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Filosofia
ENEM
1
FILOSOFIA
UNIDADE 1
NASCIMENTO DA FILOSOFIA
Todos nós sabemos que os primeiros filósofos da
humanidade foram gregos.
Isso significa que embora tenhamos referências de
grandes homens na China (Confúcio, Lao Tsé), na Índia
(Buda), na Pérsia (Zaratustra), suas teorias ainda estão por
demais vinculadas à religião para que se possa falar
propriamente em reflexão filosófica.
O que veremos neste capítulo é o processo pelo qual se
tornou possível a passagem da consciência mítica para a
consciência filosófica na civilização grega, constituída por
diversas regiões politicamente autônomas.
A CONCEPÇÃO MÍTICA
Os mitos gregos eram recolhidos pela tradição e
transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores
ambulantes que davam forma poética aos relatos
populares e os recitavam de cor em praça pública. Era
difícil conhecer os autores de tais trabalhos de
formalização, porque num mundo em que predomina a
consciência mítica não existe a preocupação com a autoria
da obra, já que o anonimato é a conseqüência do
coletivismo, fase em que ainda não se destaca a
individualidade. Além disso, não havia a escrita para fixar
obra e autor.
Por esse motivo há controvérsia a respeito da época em
que teria vivido Homero, um desses poetas, e até se ele
realmente teria existido (séc. IX a.C.?). É costume
atribuir-lhe a autoria de dois poemas épicos (epopéias):
Ilíada, que trata da guerra de Tróia (Tróia em grego é
Ilion), e Odisséia, que relata o retorno de Ulisses a Ítaca,
após a guerra de Tróia (Odisseus é o nome grego de
Ulisses). Por vários motivos, inclusive pelo estilo
diferente dos dois poemas, alguns intérpretes acham que
são obras de diversos autores.
De qualquer forma, as epopéias tiveram função didática
importante na vida dos gregos porque descrevem o
período da civilização micênica e transmitem os valores
da cultura por meio das histórias dos deuses e
antepassados, expressando uma determinada concepção de
vida. Por isso desde cedo as crianças decoravam
passagens dos poemas de Homero.
As ações heróicas relatadas nas epopéias mostram a
constante intervenção dos deuses, ora para auxiliar um
protegido seu, ora para perseguir um inimigo. O homem
homérico é presa do Destino (Moira), que é fixo,
imutável, e não pode ser alterado. Até distúrbios psíquicos
como o desvario momentâneo de Agamêmnon são
atribuídos à ação divina. É nesse sentido a fala de Heitor:
"Ninguém me lançará ao Hades" contra as ordens do
destino! Garanto-te que nunca homem algum, bom ou
mau, escapou ao seu destino, desde que nasceu!".
O herói vive, portanto, na dependência dos deuses e do
destino, faltando a ele a nossa noção de vontade pessoal,
de livre-arbítrio. Mas isto não o diminui diante dos
homens comuns. Ao contrário, ter sido escolhido pelos
deuses é sinal de valor e em nada tal ajuda desmerece a
sua virtude.
A virtude do herói se manifesta pela coragem e pela
força, sobretudo no campo de batalha, mas também na
assembléia, no discurso, pelo poder de persuasão.
Nessa perspectiva, a noção de virtude não deve ser
confundida com o conceito moral de virtude como o
conhecemos posteriormente, mas como excelência,
superioridade, alvo supremo do herói. Trata-se da virtude
do guerreiro belo e bom.
Hesiodo, outro poeta que teria vivido por volta do final
do século VIII e princípios do VII a.C., produz uma obra
com características que apontam para a época que se vai
iniciar a seguir, com particularidades que tendem a
superar a poesia impessoal e coletiva das epopéias.
Mas mesmo assim, sua obra Teogonia (teo: deus; gonia:
origem) reflete ainda a preocupação com a crença nos
mitos. Nela Hesíodo relata as origens do mundo e dos
deuses, e as forças que surgem não são a pura natureza,
mas sim as próprias divindades: Gaia é a Terra, Urano é o
Céu, Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação, ora
pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os
opostos.
A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA
É no período arcaico que surgem os primeiros filósofos
gregos, por volta de fins do século VII a.C. e durante o
século VI a.C.
Alguns autores costumam chamar de "milagre grego" a
passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico
racional e filosófico. Atenuando a ênfase dada a essa
"mutação", no entanto, alguns estudiosos mais recentes
pretendem superar essa visão simplista e ahistórica,
realçando o fato deque o surgimento da racionalidade
crítica foi o resultado de um processo muito lento,
preparado pelo passado mítico, cujas características não
desaparecem "como por encanto na nova abordagem
filosófica do mundo. Ou seja, o surgimento da filosofia na
Grécia não foi o resultado de um salto, um "milagre"
realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de
um processo que se fez através dos tempos e tem sua
divida com o passado mítico.
Algumas novidades surgidas no período arcaico
ajudaram a transformar a visão que o homem mítico tinha
do mundo e de si mesmo. São elas a invenção da escrita, o
surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da pólis
(cidade-estado), todas elas tornando-se condição para o
surgimento do filósofo. Vejamos como isso se deu.
A ESCRITA
Geralmente a consciência mítica predomina nas culturas
de tradição oral, onde ainda não há escrita. E interessante
observar que mythos significa "palavra", "o que se diz". A
palavra antes da escrita, ligada a um suporte vivo que a
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pronuncia, repete e fixa o evento por meio da memória
pessoal. Aliás, etimologicamente, epopéia significa "o que
se exprime pela palavra" e lenda é "o que se conta".
É bem verdade que, de inicio, a primeira escrita é
mágica e reservada aos privilegiados, aos sacerdotes e aos
reis. Entre os egípcios, por exemplo, hieróglifos significa
literalmente "sinais divinos".
Na Grécia, a escrita surge por influência dos fenícios e
já no século VIII a.C. se acha suficientemente desligada
de preocupações esotéricas e religiosas.
Enquanto os rituais religiosos são cheios de fórmulas
mágicas, termos fixos e inquestionados, os escritos
deixam de ser reservados apenas aos que detêm o poder e
passam a ser divulgados em praça pública, sujeitos à
discussão e à crítica. Apenas um parêntese esclarecedor:
isso não significa que a escrita tenha se tornado acessível
a todos. Muito ao contrário, permanece ainda grande o
número de analfabetos. O que está em questão, no entanto,
é a dessacralização da escrita, ou seja, seu desligamento
da religião.
A escrita gera uma nova idade mental porque exige de
quem escreve uma postura diferente daquela de quem
apenas fala. Como a escrita fixa a palavra, e
conseqüentemente o mundo, para além de quem a
proferiu, necessita de mais rigor e clareza, o que estimula
o espírito crítico. Além disso, a retomada posterior do que
foi escrito e o exame pelos outros - não só de
contemporâneos, mas de outras gerações - abrem os
horizontes do pensamento, propiciando o distanciamento
do vivido, o confronto das idéias, a ampliação da crítica.
Portanto, a escrita aparece como possibilidade maior de
abstração, uma reflexão da palavra que tenderá a
modificar a própria estrutura do pensamento.
A MOEDA
Por volta dos séculos VIII a VI a.C. houve o
desenvolvimento do comércio marítimo decorrente da
expansão do mundo grego mediante a colonização da
Magna Grécia (atual sul da Itália) e Jônia (atual Turquia).
O enriquecimento dos comerciantes promoveu profundas
transformações decorrentes da substituição dos valores
aristocráticos pelos valores da nova classe em ascensão.
Na época da predominância da aristocracia rural, cuja
riqueza se baseava em terras e rebanhos, a economia era
pré-monetária e os objetos usados para troca vinham
carregados de simbologiaafetiva e sagrada decorrentes da
posição social ocupada por homens considerados
superiores e do caráter sobrenatural que impregnava as
relações sociais.
A fim de facilitar os negócios, a moeda, que tinha sido
inventada na Lídia, aparece na Grécia por volta do século
VII a.C. A moeda torna-se necessária porque, com o
comércio, os produtos que antes eram feitos sobretudo
com valor de uso passam a ter valor de troca, isto é,
transformam-se em mercadoria, daí a exigência de algo
que funcionasse como valor equivalente universal das
mercadorias.
A invenção da moeda desempenha papel revolucionário,
pois está vinculada ao nascimento do pensamento
racional. Isso porque passa a ser emitida e garantida pela
Cidade, revertendo benefícios para a própria comunidade.
Além desse efeito político de democratização, a moeda
sobrepõe aos símbolos sagrados e afetivos o caráter
racional de sua concepção: muito mais do que um metal
precioso que se troca por qualquer mercadoria, a moeda é
um artifício racional, uma convenção humana, uma noção
abstrata de valor que estabelece a medida comum entre
valores diferentes.
A LEI ESCRITA
Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clistenes (séc. VI a.C.)
são os primeiros legisladores que marcam uma nova era: a
justiça, até então dependente da arbitrariedade dos reis ou
da interpretação da vontade divina, é codificada numa
legislação escrita. Regra comum a todos, norma racional,
sujeita à discussão e modificação, a lei escrita passa a
encarnar uma dimensão propriamente humana.
As reformas provocadas pela legislação de Clístenes
fundam a pólis sobre uma base nova: a antiga organização
tribal é abolida e estabelecem-se novas relações, não mais
baseadas na consangüinidade, mas determinadas por nova
organização administrativa. Tais modificações expressam
o ideal igualitário que prepara a democracia nascente, pois
a unificação do corpo social abole a hierarquia fundada no
poder aristocrático das famílias.
O CIDADÃO DA POLIS
Jean-Pierre Vernant, helenista e pensador francês, vê no
nascimento da pólis (por volta dos séculos VIII e VII a.C.)
um acontecimento decisivo que "marca um começo, uma
verdadeira invenção", que provocou grandes alterações na
vida social e nas relações entre os homens.
A originalidade da cidade grega é que ela está
centralizada na agora (praça pública), espaço onde se
debatem os problemas de interesse comum. Separam-se na
pólis o domínio público e o privado: isto significa que ao
ideal de valor de sangue, restrito a grupos privilegiados
em função do nascimento ou fortuna, se sobrepõe a justa
distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto
representantes dos interesses da cidade. Está sendo
elaborado o novo ideal de justiça, pelo qual todo cidadão
tem direito ao poder. A nova noção de justiça assume
caráter político, e não apenas moral, ou seja, ela não diz
respeito apenas ao indivíduo e aos interesses da tradição
familiar, mas se refere a sua atuação na comunidade.
A pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a
palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e,
portanto, comum a todos, mas a palavra humana do
conflito, da discussão, da argumentação. O saber deixa de
ser sagrado e passa a ser objeto de discussão.
A expressão da individualidade por meio do debate faz
nascer a política, libertando o homem dos exclusivos
desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na
praça pública. A instauração da ordem humana dá origem
ao cidadão da pólis, figura inexistente no mundo
coletivista da comunidade tribal.
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Portanto, o cidadão da pólis participa dos destinos da
cidade por meio do uso da palavra em praça pública. Mas
para que isso fosse possível, desenvolveu-se uma nova
concepção a respeito das relações entre os homens, não
mais assentadas nas suas diferenças, na hierarquia típica
das relações de submissão e domínio. Ou seja, "os que
compõem a cidade, por mais diferentes que sejam por sua
origem, sua classe, sua função, aparecem de uma certa
maneira "semelhantes" uns aos outros".
De início a igualdade existe apenas entre os guerreiros,
mas "essa imagem do mundo humano encontrará no
século VI sua expressão rigorosa num conceito, o de
isonomia: igual participação de todos os cidadãos no
exercício do poder". (J.P. Vernant, As origens do
pensamento grego, p. 42.)
O apogeu da democracia ateniense se dá no século V
a.C., já no período clássico, quando Péricles era estratego.
É bem verdade que Atenas possuía meio milhão de
habitantes, dos quais 300 mil eram escravos e 50 mil
metecos (estrangeiros); excluídas mulheres e crianças,
restavam apenas 10% considerados cidadãos propriamente
ditos, capacitados para decidir por todos.
Por isso, quando falamos em democracia ateniense, é
bom lembrar que a maior parte da população se achava
excluída do processo político. Aliás, quanto mais se
desenvolvia a idéia de cidadão ideal, com a consolidação
da democracia, mais a escravidão surgia como
contraponto indispensável, na medida em que ao escravo
eram reservadas as tarefas consideradas "menores" dos
trabalhos manuais e da luta pela sobrevivência. Mas não
resta dúvida de que, na fase aristocrática anterior, havia
ainda outros tipos de privilégios. O que enfatizamos no
processo é a mutação do ideal político e o surgimento de
uma concepção nova de poder.
O NASCIMENTO DO FILÓSOFO
A grande aventura intelectual dos gregos não começa
propriamente na Grécia continental, mas nas colônias: na
Jônia (metade sul da costa ocidental da Ásia Menor) e na
Magna Grécia (sul da península itálica e Sicilia).
Os primeiros filósofos viveram por volta do século VI
a.C. e, mais tarde, foram classificados como pré-socráticos
(a divisão da filosofia grega se centraliza na figura de
Sócrates) e agrupados em diversas escolas. Por exemplo,
escola jônica (Tales, Anaximandro, Anaxímenes,
Heráclito, Empédocles); escola itálica (Pitágoras); escola
eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão); escola atomista
(Leucipo e Demócrito).
Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram
com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou
referências feitas por filósofos posteriores. Sabemos que
geralmente, escreviam em prosa, abandonando a forma
poética característica das epopéias, dos relatos míticos. É
interessante notar que, enquanto Hesíodo, ao relatar o
princípio do mundo (cosmogonia) e dos deuses (teogonia),
refere-se a sua gênese ou origem, as preocupações dos
primeiros pensadores levam à elaboração de uma
cosmologia, pois procuram a racionalidade do universo.
Isso significa que, ao perguntarem como seria possível
emergir do Caos um "cosmos" - ou seja, como da
confusão inicial surgiu o mundo ordenado -, os pré-
socráticos procuram o princípio (a arché) de todas as
coisas, entendido este não como o que antecede no tempo,
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mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é
explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas.
A filosofia surgiu no século VI a.C. nas colônias gregas
da Magna Grécia e da Jônia. Só no século seguinte
desloca-se para Atenas, centro da fermentação cultural do
período clássico.
As respostas dos filósofos à questão do fundamento das
coisas são as mais variadas. Cada um descobre a arché, a
unidade que pode explicar a multiplicidade: para Tales é a
água; para Anaxímenes é o ar; para Demócrito é o átomo;
para Empédocles, os famosos quatro elementos, terra,
água, ar e fogo, teoria aceita até o século XVIII. quando
foi criticada por Lavoisier.
MITO E FILOSOFIA: CONTINUIDADE E RUPTURA
Já podemos observar a diferença entre o pensamento
mítico e a filosofia nascente: os filósofos divergem entre
si e a filosofia se distingue da tradição dogmática dosmitos oferecendo uma pluralidade de explicações
possíveis. Assim justificamos a perspectiva comumente
aceita da ruptura entre mythos e logos (razão).
No entanto, estudiosos como Cornford se preocuparam
em encontrar os elementos que, apesar das diferenças,
mostrassem como o pensamento filosófico nascente ainda
tinha vinculações com o mito. Segundo Vernant, Cornford
observou que a física jônica é a expressão do pensamento
filosófico racional e abstrato, pois recorre a argumentos e
não a explicações sobrenaturais. No entanto, se a atitude
do filósofo o distingue do homem mítico, o conteúdo da
filosofia permanece semelhante ao do mito, e dele o
aproxima.
Por exemplo, Hesíodo relata na Teogonia como Gaia
(Terra) gera sozinha, por segregação, o Céu e o Mar;
depois, a união da Terra com o Céu, presidida por Eros
(princípio de coesão do Universo), resulta na geração dos
deuses. Ora, examinando os textos dos filósofos jônicos,
Cornford descobriu neles a mesma estrutura de
pensamento existente no relato mítico: os jônios afirmam
que, de um estado inicial de indistinção, separam-se pares
opostos (quente e frio, seco e úmido) que vão gerar os
seres naturais (o céu de fogo, o ar frio, a terra seca, o mar
úmido), Para os filósofos, a ordem do mundo deriva de
forças opostas que se equilibram reciprocamente, e a
união dos opostos explica os fenômenos meteóricos, as
estações do ano, o nascimento e a morte de tudo que vive
(J. P. Vemant. Mito e pensamento entre os gregos, p.
297).
Portanto, na passagem do mito à razão, há continuidade
no uso comum de cenas estruturas de explicação. Na
concepção de Cornford não existe "uma imaculada
concepção da razão", pois o aparecimento da filosofia é
um fato histórico enraizado no passado.
Embora existam esses aspectos de continuidade, a
filosofia surge como algo muito diferente, pois resulta de
uma ruptura quanto à atitude diante do saber recebido,
Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se
questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida à
discussão. Enquanto no mito a inteligibilidade é dada, na
filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural,
a interferência de agentes divinos na explicação dos
fenômenos.
Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a
definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão,
organiza-se em doutrina e surge, portanto, como
pensamento abstrato.
Na nova abordagem do real caracterizada pelo
pensamento filosófico, podemos ainda notar a vinculação
entre filosofia e ciência. O próprio teor das preocupações
dos primeiros filósofos é de natureza cosmológica. De
maneira que, na Grécia Antiga, o filósofo é também o
homem do saber científico. Só no século XVII as ciências
encontram seu próprio método e separam-se da filosofia,
formando as chamadas ciências particulares.
https://docs.google.com/document/d/1IstVzu7YZkQHmSC2YoSWL4
qZVw_bgQKjxl80_fGqKVA/edit
UNIDADE 2
FILOSOFIA ANTIGA
OS PRÉ-SOCRÁTICOS
É interessante notar que, enquanto Hesíodo, ao relatar o
princípio do mundo (cosmogonia) e dos deuses
(teogonia), refere-se a sua gênese ou origem, as
preocupações dos primeiros pensadores levam à
elaboração de uma cosmologia, pois procuram a
racionalidade do universo. Isso significa que, ao
perguntarem como seria possível que do Caos emergisse
um “cosmos” – ou seja, como da confusão inicial surgiu
um mundo ordenado –, os pré-socráticos procuram o
princípio (a arché) de todas as coisas, entendido este não
como o que antecede no tempo, mas enquanto fundamento
do ser. Buscar a arché é explicar qual é o elemento
constitutivo de todas as coisas.
As respostas dos filósofos pré-socráticos eram em geral,
monistas, ou seja, acreditavam que o universo tinha sido
gerado através de um único elemento ou fenômeno. Cada
um pretende descobrir a arché, a unidade que pode
explicar a multiplicidade.
Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram
com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou
referências feitas por filósofos posteriores.
Apesar de passar a ideia de que existiram antes de
Sócrates, o termo pré-socrático indica uma tendência de
pensamento, estando relacionado também com filósofos
que viveram na mesma época de Sócrates e até mesmo
depois dele.
Aquilo que une os filósofos pré-socráticos é a
preocupação em perguntar e compreender a natureza do
mundo (a physis). Queriam entender a origem, aquilo que
originou todas as coisas, o princípio delas. Os filósofos
pré-socráticos são divididos em escolas do pensamento:
Escola Jônica, Escola Itálica, Escola Eleática, Escola
Atomística; de acordo com o local e problemas discutidos
por seus pensadores.
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A Escola Jônica recebe este nome por se desenvolver
na colônia grega Jônia, na Ásia Menor, local onde hoje é a
Turquia. Seus principais filósofos foram: Tales de Mileto,
Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e
Heráclito de Éfeso. Pensavam sobre o elemento primeiro,
chegando a conclusões diferentes. Para Tales, o elemento
que forma todas as coisas é a Água. Para Anaximandro, o
elemento é o ápeiron, aquilo que é ilimitado e que
possibilita a união e separação dos diferentes corpos. Para
Anaxímenes, o elemento é o Ar. De acordo com Heráclito,
o elemento que representa a natureza das coisas é o fogo.
Apesar das diferenças sobre qual seria o elemento
primeiro, os filósofos da Escola Jônica pensavam o mundo
como algo em movimento, a água que congela e evapora,
o ápeiron que não pode ser determinado e não é estático, o
ar nada palpável e o fogo que está sempre em movimento
e transformando o que queima.
A Escola Itálica se desenvolveu no sul da Itália. O
filósofo principal desta escola foi Pitágoras de Samos.
Nascido na ilha de Samos, foi na península itálica, na
cidade de Crotona, onde ele desenvolveu suas ideias.
Pensou serem os números as essências das coisas. Suas
investigações da física e matemática eram misturadas com
misticismo. São atribuídos aos discípulos de Pitágoras, os
pitagóricos, diversas descobertas matemáticas. Foi
Pitágoras o responsável pela criação da palavra filosofia
(amizade pela sabedoria) ao chamar a si mesmo de
filósofo (amigo da sabedoria).
A Escola Eleática se desenvolveu na cidade de Eleia,
ao sul da Itália. Seus principais filósofos foram Xenófanes
de Cólofon, Parmênides de Eleia e Zenão de Eleia. Apesar
de não ter nascido em Eleia, Xenófanes se estabeleceu na
cidade após levar uma vida andando de povoado em
povoado. A ideia principal ensinada por Xenófanes e
posteriormente trabalhada por Parmênides é a ideia de
Um. Xenófanes pensava no Um a partir de um
pensamento mais voltado à religião, dizendo que Deus é
Um, não foi feito, é eterno, perfeito e não se modifica. Em
oposição à Escola Jônica, Parmênides pensa que o mundo
é formado por um Ser-Absoluto, que não foi feito, é
eterno, perfeito e não se modifica. Contra a ideia de
movimento, Zenão desenvolveu argumentações que foram
e são muito discutidas. Entre elas está a ideia de que uma
flecha em voo sempre ocupa o seu espaço de flecha, logo
a flecha está em repouso e todo movimento é uma ilusão.
A Escola Atomística, ou atomismo, desenvolveu-se a
partir da ideia de que são vários os elementos que formam
as coisas. A ideia de átomo (a = negação e tomos =
divisão, ou seja, aquilo que não pode ser dividido) foi
desenvolvida por Leucipo de Mileto e depois trabalhada
por Demócrito de Abdera e Epicuro de Samos. Para
Leucipo, o mundo é formado a partir do choque aleatório
e imprevisível de infinitos átomos.
Embora diversos destes filósofos tenham escrito mais
sobre outros assuntos do que sobre a natureza das coisas,
como é o caso de Demócrito, que escreveu sobre ética, é o
questionar-se sobre a natureza das coisas que os une neste
período.
www.mundoeducação.com/filosofia/presocráticos.htmAlém destes pensadores é preciso destacar outros que
posteriormente desenvolveram suas teorias combinando
aspectos de diferentes escolas e valorizando uma
concepção do mundo natural como múltiplo e dinâmico.
Anaxágoras de Clazômena. Sofreu a influência dos
milesianos como Anaxímenes e possivelmente dos
pitagóricos. Concebeu a realidade como composta de uma
multiplicidade infinita de elementos a que denominou de
homeomerias. Uma passagem de Aristóteles (Metafísica,
I, 3) sintetiza bem o que conhecemos do pensamento de
Anaxágoras:
Anaxágoras de Clazômena [...] diz que os primeiros
princípios são ilimitados em número. E explica que
todas as substâncias de partes iguais (homeomerias),
como a água e o fogo, são geradas e destruídas por
combinação e separação; em outro sentido, nem são
geradas, nem destruídas, mas persistem eternamente.
Anaxágoras usa o termo nous (espírito) no sentido de
causa da existência do cosmo, ou de primeiro motor, de
uma maneira que antecipa a concepção aristotélica
formulada na Física.
Empédocles de Agrigento é conhecido principalmente
por sua doutrina dos 4 elementos (fogo, água, terra e ar),
que de certa forma procura sintetizar as doutrinas de
pensadores anteriores sobre os elementos primordiais,
bem como superar a oposição entre a concepção monista
eleata de unidade do real e as concepções pluralistas e
mobilistas. Essa doutrina teve grande influência em toda a
Antiguidade, chegando mesmo ao Renascimento e ao
início do período moderno. Esses elementos são vistos
como raízes (rizómata) de todas as coisas, e de sua
combinação resulta a pluralidade do mundo natural.
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-
socráticos a Wittgenstein.
Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 33-35)
HERÁCLITO, PARMÊNIDES E DEMÓCRITO
Alguns exemplos indicam a existência da preocupação
dos primeiros filósofos com o conhecimento e, aqui,
tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e
Demócrito de Abdera.
Heráclito de Éfeso considerava a natureza (o mundo, a
realidade) um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo
dos seres em mudança perpetua. Dizia: “Não podemos
banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas
nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”.
Comparava o mundo à chama de uma vela que queima
sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em
fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se
torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido
seca, tudo se transforma no seu contrário. O mundo é um
processo incessante de transformação em que cada ser está
caminhando de seu contrário; cada ser é um movimento
em direção ao seu contrário.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
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Heráclito (550-480 a.C.)
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários,
que não cessam de se transformar uns nos outros. Se tudo
não cessa de se transformar perenemente, como explicar
que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem
estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o
filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que
nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso
pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a
imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a
verdade como mudança contínua.
Parmênides de Eléia colocava-se na posição oposta a
Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que
permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o
pensamento não pode pensar sobre coisas que são e não
são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são
contrárias a si mesmas e contraditórias.
Parmênides (530-460 a.C.)
Conhecer é alcançar o idêntico, imutável. Nossos
sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em
incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada
permanece idêntico a si mesmo, onde tudo se torna o
contrário de si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira
primavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira grande,
o grande diminui, o quente esfria, o frio se aquece, o
líquido vira vapor ou vira sólido.
Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? Como
pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e
contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides.
Pensar e apreender um ser em sua identidade profunda e
permanente. Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito –
perceber e pensar são diferentes -, mas o dizia no sentido
oposto ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças
impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis.
Demócrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o
Ser ou sobre a natureza conhecida com o nome de
atomismo: a realidade é constituída por átomos. A palavra
átomo tem origem grega e significa “o que não pode ser
cortado ou dividido”, isto é, a menor partícula indivisível
de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos
átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e
morrem por separação dos átomos.
Demócrito (460-370 a.C.)
Os átomos para Demócrito possuem formas e
consistências diferentes (redondos, triangulares, lisos,
duros, moles, rugosos, pontiagudos, etc.) e essas
diferenças e os diferentes modos de combinação entre eles
produzem a variedade de seres, suas mudanças e
desaparições. Por meio de nossos órgãos dos sentidos,
percebemos o quente e o frio, o doce e o amargo, o seco e
o úmido, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores,
odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos
prazer e dor, porque percebemos os efeitos das
combinações dos átomos que, em si mesmos, não
possuem tais qualidades (isto é, não são doces nem
amargos, nem azuis, nem verdes, nem grandes, nem
pequenos, pois são as menores partículas materiais
existentes).
Somente o pensamento pode conhecer os átomos que
são invisíveis para nossa percepção sensorial. Dessa
maneira, Demócrito concordava com Heráclito e
Parmênides em que há uma diferença entre o que
conhecemos por meio de nossa percepção e o que
conhecemos apenas pelo pensamento; porém,
diversamente dos outros dois filósofos, não considerava a
percepção ilusória, mas penas um efeito da realidade sobre
nós. O conhecimento sensorial ou sensível é tão
verdadeiro quanto aquilo que o pensamento puro alcança,
embora de uma verdade diferente e menos profunda ou
menos relevante do que aquela alcançada pelo puro
pensamento.
Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus
começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do
conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão
do verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta
de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou
regras para conhecer as coisas e que há uma diferença
entre perceber e pensar. Pensamos com base no que
percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O
pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O
modo como os seres nos aparecem é o modo como os
seres realmente são?
(CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003. pp.
121-123)
Filosofia
ENEM
7
UNIDADE 3
OS SOFISTAS
A palavra sofista (em grego sophistes) deriva de sophia
«sabedoria», e designa genericamente todo o homem que
possui conhecimentos consideráveis em qualquer ramo do
saber.
No início, a palavra sofista foi utilizada para realçar
uma capacidade ou arte especial num determinado
assunto. Homero refere que um construtor naval, um
cocheiro, um navegador, um adivinho ou um escultor são
sábios nas suas profissões. Também Apolo é sophos com
a sua lira.
No início do séc. V a.C. o termo "sofista" passa a ser
utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a
poetas, a músicos e rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete
Sábios, aos filósofos pré-socráticos e a figuras com
poderes superiores, como Prometeu. Pelo final do século,
o termo "sofista"era aplicado a quem escrevia ou
ensinava e que era visto como tendo uma especial
capacidade ou conhecimento a transmitir.
No entanto, depois dos sofistas terem aparecido na
Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a
multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser
utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a
ser utilizada no sentido de ladrão, charlatão ou mentiroso,
significado que acaba por ir ao encontro do seu sentido
atual.
Como, nesta altura, os jovens atenienses estavam ávidos
de novidades, rapidamente os sofistas se viram rodeados
de rapazes desejosos de encontrar o segredo do domínio
das multidões.
Os sofistas recebiam dinheiro pelos ensinamentos que
ministravam, o que era alvo da censura dos atenienses.
Também Sócrates - que ao contrário dos sofistas,
dispensava gratuitamente o seu saber a quem dele
necessitava - achava vergonhoso vender o saber na praça
publica. Como Platão diz no Protágoras, Sócrates
comparava os sofistas aos mercadores, que elogiam os
produtos que vendem mesmo sem saberem se são bons ou
não e que, inevitavelmente eram tentados a acomodar a
sua mercadoria ao gosto dos compradores.
Porém, há que reconhecer que, ao receberem pelos
ensinamentos ministrados, os sofistas forçaram o
reconhecimento do caráter profissional do trabalho de
professor. Essa é uma dívida que a institucionalização da
escola tem para com eles.
O palco dos sofistas eram os locais públicos mais
frequentados, nomeadamente os ginásios, e também casas
particulares dos que os podiam acolher — já que viajam
de cidade em cidade à procura de alunos, levando consigo,
de umas cidades para outras, os que conseguiam cativar.
Em termos educativos, os sofistas vinculam-se à
tradição dos grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, de
Simónides a Píndaro. Forneciam livros dos grandes
poetas aos seus discípulos, e interpretavam metodicamente
os grandes poetas a cujos ensinamentos se vinculavam
com afinco. No entanto, as suas interpretações dos poetas
são em geral muito pragmáticas. Os sofistas procuram
colher todos os conhecimentos registrados nos poemas
(Homero é uma útil enciclopédia, onde figuram regras
fulcrais para a vida, desde a construção de carros, às
estratégias militares). Além disso, para os sofistas o uso
dos poemas justifica-se pelo fato de estes permitirem
alcançar uma pronúncia e dicção correta das palavras.
Para além de formar o homem, a educação deve,
sobretudo, formar o cidadão. A finalidade cívica da
educação passa, claramente, a primeiro plano.
Habitante da Polis, o homem só é o que é porque vive
na cidade e sem ela não é nada. E o que diz respeito à
cidade, é comum, isto é, afeta a todos enquanto
comunidade e cada um enquanto cidadão, membro dessa
comunidade. Neste sentido, é evidente que, antes de mais,
o homem é zoon politikon, como bem sintetizou
Aristóteles, distinguindo-o do animal pela sua qualidade
de cidadão; o biós politikos é a forma própria e sublime da
vida do homem enquanto habitante da polis.
A consciência da cidadania desde cedo faz sentir a falta
de uma nova educação, uma vez que a antiga, com o seu
receituário básico, simples e elementar de ginástica e
música, não servia a formação do cidadão, não
correspondia às novas necessidades individuais nem às
novas exigências sociais e políticas. Politicamente, a
forma democrática de organização do Estado foi o modo
de governo escolhido pela Cidade-Estado de Atenas. No
estado democrático ateniense, a exigência de todos,
enquanto homens livres, intervirem ativamente na vida
pública é um dever cívico, e a participação nas
assembleias indispensável. Neste contexto, compreende-se
que tenha surgido uma nova estirpe de "educadores", os
sofistas — com o sucesso que se lhes reconhece. Estes
apresentam-se como professores, no sentido atual do
termo (os primeiros da história), e oferecem, a troco de
dinheiro, o ensino da virtude, da aretê ou, como também
lhe chamam, a technê (técnica, ofício, habilidade, arte ou
saber aplicado) política.
Os sofistas convertem, pois, a educação numa técnica
ou numa arte, na qual se apresentam como mestres e, por
isso, capazes de a transmitirem e ensinar — e os seus
alunos que vierem a dominar esta technê alcançarão a
aretê política. No entanto, esta technê está em conexão
com objectivos práticos — formação de homens de
Estado, dirigentes da vida pública — e, conduzindo à
valorização do cidadão individualmente considerado,
acaba por se orientar num sentido amoral. Os seus
contemporâneos vão acusá-los de imoralidade.
Ora, quem quer vencer na vida política (fazer valer
interesses e convicções, ganhar um lugar de destaque, ser
eleito para cargos públicos e aceder ao poder) precisa de
saber como encantar auditórios, construir discursos
persuasivos, formular argumentos que justifiquem e
validem as posições, fazendo-as prevalecer como
melhores; precisa, portanto, da arte sofística da oratória,
da retórica e da dialética. Mas, porque o fim é o sucesso
pessoal, vencer a todo o custo, e isso apenas é possível
convencendo os outros, retórica e dialética tornam-se
Ciências Humanas e suas Tecnologias
8
técnicas que, servindo as conveniências, se podem aplicar
a qualquer conteúdo. Não admira, pois, que os sofistas
venham a ser acusados de imoralidade, de administrar
uma educação perversa e pervertida, de corromper a
juventude e sublevar os valores tradicionais, de minar as
bases da ordem social e política.
Como temos vindo a referir, os sofistas surgiram em
resposta às novas exigências que se colocavam à
educação. De fato, quando os primeiros sofistas surgiram,
não havia, mestres para ensinar a discursar e a convencer
as multidões e a sociedade não os reconhecia como uma
possível resolução dos seus problemas. Desta forma, não é
difícil imaginarmos que os primeiros sofistas devem ter
sido recebidos de modo bastante frio e sarcástico. Se, por
um lado, os sofistas não tiveram dificuldades em encontrar
discípulos que lhes pagassem os seus serviços, por outro
lado, enfrentaram severas críticas dos mais idosos e
conservadores que viam neles uma ameaça à estabilidade
da Paideia.
Os sofistas raramente eram filhos de Atenas e, no
entanto, a sua condição de "estrangeiros" não os impedia
de oferecerem aos jovens da cidade a educação pela qual
todos ansiavam e que os preparava para uma carreira de
engrandecimento pessoal na vida política e social da
época. Geralmente não se fixavam em nenhuma cidade.
Viajavam de terra em terra angariando discípulos que
passavam alguns anos (habitualmente três ou quatro)
estudando com eles.
Mas o maior desejo de qualquer sofista era ser bem
recebido em Atenas. Era aqui, no centro da cultura
helênica, que eles tinham maiores probabilidades de
enriquecer, aumentar a sua fama, e adquirir prestígio.
Se é verdade que os sofistas acabavam por enfrentar
alguns perigos, também é verdade que a sua condição
usufruía de alguns benefícios. Para além da fama que eles
iam conquistando pelos sítios em que iam passando, iam
desfrutando da hospitalidade de casas ricas onde
acabavam por ficar hospedados. Além disso, eram por
vezes convocados a exercer importantes funções políticas,
graças aos seus extraordinários dotes oratórios. Como se
isto não bastasse, ficavam dispensados de cumprir serviço
militar e de pagar impostos ao Estado, o que era
obrigatório para todos os cidadãos. Como diz Jäeger "não
foi só pelo seu ensino, mas também pela atração do seu
novo tipo espiritual e psicológico que os sofistas foram
considerados como as maiores celebridades do espírito
grego de cada cidade, onde por longo tempo deram tom,
sendo hóspedes prediletos dos ricos e dos poderosos"
(Jäeger, 1986: pág.347).
(http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/sofistas.htm)
OS SOFISTAS, A PHYSIS E O NÓMOS
Apesar de admitirem o homem como um ser
constitutivo da natureza, os sofistas concebiam que ele
possuía características específicas que deveriam ser
levadas em conta. Acreditavam que o foco da Filosofia
deveria ser o homem, e não os aspectos cosmológicos, ou
seja, de origem da natureza, tão discutidos até então.
Assim, os sofistas ajudaram a mudar o ponto central do
pensamento filosófico: se no período pré-socrático a
Filosofia era de cunho naturalista, no período socrático ela
se tornou antropológica.
Os sofistas vão trazer para o debate filosófico a ideia de
nómos e deixar de lado a discussão acerca da physis. Mas,
o que seria esse nómos?
Os sofistas eram homens viajados que tinham entrado
em contato com diferentes culturas e costumes. Por isso,
eles sabiam que certas questões do mundo não eram
determinadas pela natureza, mas dependiam da ação e das
decisões humanas.
O nómos era, então, a palavra usada para representar as
práticas sociais estabelecidas pelo costume, pelas ações e
pelas escolhas do próprio homem, e não pela natureza.
Nómos era, portanto, uma máxima que possuía a aceitação
dos membros de um grupo, a exemplo das leis escritas, da
moral, da religião e da política.
Apesar de parecerem naturais, essas convenções eram,
segundo os sofistas, produtos de cada sociedade. Assim,
cada sociedade possui suas próprias convenções, seus
próprios costumes. Para os sofistas, as diferenças de
costumes que as diversas sociedades apresentavam era a
prova de que nem tudo era determinado pela physis, pela
natureza.
Essa concepção fez surgir um debate muito importante
para a Filosofia e despertou a crítica dos aristocratas de
Atenas. A grande questão era: as leis têm essência natural
ou são convenções estabelecidas pelos homens em cada
sociedade?
Para os aristocratas, as leis, assim como os usos e
costumes, eram elementos naturais que sempre existiram,
e assim não poderiam ser modificados; eram superiores ao
homem e sua vontade. Já para os sofistas, apoiados pelos
democratas, as leis eram convenções criadas pela própria
sociedade, de modo que cada agrupamento social
desenvolvia as suas singularidades.
Quando questionados acerca das desigualdades sociais,
os aristocratas respondiam que essas desigualdades eram
naturais, e que cada homem deveria ocupar a posição que
lhe foi determinada. Já os democratas, junto aos sofistas,
concebiam que essas desigualdades eram resultados da
própria ação do homem.
Os sofistas argumentavam que o homem não nasce
sabendo as leis e os costumes que deve seguir. Isso lhe é
ensinado ao longo de sua educação, e essa era mais uma
prova da origem social – e não natural – das leis e dos
costumes.
Os defensores da democracia e os sofistas ainda
partilhavam da seguinte constatação: como a maioria dos
costumes e das leis foi elaborada muito tempo atrás, sua
origem se perde no tempo, dando-nos a sensação de que
eles sempre existiram e que são independentes da vontade
do homem. A verdade, no entanto, é que em algum
momento eles tiveram uma origem social.
Por isso, em suas diversas viagens os sofistas se
deparavam com grupos e sociedades cujos valores,
costumes e comportamentos eram diferentes daqueles
estabelecidos em Atenas e em outras regiões da Grécia
Antiga. Para os sofistas, as diferentes culturas era uma
Filosofia
ENEM
9
prova de que os costumes e as leis eram criações do
homem e, portanto, poderiam ser modificados e
reformulados pelo próprio homem.
A partir da concepção de nómos, os sofistas elaboraram
então o primeiro conceito de cultura. Cultura seria não
apenas o acúmulo de variados conhecimentos, mas
também a constituição do homem como membro de uma
sociedade; seria sua formação social, para além de sua
natureza.
(http://www.klickeducacao.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR-
4664-41611-,00.html)
Podemos reconhecer aos sofistas gregos os seguintes
méritos:
- Iniciaram uma reflexão sistemática sobre os problemas
humanos, ao invés das questões naturais e cosmológicas
dos filósofos pré-socráticos;
- Aperfeiçoaram a dialética e a discussão crítica sobre as
limitações e o valor do conhecimento;
- Destacaram o caráter diverso e relativo das leis, próprias
de cada cidade, enfatizando a contraposição entre natureza
(phýsis), lei (nómos) e pacto (thésis), em que se baseiam o
direito natural e o direito positivo. Ver a respeito o
fragmento «A Verdade» de Antifonte;
- Defenderam o conceito de natureza comum a todos os
homens, o que serviu para fundamentar a lei de modo
mais igualitário e universalista;
- Desenvolveram princípios educativos para o ensino de
gramática e retórica; Protágoras considerava-se um mestre
da sabedoria e da virtude política (politiké areté),
formando os jovens para o debate público e o governo do
Estado. O ideal sofístico de uma natureza humana que
pode ser educada e constantemente aperfeiçoada deu
início à ciência pedagógica e à formação humanista na
antiguidade.
Não é pouca coisa, mas não se iguala, sem dúvida
alguma, às contribuições de Sócrates, Platão e Aristóteles.
Ao menos seja reconhecida a influência positiva dos
sofistas no debate jusfilosófico: a defesa do naturalismo
permite assentar o direito numa perspectiva mais
cosmopolita e equânime.
PROTÁGORAS E GÓRGIAS
O mais eminente dos sofistas foi Protágoras, tratado
com respeito por Platão no diálogo que leva seu nome.
Atribui-se o primeiro estudo sistemático de gramática,
distinguindo os gêneros masculino, feminino e neutro e as
partes da oração em substantivo, adjetivo e verbo. Em
retórica distinguiu as partes componentes do discurso:
preâmbulo, disposição, exposição, discussão, refutação e
conclusão. Ensinou durante quarenta anos e tornou-se
muito rico, pois cobrava caro por suas lições.
Protágoras (490-420a.C.)
Protágoras defendia o relativismo do conhecimento,
através do famoso dito «O homem é a medida de todas as
coisas». Se não há uma razão ou um bem imutável, se
todas as percepções são subjetivas, a habilidade retórica
deve prevalecer para que meu argumento seja vencedor. A
posição relativista conduz ao dilema da verdade e do
discurso verdadeiro: vence a discussão quem tem razão ou
tem razão quem vence a discussão?
Górgias é famoso por seu niilismo exacerbado. Levando
as teses relativistas ao extremo, nega a possibilidade de
qualquer conhecimento, seja do espaço e do tempo, das
coisas particulares ou mesmo do ser em geral. Conserva-
se de Górgias os três princípios: a) Nada existe (o ser e o
não-ser não existem); b) Se algo existisse, não poderia ser
conhecido, ou seja, seria incompreensível para nós; c) Se
algo existe e pode ser conhecido, não pode o
conhecimento ser comunicado a alguém (este
conhecimento seria totalmente subjetivo).
Górgias (485-380a.C.)
É possível que as teses de Górgias fossem um exercício
de retórica, para provocar os oponentes ou exercitar os
alunos. Um jogo dialético para questionar as afirmações
dogmáticas ou pretensamente absolutas de muitos
filósofos. O fato é que ambos, Protágoras e Górgias,
compartilham das mesmas teses céticas e reduzem o
conhecimento ao jogo das aparências.
Outros sofistas de destaque foram Hípias, Pródicos,
Cálicles, Crítias e Antifonte. Chegaram até nós alguns
fragmentos de suas obras e referências às suas façanhas de
oratória.
No que interessa à filosofia do direito, a contribuição
dos sofistas foi questionar os valores éticos e jurídicos da
pólis ateniense, pondo em causa a forma de governo,
combatendo a injustiça da economia escravista,
embasando o direito natural a partir da ordem humana e
não divina. Os sofistas forneceram os argumentos contra
as distorções do direito positivo vigente nas diversas pólis
Ciências Humanase suas Tecnologias
10
gregas. O indivíduo é o criador da cidade e vale sempre
mais que a coisa criada: sua consciência, sua lei interior é
mais valiosa que o decreto do democrata Péricles ou do
tirano de Tebas.
A crítica dos sofistas trouxe problemas. Com relação à
escravidão, diziam: os deuses nos fizeram livres e a
ninguém fez escravo. Ironizavam, na prática, a justiça da
cidade, ensinando a quem quisesse pagar como vencer
uma causa, independentemente da tese a ser defendida. Às
leis decretadas pelo poder governante (nómos), opunham
o conceito de uma natureza ou princípio natural (phýsis)
presente no cosmo e no homem, assinalando, desse modo,
a diferença entre as normas jurídicas convencionais e que
quase sempre se identificam com os interesses do grupo
mais forte.
(http://www.vaniadiniz.pro.br/espaco_ecos/filosofia_virginia/reinerio
_os_sofistas.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• O surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de
um processo muito lento, preparado pelo passado mítico.
• O surgimento da filosofia na Grécia não foi o resultado de
um salto, um "milagre" realizado por um povo privilegiado, mas
a culminação de um processo que se fez através dos tempos e
tem sua divida com o passado mítico.
• A pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a
palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e,
portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da
discussão, da argumentação. O saber deixa de ser sagrado e
passa a ser objeto de discussão.
• A expressão da individualidade por meio do debate faz
nascer a política, libertando o homem dos exclusivos desígnios
divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na praça pública.
• As preocupações dos primeiros pensadores levam à
elaboração de uma cosmologia, pois procuram a racionalidade
do universo. Os pré-socráticos procuram o princípio (a arché) de
todas as coisas, entendido este não como o que antecede no
tempo, mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é
explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas.
• Os sofistas ajudaram a mudar o ponto central do
pensamento filosófico: se no período pré-socrático a Filosofia
era de cunho naturalista, no período socrático ela se tornou
antropológica.
• Para os sofistas, as diferentes culturas era uma prova de
que os costumes e as leis eram criações do homem e, portanto,
poderiam ser modificados e reformulados pelo próprio homem.
Exercícios
1. (ENEM 2015) O que implica o sistema da pólis é uma
extraordinária preeminência da palavra sobre todos os
outros instrumentos do poder. A palavra constitui o debate
contraditório, a discussão, a argumentação e a polêmica.
Torna-se a regra do jogo intelectual, assim como do jogo
político.
VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro:
Bertrand, 1992 (adaptado).
Na configuração política da democracia grega, em
especial a ateniense, a ágora tinha por função
a) agregar os cidadãos em torno de reis que governavam
em prol da cidade.
b) permitir aos homens livres o acesso às decisões do
Estado expostas por seus magistrados.
c) constituir o lugar onde o corpo de cidadãos se reunia
para deliberar sobre as questões da comunidade.
d) reunir os exércitos para decidir em assembléias
fechadas os rumos a serem tomados em caso de
guerra.
e) congregar a comunidade para eleger representantes
com direito a pronunciar-se em assembleias.
2. (ENEM 2014) Compreende-se assim o alcance de uma
reivindicação que surge desde o nascimento da cidade na
Grécia antiga: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se
faz mais que assegurar-lhes permanência e fixidez. As leis
tornam-se bem comum, regra geral, suscetível de ser
aplicada a todos da mesma maneira.
VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro:
Betrand Brasil, 1992 (adaptado)
Para o autor, a reivindicação atendida na Grécia antiga,
ainda vigente no mundo contemporâneo, buscava garantir
o seguinte princípio:
a) Isonomia – igualdade de tratamento aos cidadãos.
b) Transparência – acesso às informações
governamentais.
c) Tripartição – separação entre os poderes políticos
estatais.
d) Equiparação – igualdade de gênero na participação
política.
e) Elegibilidade – permissão para candidatura aos cargos
públicos.
3. (ENEM 2015) A filosofia grega parece começar com
uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e
a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-
nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em
primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre
a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem
imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque
nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o
pensamento: Tudo é um.
NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo:
Nova Cultural, 1999.
O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da
filosofia entre os gregos?
a) O impulso para transformar, mediante justificativas
os elementos sensíveis em verdades racionais.
b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos
seres e das coisas.
c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa
primeira das coisas existentes.
d) A ambição de expor, de maneira metódica, as
diferenças entre as coisas.
e) A tentativa de justificar, a partir de elementos
empíricos, o que existe no real.
Filosofia
ENEM
11
4. (ENEM 2015) Trasímaco estava impaciente porque
Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era
algo real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu
entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado
apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da
sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam de
invenções humanas.
RACHELS, J. Problemas da filosofia. Lisboa: Gradiva, 2009.
O sofista Trasímaco, personagem imortalizado no diálogo
A República, de Platão, sustentava que a correlação entre
justiça e ética é resultado de
a) determinações biológicas impregnadas na natureza
humana.
b) verdades objetivas com fundamento anterior aos
interesses sociais.
c) mandamentos divinos inquestionáveis legados das
tradições antigas.
d) convenções sociais resultantes de interesses humanos
contingentes.
e) sentimentos experimentados diante de determinadas
atitudes humanas.
5. (ENEM 2012)
TEXTO I
Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento
originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que
outras coisas provêm de sua descendência. Quando o ar se
dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os ventos são ar
condensado. As nuvens formam-se a partir do ar por
filtragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em
água. A água, quando mais condensada, transforma-se em
terra, e quando condensada ao máximo possível,
transforma-se em pedras.
BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
2006 (adaptado)
TEXTO II
Basílio Magno, filósofo medieval, escreveu: “Deus, como
criador de todas as coisas, está no princípio do mundo e dos
tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face
desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos,
para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro
elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos, como
julga Demócrito. Na verdade, dão impressão de quererem
ancorar o mundo numa teia de aranha.”
GILSON, E.; BOEHNER, P. Historia da Filosofia Crista. São Paulo:
Vozes, 1991 (adaptado).
Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram
teses para explicar a origem do universo, a partir de uma
explicação racional. As teses de Anaxímenes, filósofo
grego antigo, e de Basílio, filósofo medieval, têm em
comum na sua fundamentação teorias que:
a) eram baseadas nas ciências da natureza.
b) refutavam as teorias de filósofos da religião.
c) tinham origem nos mitos das civilizações antigas.
d) postulavam um princípiooriginário para o mundo.
e) defendiam que Deus é o princípio de todas as coisas.
GABARITO
1 2 3 4 5
C A C D D
UNIDADE 4
SÓCRATES
O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia,
rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram
filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem
respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso
fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois
faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade.
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e
dos sofistas, o que propunha Sócrates?
Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e
antes de querer persuadir os outros, cada um deveria,
primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo.
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os
valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam
conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores
embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam
responder ao célebre “o que é”, descobriam surpresos, que
não sabiam responder e que nunca tinham pensado em
suas crenças, seus valores e suas ideias.
Sócrates (469 – 399 a.C.)
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas
esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas,
que soubesse as respostas às perguntas, más Sócrates, para
desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso
estou perguntando”. Donde a famosa expressão atribuída a
ele: “Sei que nada sei”.
A consciência da própria ignorância é o começo da
Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a
definição daquilo que uma coisa, uma ideia, um valor é
verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da
coisa, da ideia, do valor. Procurava o conceito e não a
mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das
ideias e dos valores.
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A
opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar,
de época para época. É instável, mutável, depende de cada
Ciências Humanas e suas Tecnologias
12
um, de seus gostos e preferências. O conceito ao contrário,
é uma verdade intemporal, universal e necessária que o
pensamento descobre, mostrando que é a essência
universal, intemporal e necessária de alguma coisa.
Por isso, Sócrates não perguntava se tal o qual coisa era
bela – pois nossa opinião sobre ela pode variar – e sim: O
que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo?
Do justo? Do amor? Da amizade?
Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui
para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o
fundamento racional daquilo que você fala e pensa?
Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a ideias,
valores, práticas e comportamentos que os atenienses
julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si
mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas,
Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas
também sobre a pólis. Aquilo que parecia evidente
acabava sendo percebido como duvidoso e incerto.
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento,
pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo
mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como
nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os
poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois
fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de
desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as
leis. Levado perante a assembleia, Sócrates não se
defendeu e foi condenado a tomar um veneno e obrigado a
suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”, dizia ele,
“se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu
não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão
exigir de mim? Que pare de filosofar. Mas eu prefiro a
morte a ter que renunciar à Filosofia”.
ENSINO PELO DIÁLOGO
Nas palavras atribuídas a Sócrates por Platão na obra
Apologia de Sócrates, o filósofo ateniense considerava sua
missão "andar por aí (nas ruas, praças e ginásios, que eram
as escolas atenienses de atletismo), persuadindo jovens e
velhos a não se preocuparem tanto, nem em primeiro
lugar, com o corpo ou com a fortuna, mas antes com a
perfeição da alma".
Defensor do diálogo como método de educação, Sócrates
considerava muito importante o contato direto com os
interlocutores - o que é uma das possíveis razões para o fato
de não ter deixado nenhum texto escrito. Suas ideias foram
recolhidas principalmente por Platão, que as sistematizou, e
por outros filósofos que conviveram com ele.
Sócrates se fazia acompanhar frequentemente por
jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas
famílias de Atenas. Para Sócrates, ninguém adquire a
capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os
demais, se não possuir a capacidade de autodomínio.
Depois dele, a noção de controle pessoal se transformou
em um tema central da ética e da filosofia moral. Também
se formou aí o conceito de liberdade interior: livre é o
homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites
e segue os princípios que, por intermédio da educação,
afloram de seu interior.
Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, para os
quais a verdade e a prática da virtude dependiam de
circunstâncias, Sócrates valorizava acima de tudo a
verdade e as virtudes - fossem elas individuais, como a
coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e
a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o
conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações
isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que
tem caráter uno e indivisível.
Segundo Sócrates, só age erradamente quem
desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do
saber é o caminho para a perfeição humana, dizia,
introduzindo na história do pensamento a discussão sobre
a finalidade da vida.
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/mestre-busca-verdade-
423245.shtml?page=1
MÉTODO DE SÓCRATES
É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das
coisas e na variabilidade extrema das impressões
sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo
se transformam, concluíram os sofistas pela
impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates
restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro
objeto da ciência.
O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o
indivíduo que passa; é o inteligível, o conceito que se
exprime pela definição. Este conceito ou idéia geral
obtém-se por um processo dialético por ele chamado
indução e que consiste em comparar vários indivíduos da
mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as
qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum,
estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por
onde se vê que a indução socrática não tem o caráter
demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do
fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que
remonta do indivíduo à noção universal.
Praticamente, na exposição polêmica e didática destas
idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia
uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário
a confutar ou de um discípulo a instruir.
Essa busca, conduzida metodicamente, pressupõe dois
momentos.
O primeiro é chamado de protréptico ou exortação.
Nesse momento, Sócrates estimula seu interlocutor a se
concentrar em um assunto, lançar uma tese e buscar a
verdade sobre a tese exposta.
O segundo momento é denominado élenkhos ou
indagação, ocorrendo quando Sócrates apresenta
sucessivas perguntas, encaminhando uma conceituação
adequada ao tema.
Esse momento se subdivide em outros dois: a eironéia,
ou ironia – o comentário crítico das opiniões apresentadas,
que conduz à refutação da tese proposta – é o trabalho de
gerar (maiêutica) um conceito válido. Sócrates afirma que
se reconhece herdeiro, por analogia, do trabalho de sua
mãe, uma parteira (maiêuta), pois crê quea alma tem
acesso à verdade, mas precisa ser auxiliada na tarefa de
Filosofia
ENEM
13
gerar ideias. Ele quer ser aquele que auxilia no nascimento
do ocnhecimento verdadeiro, uma parteiro das ideias.
DOUTRINAS FILOSÓFICAS
A introspecção é o característico da filosofia de
Sócrates. E exprime-se no famoso lema conhece-te a ti
mesmo - isto é, torna-te consciente de tua ignorância -
como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da
ciência mediante a virtude. E alcançava em Sócrates
intensidade e profundidade tais, que se concretizava, se
personificava na voz interior divina do gênio ou demônio.
"Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cifra
toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do
homem é o objetivo de todas as suas especulações e a
moral, o centro para o qual convergem todas as partes da
filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia
de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.
Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e
imortalidade da alma, distingue as duas ordens de
conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o
livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência.
Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o
argumento teológico, formulando claramente o princípio:
tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma
inteligência; b) com o argumento, apenas esboçado, da
causa eficiente: se o homem é inteligente, também
inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o
argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao
homem, um legislador, que a promulgou e sancionou.
Deus não só existe, mas é também Providência, governa o
mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com
sacrifícios e orações. Apesar destas doutrinas elevadas,
Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da
mitologia corrente que ele aspira reformar.
Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates
ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de
alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim
supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude
adquiri-se com a sabedoria ou, antes, com ela se
identifica. Esta doutrina, uma das mais características da
moral socrática, é conseqüência natural do erro
psicológico de não distinguir a vontade da inteligência.
Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa,
virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se
músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar,
justo será o que sabe a justiça".
Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e
escritas, a existência de uma lei natural - independente do
arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo
direito positivo, expressão da vontade divina promulgada
pela voz interna da consciência.
Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates,
em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo
e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a
beleza moral do sistema.
GNOSIOLOGIA
O interesse filosófico de Sócrates volta-se para o mundo
humano, espiritual, com finalidades práticas, morais.
Como os sofistas, ele é cético a respeito da cosmologia e,
em geral, a respeito da metafísica; trata-se, porém, de um
ceticismo de fato, não de direito, dada a sua revalidação
da ciência. A única ciência possível e útil é a ciência da
prática, mas dirigida para os valores universais, não
particulares. Vale dizer que o agir humano - bem como o
conhecer humano - se baseia em normas objetivas e
transcendentes à experiência. O fim da filosofia é a moral;
no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecê-
lo; para construir uma ética é necessário uma teoria; no
dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder
logicamente a moral. Mas, se o fim da filosofia é prático,
o prático depende, por sua vez, totalmente, do teorético,
no sentido de que o homem tanto opera quanto conhece:
virtuoso é o sábio, malvado, o ignorante. O moralismo
socrático é equilibrado pelo mais radical intelectualismo,
racionalismo, que está contra todo voluntarismo,
sentimentalismo, pragmatismo, ativismo.
A filosofia socrática, portanto, limita-se à gnosiologia e
à ética, sem metafísica. A gnosiologia de Sócrates, que se
concretizava no seu ensinamento dialógico, donde é
preciso extraí-la, pode-se esquematicamente resumir
nestes pontos fundamentais: ironia, maiêutica,
introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de
tudo, cumpre desembaraçar o espírito dos conhecimentos
errados, dos preconceitos, opiniões; este é o momento da
ironia, isto é, da crítica. Sócrates, de par com os sofistas,
ainda que com finalidade diversa, reivindica a
independência da autoridade e da tradição, a favor da
reflexão livre e da convicção racional. A seguir será
possível realizar o conhecimento verdadeiro, a ciência,
mediante a razão. Isto quer dizer que a instrução não deve
consistir na imposição extrínseca de uma doutrina ao
discente, mas o mestre deve tirá-la da mente do discípulo,
pela razão imanente e constitutiva do espírito humano, a
qual é um valor universal. É a famosa maiêutica de
Sócrates, que declara auxiliar os partos do espírito, como
sua mãe auxiliava os partos do corpo.
Esta interioridade do saber, esta intimidade da ciência -
que não é absolutamente subjetivista, mas é a certeza
objetiva da própria razão - patenteiam-se no famoso dito
socrático "conhece-te a ti mesmo" que, no pensamento de
Sócrates, significa precisamente consciência racional de si
mesmo, para organizar racionalmente a própria vida.
Entretanto, consciência de si mesmo quer dizer, antes de
tudo, consciência da própria ignorância inicial e, portanto,
necessidade de superá-la pela aquisição da ciência. Esta
ignorância não é, por conseguinte, ceticismo sistemático,
mas apenas metódico, um poderoso impulso para o saber,
embora o pensamento socrático fique, de fato, no
agnosticismo filosófico por falta de uma metafísica, pois,
Sócrates achou apenas a forma conceptual da ciência, não
o seu conteúdo.
O procedimento lógico para realizar o conhecimento
verdadeiro, científico, conceptual é, antes de tudo, a
indução: isto é, remontar do particular ao universal, da
opinião à ciência, da experiência ao conceito. Este
conceito é, depois, determinado precisamente mediante a
definição, representando o ideal e a conclusão do processo
gnosiológico socrático, e nos dá a essência da realidade.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
14
A MORAL
Como Sócrates é o fundador da ciência em geral,
mediante a doutrina do conceito, assim é o fundador, em
particular da ciência moral, mediante a doutrina de que
eticidade significa racionalidade, ação racional. Virtude é
inteligência, razão, ciência, não sentimento, rotina,
costume, tradição, lei positiva, opinião comum. Tudo isto
tem que ser criticado, superado, subindo até à razão, não
descendo até à animalidade - como ensinavam os sofistas. É
sabido que Sócrates levava a importância da razão para a
ação moral até àquele intelectualismo que, identificando
conhecimento e virtude - bem como ignorância e vício -
tornava impossível o livre arbítrio. Entretanto, como a
gnosiologia socrática carece de uma especificação lógica,
precisa - afora a teoria geral de que a ciência está nos
conceitos - assim a ética socrática carece de um conteúdo
racional, pela ausência de uma metafísica. Se o fim do
homem for o bem - realizando-se o bem mediante a virtude,
e a virtude mediante o conhecimento - Sócrates não sabe,
nem pode precisar este bem, esta felicidade, precisamente
porque lhe falta uma metafísica. Traçou, todavia, o
itinerário, que será percorrido por Platão e acabado, enfim,
por Aristóteles. Estes dois filósofos, partindo dos
pressupostos socráticos, desenvolverão uma gnosiologia
acabada, umagrande metafísica e, logo, uma moral.
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/socrates.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Sócrates propunha que, antes de querer conhecer a
Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um
deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo.
• A consciência da própria ignorância é o começo da
Filosofia (“sei que nada sei”).
• Através do diálogo Sócrates procurava o conceito e não a
mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das ideias
e dos valores.
• Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os
fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a
pólis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido
como duvidoso e incerto.
• A maiêutica designa a arte de fazer dar à luz os espíritos,
arte pela qual Sócrates conduzia seus interlocutores a
descobrirem-se a si mesmos,
• Só o conhecimento conduz à prática da virtude em si
mesma, que tem caráter uno e indivisível.
• Segundo Sócrates, só age erradamente quem
desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do
saber é o caminho para a perfeição humana.
• Sócrates ensina a bem pensar para bem viver.
• A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates
e exprime-se no famoso lema “conhece-te a ti mesmo” - isto é,
torna-te consciente de tua ignorância - como sendo o ápice da
sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude.
"Conhece-te a ti mesmo" significa precisamente consciência
racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria
vida.
UNIDADE 5
PLATÃO
Para Platão, a primeira virtude do filósofo é admirar-se.
A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de
problematizar, o que marca a filosofia não como posse da
verdade, mas como sua busca. Para Kant, filósofo alemão
do século XVIII, “não há filosofia que se possa aprender;
só se pode aprender a filosofar”. Isto significa que a
filosofia é, sobretudo uma atitude, um pensar permanente.
No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia,
sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores
da indagação humana.
Na ordem do saber estipulada por Platão através da
dialética - movimento e/ou itinerário, ascese progressiva
para o verdadeiro, longe das ilusões e crenças de ordem
puramente sensível ou imaginativa -, o homem começa a
conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois
passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para
só então ser capaz de atingir o nível mais alto do saber
filosófico.
Platão (428-347 a.C.)
A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e
Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas
aceitam a validade das opiniões e das percepções
sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos
de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as
opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das
coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas
imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a
verdade plena da realidade.
Aos olhos de Platão, o mundo sensível subordina-se às
Essências ou Ideias, formas inteligíveis, modelos de todas
as coisas, que salvam os fenômenos e lhes dão sentido.
Em suma, a Ideia ou Essência (dois termos que têm, aqui,
uma significação vizinha) são as “coisas” no seu estado
mais puro, modelos do pensamento e da reflexão. É a
dialética, itinerário regulado e metódico, que, de conceitos
em conceitos e de proposições em proposições, permite
atingir estas essências ideais assim como o Bem, termo
último do procedimento racional. O Bem designa, aos
Filosofia
ENEM
15
olhos de Platão, o Divino; não é, a rigor, nem uma noção
nem um conceito, mas um princípio supremo, superior
tanto à existência quanto à essência, ultrapassando-as de
longe em dignidade e potência. Essa ideia do Bem, causa
de tudo o que há de reto e belo, comunica sua verdade e
sua vida a todos os objetos cognoscíveis.
REMINISCÊNCIA E MAIÊUTICA
A dialética das Ideias e a teoria do Amor levam, como
se vê, a falar de um idealismo platônico, no sentido forte
do termo idealismo: como doutrina que atribui às Ideias
ou Essências uma existência em si, independente do
espírito e das coisas individuais (embora a palavra
idealismo não é do próprio Platão). Mas pode-se perguntar
que argumentos permitem assim a Platão elaborar essa
teoria “idealista” das Essências. Parece que maiêutica e
reminiscência constituem dois elementos maiores que
justificam essa elaboração e essa doutrina. Sócrates, o
parteiro espiritual, punha, com efeito, no mundo as
inteligências; tal com sua mãe, Fenareta, parteira, fazia dar
à luz os corpos, assim também ele fazia nascer para si
mesmos, na sua verdade, os espíritos. A maiêutica designa
a arte de fazer dar à luz os espíritos, arte pela qual
Sócrates conduzia seus interlocutores a descobrirem-se a
si mesmos, a tomarem consciência de suas riquezas
implícitas. Assim, no diálogo Menon, o pequeno escravo
ignorante descobre, ele mesmo, pelas virtudes de sua
própria inteligência, como construir um quadrado duplo a
partir de um quadrado dado. Se cada um de nós pode,
assim, pelo diálogo e pela maiêutica, nascer para si
mesmo e reaprender verdades (escondidas), não seria
porque se lembra então de uma verdade outrora
contemplada? Tal é a doutrina da reminiscência:
contemplamos, durante nossas existências anteriores, as
Ideias, que constituem, desde então, apenas lembranças.
Aprender é rememorar a verdade percebida outrora. Todo
o exercício filosófico visa a dominar e organizar esse
conteúdo secreto, escondido, fruto de uma longínqua
contemplação.
MORAL E POLÍTICA
Mas a resposta dada ao problema especulativo, a
constituição de uma dialética, apoiando-se na
reminiscência, permite também a Platão resolver o
problema moral e político.
Os sofistas, esses mestres de retórica e eloquência,
criticados por Platão, que via neles simples produtores de
mentiras, falsos prestígios e ilusões – sendo definida a
sofística por esse pensador como negócio e tráfico do
discurso –, solaparam a crença num Absoluto que permitia
à moral edificar-se; a verdade, pensavam, nada mais é do
que a subjetividade. Sua doutrina relativista conduzia,
frequentemente, a um puro imoralismo. Muito pelo
contrário, com Platão, a moral torna-se outra vez possível,
quando o filósofo, depois de contemplar as Ideias, desce
novamente à “caverna” – a famosa Alegoria da Caverna
designa, com efeito, esse relato pelo qual Platão pinta
nossa condição: os homens são semelhantes a prisioneiros
que tomam as sombras projetadas diante deles na parede
da caverna pela verdade; o prisioneiro que se desliga e
sobe para fora simboliza o filósofo que acede as Essências
–, ele está, doravante, em condição de edificar uma moral
e uma política.
ALEGORIA DA CAVERNA
Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a
infância, geração após geração, seres humanos estão
aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão
algemados de tal modo que são forçados a permanecer
sempre no mesmo lugar e olhar apenas para frente, não
podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados.
A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali
penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade,
enxergar o que se passa no interior.
A luz que ali entra provém de uma imensa e alta
fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros – no exterior,
portanto – há um caminho ascendente ao longo do qual foi
erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um
palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco,
homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras
de seres humanos, animais e todas as coisas.
Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por
ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da
caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem
poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que astransportam. Como jamais viram outra coisa, os
prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as
próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são
sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de
coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da
caverna.
Que aconteceria indaga Platão, se alguém libertasse os
prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em
primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros
seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira.
Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a
caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando
com o caminho ascendente, nele adentraria.
Num primeiro momento, ficaria completamente cego,
pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria
inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se
com a claridade, veria os homens que transportam as
estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as
próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida,
não vira senão sombras de imagens (as sombras das
estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente
agora está contemplando a própria realidade.
Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro
regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão,
contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los.
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais
prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas
palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas
caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo
assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a
sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas,
quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade
Ciências Humanas e suas Tecnologias
16
dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à
realidade.
O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são
as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais
que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai
da caverna? O filosofo. O que é a luz exterior do sol? A
luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das
ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o
instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja
libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão
do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os
prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo?
Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e
o único verdadeiro.
O REI-FILÓSOFO CONHECE A JUSTIÇA
Para o filósofo grego Platão, cada indivíduo possui três
almas ou três princípios que o compõem: a alma
desejante, que busca a satisfação dos instintos e impulsos;
a alma irascível, que é o seu princípio de defesa; e a alma
racional, que busca o conhecimento. Através da educação,
o indivíduo deve alcançar um equilíbrio entre essas três
partes, mas um equilíbrio hierárquico, pois a alma racional
deve preponderar.
Platão transportou esse pensamento para a cidade. A
cidade seria dividida também em três partes ou classes
sociais: a classe que fornece a produção material da
riqueza (que corresponderia à alma desejante), a classe
que garante a defesa da cidade (que corresponderia a alma
irascível) e a classe que governa a cidade (que
corresponderia à alma racional). A justiça na cidade
dependeria do equilíbrio entre essas três classes, ou seja,
de que cada uma delas cumpra a sua função, uma vez que
se trata de um aspecto necessário à vida da cidade. A
cidade é como um corpo no qual:
Tendo posto de acordo seus três elementos,
exatamente como os três termos de uma harmonia, o da
corda grave, o da alta e o da intermédia, e qualquer
outro que possa haver entre esses – depois de enlaçar
tudo isso, e de construir com essa variedade a sua
própria unidade, então é que, bem afinado e temperado,
passa a agir (...) e em tudo isso julga e denomina justa e
boa à ação que conserve e corrobore esse estado.
PLATÃO. A República, p. 120
Da mesma forma que a alma racional no indivíduo, a
esfera preponderante na cidade deve ser a dos
governantes. Mas quem deve ser o governante?
Platão propõe em seu livro A república um modelo de
educação que possibilite a todos igual acesso à educação,
independentemente da classe social a que pertença cada
indivíduo por nascimento. Em sua formação, as crianças
iriam passando por processos de seleção, ao longo dos
quais seriam destinadas a uma das três classes que formam
a cidade. Os mais aptos continuariam seus estudos até o
ponto mais alto desse processo – a filosofia – a fim de se
tornarem sábios e, assim, se habilitarem a administrar a
cidade.
Essa concepção política de Platão é aristocrática, porque
supõe uma massa de pessoas incapazes de dirigir a cidade
e apenas uma pequena parcela de sábios, que estariam
aptos para exercer o poder político. Aristocracia (palavra
de origem grega composta de aristoi, “melhores”, e
cracia, “poder”) é a forma de governo em que o poder é
exercido pelos “melhores”, que, na proposta de Platão,
seriam uma elite que se distinguiria pelo saber. Assim, a
aristocracia de Platão não está baseada no poder
econômico, pois se trata de uma “aristocracia de espírito”.
Isso significa que Platão não acreditava na democracia,
e a justificativa para essa sua posição pode ser encontrada
na alegoria ou mito da caverna. Para Platão, o filósofo é
aquele que, saindo do mundo das trevas, da ilusão, alcança
a verdade, o mundo das ideias. No entanto, ele deveria
voltar para dirigir seus companheiros que não alcançaram
esse ponto. Por isso Platão criou a ideia do rei-filósofo:
aquela pessoa que, pela contemplação das ideias,
conheceu a essência da justiça deve governar a cidade.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. pp. 295-297)
Desta perspectiva, a virtude designa uma participação
nas Essências e no verdadeiro conhecimento, uma ciência
do Bem e do Mal inseparável da dialética. Em Platão e de
uma maneira geral em todo pensamento helênico, virtude
e moral são, com efeito, da ordem do saber. Ninguém é
mau voluntariamente.
Eis esta filosofia que muito marcou a reflexão ocidental,
tanto pela análise do Amor e do desejo quanto pela da
dialética especulativa. Platão, morto há mais de vinte e
quatro séculos, desenhou os caminhos que continuam a
fascinar toda a nossa civilização e nossa cultura. Nessa
via, ele leva-nos da opinião – esse tipo de conhecimento
inferior, faculdade intermediária que apreende as coisas
que flutuam entre o nada e o ser absoluto – até a ciência,
conhecimento racional que permite atingir a essência da
verdade. Itinerário que nos persegue ainda, em nosso
tempo, e a que se referem muitos pensadores e cientistas
contemporâneos.
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Segundo Platão, através da dialética - movimento e/ou
itinerário, ascese progressiva para o verdadeiro, longe das
ilusões e crenças de ordem puramente sensível ou imaginativa -
, o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião
(doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência
(episteme).
• Aos olhos de Platão, o mundo sensível subordina-se às
Essências ou Ideias, formas inteligíveis, modelos de todas as
coisas, que salvam os fenômenos e lhes dão sentido.
• A doutrina da reminiscência afirma que contemplamos,
durante nossas existências anteriores, as Ideias, que
constituem, desde então, apenas lembranças. Aprender é
rememorar a verdade percebida outrora.
• Através da Alegoria da Caverna Platão pinta nossa
condição: os homens são semelhantes a prisioneiros que
tomam as sombras projetadas diante deles na parede da
Filosofia
ENEM
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caverna pela verdade; o prisioneiro que se desliga e sobe para
fora simboliza o filósofo que acede as Essências –, ele está,
doravante, em condição de edificar uma moral e uma política.
• A cidade seria dividida emtrês partes ou classes sociais:
a classe que fornece a produção material da riqueza (que
corresponderia à alma desejante), a classe que garante a
defesa da cidade (que corresponderia a alma irascível) e a
classe que governa a cidade (que corresponderia à alma
racional).
• A justiça na cidade dependeria do equilíbrio entre essas
três classes, ou seja, de que cada uma delas cumpra a sua
função.
• Essa concepção política de Platão é aristocrática, porque
supõe uma massa de pessoas incapazes de dirigir a cidade e
apenas uma pequena parcela de sábios, que estariam aptos
para exercer o poder político.
UNIDADE 6
ARISTÓTELES
Filósofo grego, inicialmente aluno de Platão, será, na
sequencia, o discípulo infiel do mestre, criticando, em sua
obra, alguns de seus temas (como a teoria das Ideias).
Aristóteles apresenta uma verdadeira enciclopédia de
todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos
em todos os ramos do pensamento e da prática
considerando essa totalidade de saberes como sendo a
Filosofia. Esta, portanto, não é um saber específico sobre
algum assunto, mas uma forma de conhecer todas as
coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada
campo de coisas que conhece.
Aristóteles (384-322 a.C.)
Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade
dos conhecimentos e práticas humanas, ela também
estabelece uma diferença entre esses conhecimentos,
distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples e
inferiores aos mais complexos e superiores. Essa
classificação e distribuição dos conhecimentos fixaram,
para o pensamento ocidental, os campos de investigação
da Filosofia como totalidade do saber humano.
Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu
objeto específico, procedimentos específicos para sua
aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e
prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência
(ciência, em grego, é episteme).
Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento
constituir seu objeto e seu campo próprios, seus
procedimentos próprios de aquisição e exposição, de
demonstração e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis
gerais que governam o pensamento, independentemente
do conteúdo que possa vir a ter.
O estudo das formas gerais do pensamento, sem
preocupação com seu conteúdo, chamasse lógica, e
Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do
conhecimento em qualquer campo do saber.
A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a
ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por
Aristóteles a lógica não aparece, embora ela seja
indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha-se
tornado um dos ramos específicos dela.
OS CAMPOS DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO
Vejamos, pois, a classificação aristotélica:
Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas
produtivas ou as técnicas, isto é, as ações humanas cuja
finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade
é a produção de um objeto, de uma obra. São elas:
arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa),
economia (cujo fim é a produção agrícola, o artesanato e o
comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e para o
acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a
saúde ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro,
oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em
suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas
que resultam num produto ou numa obra.
Ciências práticas: ciências que estudam as práticas
humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu
próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela
mesma, é o próprio ato realizado. São elas: ética, em que a
ação é realizada pela vontade guiada pela razão para
alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes
morais (coragem, clemência, prudência, amizade, justiça,
modéstia, honradez, temperança, etc.); e política, em que a
ação é realizada pela vontade guiada pela razão para ter
como fim o bem da comunidade ou o bem comum.
Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica,
a política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade,
sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida
na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a
vida boa e bela, a vida livre.
Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são
aquelas que estudam coisas que existem
independentemente dos homens e de suas ações e que, não
tendo sido feitas pelos homens, só podem ser
contempladas por eles. Theoria, em grego, significa
contemplação da verdade. O que são as coisas que existem
por si mesmas e em si mesmas, independentes de nossa
ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e
política? São as coisas da natureza e as coisas divinas.
Aristóteles, aqui, classifica também por graus de
superioridade as ciências teóricas, indo da mais inferior à
superior:
1. ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao
devir: física, biologia, meteorologia, psicologia (pois a
Ciências Humanas e suas Tecnologias
18
alma, que em grego se diz psychê, é um ser natural,
existindo de formas variadas em todos os seres vivos,
plantas, animais e homens);
2. ciência das coisas naturais que não estão submetidas à
mudança ou ao devir: as matemáticas e a astronomia (os
gregos julgavam que os astros eram eternos e imutáveis);
3. ciência da realidade pura, que não é nem natural
mutável, nem natural imutável, nem resultado da ação
humana, nem resultado da fabricação humana. Trata-se
daquilo que deve haver em toda e qualquer realidade, seja
ela natural, matemática, ética, política ou técnica, para ser
realidade. É o que Aristóteles chama de ser ou substância
de tudo o que existe. A ciência teórica que estuda o puro
ser se chama metafísica;
4. ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a
finalidade de tudo o que existe na Natureza e no homem.
As coisas divinas são chamadas de theion e, por isso, esta
última ciência se chama teologia.
A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais
alto na metafísica e na teologia, de onde derivam todos os
outros conhecimentos.
A METAFÍSICA DE ARISTÓTELES COMO
CONCEPÇÃO DE REALIDADE
Esse novo ponto de partida consistirá, para Aristóteles,
em uma concepção de realidade segundo a qual o que
existe é a substância individual, que podemos considerar
aqui como o indivíduo material concreto (synolon). Este
seria o constituinte último da realidade, o que evitaria o
dualismo, a realidade sendo composta de um conjunto de
indivíduos materiais concretos.
Aristóteles afirma, entretanto, que os indivíduos são, por
sua vez, compostos de matéria (hyle) e forma (eidos). A
matéria é o princípio de individualização e a forma a
maneira como, em cada indivíduo, a matéria se organiza
(Metafísica Z e H, Física I, II). Assim, todos os indivíduos
de uma mesma espécie teriam a mesma forma, mas
difeririam do ponto de vista da matéria, já que se trata de
indivíduos diferentes, ao menos numericamente. É como
se, de certo modo, Aristóteles jogasse o dualismo
platônico para dentro do indivíduo. Da substância
individual. Matéria e forma são, entretanto, indissociáveis,
constituindo uma unidade (o sentido literal de
“indivíduo”): a matéria só existe na medida em que possui
uma determinada forma, a forma por sua vez é sempre
forma de um objeto material concreto. Não existem
formas ou ideias puras como no mundo inteligível
platônico. É o intelecto humano que, pela abstração,
separa matéria de forma no processo de conhecimento da
realidade, relacionando os objetos que possuem a mesma
forma e fazendo abstração de sua matéria, de suas
características particulares. Tipos gerais, gêneros e
espécies (animal, mamífero, etc.) só existem como
resultado deste processo de abstração a partir da forma de
cada um desses objetos concretos.Assim, o cavalo não
existe, o que existe é este cavalo, aquele cavalo etc. O
cavalo, enquanto tipo geral, é apenas resultado desse
processo de abstração que identifica e separa a forma do
cavalo em cada cavalo individual. As formas ou ideias não
existem em um mundo inteligível, independente do
mundo dos objetos individuais. A ideia de homem é
apenas uma natureza comum a todos os homens, não pode
existir isoladamente. A ideia ou forma é um princípio de
determinação que faz com que um indivíduo pertença a
uma determinada espécie. Porém, apenas as substâncias
existem; se não existissem indivíduos, nada existiria, nem
gêneros, nem espécies.
Podemos dizer que, de certo modo, tanto a teoria
aristotélica do ser quanto a da causalidade visam resolver
o impasse, até certo ponto ainda presente em Platão, entre
o monismo de Parmênides e as teorias pré-socráticas do
fluxo e do movimento, como o atomismo. Contra o
monismo de Parmênides, Aristóteles defende a concepção
de uma natureza plural, na medida em que composta de
indivíduos; porém, isso não deve ser visto como
problemático, desde que algumas distinções básicas sejam
feitas acerca da noção de ser. Há, na verdade, segundo
Aristóteles, uma confusão em torno dos vários sentidos e
usos do verbo “ser” em grego (einai). As coisas existem
de diferentes maneiras, ou seja, o modo de existência da
substância individual é diferente das qualidades,
quantidades, e relações, já que estas dependem das
substâncias. Aristóteles desenvolve tais distinções em seu
Tratado das categorias. A mudança só é considerada
contraditória pelos monistas porque ela envolve o
problema da identidade, é interpretada como equivalendo
a dizer que o ser é e não é. Contudo, o verbo “ser” nem
sempre expressa identidade, podendo ter um uso
atributivo ou predicativo, designando uma característica
do objeto. P.ex.: “Sócrates é sábio” (uso predicativo), o
que consiste em um uso diferente de “Sócrates é [ou
existe]” (uso existencial, meramente afirma a existência),
é “Sócrates é Sócrates” (afirmação da identidade – tudo
objeto é igual a si mesmo –, mas que não acrescenta nada
ao conhecimento de Sócrates.
Na Metafísica encontramos ainda três distinções
adicionais a esse respeito que resultam da elaboração da
teoria aristotélica do ser: essência e acidente (livro E); 2)
necessidade e contingência (livro Z e H) ato e potência
(livro O).
1. Essência e acidente. Dentre as características da
substância individual, a essência (o termo ousia aí em
sentido estrito) é aquilo que faz com que a coisa seja o que
é, a unidade que serve de suporte aos predicados, o
hypokeimenon, literalmente “aquilo que subjaz”, o sujeito
ou substrato dos predicados (daí a origem do verbo
substare, donde substantia, termo pelo qual os latinos
traduziram a ousia aristotélica). Os acidentes são as
características mutáveis e variáveis da coisa, que explicam
portanto a mudança, sem que isso afete sua natureza
essencial, que é estável. P.ex., a distinção entre “Sócrates
é um ser humano”, o que designa sua essência, e “Sócrates
é calvo”, o que descreve uma característica acidental:
Sócrates não foi sempre calvo.
2. Necessidade e contingência. É correlata à distinção
entre essência e acidente. As características essenciais são
necessárias, ou seja, a coisa não pode deixar de tê-las,
caso contrário deixaria de ser o que é, ao passo que as
contingentes são variáveis e mutáveis. No exemplo acima,
Filosofia
ENEM
19
Sócrates é necessariamente um ser humano e apenas
contingentemente calvo.
3. Ato e potência. Essa distinção também permite
explicar a mudança e a transformação. Uma coisa pode ser
una e múltipla. A semente é, em ato, semente, mas contém
em potência a árvore. A árvore é árvore em ato, mas em
potência pode ser lenha.
TEORIA DAS QUATRO CAUSAS
A mesma estratégia argumentativa é usada por
Aristóteles a propósito da noção de causa (aitia) e do
problema da causalidade ao introduzir sua Teoria das
Quatro Causas (Física II, 3, 194b16), mostrando que os
filósofos anteriores, por não terem feito essa distinção,
acabaram cometendo equívocos. Distingue assim quatro
sentidos ou dimensões de causalidade:
1. Causa formal. Trata-se da forma ou modelo que faz
com que a coisa seja o que é. É a resposta à questão: o que
é x?
2. Causa material. É o elemento constituinte da coisa, a
matéria de que é feita. Responde à questão: de que é feito
x?
3. Causa eficiente. Consiste na fonte primária da mudança,
o agente da transformação da coisa. Responde à questão:
por que x é x?, ou o que fez com que x viesse a ser x?
4. Causa final. Trata-se do objetivo, propósito, finalidade
da coisa. Responde à questão: para que x? A visão
aristotélica é fortemente teleológica (do grego telos,
finalidade), isto é, supõe que tudo na realidade possui uma
finalidade. A natureza apresenta uma regularidade, uma
ordem, e isso não pode ser obra do acaso: deve existir um
propósito.
Para esclarecer consideremos o exemplo dado pelo
próprio Aristóteles. Curiosamente, já que ele parecia
restringir-se a objetos naturais, o da estátua de uma deusa.
A causa formal é o modelo que serve para dar forma à
estátua. A causa material é a matéria de que é feita a
estátua, p.ex., o bronze ou o mármore. Assim, uma
determinada quantidade de matéria recebe a forma de uma
estátua. Podemos ter a mesma forma, a estátua, e
diferentes matérias, bronze, gesso, mármore etc., assim
como a mesma matéria pode se encontrar em diferentes
formas, o mármore na estátua, na pedreira, numa coluna
etc. A causa eficiente é o que faz com que aquela matéria
adquira uma determinada forma, em nosso exemplo o
escultor com suas ferramentas, que dá ao mármore a
forma da estátua. A causa final caracteriza o objetivo ou
propósito da estatua: o culto, a decoração, uma
homenagem etc.
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-
socráticos a Wittgenstein.
Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 71-74)
A LÓGICA
Lógica: esse termo é desconhecido de Aristóteles, que,
todavia, é o autor da primeira doutrina lógica sistemática,
a disciplina que determina, para as operações do espírito,
as que são válidas e as que não o são.
Lógica significa, simplesmente, a arte e o método do
pensamento correto. E a logia ou método de toda ciência,
de toda disciplina e de todas as artes; e até a música a
contém. É uma ciência porque, numa proporção
muitíssimo elevada, os processos de pensamento correto
podem ser reduzidos a regras como a física e a geometria,
e ensinados a qualquer inteligência normal; é uma arte,
porque, pela prática, dá ao pensamento, afinal, aquela
precisão inconsciente e imediata que guia os dedos do
pianista sobre seu instrumento para extrair harmonias sem
esforço. Nada é tão enfadonho quanto a lógica, e nada tão
importante.
Havia vestígios dessa nova ciência na enfurecedora
insistência de Sócrates com relação a definições, e no
constante refinamento de cada conceito por parte de
Platão.
Aristóteles tem uma atitude saudável; ele é um realista
quase que no sentido moderno; está decidido a se
preocupar com o presente objetivo, enquanto Platão está
absorvido em um futuro subjetivo. Havia, na procura
socrático-platônica por definições, uma tendência a se
afastar das coisas e dos fatos para as teorias e as ideias,
dos particulares para as generalidades, da ciência para a
escolástica; por fim, Platão se tornou tão dedicado às
generalidades que elas começaram a determinar seus
particulares, tão dedicado às ideias que elas começaram a
definir ou selecionar seus fatos. Aristóteles prega um
retorno às coisas e à realidade; ele tinha uma forte
preferência pelo particular concreto, pelo indivíduo de
carne e osso. Mas Platão amava tanto o geral e o
universal, que em A República destruiu o indivíduo para
formarum Estado perfeito.
A mais característica e original das contribuições de
Aristóteles para a filosofia – a doutrina do silogismo. Um
silogismo é um trio de proposições das quais a terceira (a
conclusão) segue-se da verdade admitida das outras duas
(as premissas “maior” e “menor”). Por exemplo, o homem
é um animal racional; mas Sócrates é homem; portanto,
Sócrates é um animal racional. A estrutura do silogismo
assemelha-se à proposição de que duas coisas iguais à
mesma coisa são iguais entre si. Se A é B, e C é A, então C
é B. Como no caso matemático, chega-se à conclusão
cancelando das duas premissas o termo comum às duas, A;
assim, no nosso silogismo chega-se à conclusão
cancelando das duas premissas o seu termo comum
“homem” e combinado o que restar.
Parece que o silogismo não é tanto um mecanismo para
a descoberta da verdade quanto para a clareza de
exposição e de pensamento.
A ÉTICA PARA ARISTÓTELES
A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da
noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada
uma ética eudemonista por buscar o que é o bem agir em
escala humana, o agir segundo a virtude. A felicidade é
definida como uma certa atividade da alma que vai de
acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa
definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma
virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o
Ciências Humanas e suas Tecnologias
20
estudo da natureza da virtude moral. Como a virtude
moral é consistida por uma mediedade relativa a nós,
analisaremos o conceito de mediania (mediedade ou justa-
medida) assim como aparece no livro II de Ética a
Nicômaco.
VIRTUDE MORAL E INTELECTUAL
Aristóteles define a virtude moral como disposição – já
que não podem ser nem faculdades nem paixões – para
agir de forma deliberada e a disposição está de acordo
com a reta razão. A virtude moral consiste em uma
mediania relativa a nós. Após estabelecer a virtude moral
como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o
comportamento do homem com relação às emoções, há
ainda a necessidade de que a diferença específica entre
virtude moral e virtude intelectual seja explicitada.
Segundo o Estagirita, o que distingue as duas espécies
de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida
através do ensino, e assim, necessita de experiência e
tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como
resultado do hábito. O hábito determina nosso
comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito
que tomamos a justa-medida com relação a nós. Logo, a
mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é
relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz.
Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por
natureza porque o que é por natureza não pode ser
alterado pelo hábito e “a natureza nos dá a capacidade de
recebê-las [as virtudes], e tal capacidade se aperfeiçoa
com o hábito” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II,
1103 a 26). Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício,
ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que
se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade
de o homem ser bom, de ser virtuoso. Tornamo-nos justos
ao praticarmos atos justos pois “toda a virtude é gerada e
destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios”
(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II, 1103b 5-6). Já
que as virtudes morais são vistas como produto do hábito,
consequentemente são tomadas como inatas. Ao
considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma
implicação de que o homem é causa de suas próprias
ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a
ação precede e prevalece sobre a disposição. Está na
natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas
pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar
as virtudes morais e também diferencia-las das virtudes
naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida
preconiza que qualquer virtude é destruída pelos
extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em
excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude
busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as
emoções extremas. O meio-termo é experimentar as
emoções certas no momento certo e em relação às pessoas
certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a
mediania, é a excelência moral.
MEDIANIA OU MEIO-TERMO
Ao propor a mediania como gênero de virtude moral,
como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega
clássica porque esta indicava a mediania como a regra de
ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não
silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a
essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva
moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às
emoções e paixões. De acordo com Aristóteles, a posição
de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos
extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse
viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica
evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois
“não é único e o mesmo para todos” (ARISTÓTELES,
Ética a Nicômaco, II, 1106 a 34).
A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meio-
termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações e
paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-
termo. As ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo
que determine sua tendência para a falta ou para o excesso.
Por sua vez, a tendência à mediania expressa a virtude moral,
expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O
que nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de
atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido
e visa a mediania. Esta, por sua vez, é determinada por um
princípio racional (LOPES, 2008). Pode-se notar que, para
Aristóteles, a virtude é uma espécie de mediania já que visa o
meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem
relação com a escolha dos atos e das paixões.
A justa-medida é determinada por um princípio racional
próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, ao
buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles
define-a como mediania, ou ainda, “a mediedade é a
quididade da virtude” (ZINGANO, 2008, p. 23).
O Estagirita afirma que sua investigação acerca da
virtude não é de cunho exclusivamente teórico, mas a
investigação se dá com a finalidade de que os homens
tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à
Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto
a função de fazer com que os homens se tornem bons.
Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos
fatos particulares.
A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses
vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a
carência. Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a
mediania tanto nas ações – embora algumas ações não
permitem um meio-termo por seus próprios nomes já
implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões.
Um dos extremos – entre os quais a mediania se localiza –
é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar
atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para
ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado
ao se analisar o prazer e o sofrimento acarretado pelo
mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, deve-
se ir em direção oposta, ao outro extremo para que se
chegue ao estado intermediário e, consequentemente,
afastar-se do erro.
Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser
louvado, conclui Aristóteles ao fim do Livro II. Contudo,
ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora da falta
Filosofia
ENEM
21
com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é
correto e ao meio-termo.
(https://www.psicologiamsn.com/2012/10/a-etica-para-
aristoteles.html)
MORAL E POLÍTICA
A moral de Aristóteles, desenvolvida emparticular na
Ética a Nicômaco, é essencialmente eudemonista, como
são todas as morais da Antiguidade; vê na felicidade o fim
da vida. Mas que designa a felicidade? Essencialmente,
uma atividade da razão, atividade que consiste na
contemplação; a vida contemplativa corresponde, com
efeito, ao que há em nós de divino e permite compreender
o Soberano Bem do homem, isto é, o Bem por excelência,
bom unicamente em si mesmo.
Nessa análise da felicidade, Aristóteles não poderia
dissociar-se da política. Como todos os grandes
pensadores, Aristóteles unifica a moral, estudo do que é
bem e bom, e a política, ciência da Cidade. Como se
poderia dissociá-las, uma vez que o homem é,
fundamentalmente, um animal político, nascido para viver
na Cidade? Analisando a organização da cidade,
Aristóteles chega às diversas formas de governo e
distingue três (na Política): chama monarquia o Estado em
que o comando, dirigido para o interesse comum, pertence
apenas a um; aristocracia, o Estado em que ele é confiado
a mais de um; república, o Estado em que a multidão
governa para a utilidade pública. A monarquia pode
degenerar em tirania, a aristocracia em oligarquia e a
república em democracia.
O filósofo grego Aristóteles afirmava que o homem é
por natureza um ser social, pois, para sobreviver, não pode
ficar completamente isolado de seus semelhantes.
Constituída por um impulso natural do homem, a
sociedade deve ser organizada conforme essa natureza
humana. O que deve guiar, então, a organização de uma
sociedade? É a busca de um determinado bem,
correspondente aos anseios dos homens que a
organizaram.
Para Aristóteles, a organização adequada à natureza do
homem é a polis: “a cidade (pólis) encontra-se entre as
realidades que existem naturalmente, e o homem é por
natureza um animal político”.
Aristóteles admitia que os homens não são naturalmente
iguais, pois uns nascem para a escravidão e outros para o
domínio. O pensamento aristotélico refletia, dessa
maneira, a realidade social encontrada na Grécia Antiga.
Em Atenas a sociedade estava dividida em três grandes
grupos sociais:
Os cidadãos – eram os homens maiores de 21 anos,
nascidos de pai e de mãe atenienses. Somente eles
possuíam direitos políticos de participar da democracia. O
número de cidadãos variou conforme a época. Alguns
historiadores calculam que representou, em média, cerca
de 1/10 da população total. As mulheres não faziam parte
do grupo dos cidadãos.
Os metecos – eram os estrangeiros que habitavam
Atenas. Não tinham direitos políticos e estavam proibidos
de adquirir terra, mas podiam dedicar-se ao comércio e ao
artesanato. Em geral, pagavam impostos para viver na
cidade e, em certas épocas, podiam ser convocados à
prestação do serviço militar.
Os escravos – formavam a grande maioria da população
e eram considerados propriedade do seu senhor, embora
houvesse leis que os protegessem contra maus-tratos.
A pólis grega, portanto, é vista por Aristóteles como um
fenômeno natural. Por isso, o homem verdadeiramente
digno desse nome é um animal político, isto é, envolvido
na vida da pólis. Assim Aristóteles toma um fenômeno
social característico da Grécia como modelo natural de
todo o gênero humano.
Aristóteles também entende que a cidade tem
precedência sobre cada um dos indivíduos, uma vez que
cada indivíduo isoladamente não é auto-suficiente,
enquanto a falta de um indivíduo não destrói a cidade. Por
isso ele disse “o todo deve necessariamente ter
precedência sobre as partes”.
É por isso que, para Aristóteles, a política é uma
continuidade da ética, ou melhor, a ética é entendida como
uma parte da política. A ética se dirige ao bem individual
enquanto a política se dirige ao bem comum.
Aristóteles, da lógica à política, trouxe-nos a visão das
estruturas que, ainda hoje, dão forma a nossa existência. A
figura do Sábio destaca-se plenamente em sua obra;
designa quem possui o conhecimento de todas as coisas;
belo ideal sobre o qual ainda hoje podemos meditar.
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Segundo Aristóteles, não existem formas ou ideias puras
como no mundo inteligível platônico. É o intelecto humano que,
pela abstração, separa matéria de forma no processo de
conhecimento da realidade, relacionando os objetos que
possuem a mesma forma e fazendo abstração de sua matéria,
de suas características particulares.
• Partindo da realidade sensorial ou empírica, a ciência
deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. A partir da
existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de
um processo de conhecimento que caminharia do individual e
específico para o universal e genérico.
• Para tentar resolver a contradição entre o caráter estático
e permanente do ser em oposição ao movimento e à
transitoriedade das coisas, ele propôs que em todo ser
podemos distinguir categorias como essência e acidente,
necessidade e contingência e por último ato e potência.
• Lógica é um termo desconhecido para Aristóteles, que,
todavia, é o autor da primeira doutrina lógica sistemática (teoria
do silogismo), a disciplina que determina, para as operações do
espírito, as que são válidas e as que não o são.
• Um silogismo é um trio de proposições das quais a
terceira (a conclusão) segue-se da verdade admitida das outras
duas (as premissas “maior” e “menor”).
• Aristóteles define a virtude moral como disposição para
agir de forma deliberada e a disposição está de acordo com a
reta razão.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
22
• A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e
assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é
adquirida, por sua vez, como resultado do hábito.
• O hábito determina nosso comportamento como bom ou
ruim. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser
bom, de ser virtuoso.
• A ideia de justa-medida preconiza que a virtude é um
meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o
excesso e o outro vício envolve a carência.
• O meio-termo é experimentar as emoções certas no
momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos,
de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral.
• A moral de Aristóteles, desenvolvida em particular na
Ética a Nicômaco, é essencialmente eudemonista, como são
todas as morais da Antiguidade; vê na felicidade o fim da vida.
• Aristóteles unifica a moral, estudo do que é bem e bom, e
a política, ciência da Cidade. A pólis grega é vista por
Aristóteles como um fenômeno natural. Por isso, o homem
verdadeiramente digno desse nome é um animal político, isto é,
envolvido na vida da pólis.
• Aristóteles entende que a cidade tem precedência sobre
cada um dos indivíduos afirmando que “o todo deve
necessariamente ter precedência sobre as partes”. Desse
modo, a política é uma continuidade da ética, ou melhor, a ética
é entendida como uma parte da política. A ética se dirige ao
bem individual enquanto a política se dirige ao bem comum.
UNIDADE 7
FILOSOFIA HELENÍSTICA
Depois da morte de Platão e de Aristóteles, os dois
grandes nomes da Filosofia clássica grega e o advento do
helenismo com Alexandre Magno, os novos filósofos
mudam consideravelmente o rumo das suas investigações
e as novas escolas filosóficas buscam responder como
orientar a vida para encontrar a verdadeira felicidade,
numa forma de organização político social, na qual os
interesses coletivos cedem lugar aos interesses privados, e
o conceito de cidadão desaparece, dando origem ao
conceito de individuo. As principais escolas filosóficas da
época são: cinismo, epicurismo, estoicismo, ceticismo e
ecletismo.
CINISMO
O Cinismo foi uma escola filosófica grega criada por
Antístenes, seguidor de Sócrates, aproximadamente no
ano 400 a.C., mas seu nome de maior destaque foi
Diógenes de Sínope. Estes filósofos menosprezavam os
pactossociais, defendiam o desprendimento dos bens
materiais e a existência nômade que levavam.
Diógenes de Sínope (400-325 a.C.)
A origem dessa expressão é um tanto controvertida, pois
alguns pesquisadores crêem que ela provém do Ginásio
Cinosarge, espaço no qual Antístenes teria edificado sua
Escola, enquanto outros afirmam que ela deriva da palavra
grega kŷőn, kynós, que significa ‘cachorro’, alusão à vida
destes animais, que seria igual à pregada pelos cínicos.
Aliás, o símbolo deste grupo era justamente a imagem de
um cão. De qualquer forma, porém, ela se origina do
grego Kynismós, passando pelo latim cynismu, e assim
chegando até nossos dias. Hoje, através de desvios de
significado, este termo se refere àqueles desprovidos de
vergonha e de qualquer sentimento de generosidade em
relação à dor do outro. Mas não por acaso, pois os cínicos
desejavam se desprender de todo tipo de preocupação,
inclusive com o sofrimento alheio.
Sócrates já expressava seu repúdio pelo excesso de bens
materiais dos quais a Humanidade dependia para
sobreviver. Ele tinha como alvo a verdadeira felicidade,
para a qual nada disso era necessário, pois ela estava
conectada aos estados da alma, não a objetos externos.
Posteriormente os cínicos passaram a pregar justamente
esta forma de viver, na prática diária. O nome de
Diógenes, seu principal defensor, tornou-se praticamente
sinônimo desta Escola. Segundo histórias antigas, ele
encontrou-se com Antístenes assim que chegou a Atenas,
mas este não queria a seu lado nenhum discípulo.
Diógenes, porém, gradualmente convenceu-o do contrário.
Diógenes radicalizou as propostas de Antístenes, e as
exemplificou em sua própria vida, com severidade e
persistência tais que sua forma de agir atravessou os
séculos, impressionando os estudiosos da Filosofia. Ele
ousou quebrar a visão clássica do grego, substituindo-a
por uma imagem que logo se tornou modelar para a
primeira etapa do Helenismo e mesmo para o período do
Império. Ele procurava um homem que vivesse de acordo
com seu eu essencial, sem se preocupar com nenhuma
convenção social, em harmonia com sua verdadeira forma
de ser – somente esta pessoa estaria apta a alcançar a
felicidade.
Para este filósofo, a existência submetida apenas à
teoria, escrava das elaborações intelectuais, sem o
exercício da prática, do exemplo e da ação, não tinha
nenhum sentido. Assim, sua doutrina seguia na contramão
da cultura, do saber racional, pois ele considerava as
matemáticas, a física, a astronomia, a música e a
metafísica – conhecimentos super valorizados na época –
sem nenhuma utilidade para a jornada interior do Homem.
Filosofia
ENEM
23
Ele radicalizava quando afirmava que as pessoas
deveriam buscar seus instintos mais primários, ou seja,
seu lado animal, vivendo sem objetivos, sem nenhuma
carência de residência ou de qualquer conforto material.
Assim, elas encontrariam seu fim maior – as virtudes
morais. A este estado de desprendimento ele chamava
Autarcia ou Autarquia. Os cínicos, mais uma vez seguindo
o estilo de Sócrates, não deixaram nenhum legado escrito.
O que se conhece sobre esta Escola foi narrado por outras
pessoas, geralmente de um ângulo crítico.
(http://www.infoescola.com/filosofia/cinismo/)
EPICURISMO
Epicuro de Samos fundou sua escola na cidade de
Atenas em 306. Ela se manteve por mais de seis séculos, e
se propagou depois a Roma e Oriente. De seus escritos
restaram somente alguns fragmentos: máximas capitais,
Cartas e Sobre a Natureza.
Epicuro (341-270 a.C)
Ensina a seus discípulos a ataraxia (=
imperturbabilidade); para consegui-la, é preciso viver às
ocultas, fugindo de empreendimentos. Sua filosofia está
fundamentada numa visão atomista e materialista da
natureza e da alma humana.
Para Epicuro, a filosofia tem a missão de libertar o
homem das turbulências que o agitam. “Deves servir à
filosofia só para alcançar a verdadeira liberdade”. O que
perturba o ser humano são quatro erros, dos quais ele se
liberta só quando os domina e reconhece que são somente
opiniões. São eles: temor dos deuses, medo da morte,
ânsia dos prazeres, tristeza pelas dores. A filosofia nos
oferece os quatros remédios para desprendermo-nos
desses erros, através de um verdadeiro conhecimento do
mundo e uma verdadeira doutrina da natureza.
Temor dos Deuses. Os deuses existem em sua
divindade, em perfeita serenidade nos espaços
intermundanos que os separam dos homens, alimentados
pelos afluxos de átomos que equilibram o fluxo de
átomos. Frente aos deuses o homem deve ter uma atitude
de desinteresse, e não de culto servil de imploração e
conjuros, alimentados pelo interesse e temor aos deuses.
Temor da Morte. Epicuro considera o medo da morte
um temor e sofrimento desnecessário, pois o nosso
nascimento é apenas o resultado de um entrechoque de
átomos que se combinam originando essa unidade
psicossomática que somos nós. A morte é somente a
desagregação corpórea (onde reside a nossa sensibilidade)
dessa unidade psicossomática, de tal forma que não
sentiremos mais nada quando isso acontecer. Noutras
palavras, nunca nos encontraremos com a morte, pois,
enquanto existimos, ela não existe para nós, e quando ela
chega, nós é que não existimos mais para ela, pois
perdemos a capacidade de sentir.
Ânsia de prazeres. O verdadeiro critério de avaliação do
bem e do mal é o prazer e a dor. Todos nós tendemos para
o prazer, mas nem todo prazer nos conduz à felicidade; os
prazeres sensuais só nos acarretam mais dor, pois a dor é
proporcionada por nossas necessidades; portanto, não é
este o caminho do verdadeiro prazer. Assim transmuta o
prazer fugaz, pregado pelo hedonismo, em um prazer
perene e permanente, que coincida com toda ausência de
dor.
Temor à dor. Como dissemos antes, o prazer fugaz só
acentua mais ainda a dor e a infelicidade no homem. Mas
esse não é o verdadeiro prazer. O prazer perfeito não é
mais que o cessar de todo desejo e de necessidades, o que
só se obtêm limitando as necessidades, único meio para
conseguir a calma, a imperturbabilidade (ataraxia) e a
ausência de toda dor (aponía), que o sábio deve perseguir.
Mediante este domínio o homem é capaz de renunciar a
um prazer que não é mais que fonte de dor, e transformar
um mal que é fonte de prazer perene. Neste domínio o
homem chega à contemplação da verdade.
ESTOICISMO
Zenão de Citio fundou a Escola do pórtico (stoá).
Professa uma física panteísta (A Razão é a alma do
mundo). Por conseguinte, a regra suprema é viver
conforme a natureza e procurar a apatia ou insensibilidade
frente a bens e males. Esta escola teve famosos discípulos
latinos: Sêneca (4 - 65 d.C.), o preceptor de Nero, Epicteto
(50-138 d.C.), escravo liberto, o imperador Marco Aurélio
(121-180 d.C.).
Zenão de Citio (336-263 a.C )
O homem, na filosofia estoica, é apenas um órgão desse
imenso organismo chamado universo, um ser a mais
dentre os seres da natureza, e sua alma é apenas uma
centelha ou faísca da manifestação da alma divina ou
Razão universal. Por isso, a sua liberdade consiste
exatamente em compreender e conformar suas ações e
vontade às leis da Razão universal, que é a razão perfeita.
O estoico deve aceitar e seguir serenamente e com alegria
interior a razão universal. Daí a máxima estoica “segue a
Ciências Humanas e suas Tecnologias
24
natureza que é teu guia”. Epitecto, filósofo estoico,
resume essa concepção de liberdade, afirmando: “Até hoje
não houve coisa alguma que me trouxesse impedimento
ou coação. Por quê? Porque sempre dispus minha vontade
segundo a Vontade de Deus. Quer Deus que eu tenha
febre? também eu quero”. Ou seja, o ideal de liberdade
consiste em compreender essa inexorabilidade do universo
regido segundo as leis do Logosou Razão universal e
colocar-se em harmonia com ela, numa atitude de
profunda resignação da vontade.
Como a ética estoica defende a felicidade como fim que
dá sentido à vida e ao agir humano, ela é considerada
finalista e eudemonista. Porém, a vinculação da ética a
uma cosmologia monista e materialista, dá ao homem e o
seu ideal de felicidade uma compreensão, em muitos
aspectos, diferente da aristotélica. Para os estoicos, a vida
feliz consiste numa disposição da vontade para aceitar,
com serenidade, as coisas como elas são. Isso não
significa uma anulação da liberdade, pois além da heroica
aceitação da natureza, a ética defende que o homem pode
ser livre, basta saber distinguir quais coisas e
acontecimentos independem de sua vontade e que,
portanto, ele não tem poder sobre elas, por exemplo: sua
saúde, morte, etc.. que devem ser tratadas como realidades
indiferentes. Mas, pode decidir sobre suas paixões e seus
juízos. As paixões são consideradas irracionais e nos
afastam da vida segundo a razão, por isso, o homem sábio
é aquele capaz de viver a apatheia - apatia, no sentido
filosófico estoico -, isto é, a indiferença em relação às
emoções e as paixões e, através dela, alcançar a ataraxia,
ou seja, o ideal de serenidade ou imperturbabilidade da
alma alcançada quando se domina ou elimina as paixões e
emoções.
CETICISMO
“O termo cetiscismo vem do sképsis, que significa
“investigação”, “procura ele quer indicar mais
precisamente que a sabedoria não consiste no
conhecimento da verdade, mas na sua procura. De fato, o
ceticismo sustenta que o homem não pode conhecer a
verdade, mas somente procurá-la.
Conhecer a verdade compete a Deus; investigá-la, ao
homem. Existem, pois, duas espécies de sabedoria: uma
divina, e outra que consiste na investigação da verdade.
Antes de Platão e Aristóteles, já se desenvolvera a
Grécia uma orientação filosófica essencialmente cética, o
famoso movimento dos sofistas. Ele se revigorou e se
difundiu largamente durante o período do helenismo,
principalmente depois que se tornou a doutrina oficial da
escola de Platão, a Academia.
Os principais expoentes do ceticismo são Pírron,
Carnéades e Sexto Empírico.
Pírron é considerado geralmente como fundador do
movimento; viveu entre 360 e 270 a.C. depois de
participar, como cavaleiro, da campanha de Alexandre
Magno no Oriente, voltou para Elís, sua pátria, onde
fundou uma escola de Filosofia. Ensinou uma forma de
ceticismo radical.
Pírron de Élida (365-275 a.C.)
Partindo do princípio de que as coisas são inatingíveis
ao conhecimento humano, Pírron conclui que para o
homem a única atitude cabível é a suspensão (epoché)
total do juízo; não se pode afirmar de coisa alguma que
seja verdadeira ou falsa, justa ou injusta, e assim por
diante.
Essa suspensão do juízo leva a considerar todas as
coisas como indiferentes ao homem e, consequentemente,
anão dar preferência a uma coisa em relação à outra.
De modo que a suspensão do juízo já é, por si mesma,
uma ataraxia, ausência de qualquer perturbação e paixão.
A felicidade consiste, portanto, na suspensão do juízo.
As doutrinas de Pírron tiveram larga acolhida na
Academia. Isto aconteceu quando os platônicos,
persuadidos da validade das críticas de Aristóteles,
abandonaram a teoria das Ideias. Tirada a base sobre a
qual se apoiava a confiança de Platão no conhecimento
humano, não restava aos platônicos outra saída senão
refugiar-se no ceticismo.
Para distinguir a escola platônica que permaneceu fiel
aos ensinamentos do mestre de que, abandonando a teoria
das idéias, aceitou a posição cética, a primeira foi
chamada Velha Academia, e a segunda, Nova Academia.
Os principais expoentes desta última são Carnéades e
sexto Empírico.
Carnéades (214-129 a.C.) tempera o ceticismo radical
de Pírron, admitindo para o homem a possibilidade de
conhecer o que é provável, apesar de não lhe reconhecer o
poder de atingir a verdade. Para ele, o sábio é aquele que,
embora sabendo que a verdade é inatingível, não desiste
de procurá-la assiduamente. Na vida prática, o sábio segue
o que lhe parece mais próximo da verdade e do bem, o que
tem a seu favor mais razões para ser considerado como
válido, mesmo que não se manifeste como absolutamente
certo e indiscutível.
Sexto empírico (século II d.C) dá ao ceticismo a
exposição mais sistemática e rigorosa. Por vários motivos
julga ele que o único sistema filosófico possível é o
ceticismo. Os principais são os dois seguintes: a) o
profundo desacordo entre os filósofos em relação a
qualquer problema; b) os enganos dos sentidos: o
conhecimento varia segundo as condições do sujeito
(circunstâncias, saúde), segundo as condições do objeto
(distancia, posição, ambiente, massas corpóreas) e
segundo as relações (freqüência dos acontecimentos).
Com Sexto Empírico o ceticismo fecha-se em uma
posição fenomenística que faz mais do que anular a
própria possibilidade do saber, porque limita o
Filosofia
ENEM
25
conhecimento aos fenômenos e às suas relações
experimentáveis, eliminando toda indagação em torno das
coisas transcendentes, inverificáveis. Toda indagação
metafísica é considerada vã porque fundada no princípio
de causalidade e no processo silogístico. Ora, Sexto
empírico contesta, ao princípio de causalidade, sucessão
de fatos concomitantes ou consecutivos. Quanto ao
silogismo, ele o considera um exercício formalístico
vazio, que encerra o pensamento num círculo-vicioso.
Sexto Empírico não reconhece o valor da lógica apodítica
de Aristóteles e se abandona à contigência dos
acontecimentos.” (MONDIN, Battista, p.166-118)
(http://filosofiaprofrodrigues.blogspot.com.br/2010/09/as-escolas-
filosoficas-no-periodo-do.html)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• O cinismo prega principalmente desprezar os bens
materiais, rejeitando as convenções sociais e os desejos
artificiais para reconhecer como legítimas só as necessidades
naturais.
• O epicurismo propunha a ideia de que o ser humano deve
buscar o prazer duradouro da vida. O verdadeiro prazer está na
ausência da dor (aponia) e na falta de perturbação da mente
(ataraxia).
• O estoicismo acreditava afirmava que devemos nos
preocupar em levar uma vida virtuosa neste mundo, no tempo
presente em que vivemos e que perante a nossa impotência
com relação às adversidades da vida, devemos adotar uma
postura resignada diante da morte e das tragédias pessoais.
• O ceticismo considerava que diante de dois argumentos
contrários e ambivalentes, o melhor é suspender o juízo e
desistir em afirmarmos a verdade ou falsidade de uma ou outra
das teses. Portanto, e de modo mais geral, devemos abandonar
a pretensão filosófica de procurar a verdade e aceitarmos os
costumes e as práticas presentes em nosso mundo cotidiano.
Exercícios
1. (ENEM 2012) Para Platão, o que havia de verdadeiro
em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um
objeto de razão e não de sensação, e era preciso
estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto
sensível ou material que privilegiasse o primeiro em
detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a
Doutrina das Ideias formava-se em sua mente.
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo:
Odysseus, 2012 (adaptado)
O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um
aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427
a.C.-346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se
situa diante dessa relação?
a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as
duas.
b) Privilegiando os sentidos e subordinando o
conhecimento a eles.
c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e
sensação são inseparáveis.
d) Afirmando que a razão é capaz de gerar
conhecimento, mas a sensação não.
e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a
sensação é superior à razão.
2. (ENEM 2014)SANZIO, R. Detalhe do afresco A Escola de Atenas. Disponível em:
http://fil.cfh.ufsc.br. Acesso em: 20 mar. 2013.
No centro da imagem, o filósofo Platão e retratado
apontando para o alto. Esse gesto significa que o
conhecimento se encontra em uma instância na qual o
homem descobre a
a) suspensão do juízo como reveladora da verdade.
b) realidade inteligível por meio do método dialético.
c) salvação da condição mortal pelo poder de Deus.
d) essência das coisas sensíveis no intelecto divino.
e) ordem intrínseca ao mundo por meio da sensibilidade.
3. (ENEM 2013) A felicidade é, portanto, a melhor, a
mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses
atributos não devem estar separados como na inscrição
existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é a mais
justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que
amamos”. Todos estes atributos estão presentes nas mais
excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a
identificamos como felicidade.
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo. Cia das Letras. 2010.
Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes
atributos, Aristóteles a identifica como:
a) busca por bens materiais e títulos de nobreza.
b) plenitude espiritual e ascese pessoal.
c) finalidade das ações e condutas humanas.
d) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas.
e) expressão do sucesso individual e reconhecimento
público.
4. (ENEM 2014)
TEXTO I
Olhamos o homem alheio às atividades públicas não
como alguém que cuida apenas de seus próprios
interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses,
decidimos as questões públicas por nós mesmos na crença
de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim no
fato de não estar esclarecido pelo debate antes de chegar a
hora da ação.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: UnB, 1987
(adaptado)
Ciências Humanas e suas Tecnologias
26
TEXTO II
Um cidadão integral pode ser definido por nada mais
nada menos que pelo direito de administrar justiça e
exercer funções públicas; algumas destas, todavia, são
limitadas quanto ao tempo de exercício, de tal modo que
não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela
mesma pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos
intervalos de tempo prefixados.
ARISTÓTELES. Política. Brasília: UnB, 1985.
Comparando os textos I e II, tanto para Tucídides (no
século V a.C.) quanto para Aristóteles (no século IV a.C.),
a cidadania era definida pelo(a)
a) prestígio social.
b) acúmulo de riqueza.
c) participação política.
d) local de nascimento
e) grupo de parentesco.
5. (ENEM 2009) Segundo Aristóteles, “na cidade com o
melhor conjunto de normas e naquela dotada de homens
absolutamente justos, os cidadãos não devem viver uma
vida de trabalho trivial ou de negócios — esses tipos de
vida são desprezíveis e incompatíveis com as qualidades
morais —, tampouco devem ser agricultores os aspirantes
à cidadania, pois o lazer é indispensável ao
desenvolvimento das qualidades morais e à prática das
atividades políticas”.
VAN ACKER, T. Grécia. A vida cotidiana na cidade-Estado. São Paulo:
Atual, 1994.
O trecho, retirado da obra Política, de Aristóteles, permite
compreender que a cidadania:
a) possui uma dimensão histórica que deve ser criticada,
pois é condenável que os políticos de qualquer época
fiquem entregues à ociosidade, enquanto o resto dos
cidadãos tem de trabalhar.
b) era entendida como uma dignidade própria dos
grupos sociais superiores, fruto de uma concepção
política profundamente hierarquizada da sociedade.
c) estava vinculada, na Grécia Antiga, a uma percepção
política democrática, que levava todos os habitantes
da pólis a participarem da vida cívica.
d) tinha profundas conexões com a justiça, razão pela
qual o tempo livre dos cidadãos deveria ser dedicado
às atividades vinculadas aos tribunais.
e) vivida pelos atenienses era, de fato, restrita àqueles
que se dedicavam à política e que tinham tempo para
resolver os problemas da cidade.
6. (ENEM 2014) Alguns dos desejos são naturais e
necessários; outros, naturais e não necessários; outros,
nem naturais nem necessários, mas nascidos de vã
opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não
satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode
ser facilmente desfeito, quando é difícil obter sua
satisfação ou parecem geradores de dano.
EPICURO DE SAMOS. Doutrinas principais. In: SANSON, V. F.
Textos de filosofia. Rio de Janeiro: Eduff, 1974.
No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem
como fim
a) alcançar o prazer moderado e a felicidade.
b) valorizar os deveres e as obrigações sociais.
c) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com
resignação.
d) refletir sobre os valores e as normas dadas pela
divindade.
e) defender a indiferença e a impossibilidade de se
atingir o saber.
GABARITO
1 2 3 4 5 6
D B C C B A
UNIDADE 8
FILOSOFIA PATRISTICA
Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho
de São João e termina no século VIII, quando teve início a
Filosofia medieval.
A patrística resultou do esforço feito pelos dois
apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros
Padres da Igreja para conciliar a nova religião – o
Cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e
romanos, pois somente com tal conciliação seria possível
convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela.
A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa
da evangelização a à defesa da religião cristã contra os
ataques teóricos e morais que recebia dos antigos.
A patrística foi obrigada a introduzir ideias
desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a ideia de
criação do mundo, de pecado original, de Deus como
Trindade uma, de encarnação e morte de Deus, de juízo
final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc.
precisou também explicar como o mal pode existir no
mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é pura
perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo
Agostinho e Boécio, a ideia de “homem interior”, isto é,
da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o
homem se torna responsável pela existência do mal no
mundo.
Para impor as ideias cristãs, os Padres da Igreja as
transformaram em verdades reveladas por Deus (através
da Bíblia e dos Santos) que, por serem decretos divinos,
seriam dogmas, isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com
isso, surge uma distinção, desconhecida pelos antigos,
entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou
humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades
naturais, as primeiras introduzindo a noção de
conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao
simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande
Filosofia
ENEM
27
tema de toda a Filosofia patrística é o da possibilidade ou
impossibilidade de conciliar razão e fé.
SANTO AGOSTINHO
Nascido em Tagasta, na Numídia (atual Argélia), sua
vida divide-se em dois períodos: o período de sua
formação, ocorrido antes da conversão, e o período de sua
conversão ao cristianismo e da produção de suas obras
filosóficas.
Após educar-se em colégios pagãos, não obstante o
fervor cristão de Santa Mônica, sua mãe, Agostinho vai a
Cartago, onde se envolve em aventuras juvenis e tem um
filho. Ingressa em uma seita maniqueísta e torna-se
professor de retórica em Tagasta e, depois, em Cartago.
Depois de passar, como professor, por Roma e Milão, e
de sofrer desilusões espirituais com o maniqueísmo,
converte-se ao cristianismo católico, aceitando a verdade
divinamente revelada e a sabedoria da Igreja. Mas essa
conversão não o satisfaz por completo: há uma lacuna
filosófica que somente será preenchida com a descoberta
de Platão, por meio de filósofos neoplatônicos, como
Plotino, Porfírio,Jâmblico e Apuleio. Realiza, então, uma
síntese do pensamento platônico com o pensamento
cristão, que reinará absoluta nas concepções católicas por
quase mil anos.
Em 386 ouve o “chamado de Deus”, deixa-se batizar,
vende seu patrimônio e volta ao norte da África, onde abre
um mosteiro a fim de aprofundar suas especulações e
entregar-se, por inteiro, à fé. Torna-se padre, em 391, e
bispo, em 395.
Santo Agostinho (354-430)
Segundo Agostinho, Deus é a causa perfeita, explicativa
de todo o ser em suas diversas naturezas e ações. Suas
demonstrações levam à existência divina e a suas
características básicas, como unidade, imutabilidade e
eternidade.
Um dos problemas que atormenta Agostinho é o da
existência do mal. Como justificar que Deus, a suprema
bondade e perfeição, tenha criado o mal? A justificativa
agostiniana é bastante interessante: não existiria o mal em
si, que nunca fora criado propriamente.
Quando Deus cria algo, esse novo ser passa a ter
existência autônoma em relação a Ele, afastando-se de Sua
perfeição. Se Deus criasse coisas que compartilhem, na
plenitude, de sua perfeição, então criaria novos deuses, o
que, em termos lógicos, seria impossível, posto Deus ser
único. Assim, toda a obra de Deus padece de um grau de
imperfeição.
Ora, Agostinho reinterpreta o mal, não como criação em
si, mas como ausência de plenitude da bondade. Deus é a
bondade plena; as coisas criadas, afastam-se dessa
plenitude, tornando-se imperfeitas em bondade e, logo,
adquirindo a “maldade”.
Com essa explicação, Agostinho refuta a tese, também,
de que Deus teria dado ao ser humano a opção de escolher
entre o “bem” e o “mal”, como coisas equivalentes.
Afirma duvidar que fosse desígnio divino dotar as pessoas
da capacidade plena de fazer coisas ruins, disseminando,
assim, a maldade.
Na verdade, os seres humanos estariam no nível mais
distante da criação divina, situando-se entre os seres que
padecem do maior grau de imperfeição. Com isso,
tornam-se incapazes de agir de modo plenamente correto
ou de fazer o bem movidos pela razão. Dada a imperfeição
humana, torna-se suscetível de praticar o mal.
O pensamento agostiniano desvaloriza, de modo
excessivo, o ser humano e sua razão. Visto como um ser
imperfeito, a salvação independe de seus atos racionais.
Deus escolhe previamente aqueles que vai salvar, no
instante da criação, pois é onisciente, e sabe quais os
caminhos que serão seguidos por cada ser humano. Mas,
da perspectiva de cada um, a salvação é obtida no
cotidiano. Então, as pessoas devem manifestar fé em seus
atos, demonstrando, em vida, que estão em contato com
Deus e podem ser salvas.
A ética, assim, consiste na busca da fé como critério que
norteia a ação humana, pois a razão não demonstra que a
pessoa está em contato com Deus. Em concreto, isso
significa respeitar as autoridades que representam a
vontade divina, como a Igreja, independentemente do
valor racional de suas ordens, mas em decorrência da fé.
Essa perspectiva está na raiz do medievo, das imagens
negativas e escuras da vida e na perspectiva de que o ser
humano é falho e limitado. Há uma inegável matriz
platônica: Deus é a ideia máxima (plena, perfeita, eterna)
e os objetos correspondem ao concreto real (limitado,
imperfeito, mortal).
Politicamente, Agostinho estabelece uma distinção
marcante: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus. A
primeira é real, construída por homens, marcada por
instituições imperfeitas, incompletas e injustas. Seus
moradores são pessoas pecadoras, viciosas, que amam
mais a si do que a Deus. Os atos coletivos, como as leis e
os julgamentos, padecem das mesmas imperfeições
humanas, sendo injustos e não levando ao bem comum.
A Cidade de Deus é a obra do Criador mais próxima de
si. Nela estão os santos e as pessoas salvas, que, durante
suas vidas, amaram mais Deus do que a si. As instituições
possuem o grau máximo de perfeição, dada a proximidade
do Criador, sendo suas leis justas e imutáveis.
Algumas questões surgem dessas concepções. As
pessoas que vivem em meio às calamidades da Cidade dos
Homens deveriam fazer algo? Sabendo que a imperfeição
da humanidade a impede de fazer coisas realmente boas,
haveria a necessidade de uma ação política?
Ciências Humanas e suas Tecnologias
28
Agostinho considera a fé fundamental na vida humana.
Somente aqueles que norteiam seus atos pela fé podem ser
salvos. Assim, a resposta às questões acima passa por ela.
Ainda que os humanos sejam incapazes e seus atos
sempre imperfeitos, Deus escolheria alguns para governar.
O objetivo dessa escolha é garantir um mínimo de
segurança para os escolhidos poderem viver com fé. Desse
modo, caberia a todos respeitarem integralmente essa
autoridade que, claro, passaria pela Igreja Católica.
Aqueles escolhidos por Deus para exercerem o poder
político deveriam elaborar leis inspirados naquelas
existentes na Cidade de Deus. O modelo de legislação e
também de justiça torna-se transcendente, devendo ser
encontrado pela fé. Mas, dada a falibilidade humana, essas
leis sempre seriam imperfeitas, por maior que fosse o
esforço dessas autoridades. Mesmo nesse caso, em nome
da segurança, as pessoas deveriam curvar-se, pois não
podem compreender e julgar a escolha inicial, de Deus.
Somente uma ampla obediência à autoridade traria o grau
de segurança necessário para uma vida repleta de fé na
Cidade dos Homens.
Independentemente das críticas que podem ser
apresentadas, sob o ponto de vista racional, à síntese
empreendida por Agostinho, não se pode negar méritos a
seu esforço. Mesmo se admitindo que não explica os
motivos pelos quais Deus, onipotente, cria coisas
imperfeitas, há de se convir que sua filosofia torna-se um
sistema coerente, ainda que com o predomínio da fé.
Também devemos ressaltar o fôlego que adquire,
sobrevivendo por muitos séculos e inspirando a
consolidação da Igreja Católica e da Filosofia Medieval.
(http://filosofiadodireito.info/fildireito/?p=194)
UNIDADE 9
FILOSOFIA ESCOLASTICA
Abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o
período em que a Igreja Romana dominava a Europa,
ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e
criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou
escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas
escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o
nome de Escolástica.
A filosofia medieval teve como influências principais
Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais
conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de
Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que
conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos
árabes, particularmente Avicena e Averrois.
Durante esse período surge propriamente a filosofia
cristã, que é, na verdade, a teologia. Um de seus temas
mais constantes são as provas da existência de Deus e da
alma, isto é, demonstrações racionais da existência do
infinito criador e do espírito humano imortal.
A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito
(homem, mundo), a diferença e separação entre corpo
(matéria) e alma (espírito), o Universo como uma
hierarquia de seres, onde os superiores dominam e
governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma,
corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do
poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de
papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia
medieval.
Outra característica marcante da Escolástica foi o
método por ela inventado para expor as ideias filosóficas
conhecido como disputa: apresentava-se uma tese e esta
devia ser ou refutada ou defendida por argumentos tirados
da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de outros Padres da
Igreja.
Assim, uma ideia era considerada uma tese verdadeira
ou falsa dependendo da forçae da qualidade dos
argumentos encontrados nos vários autores. Por causa
desse método de disputa – teses, refutações, defesas,
respostas, conclusões baseadas em escritos de outros
autores –, costuma-se dizer que, na Idade Média, o
pensamento estava subordinado ao principio da
autoridade, isto é, uma ideia é considerada verdadeira se
for baseada nos argumentos de uma autoridade
reconhecida (bíblia, Platão, Aristóteles, um papa, um
santo).
Os teólogos medievais mais importantes foram: Pedro
Abelardo, Johannes Duns Scotus, João Escoto Erígena,
Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto
Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São
Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e
Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides,
Yeudah bem Levi.
SANTO TOMÁS DE AQUINO
Após uma longa preparação e um desenvolvimento
promissor, a escolástica chega ao seu ápice com Tomás de
Aquino. Adquire plena consciência dos poderes da razão,
e proporciona finalmente ao pensamento cristão uma
filosofia. Assim, converge para Tomás de Aquino não
apenas o pensamento escolástico, mas também o
pensamento patrístico, que culminou com Agostinho, rico
de elementos helenistas e neoplatônicos, além do
patrimônio de revelação judaico-cristã, bem mais
importante.
Para Tomás de Aquino, porém, converge diretamente o
pensamento helênico, na sistematização imponente de
Aristóteles. O pensamento de Aristóteles, pois, chega a
Tomás de Aquino enriquecido com os comentários
pormenorizados, especialmente árabes.
Santo Tomás de Aquino (1225-1274)
Filosofia
ENEM
29
Diversamente do agostinianismo, e em harmonia com o
pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia como
uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o
problema do mundo. Considera também a filosofia como
absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser
o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia
evidente e racional.
A gnosiologia tomista - diversamente da agostiniana e
em harmonia com a aristotélica - é empírica e racional,
sem inatismos e iluminações divinas. O conhecimento
humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o
segundo pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível
do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a
assim chamada espécie sensível . Esta é a impressão, a
imagem, a forma do objeto material na alma, isto é, o
objeto sem a matéria: como a impressão do sinete na cera,
sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido
pelo olho, sem a materialidade do ouro.
O conhecimento intelectual depende do conhecimento
sensível, mas transcende-o. O intelecto vê em a natureza
das coisas - intus legit - mais profundamente do que os
sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie
sensível - que representa o objeto material na sua
individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas
sem a matéria - o inteligível, o universal, a essência das
coisas é contida apenas implicitamente, potencialmente.
Para que tal inteligível se torne explícito, atual, é preciso
extraí-lo, abstraí-lo, isto é, desindividualizá-lo das
condições materiais. Tem-se, deste modo, a espécie
inteligível, representando precisamente o elemento
essencial, a forma universal das coisas.
Pelo fato de que o inteligível é contido apenas
potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente
que abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível
do fantasma ou representação sensível. Este intelecto
agente é como que uma luz espiritual da alma, mediante a
qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no
entanto, é absolutamente desprovido de conteúdo ideal,
sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o
inatismo agostiniano. E, ademais, é uma faculdade da
alma individual, e não advém de fora, como pretendiam
ainda o iluminismo agostiniano e o panteísmo averroísta.
O intelecto que propriamente entende o inteligível, a
essência, a idéia, feita explícita, desindividualizada pelo
intelecto agente, é o intelecto passivo, a que pertencem as
operações racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar,
elaborar as ciências até à filosofia.
Como no conhecimento sensível, a coisa sentida e o
sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie
sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente,
acontece no conhecimento intelectual, mediante a espécie
inteligível, entre o objeto conhecido e o sujeito que
conhece. Compreendendo as coisas, o espírito se torna
todas as coisas, possui em si, tem em si mesmo imanentes
todas as coisas, compreendendo-lhes as essências, as
formas.
É preciso claramente salientar que, na filosofia de
Tomás de Aquino, a espécie inteligível não é a coisa
entendida, quer dizer, a representação da coisa (id quod
intelligitur), pois, neste caso, conheceríamos não as
coisas, mas os conhecimentos das coisas, acabando,
destarte, no fenomenismo. Mas, a espécie inteligível é o
meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais (é,
logo, id quo intelligitur ). E isto corresponde
perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos
garante conhecermos coisas e não idéias; mas as coisas
podem ser conhecidas apenas através das espécies e das
imagens, e não podem entrar fisicamente no nosso
cérebro.
O conceito tomista de verdade é perfeitamente
harmonizado com esta concepção realista do mundo, e é
justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade
lógica não está nas coisas e nem sequer no mero intelecto,
mas na adequação entre a coisa e o intelecto: veritas est
adaequatio speculativa mentis et rei . E tal adequação é
possível pela semelhança entre o intelecto e as coisas, que
contêm um elemento inteligível, a essência, a forma, a
idéia. O sinal pelo qual a verdade se manifesta à nossa
mente, é a evidência; e, visto que muitos conhecimentos
nossos não são evidentes, intuitivos, tornam-se
verdadeiros quando levados à evidência mediante a
demonstração.
Todos os conhecimentos sensíveis são evidentes,
intuitivos, e, por consequência, todos os conhecimentos
sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos
sentidos nada mais são que falsas interpretações dos dados
sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo contrário, no campo
intelectual, poucos são os nossos conhecimentos
evidentes. São certamente evidentes os princípios
primeiros (identidade, contradição, etc.). Os
conhecimentos não evidentes são reconduzidos à
evidência mediante a demonstração, como já dissemos. É
neste processo demonstrativo que se pode insinuar o erro,
consistindo em uma falsa passagem na demonstração, e
levando, destarte, à discrepância entre o intelecto e as
coisas.
A demonstração é um processo dedutivo, isto é, uma
passagem necessária do universal para o particular. No
entanto, os universais, os conceitos, as idéias, não são
inatas na mente humana, como pretendia o
agostinianismo, e nem sequer são inatas suas relações
lógicas, mas se tiram fundamentalmente da experiência,
mediante a indução, que colhe a essência das coisas. A
ciência tem como objeto esta essência das coisas,
universal e necessária.
A METAFÍSICA
A metafísica tomista pode-se dividir em geral e
especial. A metafísica geral - ou ontologia - tem como
objeto o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A
metafísica especial estuda o ser em suas grandes
especificações: Deus, o espírito, o mundo. Daí temos a
teologia racional - assim chamada, para distingui-la da
teologia revelada; a psicologia racional (racional,
porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna
psicologia empírica, que é ciência experimental); a
cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza
Ciências Humanas e suas Tecnologias
30
em suas causas primeiras, ao passo que a ciência
experimental estuda a naturezaem suas causas segundas).
O princípio básico da ontologia tomista é a
especificação do ser em potência e ato. Ato significa
realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade,
imperfeição. Não significa, porém, irrealidade absoluta,
mas imperfeição relativa de mente e capacidade de
conseguir uma determinada perfeição, capacidade de
concretizar-se. Tal passagem da potência ao ato é o vir-a-
ser, que depende do ser que é ato puro; este não muda e
faz com que tudo exista e venha-a-ser. Opõe-se ao ato
puro a potência pura que, de per si, naturalmente é irreal, é
nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se
matéria.
A NATUREZA
Uma determinação, especificação do princípio de
potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio
da matéria e de forma. Este princípio vale unicamente
para a realidade material, para o mundo físico, e interessa
portanto especialmente à cosmologia tomista. A matéria
não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma,
pela qual é determinada, como a potência é determinada,
como a potência é determinada pelo ato. É necessária para
a forma, a fim de que possa existir um ser completo e real
(substância). A forma é a essência das coisas (água, ouro,
vidro) e é universal. A individuação, a concretização da
forma, essência, em vários indivíduos, que só realmente
existem (esta água, este ouro, este vidro), depende da
matéria, que portanto representa o princípio de
individuação no mundo físico. Resume claramente
Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: "Na
filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda
substância corpórea é um composto de duas partes
substanciais complementares, uma passiva e em si mesma
absolutamente indeterminada (a matéria), outra ativa e
determinante (a forma)" .
Além destas duas causas constitutivas (matéria e forma),
os seres materiais têm outras duas causas: a causa
eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz
surgir um determinado ser na realidade, é a que realiza o
sínolo , a saber, a síntese daquela determinada matéria
com a forma que a especifica. A causa final é o fim para
que opera a causa eficiente; é esta causa final que
determina a ordem observada no universo. Em conclusão:
todo ser material existe pelo concurso de quatro causas -
material, formal, eficiente, final; estas causas constituem
todo ser na realidade e na ordem com os demais seres do
universo físico.
O ESPÍRITO
Quando a forma é princípio da vida, que é uma
atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma.
Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que
se alimenta, cresce e se reproduz), e os animais (alma
sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se
move). Entretanto, a psicologia racional , que diz respeito
ao homem, interessa apenas a alma racional. Além de
desempenhar as funções da alma vegetativa e sensitiva, a
alma racional entende e quer, pois segundo Tomás de
Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma
alma só em cada indivíduo; e a alma superior cumpre as
funções da alma inferior, como a mais contém o menos.
No homem existe uma alma espiritual - unida com o
corpo, mas transcendendo-o - porquanto além das
atividades vegetativa e sensitiva, que são materiais, se
manifestam nele também atividades espirituais, como o
ato do intelecto e o ato da vontade. A atividade intelectiva
é orientada para entidades imateriais, como os conceitos;
e, por conseqüência, esta atividade tem que depender de
um princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a
alma racional. Assim, a vontade humana é livre,
indeterminada - ao passo que o mundo material é regido
por leis necessárias. E, portanto, a vontade não pode ser
senão a faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou
seja, da alma racional, que pelo fato de ser imaterial, isto
é, espiritual, não é composta de partes e, por conseguinte,
é imortal.
Como a alma espiritual transcende a vida do corpo
depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a
origem material do corpo e é criada imediatamente por
Deus, com relação ao respectivo corpo já formado, que a
individualiza. Mas, diversamente do dualismo platônico-
agostiniano, Tomás sustenta que a alma, espiritual
embora, é unida substancialmente ao corpo material, de
que é a forma. Desse modo o corpo não pode existir sem a
alma, nem viver, e também a alma, por sua vez, ainda que
imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu
instrumento indispensável.
DEUS
Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem
da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a
doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional
tomista depende - e mais intimamente ainda - da doutrina
da potência e do ato. Contrariamente à doutrina
agostiniana que pretendia ser Deus conhecido
imediatamente por intuição, Tomás sustenta que Deus não
é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente
por demonstração; entretanto esta demonstração é sólida e
racional, não recorre a argumentações a priori , mas
unicamente a posteriori , partindo da experiência, que sem
Deus seria contraditória.
As provas tomistas da experiência de Deus são cinco:
mas todas têm em comum a característica de se firmar em
evidência (sensível e racional), para proceder à
demonstração, como a lógica exige. E a primeira dessas
provas - que é fundamental e como que norma para as
outras - baseia-se diretamente na doutrina da potência e do
ato. "Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja
solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma
experiência sensível, que pode ser a constatação do
movimento, das causas, do contingente, dos graus de
perfeição das coisas ou da ordem que entre elas reina; e
uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende
o movimento ao imóvel, as causas segundas à causa
Filosofia
ENEM
31
primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao
perfeito, a ordem à inteligência ordenadora".
Se conhecermos apenas indiretamente, pelas provas, a
existência de Deus, ainda mais limitado é o conhecimento
que temos da essência divina, como sendo a que
transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o
Aquinate, antes de tudo sabemos o que Deus não é
(teologia negativa), entretanto conhecemos também algo
de positivo em torno da natureza de Deus, graças
precisamente à famosa doutrina da analogia. Esta doutrina
é solidamente baseada no fato de que o conhecimento
certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas,
porquanto o efeito deve ter semelhança com a causa. A
doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a
Deus as perfeições criadas positivas, tirando, porém, as
imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade.
O que conhecemos a respeito de Deus é, portanto, um
conjunto de negações e de analogias; e não é falso, mas
apenas incompleto.
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/aquino.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• A afirmação de Santo Agostinho Credo ut intelligam
(Creio para que possa entender) expressa o seu interesse com
a relação entre fé e a razão, mostrando que sem a fé a razão é
incapaz de alcançar a salvação e a felicidade para o homem. A
razão funciona como um auxiliar da fé fazendo compreensível
aquilo que é revelado intuitivamente pela fé.
• Segundo Santo Agostinho livre arbítrio é a causa de todo
mal que existe. O mal não existe enquanto substância própria:
ele é a ausência do bem, ou seja, a ausência de Deus. Mas a
verdadeira liberdade estaria na harmonia das ações humanas
com a vontade de Deus.
• Politicamente, Agostinho estabelece uma distinção
marcante: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus. A
primeira é real, construída por homens, marcada por instituições
imperfeitas, incompletas e injustas e na segunda estão os
santos e as pessoas salvas e nela as instituições possuem ograu máximo de perfeição sendo suas leis justas e imutáveis.
• Segundo São Tomás de Aquino o conhecimento humano
tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo
pressupõe o primeiro. Nosso conhecimento do mundo é
adquirido por meio da experiência sensorial, mas, além disso, é
necessário que o intelecto agente (reflexão), próprio do ser
humano, pense nos objetos fornecidos pelos sentidos.
• Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser
Deus conhecido imediatamente por intuição, São Tomás
sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é
cognoscível unicamente por demonstração para isso propõe
cinco argumentos ou provas da existência de Deus: o primeiro
motor imóvel, a causa eficiente, o ser necessário, o ser perfeito
e a inteligência ordenadora.
• Deus é a causa de tudo, mas não age diretamente nos
fatos da criação. Ele instaurou um sistema de leis, causas
segundas, ordenando cada um dos domínios naturais segundo
sua especificidade própria.
Exercícios
1. (ENEM 2015) A casa de Deus, que acreditam una, está,
portanto, dividida em três: uns oram, outros combatem,
outros, enfim, trabalham. Essas três partes que coexistem
não suportam ser separadas; os serviços prestados por uma
são a condição das obras das outras duas; cada uma por
sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto... Assim a lei
pode triunfar e o mundo gozar da paz.
ALDALBERON DE LAON. In: SPINOSA, F. Antologia de textos
históricos medievais.
Lisboa: Sá da Costa, 1981.
A ideologia apresentada por Aldalberon de Laon foi
produzida durante a Idade Média. Um objetivo de tal
ideologia e um processo que a ela se opôs estão indicados,
respectivamente, em:
a) Justificar a dominação estamental / revoltas
camponesas.
b) Subverter a hierarquia social / centralização
monárquica.
c) Impedir a igualdade jurídica / revoluções burguesas.
d) Controlar a exploração econômica / unificação
monetária.
e) Questionar a ordem divina / Reforma Católica.
2. (ENEM 2015)
Calendário medieval, século XV.
Disponível em: www.ac-grenoble.fr. Acesso em: 10 maio 2012.
Os calendários são fontes históricas importantes, na
medida em que expressam a concepção de tempo das
sociedades. Essas imagens compõem um calendário
medieval (1460-1475) e cada uma delas representa um
mês, de janeiro a dezembro. Com base na análise do
calendário, apreende-se uma concepção de tempo
a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno.
b) humanista, identificada pelo controle das hora de
atividade por parte do trabalhador.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
32
c) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o
trabalho.
d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo
com as estações do ano.
e) romântica, definida por uma visão bucólica da
sociedade.
3. (ENEM 2013) Quando alguém duvida da existência de
um outro mundo, a morte é uma passagem que deve ser
celebrada entre parentes e vizinhos. O homem da Idade
Média tem a convicção de não desaparecer
completamente, esperando a ressurreição. Pois nada se
detém e tudo continua na eternidade. A perda
contemporânea do sentimento religioso fez da morte uma
provação aterrorizante, um trampolim para as trevas e o
desconhecido.
DUBY, G. Ano 2000 na pista dos nossos medos. São Paulo: Unesp.
1998 (adaptado)
Ao comparar as maneiras com que as sociedades têm
lidado com a morte, o autor considera que houve um
processo de:
a) mercantilização das crenças religiosas.
b) transformação das representações sociais.
c) disseminação do ateísmo nos países de maioria cristã.
d) diminuição da distância entre saber científico e
eclesiástico.
e) amadurecimento da consciência ligada à civilização
moderna.
4. (ENEM 2010/2) Quando Édipo nasceu, seus pais, Laio
e Jocasta, os reis de Tebas, foram informados de uma
profecia na qual o filho mataria o pai e se casaria com a
mãe. Para evitá-la, ordenaram a um criado que matasse o
menino. Porém, penalizado com a sorte de Édipo, ele o
entregou a um casal de camponeses que morava longe de
Tebas para que o criasse. Édipo soube da profecia quando
se tornou adulto. Saiu então da casa de seus pais para
evitar a tragédia. Eis que, perambulando pelos caminhos
da Grécia, encontrou-se com Laio e seu séquito, que,
insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo
reagiu e matou todos os integrantes do grupo, sem saber
que entre eles estava seu verdadeiro pai. Continuou a
viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge.
Ele decifrou o enigma da Esfinge, tornou-se rei de Tebas e
casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia.
Disponível em: http://www.culturabrasil.org. Acesso em 28 ago. 2010
(adaptado)
No mito Édipo Rei, são dignos de destaque os temas do
destino e do determinismo. Ambos são características do
mito grego e abordam a relação entre liberdade humana e
providência divina. A expressão filosófica que toma como
pressuposta a tese do determinismo é:
a) "Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu
tinha de mim mesmo." Jean Paul Sartre
b) "Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que
Deus nela escreva o que quiser." Santo Agostinho
c) "Quem não tem medo da vida também não tem medo
da morte." Arthur Schopenhauer
d) "Não me pergunte quem sou eu e não me diga para
permanecer o mesmo." Michel Foucault
e) "O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua
imagem e semelhança." Friedrich Nietzsche
5. (ENEM 2015) Ora, em todas as coisas ordenadas a
algum fim é preciso haver algum dirigente, pelo qual se
atinja diretamente o devido fim. Com efeito, um navio,
que se move para diversos lados pelo impulso dos ventos
contrários, não chegaria ao fim de destino, se por indústria
do piloto não fosse dirigido ao porto; ora, tem o homem
um fim, para o qual se ordenam toda a sua vida e ação.
Acontece, porém, agirem os homens de modos diversos
em vista do fim, o que a própria diversidade dos esforços
e ações humanas comprova. Portanto, precisa o homem de
um dirigente para o fim.
AQUINO, T. Do reino ou do governo dos homens: ao rei do Chipre.
Escritos políticos de São Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1995
(adaptado).
No trecho citado, Tomás de Aquino justifica a monarquia
como o regime de governo capaz de
a) refrear os movimentos religiosos contestatórios.
b) promover a atuação da sociedade civil na vida
política.
c) unir a sociedade tendo em vista a realização do bem
comum.
d) reformar a religião por meio do retorno à tradição
helenística.
e) dissociar a relação política entre os poderes temporal
e espiritual.
Gabarito
1 2 3 4 5
A D B B C
UNIDADE 10
FILOSOFIA MODERNA
A efervescência teórica e prática foi alimentada com as
grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem
o conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras
e novas gentes, permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua
própria sociedade. Essa efervescência cultural e política
levou a críticas profundas à Igreja Romana, culminando
na Reforma Protestante, baseada na ideia de liberdade de
crença e de pensamento. À Reforma a Igreja respondeu
com a Contra-Reforma e com o recrudescimento do poder
da Inquisição.
Esse período, conhecido como o Grande Racionalismo
Clássico, é marcado por três mudanças intelectuais:
Filosofia
ENEM
33
1. Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do
conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar
seu trabalho conhecendo a Natureza de Deus, para depois
referir-se ao homem, começa indagando qual é a
capacidade do intelecto humano para conhecer e
demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras
palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela
volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua
capacidade de conhecer.
O ponto de partida é o sujeito do conhecimento comoconsciência de si reflexiva, isto é, como consciência que
conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do
conhecimento é um intelecto no interior de uma alma, cuja
natureza e substância é completamente diferente da
natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos
exteriores.
Por isso, a segunda pergunta da Filosofia, depois de
respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é:
Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é
diferente dele? Como pode conhecer os corpos da
Natureza?
2. A resposta à pergunta acima constitui a segunda
grande mudança intelectual dos modernos, e essa
mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os
modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e
política) podem ser conhecidas desde que sejam
consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos
formulados pelo sujeito do conhecimento.
Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser
conhecido deve poder ser transformado em um conceito
ou numa ideia clara e distinta, demonstrável e necessária,
formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza
e a sociedade ou política podem ser inteiramente
conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si
mesmas, isto é, são racionais em si mesmas e propensas a
serem representadas pelas ideias do sujeito do
conhecimento.
3. Essa concepção da realidade como intrinsecamente
racional e que pode ser plenamente captada pelas ideias e
conceitos preparou a terceira grande mudança intelectual
moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida
como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja
estrutura profunda e invisível e matemática. O “livro do
mundo”, diz Galileu, está escrito em caracteres
matemáticos.
A realidade, concebida como sistema racional de
mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência
clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são
descritos, explicados e interpretados todos os fatos da
realidade: astronomia, física, química, psicologia, política,
artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo
mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e
efeito entre um agente e um paciente.
A realidade é um sistema de causalidades racionais
rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo
homem. Nasce a ideia de experimentação e de tecnologia
(conhecimento teórico que orienta as intervenções
práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar
tecnicamente a Natureza e a sociedade.
Predomina, assim, nesse período, a ideia de conquista
científica e técnica de toda a realidade, a partir da
explicação mecânica e matemática do Universo e da
invenção das máquinas, graças às experiências físicas e
químicas.
Existe também a convicção de que a razão humana é
capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das
paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo
intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las, de sorte
que a vida ética pode ser plenamente racional.
A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto
é, a ideia de que a razão é capaz de definir para cada
sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo
racionalmente.
UNIDADE 11
MAQUIAVEL
O REALISMO POLÍTICO
O filósofo italiano Nicolau Maquiavel é considerado o
fundador do pensamento político moderno, porque
desenvolveu a sua filosofia política em um quadro teórico
completamente diferente do que se tinha até então.
Vimos que, no pensamento antigo, a política estava
relacionada com a ética e que, na Idade Média, essa ideia
permaneceu, acrescida dos valores cristãos. Ou seja, o
bom governante seria aquele que possuísse as virtudes
cristãs e que as implementasse no exercício do poder
político.
Maquiavel observou, porém, que havia uma distância,
entre o ideal de política e a realidade política da sua
época. Por isso escreveu o livro O príncipe, com o
propósito de tratar da política tal como ela se dá, ou seja,
sem pretender fazer uma teoria da política ideal, mas, ao
contrário, compreender e esclarecer os princípios da
política real. Dessa forma, ele se afastou da concepção
idealizada de política.
Nicolau Maquiavel (1469-1527)
Maquiavel centrou a sua reflexão na constatação de que
o poder político tem como função regular as lutas e
tensões entre as classes sociais que, conforme ele, eram
basicamente duas: a classe dos poderosos e o povo. Essas
Ciências Humanas e suas Tecnologias
34
lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que seria
uma ilusão buscar um bem comum para todos.
Mas, se a política não tem como objetivo o bem comum,
qual seria o seu objetivo então?
Maquiavel respondeu: a política tem como objetivo a
manutenção do poder. E, para manter o poder, o
governante deve lutar com todas as armas possíveis,
ficando sempre atento às correlações de forças que se
mostram a cada instante. Isso significa que a ação política
não cabe nos limites do juízo moral. O governante deve
fazer aquilo que, a cada momento, se mostra interessante
para conservar o seu poder. Não se trata, portanto, de uma
decisão moral, mas sim de uma decisão que atende à
lógica do poder. É por isso que, para Maquiavel, os fins
justificam os meios. Ele se pergunta:
E melhor ser amado que temido ou o contrário?
Respoder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa;
mas, como é difícil casá-las, é muito mais seguro ser
temido que amado, quando se haja de optar por uma
das alternativas.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe, p. 108.
Em O príncipe, Maquiavel faz uma análise objetiva, não
moral dos atos de diversos governantes, procurando
mostrar em que momentos as suas opções políticas foram
interessantes para a manutenção do poder. Deve-se a essa
franqueza despudorada maquiaveliana o uso do termo
maquiavélico, que passou a designar o comportamento
“sem moral”, “desleal”.
Mas o que se deve reter do pensamento de Maquiavel é
que ele inaugura um novo patamar de reflexão política que
procura compreender e descrever a ação política tal como
ela se dá realmente. Este é o mérito de Maquiavel: ter
compreendido que a política, no início da Idade Moderna,
se desvinculava das esferas da moral e da religião,
constituindo-se em uma esfera autônoma.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. pp. 299-300)
MAQUIAVEL E O PENSAMENTO POLÍTICO
A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do
Príncipe, foi a separação da política da ética. A tradição
ocidental, exatamente como a tradição chinesa, ligava
tanto a ciência como a atividade política à ética.
Aristóteles tinha resumido esta posição quando definiu a
política como uma mera extensão da ética. A tradição
ocidental via a política em termos claros, de certo e
errado, justo e injusto, correto e incorreto, e assim por
diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as
ações humanas eram os termos empregues para avaliar as
ações políticas.
Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os
fenômenos sociais nos seus próprios termos sem recurso à
ética ou à jurisprudência. De fato pode-se considerar
Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo
a aplicar o método científico de Aristóteles e de Averróis
à política. Fê-lo observando os fenômenos políticos, e
lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e
descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios
termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa:
conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o
resto - a religião, a moral, etc. - que era associado à
política nada tinha a ver com este aspecto fundamental -
tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à
conquista e à manutenção do poder. A única coisa que
verdadeiramente interessa para a conquista e a
manutenção do poder é ser calculista; o político bem
sucedido sabeo que fazer ou o que dizer em cada
situação.
Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no
Príncipe única e simplesmente os meios pelos quais
alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo.
A maioria dos exemplos que deu são falhanços. De fato, o
livro está cheio de momentos intensos, já que a qualquer
momento, se um governante não calculou bem uma
determinada ação, o poder e a autoridade que cultivou tão
assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O
mundo social e político do Príncipe é completamente
imprevisível, sendo que só a mente mais calculista pode
superar esta volatilidade.
Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só
tece elogios aos vencedores. Por esta razão, mostra
admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio
II devido ao seu extraordinário sucesso militar e político,
sendo eles odiados universalmente em toda a Europa
como papas ímpios. A sua recusa em permitir que
princípios éticos interferissem na sua teoria política
marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente,
como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas
obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel.
Em capítulos como «De que modo os príncipes devem
cumprir a sua palavra» (cap. XVIII) Maquiavel afirma que
todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista,
consolidação e manutenção do poder. A resposta à
pergunta formulada mais acima, por exemplo, é que:
«Todos concordam que é muito louvável um príncipe
respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem
astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso
tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que
não ligaram muita importância à fé dada e que souberam
cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim,
ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade».
Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar
que não está a falar sobre o estado em termos éticos, mas
sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que
a situação italiana era desesperada e que o estado
Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao
problema de um ponto de vista ético, Maquiavel
preocupou-se genuinamente em curar o estado para o
tornar mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos
revoltados, Maquiavel não apresenta um argumento ético,
mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados
antes que infectem o estado inteiro.»
O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú
(virtus em Latim), que é relacionado normalmente com
«virtude». Mas de fato, Maquiavel utiliza-a mais no
sentido latino de «viril», já que os indivíduos com virtú
são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de
impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto
Filosofia
ENEM
35
numa combinação de caráter, força, e cálculo. Numa das
passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve
qual é a maneira mais apropriada para responder a
volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-a a
uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à
tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o
objeto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O
príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem implora a
Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o
que quer. Esta passagem, já escandalosa na época,
representa uma tradução clara da ideia renascentista do
potencial humano aplicado à política. É que, de acordo
com Pico della Mirandola, se um ser humano podia
transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a
um indivíduo de caráter forte pôr ordem no caos da vida
política.
(http://www.arqnet.pt/portal/teoria/maquiavel.html)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Contrariamente ao pensamento tradicional de que o
objetivo principal da política é o bem comum Maquiavel afirmou
que o objetivo dela é a manutenção do poder. E, para manter o
poder, o governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se
mostre interessante para conservar o seu poder. Isso significa
que a ação política não cabe nos limites do juízo moral. Desse
modo, os fins justificam os meios.
• Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar
e manter o poder ou a autoridade. A moral e a religião só eram
relevantes, eventualmente, se ajudassem à conquista e à
manutenção desse poder.
• O poder político tem como função essencial regular as
lutas e tensões entre as classes sociais dos poderosos e o
povo. Essas lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que
seria uma ilusão buscar um bem comum para todos.
• As paixões que regem o comportamento humano são o
amor, o ódio, o temor e o desprezo. Para o governante interessa
cultivar em seus súditos o temor e o amor e evitar o ódio e o
desprezo.
• Para Maquiavel os indivíduos com virtú são definidos
fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade
em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de caráter,
força, e cálculo.
Exercícios
1. (ENEM 2011) Acompanhando a intenção da burguesia
renascentista de ampliar seu domínio sobre a natureza e
sobre o espaço geográfico, através da pesquisa científica e
da invenção tecnológica, os cientistas também iriam se
atirar nessa aventura, tentando conquistar a forma, o
movimento, o espaço, a luz, a cor e mesmo a expressão e
o sentimento.
SEVCENKO, N. O Renascimento. Campinas: Unicamp, 1984.
O texto apresenta um espírito de época que afetou também
a produção artística, marcada pela constante relação entre:
a) fé e misticismo.
b) ciência e arte.
c) cultura e comércio.
d) política e economia.
e) astronomia e religião.
2. (ENEM 2013) Nasce daqui uma questão: se vale mais
ser amado que temido ou temido que amado. Responde-se
que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é
difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que
amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos
homens se pode dizer, duma maneira geral. Que são
ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de
lucro, e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus.
Oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, quando,
como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele
chega, revoltam-se.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.
A partir da análise histórica do comportamento humano
em suas relações sociais e políticas. Maquiavel define o
homem como um ser:
a) munido de virtude, com disposição nata a praticar o
bem a si e aos outros.
b) possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para
alcançar êxito na política.
c) guiado por interesses, de modo que suas ações são
imprevisíveis e inconstantes.
d) naturalmente racional, vivendo em um estado pré-
social e portando seus direitos naturais.
e) sociável por natureza, mantendo relações pacíficas
com seus pares.
3. (ENEM 2012) Não ignoro a opinião antiga e muito
difundida de que o que acontece no mundo é decidido por
Deus e pelo acaso.
Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às
grandes transformações ocorridas, e que ocorrem
diariamente, as quais escapam à conjectura humana. Não
obstante, para não ignorar inteiramente o nosso livre-
arbítrio, creio que se pode aceitar que a sorte decida
metade dos nossos atos, mas [o livre-arbítrio] nos permite
o controle sobre a outra metade.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Brasília: EdUnB, 1979 (adaptado)
Em O Príncipe, Maquiavel refletiu sobre o exercício do
poder em seu tempo. No trecho citado, o autor demonstra
o vínculo entre o seu pensamento político e o humanismo
renascentista ao:
a) valorizar a interferência divina nos acontecimentos
definidores do seu tempo.
b) rejeitar a intervenção do acaso nos processos
políticos.
c) afirmar a confiança na razão autônoma como
fundamento da ação humana.
d) romper com a tradição que valorizava o passado
como fonte de aprendizagem.
e) redefinir a ação política com base na unidade entre fé
e razão.Ciências Humanas e suas Tecnologias
36
4. (ENEM 2010/1) O príncipe, portanto, não deve se
incomodar com a reputação de cruel, se seu propósito é
manter o povo unido e leal. De fato, com uns poucos
exemplos duros poderá ser mais clemente do que outros
que, por muita piedade, permitem os distúrbios que levem
ao assassínio e ao roubo.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2009.
No século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe, reflexão
sobre a Monarquia e a função do governante.
A manutenção da ordem social, segundo esse autor,
baseava-se na:
a) inércia do julgamento de crimes polêmicos.
b) bondade em relação ao comportamento dos
mercenários.
c) compaixão quanto à condenação dos servos
d) neutralidade diante da condenação dos servos.
e) conveniência entre o poder tirânico e a moral do
príncipe
5. (ENEM 2012)
Charge anônima. BURKE, P. A fabricação do rei. Rio de Janeiro:
Zahar, 1994.
Na França, o rei Luís XIV teve sua imagem fabricada por
um conjunto de estratégias que visavam sedimentar uma
determinada noção de soberania. Neste sentido, a charge
apresentada demonstra:
a) a humanidade do rei, pois retrata um homem comum,
sem os adornos próprios à vestimenta real.
b) a unidade entre o público e o privado, pois a figura do
rei com a vestimenta real representa o público e sem a
vestimenta real, o privado.
c) o vínculo entre monarquia e povo, pois leva ao
conhecimento do público a figura de um rei
despretensioso e distante do poder político.
d) o gosto estético refinado do rei, pois evidencia a
elegância dos trajes reais em relação aos de outros
membros da corte.
e) a importância da vestimenta para a constituição
simbólica do rei, pois o corpo político adornado
esconde os defeitos do corpo pessoal.
GABARITO
1 2 3 4 5
B C C E E
UNIDADE 12
FRANCIS BACON
O iniciador do empirismo é Francis Bacon. Enalteceu
ele a experiência e o método dedutivo de tal modo, que o
transcendente e a razão acabam por desaparecer na
sombra. Falta-lhe, no entanto, a consciência crítica do
empirismo, que foram aos poucos conquistando os seus
sucessores e discípulos até Hume. Ademais, Bacon
continua afirmando - mais ou menos logicamente - o
mundo transcendente e cristão; antes, continua a
considerar a filosofia como esclarecedora da essência da
realidade, das formas, sustentáculo e causa dos fenômenos
sensíveis. É uma posição filosófica que apela para a
metafísica tradicional, grega e escolástica, aristotélica e
tomista. Entretanto, acontece em Bacon o que aconteceu a
muitos pensadores da Renascença, e o que acontecerá a
muitos outros pensadores do empirismo e do
racionalismo: isto é, a metafísica tradicional persiste neles
todos histórica e praticamente ao lado da nova filosofia,
tanto mais quanto esta é menos elaborada, acabada e
consciente de si mesma.
Francis Bacon (1561-1626)
É quase inacreditável que o imenso saber e as
realizações literárias desse homem fossem apenas os
incidentes e as digressões de uma turbulenta carreira
política. Era seu lema que se vivia melhor na vida oculta -
bene vixit qui bene latuit. Não conseguia chegar a uma
conclusão sobre se gostava mais da vida contemplativa ou
da ativa. Sua esperança era de ser filósofo e estadista,
também, como Sêneca; embora desconfiasse de que essa
dupla direção de sua vida fosse encurtar o seu alcance e
reduzir suas realizações. "É difícil dizer", escreve ele, e
"se a mistura de contemplações com uma vida ativa ou o
retiro inteiramente dedicado a contemplações é o que mais
incapacita ou prejudica a mente." Achava que os estudos
não podiam ser um fim ou a sabedoria por si sós, e que o
conhecimento não aplicado em ação era uma pálida
vaidade acadêmica. "Dedicar-se em demasia aos estudos é
indolência; usá-los em demasia como ornamento é
afetação; fazer julgamentos seguindo inteiramente suas
regras é o capricho de um scholar. (...) Os homens astutos
condenam os estudos, os homens simples os admiram, e os
homens sábios se utilizam deles, obtida graças à
Filosofia
ENEM
37
observação." Eis uma nova nota que marca o fim da
escolástica - isto é, o divórcio entre o conhecimento e o
uso e a observação - e coloca aquela ênfase na experiência
e nos resultados que distingue a filosofia inglesa, e
culmina no pragmatismo.
A "INSTAURATIO MAGNA"
A Instauratio magna scientiarum deveria ter
precisamente representado a reforma do saber, deveria ter
constituído a summa philosophica dos tempos novos, e
lançado o fundamento do regnum hominis, tão
audazmente iniciado pela ciência e pela política da
Renascença. Essa obra deveria ter abraçado a enciclopédia
das ciências e compreendido também as técnicas, segundo
o novo ideal humano e prático e imanentista. Começa-se,
portanto, com a classificação geral das disciplinas
humanas, baseada no respectivo predomínio das três
faculdades que presidem à organização do saber:
memória, fantasia, razão. Essa classificação é baseada não
no objeto do conhecimento, e sim no sujeito que conhece.
1) História tanto civil quanto natural, que registra
(memória) os dados de fato; 2) Poesia, elaboração
imaginativa desses dados; 3) Ciência ou filosofia, isto é,
conhecimento racional de Deus, do homem e da natureza.
A teologia natural de Bacon não exclui, mas prescinde
da revelação cristã e da religião positiva. A ciência do
homem divide-se em ciência do homem individual
(philosophia humanitatis), e em ciência da sociedade
humana (philosophia civilis). A primeira diz respeito ao
homem todo, espírito e matéria. A segunda diz respeito à
arte de governar e às relações sociais e aos negócios. A
filosofia natural ou física, divide-se em especulativa e
operativa. A primeira, por sua vez, se divide em física
especial ("que procura a causa eficiente e material"), e em
metafísica ("que procura a causa final e a forma").
Pertencem pois à física operativa as artes mecânicas.
Acima das ciências filosóficas particulares, Bacon põe
uma ciência filosófica comum, denominando-a
philosophia prima. Esta não é a ontologia tradicional, a
ciência do ser em geral, mas a ciência dos princípios
comuns às várias ciências.
O "NOVUM ORGANUM"
Entretanto, o que interessa mais a Bacon não é esta
ciência dos princípios comuns, e sim a ciência da
natureza, e, portanto, o Novum organum, que deveria
conter precisamente as regras para a construção da ciência
da natureza. Como é sabido, Bacon reivindica, contra
Aristóteles e a Escolática, o método indutivo. Aristóteles e
Tomás de Aquino afirmaram claramente este método, e
até o reconheceram como único procedimento inicial do
conhecimento humano; entretanto a eles interessavam
muito mais as causas do que a experiência, o que
transcende a experiência do que a experiência; muito mais
a metafísica do que a ciência.
Segundo Bacon, o verdadeiro método da indução
científica compreende uma parte negativa ou crítica, e
uma parte positiva ou construtiva. A parte negativa
consiste, antes de tudo, em alertar a mente contra os erros
comuns, quando procura a conquista da ciência
verdadeira. Na sua linguagem imaginosa Bacon chama as
causas destes erros comuns, fantasmas - idola - e os divide
em quatro grupos fundamentais.
1) Idola tribus, a saber, os erros da raça humana
"fundamentados em a natureza como tal" (não se sabe, pois,
o verdadeiro porquê);
2) Idola specus (por alusão à caverna de Platão)
determinados pelas disposições subjetivas de cada um;
3) Idola fori, erros da praça, provenientes do comércio
social ou da linguagem imperfeita;
4) Idola theatri, isto é, os erros provenientes das escolas
filosóficas, que substituem o mundo real por um mundo
fantástico, por um jogo cênico.
Desembaraçado o terreno destes erros, Bacon passa a
tratar da natureza positiva, construtiva, dagenuína
interpretação da natureza para dominá-la. Mas, para
tanto, é mister conhecer as que Bacon chama de formas,
isto é, os princípios imanentes, causa e lei da ação e da
ordem das naturezas. As naturezas são precisamente os
fenômenos experimentais, objeto da física especial (luz,
calor, pêso, etc.); as formas são leis genéticas e
organizadoras das naturezas, as essências ou causas
formais, objeto da metafísica de Bacon.
Esta pesquisa, esta passagem das naturezas às formas,
dos fenômenos às essências - bem conhecida pela filosofia
tradicional - é determinada por Bacon, segundo um
método preciso, desconhecido dos predecessores, nas
famosas tabulae baconianas. Para determinar de um modo
certo as causas e as leis dos fenômenos - isto é, as formas
das naturezas - Bacon recolhe, antes de tudo, o maior
número possível de exemplos, em que um determinado
fenômeno aparece; depois enumera os casos que mais se
assemelham às primeiras, em que, porém, o mesmo
fenômeno não aparece. Enfim registra o aumentar ou o
diminuir do fenômeno em questão, quer no mesmo objeto,
quer em objetos diferentes. Têm-se, desta maneira, três
espécies de registros ou tabelas: 1) tabelas de presença; 2)
tabelas de ausência; 3) tabelas de gradações. É evidente
que nos casos onde uma determinada natureza ou
fenômeno aparecem, aí se encontrará também a sua causa
e lei; nos casos em que o fenômeno não se manifesta, aí
faltará também a sua causa e lei; e nos casos onde o
fenômeno aumenta ou diminui, aí aumentará ou diminuirá
também a sua causa e lei. A causa (forma) dos fenômenos
(naturezas) será procurada, portanto, com base nos
fenômenos presentes na primeira tabela; não sendo fácil, a
princípio, ter-se tabelas completas e isolar as naturezas
simples, e desta maneira pôr em evidência a causa, é
mister estabelecê-la por hipótese, que será, em seguida,
averiguada pelas experimentações.
Essa gnosiologia, metodologia (empírica) é baseada em
uma metafísica, uma física materialista e, mais
precisamente, atomista, bastante semelhante à de
Demócrito. O mundo material é constituído de
corpúsculos, qualitativamente idênticos, diversos apenas
por grandeza, forma e posição. Estes corpúsculos são
animados por uma força, em virtude da qual se agrupam
Ciências Humanas e suas Tecnologias
38
em determinados complexos, que constituem as formas
baconianas.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Segundo Bacon a ciência deveria valorizar a pesquisa
experimental, para assim proporcionar resultados objetivos ao
homem. Ela deveria estar ao serviço da utilidade do homem e
de seu poder. Ele estava convencido da necessidade de fazer
dos conhecimentos científicos um instrumento prático de
controle da realidade.
• Para alcançar tal objetivo, Bacon considerava primordial
que o cientista se libertasse dos “ídolos”, isto é, das falsas
noções, dos preconceitos e dos vícios mentais. Esses ídolos
podiam ser classificados em quatro categorias: ídolos da tribo,
ídolos da caverna, ídolos do fórum e ídolos do teatro.
• Com o propósito de dominar a natureza era preciso
conhecer suas leis por métodos comprovados. Então estabelece
o método experimental de pesquisa das causas naturais dos
fatos: em primeiro lugar, acumular os fatos; depois, classificá-
los; e por último determinar as suas causas.
• O grande mérito de Bacon está em conceber o
conhecimento científico como resultado de um método de
investigação que integra a observação dos fenômenos, a
elaboração racional das hipóteses e a experimentação
controlada para comprovar as conclusões obtidas.
UNIDADE 13
THOMAS HOBBES
Hobbes é um empirista inglês e nele encontramos os
temas fundamentais que serão sempre os da escola. A
origem de todo conhecimento é a sensação, princípio
original do conhecimento dos próprios princípios: a
imaginação é um agrupamento inédito de fragmentos de
sensação e a memória nada mais é do que o reflexo de
antigas sensações.
Thomas Hobbes (1588-1679)
Todavia, Hobbes crê na possibilidade de uma lógica
pura, de um raciocínio demonstrativo muito rigoroso. Ao
lado de uma indução empírica aproximativa, que da
experiência passada conclui, sem prova decisiva, o que se
passará amanhã (e que não tem outro fundamento além da
associação de idéias, the trayan of imagination), Hobbes
admite a existência de uma lógica pura, perfeitamente
racional. Mas a essa lógica só concernem símbolos,
palavras (Hobbes é nominalista). Se definirmos
rigorosamente as palavras e as regras do emprego dos
signos, podemos chegar a conclusões rigorosas, isto é,
idênticas aos princípios de que partimos. Mas trata-se de
um jogo do pensamento, estranho às realidades concretas.
A filosofia de Hobbes é materialista e mecanicista.
Assim como a percepção é explicada mecanicamente a
partir das excitações transmitidas pelo cérebro, assim a
moral se reduz ao interesse e à paixão. Na fonte de todos
os nossos valores, há o que Hobbes denomina endeavour,
em inglês, e conatus, em latim, isto é, o instinto de
conservação ou, mais exatamente, de afirmação e de
crescimento de si próprio; esforço próprio a todos os seres
para unir-se ao que lhes agrada e fugir do que lhes
desagrada (esse tema do conatus será reencontrado no
spinozismo).
É partindo de tais fundamentos psicológicos que
Hobbes elabora sua justificação do despotismo. O
absolutismo da época de Hobbes geralmente se apoia na
teologia (Deus teria investido os reis de seu poder
absoluto). Hobbes, ao justificar o poder absoluto do
soberano, descobre-lhe uma origem natural.
Para ele, o direito, em todos os casos, reduz-se à força;
mas distingue dois momentos na história da humanidade:
o estado natural e o estado político. No estado natural, o
poder de cada um é medido por seu poder real; cada um
tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos só
pensam na própria conservação e nos interesses pessoais.
Para Hobbes, o homem se distingue dos insetos sociais,
como as abelhas e as formigas; por isso, o homem não
possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só
o será por acidente.
Para compreender como o homem se resolve a criar a
instituição artificial do governo, basta descrever o que se
passa no estado natural; o homem, por natureza, procura
ultrapassar todos os seus semelhantes: ele não busca
apenas a satisfação de suas necessidades naturais, mas
sobretudo as alegrias da vaidade (pride). O maior
sofrimento é ser desprezado. Assim sendo, o ofendido
procura vingar-se, mas - observa Hobbes, antecipando
aqui os temas hegelianos - comumente não deseja a morte
de seu adversário e deseja seu cativeiro a fim de poder ler,
em seu olhar atemorizado e submisso, o reconhecimento
de sua própria superioridade.
É claro que esse estado, em que cada um procura senão
a morte, ao menos a sujeição do outro, é um estado
extremamente infeliz. As expressões pelas quais Hobbes o
descreve são célebres: "Homo homini lupus", o homem é
o lobo do homem; "Bellum omnium contra omnes", é a
guerra de todos contra todos. Não pensemos que mesmo
os homens mais robustos desfrutem tranquilamente as
vitórias que sua força lhe assegura. Aquele que possui
grande força muscular não está ao abrigo da astúcia do
mais fraco. Este último - por maquinação secreta ou a
partir de hábeis alianças - sempre é o suficientemente forte
para vencer o mais forte. Por conseguinte, ao invés de
Filosofia
ENEM
39
uma desigualdade, é uma espécie de igualdade dos
homens no estado natural que faz sua infelicidade. Pois,
em definitivo, ninguém está protegido; o estado natural é,
para todos, um estado de insegurança e de angústia.
Assim sendo, o homem sempre tem medo de ser morto
ou escravizado e esse temor, em última instância mais
poderoso doque o orgulho, é a paixão que vai dar a
palavra à razão. (Essa psicologia da vaidade e do medo é,
em Hobbes, uma espécie de laicização da oposição
teológica entre o orgulho espiritual e o temor a Deus ou
humildade.) É o medo, portanto, que vai obrigar os
homens a fundarem um estado social e a autoridade
política.
Os homens, portanto, vão se encarregar de estabelecer a
paz e a segurança. Só haverá paz concretizável se cada um
renunciar ao direito absoluto que tem sobre todas as
coisas. Isto só será possível se cada um abdicar de seus
direitos absolutos em favor de um soberano que, ao herdar
os direitos de todos, terá um poder absoluto. Não existe aí
a intervenção de uma exigência moral. Simplesmente o
medo é maior do que a vaidade e os homens concordam
em transmitir todos os seus poderes a um soberano.
Quanto a este último, notemo-lo bem, ele é o senhor
absoluto desde então, mas não possui o menor
compromisso em relação a seus súditos.
Seu direito não tem outro limite que seu poder e sua
vontade. No estado de sociedade, como no de natureza, a
força é a única medida do direito. No estado social, o
monopólio da força pertence ao soberano. Houve, da parte
de cada indivíduo, uma atemorizada renúncia do seu
próprio poder. Mas não houve pacto nem contrato, o que
houve, como diz Halbwachs, foi "uma alienação e não
uma delegação de poderes". O efeito comum do poder
consistirá, para todos, na segurança, uma vez que o
soberano terá, de fato, o maior interesse em fazer reinar a
ordem se quiser permanecer no poder. Apesar de tudo,
esse poder absoluto permanece um poder de fato que
encontrará seus limites no dia em que os súditos
preferirem morrer do que obedecer. Em todo caso, esta á a
origem psicológica que Hobbes atribui ao poder
despótico. Ele chama de Leviatã ao seu estado totalitário
em lembrança de uma passagem da Bíblia (Jó XLI) em
que tal palavra designa um animal monstruoso, cruel e
invencível que é o rei dos orgulhosos.
Finalmente, o totalitarismo de Hobbes submete - apesar
de prudentes reservas - o poder religioso ao poder político.
Assim é que ele exclui o "papismo" e o
"presbiterianismo" por causa "dessa autoridade que alguns
concedem ao papa em reinos que não lhe pertencem ou
que alguns bispos, em suas dioceses, querem usurpar".
(http://www.mundociencia.com.br/filosofia/hobbes.htm)
O ESTADO PARA DOMAR O LOBO DO PRÓPRIO
HOMEM
Para o filósofo inglês Thomas Hobbes, o homem,
embora vivendo em sociedade, não possui o instinto
natural de sociabilidade. Cada homem sempre encara seu
semelhante como um concorrente que precisa ser
dominado. Onde não houve o domínio de um homem
sobre outro existirá sempre uma competição intensa até
que esse domínio seja alcançado.
A consequência óbvia dessa disputa infindável dos
homens entre si teria gerado um permanente estado de
guerra e de matança nas comunidades primitivas. Nas
palavras de Hobbes: “o homem é o lobo do próprio
homem (homo homini lúpus)”.
Só havia uma solução para dar fim à brutalidade social
primitiva: a criação artificial da sociedade política,
administrada pelo Estado. Para isso, os homens tiveram
que firmar um contrato entre si, pelo qual cada um
transferia seu poder de governar a si próprio a um terceiro
– o Estado – para que esse estado governasse a todos,
impondo ordem, segurança e direção à conturbada vida
social.
Hobbes apresentou essas ideias no seu livro Leviatã, no
qual o Estado é comparado a uma criação monstruosa do
homem, destinada a pôr fim à anarquia e ao caos da
comunidade primitiva. O nome Leviatã refere-se ao
monstro bíblico citado no Livro de Jó (Bíblia), descrito da
seguinte maneira:
O seu corpo é como escudos de bronze fundido (...)
Em volta de seus dentes está o terror (...) O seu coração
é duro como a pedra, e apertado como a bigorna de
ferreiro. No seu pescoço está a força, e diante dele vai a
fome (...) Não há pode sobre a terra que se lhe compare,
pois foi feito para não ter medo de nada.
(Jó, 40-41).
Vejamos, nas palavras do próprio Hobbes, como ele
imaginou o estabelecimento do contrato social que deu
origem ao Estado (Leviatã). Para Hobbes, a única maneira
que os homens tinham para instituir, entre si, um poder
comum era:
Conferir toda sua força e poder a um homem, ou a
uma assembleia de homens, que possa reduzir suas
diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só
vontade (...) é como se cada homem dissesse a cada
homem (...) transfiro meu direito de governar-me a mim
mesmo a este Homem, ou a esta Assembleia de homens,
com a condição de transferires a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.
Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se
chama Estado (...) É esta a geração daquele grande
Leviatã (...)ao qual devemos (...) nossa paz e defesa.
Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada
indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho
poder e orça que o terror assim inspirado o torna capaz
de conformar as vontades de todos eles, no sentido da
paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os
inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do
Estado, a qual pode ser assim definida: uma pessoa de
cujos atos uma grande multidão, mediante pactos
recíprocos uns cm os outros, foi instituída por cada um
como autora, de modo a ela poder usar a força e os
recurso de todos, da maneira que considerar
conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.
Àquele que é portador dessa pessoa se chama Soberano,
Ciências Humanas e suas Tecnologias
40
e dele se diz que possui poder soberano. Todos os
restantes são súditos.
HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 105-6
É na obra Sobre o cidadão que Hobbes expõe
primeiramente suas concepções sobre a origem do poder
político, que contrariam a tese de Aristóteles, que, como
vimos, apresentava o homem como naturalmente sociável.
Para Hobbes, os homens só passam a viver em sociedade
diante de uma ameaça à preservação da vida. Ou seja,
entre os homens a cooperação não é natural, como se dá
com as abelhas e as formigas, por exemplo. O pacto
social, através do qual se estabelece uma ordem moral e
política, vem da necessidade de acabar com o estado de
guerra, de conservar a vida, sendo por isso artificial.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. pp. 301-303)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Hobbes afirmava que os seres humanos em seu estado
natural não diferenciam seus atos entre justos ou injustos
(noção de moralidade). Procuram aquilo que lhes dê prazer, e
evitam o desprazer. O que chamamos de bem é tão somente
aquilo para o qual tendemos, enquanto o mal seria só aquilo
que evitamos.
• Hobbes define a liberdade como a ausência de
impedimentos à movimentação humana, na qual cada um dos
homens se conduz unicamente por sua sobrevivência traduzida
em desejo de poder.
• Para Hobbes, o homem, embora vivendo em sociedade,
não possui o instinto natural de sociabilidade. Cada homem
sempre encara seu semelhante como um concorrente que
precisa ser dominado, “o homem é o lobo do próprio homem”.
• Os homens só passam a viver em sociedade diante de
uma ameaça à preservação da vida. O pacto social, através do
qual se estabelece uma ordem moral e política, vem da
necessidade de acabar com o estado de guerra, de conservar a
vida, sendo por isso artificial.
• Ao passarem do estado de natureza para o estado de
sociedade, os seres humanos procedem voluntaria e
contratualmente trocando a guerra pela paz e a liberdade pela
segurança que será garantida com a criação coletiva de um ser
soberano ou instituição artificial, o Estado (Leviatã).
UNIDADE 14
RENE DESCARTES
A filosofia de Descartes assenta numa concepção
unitária do saber, fundada na razão.
A sabedoria é única,porque a razão é única, e só ela nos
permite distinguir o verdadeiro do falso, o conveniente do
inconveniente. Com o objetivo de criar um fundamento
seguro para a filosofia, desenvolve um método de dúvida
radical, que constitui a base da sua filosofia.
Este método surge como resposta ao ambiente de
incerteza do seu próprio tempo. Com ele empreende um
enorme trabalho de reconstrução de todo o saber que é
deduzido a partir de certezas indubitáveis. Após ter posto
em causa todo o saber adquirido pela experiência, chega à
primeira certeza indubitável: a da sua existência como ser
pensante ("Penso, logo existo"). É com base nesta
evidência que irá desenvolver uma ciência universal.
(http://afilosofia.no.sapo.pt/12Descartes.htm)
AS IDEIAS
A maior parte da obra de Descartes é consagrada às
ciências (domínios da matemática e da ótica) mas o que
ele mais quer é conseguir um modo de chegar a verdades
concretas. Sua filosofia, exposta principalmente em o
"Discurso sobre o Método", o mais amplamente lido de
todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.
René Descartes (1596-1650)
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é
proposta como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida
sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como para os
céticos. Argumenta que as ideias em geral são incertas e
instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém,
se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem
a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das
experiências dos sentidos, e isto significa que residem na
mente de todas as pessoas e são inatas. Descartes vai, por
etapas, nomear as ideias que ele inclui nessa categoria de
claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são ideias
verdadeiras, não podem ser ideias falsas.
A primeira ideia que examina é a do próprio Eu. Desta
ideia, diz ele que não pode duvidar. É a ideia do próprio
Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua
célebre frase: "Penso, logo existo".
Este dito, talvez o mais famoso na história da filosofia,
aparece primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o
método", de 1637, em francês, Je pense donc je suis, e
depois na primeira parte do "Princípios de Filosofia"
(1644) que é praticamente a versão latina do "Discurso",
Cogito ergo sum. Mas, Descartes pondera, a ideia de
minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo
existo") não me traz nenhuma certeza sobre qualquer ideia
do mundo físico.
Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas
uma única verdade, a de que ele existe, e isto não basta
Filosofia
ENEM
41
para encontrar a verdade sobre o universo. O mundo
existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias
ideias com grande nitidez e estabilidade, e delas
compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante
que não estejamos todos enganados. Uma delas é a ideia
da "extensão".
Esta é uma ideia que Descartes considera inata, clara e
evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa ideia
existe no espírito humano como a ideia de algo dotado de
grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna
provável a existência dos corpos, a existência dos objetos
e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a ideia de
extensão não é garantia de que os objetos correspondam às
ideias que deles fazemos.
DEUS VERDADEIRO
O problema está em encontrar uma garantia de que a
tais ideias de objetos correspondam efetivamente a algo
real. Tenho também a ideia de Deus. Mas agora sim, tenho
uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o pensar,
do qual concluo que se penso, então existo com certeza. A
garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que
nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem,
poderia ter produzido a ideia de um ser infinito e perfeito;
somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como
"a marca do artista impressa em sua obra". Portanto,
conclui no "Discurso sobre o Método", a ideia de Deus
implica a real existência de Deus.
Voltemos então à ideia clara, distinta e inata da extensão.
Se a percepção que tenho da extensão não correspondesse a
uma realidade extensa, isso significaria que o espírito
humano estaria sempre errado, e então essa ideia de
extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com
a ideia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como
ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir
o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é
perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior
não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que
indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e
Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe
como coisa física. Portanto, as ideias claras e distintas
correspondem de fato à realidade - elas não são a armadilha
de um gênio enganador e perverso.
DUALISMO
Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua
concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O
universo consiste de duas diferentes substâncias: as
mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última
sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável
em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem
as duas substâncias se juntaram em uma união substancial,
unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um
dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada
pela escolástica tomista.
Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma
distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na
diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu
conceito fixo. Para ele o "poder de conhecer" é sempre o
mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado.
Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal
aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em muitas
de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou
seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo.
Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação
entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido
de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, -
um pequeno corpo localizado centralmente na base do
cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada
saber de sua atividade fisiológica por muito tempo
desconhecida pela ciência.
Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a
psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o
comportamento de animais inteiramente em bases de
funções mecânicas do sistema nervoso, negando que
tivessem "almas". Ele também propôs uma teoria que
explicava a percepção visual de distancia, forma e
tamanho, em termos de indicações secundárias.
ÉTICA
Descartes reconhece o corpo humano como a mais
perfeita das máquinas; trabalha por impulsos naturais, - o
que é hoje chamado reflexos condicionados -, mas os
efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser
controlados ou modificados pela mente, pelo poder de
vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há
igualmente a necessidade de uma higiene mental, a qual é
baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores
psicológicos que condicionam o comportamento. A mente
necessita do treinamento do "bom senso" e a aquisição de
sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento
das verdades da metafísica a qual, por seu turno, inclui o
conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a
atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro
dos valores, ou seja, em ideias claras e distintas garantidas
por Deus, do valor relativo das coisas.
...É o Bom Deus quem garante o conhecimento
científico, porque garante as ideias claras. A física
cartesiana resulta, assim, de deduções racionais abstratas:
Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da
dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo
físico está de antemão provadopor uma ideia inata, a de
extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante
que ideias claras da realidade têm correspondência na
realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos
capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do
homem, cujas impressões sensíveis vêm de fora e são
deformadas.
O MÉTODO
O seu Método para o raciocínio correto é principalmente
"nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa
não pode ser vista clara e distintamente como tal.
Descartes assim implica a rejeição de todas as ideias e
opiniões aceitas, a determinação a duvidar até ser
Ciências Humanas e suas Tecnologias
42
convencido do contrario por fatos auto evidentes. Outro
preceito é "Conduzir os pensamentos em ordem,
começando com os objetos que são os mais simples e
fáceis de saber e assim procedendo, gradualmente, ao
conhecimento dos mais complexos.
Recomenda recapitular a "cadeia de raciocínio" para se
estar certo de que não há omissões. Propõe também
preceitos metodológicos complementares ou preparatórios
da evidência: o preceito da análise (dividir as dificuldades
que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam
necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir
com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais
simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois
tentar gradativamente o conhecimento dos mais
complexos) e o da enumeração (realizar enumerações de
modo a verificar que nada foi omitido).
INFLUÊNCIA
A Física de Descartes tem, como é salientado
geralmente, raízes metafísicas, isto é, a certeza depende,
em ultima análise, da fé em Deus. Neste sentido, não
deixou de representar um certo retrocesso, se
consideramos quanto todos os eruditos de então, incluídos
aqueles seus contemporâneos que vieram a ser mártires do
saber, estavam empenhados em abrir o caminho oposto,
suplicando a seus algozes a separação entre filosofia e
religião. Mas aconteceu que a filosofia de Descartes, em
lugar de por esse motivo precipitar-se no esquecimento,
projetou-se para o alto, e isto aconteceu graças à
oportunidade e ao soar sedutor de uma frase: "Penso, logo
existo". Além de agradável como uma goma de mascar,
essa frase também representou, na época, um desafio à
ditadura dos intelectuais escolásticos. Deixava claro que
só existe um ponto de partida verdadeiro, mesmo na
dúvida, que sou eu e meu pensamento: se duvido, penso, e
se penso, existo. Ela foi prontamente interpretada com
sentido de liberdade e emulação de coragem para a busca
da verdade, e não o de apenas indicar, como seu autor
pretendia, a tábua rasa jacente sob as ideias inatas
garantidas por Deus. Portanto esta frase na verdade está,
no seu sentido mais revolucionário, divorciada do próprio
pensamento de Descartes. Porém, graças a ela Descartes,
embora não tenha sido o primeiro a tentar, na verdade foi
o primeiro a conseguir libertar o pensamento filosófico de
suas peias escolásticas e assim inaugurar definitivamente a
filosofia moderna.
(http://antroposmoderno.com/biografias/Descartes.html)
A METAFÍSICA
No Discurso sobre o Método, Descartes pensa
sobretudo na ciência. Para bem compreender sua
metafísica, é necessário ler as Meditações.
1. - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário
espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender
que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida
metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e
sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um
argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os
instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares
psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um
verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos,
uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz
Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de
estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o
"robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à
lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").
Duvidemos também das próprias evidências científicas
e das verdades matemáticas! Mas quê? Não é verdade -
quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se
um gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me
iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e
físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso
duvidar do objeto (permitam-me retomar os termos do
mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié).
2. - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar,
mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo
que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu
penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida,
mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso,
cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio
(apesar do logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida
que a do matemático, pois é uma intuição metafísica,
metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um
ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer
Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente
gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes,
portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do
que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito
pensante e suas idéias como o fundamento de todo
conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico
(estes objetos que são as evidências matemáticas remetem
a este ser que é meu pensamento).
3. - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu
itinerário espiritual, Descartes é solipsista. Ele só tem
certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre
duvido desse objeto que é meu corpo; a alma, diz
Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser conhecida
que o corpo").
É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes
escapará dessa solidão. Dentre as idéias do meu cogito
existe uma inteiramente extraordinária. É a idéia de
perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim
mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão
imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la
recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o
autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a
existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus
perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o
fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é
perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e todas as
minhas idéias claras e distintas são garantidas pela
veracidade divina. Uma vez que Deus existe, eu então
posso crer na existência do mundo. O caminho é
exatamente o inverso do seguido por São Tomás.
Compreenda-se que, para tanto, não tenho o direito de
guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem
confusas e que só têm um valor de sinal para os instintos
Filosofia
ENEM
43
do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto
(por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é
o que é claramente pensável, isto é, a extensão e o
movimento). Alguns acham que Descartes fazia um
circulo vicioso: a evidência me conduz a Deus e Deus me
garante a evidência! Mas não se trata da mesma evidência.
A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a
Deus fundamenta a evidência dos objetos matemáticos.
Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma
evidência mais profunda que a ciência. É ela que
fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode
ser geômetra!).
4. - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de
provar a existência de Deus. Não mais se trata de partir de
mim, que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de
Deus que há em mim. Apreender a idéia de perfeição e
afirmar a existência do ser perfeito é a mesma coisa. Pois
uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o
argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo
que Descartes (que não leu SantoAnselmo) reencontra:
trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma
experiência espiritual (a de um infinito que me ultrapassa)
do que de um raciocínio.
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela
é proposta como uma via para se chegar à certeza e não é
dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como
para os céticos.
• Após ter posto em causa todo o saber adquirido pela
experiência, chega à primeira certeza indubitável: a da sua
existência como ser pensante ("Penso, logo existo").
• Frequentemente os seres humanos erram nos seus
julgamentos porque se apóiam nas informações recolhidas
através do conhecimento sensível, por isso o conhecimento
verdadeiro só pode ser puramente intelectual, isto é, tendo
como ponto de partida ideias inatas ou observações que foram
inteiramente controladas pelo pensamento.
• A ideia de perfeição não tem origem humana, pois ele é
imperfeito. Assim, a ideia de perfeição só pode ter surgido de
um ser perfeito, autor de si mesmo e de todas as coisas. A
existência de Deus fica, por tanto demonstrada através do
pensamento humano.
UNIDADE 15
JOHN LOCKE
Sobre a linha do desenvolvimento do empirismo, Locke
representa um progresso em confronto com os
precedentes: no sentido de que a sua gnosiologia
fenomenista-empirista não é dogmaticamente
acompanhada de uma metafísica mais ou menos
materialista. Limita-se a nos oferecer, filosoficamente,
uma teoria do conhecimento, mesmo aceitando a
metafísica tradicional, e do senso comum pelo que
concerne a Deus, à alma, à moral e à religião. Com
relação à religião natural, não muito diferente do deísmo
abstrato da época; o poder político tem o direito de impor
essa religião, porquanto é baseada na razão. Locke
professa a tolerância e o respeito às religiões particulares,
históricas, positivas.
John Locke (1632-1704)
Locke viajou fora da Inglaterra, especialmente em
França, onde ampliou o seu horizonte cultural, entrou em
contato com movimentos filosóficos diversos, em especial
com o racionalismo. Tornou-se mais consciente do seu
empirismo, que procurou completar com elementos
racionalistas (o que, entretanto, representa um desvio na
linha do desenvolvimento do empirismo, procedente de
Bacon até Hume).
As fontes principais do pensamento de Locke são: o
nominalismo escolástico, cujo centro famoso era Oxford;
o empirismo inglês da época; o racionalismo cartesiano e
a filosofia de Malebranche.
O PENSAMENTO
Locke julga, como Bacon, que o fim da filosofia é
prático. Entretanto - diversamente de Bacon, que julgava
fim da filosofia o conhecimento da natureza para dominá-
la (fim econômico) - Locke pensa que o fim da filosofia é
essencialmente moral; quer dizer: a filosofia deve
proporcionar uma norma racional para a vida do homem.
E, como os seus predecessores empiristas, ele sente, antes
de mais nada, a necessidade de instituir uma investigação
sobre o conhecimento humano, elaborar uma gnosiologia,
para achar um critério de verdade. Podemos dizer que a
sua filosofia se limita a este problema gnosiológico, para
logo passar a uma filosofia moral (e política, pedagógica,
religiosa), sem uma adequada e intermédia metafísica.
Locke não parte, realisticamente, do ser, e sim,
fenomenisticamente, do pensamento. No nosso
pensamento acham-se apenas ideias (no sentido genérico
das representações): qual é a sua origem e o seu valor?
Locke exclui absolutamente as ideias e os princípios que
deles se formam, derivam da experiência; antes da
experiência o espírito é como uma folha em branco, uma
tabula rasa.
No entanto, a experiência é dúplice: externa e interna. A
primeira realiza-se através da sensação, e nos proporciona
a representação dos objetos (chamados) externos: cores,
sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. A
Ciências Humanas e suas Tecnologias
44
segunda realiza-se através da reflexão, que nos
proporciona a representação das próprias operações
exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação,
como: conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc. Nas
ideias proporcionadas pela sensibilidade externa, Locke
distingue as qualidades primárias, absolutamente
objetivas, e as qualidades secundárias, subjetivas
(objetivas apenas em sua causa).
As ideias ou representações dividem-se em ideias
simples e ideias complexas, que são uma combinação das
primeiras. Perante as ideias simples - que constituem o
material primitivo e fundamental do conhecimento - o
espírito é puramente passivo; pelo contrário, é ele ativo na
formação das ideias complexas. Entre estas últimas, a
mais importante é a substância: que nada mais seria que
uma coleção constante de ideias simples, referida pelo
espírito a um misterioso substrato unificador. O espírito é
também ativo nas sínteses que são as ideias de relação, e
nas análises que são as ideias gerais. Às ideias de ralação
pertencem as relações temporais e espaciais e de ideias
simples dos complexos a que pertencem e da
universalização da ideia assim isolada, obtendo-se, desse
modo, a ideia abstrata (por exemplo, a brancura). Locke é,
mais ou menos, nominalista: existem, propriamente, só
indivíduos com uma essência individual, e as ideias gerais
não passam de nomes, que designam caracteres comuns a
muitos indivíduos. Entretanto, os nomes que designam
uma ideia abstrata, isto é, uma propriedade semelhante em
muitas coisas, têm um valor e um escopo práticos: auxiliar
os homens a se conduzirem na vida.
Dado o nominalismo de Locke, compreende-se como,
para ele, é impossível a ciência verdadeira da natureza,
considerada como conhecimento das leis universais e
necessárias. Locke julga também inaplicável à natureza a
matemática - reconhecendo-lhe embora o caráter de
verdadeira ciência - isto é, não acredita na físico-
matemática, à maneira de Galileu. Entretanto, mesmo que
a ciência da natureza não nos desse senão a probabilidade,
a opinião, seria útil enquanto prática.
Até aqui foram analisados e descritos os conteúdos de
consciência. É mister agora propor a questão do seu valor
lógico. Costuma-se dizer que as ideias são "verdadeiras ou
falsas"; melhor seria chamá-las "justas ou erradas",
porque, propriamente, "a verdade e a falsidade pertencem
às proposições", em que se afirma ou se nega uma relação
entre duas ideias. E esta relação, afirmada ou negada,
pode ser precisamente falsa ou verdadeira. O
conhecimento da relação positiva ou negativa entre as
ideias é, segundo Locke, de dois tipos: intuitivo e
demonstrativo. No primeiro caso a relação é colhida
intuitiva, imediata e evidentemente. Por exemplo: 3 = 2 +
1. No segundo caso a relação é colhida mediatamente,
recorrendo às ideias intermediárias, ao raciocínio. Por
exemplo: a existência de Deus demonstrada pela nossa
existência e pelo princípio de causalidade. Naturalmente, a
demonstração é inferior à intuição.
IDEIAS METAFÍSICAS
Estamos, porém, ainda fechados no mundo subjetivo,
fenomênico; de fato, tratou-se, até agora, de relações
positivas ou negativas, concordes ou desacordes com as
ideias. Podemos nós sair desse mundo subjetivo e atingir o
mundo objetivo, isto é, podemos conhecê-lo
imediatamente ou mediatamente na sua existência e na sua
natureza? Locke afirma-o, sem mostrar, entretanto, como
este conhecimento do mundo externo possa concordar
com a sua geral (fenomenista) concepção e definição do
conhecimento. É a sólita posição de um fenomenismo
ainda não plenamente consciente de si mesmo. Corta as
relações com o ser e vai para o fenomenismo absoluto,
mas tem ainda saudade desse ser do qual se isolou.
Em todo caso, Locke acredita poder atingir, antes de
tudo, o nosso ser, depois o de Deus, e, finalmente,o das
coisas. O nosso ser seria intuitivamente percebido através
da reflexão. A existência de Deus seria racionalmente
demonstrada mediante o princípio de causa, partindo do
conhecimento imediato de uma outra existência (a nossa).
A existência das coisas, alfim, seria sentida
invencivelmente, porque nos sentimos passivos em nossas
sensações, que deveriam ser causadas por seres externos a
nós.
Entretanto, pelo que diz respeito ao nosso ser, é mister
ter presente que nós não conhecemos intuitivamente a
substância da alma, e sim as suas atividades. Pelo que diz
respeito a Deus, a prova da sua existência vale, se vale
absolutamente o princípio de causa - o que Locke não
demonstrou. Enfim, pelo que diz respeito às coisas
externas, mesmo admitida a prova aduzida por Locke -
segundo a confissão do próprio filósofo - tal prova vale
apenas pelo que concerne à existência das coisas, e não
pelo que concerne à natureza delas. De fato, segundo a
filosofia de Locke, não sabemos se as ideias da natureza
das coisas correspondem à realidade das coisas.
MORAL E POLÍTICA
Locke não admite, naturalmente, ideias e princípios
inatos nem sequer no campo da moral. A sua moral,
todavia, é muito mais intelectualista do que empirista, pois
ele lhe reconhece o caráter de verdadeira ciência,
universal e necessária.
Entretanto, não basta ter construído uma moral em
abstrato, embora racional. É preciso torná-la praticamente
eficaz, isto é, faz-se mister uma obrigação moral, que se
imponha à nossa vontade. Ora, visto que é natural, no
homem, a tendência para o próprio bem-estar, é natural
que ele seja atingido pelas penas, pelas sanções, que
precisamente lhe impedem tal realização. Que parte tem a
liberdade da vontade em tudo isto? Locke nega,
propriamente, o livre arbítrio, porquanto nós nos
inclinamos necessariamente para um bem determinado e
devemos desejar o bem maior.
Quanto à política, Locke deriva a lei civil da lei natural,
racional, moral, em virtude da qual todos os homens -
como seres racionais - são livres e iguais, têm direito à
vida e à propriedade; e, entretanto na vida política, não
podem renunciar a estes direitos, sem renunciar à própria
dignidade, à natureza humana. Locke admite um
Filosofia
ENEM
45
originário estado de natureza antes do estado civilizado.
Não, porém, no sentido brutal e egoísta de inimizade
universal, como dizia Hobbes; mas em um sentido moral,
em virtude do qual cada um sente o dever racional de
respeitar nos outros a mesma personalidade que nele se
encontra.
Também Locke admite a passagem do estado de
natureza ao estado civilizado, porquanto, no primeiro,
falta a certeza e a regularidade da defesa e da punição, que
existe no segundo, graças à autoridade do superior.
Entretanto, estipulando este contrato social, os indivíduos
não renunciam a todos os direitos, porquanto os direitos
que constituem a natureza humana (vida, liberdade, bens),
são inalienáveis; mas renunciam unicamente ao direito de
defesa e de fazer justiça, para conseguir que os direitos
inalienáveis sejam melhor garantidos. Antes, se o estado
violasse esses direitos inalienáveis, os indivíduos teriam o
direito e o dever de a ele resistir e de se revoltar contra o
poder usurpador. A doutrina política de Locke, contida no
seu Tratado sobre o Governo Civil, é a expressão teórica
do constitucionalismo liberal inglês, em contraste com a
doutrina do absolutismo naturalista de Hobbes.
(http://www.mundociencia.com.br/filosofia/locke.htm)
A CONCEPÇÃO LIBERAL DO ESTADO
Assim como Hobbes, o filósofo inglês Locke também
refletiu sobre a origem do poder político e sobre sua
necessidade para congregar os homens, que, em seu
estado de natureza, vivam isolados.
No entanto, enquanto Hobbes imagina um estado de
natureza marcado pela violência e pela “guerra de todos
contra todos”, Locke faz uma reflexão mais moderada e se
refere ao estado de natureza como uma condição na qual,
pela falta de uma normatização geral, cada qual seria juiz
da sua própria causa, o que levaria ao surgimento de
problemas nas relações entre os homens. Para evitar esses
problemas, é que o Estado teria sido criado. O Estado teria
a função de garantir a segurança dos indivíduos e seus
direitos naturais, como a liberdade e a propriedade. Nas
palavras de Locke:
Se o homem no estado de natureza é tão livre,
conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria
pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por
que abrirá ele mão dessa liberdade, por que
abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e
controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio
responder que, embora no estado de natureza tenha tal
direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está
constantemente exposta à invasão de terceiros porque,
sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a
ele, na maior parte pouco observadores da equidade e
da justiça, a fruição da propriedade que possui neste
estado é muito insegura, muito arriscada. Estas
circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição
que, embora livre, está cheia de temores e perigos
constantes, e não é sem razão que procura de boa
vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já
unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua
conservação da vida, da liberdade e dos bens a que
chamo de “propriedade”.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo, p. 88.
Diferentemente de Hobbes, portanto, Locke concebe a
sociedade política como um meio de assegurar os direitos
naturais e não como o resultado de uma transferência dos
direitos dos indivíduos para o governante. E assim nasce a
concepção de Estado liberal, segundo a qual o Estado
deve regular as relações entre os homens, atuar como juiz
nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo as
liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao
pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade
econômica.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. pp. 303-304)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Para Locke, o entendimento é como uma “tabula rasa”
que vai sendo, paulatinamente preenchida pelos conteúdos
recolhidos mediante os sentidos. Todo conteúdo presente na
mente deriva da experiência, e, desse modo, não podemos
afirmar que existe algo na mente que não tenha sido objeto de
uma experiência.
• Locke entende por ideia qualquer coisa que esteja
presente na consciência, seja de natureza sensível ou de
natureza reflexiva. Das ideias simples, a mente avança em
direção às ideias cada vez mais complexas chegando às ideias
gerais ou universais que já não mais correspondem a realidades
ou a essências existentes, mas são nomes que instituímos por
convenção para organizar nossos pensamentos e discursos.
• Locke identifica a liberdade com o direito de todos os
homens para reger racionalmente suas vidas e reconhecendo
naturalmente a autonomia dos demais membros de sua
espécie. Assim as ações de um indivíduo não podem implicar
no prejuízo de outros.
• Através do seu trabalho o homem se apropria de parte da
natureza separando o que desde então passa a lhe pertencer
em particular daquilo que é um bem comum à humanidade.
Portanto, a propriedade privada de parte dos recursos naturais,
matérias primas, meios de produção e produtos finais é uma
justa consequência do trabalho, pois quem investiu algo de si à
natureza transformou o produto desse esforço em parte de si
mesmo.
• É com Locke que nasce a concepção de Estado liberal,
segundo a qual o Estado deve regular as relações entre os
homens e atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer
isso garantindo as liberdades e direitos individuais, tanto no que
se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e
atividade econômica.
Exercícios
1. (ENEM 2014) Todo homem de bom juízo, depois que
tiver realizadosua viagem, reconhecerá que é um milagre
manifesto ter podido escapar de todos os perigos que se
Ciências Humanas e suas Tecnologias
46
apresentam em sua peregrinação; tanto mais que há tantos
outros acidentes que diariamente pode, aí ocorrer que seria
coisa pavorosa àqueles que aí navegam querer pô-los
todos diante dos olhos quando querem empreender suas
viagens.
J. P. T. Histoire de plusieurs voyages aventureux. 1600. In: DELUMEU,
J. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Cia. das
Letras, 2009 (adaptado).
Esse relato, associado ao imaginário das viagens
marítimas da época moderna, expressa um sentimento de
a) gosto pela aventura.
b) fascínio pelo fantástico.
c) temor do desconhecido.
d) interesse pela natureza.
e) purgação dos pecados.
2. (ENEM 2015) A natureza fez os homens tão iguais,
quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora
por vezes se encontre um homem manifestamente mais
forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro,
mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto,
a diferença entre um e outro homem não é suficientemente
considerável para que um deles possa com base nela
reclamar algum benefício a que outro não possa
igualmente aspirar.
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil,
quando dois homens desejavam o mesmo objeto, eles
a) entravam em conflito
b) recorriam aos clérigos.
c) consultavam os anciãos.
d) apelavam aos governantes.
e) exerciam a solidariedade.
3. (ENEM 2014) É o caráter radical do que se procura que
exige a radicalização do próprio processo de busca. Se
todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza
que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada
pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma
daquelas que foram anteriormente varridas por essa
mesma dúvida.
SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo:
Moderna, 2001 (adaptado)
Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida
radical da filosofia cartesiana tem caráter positivo por
contribuir para o (a)
a) dissolução do saber científico
b) recuperação dos antigos juízos.
c) exaltação do pensamento clássico.
d) surgimento do conhecimento inabalável.
e) fortalecimento dos preconceitos religiosos.
4. (ENEM 2013)
TEXTO I
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus
primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como
verdadeiras, e de aquilo que depois eu fundei em
princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui
duvidoso e incerto. Era necessário tentar seriamente, uma
vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a
que até então dera crédito, e começar tudo novamente a
fim de estabelecer um saber firme e inabalável.
DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia.
São Paulo: Abril Cultural, 1973 (adaptado)
TEXTO II
É o caráter radical do que se procura que exige a
radicalização do próprio processo de busca. Se todo o
espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que
aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela
própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas
que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
SILVA, F.I. Descartes, a metafísica da modernidade. São Paulo:
Moderna, 2001 (adaptado)
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que,
para viabilizar a reconstrução radical do conhecimento,
deve-se:
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência
com legitimidade.
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas
ideias e concepções.
c) investigar os conteúdos da consciência dos homens
menos esclarecidos.
d) buscar uma via para eliminar da memória saberes
antigos e ultrapassados.
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que
dispensam ser questionados.
5. (ENEM 2014) A filosofia encontra-se escrita neste
grande livro que continuamente se abre perante nossos
olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender
antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os
quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática,
os caracteres são triângulos, circunferências e outras
figuras geométricas, sem cujos meios é impossível
entender humanamente as palavras; sem eles, vagamos
perdidos dentro de um obscuro labirinto.
GALILEI, G. O ensaiador. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1978.
No contexto da Revolução Científica do século XVII,
assumir a posição de Galileu significava defender a
a) continuidade do vínculo entre ciência e fé dominante
na Idade Média.
b) necessidade de o estudo linguístico ser acompanhado
do exame matemático.
c) oposição da nova física quantitativa aos pressupostos
da filosofia escolástica.
d) importância da independência da investigação
científica pretendida pela igreja.
e) inadequação da matemática para elaborar uma
explicação racional da natureza.
6. (ENEM 2013) Os produtos e seu consumo constituem
a meta declarada do empreendimento tecnológico. Essa
meta foi proposta pela primeira vez no início da
Modernidade, como expectativa de que o homem poderia
dominar a natureza. No entanto, essa expectativa,
convertida em programa anunciado por pensadores como
Filosofia
ENEM
47
Descartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não
surgiu “de um prazer de poder”, “de um mero
imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o
homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente.
CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico de três enfoques.
Scientiae Studia. São Paulo, v.2 n. 4, 2004 (adaptado).
Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e
Bacon, e o projeto iluminista concebem a ciência como
uma forma de saber que almeja libertar o homem das
intempéries da natureza. Nesse contexto, a investigação
científica consiste em:
a) expor a essência da verdade e resolver
definitivamente as disputas teóricas ainda existentes.
b) oferecer a última palavra acerca das coisas que
existem e ocupar o lugar que outrora foi da filosofia.
c) ser a expressão da razão e servir de modelo para
outras áreas do saber que almejam o progresso.
d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a
natureza e eliminar os discursos éticos e religiosos.
e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos
naturais e impor limites aos debates acadêmicos.
GABARITO
1 2 3 4 5 6
C A D B C C
UNIDADE 16
FILOSOFIA ILUMINISTA
Esse período também crê nos poderes da razão,
chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O
Iluminismo afirma que:
Pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a
felicidade social e política (a filosofia da Ilustração foi
decisiva para as ideias da Revolução Francesa de 1789);
A razão é capaz de evolução e progresso, e o homem é
um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberar-
se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em
libertar-se da superstição e do medo, graças ao
conhecimento, às ciências, às artes e à moral;
O aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progresso
das civilizações, que vão das mais atrasadas (também
chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais
adiantadas e perfeitas (as da Europa ocidental);
Há diferença entre Natureza e civilização, isto é, a
Natureza é o reino das relações necessárias de causa e
efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto
a civilização é o reino da liberdade e da finalidade
proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu
aperfeiçoamento moral, técnico e político.
Nesse período há grande interesse pelas ciências que se
relacionam com a ideia de evolução e por isso, a biologias
terá um lugar central no pensamento ilustrado,
pertencendo ao campo da filosofia da vida.
Data também desse período o interesse pela
compreensão das bases econômicasda vida social e
política, surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma
da riqueza das nações, com uma controvérsia sobre a
importância maior ou menor da agricultura e do comércio,
controvérsia que se exprime em duas correntes do
pensamento econômico: a corrente fisiocrata (a agricultura
é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o
comércio é a fonte principal da riqueza das nações).
DAS TREVAS PARA A LUZ
Inicialmente, as ideias do Iluminismo foram
disseminadas por filósofos e economistas que se diziam
propagadores da luz e do conhecimento. Julgavam que a
via para se adquirir o conhecimento era através da razão, e
para isso, o estimula ao questionamento sobre a origem ou
a ordem das coisas que se fazia presente em suas
discussões; utilizavam-se da pesquisa e da investigação
para entender, na natureza, a sociedade, a economia, a
política e o próprio ser humano - o antropocentrismo, ou
seja, o avanço da ciência e da razão.
Considerado como uma doutrina filosófica, o
Iluminismo marcou a passagem da Idade Moderna para a
Idade Contemporânea. Teve seu inicio na Inglaterra, no
século 17 e seu auge na França, no século 18. A doutrina
teve como "pai" o filósofo John Locke, além de René
Descartes, pai do racionalismo, que possibilitou acontecer
esse movimento.
Podemos resumir o Iluminismo em uma única frase,
pode-se dizer que ele é, segundo Kant, a "saída do ser
humano do estado de não emancipação em que ele próprio
se colocou. Essa não emancipação é a incapacidade de
fazer uso da razão sem recorrer a outros". A partir dessas
máximas, o Iluminismo precedeu e possibilitou a
Revolução Francesa e suas consequências influenciaram
também a história dos Estados Unidos e até mesmo do
Brasil, além de influenciar a sociedade até hoje, afinal,
todos os cidadãos que vivem em uma democracia são
livres, iguais e tem o direito de adquirir uma propriedade.
Os princípios iluministas eram o racionalismo
(duvidando-se de tudo é que se chega à verdade absoluta),
individualismo (cada um deve ser responsável pela sua
evolução) e a liberdade religiosa (eram contra a religião,
mas não contra Deus - consequência da Reforma
Protestante). Esses princípios refletem hoje em nossa
sociedade, onde as pessoas não têm mais tanto afinco com
as religiões.
Esse movimento intelectual defendia o uso da razão
(luz) contra o antigo regime (trevas) e pregava maior
liberdade econômica e política. Defendiam a liberdade da
escolha e a igualdade perante a lei, até mesmo religiosa.
Opunham-se às ideias do absolutismo e de todas as suas
características que privilegiava a nobreza e o clero, além
de críticos fervorosos do mercantilismo, da Igreja católica
e de seus métodos, respeitando, porém a crença em Deus.
Por meio dessa liberdade, a proposta do Iluminismo se
estendia também ao direito a educação para todos, assim
com essa visão mais solidária, e menos separatista,
encontraram facilmente a adesão, das suas ideias na
população, principalmente porque o povo se sentia
aprisionado e limitado. Essa vertente acaba por atingir e
Ciências Humanas e suas Tecnologias
48
intimidar alguns reis absolutistas que, com medo de
perderem o governo, passaram a aceitar algumas ideias do
movimento. Esses eram chamados Déspotas Esclarecidos
(tentavam conciliar o Iluminismo com o absolutismo).
O movimento causado pelo Iluminismo promoveu
mudanças políticas, econômicas e sociais, baseadas nos
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.
Principalmente por ter apoio da burguesia, pois os
pensadores e os burgueses tinham interesses comuns.
O Iluminismo sintetiza diversas tradições filosóficas,
correntes intelectuais e atitudes religiosas. Considerado
uma atitude geral de pensamento e de ação, os iluministas
admitiam que os seres humanos estão em condição e
possuem o poder de tornar este mundo melhor - mediante
introspecção, livre exercício das capacidades humanas e
do engajamento político-social. Um dos mais conhecidos
expoentes do pensamento iluminista, Immanuel Kant, em
um texto escrito precisamente como resposta à questão
sobre o que é o Iluminismo, descreveu: "O Iluminismo
representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem
que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são
aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da
própria razão independentemente da direção de outrem. É-
se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não
de uma deficiência do entendimento mas da falta de
resolução e coragem para se fazer uso do entendimento
independentemente da direção de outrem. Sapere aude!
Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é
o lema do Iluminismo".
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/49/artigo326843-
1.asp
UNIDADE 17
MONTESQUIEU
Montesquieu viveu em um período de transição,
sofrendo, por isso, influência dos contratualistas, mas não
seguiu a mesma metodologia. Leu os clássicos,
principalmente Aristóteles e Maquiavel, mas não os segue
de todo. Se encontra entre o racionalismo, quer dizer, se
utiliza da dedução para chegar a algumas conclusões, mas
procura associá-lo ao historicismo, ou seja, a observação
da evolução real pela qual passou a história. É
determinista em alguns momentos, o que significa
apresentar uma relação “necessária” de causa e efeito
particular, mas estabelece critérios universais de caráter
formal (morais e filosóficos). Em outras palavras tudo o
que acontecia e que era de seu conhecimento, todas as
descobertas científicas e os relatos históricos, acabaram
por repercutir em suas obras. Montesquieu dedicou toda
uma vida (especificamente, 20 anos para escrever, mas
toda ela para elaborar) à criação do Espírito das Leis
(1748). Em sua obra percebe-se a preocupação com os
princípios, as causas gerais, a “mola propulsora”, ou
melhor, o espírito que move os homens e as relações entre
eles. O ponto fundamental desse espírito, onde ele se
reflete, é nas leis.
ESTADO DE NATUREZA
É por isso que ele talvez inicie sua obra pela definição e
compreensão das leis. Como foi dito anteriormente,
devido à influência dos contratualistas, ele se vê obrigado
a considerar os homens e as leis existentes antes do
estabelecimento das sociedades. Na verdade, ele, como
bom historiador e leitor de Aristóteles, não acredita
realmente que tenha havido homens que não vivessem
agrupados, mas apenas que podemos tentar conceber, pela
razão, o que é o homem, sem levar em conta a influência
da coletividade que ele vive.
Barão de Montesquieu (1689-1755)
Nesse estado hipotético, todos seriam iguais em
condições, mas não fisicamente. Os homens seriam
dotados de razão (contudo, possuiriam mais a faculdade
de conhecer do que conhecimento propriamente dito, pois
este seria cumulativo) e perceberiam antes de tudo suas
principais condições – a fraqueza e o medo. Apesar de
serem iguais, de todos possuírem essas mesmas condições,
ninguém se sente igual, todos se sentem inferiores. Mas é
devido a essa percepção que ninguém ataca ninguém
(como sugeriria Hobbes, a quem ele rebate
explicitamente). Nasce daí a primeira das leis de natureza
– a busca pela paz.
Montesquieu identifica quatro leis naturais decorrentes
desse estado de natureza. A primeira já foi citada:
1) é a busca pela paz (temor + sentimento de
inferioridade = paz); as demais leis naturais são:
2) fraqueza + necessidades = busca por alimentos;
3) medo + aproximação = busca pelo sexo oposto; e,
consequentemente,
4) busca do outro + conhecimentos = desejo de viver em
sociedade (referência direta à concepção de Aristóteles).
O que ele pretende com a descrição desse estado de
natureza é explicar duas coisas: a) que todos os seres do
mundo (inclusive Deus) são governados por leis (naturais
ou positivas que sejam);e que b) haverá sempre o
estabelecimento de leis quando houver uma relação entre
dois seres.
Com essas duas afirmativas, Montesquieu contribui com
Maquiavel para romper de fato com a influência divina,
pois para ele, então, desde que o homem passou a viver
com outros homens, passou também a existir uma relação
causal, logo, o mundo não é governado por uma “cega
fatalidade”, nem pela Providência.
Filosofia
ENEM
49
A SOCIEDADE POLÍTICA
Após o estado de natureza, quando as leis naturais
surgiram, percebeu-se que para assegurar o respeito a
essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras
leis - as leis positivas - promulgadas em todas as
sociedades pela autoridade à qual incube manter a coesão
do grupo (de acordo com a especificidade de cada um dos
grupos). Esse é o motivo do estabelecimento da sociedade
política, formalizar um tipo de organização social
adequada a cada grupo, mas com o intuito geral de manter
a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos diferentes
povos.
Dessa maneira, o que Montesquieu pretende é buscar
um conceito geral de princípios e naturezas (em outras
palavras, de causas e efeitos) que fundamentem a
organização de uma sociedade estável. Para isso ele faz
uma análise histórica de todas as formas de organização
social, isto é, de todas as formas de governo e as suas
respectivas leis.
Antes de falar dos diversos modos de organização
social, vale ressaltar as causas que Montesquieu aponta
para diferenciar as leis que sustem essas organizações, a
saber:
a) as causas “físicas” ou “naturais” (clima, solo);
b) as causas “econômico-sociais” (estabelecendo as
seguintes relações - os povos selvagens eram caçadores;
os bárbaros, pastores; os civis, primeiro agricultores e,
depois, comerciantes); e, por fim
c) as causas “espirituais” (como a religião).
Montesquieu completa que todas essas causas representam
os princípios e natureza das coisas e a lei é uma relação
entre esses princípios e naturezas.
O ESPÍRITO DAS LEIS E O ESPÍRITO GERAL
“Toda lei representa um elemento da realidade física,
social ou moral” o espírito das leis é a relação dessas
causas com as leis. Já por Espírito Geral ele entende a
resultante de todas essas relações com todo um conjunto
de causas, sendo estas as constituidoras do Espírito Geral
de cada nação - “governo, religião, tradições, costumes e
maneiras, assim como o clima”.
TEORIA DAS FORMAS OU TIPOS DE GOVERNO
Agora, pode-se compreender, então, “as relações das
leis com a natureza e o princípio de cada governo”. A
natureza é a estrutura particular do governo, enquanto o
princípio é o que o faz agir, é o seu elemento dinâmico (o
que move).
Assim Montesquieu supera as tradições que o
antecederam e influenciaram mostrando que sua distinção
dos tipos de governo é, ao mesmo tempo, uma distinção
das organizações (fim, objetivo, mola - princípio) e das
estruturas sociais (“quem” e “como” governa - natureza).
Portanto, segundo Montesquieu, tem-se:
a) República Democrática
natureza: conjunto de cidadãos exercendo o poder
soberano.
princípio: interesse geral associado à virtude política
(chegando a um não privatismo).
b) República Aristocrática
natureza: certo número de cidadãos exercendo o poder
soberano.
princípio: moderação na desigualdade (a fim de limitar
privilégios).
c) Monarquia
natureza: uma pessoa exercendo o poder soberano, de
acordo com as disposições das leis fixas e estabelecidas.
princípio: honra (baseada na desigualdade de mérito e
privilégios), o espírito de corpo e a
prerrogativa (“cada um se dirige ao bem comum, julgando
buscar seus interesses particulares”).
d) Despotismo
natureza: uma pessoa exercendo o poder acima de
quaisquer leis.
princípio: o medo, o temor.
Logo, o que distingue a monarquia e o despotismo? As
leis. Para se compreender então a distinção de estrutura
entre essas duas formas de governo é preciso ter em mente
que a Monarquia pressupõe a existência de poderes
intermediários e um depósito de leis.
Os poderes intermediários são três elementos que
representam as três forças sociais que limitam o poder real
- a nobreza, o clero e as cidades (ou o “povo”). Cada qual
deve ter sua representação no novo corpo intermediário - o
Parlamento. O Parlamento é, na verdade, o Depósito das
leis, local onde as três forças sociais se encontram e se
confrontam defendendo seus respectivos interesses, dando
origem ao que ele chama de “pesos e contrapesos”, de
contraforças. Dessa forma, é o Parlamento que sustenta o
Estado monárquico e o que pode torná-lo moderado.
TEORIA DA LIBERDADE POLÍTICA
Só os governos moderados, vai dizer Montesquieu, é
que permitem o desenvolvimento e a garantia da liberdade
política, fundada na distinção e relação entre os diferentes
poderes.
- Liberdade: Mas o que Montesquieu entende por
liberdade? É fazer aquilo que se quer? Não. A liberdade
(política, pois se trata aqui da sociedade política,
organizada) é o poder das leis - é o poder fazer aquilo que
a lei permite, garantindo a segurança aos cidadãos
temerosos por natureza frente aos demais. A liberdade está
em impedir que um cidadão (ou um grupo) abuse do poder
sobre os outros, impedindo que os indivíduos vivam
livremente respeitando as leis, como acontece no
despotismo.
- Mecanismo: Para que essa liberdade seja garantida é
necessário que o “poder detenha o poder”, isto é, que o
poder não esteja unido nas mãos de um ou de poucos
cidadãos, mas distribuídos e separados, em diferentes mãos.
Contudo, o que podemos dizer que seria “separar” o
poder para ele? É definir diferentes funções, quais sejam:
Ciências Humanas e suas Tecnologias
50
a) fazer leis;
b) executar as resoluções públicas; e
c) julgar os crimes ou as desavenças dos particulares.
E o que seria distribuir o poder? É dar a cada força social
- para o povo, nobreza e monarca - uma dessas funções.
GOVERNO MISTO
Influenciado pelos clássicos e por John Locke, eis que
Montesquieu elabora o que ele entende como sendo a
estrutura da organização social que melhor alcança e
mantém a “estabilidade” – uma espécie de “Governo
Misto” composto por um Poder Legislativo, Executivo e
outro Judiciário. Assim temos:
O PODER LEGISLATIVO - Representado pelo
Parlamento. Este é composto por duas esferas e tem por
função criar leis. Dessa maneira, o mecanismo de controle
que o protege dos outros poderes é o direito de estatuir –
criar e modificar leis. Defesa e recursos.
- O Povo: o povo não age por si mesmo, mas por seus
representantes. Montesquieu coloca que, por meio do
sufrágio universal e o voto por circunscrição ou distrito
eleitoral, deveriam ser eleitos os representantes do povo
para constituírem o que na Inglaterra seria a Câmara dos
Comuns.
- A Nobreza: a nobreza tem interesses que devem se
defendidos também, mas respeitando a natureza dessa
força social - hereditária, Montesquieu separa a Câmara
dos Lordes para que ela possa discutir seus propósitos.
Como é ela que detém o dinheiro é um direito dela julgar
sobre esse tema (matéria de finanças, orçamento).
O PODER EXECUTIVO - Atende à necessidade de
decisões momentâneas e imediatas. Para tal é melhor um
agindo do que muitos.
- O Monarca: Esse é o monarca - uma figura inviolável,
sendo os seus ministros os responsáveis. (Esse ponto, mais
tarde, foi alvo de muitas críticas).
O PODER JUDICIÁRIO - É um poder nulo, “os juízes
(são) ... a boca que profere as palavras da lei”.
http://monitoriacienciapolitica.blogspot.com.br/2009/08/montesquieu.
html
A DIVISÃO DE PODERES
Ao refletir sobre a possibilidade de abuso do poder nas
monarquias, Montesquieu propôs que se estabelecesse a
divisão do poder político em três poderes: executivo (que
executa as normas e decisõesrelativas à administração
pública), legislativo (que elabora e aprova as leis) e
judiciário (que aplica as leis e distribui a proteção
jurisdicional pedida aos juízes).
Em sua obra O espírito das leis (1748), Montesquieu
assim escreve sobre a questão dos poderes:
Quando os poderes legislativo e executivo ficam
reunidos num pessoa ou instituição do Estado, a
liberdade desaparece (...) Não haverá também liberdade
se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz
poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria
perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado
exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de
ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre
os cidadãos.
MONTESQUIEU. O espírito das leis, p. 168.
Embora já houvesse na época uma divisão de poderes
próxima da que é proposta por Montesquieu, é
significativa na sua obra a ênfase atribuída à necessidade
de separação desses poderes, que devem ser exercidos por
pessoas diferentes, e à necessidade de equilíbrio entre
eles.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. pp. 304-305)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Montesquieu identifica quatro leis ou combinações de
carências e satisfação de necessidades que regem o
comportamento do homem em estado de natureza: a busca pela
paz, a busca por alimentos, a busca pelo sexo oposto a busca
pelo saber de outros.
• Após o estado de natureza para assegurar o respeito a
essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras leis -
as leis positivas - promulgadas em todas as sociedades pela
autoridade à qual incube manter a coesão do grupo. Esse é o
motivo do estabelecimento da sociedade política, formalizar um
tipo de organização social adequada a cada grupo, mas com o
intuito geral de manter a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos
diferentes povos.
• Montesquieu diferencia quatro tipos de governo:
República Democrática, República Aristocrática, Monarquia e
Despotismo. Cada um destes tipos de governo apresenta leis
que resultam da combinação de princípios e naturezas de cada
tipo de organização social.
• A natureza de um governo é aquilo que o faz ser tal, ao
passo que seu princípio é aquilo que o faz agir. Em outras
palavras, a natureza é a estrutura particular do governo,
enquanto o princípio é o que o faz agir, é o seu elemento
dinâmico (o que move).
• Para Montesquieu tanto as monarquias quanto as
repúblicas corriam no risco de degenerar no despotismo, a
menos que fossem reguladas por uma constituição capaz de
prevenir tal destino separando os poderes dentro do governo. A
separação de poderes garantiria que nenhuma das instituições
administrativas pudesse assumir todo o poder, já que cada uma
delas conseguiria restringir qualquer abuso de poder das outras.
• Montesquieu propôs que se estabelecesse a divisão do
poder político em três poderes: executivo (que executa as
normas e decisões relativas à administração pública), legislativo
(que elabora e aprova as leis) e judiciário (que aplica as leis e
distribui a proteção jurisdicional pedida aos juízes).
UNIDADE 18
VOLTAIRE
Filosofia
ENEM
51
Voltaire foi um intelectual francês que viveu durante o
iluminismo, período caracterizado pelo questionamento
intenso sobre o mundo e sobre como as pessoas vivem
nele. Os filósofos e escritores europeus voltaram sua
atenção para as autoridades reconhecidas, tais como a
Igreja e Estado, a fim de questionar sua validade e suas
ideias, ao mesmo tempo em que buscavam novas
perspectivas. Até o século XVII, os europeus tinham
aceitado irrestritamente as explicações da igreja sobre o
que, por que e como as coisas existiam, mas tanto os
cientistas quantos os filósofos já apresentavam abordagens
diferentes para estabelecer a verdade. Em 1960, o filósofo
John Locke argumentou que nenhuma ideia era inata –
todas as ideias nasciam exclusivamente da experiência.
Seu argumento ganhou peso adicional por causa do
cientista Isaac Newton, cujos experimentos forneceram
novas formas de descobrir verdades sobre o mundo. Foi
contra esse pano de fundo de rebelião contra as tradições
que Voltaire declarou que a certeza é absurda.
Voltaire (1694-1778)
Voltaire refuta a ideia de certeza de duas maneiras.
Primeiro, ele mostrou que, à exceção de algumas poucas
verdades necessárias da matemática e da lógica, quase
todo fato e teoria na história foi revisto em algum
momento. Então, o que parece ser “fato” é realmente
pouco mais do que uma hipótese de trabalho. Segundo, ele
concordou com Locke de que não existem ideias inatas, e
mostrou que as ideias que temos a impressão de conhecer
como verdadeiras desde o nascimento podem ser apenas
culturais, já que elas variam de nação para nação.
DÚVIDA REVOLUCIONÁRIA
Voltaire não chegou a afirmar que não existem verdades
absolutas, mas não via meios de alcançá-las. Por essa
razão, enunciou que a dúvida é o único ponto de vista
lógico. Supondo que o desacordo sem fim é, por
consequência, inevitável. Voltaire enfatizou a importância
de desenvolver um sistema, como a ciência, para
estabelecer o acordo.
Ao afirmar que a certeza é mais agradável do que a
dúvida (“A dúvida não é uma condição agradável, mas a
certeza é absurda”), Voltaire insinua o quanto é mais fácil
simplesmente aceitar as declarações oficiais – como as da
monarquia ou da Igreja – do que desafiá-las e pensar por
si mesmo. Mas Voltaire acreditava que é de vital
importância duvidar de todo “fato” e desafiar toda
autoridade. Ele defendeu a limitação do poder do governo,
mas a liberdade de expressão não pode ser censurada,
afirmando que a ciência e a educação levam ao progresso
material e moral. Esses eram ideais fundamentais tanto do
iluminismo quanto da Revolução Francesa, deflagrada 11
anos depois da morte de Voltaire.
(VARIOS. O Livro da Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2011. pp.
146-147)
DEFESA DO DEÍSMO CONTRA O ATEÍSMO E O
TEÍSMO
Há dicionários segundo os quais o voltairianismo
define-se como “atitude de incredulidade irônica em
relação às religiões”.
Todavia, para Voltaire, Deus existe ou não existe? Pois
bem, na opinião de Voltaire não há qualquer dúvida de
que Deus existe. Para ele, como para Newton, Deus é o
grande engenheiro ou mecânico que idealizou, criou e
regulou o sistema do mundo. O relógio é uma prova
insofismável de que existe o relojoeiro. E Deus, na
opinião de Voltaire, existe porque existe a ordem do
mundo. Em suma, a existência de Deus é atestada pelas
“simples e sublimes leis em virtude das quais os mundos
celestes correm no abismo dos espaços”.
No Tratado de Metafísica, Voltaire escreve que “depois
de sermos tão arrastados de dúvida em dúvida, de
conclusão em conclusão, [...] podemos considerar esta
proposição: Deus existe, como a coisa mais verossímil que
os homens podem pensar [...] e a proposição contrária
como uma das mais absurdas”. A ordem do universo não
pode ter derivado do acaso, “antes de mais nada porque no
universo há seres inteligentes e vós não conseguiríeis
provar se é possível que apenas o movimento produza a
inteligência e, enfim, porque, segundo a vossa própria
confissão, pode-se apostar um contra o infinito que uma
causa inteligente anima o universo. Quando estamos
sozinhos diante do infinito, nos sentimos muito pobres.
Quando estamos diante de uma bela máquina, dizemos
que há um mecânico e que esse mecânico deve ter um
gênio excepcional. Ora, o mundo é certamente uma
admirável máquina: portanto, existe uma inteligência
admirável, onde quer que ela esteja. Tal argumento é
velho, mas não é dos mais medíocres”.
Deus existe. Mas também existe o mal. Como conciliar
a presença maciça do mal com a existência de Deus?
A resposta de Voltaire é que Deus criou a ordem do
universo físico, mas que a história é uma questão dos
homens.
E esse é onúcleo doutrinário do deísmo. O deísta é
alguém que sabe que Deus existe. Mas como escreve
Voltaire no Dicionário Filosófico, “o deísta ignora como
Deus pune, favorece e perdoa, porque não é tão temerário
a ponto de iludir-se que conhece como Deus age”. Além
disso, o deísta “se abstém de aderir a algumas das seitas
particulares, que são todas intimamente contraditórias.
Sua religião é a mais antiga e a mais difundida, porque a
simples adoração de um Deus precedeu todos os sistemas
deste mundo. Ele fala uma língua que todos os povos
podem entender, ainda que, quanto ao resto, não se
entendam em absoluto entre si. Seus irmãos estão
espalhados pelo mundo, de Pequim a Caiena. Todos os
sábios são seus irmãos. Ele considera que a religião não
Ciências Humanas e suas Tecnologias
52
consiste nas doutrinas de um metafísica ininteligível, nem
em vãos instrumentos, mas na adoração e na justiça. Fazer
o bem, eis o seu culto; estar submetido a Deus, eis a sua
doutrina. Ele socorre o indigente e defende o oprimido”.
Voltaire, portanto é deísta. E justamente em nome do
deísmo ele rejeita o ateísmo: “Certos geômetras não
filósofos rejeitaram as causas finais; mas os verdadeiros
filósofos as admitem e, para retomar a expressão do
conhecido escritor, enquanto um catequista anuncia Deus
às crianças, Newton o demonstra aos sábios”.
Além disso, observa Voltaire, “o ateísmo é um monstro
muito perigoso naqueles que governam e o é também nas
pessoas de estudo, mesmo que sua vida seja inocente,
porque do seu estudo ele pode chegar àqueles que estão
nas praças. E se não é tão funesto quanto o fatalismo,
entretanto é quase sempre fatal para a virtude. Mas
devemos lembrar de acrescentar que existem hoje menos
ateus do que já existiram, desde quando os filósofos
reconheceram que não existe nenhum ser vegetal sem o
seu germe, nenhum germe sem uma finalidade etc., e que
o trigo não nasce da podridão”.
Voltaire, portanto, é contrário ao ateísmo. E é contrário
ao ateísmo pelo fato de que ele é deísta. E, para o deísta, a
existência de Deus não é artigo de fé, e sim resultado da
razão. A existência de Deus, portanto, é um dado de razão.
A fé, ao contrário, é apenas superstição. Por isso, com
suas crenças, seus ritos e liturgias, as religiões positivas
são quase completamente acúmulos de superstições.
Não é de admirar que uma seita considere supersticiosa
outra seita e todas as outras religiões: “Com efeito, os
muçulmanos acusam de superstição todas as sociedades
cristãs e são por elas acusados. Quem julgará esse grande
processo? Quem sabe a razão? Todavia, toda seita
pretende ter a razão do seu lado. A decisão será portanto
pela força, na expectativa de que a razão penetre em um
número de cabeças bastante grande a ponto de conseguir
desarmar a força”.
Depois de fazer longas relações de superstições,
Voltaire concluiu: “Menos superstições, menos fanatismo;
menos fanatismo, menos desventuras”.
A CRÍTICA AO OTIMISMO DOS FILÓSOFOS
Conforme já acenamos acima, segundo Voltaire negar o
mal é absurdo. O mal existe: os horrores da maldade
humana e as penas das catástrofes naturais não são
invenções dos poetas. São fatos nus e crus que se chocam
com força decisiva contra o otimismo dos filósofos, contra
a ideia do “melhor dos mundos possíveis”.
Já no Poema sobre o desastre de Lisboa, Voltaire
perguntava-se o porquê do sofrimento inocente, a razão da
“desordem eterna” e do “caos de desventuras” que nos
cabe ver neste “melhor dos mundos possíveis”. E dizia
que se é verdade que “tudo um dia ficará bem” constitui a
nossa esperança, entretanto é ilusão sustentar que “tudo
está bem hoje em dia”.
Entretanto, é com Cândido ou o otimismo, verdadeira
obra-prima da literatura e da filosofia iluminista, que
Voltaire procura despedaçar aquela filosofia otimista que
trata de justificar tudo, proibindo assim compreender
alguma coisa. O Cândido é um relato tragicômico. A
tragédia está no mal, nas guerras, nas opressões, na
intolerância, na superstição cega, nas doenças, nas
arbitrariedades, na estupidez, nas roubalheiras e nas
catástrofes naturais (como o terremoto de Lisboa) com
que Cândido e seu mestre Pangloss (contrafigura de
Leibniz) se defrontam. É a comédia está nas justificações
insensatas que Pangloss e também Cândido, seu aluno,
procuram dar às desventuras humanas.
Que tipo de mestre é Pangloss? “Pangloss ensinava a
metafísicoteológicosmológicoidiotologia. Demonstrava
admiravelmente que não há efeitos sem causas e que,
neste melhor dos mundos possíveis, o castelo do senhor
barão era o mais belo dos castelos e que sua senhora era a
melhor baronesa possível. Dizia: está provado que as
coisas não podem ser de outro modo: com efeito, como
tudo é feito para um fim, tudo existe necessariamente para
o melhor fim. Observai que os narizes são feitos para que
neles repousem os óculos e, com efeito, nós temos óculos;
notai que as pernas são evidentemente conformadas para
vestirem calças e, com efeito, nós temos calças. Da
mesma forma, as pedras foram criadas para serem
lapidadas e delas serem feitos castelos e, com efeito, meu
senhor tem um belíssimo castelo; o mais poderoso barão
da província deve ser o melhor alojado. E, como os porcos
foram criados para serem comidos, nós comemos porcos o
ano inteiro. Consequentemente, aqueles que afirmaram
que tudo vai bem disseram uma asneira: é preciso dizer
que tudo vai da melhor maneira possível”. E, de modo
verdadeiramente eficaz, Voltaire, de forma elíptica,
elabora um conto que, com ironia levada aos extremos
limites, mostra como o contrário é em larga medida
verdadeiro. O mundo “como vai” é muito frequentemente
a antítese de como “deveria ir” segundo o otimismo. E o
que acontece aos protagonistas e o modo em que o
interpretam resultam na prova irrefutável, bem
orquestrada com vários jogos narrativos, paródias
pungentes e sátiras sarcásticas.
Mas Voltaire não critica apenas a interpretação abstrata
deste nosso mundo como “o melhor dos mundos
possíveis”, mas, ao contrário, critica em contraponto todas
as maldades que caracterizam o mundo como
efetivamente vai.
Mas o que se pode fazer então, para sair dos males do
mundo?
Voltaire o diz como conclusão do relato com duas
afirmações significativas: “trabalhemos sem discutir, pois
é o único modo de tornar suportável a vida”; e sobretudo:
“é preciso cultivar nossa horta”.
Esse “cultivar nossa horta” não é fuga dos
compromissos da vida, mas o modo mais digno para vivê-
la e para mudar a realidade naquilo que nos é possível.
Nem tudo é mal e nem tudo é bem. O mundo, porém,
está cheio de problemas. Cabe a cada de nós não eludir os
nossos problemas, e sim enfrentá-los, fazendo aquilo que
for possível para resolvê-los.
Nosso mundo não é o pior dos mundos possíveis, mas
também não é o melhor. “É preciso cultivar nossa horta”,
isto é, precisamos enfrentar os nossos problemas, para que
Filosofia
ENEM
53
este mundo possa melhorar gradualmente ou, pelo menos,
não se torne pior.
OS FUNDAMENTOS DA TOLERÂNCIA
E exatamente para que este mundo se tornasse mais
civilizado e a vida mais suportável, Voltaire travou
durante toda a sua vida a batalha pela tolerância.
Para ele, a tolerância encontra seu fundamento teórico
no fato de que, conforme demonstraram homens como
Gassendi e Locke, apenas com as nossas próprias forças
nós não podemos saber nada dos segredos do Criador.
Não sabemos quem é Deus, nem o que é a alma e muitas
outras coisas. Mas há quem se arrogue o direito divino da
onisciência – e daí a intolerância.
No verbete “tolerância”, do Dicionário filosófico,
podemos ler: “O que é a tolerância? É o apanágio da
humanidade. Nós todos estamos prenhes de fraqueza e de
erros: perdoemo-nos reciprocamente nossas bobagens,essa é a primeira lei da natureza”.
Nosso conhecimento é limitado e nós todos estamos
sujeitos ao erro, nisso reside a razão da tolerância
recíproca: “Em todas as outras ciências nós estamos
sujeitos ao erro. Qual teólogo, tomista ou escotista,
ousaria então sustentar seriamente que está a
absolutamente seguro da sua posição?” No entanto, as
religiões estão armadas umas contra as outras e, no
interior das religiões, as seitas geralmente são terríveis no
combate recíproco.
Entretanto, diz Voltaire, está claro que “nós devemos
nos tolerar mutuamente, porque somos todos fracos,
incoerentes, sujeitos à inconstância e ao erro. Será que um
junco dobrado pelo vento contra a lama deverá dizer ao
junco dobrado em sentido contrário, que ele, miserável,
deve dobrar-se como está se dobrando o primeiro, sob
pena de denunciá-lo para fazê-lo ser arrancado e
queimado?” A intolerância se entrelaça com a tirania. E “o
tirano é aquele soberano que não conhece outras leis além
de seus caprichos, que se apropria dos haveres de seus
súditos, e depois os recruta para que tomem os bens dos
vizinhos”.
Mas, voltando à intolerância mais especificamente
religiosa, o que Voltaire sustenta é que a Igreja cristã
quase sempre esteve estraçalhada pelas seitas. Pois bem,
afirma Voltaire, “uma tão horrível discórdia, que dura há
tantos séculos, é uma claríssima lição de que devemos
perdoar uns aos outros nossos erros: a discórdia é a grande
peste do gênero humano e a tolerância é o seu único
remédio”.
(REALE, Giovanni. e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. De
Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2004. pp. 257-260)
UNIDADE 19
JEAN-JAQUES ROUSSEAU
Rousseau era, em grande parte, produto do período final
do século XVIII, conhecido como iluminismo, e
personificação da filosofia continental europeia da época.
Quando jovem, tentou fazer seu nome tanto como músico
quanto como compositor, mas em 1740 conheceu Denis
Diderot e Jean d’Alembert, organizadores da nova
Encyclopédie, e interessou-se pela filosofia. O ambiente
político na França da época estava agitado. Os pensadores
iluministas franceses e ingleses tinham começado a
questionar o status quo, minando a autoridade da Igreja e
da aristocracia e defendendo uma reforma social – tal
como Voltaire continuamente desafiava a censura
autoritária do establishment. Como era de se esperar nesse
contexto, a principal área de interesse de Rousseau tornou-
se a filosofia política. Seu pensamento foi influenciado
não apenas por seus contemporâneos franceses, mas
também por obras dos filósofos ingleses – e, em
particular, a ideia de um contrato social, como proposto
por Thomas Hobbes e aperfeiçoado por John Locke.
Como eles, Rousseau considerou a ideia de humanidade
num “estado natural” hipotético, comparando-a com a
maneira como as pessoas realmente viviam em sociedade
civil. Mas ele assumiu uma perspectiva tão radicalmente
própria desse estado natural (e do modo como ele é
transformado pela sociedade) que poderia ser considerada
uma forma de pensamento “contrailuminista”. Sua
abordagem continha em si as sementes do próximo grande
movimento, o romantismo.
CIÊNCIA E ARTE CORROMPEM
Hobbes tinha imaginado a vida em estado natural como
“solitária, pobre, repugnante, brutal e curta”. Em sua
visão, o ser humano é instintivamente interessado e
dedicado apenas a si mesmo, e a civilização seria
necessária para colocar restrições nesses instintos. De sua
parte, Rousseau considerava a natureza humana bem mais
gentil e via a sociedade civil como uma força muito
menos benevolente.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
A ideia de que a sociedade pode ser uma influencia
nociva ocorreu a Rousseau pela primeira vez quando ele
escreveu um ensaio para um concurso organizado pela
Academia de Dijon, respondendo à questão: “O
restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para
aperfeiçoar os costumes?”. A resposta que se esperava de
pensadores da época, e especialmente de um músico como
Rousseau, era um entusiástico sim. Mas Rousseau
sustentou o oposto. Seu Discurso sobre as ciências e as
artes, que ganhou o primeiro prêmio, apresentava de
maneira controversa a ideia de que as artes e as ciências
Ciências Humanas e suas Tecnologias
54
corrompem e corroem a moral. Ele argumentou que, longe
de desenvolver mentes e vidas, as artes e as ciências
diminuem a virtude e a felicidade humana.
A DESIGUALDADE DAS LEIS
Tendo rompido com o pensamento estabelecido com
seu texto, aclamado publicamente, Rousseau levou a ideia
um passo além num segundo ensaio, Discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens. O tema condizia com o espírito da época,
ecoando os apelos por reforma social de escritores como
Voltaire – mas em sua análise novamente Rousseau
contrariou o pensamento tradicional. O estado da natureza
egoísta, selvagem e injusta retratado por Hobbes é, para
Rousseau, uma descrição não do “homem natural”, mas
“do homem civilizado”. Ele argumentou que a sociedade
civil é que induz esse estado selvagem. O estado natural
da humanidade, ele frisou, é inocente, feliz e
independente: o homem nasce livre.
A SOCIEDADE CORROMPE
O estado de natureza que Rousseau descreveu é um
idílio pastoril, no qual as pessoas em seu estado natural
são fundamentalmente boas. (Em diversas línguas, a ideia
do homem natural de Rousseau foi erroneamente
interpretada como o “bom selvagem”, devido à tradução
do francês sauvage, que significa “natural”, não
selvagem.) As pessoas seriam dotadas de virtudes inatas e,
mais importante, com atributos de compaixão e empatia.
Mas, uma vez que esse estado de inocência é destruído e o
poder da razão começa a distinguir a humanidade do resto
da natureza, as pessoas são apartadas de suas virtudes
naturais. A imposição da sociedade civil sobre o estado de
natureza, portanto, resulta em um afastamento da virtude
em direção ao vício – e da felicidade idílica em relação à
miséria.
Rousseau via a queda do estado de natureza e o
estabelecimento da sociedade civil como algo lamentável
mas inevitável, porque isso resultou da faculdade racional
humana. Segundo Rousseau, o processo começou na
primeira vez em que um homem circundou um pedaço de
terra para si, introduzindo a noção de propriedade.
Conforme grupos de pessoas começaram a viver lado a
lado dessa forma, formaram sociedades que só podiam se
manter por meio de um sistema de leis. Mas Rousseau
afirmou que toda sociedade perde contato com as virtudes
naturais da humanidade, inclusive a compaixão, e impõe
leis injustas, feita para proteger a propriedade e infligidas
aos pobres pelos ricos. O deslocamento de um estado
natural para um estado civilizado, portanto, ocasionaria
um deslocamento não apenas da virtude para o vício,
salientou Rousseau, mas também da inocência e da
liberdade para a injustiça e a escravização. Embora
naturalmente virtuosa, a humanidade é corrompida pela
sociedade. E embora o homem nasça livre, as leis
impostas pela sociedade condenam-no a uma vida
“acorrentada”.
O CONTRATO SOCIAL
O segundo Discurso de Rousseau causou ainda mais
polêmica do que o primeiro, mas proporcionou-lhe maior
reputação e até seguidores. Seu retrato do estado de
natureza como desejável e não brutal constituiu uma base
vital do emergente movimento literário romântico A
palavra de ordem de Rousseau (“de volta à natureza”) e
sua análise pessimista sobre a sociedade moderna, cheia
de desigualdades e injustiças, afinou-se com a crescente
inquietação social da década de 1750, especialmente na
França. Não contente em apenas apresentar o problema,
Rousseau tratou de oferecer uma solução, no que parece
ser sua obra mais influente, O contrato social.
Rousseau abriu sua obra comuma declaração
desafiadora – “O homem nasce livre e por toda parte está
acorrentado” – considerada uma convocação para uma
mudança radical e que foi adotada como slogan da
Revolução Francesa, 27 anos depois. Lançado seu desafio,
Rousseau então explicou sua concepção de sociedade civil
alternativa, governada não por aristocratas, monarquia e
igreja, mas por todos os cidadãos, que participariam da
formulação das leis. Moldado nas clássicas ideias
republicanas de democracia, Rousseau imaginou o corpo
de cidadãos operando como uma unidade, prescrevendo
leis de acordo com a volonté générale, ou vontade geral.
As leis proviriam de todos e se aplicariam a todos – todos
sendo considerados iguais. Em contraste ao contrato social
imaginado por Locke, concebido para proteger os direitos
e a propriedade dos indivíduos, Rousseau defendeu a
cessão de poder legislativo ao povo como um todo, para o
benefício de todos e administrado pela vontade geral. Ele
acreditava que a liberdade de participar do processo
legislativo levaria a uma eliminação da desigualdade e da
injustiça e promoveria um sentimento de participação na
sociedade – o que levaria ao trio liberte, égalité, fraternité
(liberdade, igualdade, fraternidade), que tornou-se o mote
da nova república francesa.
OS MALES DA EDUCAÇÃO
Em outra obra escrita no mesmo ano, intitulada Emílio,
ou Da Educação, Rousseau expandiu seu tema,
explicando que a educação era responsável por corromper
o estado de natureza e perpetuar os males da sociedade
moderna. Em outros livros e ensaios, ele se concentrou
nos efeitos adversos tanto da religião quanto do ateísmo.
No centro de todas as suas obras está a ideia de que a
razão ameaça a inocência humana e, sucessivamente, a
liberdade e a felicidade. Em vez da educação do intelecto,
ele propõe uma educação dos sentidos e sugere que a fé
religiosa seja guiada pelo coração, não pela cabeça.
INFLUÊNCIA POLÍTICA
A maioria dos textos de Rousseau foi imediatamente
proibida na França, proporcionando-lhe mais notoriedade
e um número maior de seguidores. Por volta da época de
sua morte, em 1778, a revolução na França e em outros
lugares era iminente. Sua ideia de um contrato social no
Filosofia
ENEM
55
qual a vontade geral do corpo de cidadãos controlaria o
processo legislativo ofereceu aos revolucionários uma
alternativa viável ao sistema corrupto reinante. Mas a
filosofia de Rousseau estava em desacordo com o
pensamento corrente, e sua insistência de que um estado
de natureza era superior à civilização levou-o a indispor-
se com colegas reformistas, como Voltaire e Hume. A
influência política de Rousseau foi sentida mais
fortemente durante o período de revolução logo depois da
sua morte, mas sua influência na filosofia (e na filosofia
política em particular) teve maior alcance no século XIX.
Georg Hegel integrou as ideias de contrato social de
Rousseau a seu próprio sistema filosófico. Mais tarde, e de
maneira mais notável, Karl Marx ficou impressionado
com algumas das obras de Rousseau sobre desigualdade e
injustiça. Diferentemente de Robespierre – um dos líderes
da Revolução Francesa, que ajustara a filosofia de
Rousseau a seus próprios fins durante o Terror –, Marx
compreendeu-a com precisão, desenvolvendo a análise de
Rousseau sobre a sociedade capitalista e os meios de de
substitui-la. O Manifesto comunista de Marx termina com
um aceno a Rousseau, ao conclamar os proletários que
“não têm nada a perder, exceto seus grilhões”.
(VARIOS. O Livro da Filosofia.São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 156-
159)
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
Jean Jacques Rousseau foi um importante intelectual do
século XVIII para se pensar na constituição de um Estado
como organizador da sociedade civil assim como se
conhece hoje. Para Rousseau, o homem nasceria bom, mas
a sociedade o corromperia. Da mesma forma, o homem
nasceria livre, mas por toda parte se encontraria
acorrentado por fatores como sua própria vaidade, fruto da
corrupção do coração. O indivíduo se tornaria escravo de
suas necessidades e daqueles que o rodeiam, o que em
certo sentido refere-se a uma preocupação constante com
o mundo das aparências, do orgulho, da busca por
reconhecimento e status. Mesmo assim, acreditava que
seria possível se pensar numa sociedade ideal, tendo assim
sua ideologia refletida na concepção da Revolução
Francesa ao final do século XVIII.
A questão que se colocava era a seguinte: como
preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo
tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em
sociedade? Segundo Rousseau, isso seria possível através
de um contrato social, por meio do qual prevaleceria a
soberania da sociedade, a soberania política da vontade
coletiva.
Rousseau percebeu que a busca pelo bem-estar seria o
único móvel das ações humanas e, da mesma, em
determinados momentos o interesse comum poderia fazer
o indivíduo contar com a assistência de seus semelhantes.
Por outro lado, em outros momentos, a concorrência faria
com que todos desconfiassem de todos. Dessa forma,
nesse contrato social seria preciso definir a questão da
igualdade entre todos, do comprometimento entre todos.
Se por um lado a vontade individual diria respeito à
vontade particular, a vontade do cidadão (daquele que
vive em sociedade e tem consciência disso) deveria ser
coletiva, deveria haver um interesse no bem comum.
Este pensador acreditava que seria preciso instituir a
justiça e a paz para submeter igualmente o poderoso e o
fraco, buscando a concórdia eterna entre as pessoas que
viviam em sociedade. Um ponto fundamental em sua obra
está na afirmação de que a propriedade privada seria a
origem da desigualdade entre os homens, sendo que
alguns teriam usurpado outros. A origem da propriedade
privada estaria ligada à formação da sociedade civil. O
homem começa a ter uma preocupação com a aparência.
Na vida em sociedade, ser e parecer tornam-se duas coisas
distintas. Por isso, para Rousseau, o caos teria vindo pela
desigualdade, pela destruição da piedade natural e da
justiça, tornando os homens maus, o que colocaria a
sociedade em estado de guerra. Na formação da sociedade
civil, toda a piedade cai por terra, sendo que “desde o
momento em que um homem teve necessidade do auxílio
do outro, desde que se percebeu que seria útil a um só
indivíduo contar com provisões para dois, desapareceu a
igualdade, a propriedade se introduziu, o trabalho se
tornou necessário” (WEFFORT, 2001, p. 207).
Daí a importância do contrato social, pois os homens,
depois de terem perdido sua liberdade natural (quando o
coração ainda não havia corrompido, existindo uma
piedade natural), necessitariam ganhar em troca a
liberdade civil, sendo tal contrato um mecanismo para
isso. O povo seria ao mesmo tempo parte ativa e passiva
deste contrato, isto é, agente do processo de elaboração
das leis e de cumprimento destas, compreendendo que
obedecer a lei que se escreve para si mesmo seria um ato
de liberdade.
Dessa maneira, tratar-se-ia de um pacto legítimo
pautado na alienação total da vontade particular como
condição de igualdade entre todos. Logo, a soberania do
povo seria condição para sua libertação. Assim, soberano
seria o povo e não o rei (este apenas funcionário do povo),
fato que colocaria Rousseau numa posição contrária ao
Poder Absolutista vigente na Europa de seu tempo. Ele
fala da validade do papel do Estado, mas passa a apontar
também possíveis riscos da sua instituição. O pensador
avaliava que da mesma forma como um indivíduo poderia
tentar fazer prevalecer sua vontade sobre a vontade
coletiva, assim também o Estado poderia subjugar a
vontade geral. Dessa forma, se o Estado tinha sua
importância, ele não seria soberano por si só, mas suas
ações deveriam ser dadas em nome da soberania do povo,
fatoque sugere uma valorização da democracia no
pensamento de Rousseau.
(http://www.brasilescola.com/sociologia/rousseau-contrato-social.htm)
A VONTADE GERAL COMO ÚNICO FUNDAMENTO
LEGÍTIMO
Em sua obra Discurso sobre a origem da desigualdade
entre os homens, o filósofo de origem suíça Jean-Jacques
Rousseau glorifica os valores da vida natural e ataca a
corrupção, a avareza e os vícios da sociedade civilizada.
Exalta a liberdade que o homem selvagem teria desfrutado
Ciências Humanas e suas Tecnologias
56
na pureza do seu estado natural, contrapon-do-o à
falsidade e ao artificialismo da vida civilizada.
Na sua célebre obra Do contrato social, procurou
investigar qual a condição necessária para que o poder
político seja legítimo, isto é, se existe uma justificativa
válida para que os homens, originalmente livres,
submetam sua liberdade ao poder político do Estado.
O homem nasceu livre e, não obstante, está
acorrentado em toda parte. Julga-se senhor dos demais
seres sem deixar de der tão escravo como eles. Como se
tem realizado esta mutação? Ignoro-o. Que pode
legitimá-la? Creio poder responder a esta questão.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social, p. 37.
Rousseau defende a tese de que o único fundamento
legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada
cidadão, como membro de um povo, concorda em
submeter sua vontade particular à vontade geral. Isso
significa que, cada homem, como cidadão, somente deve
obediência ao poder político se esse poder representar a
vontade geral do povo ao qual pertence. O compromisso
de cada cidadão é para com o seu povo. E somente o povo
é a fonte legítima da soberania do Estado.
Essencialmente Rousseau define o pacto social nos
seguintes termos: “Cada um de nós põe sua pessoa e poder
sob uma suprema direção da vontade geral, e recebe ainda
cada membro como parte indivisível do todo”.
Assim, cada cidadão passa a assumir obrigações em
relação à comunidade política, sem estar submetido à
vontade particular de uma única pessoa. Unindo-se a
todos, cada cidadão só deve obedecer às leis – que, por
sua vez, devem exprimir a vontade geral. Desse modo,
respeitar as leis é o mesmo que obedecer à vontade geral
e, ao mesmo tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria
vontade como cidadão, cujo interesse deve ser o bem
comum.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. pp. 305-306)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• • Para Rousseau, o homem nasceria bom, mas a
sociedade o corromperia. Da mesma forma, o homem nasceria
livre, mas por toda parte se encontraria acorrentado por fatores
como sua própria vaidade, fruto da corrupção do coração. O
indivíduo se tornaria escravo de suas necessidades e daqueles
que o rodeiam.
• Os seres humanos, no seu estado natural, são seres
solitários, que se movem, apenas, por seu instinto de
conservação e que têm como características o amor de si, a
compaixão, a liberdade e a perfectibilidade. Esse estado
originário é destruído quando o poder da razão começa a
distinguir a humanidade do resto da natureza.
• O aparecimento da propriedade privada torna-se um
marco da sociedade civilizada quando o homem além de se
transformar em senhor da natureza também se coloca como
senhor de outros homens. Com a negação da natureza humana
e a instabilidade social por causa da divisão hierárquica entre
ricos e pobres surge a necessidade de criação de um Estado
como produto de um contrato social.
• Em contraste ao contrato social imaginado por Locke,
concebido para proteger os direitos e a propriedade dos
indivíduos, Rousseau defendeu a cessão de poder legislativo ao
povo como um todo, para o benefício de todos e administrado
pela vontade geral.
• Rousseau defende a tese de que o único fundamento
legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada
cidadão, como membro de um povo, concorda em submeter sua
vontade particular à vontade geral. Desse modo, respeitar as
leis é o mesmo que obedecer à vontade geral e, ao mesmo
tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria vontade como
cidadão, cujo interesse deve ser o bem comum.
UNIDADE 20
DAVID HUME
Hume interroga o que é o “EU”, o “espírito”. E
questiona como esse “eu” pode ser considerado substância
(aquilo que é estável, imutável, sempre idêntico a si
mesmo), se o que se percebe desse “eu” são apenas
impressões e ideias em constante variação. Portanto,
“espírito”, “mente”, “eu”, como substância, não existem.
Segundo Abrão (2004) é com a destruição dessa última
hipótese de substância, que Hume chega ao extremo do
programa empirista.
Davis Hume (1711-1776)
Figueiredo (2002) declara que Hume (1711-1776) e
Berkeley (1685-1753) dedicaram-se a destroçar a amena
superfície das representações do senso comum, revelando
por detrás delas os segredos da experiência privada. As
representações do mundo, com a sua aparente estabilidade
e objetividade, são apenas os produtos de experiências
subjetivas e hábitos bem estabelecidos. Eles por assim
dizer, desvendam a ‘fábrica psicológica do mundo’:
“associações arbitrárias, mas regulares entre ideias
sensoriais, ou impressões, geram o mundo supostamente
objetivo e autônomo, ou melhor, nossa experiência e
conhecimento dele.” (Figueiredo, 2002, pág. 110).
Hume criou seu sistema filosófico com base no
princípio de que toda a compreensão humana tem origem
na experiência. Para dessecar a experiência humana, ele
primeiro tentou descobrir os elementos básicos da mente,
Filosofia
ENEM
57
análogos aos átomos, na física. Concluiu então que esses
elementos básicos eram dois: impressões e ideias.
As impressões são as sensações básicas, os dados não
processados da experiência. As “ideias” são cópias vagas
das impressões. Portanto as ideias derivam das impressões
que se vivencia. E não há ideias inatas.
Abrão (2004) destaca que para Hume, embora não
exista o eu no sentido metafísico, há, no entanto, a
natureza humana. Essa “natureza humana”, que não é
substância, refere-se às maneiras pelas quais as ideias são
natural e espontaneamente associadas pela mente. O que
importa, nessa medida, é investigar tais modos de
associação de ideias.
Hume pergunta sobre “qual a natureza” de todos os
raciocínios humanos sobre os fatos. E qual o fundamento
de todas as conclusões derivadas da experiência. Hume
conclui que todos os fatos são exteriores entre si. Neles,
não há nada de interior e intrínseco que os relacione
necessariamente uns aos outros. A relação de causalidade
é uma crença baseada no hábito. Hume indica que os
homens associam ideias e acreditam nessa associação por
força do hábito ou costume. E este não é a repetição de
experiências semelhantes por parte de um único indivíduo,
mas de muitos. Há um aspecto coletivo do costume. Por
isso, mesmo quando se tem um prazer individual, mas que
os outros reprovam porque contraria o costume, o sujeito
passa a duvidar desse prazer íntimo e exclusivo.
Para Hume, a questão do poder político desloca-se
rapidamente. O governo deve saber manter o costume, que
é a base da crença de que os valores da justiça e da virtude
de uma sociedade se associe ao prazer de seus membros.
O problema do governo, para Hume, não é de legitimidade
e de representatividade, mas de credibilidade. Os preceitos
da conduta humana não se deduzem de um suposto Bem
em si, mas se referem apenas às paixões humanas, sempre
variáveis, que buscam o prazer e rejeitam o desprazer.
Mas isso não significa que os valores morais sejam
inteiramente relativos; os valores podem variar de pessoa
para pessoa, de sociedade, de época, mas algo permanece
sem grandes alterações: exatamente a natureza humana.
(Abrão, 2004)
O ASSOCIACIONISMO DE HUME
A tradição britânica é fortemente empirista, baseando-se
na ideia deque o conhecimento é construído a partir das
experiências vividas. E esse conhecimento é tecido pelas
associações de ideias (associacionismo). O empirismo
britânico tem suas raízes no pensamento científico
indutivo de Francis Bacon e nas teorias sociais de Thomas
Hobbes, contemporâneo de Bacon e Descartes.
O associacionismo é um dos princípios fundamentais do
empirismo britânico, que tem como principais representantes
Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776). De acordo com
eles o associacionismo de ideias é o mecanismo fundador dos
compostos psíquicos, que consistem unicamente na ligação
de elementos simples. (Araújo, 2005)
John Locke e George Berkeley, embora tenham
abordado a questão da associação de ideias, nenhum
examinou atentamente o fenômeno – de como as
experiências sensoriais simples se aliam para criar formas
complexas de conhecimento.
Para Hume não há, na mente humana, nada que não
tenha se originado da percepção. Esta se subdivide em
duas espécies. As mais vivas são impressões, que
aparecem na mente “quando ouvimos, vemos, sentimos,
amamos, odiamos, desejamos ou queremos”. As mais
fracas são ideias (ou pensamentos), que são cópias de
impressões e, por isso, menos vivas. As ideias abstratas,
como as de substância são as mais pálidas cópias de
impressões, confundem-se com outras ideias e,
frequentemente, as palavras que as designam não
significam nada. Elas não podem servir de ponto de
partida para o conhecimento e a certeza. (Abrão, 2004)
Para Hume o conhecimento só pode ser resultado da
associação de ideias e essa associação não se faz a esmo.
Até mesmo no maior dos devaneios uma ideia se liga a
outra obedecendo a alguns princípios.
Como objetos da razão as associações de ideias
classificam-se em relações de ideias e relações de fato. As
primeiras correspondem às ciências matemáticas, cujas
ideias, imediatamente perceptíveis, são claras e distintas.
Suas proposições são demonstráveis pela simples
operação de pensamento e não dependem de algo
existente em alguma parte do universo. As relações de
fato correspondem a todas as associações por causalidade.
Nesse caso o que conta não é o encadeamento lógico de
ideias, mas a experiência. Causa e efeito são eventos
distintos e não há nenhum termo intermediário que os una
em uma relação necessária. Para Hume a certeza só pode
ser uma crença, pois está apoiada no hábito, na repetição
de experiências semelhantes.
Segundo Abrão (2004) o ceticismo torna-se inevitável.
O conhecimento científico que sempre pretendeu guiar-se
pela razão pela evidência da intuição e da demonstração
para estabelecer relações de causa e efeito, tem bases não-
racionais, como a crença e o hábito. Mas mesmo assim,
para Hume, a certeza persiste, mesmo que agora se saiba
que ela não tem bases racionais.
Figueiredo (2002) comenta que a investigação de Hume
põe em questão o status do conhecimento, mas não a
objetividade do mundo. Em compensação ele investe
contra a própria identidade individual do sujeito, que é
então reduzida a condição de um fenômeno imaginário,
fruto da regularidade das impressões e do costume. “Em
Hume, portanto, a exploração dos processos privados do
sujeito destrói a crença na sua representação pública, a
identidade do indivíduo e a sua presumível
invisibilidade.” (Figueiredo, 2002, pág. 110).
(https://psicologado.com/psicologia-geral/historia-da-psicologia/david-
hume)
O MÉTODO DE HUME
Hume quis ser o Newton da psicologia. O subtítulo de
seu Tratado da Natureza Humana é, nesse sentido,
bastante esclarecedor: "Uma tentativa de introdução do
método de raciocínio experimental nas ciências morais”.
A análise psicológica do entendimento operada por Hume
parece, à primeira vista, muito próxima da de Locke. Ele
parte do princípio de que todas as nossas "ideias" são
Ciências Humanas e suas Tecnologias
58
cópias das nossas "impressões", isto é, dos dados
empíricos: impressões de sensação, mas, também,
impressões de reflexão (emoções e paixões). Não é este o
ponto de vista tradicional do empirismo que vê na
experiência a fonte de todo saber?
Na realidade, o método de Hume pode ser apresentado
de maneira mais moderna. Sua filosofia coloca, sob o
nome de "impressões", aquilo que Bergson mais tarde
denominará os dados imediatos da consciência e que os
fenomenologistas denominarão a intuição originária ou o
vivido. Ao falar de fenomenologia contemporânea, Gaston
Berger escrevia: "É preciso ir dos conceitos vazios, pelos
quais uma ideia é apenas visada, à intuição direta e
concreta da ideia, exatamente como Hume nos ensina a
retornar das ideias para as impressões". Para Hume, ir da
ideia à impressão consiste em apenas perguntar qual é o
conteúdo da consciência que se oculta sob as palavras.
Fala-se de substância, de princípios, de causas e efeitos
etc. Que existe verdadeiramente no pensamento quando se
discorre sobre isso? As quais impressões vividas
correspondem todas essas palavras? Aquilo que Hume
chama de impressão e que ele caracteriza pelos
termos "vividness", "liveliness" é o pensamento atual, vivo,
que se precisa redescobrir sob as palavras (no empirismo
de Hume, diz Laporte, há que ver "antes o ódio ao
verbalismo do que o preconceito do sensualismo").
A ANÁLISE DA IDEIA DE CAUSA
Aos olhos de Hume, a noção de causalidade é muito
enigmática porque, em nome desse princípio de
causalidade, a todo momento afirmamos mais do que
vemos, não cessamos de ultrapassar a experiência
imediata. Por exemplo, em nome do princípio de
causalidade (as mesmas causas produzem os mesmos
efeitos ou o aquecimento da água é causa da ebulição),
afirmo que a água que acabo de pôr no fogo vai ferver;
prevejo a ebulição dessa água, portanto, tiro "de um objeto
uma conclusão que o ultrapassa". Todo raciocínio
experimental, pelo qual do presente se conclui o futuro (a
água vai ferver, a barra de metal vai se dilatar, amanhã
fará dia etc.), repousa nesse princípio de causalidade.
De onde me vem esse princípio? A qual impressão
corresponde essa ideia? A "investigação" filosófica vai se
apresentar aqui como uma pesquisa em todas as direções:
"Nós devemos proceder como essas pessoas que, ao
procurarem um objeto que lhes está oculto e quando não o
encontram no lugar que esperavam, vasculham todos os
lugares vizinhos sem visão nem propósitos determinados,
na esperança de que sua boa sorte irá orientá-las no
sentido do objeto de suas buscas". Vejamos para onde nos
conduzirá essa busca filosófica.
Hume não encontrará, em nenhum setor da experiência,
uma impressão concreta de causalidade que torne legítima
essa ideia de causa que pretendemos ter:
a) Consideremos, de início, a experiência externa: vejo
que o movimento de uma bola de bilhar é seguido do
movimento de outra bola com que a primeira se chocou,
assim como vejo que o aquecimento é seguido da
ebulição: vejo, então, que o fenômeno A é seguido do
fenômeno B . Mas o que não vejo é o porquê dessa
sucessão. É certo que posso repetir a experiência e que,
cada vez em que a repito, o fenômeno B se segue ao
fenômeno A . Mas isto não esclarece nada. A repetição
constante de um enigma não é o mesmo que sua solução.
Vejo bem que, entre os fenômenos A e B , há
uma conjunção constante, mas não vejo conexão
necessária. Constato que A se mostra e que,
depois, B aparece. Mas não constato que B aparece
porque A se mostra. A experiência externa apenas me
fornece o e depois, não me dá a origem do porquê.
b) Examinemos agora essa experiência,
simultaneamente interna e externa, que faço a todo
momento em que sinto o poder da minha consciência
sobre meu corpo. Não terei aqui a chave do princípio de
causalidade. Se quero levantar o braço, levanto-o. Não é
evidente que minha vontade é a causa do movimento de
meucorpo? Mas, se refletirmos bem, essa experiência não
é menos clara do que a precedente. Constato duas coisas:
inicialmente, que quero levantar o braço, em seguida, que
ele se levanta. Não sei absolutamente por meio de que
engrenagem neuromuscular complexa se opera o
movimento de meu braço. Um paralítico, como eu, quer
levantar o braço e, para surpresa sua, constata que nenhum
movimento se segue ao seu desejo.
E eu, cuja língua ou cujos dedos se movem segundo
minha vontade, não tenho o menor poder sobre meu
coração ou sobre meu fígado. Lembramo-nos como a
sucessão de meu querer e de meus movimentos
espantava Malebranche a tal ponto que ele via em minha
vontade apenas uma ocasião a partir da qual Deus
produzia o movimento de meu corpo. Aos olhos de Hume,
filósofo do século XVIII, essa hipótese é extravagante,
mas ele retém a análise psicológica do grande filósofo
francês. Ainda aqui, constato com surpresa que quero
efetuar certos movimentos e depois que esses movimentos
se realizam. Mas não constato o porquê, não tenho
experiência de uma conexão necessária. Permanece
enigmática a ação da alma sobre o corpo: "Se tivéssemos o
poder de afastar as montanhas ou controlar os planetas,
esse poder não seria mais extraordinário".
c) Que dizer enfim da experiência puramente interior da
sucessão de minhas próprias ideias? Devo admitir que
minha reflexão atenta é causa das ideias que me ocorrem?
Mas, de saída, segundo os casos ou os momentos, as
ideias ocorrem ou não. Pela manhã, elas ocorrem melhor
do que à tarde (em alguns) e melhor antes da refeição do
que após. Ainda aqui constato a existência de uma
sucessão entre meu esforço de atenção e minhas ideias,
mas não vejo conexão necessária entre os dois fatos.
Por conseguinte, a conclusão se impõe. Não existe
nenhuma impressão autêntica da causalidade. O que
acontece é que eu acredito na causalidade e Hume explica
essa crença, partindo do hábito e da associação das ideias.
Por que será que espero ver a água ferver quando a
aqueço? É porque, responde Hume, aquecimento e
ebulição sempre estiveram associados em minha
experiência e essa associação determinou um hábito em
mim. Coloco a água no fogo e afirmo, em virtude de
poderoso hábito: vai ferver. Se estabeleço "uma conclusão
Filosofia
ENEM
59
que projeta no futuro os casos passados de que tive
experiência", é porque a imaginação, irresistivelmente
arrastada pelo peso do costume, resvala de um evento
dado àquele que comumente o acompanha. Aparento
antecipar a experiência quando, na verdade, cedo a uma
tendência criada pelo hábito. Por conseguinte, a
necessidade causal não existe realmente nas coisas. "A
necessidade é algo que existe no espírito, não nos
objetos."
O CETICISMO DE HUME
O empirismo de Hume surge então como um ceticismo;
explicar psicologicamente a crença no princípio de
causalidade é recusar todo valor a esse princípio. De
fato, não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do
meu hábito e da minha expectativa. Espero
invencivelmente a ebulição da água que coloquei no fogo.
Mas essa expectativa não tem fundamento racional. Em
suma, poderia ocorrer - sem contradição - que essa água
aquecida se transformasse em gelo! "Qualquer coisa, diz
Hume, pode produzir qualquer coisa." No domínio das
proposições lógicas, A não pode ser não - A. Mas
nas "matters of fact", tudo pode acontecer. Aquele rei de
Sião, que condenara à morte o embaixador norueguês em
sua corte (porque este último zombara dele ao afirmar que
em seu país, no inverno, os rios se tornavam tão duros que
se podia fazer deslizar trenós sobre os mesmos!!), errara
muito ao negar um fato contrário à sua experiência. O
princípio de causalidade, inteiramente explicado por uma
ilusão psicológica, não tem o menor valor de verdade.
Pascal, que já esboçara essa análise psicológica da
indução, dizia em fórmula surpreendente: "Quem reduz o
costume a seu princípio, anula-o".
O ceticismo de Hume, portanto, surge-nos,
dirá Hegel mais tarde, como um ceticismo absoluto. Para
Hegel, ao ceticismo antigo, que duvida sobretudo dos
sentidos para preparar a conversão do espírito ao mundo
das verdades eternas, opõe-se um ceticismo moderno - de
que Hume seria o corifeu - que nega apenas as afirmações
da metafísica e fundamenta, solidamente, as verdades da
ciência experimental. Na realidade, o ceticismo de Hume,
ao abolir o princípio de causalidade, lança a suspeita em
toda ciência experimental. Em todos os princípios do
conhecimento ele descobre as ilusões da imaginação e do
hábito. Até a unidade do eu - que se nos apresenta
ingenuamente como uma evidência - é ilusória para ele.
Segundo Hume, é também a imaginação que identifica o
eu com o que ele possui ou, como dizemos, o ser e o ter.
Em última instância, eu tenho reputação e mesmo
lembranças, ideias e sonhos do mesmo modo que tenho
esta roupa ou esta casa. É simplesmente a imaginação,
hábil em mascarar a descontinuidade de todas as coisas,
que facilmente desliza de um estado psíquico a outro e
constrói o mito da personalidade, coleção de haveres
heteróclitos que é dado como um ser. Pois, ou eu sou
meus "estados" e minhas "qualidades" e não sou eu
mesmo, ou então sou eu mesmo e nada mais.
Só que Hume é o primeiro a reconhecer que seu
ceticismo, por mais absoluto que seja, é artificial. Hume,
como todo mundo, quando coloca a água no fogo, está
persuadido de que ela vai ferver. Quando reflete como
filósofo, em seu gabinete, ele é cético. Quando mergulha
na vida corrente, suas "conclusões filosóficas parecem
desvanecer-se como os fantasmas da noite ao nascer do
dia". Se, diz ele curiosamente, "após três ou quatro horas
de diversão, eu quisesse retornar às minhas especulações,
estas me pareceriam tão frias, tão forçadas e ridículas que
não poderia encontrar coragem e retomá-las por pouco
que fosse". A crença no princípio de causalidade, absurda
no plano da reflexão, é natural, instintiva. A teoria de
Hume, por conseguinte, é simultaneamente um
dogmatismo instintivo e um ceticismo reflexivo.
Ceticismo e dogmatismo não se apresentam nele segundo
os domínios do saber, mas segundo os níveis do
pensamento. Ninguém mais do que ele separou filosofia e
vida. Ele filosofa ceticamente segundo uma reflexão
rigorosa e dissolvente. Podemos então qualificar, de certo
modo, como "humorístico" o ceticismo desse filósofo
inglês que, por outro lado, ousou dizer que convinha a um
cavalheiro pensar como os whigs... e votar como os tories.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/hume.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Para Hume não há, na mente humana, nada que não
tenha se originado da percepção. Esta se subdivide em duas
espécies. As mais vivas são impressões e as mais fracas são
ideias (ou pensamentos), que são cópias de impressões e, por
isso, menos vivas.
• As ideias abstratas são as mais pálidas cópias de
impressões, confundem-se com outras ideias e,
frequentemente, as palavras que as designam não significam
nada. Elas não podem servir de ponto de partida para o
conhecimento e a certeza.
• “Hume nos ensina a retornar das ideias para as
impressões". Para Hume, ir da ideia à impressão consiste em
apenas perguntar qual é o conteúdo da consciência que se
oculta sob as palavras.
• O ceticismo de Hume, ao abolir o princípio de
causalidade, lança a suspeita em toda ciência experimental. Em
todos os princípios do conhecimento ele descobre as ilusões da
imaginação e do hábito.
• Segundo Hume a relação de causalidade é uma crença
baseada no hábito. Os homens associam ideias e acreditam
nessa associação por força do hábito ou costume.
UNIDADE 21
ADAM SMITH
O escritor escocês Adam Smith é, com frequência,
considerado o mais importante economista que o mundo
já conheceu. Os conceitos de barganha e interesse próprio
que ele explorou e a possibilidadede diferentes tipos de
acordos e interesses – como o “interesse comum” – têm
Ciências Humanas e suas Tecnologias
60
apelo recorrente para os filósofos. Seus textos também são
importantes porque dão uma forma mais geral e abstrata à
ideia de sociedade “comercial”, desenvolvida por seu
amigo David Hume.
Adam Smith (1723-1790)
Como seu contemporâneo suíço Jean-Jacques Rousseau.
Smith admitia que os motivos dos seres humanos são em
parte benevolentes e em parte por interesse próprio, mas
que este último é o traço mais forte, configurando-se então
uma baliza melhor para o comportamento humano. Ele
acreditava que isso se confirma pela observação social, e,
de modo geral, sua abordagem não deixa de ser empírica.
Num de seus famosos debates sobre a psicologia da
barganha, ele sustentou que o movimento inicial mais
comum na barganha é um lado instigar o outro: “a melhor
maneira de conseguir o que você quer é me dar o que eu
quero”. Em outras palavras, “dirigimo-nos não à
humanidade [do outro], mas ao seu amor-próprio”.
Smith afirmava que a troca de objetos úteis é uma
característica distintamente humana. Ele notou que cães
nunca são observados trocando ossos, e que, se um animal
deseja obter algo, a única maneira pela qual pode
conseguir isso é “conquistando o favor daqueles cujos
préstimos ele necessita”. Os humanos podem também
depender desse tipo de “adulação ou atenção servil”, mas
não podem recorrer a isso quando precisam de ajuda
porque a vida exige “cooperação e assistência de um
grande número de pessoas”. Por exemplo, para alguém
permanecer confortável numa pousada por uma noite,
mobilizam-se muitas pessoas para cozinhar e servir a
comida, arrumar o quarto, e assim por diante. Pessoas
cujos serviços não dependem somente de boa vontade. Por
essa razão, “o homem é um animal que realiza
barganhas”, e a barganha é realizada ao se propor um trato
que atenda ao interesse próprio de ambas as partes.
A DIVISÃO DO TRABALHO
Em sua explanação sobre o surgimento das economias
de mercado, Smith argumentou que nossa capacidade de
fazer barganhas colocou fim à antiga exigência universal
de que toda pessoa, ou pelo menos toda família, fosse
economicamente autosuficiente. A barganha tornou
possível que nós nos concentrássemos em produzir cada
vez menos bens, até finalmente produzir um único bem,
ou oferecer um único serviço, trocando-o pelo que quer
que precisássemos. O processo foi modificado
radicalmente pela invenção do dinheiro, que aboliu a
necessidade da permuta. A partir de então, na visão de
Smith, somente os incapazes de trabalhar tinham de
depender da caridade. Todo o resto poderia ir ao mercado
trocar seu trabalho (ou o dinheiro ganho por meio do
trabalho) por produtos do trabalho de outras pessoas.
A eliminação da necessidade de autossuficiência
produtiva levou ao surgimento de pessoas com um
conjunto particular de habilidades (tais como o padeiro ou
o carpinteiro), e depois ao que Smith chamou de “divisão
do trabalho” entre as pessoas. Esse é o termo de Smith
para a especialização, por meio da qual um indivíduo não
apenas busca um tipo único de trabalho, mas realiza uma
tarefa particular em um trabalho que é compartilhado por
várias pessoas. Smith ilustrou a importância da
especialização no inicio da obra-prima A riqueza das
nações, mostrando como a produção de um simples
alfinete de metal é radicalmente transformada com a
adoção do sistema fabril. Um homem trabalhando sozinho
encontraria dificuldade para produzir vinte alfinetes
perfeitos em um dia. Já um grupo de dez homens,
encarregados de diferentes tarefas (esticar o arame,
endireitá-lo, cortá-lo, afiá-lo para uni-lo a uma cabeça),
era capaz, na época de Smith de produzir mais de 48 mil
alfinetes por dia.
Smith estava impressionado com os grandes saltos na
produtividade do trabalho durante a Revolução Industrial,
devido a trabalhadores dotados de equipamento muito
melhor e, muitas vezes, a máquinas substituindo homens.
O trabalhador não especializado não podia sobreviver em
tal sistema, e até os filósofos começaram a se especializar
nos vários ramos de sua área, como lógica, ética,
epistemologia e metafísica.
O MERCADO LIVRE
Com a divisão de trabalho aumenta a produtividade e
torna possível que todos se candidatem a algum tipo de
tarefa. Smith argumentou que ela pode levar à riqueza
universal numa sociedade bem ordenada. De fato, ele
dizia que, em condições de perfeita liberdade, o mercado
pode levar a um estado de perfeita igualdade – em que
todo mundo é livre para buscar seus próprios interesses,
desde que estejam de acordo com as leis da justiça. Por
igualdade Smith não se referia à equidade de
oportunidade, mas à igualdade de condição. Em outras
palavras, seu objetivo era a criação de uma sociedade não
dividida pela competição, mas unida pela barganha
baseada no mútuo interesse próprio.
A questão de Smith, portanto, não é que as pessoas
devam ter liberdade só porque a merecem. Seu argumento
é que a sociedade como um todo se beneficia quando os
indivíduos perseguem seus próprios interesses. A “mão
invisível” do mercado, com suas leis de oferta e demanda,
regularia a quantidade de bens disponíveis e os avaliaria
de maneira muito mais eficiente do que qualquer governo.
Em tal sociedade, um governo pode limitar-se a
desempenhar apenas funções essenciais – tais como
garantir a defesa, a justiça criminal e a educação –, e
consequentemente as taxas e os impostos podem ser
reduzidos. Assim como a barganha floresce dentro de
limites racionais, pode florescer também além deles,
Filosofia
ENEM
61
levando ao comércio internacional – fenômeno que se
espalhava por todo o mundo na época de Smith.
Smith reconheceu que havia problemas com a noção de
um mercado livre, em particular com o problema da
remuneração por serviços, cada vez mais comum.
Também admitiu que, embora a divisão de trabalho
trouxesse enormes benefícios econômicos, o trabalho
repetitivo não apenas é entediante para o trabalhador
como pode destruir um ser humano – e, por essa razão,
propôs que os governos deveriam restringir a extensão do
uso da linha de produção. Contudo quando da primeira
publicação de A riqueza das nações, sua doutrina de
comércio livre e desregulamentado foi vista como
revolucionária, não apenas pelo ataque aos privilégios
comerciais e agrícolas a aos monopólios existentes, mas
também por causa do argumento de que a riqueza de uma
nação não depende de reservas em ouro, mas de seu
trabalho – uma visão que contrariava todo o pensamento
econômico da Europa da época.
A reputação “revolucionária” de Smith foi favorecida
durante o longo debate sobre a natureza da sociedade que
ocorreu após a Revolução Francesa de 1789, inspirando o
historiador vitoriano H. T. Burke a descrever A riqueza
das nações como “provavelmente o mais importante livro
já escrito”.
O LEGADO DE SMITH
Os críticos argumentaram que Smith estava errado ao
supor que o “interesse geral” e o “interesse do
consumidor” são o mesmo e que o mercado livre é
benéfico para todos. A verdade é que, embora fosse
solidário com as vítimas da pobreza, Smith nunca teve
êxito completo em contrabalançar os interesses dos
produtores e dos consumidores dentro de seu modelo
social, ou em incorporar nele o trabalho doméstico
(desempenhado principalmente por mulheres), que
ajudava a manter a sociedade funcionando de maneira
eficaz.
Por essas razões, e com a ascensão do socialismo no
século XIX, a reputação de Smith declinou, mas o
interesse renovado na economia de livre mercado no final
do século XX viu um renascimento de suas ideias. De
fato, apenas hoje em dia podemos apreciar completamente
sua alegação mais visionária – a de que um mercado émais do que um lugar. O mercado é um conceito e, como
tal, pode existir em qualquer lugar – e não apenas físico,
como a praça de uma cidade. Isso prenunciava o tipo de
mercado “virtual” que só se tornou possível com o
advento da tecnologia das telecomunicações. Os mercados
financeiros atuais e o comércio on-line atestam a grande
visão de Smith.
(VARIOS. O Livro da Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2011. pp.
160-163)
UNIDADE 22
IMMANUEL KANT
A CIÊNCIA E A METAFÍSICA
O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a
análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento
às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em
nenhum momento Kant duvida da verdade da física de
Newton, assim como do valor das regras morais que sua
mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos
os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de
Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso
ser justo, que a coragem vale mais do que do que a
covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da
ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são
necessárias (não podem não ser) e universais (valem para
todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se
fundam tais verdades? Em que condições são elas
racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades
da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os
maiores pensadores estão em desacordo quanto às
proposições da metafísica. Por que esse fracasso?
Immanuel Kant (1724-1804)
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários
e universais, são a priori, isto é independentes dos azares
da experiência, sempre particular e contigente. À primeira
vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos
analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está
contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três
ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo
para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos,
aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo:
esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei
que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento
sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei
que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois
todas as réguas não são verdes).
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de
partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo,
sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de
um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético
(o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de
triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho
necessidade de uma constatação experimental para
conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem
ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor.
Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa.
Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a
causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão
Ciências Humanas e suas Tecnologias
62
uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda
ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria
anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a
priori sejam possíveis?
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo
fazendo uma construção no espaço. Mas por que a
demonstração se opera tão bem em minha folha de papel
quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que
Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É
porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que
faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e
o tempo são quadros a priori, necessários e universais de
minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da
Crítica da Razão Pura, denominada Estética
transcendental. Estética significa teoria da percepção,
enquanto transcendental significa a priori, isto é,
simultaneamente anterior à experiência e condição da
experiência). O espaço e o tempo não são, para mim,
aquisições da experiência. São quadros a priori de meu
espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por
que as construções espaciais do geômetra, por mais
sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e
universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui,
eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas,
ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para
dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu
constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a
priori, necessários e universais?
É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas
quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência,
são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos,
eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito
possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência
de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de
explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias
são necessárias e universais. O próprio Hume, ao
pretender que o hábito é a causa de nossa crença na
causalidade, não emprega necessariamente a categoria a
priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as
intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às
únicas condições sob as quais a diversidade da intuição
pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a
experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento,
mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a
experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant
mostrará na Estética transcendental) e, por outro,
imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas
categorias (o que Kant mostra na Analítica
transcendental). Aquilo a que denominamos experiência
não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia
passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas
estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o
que nos aparece bem relacionado na natureza, foi
relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant
chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera
Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira
em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o
reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano
que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o
objeto do seu saber.
Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na
dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor
do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao
fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu
alcance. O que é fundamentado é o conhecimento
científico, que se limita a por em ordem, graças às
categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela
intuição sensível.
No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não
conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo
refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do
tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em
si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são
as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições
sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas,
mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias
seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar.
Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão
humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é
passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A
pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja
resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda
melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas
asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se
apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria
nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio
em que pudesse aplicar suas forças".
Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas
metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar
incessantemente, mesmo além detoda experiência
possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância"
porque supõe realizada a unificação completa dos meus
estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador
porque busca um fundamento do mundo que seja a
unificação total do que se passa neste mundo... Mas
privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a
razão, como louca, perde-se nas antinomias,
demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese
quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um
começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a
necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre
posso me perguntar: que havia antes do começo do
universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da
causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos
dados na experiência (aquecimento e ebulição), o
metafísico abusa da causalidade na medida em que se
afasta deliberadamente da experiência concreta (quando
imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da
experiência, pois so o mundo é objeto de minha
experiência). O princípio da causalidade, convite à
descoberta, não deve servir de permissão para inventar.
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant.htm)
A FILOSOFIA MORAL DE KANT
As três principais obras de Kant sobre questões éticas,
que para ele pertencem a outra dimensão de nossa
racionalidade, à razão prática e não à razão teórica, são:
Fundamentos da metafísica dos costumes (1785), Crítica
da razão prática (1788), que tratam da ética no sentido
Filosofia
ENEM
63
puro, e Metafísica dos costumes (1797), que consiste
numa tentativa de aplicação dos princípios éticos.
Pretende considerar, portanto, o homem não como sujeito
do conhecimento, mas como agente livre e racional.
É no domínio da razão prática, na visão de Kant, que
somos livres, isto é, que se pões a questão da liberdade e
da moralidade, enquanto no domínio da razão teórica do
conhecimento, somos limitados por nossa própria
estrutura cognitiva. Segundo essa concepção, a ética é, no
entanto, estritamente racional, bem como universal, no
sentido de que não está restrita a preceitos de caráter
pessoal ou subjetivos, nem a hábitos e práticas culturais
ou sociais. Os princípios éticos são derivados da
racionalidade humana. A moralidade trata assim do uso
prático e livre da razão. Os princípios da razão prática são
leis universais que definem nossos deveres. Portanto, os
princípios morais resultam da razão prática e se aplicam a
todos os indivíduos em qualquer circunstância. Pode-se
considerar assim a ética kantiana como uma ética do
dever, ou seja, uma ética prescritiva.
No mundo dos fenômenos, da realidade natural, tudo
depende de uma determinação causal. Ora, se o homem é
parte da natureza e as ações humanas ocorrem no mundo
natural, então suas ações seguem uma determinação
causal e o homem não é livre nem responsável por seus
atos. Porém, o homem é essencialmente um ser racional e
por isso se distingue da ordem natural, não estando no
campo do agir moral, submetido às leis causais, mas sim
aos princípios morais derivados da sua razão, ao dever,
portanto. É este o sentido da liberdade humana no plano
moral. A moral é assim independente do mundo da
natureza. No campo do conhecimento, Kant parte da
existência da ciência para investigar suas condições de
possibilidade, no campo da ética, parte da existência da
consciência moral para estabelecer seus princípios.
O objetivo fundamental de Kant é, portanto, estabelecer
os princípios a priori, ou seja, universais e imutáveis, da
moral. Seu foco é o agente moral, suas intenções e
motivos. O dever consiste na obediência a uma lei que se
impõe universalmente a todos os seres racionais. Eis o
sentido do imperativo categórico (ou absoluto): “Age de
tal forma que sua ação possa ser considerada como norma
universal.” Toda ação exige a antecipação de um fim, o
ser humano deve agir como se (als ob) este fim fosse
realizável. Daí a acusação de “formalismo ético”
frequentemente lançada contra Kant, já que este princípio
não estabelece o que se deve fazer, mas apenas um critério
geral para o agir ético, sendo este precisamente o seu
objetivo. Os imperativos hipotéticos, por sua vez, têm um
caráter prático, estabelecendo uma regra para a realização
de um fim, como: “Se você quiser ter credibilidade,
cumpra suas promessas” (sobre esta distinção, ver
Fundamentação da metafísica dos costumes, seç. II).
Segundo Kant, a noção de busca da felicidade, que
fundamenta, por exemplo, as éticas do período helenístico,
como a estoica e a epicurista, é insuficiente como
fundamento da moral, porque o conceito de felicidade é
variável, dependendo de fatores subjetivos, psicológicos,
ao passo que a lei moral é invariante, universal; por isso
seu fundamento é o dever.
Na concepção kantiana, a razão prática pressupõe uma
crença em Deus, na liberdade e na imortalidade da alma,
que funcionam como ideais ou princípios regulativos. A
crença em Deus é o que possibilita o supremo bem,
recompensar a virtude com a felicidade. A imortalidade da
alma é necessária, já que neste mundo virtude e felicidade
não coincidem, e a liberdade é um pressuposto do
imperativo categórico, libertando-nos de nossas
inclinações e desejos, uma vez que o dever supõe o poder
fazer algo.
Na terceira crítica, a Crítica do juízo (ou Da faculdade
de julgar, 1790), Kant pretende analisar os juízos de
gosto, fundamento da estética (no sentido de arte), e os
juízos teleológicos (de finalidade). Porém, na realidade,
seu objetivo principal é superar a dicotomia anterior entre
razão teórica (ou cognitiva) e prática (a moral),
considerando a faculdade do juízo como uma faculdade
intermediária. Kant examina nessa obra a ideia da
natureza como dotada de um propósito ou finalidade. A
beleza, na medida em que tem um sentido estético, e
definida como “uma finalidade sem fim”. Porém, Kant
considera que o juízo estético, ou seja, o juízo do gosto,
não pode ser simplesmente subjetivo, devendo ser, em
princípio, dotado de objetividade e universalidade. Como
é possível, entretanto, a objetividade e universalidade de
um juízo estético? Como conciliar o sentimento de beleza
com o caráter conceitual de um juízo? Segundo a Crítica
do juízo, o juízo estético tem como objeto algo de
particular, considerado em si mesmo, sem nenhum
interesse específico por parte do sujeito além da
consideração do próprio particular. É esta ausência de
interesse que garante sua objetividade e universalidade.
Foi grande a influência da filosofia kantiana. O período
que se segue à sua morte na Alemanha foi conhecido pela
história da filosofia como idealismo alemão pós-
kantiano, devido ao desenvolvimento de sua filosofia por
pensadores como Fichte e Schelling, em um sentido
essencialmente idealista. A Crítica do juízo exerceu uma
forte influência sobre a estética do romantismo alemão.
Hegel criticou a concepção kantiana de consciência e
subjetividade, procurando, no entanto, levar adiante seu
projeto de uma filosofia crítica. A Crítica da razão pura foi
talvez sua obra mas influente ao longo do séc. XIX e
início do séc. XX, pelo modelo de uma teoria de
conhecimento que propõe, por sua formulação da questão
da possibilidade da fundamentação da ciência e pela
demarcação entre o conhecimento e a metafísica, pontos
estes que serão desenvolvidos sobretudo pelos
neokantianos da escola de Marburgo, dentre os quais se
destacou Ernst Cassirer (1874-1945).
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-
socráticos a Wittgenstein.
Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 217-219)
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Segundo Kant, o conhecimento é o resultado de uma
síntese entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. É
impossível conhecermos as coisas em si mesmas. Só
Ciências Humanase suas Tecnologias
64
conhecemos as coisas tal como as percebemos. O
conhecimento então, não seria dado nem pelo sujeito nem pelo
objeto, mas pela relação que se estabelece entre esses dois
referenciais. Ao conhecermos a realidade do mundo,
participamos de sua construção mental.
• Kant distingue duas formas básicas do ato de conhecer:
1) O conhecimento puro (a priori, universal e necessário) que
nasce de uma operação racional e que não depende dos
sentidos, ou seja, é anterior à experiência e
2) O conhecimento empírico (a posteriori, particular e
contingente) que se refere aos dados fornecidos pelos sentidos,
então é posterior à experiência.
• Também classifica os juízos em dois tipos: 1) o juízo
analítico, que é derivado do conhecimento puro ou a priori e
confirma as teorias e 2) o juízo sintético que é derivado do
conhecimento empírico ou a posteriori que é capaz de fornecer
novas informações.
• Kant define o esclarecimento como “a superação da
menoridade intelectual do homem”. A menoridade existe quando
os homens não pensam por si próprios, sendo conduzidos por
outros pela imposição de determinadas visões de mundo.
• Um dever moral é uma exigência incondicional ou
“categórica” ao nosso comportamento. Só um imperativo que
realmente tenha uma aplicação universal pode ser moral. Nossa
atitude deve ser sempre agir como desejaríamos que todos os
outros agissem.
Exercícios
1. (ENEM 2013) Para que não haja abuso, é preciso
organizar as coisas de maneira que o poder seja contido
pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o
mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo,
exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar
as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as
divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma
independente para efetivação da liberdade, sendo que esta
não existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os
referidos poderes concomitantemente.
MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis, São Paulo. Abril Cultural,
1979 (adaptado)
A divisão e a independência entre os poderes são
condições necessárias para que possa haver liberdade em
um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo
político em que haja:
a) exercício de tutela sobre atividades jurídicas e
políticas.
b) consagração do poder político pela autoridade
religiosa.
c) concentração do poder nas mãos de elites técnico-
científicas.
d) estabelecimento de limites aos atores públicos e às
instituições do governo.
e) reunião das funções de legislar, julgar e executar nas
mãos de um governante eleito.
2. (ENEM 2012) É verdade que nas democracias o povo
parece fazer o que quer, mas a liberdade política não
consiste nisso. Deve-se ter sempre presente em mente o
que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o
direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um
cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria
mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1997 (adaptado)
A característica de democracia ressaltada por
Montesquieu diz respeito:
a) ao status de cidadania que o indivíduo adquire ao
tomar as decisões por si mesmo.
b) ao condicionamento da liberdade dos cidadãos à
conformidade às leis.
c) à possibilidade de o cidadão participar no poder e,
nesse caso, livre da submissão às leis.
d) ao livre-arbítrio do cidadão em relação àquilo que é
proibido, desde que ciente das consequências.
e) ao direito do cidadão exercer sua vontade de acordo
com seus valores pessoais.
3. (ENEM 2015)
Todo o poder criativo da mente se reduz a nada mais do
que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou
diminuir os materiais que nos fornecem os sentidos e a
experiência. Quando pensamos em uma montanha de
ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias
consistentes, ouro e montanha, que já conhecíamos.
Podemos conceber um cavalo virtuoso, porque somos
capazes de conceber a virtude a partir de nossos próprios
sentimentos, e podemos unir a isso a figura e a forma de
um cavalo, animal que nos é familiar.
HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo:
Abril Cultural, 1995.
Hume estabelece um vínculo entre pensamento e
impressão ao considerar que
a) os conteúdos das ideias no intelecto têm origem na
sensação.
b) o espírito é capaz de classificar os dados da percepção
sensível.
c) as ideias fracas resultam de experiências sensoriais
determinadas pelo acaso.
d) os sentimentos ordenam como os pensamentos devem
ser processados na memória.
e) as ideias têm como fonte específica o sentimento
cujos dados são colhidos na empiria.
4. (ENEM 2012)
TEXTO I
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram
enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em
quem já nos enganou uma vez.
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural,
1979.
Filosofia
ENEM
65
TEXTO II
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma
ideia esteja sendo empregada sem nenhum significado,
precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta
suposta ideia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer
impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa
suspeita.
HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo:
Unesp, 2004 (adaptado).
Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a
natureza do conhecimento humano. A comparação dos
excertos permite assumir que Descartes e Hume:
a) defendem os sentidos como critério originário para
considerar um conhecimento legítimo.
b) entendem que é desnecessário suspeitar do
significado de uma ideia na reflexão filosófica e
crítica.
c) são legítimos representantes do criticismo quanto à
gênese do conhecimento.
d) concordam que conhecimento humano é impossível
em relação às ideias e aos sentidos.
e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no
processo de obtenção do conhecimento.
5. (ENEM 2013) Até hoje admitia-se que nosso
conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas
as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que
ampliasse nosso conhecimento malogravam-se com esse
pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se
não se resolverão melhor as tarefas da metafísica,
admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso
conhecimento.
KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Guibenkian, 1994
(adaptado)
O trecho em questão é uma referência ao que ficou
conhecido como revolução copernicana da filosofia. Nele,
confrontam-se duas posições filosóficas que:
a) assumem pontos de vista opostos acerca da natureza
do conhecimento.
b) defendem que o conhecimento é impossível,
restando-nos somente o ceticismo.
c) revela a relação de interdependência entre os dados da
experiência e a reflexão filosófica.
d) apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na
primazia das ideias em relação aos objetos.
e) refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso
conhecimento e são ambas recusadas por Kant.
6. (ENEM 2012) Esclarecimento é a saída do homem de
sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A
menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu
entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem
é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não
se encontra na falta de entendimento, mas na falta de
decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção
de outrem. Tem coragem de fazer uso de teu próprio
entendimento, tal é o lema do esclarecimento. A preguiça
e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande
parte dos homens, depois que a natureza de há muito os
libertou de uma condição estranha, continuem, no entanto,
de bom grado menores durante toda a vida.
KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Petrópolis:Vozes, 1985 (adaptado)
Kant destaca no texto o conceito de Esclarecimento,
fundamental para a compreensão do contexto filosófico da
Modernidade. Esclarecimento, no sentido empregado por
Kant, representa:
a) a reivindicação de autonomia da capacidade racional
como expressão da maioridade.
b) o exercício da racionalidade como pressuposto menor
diante das verdades eternas.
c) a imposição de verdades matemáticas, como caráter
objetivo, de forma heterônoma.
d) a compreensão de verdades religiosas que libertam o
homem da falta de entendimento.
e) a emancipação da subjetividade humana de ideologias
produzidas pela própria razão.
GABARITO
1 2 3 4 5 6
D B A E A A
UNIDADE 23
FILOSOFIA CONTEMPORANEA
Esse período, por ser o mais próximo de nós, parece ser
o mais complexo e o mais difícil de definir pois os
problemas e as diferentes respostas dadas a eles parecem
impossibilitar uma visão de conjunto.
Em outras palavras, não temos distância suficiente para
perceber os traços mais gerais e marcantes deste período
da Filosofia. Apesar disso, é possível assinalar quais têm
sido as principais questões e os principais temas que
interessaram à Filosofia neste século e meio.
HISTÓRIA E PROGRESSO
O século XIX é, na Filosofia, o grande século da
descoberta da História ou da historicidade do homem, da
sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com
o filósofo alemão Hegel que se afirma que a História é o
modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos
seres humanos e que, portanto, somos seres históricos.
No século passado, essa concepção levou à ideia de
progresso, isto é, de que os seres humanos, as sociedades,
as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar
do tempo, acumulam conhecimento e práticas,
aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o presente é
melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro
será melhor e superior, se comparado ao presente.
No entanto, no século XX, a mesma afirmação da
historicidade dos seres humanos, da razão e da sociedade
levou à ideia de que a História é descontínua e não
progressiva, com cada sociedade tendo sua História
Ciências Humanas e suas Tecnologias
66
própria em vez de ser apenas uma etapa numa História
universal das civilizações.
A ideia de progresso passa a ser criticada porque serve
como desculpa para legitimar colonialismos e
imperialismos (os mais “adiantados” teriam o direito de
dominar os mais “atrasados”). Passa a ser criticada
também a ideia de progresso das ciências e das técnicas,
mostrando-se que, em cada época histórica e para cada
sociedade, os conhecimentos e as práticas possuem
sentido e valor próprios, e que tal sentido e tal valor
desaparecem numa época seguinte ou são diferentes numa
outra sociedade, não havendo, portanto, transformação
contínua, acumulativa e progressiva. O passado foi o
passado, o presente é o presente e o futuro será o futuro.
AS CIÊNCIAS E AS TÉCNICAS
No século XIX, entusiasmada com as ciências e as
técnicas, bem como com a Segunda Revolução Industrial,
a Filosofia afirmava a confiança plena e total no saber
científico e na tecnologia para dominar e controlar a
Natureza, a sociedade e os indivíduos.
Acreditava-se que a sociologia, por exemplo, nos
ofereceria um saber seguro e definitivo sobre o modo de
funcionamento das sociedades e que os seres humanos
poderiam organizar racionalmente o social, evitando
revoluções, revoltas e desigualdades.
Acreditava-se, também, que a psicologia ensinaria como
é e como funciona a psique humana, quais as causas dos
comportamentos e os meios de controlá-los, quais as
causas das emoções e os meios de controlá-las, de tal
modo que seria possível livrar-nos das angústias, do
medo, da loucura, assim como seria possível uma
pedagogia baseada nos conhecimentos científicos e que
permitiria não só adaptar perfeitamente acrianças às
exigências da sociedade, como também educá-las segundo
suas vocações e potencialidades psicológicas.
No entanto, no século XX, a Filosofia passou a
desconfiar do otimismo científico-tecnológico do século
anterior em virtude de vários acontecimentos: as duas
guerras mundiais, o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki,
os campos de concentração nazistas, as guerras da Coréia,
do Vietnã, do Oriente Médio, do Afeganistão, as invasões
comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as ditaduras
sangrentas da América Latina, a devastação de mares,
florestas e terras, a poluição do ar, os perigos cancerígenos
de alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e
sofrimentos mentais, etc.
Uma escola alemã de Filosofia, a Escola de Frankfurt,
elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica,
na qual distingue duas formas de razão: a razão
instrumental e da razão crítica.
A razão instrumental é a razão técnico-científica, que
faz das ciências e das técnicas não um meio de liberação
dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo,
terror e desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela
que analisa e interpreta os limites e os perigos do
pensamento instrumental e afirma que as mudanças
sociais, políticas e culturais só se realizam
verdadeiramente se tiverem como finalidade a
emancipação do gênero humano e não as ideias de
controle e domínio técnico-científico sobre a Natureza, a
sociedade e a cultura.
AS UTOPIAS REVOLUCIONÁRIAS
No século XIX, em decorrência do otimismo trazido
pelas ideias de progresso, desenvolvimento técnico-
científico, poderio humano para construir uma vida justa e
feliz, a Filosofia apostou nas utopias revolucionárias –
anarquismo, socialismo, comunismo –, que criariam,
graças à ação política consciente dos explorados e
oprimidos, uma sociedade nova, justa e feliz.
No entanto, no século XX, com o surgimento das
chamadas sociedades totalitárias – fascismo, nazismo,
stalinismo – e com o aumento do poder das sociedades
autoritárias ou ditatoriais, a Filosofia também passou a
desconfiar do otimismo revolucionário e das utopias e a
indagar se os seres humanos, os explorados e dominados
serão capazes de criar e manter uma sociedade nova, justa
e feliz.
O crescimento das chamadas burocracias – que
dominam as organizações estatais, empresariais, político-
partidárias, escolares, hospitalares – levou a Filosofia a
indagar como os seres humanos poderiam derrubar esse
imenso poderio que os governa secretamente, que eles
desconhecem e que determina suas vidas cotidianas, desde
o nascimento até a morte.
A MAIORIDADE DA RAZÃO
No século XIX, o otimismo filosófico levava a Filosofia
a afirmar que, enfim, os seres humanos haviam alcançado
a maioridade racional, e que a razão se desenvolvia
plenamente para que o conhecimento completo da
realidade e das ações humanas fosse atingido.
No entanto, Marx, no final do século XIX, e Freud, No
inicio do século XX, puseram em questão esse otimismo
racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de
investigação e cada qual voltado para diferentes aspectos
da ação humana – Marx, voltado para a economia e a
política; Freud, voltado para as perturbações e os
sofrimentos psíquicos -, fizeram descobertas que, até o
final de nosso século, continuam impondo questões
filosóficas.
Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos
pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa
própria vontade, racional e livremente, de acordo com
nosso entendimento e nossa liberdade, porque
desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar
como pensamos e agir como agimos. A esse poder – que é
social – ele deu o nome de ideologia.
Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a
ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e
desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o
controle de nossa consciência porque desconhecemos a
existênciade uma força invisível, de um poder – que é
psíquico e social – que atua sobre nossa consciência sem
que ela o saiba. A esse poder que domina e controla
Filosofia
ENEM
67
invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o
nome de inconsciente.
Diante dessas duas descobertas, a Filosofia se viu
forçada a reabrir a discussão sobre o que é e o que pode a
consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento, sobre
o que são e o que podem as aparências e as ilusões.
Ao mesmo tempo, a Filosofia teve que reabrir as
discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou
é inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e
histórica? Se for inteiramente condicionado, então a
História e a cultura são causalidades necessárias como a
Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres
humanos conquistam a liberdade em meio a todos os
condicionamentos psíquicos, históricos, econômicos,
culturais em que vivem?
O FIM DA FILOSOFIA?
No século XIX, o otimismo positivista ou cientificista
levou a Filosofia a supor que, no futuro, só haveria
ciências, e que todos os conhecimentos e todas as
explicações seriam dados por elas. Assim, a própria
Filosofia poderia desaparecer, não tendo motivo para
existir.
No entanto, no século XX, a Filosofia passou a mostrar
que as ciências não possuem princípios totalmente certos,
seguros e rigorosos para as investigações, que os
resultados podem ser duvidosos e precários, e que,
frequentemente, uma ciência desconhece até onde pode ir
e quando está entrando no campo de investigação de uma
outra.
Com isso, a Filosofia voltou a afirmar seu papel de
compreensão e interpretação crítica das ciências,
discutindo a validade de seus princípios, procedimentos de
pesquisa, resultados, de suas formas de exposição dos
dados e das conclusões, etc.
Foram preocupações com a falta de rigor das ciências
que levaram o filósofo alemão Husserl a propor que a
Filosofia fosse o estudo e o conhecimento rigoroso da
possibilidade do próprio conhecimento científico,
examinando os fundamentos, os métodos e os resultados
das ciências. Foram também as preocupações como essas
que levaram filósofos como Bertrand Russel e Quine a
estudar a linguagem científica, a discutir os problemas
lógicos das ciências e a mostrar os paradoxos e os limites
do conhecimento científico.
(CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática,
2003. PP. 50-54)
UNIDADE 24
WILHELM FRIEDRICH HEGEL
Como a filosofia de Spinoza, a de Hegel é uma filosofia
da inteligibilidade total, da imanência absoluta. A razão
aqui não é apenas, como em Kant, o entendimento
humano, o conjunto dos princípios e das regras segundo as
quais pensamos o mundo. Ela é igualmente a realidade
profunda das coisas, a essência do próprio Ser. Ela é não
só um modo de pensar as coisas, mas o próprio modo de
ser das coisas: "O racional é real e o real é racional".
Podemos, portanto, considerar Hegel como o filósofo
idealista por excelência, uma vez que, para ele, o fundo do
Ser (longe de ser uma coisa em si inacessível) é, em
definitivo, Ideia, Espírito. Sua filosofia representa, ao
mesmo tempo, com relação à crítica kantiana do
conhecimento, um retorno à ontologia. É o ser em sua
totalidade que é significativo e cada acontecimento
particular no mundo só tem sentido finalmente em função
do Absoluto do qual não é mais do que um aspecto ou um
momento.
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
Hegel porém se distingue de Spinoza e surge para nós
como um filósofo essencialmente moderno, pois, para ele,
o mundo que manifesta a Ideia não é uma natureza
semelhante a si mesma em todos os tempos, que dizia que
a leitura dos jornais era "sua prece matinal cotidiana",
como todos os seus contemporâneos, muito meditou sobre
a Revolução Francesa, e esta lhe mostra que as estruturas
sociais, assim como os pensamentos dos homens, podem
ser modificadas, subvertidas no decurso da história. O que
há de original em seu idealismo é que, para Hegel, a ideia
se manifesta como processo histórico: "A história
universal nada mais é do que a manifestação da razão".
As principais obras de Hegel são: A Fenomenologia do
Espírito; A Lógica; A Enciclopédia das Ciências
Filosóficas; A Filosofia do Direito. Foi um gênio
poderoso; sua cultura foi vastíssima, bem como a sua
capacidade sistemática, tanto assim que se pode
considerar o Aristóteles e o Tomás de Aquino do
pensamento contemporâneo. No entanto, frequentemente
deforma os fatos para enquadrá-los no esquema lógico do
seu sistema racionalista-dialético, bem como altera este
por interesses práticos e políticos.
É preciso compreender também que a história é um
progresso. O vir- a-ser de muitas peripécias não é senão a
história do Espírito universal que se desenvolve e se
realiza por etapas sucessivas para atingir, no final, a plena
posse, a plena consciência de si mesmo. "O absoluto, diz
Hegel, só no final será o que ele é na realidade". O
panteísmo de Spinoza identificava Deus com a
natureza: Deus sive natura. O panteísmo hegeliano
identifica Deus com a História. Deus não é o que é - ao
menos só é parcial e muito provisoriamente o que
atualmente é - Deus é o que se realizará na História.
(Neste sentido, ainda há algo de hegeliano na filosofia de
Ciências Humanas e suas Tecnologias
68
Teilhard de Chardin). Por conseguinte, a história, para
Hegel, é uma odisseia do Espírito Universal", em suma, se
nos permitem o jogo de palavras, uma "teodisseia".
Consideremos a história da terra. De início só existem
minerais, depois, vegetais e, em seguida, animais. Não
temos a impressão de que seres cada vez mais complexos,
cada vez mais organizados, cada vez mais autônomos
surgem no Universo? O Espírito, de início adormecido,
dissimulado e como que estranho a si mesmo, "alienado"
no universo, surge cada vez mais manifestamente como
ordem, como liberdade, logo como consciência. Esse
progresso do Espírito continua e se concluirá através da
história dos homens. Cada povo cada civilização, de certo
modo, tem por missão realizar uma etapa desse progresso
do Espírito. O Espírito humano é de início uma
consciência confusa, um espírito puramente subjetivo, é a
sensação imediata. Depois, ele consegue encarnar-se,
objetivar-se sob a forma de civilizações, de instituições
organizadas. Tal é o espírito objetivo que se realiza
naquilo que Hegel chama de "o mundo da cultura". Enfim,
o Espírito se descobre mais claramente na consciência
artística e na consciência religiosa para finalmente
apreender-se na Filosofia (notadamente na filosofia de
Hegel, que pretende totalizar sob sua alçada todas as
outras filosofias) como Saber Absoluto. Desse modo, a
filosofia é o saber de todos os saberes: a sabedoria
suprema que, no final, totaliza todas as obras da cultura (é
só no crepúsculo, diz Hegel, que o pássaro de Minerva
levanta vôo). Compreendemos bem, em todo caso, que,
nessa filosofia puramente imanentista, Deus só se realiza
na história. Em outras palavras, a forma de civilização que
triunfa a cada etapa da história é aquela que, naquele
momento, melhor exprime o Espírito. Após ter saudado
em Napoleão "o espírito universal a cavalo", Hegel verá
no estado prussiano de seu tempo a expressão mais
perfeita do Espírito Absoluto. Por conseguinte, Hegel é
daqueles que acham que a força não "oprime" o direito
(essa fórmula, abusivamente atribuída a Bismarck, nada
significa), mas que o exprime, que aquele que é vitorioso
na História é, simultaneamente, o mais dotado de valor e
que a virtude, como ele diz, "exprime o curso do mundo".
Segundo as normas da lógica clássica, essa identificação
da Razão com o Devir histórico é absolutamente
paradoxal. De fato, a lógica clássica considera queuma
proposição fica demonstrada quando é reduzida,
identificada a uma proposição já admitida. A lógica vai do
idêntico ao idêntico. A história, ao contrário, é o domínio
do mutável. O acontecimento de hoje é diferente do de
ontem. Ele o contradiz. Aplicar a razão à história, por
conseguinte, seria mostrar que a mudança é aparente, que
no fundo tudo permanece idêntico. Aplicar a razão à
história seria negar a história, recusar o tempo. Ora,
contrariando tudo isso, o racionalismo de Hegel coloca o
devir, a história, em primeiro plano. Como isso é
possível?
É possível porque Hegel concebe um processo racional
original - o processo dialético - no qual a contradição não
mais é o que deve ser evitado a qualquer preço, mas, ao
contrário, se transforma no próprio motor do pensamento,
ao mesmo tempo em que é o motor da história, já que esta
última não é senão o Pensamento que se realiza.
Repudiando o princípio da contradição de Aristóteles e
de Leibnitz, em virtude do qual uma coisa não pode ser e,
ao mesmo tempo, não ser, Hegel põe a contradição no
próprio núcleo do pensamento e das coisas
simultaneamente. O pensamento não é mais estático, ele
procede por meio de contradições superadas,
da tese à antítese e, daí, à síntese, como num diálogo em
que a verdade surge a partir da discussão e das
contradições. Uma proposição (tese) não pode se pôr sem
se opor a outra (antítese) em que a primeira é negada,
transformada em outra que não ela mesma ("alienada"). A
primeira proposição encontrar-se-á finalmente
transformada e enriquecida numa nova fórmula que era,
entre as duas precedentes, uma ligação, uma "mediação"
(síntese).
A DIALÉTICA
A dialética para Hegel é o procedimento superior do
pensamento é, ao mesmo tempo, repetimo-la, "a marcha e
o ritmo das próprias coisas". Vejamos, por exemplo, como
o conceito fundamental de ser se enriquece
dialeticamente. Como é que o ser, essa noção
simultaneamente a mais abstrata e a mais real, a mais
vazia e a mais compreensiva (essa noção em que o velho
Parmênides se fechava: o ser é, nada mais podemos dizer),
transforma-se em outra coisa? É em virtude da
contradição que esse conceito envolve. O conceito de ser é
o mais geral, mas também o mais pobre. Ser, sem
qualquer qualidade ou determinação - é, em última
análise, não ser absolutamente nada, é não ser! O ser, puro
e simples, equivale ao não-ser (eis a antítese). É fácil ver
que essa contradição se resolve no vir-a-ser (posto que vir-
a-ser é não mais ser o que se era). Os dois contrários que
engendram o devir (síntese), aí se reencontram fundidos,
reconciliados.
Vejamos um exemplo muito célebre da dialética
hegeliana que será um dos pontos de partida da reflexão
de Karl Marx. Trata-se de um episódio dialético tirado da
Fenomenologia do Espírito, o do senhor e o escravo. Dois
homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem.
Aceita arriscar sua vida no combate, mostrando assim que
é um homem livre, superior à sua vida. O outro, que não
ousa arriscar a vida, é vencido. O vencedor não mata o
prisioneiro, ao contrário, conserva-o cuidadosamente
como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o escravo,
o "servus", aquele que, ao pé da letra, foi conservado.
a) O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio
goza os prazeres da vida. O senhor não cultiva seu jardim,
não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem
o escravo para isso. O senhor não conhece mais os rigores
do mundo material, uma vez que interpôs um escravo
entre ele e o mundo. O senhor, porque lê o
reconhecimento de sua superioridade no olhar submisso
de seu escravo, é livre, ao passo que este último se vê
despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de
submissão absoluta.
b) Entretanto, essa situação vai se transformar
dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma
Filosofia
ENEM
69
contradição interna: o senhor só o é em função da
existência do escravo, que condiciona a sua. O senhor só o
é porque é reconhecido como tal pela consciência do
escravo e também porque vive do trabalho desse escravo.
Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu
escravo.
c) De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da
vida do que o escravo de seu senhor (foi por medo de
morrer que se submeteu), vai encontrar uma nova forma
de liberdade. Colocado numa situação infeliz em que só
conhece provações, aprende a se afastar de todos os
eventos exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime,
desenvolvendo uma consciência pessoal. Mas, sobretudo,
o escravo incessantemente ocupado com o trabalho,
aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e
recupera uma certa forma de liberdade (o domínio da
natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma
conversão dialética exemplar, o trabalho servil devolve-
lhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado
pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu
senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si
mesmo. Assim, a liberdade estoica se apresenta a Hegel
como a reconciliação entre o domínio e a servidão.
Hegel parte, fundamentalmente, da síntese a
priori de Kant, em que o espírito é constituído
substancialmente como sendo o construtor da realidade e
toda a sua atividade é reduzida ao âmbito da experiência,
porquanto é da íntima natureza da síntese a priori não
poder, de modo nenhum, transcender a experiência, de
sorte que Hegel se achava fatalmente impelido a um
monismo imanentista, que devia necessariamente tornar-
se panlogista, dialético. Assim, deviam se achar na
realidade única da experiência as características divinas do
antigo Deus transcendente, destruído por Kant. Hegel
devia, portanto, chegar ao panteísmo imanentista, que
Schopenhauer, o grande crítico do idealismo racionalista e
otimista, declarará nada mais ser que ateísmo imanentista.
No entanto, para poder elevar a realidade da experiência
à ordem da realidade absoluta, divina, Hegel se achava
obrigado a mostrar a racionalidade absoluta da realidade
da experiência, a qual, sendo o mundo da experiência
limitado e deficiente, por causa do assim chamado mal
metafísico, físico e moral, não podia, por certo, ser
concebida mediante o ser (da filosofia aristotélica),
idêntico a si mesmo e excluindo o seu oposto, e onde a
limitação, a negação, o mal, não podem, de modo
nenhum, gerar naturalmente valores positivos de bem
verdadeiro. Mas essa racionalidade absoluta da realidade
da experiência devia ser concebida mediante o vir-a-ser
absoluto (de Heráclito), onde um elemento gera o seu
oposto, e a negação e o mal são condições de positividade
e de bem.
Apresentava-se, portanto, a necessidade da invenção de
uma nova lógica, para poder racionalizar o elemento
potencial e negativo da experiência, isto é, tudo que há no
mundo de arracional e de irracional. E por isso Hegel
inventou a dialética dos opostos, cuja característica
fundamental é a negação, em que a positividade se realiza
através da negatividade, do ritmo famoso
de tese, antítese e síntese. Essa dialética dos opostos
resolve e compõe em si mesma o elemento positivo da
tese e da antítese. Isto é, todo elemento da realidade,
estabelecendo-se a si mesmo absolutamente (tese) e não
esgotando o Absoluto de que é um momento, demanda o
seu oposto (antítese), que nega e o qual integra, em uma
realidade mais rica (síntese), para daqui começar de novo
o processo dialético. A nova lógica hegeliana difere da
antiga, não somente pela negação do princípio de
identidade e de contradição - como eram concebidos na
lógica antiga - mas também porquanto a nova lógica é
considerada como sendo a própria lei do ser. Quer dizer,
coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já não
é mais o ser, mas o devir absoluto.
Dispensa-se acrescentar como, a experiência sendo a
realidade absoluta,e sendo também vir-a-ser, a história
em geral se valoriza na filosofia; igualmente não é preciso
salientar como o conceito concreto, isto é, o particular
conexo historicamente com o todo, toma o lugar do
conceito abstrato, que representa o elemento universal e
comum dos particulares. Estamos, logo, perante
um panlogismo, não estático, como o de Spinoza, e sim
dinâmico, em que - através do idealismo absoluto - o
monismo, que Hegel considerava panteísmo, é levado às
suas extremas consequências metafísicas imanentistas.
Podemos resumir assim:
1.° - A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si
mesmo e exclui o seu oposto (princípio de identidade e de
contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que
a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de
um elemento ao seu oposto;
2.° - A lógica tradicional afirma que o conceito é
universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável,
realmente, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica
hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto,
isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do
real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo;
3.° - A lógica tradicional distingue substancialmente a
filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da
história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo
que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história,
enquanto o ser é vir-a-ser;
4.° - A lógica tradicional distingue-se da ontologia,
enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o
esgota totalmente - como faz o pensamento de Deus; ao
passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia,
porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do
próprio "logos" divino, que no espírito humano adquire
plena consciência de si mesmo.
Visto que a realidade é o vir-a-ser dialético da Ideia, a
autoconsciência racional de Deus, Hegel julgou dever
deduzir a priori o desenvolvimento lógico da ideia, e
demonstrar a necessidade racional da história natural e
humana, segundo a conhecida tríade de tese, antítese e
síntese, não só nos aspectos gerais, nos momentos
essenciais, mas em toda particularidade da história. E,
com efeito, a realidade deveria transformar-se
rigorosamente na racionalidade em um sistema coerente
de pensamento idealista e imanentista.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/heraclito.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/spinoza.htm
Ciências Humanas e suas Tecnologias
70
Não é mister dizer que essa história dialética nada mais
é que a história empírica, arbitrariamente potenciada
segundo a não menos arbitrária lógica hegeliana, em uma
possível assimilação do devir empírico do
desenvolvimento lógico - ainda que entendido
dialeticamente, dinamicamente. Tal história dialética
deveria, enfim, terminar com o advento da filosofia
hegeliana, em que a Ideia teria acabado a sua odisseia,
adquirindo consciência de si mesma, isto é, da sua
divindade, no espírito humano, como absoluto. Mas, desse
modo, viria a ser negada a própria essência da filosofia
hegeliana, para a qual o ser, isto é, o pensamento, nada
mais é que o infinito vir-a-ser dialético.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/hegel.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Segundo Hegel a natureza está em constante processo
de desenvolvimento, e este se dá na história, concebida, por
sua vez, como etapas do desenvolvimento do espírito (Geist),
cuja meta é atingir o autoconhecimento ou a consciência de si.
Geist é a existência própria, a essência última do ser. O
processo histórico deve ser interpretado como o
desenvolvimento em direção à sua forma absoluta.
• O curso realidade apresenta momentos que se
contradizem entre si, sem, no entanto, perderem a unidade do
processo, que leva a um crescente desenvolvimento que
progride através do conflito e da superação das contradições. A
esse processo Hegel denominou dialética.
• Hegel mostra como a mesma lógica da oposição “tese” e
“antítese” e o surgimento posterior de uma “síntese”, aplica-se
também ao desenvolvimento da história e da filosofia. Em outras
palavras, a tese (os valores predominantes em um povo) é
sempre acompanhada por uma antítese (valores que
representam a negação da consciência vigente). O confronto
deriva na síntese, ou seja, na superação de uma forma de
civilização por outra.
• Nesse movimento dialético de tese-antítese-síntese , a
civilização posterior, ao mesmo tempo em que supera a
anterior, preserva o que nela era essencial ao espírito,
tornando-o mais pleno. Dessa forma, cada civilização histórica
seria mais racional do que suas antecessoras.
• Para Hegel o fim da história corresponde
necessariamente à libertação humana e isso só poderá
acontecer quando a vontade do indivíduo for absorvida na
vontade do coletivo e reconhecida pela razão como partilhada
por todos. Então ela não será mais algo do qual cada um dos
indivíduos se sinta alienado, pelo contrário cada um deles
reconhecerá o dever social como sendo do seu próprio e
particular interesse.
UNIDADE 25
KARL MARX
A CRÍTICA DE MARX AO IDEALISMO HEGELIANO
O conceito de objeto pode ser mais bem analisado por
meio de investigação de sua etimologia: objeto é
composto por Ob (contra mim) e jeto (lançar), ou seja, a
coisa apreendida, e nos esclarece a relação de
interpretação do sujeito com o objeto, para Hegel.
O mundo não tem uma essência em si, e podemos
incluir neste mundo a história. O objeto - seja ele
filosófico, pertencente ao mundo das ideias, ou material -
pertencente ao mundo natural existe apenas em relação ao
sujeito. O último, lança sobre si algo que não lhe pertence
a fim de compreendê-lo. O mundo, portanto, tem a forma
que o homem dá a ele. O homem também se põe como
objeto de si, na tentativa de que a consciência veja a si
mesma: a autoconsciência.
Aqui, outro conceito com aparência inocente nos revela
alguns caminhos da filosofia de Hegel: a especulação, que
vem de espelho. O homem olha a si mesmo, através da
história, na tentativa de encontrar diferenças, de
estabelecer mudanças.
A História, para Hegel é a ciência da consciência
histórica. Para Hegel, o homem é um "ser espirituoso", e a
dialética, um método de descoberta das contradições. Este
consiste em relacionar sujeito e objeto, colocá-los em
oposição, em conflito. A relação, portanto, não existe
enquanto diversidade, ela necessariamente deve encerrar
uma oposição e, por fim, uma contradição. É o conflito
que constitui a consciência.
A relação entre escravo e senhor exemplifica essas três
etapas. O senhor só é senhor em relação ao seu escravo, e
nesse sentido, depende do escravo para exercer a sua
autoridade. O escravo, da mesma maneira, só é escravo na
relação com seu senhor, dependendo dele para ser
subjugado. Mas escravo e senhor não são apenas
diferentes por um ser escravo e o outro, senhor. Eles estão
numa relação de oposição: um manda, o outro obedece.
À primeira vista, a relação entre os dois se encerra neste
ponto: o senhor dá ordens, o escravo obedece; o senhor
possui a terra, o escravo nela trabalha; o senhor é livre, o
escravo vive preso aos seus grilhões. Mas essa relação de
diversidade, que se fundamenta numa oposição, revela
suas inerentes contradições: o senhor depende do escravo
e este depende do senhor. O senhor precisa da vida do
escravo para que a sua própria se mantenha: enquanto o
escravo trabalha, o senhor descansa. Caso o escravo se
rebele, o senhor passará fome e morrerá. O escravo não é
apenas escravo, mas principalmente senhor de seu próprio
senhor. E o senhor, aparentemente dominante na relação,
mostra seu alicerce de dependência, e, portanto, revela ser
não apenas senhor, mas escravo de seu próprio escravo.
A crítica de Marx sobre a dialética hegeliana concentra-
se no caráterlógico, que não alcança a natureza, a
realidade. Para Marx, essa dialética permanece na
consciência, alcança o objeto apenas no pensamento,
enquanto pensamento.
Filosofia
ENEM
71
Karl Marx (1818-1883)
Marx, ultrapassando a crítica à religião feita por Hegel,
preocupa-se com a crítica à própria Filosofia Alemã:
"Nenhum destes filósofos se lembrou de perguntar qual
seria a relação entre a Filosofia Alemã e a realidade
alemã, a relação entre a sua crítica e o seu próprio meio
material." Marx se opõe à Hegel nesse sentido, tendo-o
como um idealista; não existe, para Marx, um espírito
universal motor da história humana, que reaparece de
tempos em tempos, em diferentes povos.
Na Ideologia Alemã, existe a síntese do que viria a ser o
materialismo histórico. A consciência não é aqui um ente
abstrato, universal (quase metafísico), mas particular,
historicamente produzido por meio das relações de
trabalho.
Contra o idealismo hegeliano, que realiza uma reflexão
sobre a razão, Marx coloca a questão de sobrevivência do
homem. O "ser" do homem é seu processo de vida
material, real - é o ser social que determina a forma de
consciência, não o contrário. "Não é a consciência que
determina a vida, mas sim a vida que determina a
consciência."
Para Hegel o homem distingue-se do animal por ter
consciência - atividade além do pensar, pois um animal
pensa, mas não pensa que está pensando. Para Marx o
homem é o único ser que trabalha.
A História é uma ciência para Marx, dividida entre
história da natureza e história dos homens; histórias essas
que caminham juntas e se condicionam, visto que o
homem transforma a natureza por meio do trabalho,
produzindo seus meios de vida. O primeiro ato histórico
do homem, portanto, é manter-se vivo. Para isso, ele
produz sua vida material, produz os meios capazes de
satisfazer suas próprias necessidades. Meios esses que
produzem outras necessidades e assim por diante.
A base da história são os interesses materiais, e nestes,
encontramos os antagonismos de produção, oriundos da
divisão do trabalho. A luta de classes será o motor da
história, para Marx, a história escrita, o relato do
vencedor. A sociedade se organiza a partir da relação de
dominação que um segmento exerce sobre o outro quando
detém os meios de produção.
A relação entre senhor e escravo, em sua dialética, nos
leva a descobrir como se configuram os meios de
sobrevivência de certa sociedade, em tempo e lugares
reais. De acordo com Marx, a libertação do homem não se
realiza por meio da autoconsciência do espírito universal:
"Não é possível levar a cabo uma libertação real sem ser
no mundo real e através de meios reais". A crítica à
ideologia alemã é ácida: "A libertação é um fato histórico
e não um fato intelectual, e é provocado por condições
históricas, pelo progresso da indústria, do comércio, da
agricultura...; estas provocam depois, em virtude dos seus
diferentes estágios de desenvolvimento, esses absurdos: a
substância, o sujeito, a consciência de si e a crítica pura,
assim como os absurdos religiosos e teológicos, que são
novamente eliminados quando já estão suficientemente
desenvolvidos."
Para Marx, a própria filosofia alemã de seu tempo era
resultado do desenvolvimento (precário) de suas forças
produtivas. Contra todos esses conceitos dominantes na
filosofia de seu tempo, Marx, para chegar à "consciência",
nos conduz por quatro momentos históricos do homem: a
produção da vida material para manter- se vivo; a
produção de novas necessidades; a produção da família,
ou seja, a reprodução de si mesmo; e a cooperação entre
os homens, em determinado modo, para a produção da
vida. A consciência aparece como percepção das relações
sociais e das outras coisas situadas fora do indivíduo - e
não como consciência pura. "A minha consciência é a
minha relação com o que me rodeia".
O Ocidente viu seu último grande sistema filosófico
encerrar-se sob a denominação de Hegelianismo. Sua
principal influência pode ser vista não apenas na formação
do Marxismo, como também na Fenomenologia, e na
formação da teoria e da práxis do Existencialismo. É por
essas e outras razões que o filósofo alemão segue como
uma referência fundamental para vários campos do
conhecimento.
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-
sabedoria/39/artigo273508-5.asp
FIQUE LIGADO NO ENEM!
• Marx se opõe à Hegel tendo-o como um idealista; não
existe, para Marx, um espírito universal motor da história
humana. A crítica de Marx sobre a dialética hegeliana
concentra-se no caráter lógico, que não alcança a natureza, a
realidade. Para Marx, a filosofia deve possuir o caráter de
transformação, da prática; trata-se da filosofia da práxis.
• A existência material do homem é que determina o
pensamento, em vez de o pensamento determinar a existência
do homem. Primeiro o homem tem que produzir suas condições
materiais e concretas de vida, através do trabalho, que são os
bens necessários para a sua existência e para sua
sobrevivência, e só depois disso o homem poderá filosofar.
• O materialismo histórico de Marx parte do princípio de
que se o homem está constantemente trabalhando e produzindo
os objetos necessários para o sustento da sua vida, cada
mudança nessa maneira de produção, faz com que mude a
maneira de se viver também.
• A desigualdade de propriedade determina a diferença de
classes e a dominação de uma classe social por outra. Esses
pares de classes sociais antagônicas, mas complementares,
mantêm uma oposição de valores e interesses que se manifesta
na luta de classes que, por sua vez, se constitui no motor da
história.
• Se o motor da história é a luta de classes, o fim da divisão
entre os homens em classes representaria o fim da história.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
72
Para isso, o proletariado deveria derrubar as bases econômicas
em que se fundamenta a existência das classes realizando uma
revolução e destituindo a burguesia do poder.
UNIDADE 26
FRIEDRICH NIETZSCHE
O DIONISÍACO E O SOCRÁTICO
Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de
expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como
consequência uma nova concepção da filosofia e do
filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um
conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar.
A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno,
sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria
determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando
os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a
pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é,
simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser
interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a
própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie
de fisiologista e de médico, aquele que considera os
fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador
seria o artista que considera e cria perspectivas, falando
pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do
futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo
tempo.
Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre
os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o
pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o
pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da
filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração
dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um
pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como
tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente
superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites,
condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é,
crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos,
surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma
Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates,