sociedade, a economia, a 
política e o próprio ser humano - o antropocentrismo, ou 
seja, o avanço da ciência e da razão. 
Considerado como uma doutrina filosófica, o 
Iluminismo marcou a passagem da Idade Moderna para a 
Idade Contemporânea. Teve seu inicio na Inglaterra, no 
século 17 e seu auge na França, no século 18. A doutrina 
teve como "pai" o filósofo John Locke, além de René 
Descartes, pai do racionalismo, que possibilitou acontecer 
esse movimento. 
Podemos resumir o Iluminismo em uma única frase, 
pode-se dizer que ele é, segundo Kant, a "saída do ser 
humano do estado de não emancipação em que ele próprio 
se colocou. Essa não emancipação é a incapacidade de 
fazer uso da razão sem recorrer a outros". A partir dessas 
máximas, o Iluminismo precedeu e possibilitou a 
Revolução Francesa e suas consequências influenciaram 
também a história dos Estados Unidos e até mesmo do 
Brasil, além de influenciar a sociedade até hoje, afinal, 
todos os cidadãos que vivem em uma democracia são 
livres, iguais e tem o direito de adquirir uma propriedade. 
Os princípios iluministas eram o racionalismo 
(duvidando-se de tudo é que se chega à verdade absoluta), 
individualismo (cada um deve ser responsável pela sua 
evolução) e a liberdade religiosa (eram contra a religião, 
mas não contra Deus - consequência da Reforma 
Protestante). Esses princípios refletem hoje em nossa 
sociedade, onde as pessoas não têm mais tanto afinco com 
as religiões. 
Esse movimento intelectual defendia o uso da razão 
(luz) contra o antigo regime (trevas) e pregava maior 
liberdade econômica e política. Defendiam a liberdade da 
escolha e a igualdade perante a lei, até mesmo religiosa. 
Opunham-se às ideias do absolutismo e de todas as suas 
características que privilegiava a nobreza e o clero, além 
de críticos fervorosos do mercantilismo, da Igreja católica 
e de seus métodos, respeitando, porém a crença em Deus. 
Por meio dessa liberdade, a proposta do Iluminismo se 
estendia também ao direito a educação para todos, assim 
com essa visão mais solidária, e menos separatista, 
encontraram facilmente a adesão, das suas ideias na 
população, principalmente porque o povo se sentia 
aprisionado e limitado. Essa vertente acaba por atingir e 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
48 
intimidar alguns reis absolutistas que, com medo de 
perderem o governo, passaram a aceitar algumas ideias do 
movimento. Esses eram chamados Déspotas Esclarecidos 
(tentavam conciliar o Iluminismo com o absolutismo). 
O movimento causado pelo Iluminismo promoveu 
mudanças políticas, econômicas e sociais, baseadas nos 
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. 
Principalmente por ter apoio da burguesia, pois os 
pensadores e os burgueses tinham interesses comuns. 
O Iluminismo sintetiza diversas tradições filosóficas, 
correntes intelectuais e atitudes religiosas. Considerado 
uma atitude geral de pensamento e de ação, os iluministas 
admitiam que os seres humanos estão em condição e 
possuem o poder de tornar este mundo melhor - mediante 
introspecção, livre exercício das capacidades humanas e 
do engajamento político-social. Um dos mais conhecidos 
expoentes do pensamento iluminista, Immanuel Kant, em 
um texto escrito precisamente como resposta à questão 
sobre o que é o Iluminismo, descreveu: "O Iluminismo 
representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem 
que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são 
aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da 
própria razão independentemente da direção de outrem. É-
se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não 
de uma deficiência do entendimento mas da falta de 
resolução e coragem para se fazer uso do entendimento 
independentemente da direção de outrem. Sapere aude! 
Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é 
o lema do Iluminismo". 
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/49/artigo326843-
1.asp 
 
 UNIDADE 17 
 
MONTESQUIEU 
 
Montesquieu viveu em um período de transição, 
sofrendo, por isso, influência dos contratualistas, mas não 
seguiu a mesma metodologia. Leu os clássicos, 
principalmente Aristóteles e Maquiavel, mas não os segue 
de todo. Se encontra entre o racionalismo, quer dizer, se 
utiliza da dedução para chegar a algumas conclusões, mas 
procura associá-lo ao historicismo, ou seja, a observação 
da evolução real pela qual passou a história. É 
determinista em alguns momentos, o que significa 
apresentar uma relação “necessária” de causa e efeito 
particular, mas estabelece critérios universais de caráter 
formal (morais e filosóficos). Em outras palavras tudo o 
que acontecia e que era de seu conhecimento, todas as 
descobertas científicas e os relatos históricos, acabaram 
por repercutir em suas obras. Montesquieu dedicou toda 
uma vida (especificamente, 20 anos para escrever, mas 
toda ela para elaborar) à criação do Espírito das Leis 
(1748). Em sua obra percebe-se a preocupação com os 
princípios, as causas gerais, a “mola propulsora”, ou 
melhor, o espírito que move os homens e as relações entre 
eles. O ponto fundamental desse espírito, onde ele se 
reflete, é nas leis. 
 
ESTADO DE NATUREZA 
 
É por isso que ele talvez inicie sua obra pela definição e 
compreensão das leis. Como foi dito anteriormente, 
devido à influência dos contratualistas, ele se vê obrigado 
a considerar os homens e as leis existentes antes do 
estabelecimento das sociedades. Na verdade, ele, como 
bom historiador e leitor de Aristóteles, não acredita 
realmente que tenha havido homens que não vivessem 
agrupados, mas apenas que podemos tentar conceber, pela 
razão, o que é o homem, sem levar em conta a influência 
da coletividade que ele vive. 
 
 
Barão de Montesquieu (1689-1755) 
 
Nesse estado hipotético, todos seriam iguais em 
condições, mas não fisicamente. Os homens seriam 
dotados de razão (contudo, possuiriam mais a faculdade 
de conhecer do que conhecimento propriamente dito, pois 
este seria cumulativo) e perceberiam antes de tudo suas 
principais condições – a fraqueza e o medo. Apesar de 
serem iguais, de todos possuírem essas mesmas condições, 
ninguém se sente igual, todos se sentem inferiores. Mas é 
devido a essa percepção que ninguém ataca ninguém 
(como sugeriria Hobbes, a quem ele rebate 
explicitamente). Nasce daí a primeira das leis de natureza 
– a busca pela paz. 
Montesquieu identifica quatro leis naturais decorrentes 
desse estado de natureza. A primeira já foi citada: 
1) é a busca pela paz (temor + sentimento de 
inferioridade = paz); as demais leis naturais são: 
2) fraqueza + necessidades = busca por alimentos; 
3) medo + aproximação = busca pelo sexo oposto; e, 
consequentemente, 
4) busca do outro + conhecimentos = desejo de viver em 
sociedade (referência direta à concepção de Aristóteles). 
 
O que ele pretende com a descrição desse estado de 
natureza é explicar duas coisas: a) que todos os seres do 
mundo (inclusive Deus) são governados por leis (naturais 
ou positivas que sejam);e que b) haverá sempre o 
estabelecimento de leis quando houver uma relação entre 
dois seres. 
Com essas duas afirmativas, Montesquieu contribui com 
Maquiavel para romper de fato com a influência divina, 
pois para ele, então, desde que o homem passou a viver 
com outros homens, passou também a existir uma relação 
causal, logo, o mundo não é governado por uma “cega 
fatalidade”, nem pela Providência. 
 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
49 
A SOCIEDADE POLÍTICA 
 
Após o estado de natureza, quando as leis naturais 
surgiram, percebeu-se que para assegurar o respeito a 
essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras 
leis - as leis positivas - promulgadas em todas as 
sociedades pela autoridade à qual incube manter a coesão 
do grupo (de acordo com a especificidade de cada um dos 
grupos). Esse é o motivo do estabelecimento da sociedade 
política, formalizar um tipo de organização social 
adequada a cada grupo, mas com o intuito geral de manter 
a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos diferentes 
povos. 
Dessa maneira, o que Montesquieu pretende é buscar 
um conceito geral de princípios e naturezas (em outras 
palavras, de causas e efeitos) que fundamentem a 
organização de uma sociedade estável. Para isso ele faz 
uma análise histórica de todas as formas de organização 
social, isto é, de todas as formas de governo e as suas 
respectivas leis. 
Antes de falar dos diversos modos de organização 
social, vale ressaltar as causas que Montesquieu aponta 
para diferenciar as leis que sustem essas organizações, a 
saber: 
a) as causas “físicas” ou “naturais” (clima, solo); 
b) as causas “econômico-sociais” (estabelecendo as 
seguintes relações - os povos selvagens eram caçadores; 
os bárbaros, pastores; os civis, primeiro agricultores e, 
depois, comerciantes); e, por fim 
c) as causas “espirituais” (como a religião). 
Montesquieu completa que todas essas causas representam 
os princípios e natureza das coisas e a lei é uma relação 
entre esses princípios e naturezas. 
 
O ESPÍRITO DAS LEIS E O ESPÍRITO GERAL 
 
“Toda lei representa um elemento da realidade física, 
social ou moral” o espírito das leis é a relação dessas 
causas com as leis. Já por Espírito Geral ele entende a 
resultante de todas essas relações com todo um conjunto 
de causas, sendo estas as constituidoras do Espírito Geral 
de cada nação - “governo, religião, tradições, costumes e 
maneiras, assim como o clima”. 
 
TEORIA DAS FORMAS OU TIPOS DE GOVERNO 
 
Agora, pode-se compreender, então, “as relações das 
leis com a natureza e o princípio de cada governo”. A 
natureza é a estrutura particular do governo, enquanto o 
princípio é o que o faz agir, é o seu elemento dinâmico (o 
que move). 
Assim Montesquieu supera as tradições que o 
antecederam e influenciaram mostrando que sua distinção 
dos tipos de governo é, ao mesmo tempo, uma distinção 
das organizações (fim, objetivo, mola - princípio) e das 
estruturas sociais (“quem” e “como” governa - natureza). 
Portanto, segundo Montesquieu, tem-se: 
 
a) República Democrática 
natureza: conjunto de cidadãos exercendo o poder 
soberano. 
princípio: interesse geral associado à virtude política 
(chegando a um não privatismo). 
 
b) República Aristocrática 
natureza: certo número de cidadãos exercendo o poder 
soberano. 
princípio: moderação na desigualdade (a fim de limitar 
privilégios). 
 
c) Monarquia 
natureza: uma pessoa exercendo o poder soberano, de 
acordo com as disposições das leis fixas e estabelecidas. 
princípio: honra (baseada na desigualdade de mérito e 
privilégios), o espírito de corpo e a 
prerrogativa (“cada um se dirige ao bem comum, julgando 
buscar seus interesses particulares”). 
 
d) Despotismo 
natureza: uma pessoa exercendo o poder acima de 
quaisquer leis. 
princípio: o medo, o temor. 
 
Logo, o que distingue a monarquia e o despotismo? As 
leis. Para se compreender então a distinção de estrutura 
entre essas duas formas de governo é preciso ter em mente 
que a Monarquia pressupõe a existência de poderes 
intermediários e um depósito de leis. 
Os poderes intermediários são três elementos que 
representam as três forças sociais que limitam o poder real 
- a nobreza, o clero e as cidades (ou o “povo”). Cada qual 
deve ter sua representação no novo corpo intermediário - o 
Parlamento. O Parlamento é, na verdade, o Depósito das 
leis, local onde as três forças sociais se encontram e se 
confrontam defendendo seus respectivos interesses, dando 
origem ao que ele chama de “pesos e contrapesos”, de 
contraforças. Dessa forma, é o Parlamento que sustenta o 
Estado monárquico e o que pode torná-lo moderado. 
 
TEORIA DA LIBERDADE POLÍTICA 
 
Só os governos moderados, vai dizer Montesquieu, é 
que permitem o desenvolvimento e a garantia da liberdade 
política, fundada na distinção e relação entre os diferentes 
poderes. 
- Liberdade: Mas o que Montesquieu entende por 
liberdade? É fazer aquilo que se quer? Não. A liberdade 
(política, pois se trata aqui da sociedade política, 
organizada) é o poder das leis - é o poder fazer aquilo que 
a lei permite, garantindo a segurança aos cidadãos 
temerosos por natureza frente aos demais. A liberdade está 
em impedir que um cidadão (ou um grupo) abuse do poder 
sobre os outros, impedindo que os indivíduos vivam 
livremente respeitando as leis, como acontece no 
despotismo. 
- Mecanismo: Para que essa liberdade seja garantida é 
necessário que o “poder detenha o poder”, isto é, que o 
poder não esteja unido nas mãos de um ou de poucos 
cidadãos, mas distribuídos e separados, em diferentes mãos. 
Contudo, o que podemos dizer que seria “separar” o 
poder para ele? É definir diferentes funções, quais sejam: 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
50 
a) fazer leis; 
b) executar as resoluções públicas; e 
c) julgar os crimes ou as desavenças dos particulares. 
 
E o que seria distribuir o poder? É dar a cada força social 
- para o povo, nobreza e monarca - uma dessas funções. 
 
GOVERNO MISTO 
 
Influenciado pelos clássicos e por John Locke, eis que 
Montesquieu elabora o que ele entende como sendo a 
estrutura da organização social que melhor alcança e 
mantém a “estabilidade” – uma espécie de “Governo 
Misto” composto por um Poder Legislativo, Executivo e 
outro Judiciário. Assim temos: 
O PODER LEGISLATIVO - Representado pelo 
Parlamento. Este é composto por duas esferas e tem por 
função criar leis. Dessa maneira, o mecanismo de controle 
que o protege dos outros poderes é o direito de estatuir – 
criar e modificar leis. Defesa e recursos. 
- O Povo: o povo não age por si mesmo, mas por seus 
representantes. Montesquieu coloca que, por meio do 
sufrágio universal e o voto por circunscrição ou distrito 
eleitoral, deveriam ser eleitos os representantes do povo 
para constituírem o que na Inglaterra seria a Câmara dos 
Comuns. 
- A Nobreza: a nobreza tem interesses que devem se 
defendidos também, mas respeitando a natureza dessa 
força social - hereditária, Montesquieu separa a Câmara 
dos Lordes para que ela possa discutir seus propósitos. 
Como é ela que detém o dinheiro é um direito dela julgar 
sobre esse tema (matéria de finanças, orçamento). 
O PODER EXECUTIVO - Atende à necessidade de 
decisões momentâneas e imediatas. Para tal é melhor um 
agindo do que muitos. 
- O Monarca: Esse é o monarca - uma figura inviolável, 
sendo os seus ministros os responsáveis. (Esse ponto, mais 
tarde, foi alvo de muitas críticas). 
O PODER JUDICIÁRIO - É um poder nulo, “os juízes 
(são) ... a boca que profere as palavras da lei”. 
http://monitoriacienciapolitica.blogspot.com.br/2009/08/montesquieu.
html 
 
A DIVISÃO DE PODERES 
 
Ao refletir sobre a possibilidade de abuso do poder nas 
monarquias, Montesquieu propôs que se estabelecesse a 
divisão do poder político em três poderes: executivo (que 
executa as normas e decisõesrelativas à administração 
pública), legislativo (que elabora e aprova as leis) e 
judiciário (que aplica as leis e distribui a proteção 
jurisdicional pedida aos juízes). 
Em sua obra O espírito das leis (1748), Montesquieu 
assim escreve sobre a questão dos poderes: 
 
Quando os poderes legislativo e executivo ficam 
reunidos num pessoa ou instituição do Estado, a 
liberdade desaparece (...) Não haverá também liberdade 
se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz 
poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria 
perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado 
exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de 
ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre 
os cidadãos. 
MONTESQUIEU. O espírito das leis, p. 168. 
 
Embora já houvesse na época uma divisão de poderes 
próxima da que é proposta por Montesquieu, é 
significativa na sua obra a ênfase atribuída à necessidade 
de separação desses poderes, que devem ser exercidos por 
pessoas diferentes, e à necessidade de equilíbrio entre 
eles. 
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora 
Saraiva, 2002. pp. 304-305) 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Montesquieu identifica quatro leis ou combinações de 
carências e satisfação de necessidades que regem o 
comportamento do homem em estado de natureza: a busca pela 
paz, a busca por alimentos, a busca pelo sexo oposto a busca 
pelo saber de outros. 
• Após o estado de natureza para assegurar o respeito a 
essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras leis - 
as leis positivas - promulgadas em todas as sociedades pela 
autoridade à qual incube manter a coesão do grupo. Esse é o 
motivo do estabelecimento da sociedade política, formalizar um 
tipo de organização social adequada a cada grupo, mas com o 
intuito geral de manter a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos 
diferentes povos. 
• Montesquieu diferencia quatro tipos de governo: 
República Democrática, República Aristocrática, Monarquia e 
Despotismo. Cada um destes tipos de governo apresenta leis 
que resultam da combinação de princípios e naturezas de cada 
tipo de organização social. 
• A natureza de um governo é aquilo que o faz ser tal, ao 
passo que seu princípio é aquilo que o faz agir. Em outras 
palavras, a natureza é a estrutura particular do governo, 
enquanto o princípio é o que o faz agir, é o seu elemento 
dinâmico (o que move). 
• Para Montesquieu tanto as monarquias quanto as 
repúblicas corriam no risco de degenerar no despotismo, a 
menos que fossem reguladas por uma constituição capaz de 
prevenir tal destino separando os poderes dentro do governo. A 
separação de poderes garantiria que nenhuma das instituições 
administrativas pudesse assumir todo o poder, já que cada uma 
delas conseguiria restringir qualquer abuso de poder das outras. 
• Montesquieu propôs que se estabelecesse a divisão do 
poder político em três poderes: executivo (que executa as 
normas e decisões relativas à administração pública), legislativo 
(que elabora e aprova as leis) e judiciário (que aplica as leis e 
distribui a proteção jurisdicional pedida aos juízes). 
 
 
 UNIDADE 18 
 
VOLTAIRE 
 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
51 
Voltaire foi um intelectual francês que viveu durante o 
iluminismo, período caracterizado pelo questionamento 
intenso sobre o mundo e sobre como as pessoas vivem 
nele. Os filósofos e escritores europeus voltaram sua 
atenção para as autoridades reconhecidas, tais como a 
Igreja e Estado, a fim de questionar sua validade e suas 
ideias, ao mesmo tempo em que buscavam novas 
perspectivas. Até o século XVII, os europeus tinham 
aceitado irrestritamente as explicações da igreja sobre o 
que, por que e como as coisas existiam, mas tanto os 
cientistas quantos os filósofos já apresentavam abordagens 
diferentes para estabelecer a verdade. Em 1960, o filósofo 
John Locke argumentou que nenhuma ideia era inata – 
todas as ideias nasciam exclusivamente da experiência. 
Seu argumento ganhou peso adicional por causa do 
cientista Isaac Newton, cujos experimentos forneceram 
novas formas de descobrir verdades sobre o mundo. Foi 
contra esse pano de fundo de rebelião contra as tradições 
que Voltaire declarou que a certeza é absurda. 
 
 
Voltaire (1694-1778) 
 
Voltaire refuta a ideia de certeza de duas maneiras. 
Primeiro, ele mostrou que, à exceção de algumas poucas 
verdades necessárias da matemática e da lógica, quase 
todo fato e teoria na história foi revisto em algum 
momento. Então, o que parece ser “fato” é realmente 
pouco mais do que uma hipótese de trabalho. Segundo, ele 
concordou com Locke de que não existem ideias inatas, e 
mostrou que as ideias que temos a impressão de conhecer 
como verdadeiras desde o nascimento podem ser apenas 
culturais, já que elas variam de nação para nação. 
 
DÚVIDA REVOLUCIONÁRIA 
 
Voltaire não chegou a afirmar que não existem verdades 
absolutas, mas não via meios de alcançá-las. Por essa 
razão, enunciou que a dúvida é o único ponto de vista 
lógico. Supondo que o desacordo sem fim é, por 
consequência, inevitável. Voltaire enfatizou a importância 
de desenvolver um sistema, como a ciência, para 
estabelecer o acordo. 
Ao afirmar que a certeza é mais agradável do que a 
dúvida (“A dúvida não é uma condição agradável, mas a 
certeza é absurda”), Voltaire insinua o quanto é mais fácil 
simplesmente aceitar as declarações oficiais – como as da 
monarquia ou da Igreja – do que desafiá-las e pensar por 
si mesmo. Mas Voltaire acreditava que é de vital 
importância duvidar de todo “fato” e desafiar toda 
autoridade. Ele defendeu a limitação do poder do governo, 
mas a liberdade de expressão não pode ser censurada, 
afirmando que a ciência e a educação levam ao progresso 
material e moral. Esses eram ideais fundamentais tanto do 
iluminismo quanto da Revolução Francesa, deflagrada 11 
anos depois da morte de Voltaire. 
(VARIOS. O Livro da Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 
146-147) 
 
DEFESA DO DEÍSMO CONTRA O ATEÍSMO E O 
TEÍSMO 
 
Há dicionários segundo os quais o voltairianismo 
define-se como “atitude de incredulidade irônica em 
relação às religiões”. 
Todavia, para Voltaire, Deus existe ou não existe? Pois 
bem, na opinião de Voltaire não há qualquer dúvida de 
que Deus existe. Para ele, como para Newton, Deus é o 
grande engenheiro ou mecânico que idealizou, criou e 
regulou o sistema do mundo. O relógio é uma prova 
insofismável de que existe o relojoeiro. E Deus, na 
opinião de Voltaire, existe porque existe a ordem do 
mundo. Em suma, a existência de Deus é atestada pelas 
“simples e sublimes leis em virtude das quais os mundos 
celestes correm no abismo dos espaços”. 
No Tratado de Metafísica, Voltaire escreve que “depois 
de sermos tão arrastados de dúvida em dúvida, de 
conclusão em conclusão, [...] podemos considerar esta 
proposição: Deus existe, como a coisa mais verossímil que 
os homens podem pensar [...] e a proposição contrária 
como uma das mais absurdas”. A ordem do universo não 
pode ter derivado do acaso, “antes de mais nada porque no 
universo há seres inteligentes e vós não conseguiríeis 
provar se é possível que apenas o movimento produza a 
inteligência e, enfim, porque, segundo a vossa própria 
confissão, pode-se apostar um contra o infinito que uma 
causa inteligente anima o universo. Quando estamos 
sozinhos diante do infinito, nos sentimos muito pobres. 
Quando estamos diante de uma bela máquina, dizemos 
que há um mecânico e que esse mecânico deve ter um 
gênio excepcional. Ora, o mundo é certamente uma 
admirável máquina: portanto, existe uma inteligência 
admirável, onde quer que ela esteja. Tal argumento é 
velho, mas não é dos mais medíocres”. 
Deus existe. Mas também existe o mal. Como conciliar 
a presença maciça do mal com a existência de Deus? 
A resposta de Voltaire é que Deus criou a ordem do 
universo físico, mas que a história é uma questão dos 
homens. 
E esse é onúcleo doutrinário do deísmo. O deísta é 
alguém que sabe que Deus existe. Mas como escreve 
Voltaire no Dicionário Filosófico, “o deísta ignora como 
Deus pune, favorece e perdoa, porque não é tão temerário 
a ponto de iludir-se que conhece como Deus age”. Além 
disso, o deísta “se abstém de aderir a algumas das seitas 
particulares, que são todas intimamente contraditórias. 
Sua religião é a mais antiga e a mais difundida, porque a 
simples adoração de um Deus precedeu todos os sistemas 
deste mundo. Ele fala uma língua que todos os povos 
podem entender, ainda que, quanto ao resto, não se 
entendam em absoluto entre si. Seus irmãos estão 
espalhados pelo mundo, de Pequim a Caiena. Todos os 
sábios são seus irmãos. Ele considera que a religião não 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
52 
consiste nas doutrinas de um metafísica ininteligível, nem 
em vãos instrumentos, mas na adoração e na justiça. Fazer 
o bem, eis o seu culto; estar submetido a Deus, eis a sua 
doutrina. Ele socorre o indigente e defende o oprimido”. 
Voltaire, portanto é deísta. E justamente em nome do 
deísmo ele rejeita o ateísmo: “Certos geômetras não 
filósofos rejeitaram as causas finais; mas os verdadeiros 
filósofos as admitem e, para retomar a expressão do 
conhecido escritor, enquanto um catequista anuncia Deus 
às crianças, Newton o demonstra aos sábios”. 
Além disso, observa Voltaire, “o ateísmo é um monstro 
muito perigoso naqueles que governam e o é também nas 
pessoas de estudo, mesmo que sua vida seja inocente, 
porque do seu estudo ele pode chegar àqueles que estão 
nas praças. E se não é tão funesto quanto o fatalismo, 
entretanto é quase sempre fatal para a virtude. Mas 
devemos lembrar de acrescentar que existem hoje menos 
ateus do que já existiram, desde quando os filósofos 
reconheceram que não existe nenhum ser vegetal sem o 
seu germe, nenhum germe sem uma finalidade etc., e que 
o trigo não nasce da podridão”. 
Voltaire, portanto, é contrário ao ateísmo. E é contrário 
ao ateísmo pelo fato de que ele é deísta. E, para o deísta, a 
existência de Deus não é artigo de fé, e sim resultado da 
razão. A existência de Deus, portanto, é um dado de razão. 
A fé, ao contrário, é apenas superstição. Por isso, com 
suas crenças, seus ritos e liturgias, as religiões positivas 
são quase completamente acúmulos de superstições. 
Não é de admirar que uma seita considere supersticiosa 
outra seita e todas as outras religiões: “Com efeito, os 
muçulmanos acusam de superstição todas as sociedades 
cristãs e são por elas acusados. Quem julgará esse grande 
processo? Quem sabe a razão? Todavia, toda seita 
pretende ter a razão do seu lado. A decisão será portanto 
pela força, na expectativa de que a razão penetre em um 
número de cabeças bastante grande a ponto de conseguir 
desarmar a força”. 
Depois de fazer longas relações de superstições, 
Voltaire concluiu: “Menos superstições, menos fanatismo; 
menos fanatismo, menos desventuras”. 
 
A CRÍTICA AO OTIMISMO DOS FILÓSOFOS 
 
Conforme já acenamos acima, segundo Voltaire negar o 
mal é absurdo. O mal existe: os horrores da maldade 
humana e as penas das catástrofes naturais não são 
invenções dos poetas. São fatos nus e crus que se chocam 
com força decisiva contra o otimismo dos filósofos, contra 
a ideia do “melhor dos mundos possíveis”. 
Já no Poema sobre o desastre de Lisboa, Voltaire 
perguntava-se o porquê do sofrimento inocente, a razão da 
“desordem eterna” e do “caos de desventuras” que nos 
cabe ver neste “melhor dos mundos possíveis”. E dizia 
que se é verdade que “tudo um dia ficará bem” constitui a 
nossa esperança, entretanto é ilusão sustentar que “tudo 
está bem hoje em dia”. 
Entretanto, é com Cândido ou o otimismo, verdadeira 
obra-prima da literatura e da filosofia iluminista, que 
Voltaire procura despedaçar aquela filosofia otimista que 
trata de justificar tudo, proibindo assim compreender 
alguma coisa. O Cândido é um relato tragicômico. A 
tragédia está no mal, nas guerras, nas opressões, na 
intolerância, na superstição cega, nas doenças, nas 
arbitrariedades, na estupidez, nas roubalheiras e nas 
catástrofes naturais (como o terremoto de Lisboa) com 
que Cândido e seu mestre Pangloss (contrafigura de 
Leibniz) se defrontam. É a comédia está nas justificações 
insensatas que Pangloss e também Cândido, seu aluno, 
procuram dar às desventuras humanas. 
Que tipo de mestre é Pangloss? “Pangloss ensinava a 
metafísicoteológicosmológicoidiotologia. Demonstrava 
admiravelmente que não há efeitos sem causas e que, 
neste melhor dos mundos possíveis, o castelo do senhor 
barão era o mais belo dos castelos e que sua senhora era a 
melhor baronesa possível. Dizia: está provado que as 
coisas não podem ser de outro modo: com efeito, como 
tudo é feito para um fim, tudo existe necessariamente para 
o melhor fim. Observai que os narizes são feitos para que 
neles repousem os óculos e, com efeito, nós temos óculos; 
notai que as pernas são evidentemente conformadas para 
vestirem calças e, com efeito, nós temos calças. Da 
mesma forma, as pedras foram criadas para serem 
lapidadas e delas serem feitos castelos e, com efeito, meu 
senhor tem um belíssimo castelo; o mais poderoso barão 
da província deve ser o melhor alojado. E, como os porcos 
foram criados para serem comidos, nós comemos porcos o 
ano inteiro. Consequentemente, aqueles que afirmaram 
que tudo vai bem disseram uma asneira: é preciso dizer 
que tudo vai da melhor maneira possível”. E, de modo 
verdadeiramente eficaz, Voltaire, de forma elíptica, 
elabora um conto que, com ironia levada aos extremos 
limites, mostra como o contrário é em larga medida 
verdadeiro. O mundo “como vai” é muito frequentemente 
a antítese de como “deveria ir” segundo o otimismo. E o 
que acontece aos protagonistas e o modo em que o 
interpretam resultam na prova irrefutável, bem 
orquestrada com vários jogos narrativos, paródias 
pungentes e sátiras sarcásticas. 
Mas Voltaire não critica apenas a interpretação abstrata 
deste nosso mundo como “o melhor dos mundos 
possíveis”, mas, ao contrário, critica em contraponto todas 
as maldades que caracterizam o mundo como 
efetivamente vai. 
Mas o que se pode fazer então, para sair dos males do 
mundo? 
Voltaire o diz como conclusão do relato com duas 
afirmações significativas: “trabalhemos sem discutir, pois 
é o único modo de tornar suportável a vida”; e sobretudo: 
“é preciso cultivar nossa horta”. 
Esse “cultivar nossa horta” não é fuga dos 
compromissos da vida, mas o modo mais digno para vivê-
la e para mudar a realidade naquilo que nos é possível. 
Nem tudo é mal e nem tudo é bem. O mundo, porém, 
está cheio de problemas. Cabe a cada de nós não eludir os 
nossos problemas, e sim enfrentá-los, fazendo aquilo que 
for possível para resolvê-los. 
Nosso mundo não é o pior dos mundos possíveis, mas 
também não é o melhor. “É preciso cultivar nossa horta”, 
isto é, precisamos enfrentar os nossos problemas, para que 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
53 
este mundo possa melhorar gradualmente ou, pelo menos, 
não se torne pior. 
 
OS FUNDAMENTOS DA TOLERÂNCIA 
 
E exatamente para que este mundo se tornasse mais 
civilizado e a vida mais suportável, Voltaire travou 
durante toda a sua vida a batalha pela tolerância. 
Para ele, a tolerância encontra seu fundamento teórico 
no fato de que, conforme demonstraram homens como 
Gassendi e Locke, apenas com as nossas próprias forças 
nós não podemos saber nada dos segredos do Criador. 
Não sabemos quem é Deus, nem o que é a alma e muitas 
outras coisas. Mas há quem se arrogue o direito divino da 
onisciência – e daí a intolerância. 
No verbete “tolerância”, do Dicionário filosófico, 
podemos ler: “O que é a tolerância? É o apanágio da 
humanidade. Nós todos estamos prenhes de fraqueza e de 
erros: perdoemo-nos reciprocamente nossas bobagens,essa é a primeira lei da natureza”. 
Nosso conhecimento é limitado e nós todos estamos 
sujeitos ao erro, nisso reside a razão da tolerância 
recíproca: “Em todas as outras ciências nós estamos 
sujeitos ao erro. Qual teólogo, tomista ou escotista, 
ousaria então sustentar seriamente que está a 
absolutamente seguro da sua posição?” No entanto, as 
religiões estão armadas umas contra as outras e, no 
interior das religiões, as seitas geralmente são terríveis no 
combate recíproco. 
Entretanto, diz Voltaire, está claro que “nós devemos 
nos tolerar mutuamente, porque somos todos fracos, 
incoerentes, sujeitos à inconstância e ao erro. Será que um 
junco dobrado pelo vento contra a lama deverá dizer ao 
junco dobrado em sentido contrário, que ele, miserável, 
deve dobrar-se como está se dobrando o primeiro, sob 
pena de denunciá-lo para fazê-lo ser arrancado e 
queimado?” A intolerância se entrelaça com a tirania. E “o 
tirano é aquele soberano que não conhece outras leis além 
de seus caprichos, que se apropria dos haveres de seus 
súditos, e depois os recruta para que tomem os bens dos 
vizinhos”. 
Mas, voltando à intolerância mais especificamente 
religiosa, o que Voltaire sustenta é que a Igreja cristã 
quase sempre esteve estraçalhada pelas seitas. Pois bem, 
afirma Voltaire, “uma tão horrível discórdia, que dura há 
tantos séculos, é uma claríssima lição de que devemos 
perdoar uns aos outros nossos erros: a discórdia é a grande 
peste do gênero humano e a tolerância é o seu único 
remédio”. 
 (REALE, Giovanni. e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. De 
Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2004. pp. 257-260) 
 
 
 UNIDADE 19 
 
JEAN-JAQUES ROUSSEAU 
 
Rousseau era, em grande parte, produto do período final 
do século XVIII, conhecido como iluminismo, e 
personificação da filosofia continental europeia da época. 
Quando jovem, tentou fazer seu nome tanto como músico 
quanto como compositor, mas em 1740 conheceu Denis 
Diderot e Jean d’Alembert, organizadores da nova 
Encyclopédie, e interessou-se pela filosofia. O ambiente 
político na França da época estava agitado. Os pensadores 
iluministas franceses e ingleses tinham começado a 
questionar o status quo, minando a autoridade da Igreja e 
da aristocracia e defendendo uma reforma social – tal 
como Voltaire continuamente desafiava a censura 
autoritária do establishment. Como era de se esperar nesse 
contexto, a principal área de interesse de Rousseau tornou-
se a filosofia política. Seu pensamento foi influenciado 
não apenas por seus contemporâneos franceses, mas 
também por obras dos filósofos ingleses – e, em 
particular, a ideia de um contrato social, como proposto 
por Thomas Hobbes e aperfeiçoado por John Locke. 
Como eles, Rousseau considerou a ideia de humanidade 
num “estado natural” hipotético, comparando-a com a 
maneira como as pessoas realmente viviam em sociedade 
civil. Mas ele assumiu uma perspectiva tão radicalmente 
própria desse estado natural (e do modo como ele é 
transformado pela sociedade) que poderia ser considerada 
uma forma de pensamento “contrailuminista”. Sua 
abordagem continha em si as sementes do próximo grande 
movimento, o romantismo. 
 
CIÊNCIA E ARTE CORROMPEM 
 
Hobbes tinha imaginado a vida em estado natural como 
“solitária, pobre, repugnante, brutal e curta”. Em sua 
visão, o ser humano é instintivamente interessado e 
dedicado apenas a si mesmo, e a civilização seria 
necessária para colocar restrições nesses instintos. De sua 
parte, Rousseau considerava a natureza humana bem mais 
gentil e via a sociedade civil como uma força muito 
menos benevolente. 
 
 
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) 
 
A ideia de que a sociedade pode ser uma influencia 
nociva ocorreu a Rousseau pela primeira vez quando ele 
escreveu um ensaio para um concurso organizado pela 
Academia de Dijon, respondendo à questão: “O 
restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para 
aperfeiçoar os costumes?”. A resposta que se esperava de 
pensadores da época, e especialmente de um músico como 
Rousseau, era um entusiástico sim. Mas Rousseau 
sustentou o oposto. Seu Discurso sobre as ciências e as 
artes, que ganhou o primeiro prêmio, apresentava de 
maneira controversa a ideia de que as artes e as ciências 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
54 
corrompem e corroem a moral. Ele argumentou que, longe 
de desenvolver mentes e vidas, as artes e as ciências 
diminuem a virtude e a felicidade humana. 
 
A DESIGUALDADE DAS LEIS 
 
Tendo rompido com o pensamento estabelecido com 
seu texto, aclamado publicamente, Rousseau levou a ideia 
um passo além num segundo ensaio, Discurso sobre a 
origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens. O tema condizia com o espírito da época, 
ecoando os apelos por reforma social de escritores como 
Voltaire – mas em sua análise novamente Rousseau 
contrariou o pensamento tradicional. O estado da natureza 
egoísta, selvagem e injusta retratado por Hobbes é, para 
Rousseau, uma descrição não do “homem natural”, mas 
“do homem civilizado”. Ele argumentou que a sociedade 
civil é que induz esse estado selvagem. O estado natural 
da humanidade, ele frisou, é inocente, feliz e 
independente: o homem nasce livre. 
 
A SOCIEDADE CORROMPE 
 
O estado de natureza que Rousseau descreveu é um 
idílio pastoril, no qual as pessoas em seu estado natural 
são fundamentalmente boas. (Em diversas línguas, a ideia 
do homem natural de Rousseau foi erroneamente 
interpretada como o “bom selvagem”, devido à tradução 
do francês sauvage, que significa “natural”, não 
selvagem.) As pessoas seriam dotadas de virtudes inatas e, 
mais importante, com atributos de compaixão e empatia. 
Mas, uma vez que esse estado de inocência é destruído e o 
poder da razão começa a distinguir a humanidade do resto 
da natureza, as pessoas são apartadas de suas virtudes 
naturais. A imposição da sociedade civil sobre o estado de 
natureza, portanto, resulta em um afastamento da virtude 
em direção ao vício – e da felicidade idílica em relação à 
miséria. 
Rousseau via a queda do estado de natureza e o 
estabelecimento da sociedade civil como algo lamentável 
mas inevitável, porque isso resultou da faculdade racional 
humana. Segundo Rousseau, o processo começou na 
primeira vez em que um homem circundou um pedaço de 
terra para si, introduzindo a noção de propriedade. 
Conforme grupos de pessoas começaram a viver lado a 
lado dessa forma, formaram sociedades que só podiam se 
manter por meio de um sistema de leis. Mas Rousseau 
afirmou que toda sociedade perde contato com as virtudes 
naturais da humanidade, inclusive a compaixão, e impõe 
leis injustas, feita para proteger a propriedade e infligidas 
aos pobres pelos ricos. O deslocamento de um estado 
natural para um estado civilizado, portanto, ocasionaria 
um deslocamento não apenas da virtude para o vício, 
salientou Rousseau, mas também da inocência e da 
liberdade para a injustiça e a escravização. Embora 
naturalmente virtuosa, a humanidade é corrompida pela 
sociedade. E embora o homem nasça livre, as leis 
impostas pela sociedade condenam-no a uma vida 
“acorrentada”. 
 
O CONTRATO SOCIAL 
 
O segundo Discurso de Rousseau causou ainda mais 
polêmica do que o primeiro, mas proporcionou-lhe maior 
reputação e até seguidores. Seu retrato do estado de 
natureza como desejável e não brutal constituiu uma base 
vital do emergente movimento literário romântico A 
palavra de ordem de Rousseau (“de volta à natureza”) e 
sua análise pessimista sobre a sociedade moderna, cheia 
de desigualdades e injustiças, afinou-se com a crescente 
inquietação social da década de 1750, especialmente na 
França. Não contente em apenas apresentar o problema, 
Rousseau tratou de oferecer uma solução, no que parece 
ser sua obra mais influente, O contrato social. 
Rousseau abriu sua obra comuma declaração 
desafiadora – “O homem nasce livre e por toda parte está 
acorrentado” – considerada uma convocação para uma 
mudança radical e que foi adotada como slogan da 
Revolução Francesa, 27 anos depois. Lançado seu desafio, 
Rousseau então explicou sua concepção de sociedade civil 
alternativa, governada não por aristocratas, monarquia e 
igreja, mas por todos os cidadãos, que participariam da 
formulação das leis. Moldado nas clássicas ideias 
republicanas de democracia, Rousseau imaginou o corpo 
de cidadãos operando como uma unidade, prescrevendo 
leis de acordo com a volonté générale, ou vontade geral. 
As leis proviriam de todos e se aplicariam a todos – todos 
sendo considerados iguais. Em contraste ao contrato social 
imaginado por Locke, concebido para proteger os direitos 
e a propriedade dos indivíduos, Rousseau defendeu a 
cessão de poder legislativo ao povo como um todo, para o 
benefício de todos e administrado pela vontade geral. Ele 
acreditava que a liberdade de participar do processo 
legislativo levaria a uma eliminação da desigualdade e da 
injustiça e promoveria um sentimento de participação na 
sociedade – o que levaria ao trio liberte, égalité, fraternité 
(liberdade, igualdade, fraternidade), que tornou-se o mote 
da nova república francesa. 
 
OS MALES DA EDUCAÇÃO 
 
Em outra obra escrita no mesmo ano, intitulada Emílio, 
ou Da Educação, Rousseau expandiu seu tema, 
explicando que a educação era responsável por corromper 
o estado de natureza e perpetuar os males da sociedade 
moderna. Em outros livros e ensaios, ele se concentrou 
nos efeitos adversos tanto da religião quanto do ateísmo. 
No centro de todas as suas obras está a ideia de que a 
razão ameaça a inocência humana e, sucessivamente, a 
liberdade e a felicidade. Em vez da educação do intelecto, 
ele propõe uma educação dos sentidos e sugere que a fé 
religiosa seja guiada pelo coração, não pela cabeça. 
 
INFLUÊNCIA POLÍTICA 
 
A maioria dos textos de Rousseau foi imediatamente 
proibida na França, proporcionando-lhe mais notoriedade 
e um número maior de seguidores. Por volta da época de 
sua morte, em 1778, a revolução na França e em outros 
lugares era iminente. Sua ideia de um contrato social no 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
55 
qual a vontade geral do corpo de cidadãos controlaria o 
processo legislativo ofereceu aos revolucionários uma 
alternativa viável ao sistema corrupto reinante. Mas a 
filosofia de Rousseau estava em desacordo com o 
pensamento corrente, e sua insistência de que um estado 
de natureza era superior à civilização levou-o a indispor-
se com colegas reformistas, como Voltaire e Hume. A 
influência política de Rousseau foi sentida mais 
fortemente durante o período de revolução logo depois da 
sua morte, mas sua influência na filosofia (e na filosofia 
política em particular) teve maior alcance no século XIX. 
Georg Hegel integrou as ideias de contrato social de 
Rousseau a seu próprio sistema filosófico. Mais tarde, e de 
maneira mais notável, Karl Marx ficou impressionado 
com algumas das obras de Rousseau sobre desigualdade e 
injustiça. Diferentemente de Robespierre – um dos líderes 
da Revolução Francesa, que ajustara a filosofia de 
Rousseau a seus próprios fins durante o Terror –, Marx 
compreendeu-a com precisão, desenvolvendo a análise de 
Rousseau sobre a sociedade capitalista e os meios de de 
substitui-la. O Manifesto comunista de Marx termina com 
um aceno a Rousseau, ao conclamar os proletários que 
“não têm nada a perder, exceto seus grilhões”. 
(VARIOS. O Livro da Filosofia.São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 156-
159) 
 
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL 
 
Jean Jacques Rousseau foi um importante intelectual do 
século XVIII para se pensar na constituição de um Estado 
como organizador da sociedade civil assim como se 
conhece hoje. Para Rousseau, o homem nasceria bom, mas 
a sociedade o corromperia. Da mesma forma, o homem 
nasceria livre, mas por toda parte se encontraria 
acorrentado por fatores como sua própria vaidade, fruto da 
corrupção do coração. O indivíduo se tornaria escravo de 
suas necessidades e daqueles que o rodeiam, o que em 
certo sentido refere-se a uma preocupação constante com 
o mundo das aparências, do orgulho, da busca por 
reconhecimento e status. Mesmo assim, acreditava que 
seria possível se pensar numa sociedade ideal, tendo assim 
sua ideologia refletida na concepção da Revolução 
Francesa ao final do século XVIII. 
A questão que se colocava era a seguinte: como 
preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo 
tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em 
sociedade? Segundo Rousseau, isso seria possível através 
de um contrato social, por meio do qual prevaleceria a 
soberania da sociedade, a soberania política da vontade 
coletiva. 
Rousseau percebeu que a busca pelo bem-estar seria o 
único móvel das ações humanas e, da mesma, em 
determinados momentos o interesse comum poderia fazer 
o indivíduo contar com a assistência de seus semelhantes. 
Por outro lado, em outros momentos, a concorrência faria 
com que todos desconfiassem de todos. Dessa forma, 
nesse contrato social seria preciso definir a questão da 
igualdade entre todos, do comprometimento entre todos. 
Se por um lado a vontade individual diria respeito à 
vontade particular, a vontade do cidadão (daquele que 
vive em sociedade e tem consciência disso) deveria ser 
coletiva, deveria haver um interesse no bem comum. 
Este pensador acreditava que seria preciso instituir a 
justiça e a paz para submeter igualmente o poderoso e o 
fraco, buscando a concórdia eterna entre as pessoas que 
viviam em sociedade. Um ponto fundamental em sua obra 
está na afirmação de que a propriedade privada seria a 
origem da desigualdade entre os homens, sendo que 
alguns teriam usurpado outros. A origem da propriedade 
privada estaria ligada à formação da sociedade civil. O 
homem começa a ter uma preocupação com a aparência. 
Na vida em sociedade, ser e parecer tornam-se duas coisas 
distintas. Por isso, para Rousseau, o caos teria vindo pela 
desigualdade, pela destruição da piedade natural e da 
justiça, tornando os homens maus, o que colocaria a 
sociedade em estado de guerra. Na formação da sociedade 
civil, toda a piedade cai por terra, sendo que “desde o 
momento em que um homem teve necessidade do auxílio 
do outro, desde que se percebeu que seria útil a um só 
indivíduo contar com provisões para dois, desapareceu a 
igualdade, a propriedade se introduziu, o trabalho se 
tornou necessário” (WEFFORT, 2001, p. 207). 
Daí a importância do contrato social, pois os homens, 
depois de terem perdido sua liberdade natural (quando o 
coração ainda não havia corrompido, existindo uma 
piedade natural), necessitariam ganhar em troca a 
liberdade civil, sendo tal contrato um mecanismo para 
isso. O povo seria ao mesmo tempo parte ativa e passiva 
deste contrato, isto é, agente do processo de elaboração 
das leis e de cumprimento destas, compreendendo que 
obedecer a lei que se escreve para si mesmo seria um ato 
de liberdade. 
Dessa maneira, tratar-se-ia de um pacto legítimo 
pautado na alienação total da vontade particular como 
condição de igualdade entre todos. Logo, a soberania do 
povo seria condição para sua libertação. Assim, soberano 
seria o povo e não o rei (este apenas funcionário do povo), 
fato que colocaria Rousseau numa posição contrária ao 
Poder Absolutista vigente na Europa de seu tempo. Ele 
fala da validade do papel do Estado, mas passa a apontar 
também possíveis riscos da sua instituição. O pensador 
avaliava que da mesma forma como um indivíduo poderia 
tentar fazer prevalecer sua vontade sobre a vontade 
coletiva, assim também o Estado poderia subjugar a 
vontade geral. Dessa forma, se o Estado tinha sua 
importância, ele não seria soberano por si só, mas suas 
ações deveriam ser dadas em nome da soberania do povo, 
fatoque sugere uma valorização da democracia no 
pensamento de Rousseau. 
(http://www.brasilescola.com/sociologia/rousseau-contrato-social.htm) 
 
A VONTADE GERAL COMO ÚNICO FUNDAMENTO 
LEGÍTIMO 
 
Em sua obra Discurso sobre a origem da desigualdade 
entre os homens, o filósofo de origem suíça Jean-Jacques 
Rousseau glorifica os valores da vida natural e ataca a 
corrupção, a avareza e os vícios da sociedade civilizada. 
Exalta a liberdade que o homem selvagem teria desfrutado 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
56 
na pureza do seu estado natural, contrapon-do-o à 
falsidade e ao artificialismo da vida civilizada. 
Na sua célebre obra Do contrato social, procurou 
investigar qual a condição necessária para que o poder 
político seja legítimo, isto é, se existe uma justificativa 
válida para que os homens, originalmente livres, 
submetam sua liberdade ao poder político do Estado. 
 
O homem nasceu livre e, não obstante, está 
acorrentado em toda parte. Julga-se senhor dos demais 
seres sem deixar de der tão escravo como eles. Como se 
tem realizado esta mutação? Ignoro-o. Que pode 
legitimá-la? Creio poder responder a esta questão. 
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social, p. 37. 
 
Rousseau defende a tese de que o único fundamento 
legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada 
cidadão, como membro de um povo, concorda em 
submeter sua vontade particular à vontade geral. Isso 
significa que, cada homem, como cidadão, somente deve 
obediência ao poder político se esse poder representar a 
vontade geral do povo ao qual pertence. O compromisso 
de cada cidadão é para com o seu povo. E somente o povo 
é a fonte legítima da soberania do Estado. 
Essencialmente Rousseau define o pacto social nos 
seguintes termos: “Cada um de nós põe sua pessoa e poder 
sob uma suprema direção da vontade geral, e recebe ainda 
cada membro como parte indivisível do todo”. 
Assim, cada cidadão passa a assumir obrigações em 
relação à comunidade política, sem estar submetido à 
vontade particular de uma única pessoa. Unindo-se a 
todos, cada cidadão só deve obedecer às leis – que, por 
sua vez, devem exprimir a vontade geral. Desse modo, 
respeitar as leis é o mesmo que obedecer à vontade geral 
e, ao mesmo tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria 
vontade como cidadão, cujo interesse deve ser o bem 
comum. 
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora 
Saraiva, 2002. pp. 305-306) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• • Para Rousseau, o homem nasceria bom, mas a 
sociedade o corromperia. Da mesma forma, o homem nasceria 
livre, mas por toda parte se encontraria acorrentado por fatores 
como sua própria vaidade, fruto da corrupção do coração. O 
indivíduo se tornaria escravo de suas necessidades e daqueles 
que o rodeiam. 
• Os seres humanos, no seu estado natural, são seres 
solitários, que se movem, apenas, por seu instinto de 
conservação e que têm como características o amor de si, a 
compaixão, a liberdade e a perfectibilidade. Esse estado 
originário é destruído quando o poder da razão começa a 
distinguir a humanidade do resto da natureza. 
• O aparecimento da propriedade privada torna-se um 
marco da sociedade civilizada quando o homem além de se 
transformar em senhor da natureza também se coloca como 
senhor de outros homens. Com a negação da natureza humana 
e a instabilidade social por causa da divisão hierárquica entre 
ricos e pobres surge a necessidade de criação de um Estado 
como produto de um contrato social. 
• Em contraste ao contrato social imaginado por Locke, 
concebido para proteger os direitos e a propriedade dos 
indivíduos, Rousseau defendeu a cessão de poder legislativo ao 
povo como um todo, para o benefício de todos e administrado 
pela vontade geral. 
• Rousseau defende a tese de que o único fundamento 
legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada 
cidadão, como membro de um povo, concorda em submeter sua 
vontade particular à vontade geral. Desse modo, respeitar as 
leis é o mesmo que obedecer à vontade geral e, ao mesmo 
tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria vontade como 
cidadão, cujo interesse deve ser o bem comum. 
 
 
 UNIDADE 20 
 
DAVID HUME 
 
Hume interroga o que é o “EU”, o “espírito”. E 
questiona como esse “eu” pode ser considerado substância 
(aquilo que é estável, imutável, sempre idêntico a si 
mesmo), se o que se percebe desse “eu” são apenas 
impressões e ideias em constante variação. Portanto, 
“espírito”, “mente”, “eu”, como substância, não existem. 
Segundo Abrão (2004) é com a destruição dessa última 
hipótese de substância, que Hume chega ao extremo do 
programa empirista. 
 
 
Davis Hume (1711-1776) 
 
Figueiredo (2002) declara que Hume (1711-1776) e 
Berkeley (1685-1753) dedicaram-se a destroçar a amena 
superfície das representações do senso comum, revelando 
por detrás delas os segredos da experiência privada. As 
representações do mundo, com a sua aparente estabilidade 
e objetividade, são apenas os produtos de experiências 
subjetivas e hábitos bem estabelecidos. Eles por assim 
dizer, desvendam a ‘fábrica psicológica do mundo’: 
“associações arbitrárias, mas regulares entre ideias 
sensoriais, ou impressões, geram o mundo supostamente 
objetivo e autônomo, ou melhor, nossa experiência e 
conhecimento dele.” (Figueiredo, 2002, pág. 110). 
Hume criou seu sistema filosófico com base no 
princípio de que toda a compreensão humana tem origem 
na experiência. Para dessecar a experiência humana, ele 
primeiro tentou descobrir os elementos básicos da mente, 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
57 
análogos aos átomos, na física. Concluiu então que esses 
elementos básicos eram dois: impressões e ideias. 
As impressões são as sensações básicas, os dados não 
processados da experiência. As “ideias” são cópias vagas 
das impressões. Portanto as ideias derivam das impressões 
que se vivencia. E não há ideias inatas. 
Abrão (2004) destaca que para Hume, embora não 
exista o eu no sentido metafísico, há, no entanto, a 
natureza humana. Essa “natureza humana”, que não é 
substância, refere-se às maneiras pelas quais as ideias são 
natural e espontaneamente associadas pela mente. O que 
importa, nessa medida, é investigar tais modos de 
associação de ideias. 
Hume pergunta sobre “qual a natureza” de todos os 
raciocínios humanos sobre os fatos. E qual o fundamento 
de todas as conclusões derivadas da experiência. Hume 
conclui que todos os fatos são exteriores entre si. Neles, 
não há nada de interior e intrínseco que os relacione 
necessariamente uns aos outros. A relação de causalidade 
é uma crença baseada no hábito. Hume indica que os 
homens associam ideias e acreditam nessa associação por 
força do hábito ou costume. E este não é a repetição de 
experiências semelhantes por parte de um único indivíduo, 
mas de muitos. Há um aspecto coletivo do costume. Por 
isso, mesmo quando se tem um prazer individual, mas que 
os outros reprovam porque contraria o costume, o sujeito 
passa a duvidar desse prazer íntimo e exclusivo. 
Para Hume, a questão do poder político desloca-se 
rapidamente. O governo deve saber manter o costume, que 
é a base da crença de que os valores da justiça e da virtude 
de uma sociedade se associe ao prazer de seus membros. 
O problema do governo, para Hume, não é de legitimidade 
e de representatividade, mas de credibilidade. Os preceitos 
da conduta humana não se deduzem de um suposto Bem 
em si, mas se referem apenas às paixões humanas, sempre 
variáveis, que buscam o prazer e rejeitam o desprazer. 
Mas isso não significa que os valores morais sejam 
inteiramente relativos; os valores podem variar de pessoa 
para pessoa, de sociedade, de época, mas algo permanece 
sem grandes alterações: exatamente a natureza humana. 
(Abrão, 2004) 
 
O ASSOCIACIONISMO DE HUME 
 
A tradição britânica é fortemente empirista, baseando-se 
na ideia deque o conhecimento é construído a partir das 
experiências vividas. E esse conhecimento é tecido pelas 
associações de ideias (associacionismo). O empirismo 
britânico tem suas raízes no pensamento científico 
indutivo de Francis Bacon e nas teorias sociais de Thomas 
Hobbes, contemporâneo de Bacon e Descartes. 
O associacionismo é um dos princípios fundamentais do 
empirismo britânico, que tem como principais representantes 
Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776). De acordo com 
eles o associacionismo de ideias é o mecanismo fundador dos 
compostos psíquicos, que consistem unicamente na ligação 
de elementos simples. (Araújo, 2005) 
John Locke e George Berkeley, embora tenham 
abordado a questão da associação de ideias, nenhum 
examinou atentamente o fenômeno – de como as 
experiências sensoriais simples se aliam para criar formas 
complexas de conhecimento. 
Para Hume não há, na mente humana, nada que não 
tenha se originado da percepção. Esta se subdivide em 
duas espécies. As mais vivas são impressões, que 
aparecem na mente “quando ouvimos, vemos, sentimos, 
amamos, odiamos, desejamos ou queremos”. As mais 
fracas são ideias (ou pensamentos), que são cópias de 
impressões e, por isso, menos vivas. As ideias abstratas, 
como as de substância são as mais pálidas cópias de 
impressões, confundem-se com outras ideias e, 
frequentemente, as palavras que as designam não 
significam nada. Elas não podem servir de ponto de 
partida para o conhecimento e a certeza. (Abrão, 2004) 
Para Hume o conhecimento só pode ser resultado da 
associação de ideias e essa associação não se faz a esmo. 
Até mesmo no maior dos devaneios uma ideia se liga a 
outra obedecendo a alguns princípios. 
Como objetos da razão as associações de ideias 
classificam-se em relações de ideias e relações de fato. As 
primeiras correspondem às ciências matemáticas, cujas 
ideias, imediatamente perceptíveis, são claras e distintas. 
Suas proposições são demonstráveis pela simples 
operação de pensamento e não dependem de algo 
existente em alguma parte do universo. As relações de 
fato correspondem a todas as associações por causalidade. 
Nesse caso o que conta não é o encadeamento lógico de 
ideias, mas a experiência. Causa e efeito são eventos 
distintos e não há nenhum termo intermediário que os una 
em uma relação necessária. Para Hume a certeza só pode 
ser uma crença, pois está apoiada no hábito, na repetição 
de experiências semelhantes. 
Segundo Abrão (2004) o ceticismo torna-se inevitável. 
O conhecimento científico que sempre pretendeu guiar-se 
pela razão pela evidência da intuição e da demonstração 
para estabelecer relações de causa e efeito, tem bases não-
racionais, como a crença e o hábito. Mas mesmo assim, 
para Hume, a certeza persiste, mesmo que agora se saiba 
que ela não tem bases racionais. 
Figueiredo (2002) comenta que a investigação de Hume 
põe em questão o status do conhecimento, mas não a 
objetividade do mundo. Em compensação ele investe 
contra a própria identidade individual do sujeito, que é 
então reduzida a condição de um fenômeno imaginário, 
fruto da regularidade das impressões e do costume. “Em 
Hume, portanto, a exploração dos processos privados do 
sujeito destrói a crença na sua representação pública, a 
identidade do indivíduo e a sua presumível 
invisibilidade.” (Figueiredo, 2002, pág. 110). 
(https://psicologado.com/psicologia-geral/historia-da-psicologia/david-
hume) 
 
O MÉTODO DE HUME 
 
Hume quis ser o Newton da psicologia. O subtítulo de 
seu Tratado da Natureza Humana é, nesse sentido, 
bastante esclarecedor: "Uma tentativa de introdução do 
método de raciocínio experimental nas ciências morais”. 
A análise psicológica do entendimento operada por Hume 
parece, à primeira vista, muito próxima da de Locke. Ele 
parte do princípio de que todas as nossas "ideias" são 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
58 
cópias das nossas "impressões", isto é, dos dados 
empíricos: impressões de sensação, mas, também, 
impressões de reflexão (emoções e paixões). Não é este o 
ponto de vista tradicional do empirismo que vê na 
experiência a fonte de todo saber? 
Na realidade, o método de Hume pode ser apresentado 
de maneira mais moderna. Sua filosofia coloca, sob o 
nome de "impressões", aquilo que Bergson mais tarde 
denominará os dados imediatos da consciência e que os 
fenomenologistas denominarão a intuição originária ou o 
vivido. Ao falar de fenomenologia contemporânea, Gaston 
Berger escrevia: "É preciso ir dos conceitos vazios, pelos 
quais uma ideia é apenas visada, à intuição direta e 
concreta da ideia, exatamente como Hume nos ensina a 
retornar das ideias para as impressões". Para Hume, ir da 
ideia à impressão consiste em apenas perguntar qual é o 
conteúdo da consciência que se oculta sob as palavras. 
Fala-se de substância, de princípios, de causas e efeitos 
etc. Que existe verdadeiramente no pensamento quando se 
discorre sobre isso? As quais impressões vividas 
correspondem todas essas palavras? Aquilo que Hume 
chama de impressão e que ele caracteriza pelos 
termos "vividness", "liveliness" é o pensamento atual, vivo, 
que se precisa redescobrir sob as palavras (no empirismo 
de Hume, diz Laporte, há que ver "antes o ódio ao 
verbalismo do que o preconceito do sensualismo"). 
 
A ANÁLISE DA IDEIA DE CAUSA 
 
Aos olhos de Hume, a noção de causalidade é muito 
enigmática porque, em nome desse princípio de 
causalidade, a todo momento afirmamos mais do que 
vemos, não cessamos de ultrapassar a experiência 
imediata. Por exemplo, em nome do princípio de 
causalidade (as mesmas causas produzem os mesmos 
efeitos ou o aquecimento da água é causa da ebulição), 
afirmo que a água que acabo de pôr no fogo vai ferver; 
prevejo a ebulição dessa água, portanto, tiro "de um objeto 
uma conclusão que o ultrapassa". Todo raciocínio 
experimental, pelo qual do presente se conclui o futuro (a 
água vai ferver, a barra de metal vai se dilatar, amanhã 
fará dia etc.), repousa nesse princípio de causalidade. 
De onde me vem esse princípio? A qual impressão 
corresponde essa ideia? A "investigação" filosófica vai se 
apresentar aqui como uma pesquisa em todas as direções: 
"Nós devemos proceder como essas pessoas que, ao 
procurarem um objeto que lhes está oculto e quando não o 
encontram no lugar que esperavam, vasculham todos os 
lugares vizinhos sem visão nem propósitos determinados, 
na esperança de que sua boa sorte irá orientá-las no 
sentido do objeto de suas buscas". Vejamos para onde nos 
conduzirá essa busca filosófica. 
Hume não encontrará, em nenhum setor da experiência, 
uma impressão concreta de causalidade que torne legítima 
essa ideia de causa que pretendemos ter: 
a) Consideremos, de início, a experiência externa: vejo 
que o movimento de uma bola de bilhar é seguido do 
movimento de outra bola com que a primeira se chocou, 
assim como vejo que o aquecimento é seguido da 
ebulição: vejo, então, que o fenômeno A é seguido do 
fenômeno B . Mas o que não vejo é o porquê dessa 
sucessão. É certo que posso repetir a experiência e que, 
cada vez em que a repito, o fenômeno B se segue ao 
fenômeno A . Mas isto não esclarece nada. A repetição 
constante de um enigma não é o mesmo que sua solução. 
Vejo bem que, entre os fenômenos A e B , há 
uma conjunção constante, mas não vejo conexão 
necessária. Constato que A se mostra e que, 
depois, B aparece. Mas não constato que B aparece 
porque A se mostra. A experiência externa apenas me 
fornece o e depois, não me dá a origem do porquê. 
b) Examinemos agora essa experiência, 
simultaneamente interna e externa, que faço a todo 
momento em que sinto o poder da minha consciência 
sobre meu corpo. Não terei aqui a chave do princípio de 
causalidade. Se quero levantar o braço, levanto-o. Não é 
evidente que minha vontade é a causa do movimento de 
meucorpo? Mas, se refletirmos bem, essa experiência não 
é menos clara do que a precedente. Constato duas coisas: 
inicialmente, que quero levantar o braço, em seguida, que 
ele se levanta. Não sei absolutamente por meio de que 
engrenagem neuromuscular complexa se opera o 
movimento de meu braço. Um paralítico, como eu, quer 
levantar o braço e, para surpresa sua, constata que nenhum 
movimento se segue ao seu desejo. 
E eu, cuja língua ou cujos dedos se movem segundo 
minha vontade, não tenho o menor poder sobre meu 
coração ou sobre meu fígado. Lembramo-nos como a 
sucessão de meu querer e de meus movimentos 
espantava Malebranche a tal ponto que ele via em minha 
vontade apenas uma ocasião a partir da qual Deus 
produzia o movimento de meu corpo. Aos olhos de Hume, 
filósofo do século XVIII, essa hipótese é extravagante, 
mas ele retém a análise psicológica do grande filósofo 
francês. Ainda aqui, constato com surpresa que quero 
efetuar certos movimentos e depois que esses movimentos 
se realizam. Mas não constato o porquê, não tenho 
experiência de uma conexão necessária. Permanece 
enigmática a ação da alma sobre o corpo: "Se tivéssemos o 
poder de afastar as montanhas ou controlar os planetas, 
esse poder não seria mais extraordinário". 
c) Que dizer enfim da experiência puramente interior da 
sucessão de minhas próprias ideias? Devo admitir que 
minha reflexão atenta é causa das ideias que me ocorrem? 
Mas, de saída, segundo os casos ou os momentos, as 
ideias ocorrem ou não. Pela manhã, elas ocorrem melhor 
do que à tarde (em alguns) e melhor antes da refeição do 
que após. Ainda aqui constato a existência de uma 
sucessão entre meu esforço de atenção e minhas ideias, 
mas não vejo conexão necessária entre os dois fatos. 
Por conseguinte, a conclusão se impõe. Não existe 
nenhuma impressão autêntica da causalidade. O que 
acontece é que eu acredito na causalidade e Hume explica 
essa crença, partindo do hábito e da associação das ideias. 
Por que será que espero ver a água ferver quando a 
aqueço? É porque, responde Hume, aquecimento e 
ebulição sempre estiveram associados em minha 
experiência e essa associação determinou um hábito em 
mim. Coloco a água no fogo e afirmo, em virtude de 
poderoso hábito: vai ferver. Se estabeleço "uma conclusão 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
59 
que projeta no futuro os casos passados de que tive 
experiência", é porque a imaginação, irresistivelmente 
arrastada pelo peso do costume, resvala de um evento 
dado àquele que comumente o acompanha. Aparento 
antecipar a experiência quando, na verdade, cedo a uma 
tendência criada pelo hábito. Por conseguinte, a 
necessidade causal não existe realmente nas coisas. "A 
necessidade é algo que existe no espírito, não nos 
objetos." 
 
O CETICISMO DE HUME 
 
O empirismo de Hume surge então como um ceticismo; 
explicar psicologicamente a crença no princípio de 
causalidade é recusar todo valor a esse princípio. De 
fato, não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do 
meu hábito e da minha expectativa. Espero 
invencivelmente a ebulição da água que coloquei no fogo. 
Mas essa expectativa não tem fundamento racional. Em 
suma, poderia ocorrer - sem contradição - que essa água 
aquecida se transformasse em gelo! "Qualquer coisa, diz 
Hume, pode produzir qualquer coisa." No domínio das 
proposições lógicas, A não pode ser não - A. Mas 
nas "matters of fact", tudo pode acontecer. Aquele rei de 
Sião, que condenara à morte o embaixador norueguês em 
sua corte (porque este último zombara dele ao afirmar que 
em seu país, no inverno, os rios se tornavam tão duros que 
se podia fazer deslizar trenós sobre os mesmos!!), errara 
muito ao negar um fato contrário à sua experiência. O 
princípio de causalidade, inteiramente explicado por uma 
ilusão psicológica, não tem o menor valor de verdade. 
Pascal, que já esboçara essa análise psicológica da 
indução, dizia em fórmula surpreendente: "Quem reduz o 
costume a seu princípio, anula-o". 
O ceticismo de Hume, portanto, surge-nos, 
dirá Hegel mais tarde, como um ceticismo absoluto. Para 
Hegel, ao ceticismo antigo, que duvida sobretudo dos 
sentidos para preparar a conversão do espírito ao mundo 
das verdades eternas, opõe-se um ceticismo moderno - de 
que Hume seria o corifeu - que nega apenas as afirmações 
da metafísica e fundamenta, solidamente, as verdades da 
ciência experimental. Na realidade, o ceticismo de Hume, 
ao abolir o princípio de causalidade, lança a suspeita em 
toda ciência experimental. Em todos os princípios do 
conhecimento ele descobre as ilusões da imaginação e do 
hábito. Até a unidade do eu - que se nos apresenta 
ingenuamente como uma evidência - é ilusória para ele. 
Segundo Hume, é também a imaginação que identifica o 
eu com o que ele possui ou, como dizemos, o ser e o ter. 
Em última instância, eu tenho reputação e mesmo 
lembranças, ideias e sonhos do mesmo modo que tenho 
esta roupa ou esta casa. É simplesmente a imaginação, 
hábil em mascarar a descontinuidade de todas as coisas, 
que facilmente desliza de um estado psíquico a outro e 
constrói o mito da personalidade, coleção de haveres 
heteróclitos que é dado como um ser. Pois, ou eu sou 
meus "estados" e minhas "qualidades" e não sou eu 
mesmo, ou então sou eu mesmo e nada mais. 
Só que Hume é o primeiro a reconhecer que seu 
ceticismo, por mais absoluto que seja, é artificial. Hume, 
como todo mundo, quando coloca a água no fogo, está 
persuadido de que ela vai ferver. Quando reflete como 
filósofo, em seu gabinete, ele é cético. Quando mergulha 
na vida corrente, suas "conclusões filosóficas parecem 
desvanecer-se como os fantasmas da noite ao nascer do 
dia". Se, diz ele curiosamente, "após três ou quatro horas 
de diversão, eu quisesse retornar às minhas especulações, 
estas me pareceriam tão frias, tão forçadas e ridículas que 
não poderia encontrar coragem e retomá-las por pouco 
que fosse". A crença no princípio de causalidade, absurda 
no plano da reflexão, é natural, instintiva. A teoria de 
Hume, por conseguinte, é simultaneamente um 
dogmatismo instintivo e um ceticismo reflexivo. 
Ceticismo e dogmatismo não se apresentam nele segundo 
os domínios do saber, mas segundo os níveis do 
pensamento. Ninguém mais do que ele separou filosofia e 
vida. Ele filosofa ceticamente segundo uma reflexão 
rigorosa e dissolvente. Podemos então qualificar, de certo 
modo, como "humorístico" o ceticismo desse filósofo 
inglês que, por outro lado, ousou dizer que convinha a um 
cavalheiro pensar como os whigs... e votar como os tories. 
http://www.mundodosfilosofos.com.br/hume.htm 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Para Hume não há, na mente humana, nada que não 
tenha se originado da percepção. Esta se subdivide em duas 
espécies. As mais vivas são impressões e as mais fracas são 
ideias (ou pensamentos), que são cópias de impressões e, por 
isso, menos vivas. 
• As ideias abstratas são as mais pálidas cópias de 
impressões, confundem-se com outras ideias e, 
frequentemente, as palavras que as designam não significam 
nada. Elas não podem servir de ponto de partida para o 
conhecimento e a certeza. 
• “Hume nos ensina a retornar das ideias para as 
impressões". Para Hume, ir da ideia à impressão consiste em 
apenas perguntar qual é o conteúdo da consciência que se 
oculta sob as palavras. 
• O ceticismo de Hume, ao abolir o princípio de 
causalidade, lança a suspeita em toda ciência experimental. Em 
todos os princípios do conhecimento ele descobre as ilusões da 
imaginação e do hábito. 
• Segundo Hume a relação de causalidade é uma crença 
baseada no hábito. Os homens associam ideias e acreditam 
nessa associação por força do hábito ou costume. 
 
 
 UNIDADE 21 
 
ADAM SMITH 
 
O escritor escocês Adam Smith é, com frequência, 
considerado o mais importante economista que o mundo 
já conheceu. Os conceitos de barganha e interesse próprio 
que ele explorou e a possibilidadede diferentes tipos de 
acordos e interesses – como o “interesse comum” – têm 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
60 
apelo recorrente para os filósofos. Seus textos também são 
importantes porque dão uma forma mais geral e abstrata à 
ideia de sociedade “comercial”, desenvolvida por seu 
amigo David Hume. 
 
 
Adam Smith (1723-1790) 
 
Como seu contemporâneo suíço Jean-Jacques Rousseau. 
Smith admitia que os motivos dos seres humanos são em 
parte benevolentes e em parte por interesse próprio, mas 
que este último é o traço mais forte, configurando-se então 
uma baliza melhor para o comportamento humano. Ele 
acreditava que isso se confirma pela observação social, e, 
de modo geral, sua abordagem não deixa de ser empírica. 
Num de seus famosos debates sobre a psicologia da 
barganha, ele sustentou que o movimento inicial mais 
comum na barganha é um lado instigar o outro: “a melhor 
maneira de conseguir o que você quer é me dar o que eu 
quero”. Em outras palavras, “dirigimo-nos não à 
humanidade [do outro], mas ao seu amor-próprio”. 
Smith afirmava que a troca de objetos úteis é uma 
característica distintamente humana. Ele notou que cães 
nunca são observados trocando ossos, e que, se um animal 
deseja obter algo, a única maneira pela qual pode 
conseguir isso é “conquistando o favor daqueles cujos 
préstimos ele necessita”. Os humanos podem também 
depender desse tipo de “adulação ou atenção servil”, mas 
não podem recorrer a isso quando precisam de ajuda 
porque a vida exige “cooperação e assistência de um 
grande número de pessoas”. Por exemplo, para alguém 
permanecer confortável numa pousada por uma noite, 
mobilizam-se muitas pessoas para cozinhar e servir a 
comida, arrumar o quarto, e assim por diante. Pessoas 
cujos serviços não dependem somente de boa vontade. Por 
essa razão, “o homem é um animal que realiza 
barganhas”, e a barganha é realizada ao se propor um trato 
que atenda ao interesse próprio de ambas as partes. 
 
 
A DIVISÃO DO TRABALHO 
 
Em sua explanação sobre o surgimento das economias 
de mercado, Smith argumentou que nossa capacidade de 
fazer barganhas colocou fim à antiga exigência universal 
de que toda pessoa, ou pelo menos toda família, fosse 
economicamente autosuficiente. A barganha tornou 
possível que nós nos concentrássemos em produzir cada 
vez menos bens, até finalmente produzir um único bem, 
ou oferecer um único serviço, trocando-o pelo que quer 
que precisássemos. O processo foi modificado 
radicalmente pela invenção do dinheiro, que aboliu a 
necessidade da permuta. A partir de então, na visão de 
Smith, somente os incapazes de trabalhar tinham de 
depender da caridade. Todo o resto poderia ir ao mercado 
trocar seu trabalho (ou o dinheiro ganho por meio do 
trabalho) por produtos do trabalho de outras pessoas. 
A eliminação da necessidade de autossuficiência 
produtiva levou ao surgimento de pessoas com um 
conjunto particular de habilidades (tais como o padeiro ou 
o carpinteiro), e depois ao que Smith chamou de “divisão 
do trabalho” entre as pessoas. Esse é o termo de Smith 
para a especialização, por meio da qual um indivíduo não 
apenas busca um tipo único de trabalho, mas realiza uma 
tarefa particular em um trabalho que é compartilhado por 
várias pessoas. Smith ilustrou a importância da 
especialização no inicio da obra-prima A riqueza das 
nações, mostrando como a produção de um simples 
alfinete de metal é radicalmente transformada com a 
adoção do sistema fabril. Um homem trabalhando sozinho 
encontraria dificuldade para produzir vinte alfinetes 
perfeitos em um dia. Já um grupo de dez homens, 
encarregados de diferentes tarefas (esticar o arame, 
endireitá-lo, cortá-lo, afiá-lo para uni-lo a uma cabeça), 
era capaz, na época de Smith de produzir mais de 48 mil 
alfinetes por dia. 
Smith estava impressionado com os grandes saltos na 
produtividade do trabalho durante a Revolução Industrial, 
devido a trabalhadores dotados de equipamento muito 
melhor e, muitas vezes, a máquinas substituindo homens. 
O trabalhador não especializado não podia sobreviver em 
tal sistema, e até os filósofos começaram a se especializar 
nos vários ramos de sua área, como lógica, ética, 
epistemologia e metafísica. 
O MERCADO LIVRE 
 
Com a divisão de trabalho aumenta a produtividade e 
torna possível que todos se candidatem a algum tipo de 
tarefa. Smith argumentou que ela pode levar à riqueza 
universal numa sociedade bem ordenada. De fato, ele 
dizia que, em condições de perfeita liberdade, o mercado 
pode levar a um estado de perfeita igualdade – em que 
todo mundo é livre para buscar seus próprios interesses, 
desde que estejam de acordo com as leis da justiça. Por 
igualdade Smith não se referia à equidade de 
oportunidade, mas à igualdade de condição. Em outras 
palavras, seu objetivo era a criação de uma sociedade não 
dividida pela competição, mas unida pela barganha 
baseada no mútuo interesse próprio. 
A questão de Smith, portanto, não é que as pessoas 
devam ter liberdade só porque a merecem. Seu argumento 
é que a sociedade como um todo se beneficia quando os 
indivíduos perseguem seus próprios interesses. A “mão 
invisível” do mercado, com suas leis de oferta e demanda, 
regularia a quantidade de bens disponíveis e os avaliaria 
de maneira muito mais eficiente do que qualquer governo. 
Em tal sociedade, um governo pode limitar-se a 
desempenhar apenas funções essenciais – tais como 
garantir a defesa, a justiça criminal e a educação –, e 
consequentemente as taxas e os impostos podem ser 
reduzidos. Assim como a barganha floresce dentro de 
limites racionais, pode florescer também além deles, 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
61 
levando ao comércio internacional – fenômeno que se 
espalhava por todo o mundo na época de Smith. 
Smith reconheceu que havia problemas com a noção de 
um mercado livre, em particular com o problema da 
remuneração por serviços, cada vez mais comum. 
Também admitiu que, embora a divisão de trabalho 
trouxesse enormes benefícios econômicos, o trabalho 
repetitivo não apenas é entediante para o trabalhador 
como pode destruir um ser humano – e, por essa razão, 
propôs que os governos deveriam restringir a extensão do 
uso da linha de produção. Contudo quando da primeira 
publicação de A riqueza das nações, sua doutrina de 
comércio livre e desregulamentado foi vista como 
revolucionária, não apenas pelo ataque aos privilégios 
comerciais e agrícolas a aos monopólios existentes, mas 
também por causa do argumento de que a riqueza de uma 
nação não depende de reservas em ouro, mas de seu 
trabalho – uma visão que contrariava todo o pensamento 
econômico da Europa da época. 
A reputação “revolucionária” de Smith foi favorecida 
durante o longo debate sobre a natureza da sociedade que 
ocorreu após a Revolução Francesa de 1789, inspirando o 
historiador vitoriano H. T. Burke a descrever A riqueza 
das nações como “provavelmente o mais importante livro 
já escrito”. 
 
O LEGADO DE SMITH 
 
Os críticos argumentaram que Smith estava errado ao 
supor que o “interesse geral” e o “interesse do 
consumidor” são o mesmo e que o mercado livre é 
benéfico para todos. A verdade é que, embora fosse 
solidário com as vítimas da pobreza, Smith nunca teve 
êxito completo em contrabalançar os interesses dos 
produtores e dos consumidores dentro de seu modelo 
social, ou em incorporar nele o trabalho doméstico 
(desempenhado principalmente por mulheres), que 
ajudava a manter a sociedade funcionando de maneira 
eficaz. 
Por essas razões, e com a ascensão do socialismo no 
século XIX, a reputação de Smith declinou, mas o 
interesse renovado na economia de livre mercado no final 
do século XX viu um renascimento de suas ideias. De 
fato, apenas hoje em dia podemos apreciar completamente 
sua alegação mais visionária – a de que um mercado émais do que um lugar. O mercado é um conceito e, como 
tal, pode existir em qualquer lugar – e não apenas físico, 
como a praça de uma cidade. Isso prenunciava o tipo de 
mercado “virtual” que só se tornou possível com o 
advento da tecnologia das telecomunicações. Os mercados 
financeiros atuais e o comércio on-line atestam a grande 
visão de Smith. 
(VARIOS. O Livro da Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 
160-163) 
 
 
 UNIDADE 22 
 
IMMANUEL KANT 
 
A CIÊNCIA E A METAFÍSICA 
 
O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a 
análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento 
às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em 
nenhum momento Kant duvida da verdade da física de 
Newton, assim como do valor das regras morais que sua 
mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos 
os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de 
Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso 
ser justo, que a coragem vale mais do que do que a 
covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da 
ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são 
necessárias (não podem não ser) e universais (valem para 
todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se 
fundam tais verdades? Em que condições são elas 
racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades 
da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os 
maiores pensadores estão em desacordo quanto às 
proposições da metafísica. Por que esse fracasso? 
 
 
Immanuel Kant (1724-1804) 
 
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários 
e universais, são a priori, isto é independentes dos azares 
da experiência, sempre particular e contigente. À primeira 
vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos 
analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está 
contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três 
ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo 
para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, 
aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: 
esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei 
que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento 
sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei 
que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois 
todas as réguas não são verdes). 
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de 
partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, 
sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de 
um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético 
(o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de 
triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho 
necessidade de uma constatação experimental para 
conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem 
ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. 
Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. 
Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a 
causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
62 
uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda 
ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria 
anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a 
priori sejam possíveis? 
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo 
fazendo uma construção no espaço. Mas por que a 
demonstração se opera tão bem em minha folha de papel 
quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que 
Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É 
porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que 
faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e 
o tempo são quadros a priori, necessários e universais de 
minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da 
Crítica da Razão Pura, denominada Estética 
transcendental. Estética significa teoria da percepção, 
enquanto transcendental significa a priori, isto é, 
simultaneamente anterior à experiência e condição da 
experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, 
aquisições da experiência. São quadros a priori de meu 
espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por 
que as construções espaciais do geômetra, por mais 
sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e 
universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, 
eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, 
ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para 
dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu 
constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a 
priori, necessários e universais? 
É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas 
quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, 
são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, 
eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito 
possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência 
de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de 
explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias 
são necessárias e universais. O próprio Hume, ao 
pretender que o hábito é a causa de nossa crença na 
causalidade, não emprega necessariamente a categoria a 
priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as 
intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às 
únicas condições sob as quais a diversidade da intuição 
pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a 
experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, 
mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a 
experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant 
mostrará na Estética transcendental) e, por outro, 
imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas 
categorias (o que Kant mostra na Analítica 
transcendental). Aquilo a que denominamos experiência 
não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia 
passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas 
estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o 
que nos aparece bem relacionado na natureza, foi 
relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant 
chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera 
Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira 
em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o 
reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano 
que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o 
objeto do seu saber. 
Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na 
dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor 
do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao 
fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu 
alcance. O que é fundamentado é o conhecimento 
científico, que se limita a por em ordem, graças às 
categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela 
intuição sensível. 
No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não 
conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo 
refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do 
tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em 
si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são 
as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições 
sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, 
mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias 
seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. 
Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão 
humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é 
passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A 
pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja 
resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda 
melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas 
asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se 
apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria 
nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio 
em que pudesse aplicar suas forças". 
Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas 
metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar 
incessantemente, mesmo além detoda experiência 
possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" 
porque supõe realizada a unificação completa dos meus 
estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador 
porque busca um fundamento do mundo que seja a 
unificação total do que se passa neste mundo... Mas 
privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a 
razão, como louca, perde-se nas antinomias, 
demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese 
quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um 
começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a 
necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre 
posso me perguntar: que havia antes do começo do 
universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da 
causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos 
dados na experiência (aquecimento e ebulição), o 
metafísico abusa da causalidade na medida em que se 
afasta deliberadamente da experiência concreta (quando 
imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da 
experiência, pois so o mundo é objeto de minha 
experiência). O princípio da causalidade, convite à 
descoberta, não deve servir de permissão para inventar. 
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant.htm) 
 
A FILOSOFIA MORAL DE KANT 
 
As três principais obras de Kant sobre questões éticas, 
que para ele pertencem a outra dimensão de nossa 
racionalidade, à razão prática e não à razão teórica, são: 
Fundamentos da metafísica dos costumes (1785), Crítica 
da razão prática (1788), que tratam da ética no sentido 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
63 
puro, e Metafísica dos costumes (1797), que consiste 
numa tentativa de aplicação dos princípios éticos. 
Pretende considerar, portanto, o homem não como sujeito 
do conhecimento, mas como agente livre e racional. 
É no domínio da razão prática, na visão de Kant, que 
somos livres, isto é, que se pões a questão da liberdade e 
da moralidade, enquanto no domínio da razão teórica do 
conhecimento, somos limitados por nossa própria 
estrutura cognitiva. Segundo essa concepção, a ética é, no 
entanto, estritamente racional, bem como universal, no 
sentido de que não está restrita a preceitos de caráter 
pessoal ou subjetivos, nem a hábitos e práticas culturais 
ou sociais. Os princípios éticos são derivados da 
racionalidade humana. A moralidade trata assim do uso 
prático e livre da razão. Os princípios da razão prática são 
leis universais que definem nossos deveres. Portanto, os 
princípios morais resultam da razão prática e se aplicam a 
todos os indivíduos em qualquer circunstância. Pode-se 
considerar assim a ética kantiana como uma ética do 
dever, ou seja, uma ética prescritiva. 
No mundo dos fenômenos, da realidade natural, tudo 
depende de uma determinação causal. Ora, se o homem é 
parte da natureza e as ações humanas ocorrem no mundo 
natural, então suas ações seguem uma determinação 
causal e o homem não é livre nem responsável por seus 
atos. Porém, o homem é essencialmente um ser racional e 
por isso se distingue da ordem natural, não estando no 
campo do agir moral, submetido às leis causais, mas sim 
aos princípios morais derivados da sua razão, ao dever, 
portanto. É este o sentido da liberdade humana no plano 
moral. A moral é assim independente do mundo da 
natureza. No campo do conhecimento, Kant parte da 
existência da ciência para investigar suas condições de 
possibilidade, no campo da ética, parte da existência da 
consciência moral para estabelecer seus princípios. 
O objetivo fundamental de Kant é, portanto, estabelecer 
os princípios a priori, ou seja, universais e imutáveis, da 
moral. Seu foco é o agente moral, suas intenções e 
motivos. O dever consiste na obediência a uma lei que se 
impõe universalmente a todos os seres racionais. Eis o 
sentido do imperativo categórico (ou absoluto): “Age de 
tal forma que sua ação possa ser considerada como norma 
universal.” Toda ação exige a antecipação de um fim, o 
ser humano deve agir como se (als ob) este fim fosse 
realizável. Daí a acusação de “formalismo ético” 
frequentemente lançada contra Kant, já que este princípio 
não estabelece o que se deve fazer, mas apenas um critério 
geral para o agir ético, sendo este precisamente o seu 
objetivo. Os imperativos hipotéticos, por sua vez, têm um 
caráter prático, estabelecendo uma regra para a realização 
de um fim, como: “Se você quiser ter credibilidade, 
cumpra suas promessas” (sobre esta distinção, ver 
Fundamentação da metafísica dos costumes, seç. II). 
Segundo Kant, a noção de busca da felicidade, que 
fundamenta, por exemplo, as éticas do período helenístico, 
como a estoica e a epicurista, é insuficiente como 
fundamento da moral, porque o conceito de felicidade é 
variável, dependendo de fatores subjetivos, psicológicos, 
ao passo que a lei moral é invariante, universal; por isso 
seu fundamento é o dever. 
Na concepção kantiana, a razão prática pressupõe uma 
crença em Deus, na liberdade e na imortalidade da alma, 
que funcionam como ideais ou princípios regulativos. A 
crença em Deus é o que possibilita o supremo bem, 
recompensar a virtude com a felicidade. A imortalidade da 
alma é necessária, já que neste mundo virtude e felicidade 
não coincidem, e a liberdade é um pressuposto do 
imperativo categórico, libertando-nos de nossas 
inclinações e desejos, uma vez que o dever supõe o poder 
fazer algo. 
Na terceira crítica, a Crítica do juízo (ou Da faculdade 
de julgar, 1790), Kant pretende analisar os juízos de 
gosto, fundamento da estética (no sentido de arte), e os 
juízos teleológicos (de finalidade). Porém, na realidade, 
seu objetivo principal é superar a dicotomia anterior entre 
razão teórica (ou cognitiva) e prática (a moral), 
considerando a faculdade do juízo como uma faculdade 
intermediária. Kant examina nessa obra a ideia da 
natureza como dotada de um propósito ou finalidade. A 
beleza, na medida em que tem um sentido estético, e 
definida como “uma finalidade sem fim”. Porém, Kant 
considera que o juízo estético, ou seja, o juízo do gosto, 
não pode ser simplesmente subjetivo, devendo ser, em 
princípio, dotado de objetividade e universalidade. Como 
é possível, entretanto, a objetividade e universalidade de 
um juízo estético? Como conciliar o sentimento de beleza 
com o caráter conceitual de um juízo? Segundo a Crítica 
do juízo, o juízo estético tem como objeto algo de 
particular, considerado em si mesmo, sem nenhum 
interesse específico por parte do sujeito além da 
consideração do próprio particular. É esta ausência de 
interesse que garante sua objetividade e universalidade. 
Foi grande a influência da filosofia kantiana. O período 
que se segue à sua morte na Alemanha foi conhecido pela 
história da filosofia como idealismo alemão pós-
kantiano, devido ao desenvolvimento de sua filosofia por 
pensadores como Fichte e Schelling, em um sentido 
essencialmente idealista. A Crítica do juízo exerceu uma 
forte influência sobre a estética do romantismo alemão. 
Hegel criticou a concepção kantiana de consciência e 
subjetividade, procurando, no entanto, levar adiante seu 
projeto de uma filosofia crítica. A Crítica da razão pura foi 
talvez sua obra mas influente ao longo do séc. XIX e 
início do séc. XX, pelo modelo de uma teoria de 
conhecimento que propõe, por sua formulação da questão 
da possibilidade da fundamentação da ciência e pela 
demarcação entre o conhecimento e a metafísica, pontos 
estes que serão desenvolvidos sobretudo pelos 
neokantianos da escola de Marburgo, dentre os quais se 
destacou Ernst Cassirer (1874-1945). 
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-
socráticos a Wittgenstein. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 217-219) 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Segundo Kant, o conhecimento é o resultado de uma 
síntese entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. É 
impossível conhecermos as coisas em si mesmas. Só 
 Ciências Humanase suas Tecnologias 
 
 
 
 
64 
conhecemos as coisas tal como as percebemos. O 
conhecimento então, não seria dado nem pelo sujeito nem pelo 
objeto, mas pela relação que se estabelece entre esses dois 
referenciais. Ao conhecermos a realidade do mundo, 
participamos de sua construção mental. 
• Kant distingue duas formas básicas do ato de conhecer: 
1) O conhecimento puro (a priori, universal e necessário) que 
nasce de uma operação racional e que não depende dos 
sentidos, ou seja, é anterior à experiência e 
2) O conhecimento empírico (a posteriori, particular e 
contingente) que se refere aos dados fornecidos pelos sentidos, 
então é posterior à experiência. 
• Também classifica os juízos em dois tipos: 1) o juízo 
analítico, que é derivado do conhecimento puro ou a priori e 
confirma as teorias e 2) o juízo sintético que é derivado do 
conhecimento empírico ou a posteriori que é capaz de fornecer 
novas informações. 
• Kant define o esclarecimento como “a superação da 
menoridade intelectual do homem”. A menoridade existe quando 
os homens não pensam por si próprios, sendo conduzidos por 
outros pela imposição de determinadas visões de mundo. 
• Um dever moral é uma exigência incondicional ou 
“categórica” ao nosso comportamento. Só um imperativo que 
realmente tenha uma aplicação universal pode ser moral. Nossa 
atitude deve ser sempre agir como desejaríamos que todos os 
outros agissem. 
 
 
Exercícios 
 
1. (ENEM 2013) Para que não haja abuso, é preciso 
organizar as coisas de maneira que o poder seja contido 
pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o 
mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, 
exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar 
as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as 
divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes 
Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma 
independente para efetivação da liberdade, sendo que esta 
não existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os 
referidos poderes concomitantemente. 
MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis, São Paulo. Abril Cultural, 
1979 (adaptado) 
 
A divisão e a independência entre os poderes são 
condições necessárias para que possa haver liberdade em 
um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo 
político em que haja: 
a) exercício de tutela sobre atividades jurídicas e 
políticas. 
b) consagração do poder político pela autoridade 
religiosa. 
c) concentração do poder nas mãos de elites técnico-
científicas. 
d) estabelecimento de limites aos atores públicos e às 
instituições do governo. 
e) reunião das funções de legislar, julgar e executar nas 
mãos de um governante eleito. 
 
2. (ENEM 2012) É verdade que nas democracias o povo 
parece fazer o que quer, mas a liberdade política não 
consiste nisso. Deve-se ter sempre presente em mente o 
que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o 
direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um 
cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria 
mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder. 
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Editora Nova 
Cultural, 1997 (adaptado) 
 
A característica de democracia ressaltada por 
Montesquieu diz respeito: 
a) ao status de cidadania que o indivíduo adquire ao 
tomar as decisões por si mesmo. 
b) ao condicionamento da liberdade dos cidadãos à 
conformidade às leis. 
c) à possibilidade de o cidadão participar no poder e, 
nesse caso, livre da submissão às leis. 
d) ao livre-arbítrio do cidadão em relação àquilo que é 
proibido, desde que ciente das consequências. 
e) ao direito do cidadão exercer sua vontade de acordo 
com seus valores pessoais. 
 
 
3. (ENEM 2015) 
 
Todo o poder criativo da mente se reduz a nada mais do 
que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou 
diminuir os materiais que nos fornecem os sentidos e a 
experiência. Quando pensamos em uma montanha de 
ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias 
consistentes, ouro e montanha, que já conhecíamos. 
Podemos conceber um cavalo virtuoso, porque somos 
capazes de conceber a virtude a partir de nossos próprios 
sentimentos, e podemos unir a isso a figura e a forma de 
um cavalo, animal que nos é familiar. 
HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: 
Abril Cultural, 1995. 
 
Hume estabelece um vínculo entre pensamento e 
impressão ao considerar que 
a) os conteúdos das ideias no intelecto têm origem na 
sensação. 
b) o espírito é capaz de classificar os dados da percepção 
sensível. 
c) as ideias fracas resultam de experiências sensoriais 
determinadas pelo acaso. 
d) os sentimentos ordenam como os pensamentos devem 
ser processados na memória. 
e) as ideias têm como fonte específica o sentimento 
cujos dados são colhidos na empiria. 
 
4. (ENEM 2012) 
 
TEXTO I 
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram 
enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em 
quem já nos enganou uma vez. 
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 
1979. 
 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
65 
TEXTO II 
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma 
ideia esteja sendo empregada sem nenhum significado, 
precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta 
suposta ideia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer 
impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa 
suspeita. 
HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: 
Unesp, 2004 (adaptado). 
 
Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a 
natureza do conhecimento humano. A comparação dos 
excertos permite assumir que Descartes e Hume: 
a) defendem os sentidos como critério originário para 
considerar um conhecimento legítimo. 
b) entendem que é desnecessário suspeitar do 
significado de uma ideia na reflexão filosófica e 
crítica. 
c) são legítimos representantes do criticismo quanto à 
gênese do conhecimento. 
d) concordam que conhecimento humano é impossível 
em relação às ideias e aos sentidos. 
e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no 
processo de obtenção do conhecimento. 
 
5. (ENEM 2013) Até hoje admitia-se que nosso 
conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas 
as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que 
ampliasse nosso conhecimento malogravam-se com esse 
pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se 
não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, 
admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso 
conhecimento. 
KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Guibenkian, 1994 
(adaptado) 
 
O trecho em questão é uma referência ao que ficou 
conhecido como revolução copernicana da filosofia. Nele, 
confrontam-se duas posições filosóficas que: 
 
a) assumem pontos de vista opostos acerca da natureza 
do conhecimento. 
b) defendem que o conhecimento é impossível, 
restando-nos somente o ceticismo. 
c) revela a relação de interdependência entre os dados da 
experiência e a reflexão filosófica. 
d) apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na 
primazia das ideias em relação aos objetos. 
e) refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso 
conhecimento e são ambas recusadas por Kant. 
 
6. (ENEM 2012) Esclarecimento é a saída do homem de 
sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A 
menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu 
entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem 
é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não 
se encontra na falta de entendimento, mas na falta de 
decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção 
de outrem. Tem coragem de fazer uso de teu próprio 
entendimento, tal é o lema do esclarecimento. A preguiça 
e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande 
parte dos homens, depois que a natureza de há muito os 
libertou de uma condição estranha, continuem, no entanto, 
de bom grado menores durante toda a vida. 
KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Petrópolis:Vozes, 1985 (adaptado) 
 
Kant destaca no texto o conceito de Esclarecimento, 
fundamental para a compreensão do contexto filosófico da 
Modernidade. Esclarecimento, no sentido empregado por 
Kant, representa: 
a) a reivindicação de autonomia da capacidade racional 
como expressão da maioridade. 
b) o exercício da racionalidade como pressuposto menor 
diante das verdades eternas. 
c) a imposição de verdades matemáticas, como caráter 
objetivo, de forma heterônoma. 
d) a compreensão de verdades religiosas que libertam o 
homem da falta de entendimento. 
e) a emancipação da subjetividade humana de ideologias 
produzidas pela própria razão. 
 
GABARITO 
 
1 2 3 4 5 6 
D B A E A A 
 
 
 UNIDADE 23 
 
FILOSOFIA CONTEMPORANEA 
 
Esse período, por ser o mais próximo de nós, parece ser 
o mais complexo e o mais difícil de definir pois os 
problemas e as diferentes respostas dadas a eles parecem 
impossibilitar uma visão de conjunto. 
Em outras palavras, não temos distância suficiente para 
perceber os traços mais gerais e marcantes deste período 
da Filosofia. Apesar disso, é possível assinalar quais têm 
sido as principais questões e os principais temas que 
interessaram à Filosofia neste século e meio. 
 
HISTÓRIA E PROGRESSO 
 
O século XIX é, na Filosofia, o grande século da 
descoberta da História ou da historicidade do homem, da 
sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com 
o filósofo alemão Hegel que se afirma que a História é o 
modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos 
seres humanos e que, portanto, somos seres históricos. 
No século passado, essa concepção levou à ideia de 
progresso, isto é, de que os seres humanos, as sociedades, 
as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar 
do tempo, acumulam conhecimento e práticas, 
aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o presente é 
melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro 
será melhor e superior, se comparado ao presente. 
No entanto, no século XX, a mesma afirmação da 
historicidade dos seres humanos, da razão e da sociedade 
levou à ideia de que a História é descontínua e não 
progressiva, com cada sociedade tendo sua História 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
66 
própria em vez de ser apenas uma etapa numa História 
universal das civilizações. 
A ideia de progresso passa a ser criticada porque serve 
como desculpa para legitimar colonialismos e 
imperialismos (os mais “adiantados” teriam o direito de 
dominar os mais “atrasados”). Passa a ser criticada 
também a ideia de progresso das ciências e das técnicas, 
mostrando-se que, em cada época histórica e para cada 
sociedade, os conhecimentos e as práticas possuem 
sentido e valor próprios, e que tal sentido e tal valor 
desaparecem numa época seguinte ou são diferentes numa 
outra sociedade, não havendo, portanto, transformação 
contínua, acumulativa e progressiva. O passado foi o 
passado, o presente é o presente e o futuro será o futuro. 
 
AS CIÊNCIAS E AS TÉCNICAS 
 
No século XIX, entusiasmada com as ciências e as 
técnicas, bem como com a Segunda Revolução Industrial, 
a Filosofia afirmava a confiança plena e total no saber 
científico e na tecnologia para dominar e controlar a 
Natureza, a sociedade e os indivíduos. 
Acreditava-se que a sociologia, por exemplo, nos 
ofereceria um saber seguro e definitivo sobre o modo de 
funcionamento das sociedades e que os seres humanos 
poderiam organizar racionalmente o social, evitando 
revoluções, revoltas e desigualdades. 
Acreditava-se, também, que a psicologia ensinaria como 
é e como funciona a psique humana, quais as causas dos 
comportamentos e os meios de controlá-los, quais as 
causas das emoções e os meios de controlá-las, de tal 
modo que seria possível livrar-nos das angústias, do 
medo, da loucura, assim como seria possível uma 
pedagogia baseada nos conhecimentos científicos e que 
permitiria não só adaptar perfeitamente acrianças às 
exigências da sociedade, como também educá-las segundo 
suas vocações e potencialidades psicológicas. 
No entanto, no século XX, a Filosofia passou a 
desconfiar do otimismo científico-tecnológico do século 
anterior em virtude de vários acontecimentos: as duas 
guerras mundiais, o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, 
os campos de concentração nazistas, as guerras da Coréia, 
do Vietnã, do Oriente Médio, do Afeganistão, as invasões 
comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as ditaduras 
sangrentas da América Latina, a devastação de mares, 
florestas e terras, a poluição do ar, os perigos cancerígenos 
de alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e 
sofrimentos mentais, etc. 
Uma escola alemã de Filosofia, a Escola de Frankfurt, 
elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, 
na qual distingue duas formas de razão: a razão 
instrumental e da razão crítica. 
A razão instrumental é a razão técnico-científica, que 
faz das ciências e das técnicas não um meio de liberação 
dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, 
terror e desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela 
que analisa e interpreta os limites e os perigos do 
pensamento instrumental e afirma que as mudanças 
sociais, políticas e culturais só se realizam 
verdadeiramente se tiverem como finalidade a 
emancipação do gênero humano e não as ideias de 
controle e domínio técnico-científico sobre a Natureza, a 
sociedade e a cultura. 
 
AS UTOPIAS REVOLUCIONÁRIAS 
 
No século XIX, em decorrência do otimismo trazido 
pelas ideias de progresso, desenvolvimento técnico-
científico, poderio humano para construir uma vida justa e 
feliz, a Filosofia apostou nas utopias revolucionárias – 
anarquismo, socialismo, comunismo –, que criariam, 
graças à ação política consciente dos explorados e 
oprimidos, uma sociedade nova, justa e feliz. 
No entanto, no século XX, com o surgimento das 
chamadas sociedades totalitárias – fascismo, nazismo, 
stalinismo – e com o aumento do poder das sociedades 
autoritárias ou ditatoriais, a Filosofia também passou a 
desconfiar do otimismo revolucionário e das utopias e a 
indagar se os seres humanos, os explorados e dominados 
serão capazes de criar e manter uma sociedade nova, justa 
e feliz. 
O crescimento das chamadas burocracias – que 
dominam as organizações estatais, empresariais, político-
partidárias, escolares, hospitalares – levou a Filosofia a 
indagar como os seres humanos poderiam derrubar esse 
imenso poderio que os governa secretamente, que eles 
desconhecem e que determina suas vidas cotidianas, desde 
o nascimento até a morte. 
 
A MAIORIDADE DA RAZÃO 
 
No século XIX, o otimismo filosófico levava a Filosofia 
a afirmar que, enfim, os seres humanos haviam alcançado 
a maioridade racional, e que a razão se desenvolvia 
plenamente para que o conhecimento completo da 
realidade e das ações humanas fosse atingido. 
No entanto, Marx, no final do século XIX, e Freud, No 
inicio do século XX, puseram em questão esse otimismo 
racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de 
investigação e cada qual voltado para diferentes aspectos 
da ação humana – Marx, voltado para a economia e a 
política; Freud, voltado para as perturbações e os 
sofrimentos psíquicos -, fizeram descobertas que, até o 
final de nosso século, continuam impondo questões 
filosóficas. 
Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos 
pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa 
própria vontade, racional e livremente, de acordo com 
nosso entendimento e nossa liberdade, porque 
desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar 
como pensamos e agir como agimos. A esse poder – que é 
social – ele deu o nome de ideologia. 
Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a 
ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e 
desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o 
controle de nossa consciência porque desconhecemos a 
existênciade uma força invisível, de um poder – que é 
psíquico e social – que atua sobre nossa consciência sem 
que ela o saiba. A esse poder que domina e controla 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
67 
invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o 
nome de inconsciente. 
Diante dessas duas descobertas, a Filosofia se viu 
forçada a reabrir a discussão sobre o que é e o que pode a 
consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento, sobre 
o que são e o que podem as aparências e as ilusões. 
Ao mesmo tempo, a Filosofia teve que reabrir as 
discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou 
é inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e 
histórica? Se for inteiramente condicionado, então a 
História e a cultura são causalidades necessárias como a 
Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres 
humanos conquistam a liberdade em meio a todos os 
condicionamentos psíquicos, históricos, econômicos, 
culturais em que vivem? 
 
O FIM DA FILOSOFIA? 
 
No século XIX, o otimismo positivista ou cientificista 
levou a Filosofia a supor que, no futuro, só haveria 
ciências, e que todos os conhecimentos e todas as 
explicações seriam dados por elas. Assim, a própria 
Filosofia poderia desaparecer, não tendo motivo para 
existir. 
No entanto, no século XX, a Filosofia passou a mostrar 
que as ciências não possuem princípios totalmente certos, 
seguros e rigorosos para as investigações, que os 
resultados podem ser duvidosos e precários, e que, 
frequentemente, uma ciência desconhece até onde pode ir 
e quando está entrando no campo de investigação de uma 
outra. 
Com isso, a Filosofia voltou a afirmar seu papel de 
compreensão e interpretação crítica das ciências, 
discutindo a validade de seus princípios, procedimentos de 
pesquisa, resultados, de suas formas de exposição dos 
dados e das conclusões, etc. 
Foram preocupações com a falta de rigor das ciências 
que levaram o filósofo alemão Husserl a propor que a 
Filosofia fosse o estudo e o conhecimento rigoroso da 
possibilidade do próprio conhecimento científico, 
examinando os fundamentos, os métodos e os resultados 
das ciências. Foram também as preocupações como essas 
que levaram filósofos como Bertrand Russel e Quine a 
estudar a linguagem científica, a discutir os problemas 
lógicos das ciências e a mostrar os paradoxos e os limites 
do conhecimento científico. 
(CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 
2003. PP. 50-54) 
 
 
 UNIDADE 24 
 
WILHELM FRIEDRICH HEGEL 
 
Como a filosofia de Spinoza, a de Hegel é uma filosofia 
da inteligibilidade total, da imanência absoluta. A razão 
aqui não é apenas, como em Kant, o entendimento 
humano, o conjunto dos princípios e das regras segundo as 
quais pensamos o mundo. Ela é igualmente a realidade 
profunda das coisas, a essência do próprio Ser. Ela é não 
só um modo de pensar as coisas, mas o próprio modo de 
ser das coisas: "O racional é real e o real é racional". 
Podemos, portanto, considerar Hegel como o filósofo 
idealista por excelência, uma vez que, para ele, o fundo do 
Ser (longe de ser uma coisa em si inacessível) é, em 
definitivo, Ideia, Espírito. Sua filosofia representa, ao 
mesmo tempo, com relação à crítica kantiana do 
conhecimento, um retorno à ontologia. É o ser em sua 
totalidade que é significativo e cada acontecimento 
particular no mundo só tem sentido finalmente em função 
do Absoluto do qual não é mais do que um aspecto ou um 
momento. 
 
 
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) 
 
Hegel porém se distingue de Spinoza e surge para nós 
como um filósofo essencialmente moderno, pois, para ele, 
o mundo que manifesta a Ideia não é uma natureza 
semelhante a si mesma em todos os tempos, que dizia que 
a leitura dos jornais era "sua prece matinal cotidiana", 
como todos os seus contemporâneos, muito meditou sobre 
a Revolução Francesa, e esta lhe mostra que as estruturas 
sociais, assim como os pensamentos dos homens, podem 
ser modificadas, subvertidas no decurso da história. O que 
há de original em seu idealismo é que, para Hegel, a ideia 
se manifesta como processo histórico: "A história 
universal nada mais é do que a manifestação da razão". 
As principais obras de Hegel são: A Fenomenologia do 
Espírito; A Lógica; A Enciclopédia das Ciências 
Filosóficas; A Filosofia do Direito. Foi um gênio 
poderoso; sua cultura foi vastíssima, bem como a sua 
capacidade sistemática, tanto assim que se pode 
considerar o Aristóteles e o Tomás de Aquino do 
pensamento contemporâneo. No entanto, frequentemente 
deforma os fatos para enquadrá-los no esquema lógico do 
seu sistema racionalista-dialético, bem como altera este 
por interesses práticos e políticos. 
É preciso compreender também que a história é um 
progresso. O vir- a-ser de muitas peripécias não é senão a 
história do Espírito universal que se desenvolve e se 
realiza por etapas sucessivas para atingir, no final, a plena 
posse, a plena consciência de si mesmo. "O absoluto, diz 
Hegel, só no final será o que ele é na realidade". O 
panteísmo de Spinoza identificava Deus com a 
natureza: Deus sive natura. O panteísmo hegeliano 
identifica Deus com a História. Deus não é o que é - ao 
menos só é parcial e muito provisoriamente o que 
atualmente é - Deus é o que se realizará na História. 
(Neste sentido, ainda há algo de hegeliano na filosofia de 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
68 
Teilhard de Chardin). Por conseguinte, a história, para 
Hegel, é uma odisseia do Espírito Universal", em suma, se 
nos permitem o jogo de palavras, uma "teodisseia". 
Consideremos a história da terra. De início só existem 
minerais, depois, vegetais e, em seguida, animais. Não 
temos a impressão de que seres cada vez mais complexos, 
cada vez mais organizados, cada vez mais autônomos 
surgem no Universo? O Espírito, de início adormecido, 
dissimulado e como que estranho a si mesmo, "alienado" 
no universo, surge cada vez mais manifestamente como 
ordem, como liberdade, logo como consciência. Esse 
progresso do Espírito continua e se concluirá através da 
história dos homens. Cada povo cada civilização, de certo 
modo, tem por missão realizar uma etapa desse progresso 
do Espírito. O Espírito humano é de início uma 
consciência confusa, um espírito puramente subjetivo, é a 
sensação imediata. Depois, ele consegue encarnar-se, 
objetivar-se sob a forma de civilizações, de instituições 
organizadas. Tal é o espírito objetivo que se realiza 
naquilo que Hegel chama de "o mundo da cultura". Enfim, 
o Espírito se descobre mais claramente na consciência 
artística e na consciência religiosa para finalmente 
apreender-se na Filosofia (notadamente na filosofia de 
Hegel, que pretende totalizar sob sua alçada todas as 
outras filosofias) como Saber Absoluto. Desse modo, a 
filosofia é o saber de todos os saberes: a sabedoria 
suprema que, no final, totaliza todas as obras da cultura (é 
só no crepúsculo, diz Hegel, que o pássaro de Minerva 
levanta vôo). Compreendemos bem, em todo caso, que, 
nessa filosofia puramente imanentista, Deus só se realiza 
na história. Em outras palavras, a forma de civilização que 
triunfa a cada etapa da história é aquela que, naquele 
momento, melhor exprime o Espírito. Após ter saudado 
em Napoleão "o espírito universal a cavalo", Hegel verá 
no estado prussiano de seu tempo a expressão mais 
perfeita do Espírito Absoluto. Por conseguinte, Hegel é 
daqueles que acham que a força não "oprime" o direito 
(essa fórmula, abusivamente atribuída a Bismarck, nada 
significa), mas que o exprime, que aquele que é vitorioso 
na História é, simultaneamente, o mais dotado de valor e 
que a virtude, como ele diz, "exprime o curso do mundo". 
Segundo as normas da lógica clássica, essa identificação 
da Razão com o Devir histórico é absolutamente 
paradoxal. De fato, a lógica clássica considera queuma 
proposição fica demonstrada quando é reduzida, 
identificada a uma proposição já admitida. A lógica vai do 
idêntico ao idêntico. A história, ao contrário, é o domínio 
do mutável. O acontecimento de hoje é diferente do de 
ontem. Ele o contradiz. Aplicar a razão à história, por 
conseguinte, seria mostrar que a mudança é aparente, que 
no fundo tudo permanece idêntico. Aplicar a razão à 
história seria negar a história, recusar o tempo. Ora, 
contrariando tudo isso, o racionalismo de Hegel coloca o 
devir, a história, em primeiro plano. Como isso é 
possível? 
É possível porque Hegel concebe um processo racional 
original - o processo dialético - no qual a contradição não 
mais é o que deve ser evitado a qualquer preço, mas, ao 
contrário, se transforma no próprio motor do pensamento, 
ao mesmo tempo em que é o motor da história, já que esta 
última não é senão o Pensamento que se realiza. 
Repudiando o princípio da contradição de Aristóteles e 
de Leibnitz, em virtude do qual uma coisa não pode ser e, 
ao mesmo tempo, não ser, Hegel põe a contradição no 
próprio núcleo do pensamento e das coisas 
simultaneamente. O pensamento não é mais estático, ele 
procede por meio de contradições superadas, 
da tese à antítese e, daí, à síntese, como num diálogo em 
que a verdade surge a partir da discussão e das 
contradições. Uma proposição (tese) não pode se pôr sem 
se opor a outra (antítese) em que a primeira é negada, 
transformada em outra que não ela mesma ("alienada"). A 
primeira proposição encontrar-se-á finalmente 
transformada e enriquecida numa nova fórmula que era, 
entre as duas precedentes, uma ligação, uma "mediação" 
(síntese). 
 
A DIALÉTICA 
 
A dialética para Hegel é o procedimento superior do 
pensamento é, ao mesmo tempo, repetimo-la, "a marcha e 
o ritmo das próprias coisas". Vejamos, por exemplo, como 
o conceito fundamental de ser se enriquece 
dialeticamente. Como é que o ser, essa noção 
simultaneamente a mais abstrata e a mais real, a mais 
vazia e a mais compreensiva (essa noção em que o velho 
Parmênides se fechava: o ser é, nada mais podemos dizer), 
transforma-se em outra coisa? É em virtude da 
contradição que esse conceito envolve. O conceito de ser é 
o mais geral, mas também o mais pobre. Ser, sem 
qualquer qualidade ou determinação - é, em última 
análise, não ser absolutamente nada, é não ser! O ser, puro 
e simples, equivale ao não-ser (eis a antítese). É fácil ver 
que essa contradição se resolve no vir-a-ser (posto que vir-
a-ser é não mais ser o que se era). Os dois contrários que 
engendram o devir (síntese), aí se reencontram fundidos, 
reconciliados. 
Vejamos um exemplo muito célebre da dialética 
hegeliana que será um dos pontos de partida da reflexão 
de Karl Marx. Trata-se de um episódio dialético tirado da 
Fenomenologia do Espírito, o do senhor e o escravo. Dois 
homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem. 
Aceita arriscar sua vida no combate, mostrando assim que 
é um homem livre, superior à sua vida. O outro, que não 
ousa arriscar a vida, é vencido. O vencedor não mata o 
prisioneiro, ao contrário, conserva-o cuidadosamente 
como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o escravo, 
o "servus", aquele que, ao pé da letra, foi conservado. 
a) O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio 
goza os prazeres da vida. O senhor não cultiva seu jardim, 
não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem 
o escravo para isso. O senhor não conhece mais os rigores 
do mundo material, uma vez que interpôs um escravo 
entre ele e o mundo. O senhor, porque lê o 
reconhecimento de sua superioridade no olhar submisso 
de seu escravo, é livre, ao passo que este último se vê 
despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de 
submissão absoluta. 
b) Entretanto, essa situação vai se transformar 
dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
69 
contradição interna: o senhor só o é em função da 
existência do escravo, que condiciona a sua. O senhor só o 
é porque é reconhecido como tal pela consciência do 
escravo e também porque vive do trabalho desse escravo. 
Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu 
escravo. 
c) De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da 
vida do que o escravo de seu senhor (foi por medo de 
morrer que se submeteu), vai encontrar uma nova forma 
de liberdade. Colocado numa situação infeliz em que só 
conhece provações, aprende a se afastar de todos os 
eventos exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime, 
desenvolvendo uma consciência pessoal. Mas, sobretudo, 
o escravo incessantemente ocupado com o trabalho, 
aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e 
recupera uma certa forma de liberdade (o domínio da 
natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma 
conversão dialética exemplar, o trabalho servil devolve-
lhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado 
pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu 
senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si 
mesmo. Assim, a liberdade estoica se apresenta a Hegel 
como a reconciliação entre o domínio e a servidão. 
Hegel parte, fundamentalmente, da síntese a 
priori de Kant, em que o espírito é constituído 
substancialmente como sendo o construtor da realidade e 
toda a sua atividade é reduzida ao âmbito da experiência, 
porquanto é da íntima natureza da síntese a priori não 
poder, de modo nenhum, transcender a experiência, de 
sorte que Hegel se achava fatalmente impelido a um 
monismo imanentista, que devia necessariamente tornar-
se panlogista, dialético. Assim, deviam se achar na 
realidade única da experiência as características divinas do 
antigo Deus transcendente, destruído por Kant. Hegel 
devia, portanto, chegar ao panteísmo imanentista, que 
Schopenhauer, o grande crítico do idealismo racionalista e 
otimista, declarará nada mais ser que ateísmo imanentista. 
No entanto, para poder elevar a realidade da experiência 
à ordem da realidade absoluta, divina, Hegel se achava 
obrigado a mostrar a racionalidade absoluta da realidade 
da experiência, a qual, sendo o mundo da experiência 
limitado e deficiente, por causa do assim chamado mal 
metafísico, físico e moral, não podia, por certo, ser 
concebida mediante o ser (da filosofia aristotélica), 
idêntico a si mesmo e excluindo o seu oposto, e onde a 
limitação, a negação, o mal, não podem, de modo 
nenhum, gerar naturalmente valores positivos de bem 
verdadeiro. Mas essa racionalidade absoluta da realidade 
da experiência devia ser concebida mediante o vir-a-ser 
absoluto (de Heráclito), onde um elemento gera o seu 
oposto, e a negação e o mal são condições de positividade 
e de bem. 
Apresentava-se, portanto, a necessidade da invenção de 
uma nova lógica, para poder racionalizar o elemento 
potencial e negativo da experiência, isto é, tudo que há no 
mundo de arracional e de irracional. E por isso Hegel 
inventou a dialética dos opostos, cuja característica 
fundamental é a negação, em que a positividade se realiza 
através da negatividade, do ritmo famoso 
de tese, antítese e síntese. Essa dialética dos opostos 
resolve e compõe em si mesma o elemento positivo da 
tese e da antítese. Isto é, todo elemento da realidade, 
estabelecendo-se a si mesmo absolutamente (tese) e não 
esgotando o Absoluto de que é um momento, demanda o 
seu oposto (antítese), que nega e o qual integra, em uma 
realidade mais rica (síntese), para daqui começar de novo 
o processo dialético. A nova lógica hegeliana difere da 
antiga, não somente pela negação do princípio de 
identidade e de contradição - como eram concebidos na 
lógica antiga - mas também porquanto a nova lógica é 
considerada como sendo a própria lei do ser. Quer dizer, 
coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já não 
é mais o ser, mas o devir absoluto. 
Dispensa-se acrescentar como, a experiência sendo a 
realidade absoluta,e sendo também vir-a-ser, a história 
em geral se valoriza na filosofia; igualmente não é preciso 
salientar como o conceito concreto, isto é, o particular 
conexo historicamente com o todo, toma o lugar do 
conceito abstrato, que representa o elemento universal e 
comum dos particulares. Estamos, logo, perante 
um panlogismo, não estático, como o de Spinoza, e sim 
dinâmico, em que - através do idealismo absoluto - o 
monismo, que Hegel considerava panteísmo, é levado às 
suas extremas consequências metafísicas imanentistas. 
Podemos resumir assim: 
 
1.° - A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si 
mesmo e exclui o seu oposto (princípio de identidade e de 
contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que 
a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de 
um elemento ao seu oposto; 
2.° - A lógica tradicional afirma que o conceito é 
universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável, 
realmente, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica 
hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto, 
isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do 
real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo; 
3.° - A lógica tradicional distingue substancialmente a 
filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da 
história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo 
que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história, 
enquanto o ser é vir-a-ser; 
4.° - A lógica tradicional distingue-se da ontologia, 
enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o 
esgota totalmente - como faz o pensamento de Deus; ao 
passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia, 
porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do 
próprio "logos" divino, que no espírito humano adquire 
plena consciência de si mesmo. 
Visto que a realidade é o vir-a-ser dialético da Ideia, a 
autoconsciência racional de Deus, Hegel julgou dever 
deduzir a priori o desenvolvimento lógico da ideia, e 
demonstrar a necessidade racional da história natural e 
humana, segundo a conhecida tríade de tese, antítese e 
síntese, não só nos aspectos gerais, nos momentos 
essenciais, mas em toda particularidade da história. E, 
com efeito, a realidade deveria transformar-se 
rigorosamente na racionalidade em um sistema coerente 
de pensamento idealista e imanentista. 
http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/heraclito.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/spinoza.htm
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
70 
Não é mister dizer que essa história dialética nada mais 
é que a história empírica, arbitrariamente potenciada 
segundo a não menos arbitrária lógica hegeliana, em uma 
possível assimilação do devir empírico do 
desenvolvimento lógico - ainda que entendido 
dialeticamente, dinamicamente. Tal história dialética 
deveria, enfim, terminar com o advento da filosofia 
hegeliana, em que a Ideia teria acabado a sua odisseia, 
adquirindo consciência de si mesma, isto é, da sua 
divindade, no espírito humano, como absoluto. Mas, desse 
modo, viria a ser negada a própria essência da filosofia 
hegeliana, para a qual o ser, isto é, o pensamento, nada 
mais é que o infinito vir-a-ser dialético. 
http://www.mundodosfilosofos.com.br/hegel.htm 
 
 
FIQUE LIGADO NO ENEM! 
• Segundo Hegel a natureza está em constante processo 
de desenvolvimento, e este se dá na história, concebida, por 
sua vez, como etapas do desenvolvimento do espírito (Geist), 
cuja meta é atingir o autoconhecimento ou a consciência de si. 
Geist é a existência própria, a essência última do ser. O 
processo histórico deve ser interpretado como o 
desenvolvimento em direção à sua forma absoluta. 
• O curso realidade apresenta momentos que se 
contradizem entre si, sem, no entanto, perderem a unidade do 
processo, que leva a um crescente desenvolvimento que 
progride através do conflito e da superação das contradições. A 
esse processo Hegel denominou dialética. 
• Hegel mostra como a mesma lógica da oposição “tese” e 
“antítese” e o surgimento posterior de uma “síntese”, aplica-se 
também ao desenvolvimento da história e da filosofia. Em outras 
palavras, a tese (os valores predominantes em um povo) é 
sempre acompanhada por uma antítese (valores que 
representam a negação da consciência vigente). O confronto 
deriva na síntese, ou seja, na superação de uma forma de 
civilização por outra. 
• Nesse movimento dialético de tese-antítese-síntese , a 
civilização posterior, ao mesmo tempo em que supera a 
anterior, preserva o que nela era essencial ao espírito, 
tornando-o mais pleno. Dessa forma, cada civilização histórica 
seria mais racional do que suas antecessoras. 
• Para Hegel o fim da história corresponde 
necessariamente à libertação humana e isso só poderá 
acontecer quando a vontade do indivíduo for absorvida na 
vontade do coletivo e reconhecida pela razão como partilhada 
por todos. Então ela não será mais algo do qual cada um dos 
indivíduos se sinta alienado, pelo contrário cada um deles 
reconhecerá o dever social como sendo do seu próprio e 
particular interesse. 
 
 
 UNIDADE 25 
 
KARL MARX 
 
A CRÍTICA DE MARX AO IDEALISMO HEGELIANO 
 
O conceito de objeto pode ser mais bem analisado por 
meio de investigação de sua etimologia: objeto é 
composto por Ob (contra mim) e jeto (lançar), ou seja, a 
coisa apreendida, e nos esclarece a relação de 
interpretação do sujeito com o objeto, para Hegel. 
O mundo não tem uma essência em si, e podemos 
incluir neste mundo a história. O objeto - seja ele 
filosófico, pertencente ao mundo das ideias, ou material - 
pertencente ao mundo natural existe apenas em relação ao 
sujeito. O último, lança sobre si algo que não lhe pertence 
a fim de compreendê-lo. O mundo, portanto, tem a forma 
que o homem dá a ele. O homem também se põe como 
objeto de si, na tentativa de que a consciência veja a si 
mesma: a autoconsciência. 
Aqui, outro conceito com aparência inocente nos revela 
alguns caminhos da filosofia de Hegel: a especulação, que 
vem de espelho. O homem olha a si mesmo, através da 
história, na tentativa de encontrar diferenças, de 
estabelecer mudanças. 
A História, para Hegel é a ciência da consciência 
histórica. Para Hegel, o homem é um "ser espirituoso", e a 
dialética, um método de descoberta das contradições. Este 
consiste em relacionar sujeito e objeto, colocá-los em 
oposição, em conflito. A relação, portanto, não existe 
enquanto diversidade, ela necessariamente deve encerrar 
uma oposição e, por fim, uma contradição. É o conflito 
que constitui a consciência. 
A relação entre escravo e senhor exemplifica essas três 
etapas. O senhor só é senhor em relação ao seu escravo, e 
nesse sentido, depende do escravo para exercer a sua 
autoridade. O escravo, da mesma maneira, só é escravo na 
relação com seu senhor, dependendo dele para ser 
subjugado. Mas escravo e senhor não são apenas 
diferentes por um ser escravo e o outro, senhor. Eles estão 
numa relação de oposição: um manda, o outro obedece. 
À primeira vista, a relação entre os dois se encerra neste 
ponto: o senhor dá ordens, o escravo obedece; o senhor 
possui a terra, o escravo nela trabalha; o senhor é livre, o 
escravo vive preso aos seus grilhões. Mas essa relação de 
diversidade, que se fundamenta numa oposição, revela 
suas inerentes contradições: o senhor depende do escravo 
e este depende do senhor. O senhor precisa da vida do 
escravo para que a sua própria se mantenha: enquanto o 
escravo trabalha, o senhor descansa. Caso o escravo se 
rebele, o senhor passará fome e morrerá. O escravo não é 
apenas escravo, mas principalmente senhor de seu próprio 
senhor. E o senhor, aparentemente dominante na relação, 
mostra seu alicerce de dependência, e, portanto, revela ser 
não apenas senhor, mas escravo de seu próprio escravo. 
A crítica de Marx sobre a dialética hegeliana concentra-
se no caráterlógico, que não alcança a natureza, a 
realidade. Para Marx, essa dialética permanece na 
consciência, alcança o objeto apenas no pensamento, 
enquanto pensamento. 
 
 
Filosofia 
 
 
ENEM 
 
71 
 
Karl Marx (1818-1883) 
 
Marx, ultrapassando a crítica à religião feita por Hegel, 
preocupa-se com a crítica à própria Filosofia Alemã: 
"Nenhum destes filósofos se lembrou de perguntar qual 
seria a relação entre a Filosofia Alemã e a realidade 
alemã, a relação entre a sua crítica e o seu próprio meio 
material." Marx se opõe à Hegel nesse sentido, tendo-o 
como um idealista; não existe, para Marx, um espírito 
universal motor da história humana, que reaparece de 
tempos em tempos, em diferentes povos. 
Na Ideologia Alemã, existe a síntese do que viria a ser o 
materialismo histórico. A consciência não é aqui um ente 
abstrato, universal (quase metafísico), mas particular, 
historicamente produzido por meio das relações de 
trabalho. 
Contra o idealismo hegeliano, que realiza uma reflexão 
sobre a razão, Marx coloca a questão de sobrevivência do 
homem. O "ser" do homem é seu processo de vida 
material, real - é o ser social que determina a forma de 
consciência, não o contrário. "Não é a consciência que 
determina a vida, mas sim a vida que determina a 
consciência." 
Para Hegel o homem distingue-se do animal por ter 
consciência - atividade além do pensar, pois um animal 
pensa, mas não pensa que está pensando. Para Marx o 
homem é o único ser que trabalha. 
A História é uma ciência para Marx, dividida entre 
história da natureza e história dos homens; histórias essas 
que caminham juntas e se condicionam, visto que o 
homem transforma a natureza por meio do trabalho, 
produzindo seus meios de vida. O primeiro ato histórico 
do homem, portanto, é manter-se vivo. Para isso, ele 
produz sua vida material, produz os meios capazes de 
satisfazer suas próprias necessidades. Meios esses que 
produzem outras necessidades e assim por diante. 
A base da história são os interesses materiais, e nestes, 
encontramos os antagonismos de produção, oriundos da 
divisão do trabalho. A luta de classes será o motor da 
história, para Marx, a história escrita, o relato do 
vencedor. A sociedade se organiza a partir da relação de 
dominação que um segmento exerce sobre o outro quando 
detém os meios de produção. 
A relação entre senhor e escravo, em sua dialética, nos 
leva a descobrir como se configuram os meios de 
sobrevivência de certa sociedade, em tempo e lugares 
reais. De acordo com Marx, a libertação do homem não se 
realiza por meio da autoconsciência do espírito universal: 
"Não é possível levar a cabo uma libertação real sem ser 
no mundo real e através de meios reais". A crítica à 
ideologia alemã é ácida: "A libertação é um fato histórico 
e não um fato intelectual, e é provocado por condições 
históricas, pelo progresso da indústria, do comércio, da 
agricultura...; estas provocam depois, em virtude dos seus 
diferentes estágios de desenvolvimento, esses absurdos: a 
substância, o sujeito, a consciência de si e a crítica pura, 
assim como os absurdos religiosos e teológicos, que são 
novamente eliminados quando já estão suficientemente 
desenvolvidos." 
Para Marx, a própria filosofia alemã de seu tempo era 
resultado do desenvolvimento (precário) de suas forças 
produtivas. Contra todos esses conceitos dominantes na 
filosofia de seu tempo, Marx, para chegar à "consciência", 
nos conduz por quatro momentos históricos do homem: a 
produção da vida material para manter- se vivo; a 
produção de novas necessidades; a produção da família, 
ou seja, a reprodução de si mesmo; e a cooperação entre 
os homens, em determinado modo, para a produção da 
vida. A consciência aparece como percepção das relações 
sociais e das outras coisas situadas fora do indivíduo - e 
não como consciência pura. "A minha consciência é a 
minha relação com o que me rodeia". 
O Ocidente viu seu último grande sistema filosófico 
encerrar-se sob a denominação de Hegelianismo. Sua 
principal influência pode ser vista não apenas na formação 
do Marxismo, como também na Fenomenologia, e na 
formação da teoria e da práxis do Existencialismo. É por 
essas e outras razões que o filósofo alemão segue como 
uma referência fundamental para vários campos do 
conhecimento. 
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-
sabedoria/39/artigo273508-5.asp 
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• Marx se opõe à Hegel tendo-o como um idealista; não 
existe, para Marx, um espírito universal motor da história 
humana. A crítica de Marx sobre a dialética hegeliana 
concentra-se no caráter lógico, que não alcança a natureza, a 
realidade. Para Marx, a filosofia deve possuir o caráter de 
transformação, da prática; trata-se da filosofia da práxis. 
• A existência material do homem é que determina o 
pensamento, em vez de o pensamento determinar a existência 
do homem. Primeiro o homem tem que produzir suas condições 
materiais e concretas de vida, através do trabalho, que são os 
bens necessários para a sua existência e para sua 
sobrevivência, e só depois disso o homem poderá filosofar. 
• O materialismo histórico de Marx parte do princípio de 
que se o homem está constantemente trabalhando e produzindo 
os objetos necessários para o sustento da sua vida, cada 
mudança nessa maneira de produção, faz com que mude a 
maneira de se viver também. 
• A desigualdade de propriedade determina a diferença de 
classes e a dominação de uma classe social por outra. Esses 
pares de classes sociais antagônicas, mas complementares, 
mantêm uma oposição de valores e interesses que se manifesta 
na luta de classes que, por sua vez, se constitui no motor da 
história. 
• Se o motor da história é a luta de classes, o fim da divisão 
entre os homens em classes representaria o fim da história. 
 Ciências Humanas e suas Tecnologias 
 
 
 
 
72 
Para isso, o proletariado deveria derrubar as bases econômicas 
em que se fundamenta a existência das classes realizando uma 
revolução e destituindo a burguesia do poder. 
 
 
 UNIDADE 26 
 
FRIEDRICH NIETZSCHE 
 
O DIONISÍACO E O SOCRÁTICO 
 
Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de 
expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como 
consequência uma nova concepção da filosofia e do 
filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um 
conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. 
A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, 
sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria 
determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando 
os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a 
pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, 
simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser 
interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a 
própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie 
de fisiologista e de médico, aquele que considera os 
fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador 
seria o artista que considera e cria perspectivas, falando 
pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do 
futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo 
tempo. 
Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre 
os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o 
pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o 
pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da 
filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração 
dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um 
pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como 
tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente 
superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, 
condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, 
crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, 
surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma 
Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates,

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