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Marília Ancona-Lopez - Psicodiagnóstico - Processos de Intervenção

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Prévia do material em texto

MARÍLIA ANCONA-LOPEZ (arg.) 
ANGELA M. R. VORCARO . 
CHRISTlNA CUPERTlNO . 
CLÁUDIA B. BRUSCAGIN . 
 DELBA T. R. BARROS . 
GOHARA YVETTE YEHIA . 
MARCOS T. 
MERCADANTE . 
 MARIA LUlZA P. MUNHÓZ . 
MARY D. E. SANTIAGO. 
SILVIA ANCONA-LOPEZ . TEREZA I. H. MITO. 
YARA MONACHESI 
 
PSICODIAGNOSTICO: 
Processo de intervencão 
 
2º edição 
1998 
 
EDITORA CORTEZ 
 
 
SUMÁRIO 
 
Psicodiagnóstico: uma prática em crise ou uma 
prática na crise? PG 9 
Mary Dolores Ewerton Santiago 
Psicodiagnóstico: processo de intervenção? 
Silvia Ancona-Lopez, PG 26 
Psicodiagnóstico formal e avaliação informal 
Tereza /ochico Hatae Mito, 37 
Compreender ou estranhar: incidências no psicodiagnóstico, PG 51 
Angela Maria Resende Vorcaro 
Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo: uma história de negociações,PG 65 
Marília Ancona-Lopez 
Reformulação do papel do psicólogo no psicodiagnóstico fenomenológico-existencial e sua 
repercussão sobre 
os pais, PG 115 
Gohara Yvette Yehia 
o psicodiagnóstico fenomenológico e os desencontros possíveis, PG 135 
Christina Menna Barreto Cupertino 
A criança participante do psicodiagnósticoinfantil grupal . PG 179 
Maria Luiza Puglisi Munhóz 
"Reflexões sobre o uso do psicodiagnóstico em instituições, PG 196 
Yara Monachesi 
O processo de escolha diagnóstica em uma equipe multidisciplinar: análise das 
negociações, PG 205 
Marcos Tomanik Mercadante 
 Bibliografia comentada: psicodiagnóstico , PG 216 
Cláudia Beatriz S. Bruscagin 
Delba Teixeira Rodrigues Barros 
 Bibliografia complementar, PG 232 
Claudia Beatriz S. Bruscagin 
Delba Teixeira Rodrigues Barros 
 
 
 
PSICODIAGNÓSTICO: UMAPRÁTICA EM CRISE OU UMA PRATICA NA CRISE? 
 
Mary Dolores Ewerton Santiago* 
 
Vários são os modelos adotados para obter uma compreensão ou conclusão 
diagnóstica sobre o paciente e, entre eles, aquele proposto por O campo e Garcia Arzeno 
parece norte ar o trabalho de grande parte dos profissionais da área. O fato de as referidas 
autoras terem sistematizado com propriedade os conceitos concernentes ao 
psicodiagnóstico sob uma ótica psicanalítica e oferecerem dele uma concepção ampla e 
enriquecedora - principalmente no que diz respeito à relação transferêncial / 
contratransferencial e à devolução diagnóstica ao paciente no final do processo - contribuiu 
para divulgar seu trabalho em nosso meio. 
Ocampo e Garcia Arzeno caracterizam o psicodiagnóstico como uma prática bem 
delimitada, cujo objetivo é "obter uma descrição e compreensão o mais profunda e 
completa possível da personalidade total do paciente ou do grupo familiar. (u.) Abarca os 
aspectos pretéritos, presentes (diagnóstico) e futuros (prognóstico) dessa personalidade. 
(...) Uma vez obtido um panorama preciso e completo do caso, incluindo os aspectos. 
 
* Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Professora do Instituto de Psicologia 
da USP e da Universidade Paulista - UNIP. 
 
 9 
 
patológicos e os adaptativos, trataremos de formular recomendações terapêuticas 
adequadas (terapia breve e prolongada, individual, de casal, de grupo familiar ou grupal; 
com qual freqüência; se é recomendável um terapeuta homem ou mulher, se a terapia pode 
ser analítica ou de orientação analítica ou então outro tipo de terapia; se é necessário um 
tratamento medicamentos o paralelo etc.)"I. 
Abarcar esta proposta, procurando realizá-Ia tal como foi formulada, facilmente 
mobiliza no profissional muita ansiedade, pois ele acha-se convocado a revelar um amplo e 
profundo conhecimento das teorias e técnicas psicológicas que dão suporte ao seu 
trabalho; as fantasias que permeiam e influenciam suas atitudes tendem a oscilar entre a 
onipotência e a impotência, principalmente se ele tem pouca experiência clínica. De fato, 
dar conta de compreender tantos aspectos implicados no atendimento psicodiagnóstico, em 
um curto período de tempo, evidencia facilmente a magnitude da tarefa e pode levar o 
profissional, inconscientemente, a se comprometer mais com ela do que com o seu 
paciente. Neste sentido, realiza entrevistas que coletem o máximo possível de informações, 
e o paciente, solicitado a buscar nos arquivos de sua memória fatos significativos que 
ajudem o psicólogo a construir uma compreensão clara sobre seus problemas, assume 
fundamentalmente o papel de informante. 
Mas o paciente busca auxílio psicológico em um momento muito particular de sua vida. 
Algo rompeu seu status quo psíquico, de tal modo que ele, sozinho, não consegue dar 
conta da situação. Sua busca denuncia a falência das medidas anteriormente tomadas para 
a resolução dos problemas que o afligem, assim como uma insuficiência dos sistemas 
explicativos que construiu sobre suas causas. É esta condição singular que exige uma 
atenção mais demorada de ambos os participantes, 
 
I. CAMPO, M. L.; GARCIA ARZENO, M. E. et aI. Las técnicas proyectivas y el proce.w 
psicodiagnÔstico. 3. ed. Buenos Aires: Nueva Visión, 1975, p.IS. 
 
 10 
 
;em a precipitação de logo iniciar uma pesquisa sobre toda a história do paciente. 
Como, muitas vezes é a primeira modalidade de atendimento psicológico buscada pelo 
indivíduo, o psicodiagnóstico em uma importância significativa, não só quanto à conclusão 
diagnóstica, mas principalmente quanto ao modo de o psicólogo colher o paciente, 
relacionar-se com ele, dimensionar com certeza suas dificuldades sem torná-las o objeto 
único de suas Investigações. Supomos também que a busca de auxílio psicológico poderia 
estar revelando um momento de crise do paciente. 
Vejamos alguns pontos de vista sobre a crise. Moffatt, Cuja concepção psicopatológica 
está mais centrada nos transtornos de identidade, considera que "a crise se manifesta pela 
vasão de uma experiência de paralisação da continuidade do ) processo da vida"2. O que 
provoca a crise é o inesperado de Ima situação; se a perturbação se intensifica "há uma 
desconinuidade na percepção de nossa vida como uma história ;coerente, organizada 
como uma sucessão na qual cada uma Ias etapas é conseqüência da anterior"3. Neste 
contexto, o indivíduo não consegue perceber a si mesmo como aquele de mentes e nem 
tampouco manter uma atitude prospectiva. 
Simon aponta que "o essencial na geração da crise é o 'ato de o indivíduo se ver frente 
a uma situação nova e principalmente transformadora"4. Apoiando-se em conceitos klei-
lianos, considera que "os sentimentos de intensa angústia, às rezes de pânico, que 
assaltam o sujeito em crise, não seriam levidos apenas à falta de solução para o novo, mas 
à projeção : identificação do novo com fantásticas ameaças provocadas )elas figuras 
aterrorizantes das camadas do inconsciente que : mergem nesses estados de extrema 
tensão emocional". 
 
2. MOFFATT, A. Terapia de crise. São Paulo: Cortez, 1982, p. 13. 
3. Id., ibid. 
4. SIMON, R. Psicologia clínica preventiva. São Paulo: EPU, 1989, p, 58. 
 
 11 
 
 
 
Estas concepções distintas, que relacionam a crise à perda da construção imaginária 
do tempos, ou à irrupção de ansiedades arcaicas anteriormente sob controle6 e que 
privilegiam diferentes tipos de crises ("crises evolutivas e traumáticas"7, "crises por perda e 
por aquisição"8), têm, no entanto, um denominador comum: a crise é provocada por um 
fato novo, inesperado, desconhecido. 
O fato novo que ocorre com o paciente é que ele não está conseguindo lidar sozinho 
com os problemas que o afetam, que suas tentativas neste sentido foram infrutíferas. É este 
fato novo que provoca uma mudança no equilíbrio psíquico anterior, mantido com certas 
crenças acerca de si mesmo ou do mundo. "Algo" está em desacordo com elas e esse 
desacordo freqüentemente é acompanhado de sentimentos de dor e ansiedade, que podem 
despertar temores antigos e tornar ainda mais difícil a sua condição interna atual. Assim, 
podemos considerar que ao buscar um profissional, o paciente está em uma situação de 
crise. 
A nosso ver, faz-se necessária, uma atitude continente e empática com o paciente, 
uma disposição paraescutá-Io e estabelecer com ele um verdadeiro diálogo. E isso implica 
necessariamente incluir o paciente no processo diagnóstico de um modo diferente do que 
comumente ocorre, ou seja, estimulando-o a compartilhar do trabalho compreensivo em 
curso. Ele poderá assim vincular-se à tarefa de modo mais ativo, encontrando um outro 
lugar na relação que não somente o de mediador dos dados sobre sua história, e 
gradativamente poderá tomar contato com alguns aspectos mais manifestos de sua 
conduta. 
 
Estamos familiarizados com a idéia de que o psicólogo deve incluir-se no trabalho 
clínico, que é sempre e fundamento. 
 
 
pg12 
 
uma relação humana, fazendo uso de seus recursos intelectuais, suas emoções, suas 
percepções para melhor compreender o paciente. Mas ainda não atentamos 
suficientemente para a rotina diagnóstica, que em geral configura uma relação e uma 
expectativa de que o saber, o conhecimento, a atitude mental ativa durante o processo são 
privilégio ou dever somente do psicólogo. 
Pode ocorrer que o paciente procure delegar ao profissional toda a responsabilidade de 
chegar a uma compreensão e explicação plausível sobre o que está lhe acontecendo, 
baseando-se na crença de que somente ele tem o saber e o poder de fornecer sugestões 
úteis. Mas esta situação é equívoca, dado que pode estar respondendo a uma necessidade 
defensiva .O paciente no momento. E a tendência, se o psicólogo assim permitir, é de que 
se estruture uma relação muito assimétrica, em que o paciente é marginalizado do 
processo compreensivo que vai se delineando no diagnóstico. 
Dois aspectos podem ser observados aqui: primeiro, a fantasia de incompetência, de 
"não saber" do paciente é : compartilhada pelo psicólogo e talvez aceita por ele como Ima 
realidade; segundo, a expectativa ansiosa de ambos para chegar a uma compreensão dos 
problemas e encontrar medidas remediadoras. . 
Contudo, uma relação deste gênero, baseada nas fantasias .e impotência de um e de 
onipotência de outro, dificulta : sobremaneira um trabalho clínico proveitoso porque 
fundamenta- se na negação. Negação das capacidades ou potencialidades 10 paciente, 
negação dos limites do psicólogo, negação da lificuldade de realizar um trabalho profícuo 
com tantas distorções perceptivas e sem a participação compreensiva do paciente. 
Poder-se-ia argumentar que essa modalidade de relação é omum no diagnóstico, devido 
principalmente às fantasias do paciente e à dificuldade ou mesmo à impossibilidade de lidar 
com elas no breve período de tempo disponível para esse trabalho. Embora tal argumento 
seja verdadeiro, parece-nos. 
 
pg13 
 
apenas um ângulo da questão, que é mais ampla e tem outras implicações. 
Referendar a negação do paciente quanto às suas próprias capacidades e aceitar a 
idealização que ele faz da pessoa do psicólogo exacerba a relação assimétrica e favorece o 
estabelecimento de um vínculo com os aspectos mais emergentes e debilitados do 
paciente. E, nessas condições, é provável que ocorra um "esvaziamento" das 
possibilidades inerentes ao processo psicodiagnóstico: a construção de um espaço 
intersubjetivo, compartilhado por ambos, psicólogo e paciente, com lugar para o saber de 
um e o saber de outro, o reconhecimento dos limites de um e de outro. 
É comum na entrevista inicial que o paciente chegue ansioso, não somente por suas 
dificuldades, por sua situação de crise, como supomos, mas também por estar com uma 
pessoa desconhecida, em um encontro que envolve a questão da avaliação. 
Em suas considerações sobre a teoria e a técnica da entrevista, diz Eleger: "A entrevista é 
sempre uma experiência vital muito importante para o entrevistado; significa com muita 
freqüência a única possibilidade que tem de falar o mais sinceramente possível de si 
mesmo com alguém que não o 
julga, senão que o compreende. Desta maneira, a entrevista atua sempre como um fator 
normativo ou de aprendizagem, ainda que não se recorra a nenhuma medida especial para 
consegui-lo. Em outros termos, a entrevista diagnóstica é sempre e ao mesmo tempo, em 
alguma medida, terapêutica" 9. 
Esta concepção de Bleger parece dimensionar adequadamente a importância do 
trabalho clínico. No encontro com o paciente, a qualidade da relação com ele estabeleci da 
é fundamental. A nosso ver, também o psicólogo que realiza o psicodiagnóstico deveria 
atentar mais para este aspecto e visar 
 
 
 
pg14 
 
 
Uma maior exploração, dos efeitos terapêuticos do processo. Mas, para isso, torna-se 
necessário reexaminar alguns de seus procedimentos, especialmente aqueles relativos aos 
assinalamentos e à devolução diagnóstica. 
O campo e Garcia Arzeno consideram que "é necessária uma devolução de 
informação diagnóstica e prognóstica discriminada e classificada, em relação com as 
capacidades egóicas does) destinatários(s)" 1°. Acrescentam que ela deverá ser feita após 
o término das entrevistas e testes, pelo psicólogo que realizou o processo psicodiagnóstico, 
em uma ou várias entrevistas. "Tanto o psicólogo, como o paciente ou os pais, podem 
colocar a necessidade de outras entrevistas devolutivas. De qualquer modo, é necessário 
dar oportunidade aos interessados para metabolizar o que foi recebido na primeira 
entrevista e esclarecer, ampliar ou retificar o que foi compreendido nela" lI. 
 
Vale notar alguns aspectos desta proposta: 
 1. separação nítida entre uma primei~a etapa do diagnóstico (quando o psicólogo trata de 
fazer uma investigação por meio de entrevistas e testes) e a etapa final (quando ele 
devolve um conhecimento e compreensão); 
2. provável intensificação da ansiedade do paciente devido ao período de espera entre a 
entrevista inicial e a final; 
3. dificuldade de retomar atitudes anteriores do paciente que possam contribuir para uma 
melhor integração do material devolvido e que dependem, portanto, da memória do 
psicólogo e do paciente; 
4. As possibilidades de esclarecimento, reflexão ou "metaboização" do paciente, que 
dependam da ajuda do psicólogo, Jarecem estar concentradas nas entrevistas finais; 
 
pg15 
 
 
 
5. prolongamento do processo psicodiagnóstico, que poderia então incluir várias entrevistas 
devolutivas. 
Ainda que possamos reconhecer muitos aspectos valiosos nas contribuições de O campo e 
Garcia Arzeno para a prática do psicodiagnóstico, temos um ponto de vista distinto no que 
diz respeito às devoluções ao paciente. Como já dissemos anteriormente, "(...) um 
profissional experiente e competente pode fazer devoluções no decorrer das entrevistas, 
assinalando aqueles elementos sobre os quais tem uma compreensão significativa" 12. 
Tal conduta permite que o paciente tome contato com algumas de suas atitudes e 
favorece sua auto-observação. Uma das situações que, a nosso ver, não pode passar 
despercebida é aquela em que o paciente manifesta, no seu contato com o psicólogo, a 
suposição de não ser capaz de expressar seu modo de pensar satisfatoriamente ou de não 
ser bem dotado do ponto de vista intelectual. Essa suposição se traduz em um discurso 
permeado de expressões do gênero "não sei, não", "eu não entendo", mesmo que em 
seguida ele formule alguma explicação para aquilo que diz não saber ou não entender. No 
atendimento clínico institucional, essa situação é bastante observada. Contudo, muitas 
dificuldades surgem na relação quando este modo de o paciente referir-se a si mesmo não 
é assinalado pelo psicólogo. Falar das dúvidas, da negação da capacidade de 
entendimento, dos esforços de compreensão do paciente e das percepções ou 
pensamentos adequados que ele expressa parece legitimar a capacidade compreensiva e 
perceptiva do paciente para ele próprio. Temos a impressão de que não basta reconhecer 
as angústias e emoções do paciente, porque ele precisa recuperar a confiança em sua 
capacidade intelectual, instrumento importante para a observação, compreensão e 
resolução de seus problemas. 
 
12. SANTIAGO, M. D. E. Entrevistas clínicas. ln: Trinca, W. (org.) DiagnÓ.Hico 
psicolÓgico: a práticaclínica. São Paulo: EPU, 1984, p. 75. 
 
 16 
 
É claro que um assinalamento do psicólogo não levará paciente a mudar seu ponto de vista 
sobre si mesmo (sabemos lhe algumas atitudes podem estar cristalizadas e ter seus 
benefícios secundários), mas uma observação pertinente, no momento oportuno, resulta 
muitas vezes útil porque possibilita ° paciente tomar contato com determinado aspecto de 
sua personalidade. Outras vezes ocorre o contrário: o paciente já formulou seu próprio 
"diagnóstico" e vem para confirmá-lo ou revela muita desconfiança quanto ao profissional 
ou quanto O trabalho a ser realizado. É importante também que tais atitudes sejam 
assinaladas para que o processo se desenvolva le modo mais explícito, principalmente no 
que se refere à 
relação paciente-psicólogo. 
A questão de fazer uso de assinalamentos ou interpretações nas entrevistas 
diagnósticas é controversa. Alguns propõem-se decididamente a essa idéia, considerando 
que o psicólogo, na tarefa diagnóstica, deve limitar-se a realizar uma investigação. ), outros, 
como O campo e Garcia Arzeno, deixam claro que os assinalamentos só devem ser feitos 
em circunstâncias especíricas: o psicólogo intervém na entrevista inicial quando há 
"situações de bloqueio ou paralisação por incremento da angústia, para assegurar o 
cumprimento dos objetivos da entre 
vista"13 e na devolutiva "(...) quando surgem indícios de fracasso na entrevista, como as 
condutas estereotipadas ou a insistência em negar certos conteúdos (...)"14, focalizando 
mais o tipo de vínculo que o paciente tem com ele do que propriamente o conteúdo de tais 
condutas. 
Não obstante, alguns outros profissionais reconhecem a necessidade de fazer certos 
apontamentos ao paciente durante o processo psicodiagnóstico por considerarem que o 
trabalho alcança uma dimensão mais ampla e compreensiva. Também argumentam a favor 
de devoluções parciais e de realizar um trabalho em conjunto com o paciente. 
 
 17 
 
 
 
Verthelyi, por exemplo, expressa idéias bastante interessantes sobre esta questão: "em 
certo sentido a devolução se inicia no momento mesmo da pré-entrevista e se encontra 
inevitavelmente presente durante toda a avaliação. Entendida assim, a devolutiva se 
converte em um 'processo' e não somente em um ponto de chegada, ainda que reservemos 
a ou as últimas entrevistas para a integração final dos resultados e as recomendações" .15 
Ampliando o conceito de devolução, Verthelyi esclarece que há aspectos implícitos que 
vamos "devolvendo" ao paciente durante o processo e que incluem a disposição do 
consultório, nossa atitude, nosso modo de' pensar, perguntar, planejar o atendimento desde 
o primeiro contato telefônico ou a primeira entrevista. Por exemplo: um consultório que 
possua uma poltrona confortável e cadeiras mais incômodas ou então assentos similares 
para todos, pode transmitir e enfatizar o grau de simetria-assimetria e a distância que 
tentamos dar à relação; quando solicitamos que os pais compareçam à primeira entrevista 
e explicamos o "porquê" desta insistência, estamos "devolvendo" nossa valorização do 
papel paterno. Desta forma, conclui a autora, "não se pode não 'devolver' (informar, 
redefinir, esclarecer) certos aspectos de nossos critérios de saúde, doença e cura, inseridos 
em um sistema ideológico e de valores que se expressam com maior ou menor grau de 
consciência em nossa conduta" .16 
Mas Verthelyi fala também das comunicações explícitas e das intervenções do 
psicólogo durante o processo psicodiagnóstico. Definindo as intervenções como perguntas, 
sugestões, comentários e assinalamentos que podem se dar basicamente em relação a: 
1. condutas observáveis na relação do paciente com o psicólogo e a tarefa; 
 
 15. VERTHELYI, R. F. de. Tenw.s en evaluaciÓn psicolÓgica. Buenos Aires: 
Lugar Editorial, 1989, pp. 50-51. 
 16. Id., ibid., p. 51. 
 
 18 
 
 
 
2. aspectos do material recolhido (testes). 
A autora considera que: "Todas essas intervenções, ao mesmo tempo que ampliam a 
informação que o psicólogo recolhe a respeito da flexibilidade ou rigidez do entrevistado (...) 
funcionam antecipando aspectos da devolução final"17. 
Esse enfoque permite-nos observar que as intervenções modificam a qualidade do 
atendimento, levando-nos a estimar com mais clareza as possibilidades e limites do 
paciente. Essas intervenções são, portanto, absolutamente necessárias para uma melhor 
compreensão diagnóstica sobre ele. Por outro lado, elas também funcionam como 
devoluções parciais, dando ao paciente a oportunidade de ter uma imagem diferente de si e 
de suas circunstâncias. No contexto de um processo de avaliação diagnóstica como uma 
tarefa conjunta, tal como propõe Verthelyi, a devolução deve ser sempre útil. e 
enriquecedora para o indivíduo. 
Não passa despercebido, contudo, o fato de Verthelyi usar o termo genérico 
"devolução" em vez da específica expressão "devolução diagnóstica". Também não passa 
despercebido o cuidado com que aponta para a necessidade de diferenciar 
psiCodiagnóstico de psicoterapia: "convém diferenciar com clareza a ou as entrevistas de 
devolução das possíveis entrevistas terapêuticas ou de orientação posteriores que podem 
surgir a partir das recomendações já previstas ou das temáticas que aparecem no 
fechamento do diagnóstico. Qualquer entrevista posterior à devolução requer o 
estabelecimento de um novo contrato que explicite o enquadre, as características e os 
objetivos da tarefa" .18 
Esta preocupação de delimitar nitidamente as fronteiras entre psicodiagnóstico e 
psicoterapia talvez seja compartilhada por grande parte dos profissionais que realizam o 
psicodiagnóstico. Parece haver um receio muito grande de confundir 
 
 19 
 
 
 
 
fos dois processos, teoricamente concebidos como distintos. Mas, na prática, é possível 
manter essa diferenciação? 
Priedenthal discute esta questão em um interessante artigo em que ressalta a 
necessidade, na aplicação das técnicas projetivas, de dialogar com o paciente e de rastrear 
juntamente com ele a significação do material de testes, à medida que este se apresenta, 
fazendo uso de perguntas, comentários e assinalamentos. Argumenta ser este 
procedimento imprescindível para testar as hipóteses que vão sendo formuladas e assim 
obter maior esclarecimento e compreensão do material, pois o psicólogo, muitas vezes 
preocupado com o "mundo interno" do paciente, pode ficar com elementos algo abstratos 
tais como a "imagem" que o paciente tem do casal (sem vinculá-Ia com sua relação 
concreta de casal) ou seu "nível de aspiração" (sem vinculá-Io com seu trabalho ou com 
seus estudos). Mas, dialogar com o paciente, fazer-lhe perguntas que, muitas vezes, ao 
chamar sua atenção sobre um aspecto, funcionam como assinalamentos, é diagnóstico ou 
terapia? 
Para Priedenthal, a distinção entre os dois é apenas teórica, impossível de ser mantida 
na prática clínica. Pois "que significa tudo isso de falar com o paciente sobre seu material e 
fazer-lhe perguntas, pedir-lhe associações, mostrar-lhe como se inibiu, que lapsos teve, 
quantas repetições de imagens negativas, ou que formas de reagir ocorreram em sua 
produção etc? Não é isso tornar consciente o inconsciente (ou como se queria formulá-Io 
teoricamente)? Não é isso fazer psicoterapia?,,19 
Priedenthal vai mais longe e considera que o psicólogo pode fazer um maior uso desse 
procedimento, "seja porque pretende explorar a capacidade de insight do paciente e sua 
reação a interpretações, ou porque quer converter o próprio processo de psicodiagnóstico 
em uma intervenção terapêutica"2o. 
 
19. FRIEDENTHAL, H. Interrogatório, test de límites y seiíalamientos en el test de 
relaciones objetales. In: Verthelyi, R. F. de (comp.). El test de relaciones objetales de H. 
Phillipson. Buenos Aires: Nueva Visión, 1976, p. 66. 
20. Id., ibid., p. 89. 
 
 20 
 
Friedenthal parece focalizar sua atenção na exploração de todos os recursos 
disponíveis (a relação paciente-psicólogo, os testes, os comentários e lembranças dopaciente), a fim de ir ampliando, junto com o paciente, a compreensão que ele tem de si 
mesmo. É com esse objetivo que faz intervenções, perguntas e assinalamentos específicos 
(estes últimos os mais eficazes, em sua opinião). 
Estamos de acordo com Priedenthal que esta forma de trabalho é muito mais 
enriquecedora para ambos os participantes (psicólogo e paciente) e que a introdução de 
assinalamentos durante o processo psicodiagnóstico (nas entrevistas ou ao final da 
administração de cada teste) "permite que o processo introjetivo característico da 
devolução se dê de forma dosificada" 21. 
 
Também consideramos que é difícil manter a fronteira entre psicoterapia e 
psicodiagnóstico, dado que, no atendimento psicodiagnóstico, como diz friedenthal, as 
intervenções fazem-se quase sempre necessárias: "seja para esclarecer situações trans 
ferenciais que interferem, seja para aliviar a ansiedade aguda do paciente, ou para pôr à 
prova como ele responde a interpretações, o psicólogo (de orientação psicanalítica) logo 
intervém com comentários que por sua vez alteram ou gravitam na conduta posterior do 
paciente, de modo que se embarca em um processo característico da psicoterapia". 22 
Podemos observar que os modos de proceder no psicodiagnóstico, seguindo O campo 
e Garcia Arzeno ou Verthelyi e Friedenthal, implicam significativas diferenças. O tipo de 
trabalho realizado pelas duas últimas evidencia a necessidade de uma conduta mais 
plástica por parte do psicólogo, a necessidade de que ele desenvolva sua capacidade 
clínica, sua sensibilidade para captar indícios significativos e decidir quando e como deve 
atuar com aquele determinado paciente. Em 
 
 
 
 21 
 
 
 
 
Outras palavras, evidencia que ambas as tarefas, diagnóstico e psicoterapia, exigem a 
mesma capacidade de compreensão e empatia para o trabalho. 
Essas idéias são importantes porque convidam a refletir sobre o modo tradicional de 
realizar o psicodiagnóstico, que comumente resulta em um conhecimento que tem utilidade 
apenas para o futuro, isto é, para o encaminhamento terapêutico do paciente, nem sempre 
seguido por este, como já fez notar Ancona-Lopez23 em um trabalho de pesquisa sobre o 
atendimento psicológico nas clínicas-escolas. A par desta constatação, sabemos que o 
processo psicodiagnóstico, território absoluto do psicólogo, onde estão assentadas as 
diferenciações que lhe conferem identidade, tornou-se também um domínio para o qual 
confluem muitas divergências. As diferentes leituras possíveis do material do paciente, os 
distintos referenciais teóricos nos quais elas se baseiam tornam as conclusões diagnósticas 
um alvo fácil para muitos questionamentos e reduzem a credibilidade a elas outorgada por 
outros profissionais. Não raro o paciente torna-se objeto de disputa de poder pelo 
conhecimento ou é novamente submetido a outra situação diagnóstica para que o 
profissional ao qual foi encaminhado para atendimento psicoterápico possa formular seu 
próprio parecer sobre o "caso". 
Este quadro tem suscitado muitas inquietações naqueles que trabalham com o 
psicodiagnóstico em consultório particular ou em instituições, levando-os a questionar a 
finalidade do trabalho realizado com o paciente. Afinal, os problemas evidenciados não 
sugerem a existência de "lacunas" na concepção que o psicólogo tem de seu papel no 
psicodiagnóstico? Não está afetada a sua própria identidade profissional? Para quem o 
psicodiagnóstico é útil: para o psicólogo que realizou o processo, para o paciente ou para o 
terapeuta ao qual ele foi encaminhado? Não se faz necessário redefinir o papel do 
 
 
 
 22 
 
psicólogo e modificar a prática diagnóstica, de modo que ela se torne, tanto para o 
psicólogo quanto para o paciente, dotada de sentido ou de especificidade durante a sua 
realização? 
Estas interrogações pertinentes obrigam-nos a reconsiderar nossa relação com o 
paciente, que vem em busca de ajuda para saber e compreender o que está lhe 
acontecendo e vê suas necessidades frustradas quando o psicólogo se exime de uma 
interação mais ativa com ele silenciando sobre suas suposições ou percepções acerca do 
que se passa nas entrevistas. A idéia de que o paciente só poderá realmente tomar contato 
com suas dificuldades e tratar de seus problemas posteriormente, em uma psicoterapia, é 
altamente duvidosa. Pode-se supor que a inobservância das recomendações terapêuticas 
ou a falta de motivação para segui-Ias derivam da experiência psicodiagnóstica, que pode 
influenciar de modo significativo a atitude do paciente para com outros profissionais ou 
instituições. Se ele não pode sentir-se compreendido, se não pode conhecer ou reconhecer 
alguns de seus aspectos, suas expectativas serão de que o mesmo ocorrerá no tratamento 
proposto. 
É preciso rever antigas concepções que encaram o psicodiagnóstico apenas como um 
referencial para o encaminhamento psicoterápico e consideram que seu valor é apenas 
compreensivo, uma vez que a relação com o paciente, mesmo quando enfocada sob o 
ângulo da transferência e contra-transferência, não pode ser usada como instrumento de 
trabalho. Do mesmo modo, é preciso abandonar a idéia de que o psicodiagnóstico não tem 
objetivos terapêuticos e empenhar-se em fazer dele uma prática cujos efeitos sejam 
terapêuticos. 
Essa necessidade de revisão também se aplica às crenças de que as intervenções do 
psicólogo durante o psicodiagnóstico poderiam ter conseqüências desastrosas, de que o 
paciente poderia desorganizar-se, já que não suportaria entrar em contato com alguns de 
seus aspectos ou não compreenderia o que o psicólogo quisera lhe dizer ou mostrar. Essas 
ressalvas valem para alguns pacientes, mas não para todos. É oportuno lembrar que 
nossas fantasias inconscientes a respeito do conhecimento 
 
 23 
 
 
 
 
 
 
(e mais especificamente do autoconhecimento) influenciam sobremaneira nosso trabalho e 
podem impedir-nos de discriminar adequadamente se nossas atitudes derivam do cuidado 
de não tornar as devoluções (parciais ou finais) traumáticas ao paciente ou se respondem 
às nossas próprias necessidades defensivas. 
Observamos que, muito freqüentemente, o psicólogo adota a atitude de quem sabe ou 
compreende tudo, mas não pode comunicar esse saber ao paciente, ou a de quem nada 
sabe e portanto nada pode falar, esperando que os testes lhe dêem alguma informação ou 
confirmem algumas de suas suposições. Em outras palavras, o psicólogo oscila entre uma 
supervalorização e uma desvalorização de suas condições pessoais. 
Grande parte dos argumentos que apóiam tais idéias e atitudes remete à questão da 
interpretação, da inadequação de seu uso no psicodiagnóstico e da especificidade do 
trabalho psicoterápico. Não obstante, embora muitos considerem a interpretação como o 
elemento que marca a distinção entre psicodiagnóstico e psicoterapia, é pertinente atinar 
também para um outro elemento que marca a semelhança entre os dois processos: a 
relação paciente-psicólogo. 
Os autores aqui citados deixam claro a importância primordial dessa semelhança e 
concordam que o efeito terapêutico do processo psicodiagnóstico decorre basicamente da 
qualidade da relação estabelecida com o paciente. Nosso principal foco de atenção e 
preocupação deveria, então, ser este: nossa relação com o paciente. Se nossa intervenção 
for necessária em algum momento - e ela sempre o será se nos dispusermos a realizar um 
trabalho conjunto com o paciente -, procuraremos nos orientar pelos emergentes da 
situação. Neste contexto, será possível respeitar as resistências do paciente, discriminar os 
aspectos acessíveis e aceitáveis para ele no momento, fazer devoluções parciais que não 
signifiquem uma antecipação de algum material que só adquire sentido quando integrado. 
Este tipo de procedimento, que permite um contato mais profundo com o paciente, 
pode realmente suscitar muito mais ansiedade no psicólogo, já que exige dele uma 
abertura maior 
 
 24 
 
 
 
 
para suas próprias experiências internas e para as dificuldadese podem surgir com as 
resistências e ambigüidades do ciente. No entanto, se pensamos que todos esses aspectos 
tão inextricavelmente ligados à nossa condição de psicólogo 'nico, observamos que não há 
como iludi-los na situação agnóstica. Como diz Friedenthal; "Talvez não seja somente 
interpretação que faça com que as entrevistas diagnósticas assemelhem às sessões de 
terapia, se não o mero fato de le em umas e outras se produzam fenômenos transferenciais 
"24. 
Poder-se-ia ainda objetar que os procedimentos que su:rem uma atitude mais ativa de 
ambos os participantes no processo psicodiagnóstico podem ser aplicáveis somente 
quando i uma procura espontânea do atendimento psicológico, quando ) montamos com a 
motivação do paciente e com o seu desejo e compreender a si mesmo. Mas, mesmo 
naqueles casos em ue isso não acontece, pensamos que há necessidade de rastrear s 
motivos que o levaram ao psicólogo, assinalando o que for 19nificativo para que o trabalho 
possa ser uma tarefa conjunta 
as devoluções não pareçam estranhas ao paciente. Algumas 'vezes o paciente já teve 
experiências anteriores, já iniciou ou realizou o psicodiagnóstico com outros profissionais; 
então, é pertinente nos perguntarmos: o que ele veio buscar aqui comigo? O que eu posso 
fazer com ele neste momento? 
 
 
 25 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PSICODIAGNÓSTICO: PROCESSO DE INTERVENÇAO? 
 
Silvia Ancona-Lopez* 
 
INTERVIR (do latim intervenire): meter-se de permeio, ser ou estar presente, assistir, 
interpor os seus bons ofícios I. 
Meter-se de permeio: indica atuação. Posição ativa de alguém que interfere, que se coloca 
entre pessoas, que de algum modo estabelece um elo, uma ligação. 
Interpor os seus bons ofícios: ação de quem tem algum preparo em determinada área e 
põe seus conhecimentos à disposição de quem deles necessita. Ação de quem acredita no 
que faz. 
Estar presente: não indica necessariamente uma ação, o que leva a pensar em alguém 
disponível, que aguarda uma solicitação. Estar presente parece indicar uma posição, 
alguém a quem se pode recorrer e que está inteiro na situação. 
 Assistir. indica ajuda, cuidados, apoio. 
 
Na maioria das vezes, quando uma pessoa recorre a um atendimento psicológico, já 
utilizou, sem sucesso, seus recursos e seu repertório de conhecimentos para resolver 
determinado impasse. Ao aceitar a proposta do psicólogo de passar por um 
psicodiagnóstico, esta pessoa demonstra que está buscando 
 
 * Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Diretora da Clínica Psicológica 
das Universidade São Marcos. Professora da Universidade Paulista - UNIP. 
 I. FREIRE, L. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. Rio de 
Janeiro: A Noite, 1942, p. 3011. 
 
 26 
 
compreender atitudes suas ou de outra pessoa (um filho, por exemplo) que não se 
enquadram no que considera normal ou enquadram. Outras vezes o faz porque um terceiro 
(professor médico) lhe diz que há algo errado. 
 Em qualquer dos casos, esta situação provoca uma sensação estranheza, se não de 
sofrimento, permeada por uma impressão de incompetência, que impelem a pessoa a 
buscar ajuda profissional. 
Freqüentemente é um momento de fragilidade - 'já não sei mais o que fazer"-, em que o 
cliente espera encontrar n profissional que esteja disponível, inteiro, totalmente voltado ira 
ele, interessado e preocupado em ajudá-la, em dar-lhe apoio e em diminuir seu 
desconforto. 
Para poder abrir-se e participar com seus relatos e informações, o cliente precisa sentir-
se acolhido e confiar que tem diante de si alguém preparado, que inspire segurança, que se 
10stre capaz de compreender sua demanda e que, com a ajuda de seus conhecimentos, o 
leve a vislumbrar novas possibilidades. 
 
Conhecer alguém implica, entre outras coisas, conhecer l rede de relações da qual esta 
pessoa faz parte. Quando o pedido de psicodiagnóstico partir de um terceiro (pais ou 
escola, no caso de crianças; empresa ou médico, no caso de adultos), caberá ao 
profissional estabelecer o elo de ligação entre as pessoas e as instituições envolvidas. 
Cabe-lhe ajudar o cliente a explicitar a dinâmica dessas ligações a fim de esclarecer como 
essa rede é vivenciada. 
Os vários sentidos da palavra intervenção - citados em epígrafe - podem ser 
encontrados na prática do psicodiagnóstico. Há, no entanto, diferentes níveis de 
intervenção possíveis e diferentes atitudes dos psicólogos diante dessa possibilidade, de 
acordo com a postura teórica ou filosófica que adotarem. Pretendo, neste artigo, tecer 
alguns comentários sobre essas diferenças. 
 
 27 
 
 
 
 
O psicodiagnóstico é uma atividade que veio se desenvolvendo paralelamente à 
própria psicologia e à profissão de psicólogo, recolhendo suas práticas nas inúmeras 
teorias que procuram conhecer e compreender o homem. Apresenta a questão da 
pluralidade das referências, da flexibilidade dos modelos, da utilidade e das limitações do 
process02. 
O modelo tradicional de psicodiagnóstico é considerado pouco mais que uma coleta de 
dados sobre a qual se organiza um raciocínio clínico que vai orientar o processo 
psicoterápico. Assim, o psicodiagnóstico costuma ser um momento de transição, 
passaporte para o atendimento posterior, este sim considerado significativo (porque capaz 
de provocar mudanças), no qual o cliente encontrará acolhida para suas dúvidas e/ou 
sofrimento. 
A relação que se estabelece nesses psicodiagnósticos normalmente é mediada não só 
pelo "terceiro", que fez o pedido, como também por um pressuposto profissional ausente, o 
futuro psicoterapeuta. Esta triangulação, ou mesmo quadratura, influenciará a aproximação 
entre psicólogo e cliente durante o processo que se está desenrolando. O modo como o 
psicólogo considerar as diferenças entre os papéis de diagnosticador e de psicoterapeuta 
se refletirá em posturas diversas, mesmo que ele próprio venha a desempenhar as duas 
funções. Os que aproximam o papel de diagnosticador ao de observador imparcial tenderão 
a se distanciar na relação de psicodiagnóstico, evitando assumir uma atitude de 
intervenção para manter-se em uma postura investigativa, que resguarda seus 
conhecimentos sobre o "sujeito". Neste caso acredito que o processo perderá muito de seu 
sentido e mesmo de interesse ou utilidade para o cliente. 
Toda atuação psicológica é uma ação de intervenção cujo significado será dado pelo 
campo relacional que se estabelece 
 
 28 
 
 
entre as partes e que é exclusivo e peculiar àquele momento e àquela relação. 
No entanto, de acordo com o pensamento psicológico tradicional, para que a relação 
psicológica - se assim a podemos chamar - se transforme em uma relação significativa para 
o cliente, ela deve ser longa e duradoura. Paralelamente, há também nesta tradição a idéia 
de que um caso só será rico e interessante, para o psicólogo, se for difícil e necessitar de 
muitas horas de acompanhamento. 
Esta postura é mencionada por Freud em "O homem dos lobos" (1918) onde se lê: "As 
análises que conduzem a uma conclusão favorável em pouco tempo são de valor para a 
auto-estima do terapeuta, (...) mas permanecem em grande parte insignificantes no que diz 
respeito ao progresso do conhecimento científico. Nada de novo se aprende com elas. (...) 
A novidade só pode ser obtida de análises que apresentem especiais dificuldades e, para 
que isso aconteça, é necessário que a elas se dedique bastante tempo"3 (p. 22). 
Anos mais tarde (1937), no entanto, o próprio Freud se questiona sobre o tema da 
duração da análise. Escreve ele: "A experiência nos ensinou que a terapia psicanalítica – a 
libertação de alguém de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter neuróticos - é 
um assunto que consome tempo. Daí, desde o começo, tentativas terem sido feitas para 
encurtar a duração das análises. (u.) Eu mesmo adotei outro modo de acelerar um 
tratamento analítico, inclusive antes da guerra. (u.) Nesse dilema, recorri à medida heróica 
de fixar um limite de tempo para a análise"4 (pp. 247-248). 
As reflexões de Freud,nesse texto, estendem-se pelos temas complexos do "término 
da análise" e das possibilidades profiláticas da psicanálise. Todo o texto é permeado por 
um certo ceticismo quanto à eficácia da psicanálise para provocar 
 
 
 
 29 
 
 
 
 
mudanças permanentes, alertando para a ingenuidade dos que esperam que seus clientes 
atinjam "um nível de normalidade psíquica absoluta" (p. 251) mesmo após muitos anos de 
terapia. 
Freud aborda essas questões e demonstra claramente seu desconforto: "Partimos da 
questão de saber como podemos abreviar a duração inconvenientemente longa do 
tratamento analítico" (p. 267). E conclui: "Mas outro ponto já se tornou claro: se quisermos 
atender às exigências mais rigorosas feitas à terapia analítica, nossa estrada não nos 
conduzirá a um abreviamentode sua duração, nem pa~sará por ele" (p. 255). 
As questões sobre alta, duração e mudanças ocorridas no decorrer de um atendimento 
psicológico referem-se sempre às chamadas psicoterapias e, no caso das citações acima, à 
psicanálise, que é um processo todo especial. Assim, não é fácil estabelecer um elo com o 
psicodiagnóstico. O que fica claro, no -entanto, é que a idéia de intervenção está sempre 
ligada ao processo terapêutico. 
Mesmo as terapias breves (que buscam resolver o dilema da duração apontado por 
Freud) consideram que o processo de intervenção se inicia, preferencialmente, após um 
período que poderia ser chamado de psicodiagnóstico. Este é constituído de algumas 
sessões nas quais se selecionam os clientes que melhor possam beneficiar-se daquele tipo 
de psicoterapia e a intervenção acontece apenas em situações especiais5. 
Mais uma vez podem ser percebidas as marcas da tradição, que se mantém muito forte 
entre os psicólogos, sobretudo entre os que se dedicam ao psicodiagnóstico. Como lembra 
Mahfoud, diante das dificuldades do cliente, "a 'resposta padrão' do psicólogo é 
psicoterapia"6. Esta mesma idéia é expressa por Silva: "Por identificar a prática 
psicoterapêutica como sinônimo de atuação clínica é que o modelo único tem 
 
 
 
 30 
 
 
 
sido mantido (...), a psicologia tem tentado exercer um único modo de atuar através dos 
atendimentos psicoterápicos de seguimento contínuo e/ou prolongado"7 (p. 31). 
Assim, o psicodiagnóstico não é considerado, na maioria das vezes, como prática de 
intervenção, pois além de se dar num número relativamente pequeno e determinado de 
encontros, é entendido como prática de investigação, avaliação ou seleção. Deste modo, 
não pode ser percebido como um momento passível de abrir perspectivas novas ou 
possibilitar mudanças positivas para o cliente. Se estas últimas, eventualmente, ocorrerem, 
serão creditadas à relação estabeleci da com o profissional, mas não assumidas por ele 
como uma intenção ativa naquele momento. Isso implica que as novas perspectivas abertas 
ao cliente, por não serem explicitadas, correm o risco de não ser devidamente exploradas e 
de o processo perder muito da sua nqueza. 
A visão clássica do psicodiagnóstico recomenda uma atitude de neutralidade, o que leva 
a certo distanciamento do profissional, para facilitar as manifestações inconscientes do 
cliente. Além disso, recomenda-se que os contatos com o psicólogo durante o 
psicodiagnóstico não se estendam além do "necessário", a fim de evitar o desenvolvimento 
de uma relação transferencial que exigiria outro tipo de atendimento. 
Na minha opinião, esta postura distanciada, durante o psicodiagnóstico, implica certo 
esforço, por parte do profissional, para impedir que a intervenção seja efetiva, já que, de 
qualquer modo, ela estará ocorrendo. De acordo com Tsu: "As questões concernentes à 
relação entre o psicólogo e o cliente, vistos como sujeitos que possuem interioridade 
psíquica e que se movem numa rede de inter-relações, têm um caráter central em toda a 
práxis psicológica"8. 
 
 
 
 31 
 
 
 
A mesma autora diz que "aquele que entrar em contato direto com o profissional 
poderá vir a ser psicologicamente conhecido em sua dinâmica interna, ou seja, visto como 
pessoa que se relaciona com as demais a partir dos dados da realidade exterior e da sua 
própria realidade psíquica" (p. 40). Ora, este contato não é privilégio de um relacionamento 
que ocorra dentro de um processo psicoterápico e, portanto, não pode ser desconsiderado 
em um psicodiagnóstico. 
Pelos motivos apontados anteriormente, no entanto, há um certo pudor em se admitir que, 
no caso de um psicodiagnóstico, a relação que se estabelece no âmbito desse processo 
possa vir a propiciar uma troca que venha a gerar transformações ou abrir novas 
possibilidades para os componentes da relação. 
Na verdade estamos tratando aqui de uma visão ampla da psicologia, que não limita a 
intervenção psicológica a determinadas situações ou settings. Essa maneira de pensar a 
psicologia exige uma atitude flexível, inventiva e responsável por parte do psicólogo, que 
deverá transitar entre a teoria e a prática com certa desenvoltura9. À medida que o 
profissional acredita que todo contato seu com um cliente pode (e a meu ver deve) ser um 
momento significativo para ambos, sem dúvida adotará uma postura mais ativa e reverá 
muitos dos conceitos que norteiam sua prática 10. 
O relacionamento psicológico será significativo se produzir um conhecimento que se dê 
na possibilidade de uma formulação 
 
 
 
 32 
 
 
 
conjunta da experiência vivida naquela relação, tanto no contexto de um psicodiagnóstico 
como em uma sessão de psicoterapia. 
Quando o cliente busca um psicólogo espera ser atendido em suas necessidades, 
pouco importando sob que nome este atendimento se efetue li. Muitas vezes, 
desconsiderando este pedido do cliente, o psicólogo, ao nomear sua prática, decide 
postergar a intervenção, empobrecendo um encontro rico de possibilidades. 
É preciso então perguntar: como pode se dar esta intervenção no âmbito do 
psicodiagnóstico? 
Inicialmente, torna-se necessário haver por parte do cliente o pedido de uma ajuda 
imediata: a predisposição para iniciar um movimento no sentido da mudança. Esta 
demanda, nem sempre explícita, ao ser captada pelo psicólogo deverá ser clareada ao 
cliente. Por seu lado, se o psicólogo for capaz de despir-se dos conceitos tradicionais já 
mencionados, que envolvem a práxis psicológica, será capaz de abrir-se para esta 
demanda e convidar o cliente para uma caminhada conjunta. 
Esta colaboração, no entanto, somente será possível se o psicólogo se abrir para a co-
participação do cliente e acreditar que este último pode compartilhar os conhecimentos que 
se forem configurando durante o processo. É uma atuação que se caracteriza pelo fato de o 
psicólogo partilhar suas impressões sobre (e com) o cliente, levando-o a participar do 
processo e a abandonar a postura passiva de "sujeito" a ser conhecido 12. A partir daí, o 
psicólogo manterá sua escuta voltada para as possibilidades de intervenção. 
 
 
 33 
 
 
 
A intervenção ocorre à medida que não se posterguem os apontamentos que 
naturalmente ocorrem ao psicólogo durante os encontros, ou seja, quando se compartilha 
com o cliente, durante as sessões de psicodiagnóstico, a maneira como ele se apresenta: a 
impressão que causa ao psicólogo e as reflexões 
que possibilita. Se for possível captar o estilo do cliente isto é, sob que formas ele 
estabelece relações com o mundo - e se ele puder ser esclarecido sobre isso, novas 
perspectivas de autoconhecimento certamente se abrirão para ele. 
Os apontamentos serão interventivos se não repetirem as situações de vida cotidiana 
do cliente. Ou seja, quando introduzirem a estranheza no relacionamento, de modo a fazer 
o cliente confrontar-se com uma ruptura: a ruptura de seus comportamentos usuais, a 
ruptura da compreensão costumeira, a ruptura dos jogos relacionais que aprendeu a jogar. 
Estabelecendo um paralelo com a relação amorosa e relevando os exageros poéticos 
e os ciúmes que permeiam o soneto, podemos recorrer a Camões, que exige de sua amada 
um comportamentodiferenciado para com ele, de modo que possa se sentir 
distinguido entre todos. 
Diz o poeta: 
Se a ninguém tratais com desamor, 
antes a todos tendes afeição, 
e se a todos mostrais um coração 
cheio de mansidão, cheio de amor; 
desde hoje me tratai com desfavor, mostrai-me um ódio esquivo, uma isenção; poderei 
acabar de crer então 
que somente a mim me dais favor. 
Que, se tratais a todos brandamente, claro é que aquele é só favorecido a quem mostrais 
irado o continente. 
Mal poderei eu ser de vós querido, se tendes outro amor na alma presente: que amor é um, 
não pode ser partido.13 
 
 
 34 
 
 
 
 
Mesmo que o amor do psicólogo seja um amor partido, um amor vendido, nem por isso 
deixará de ser amor. Mas só será uma relação amorosa pItdutiva e exclusiva se a atitude 
do profissional garantir ao cliente a sua singularidade no momento do encontro. 
Pergunta-se: como gerar esta situação de singularidade? Procurando responder a partir 
da psicologia fenomenológica, esta singularidade se estabelece à medida que o psicólogo 
mostra ao cliente o que 'lhe aparece' através do que o cliente ~stá lhe trazendo. Não é um 
demonstrar ou um avaliar entre verdades e mentiras, mas o iluminar de um momento, de 
uma ;ituação. Esta iluminação ou clareira 14 que se abre no existir io cliente de algum modo 
desestrutura o estabelecido (a ruptura le que falava). É apresentar uma situação de modo 
novo, nusitado e, por isso mesmo, no primeiro momento desconforável pois causa uma 
desestruturação momentânea 15. Desestruuração provocada pelo aparecimento da 
angústia que ocorre .0 se dissolver uma imagem solidificada, uma identidade stratificada. 
Destruída ou abalada a maneira usual de o cliente gir, ele se verá diante da necessidade de 
uma reorganização, ~ que lhe abrirá a possibilidade de novas escolhas. 
Tanto quanto uma psicoterapia, o psicodiagnóstico pode Izer com que o cliente se 
perceba como campo de possibiI:lades. A situação psicodiagnóstica parece-me privilegiada 
este sentido porque pressupõe que se procure conhecer a mneira como o cliente se 
apresenta. Isto é, faz parte do )ntrato do psicodiagnóstico dizer que se tentará mapear a 
laneira como aquela pessoa estabelece as relações consigo, )m o mundo e com os objetos 
e o que, na sua maneira de itar no mundo, a está incomodando ou aos outros. Isso se 
 
 
 35 
 
 
faz pesquisando os acontecimentos marcantes, a história de vida e sua influência nas 
transformações, o modo como a pessoa encara sua existência. Ou seja, pesquisa-se a 
percepção do cliente a respeito de sua história de vida, percepção mobilizada no ato da 
relação com o entrevistadorl6. 
A fala do psicólogo pode revelar ao cliente a sua própria fala, desocultando o que está 
encoberto, não interpretando, mas dando sentido. Isto é, a fala do cliente revela como seu 
mundo lhe aparece. Cabe ao psicólogo, por sua vez, mostrar como este mundo lhe está 
sendo mostrado pela fala do cliente: o mundo tal como se apresenta ao cliente. 
Portanto, o cliente de psicodiagnóstico espera conhecer alguma coisa nova sobre si 
mesmo. Melhor ainda, espera que a clareira, que abrirá um vazio no conhecimento que tem 
sobre sua maneira de funcionar, lhe apresente novas possibilidades de ser. É, pois, injusto, 
por parte do psicólogo, negar esta possibilidade ao cliente e desonesto trair-lhe a confiança, 
guardando para si os conhecimentos que ele veio pedir que lhe fossem apresentados. 
Não pretendo aqui sugerir que a atividade psicodiagnóstica se iguale à psicoterapia, 
mas venho propor que não se perca 
a oportunidade de tornar este momento com o psicólogo um encontro privilegiado, 
significativo para o cliente. A idéia de intervenção no psicodiagnóstico faz-se cada vez mais 
presente entre os psicólogos; discussões e textos sobre o assunto começam a proliferar. 
Deixo, pois, aqui a minha contribuição. 
 
 
 36 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PSICODIAGNÓSTICO FORMAL E AVALIAÇÃO INFORMAL 
 
Tereza Iochico Hatae Mito* 
 
o psicodiagnóstico ocupa um lugar de destaque entre as opções oferecidas nos serviços 
de psicologia que propõem um atendimento sistematizado, independentemente do motivo 
que leva o paciente a procurar a instituição. Em geral, começa-se por uma inscrição 
efetivada em uma entrevista de triagem, após a qual o paciente aguarda chamada para 
psicodiagnóstico, como um trajeto obrigatório que dará acesso a algum tipo de terapia, se a 
avaliação indicar sua necessidade. Continua a ser realizado em maior número do que as 
psicoterapias propriamente ditas, se levarmos em conta os encaminhamentos após o 
psicodiagnóstico, os abandonos e o pouco número de vagas disponíveis para psicoterapia 
nas instituições de atenção à saúde mental I. 
O psicodiagnóstico é quase sempre conduzido de forma tradicional, isto é, estruturado 
em etapas previamente estabelecidas para atingir determinado objetivo. Segundo a 
concepção 
 
* Master of Arts in Education pela Osaka University of Education. Doutoranda em 
Psicologia Clínica pela PUC-SP. Supervisora da Universidade São Marcos e professora da 
Universidade Paulista - UNIP. 
I. ANCONA-LOPEZ, M. Características da clientela de clínicas-escola de psicologia em 
São Paulo. In: MACEDO, R. M. (org.). Psicologia e instituição: novas formas de 
atendimento. 2. ed.. São Paulo: Cortez, 1986. 
 
 37 
 
 
psicodinâmica, proposta por Ocampo e Garcia Arzen02, seus objetivos são: conhecer, 
investigar e compreender o paciente por meio de técnicas de entrevistas, observações 
dirigidas e aplicação de testes. Há uma preocupação com o levantamento exaustivo da 
história de vida da criança, a dinâmica familiar, a investigação das relações entre os 
comportamentos do paciente e as concepções da psicopatologia. Utiliza-se uma seqüência 
imposta pela necessidade de avaliar melhor os pontos obscuros para confirmar ou rejeitar 
hipóteses acerca do paciente: dinâmica psicopatológica, deficiência intelectual, problema 
neurológico, psicomotor etc. 
Entretanto, na avaliação, o profissional não se restringe à interpretação dos dados 
fornecidos pelo paciente no psicodiagnóstico formal. Não basta investigar apenas aspectos 
do paciente; é preciso também levar em conta os aspectos do próprio profissional e da 
relação que se estabelece entre ambos. A elaboração desses aspectos processa-se de 
uma forma muito particular para cada profissional, que lança mão de recursos pessoais 
para compreender as possibilidades do paciente e as suas para o desenvolvimento de um 
trabalho psicológico. Pelo menos duas formas de avaliação são utilizadas: a primeira, 
decorrente de um trabalho sistematizado, o psicodiagnóstico formal; e a segunda, 
decorrente de um processo mais pessoal, " 
pelo qual se avaliam alguns aspectos da relação psicólogo-paciente que não são passíveis 
de ser analisados no processo convencional do psicodiagnóstico. É a este processo que 
chamamos de "avaliação informal". 
Este artigo quer discutir a relação que se estabelece entre estas duas avaliações, 
centrando-se nesta última, o diagnóstico informal: o processo de avaliação espontâneo, que 
acontece quando o profissional recebe o paciente para um primeiro contato, o momento em 
que avalia a possibilidade de "estar 
 
2. OCAMPO. M. L. S., GARCIA ARZENO. M. E. et aI. O processo psicodiagnóstico. In: 
OCAMPO, M. L. S., GARCIA ARZENO. M. E. et a!. O processo psicodiagnÔstico e as 
técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 
 
 38 
 
 
 
com" o paciente para tornar efetivo seu trabalho, seja este de psicodiagnóstico ou 
psicoterapia. Em outras palavras, pretendemos abrir um espaço para refletir sobre essa 
avaliação pessoal, considerando que, no início de qualquer processo, determinados 
aspectos do paciente, são avaliados para que ele seja aceito. Tal aceitação implica que o 
profissional julga que tem recursos pessoais para ajudar o paciente e que este tem 
condições de se beneficiar da relação, independentemente dos resultados obtidos numa 
avaliação sistematizada como o psicodiagnóstico tradicional.Podemos considerar que a avaliação informal sempre foi utilizada; que a avaliação 
formal surgiu da necessidade do profissional apegar-se a instrumentos "mais confiáveis" do 
que sua própria percepção pessoal. Por um bom tempo os profissionais utilizaram 
"cegamente" os recursos da avaliação formal, com a certeza e a tranqüilidade de estarem 
fazendo a coisa "certa", não baseada em inferências pessoais, mas já estruturada e testada 
por outros. Para tanto, a psicologia utilizou-se de modelos de identificação, principalmente 
do modelo médico, para se afirmar e ser aceita como ciência, tentando estabelecer as 
conexões causais para explicar e compreender o homem. 
Os testes contribuíram para o desenvolvimento de uma linguagem padronizada que 
pudesse ser aceita pelas disciplinas científicas das quais passou a fazer parte. Assim, a 
avaliação passou a ser considerada um modelo suficiente para dar conta do diagnóstico 
psicológico de qualquer caso independentemente do psicólogo que o aplicava. 
Entretanto, na prática, constatamos que o psicodiagnóstico formal, sozinho, tem pouca 
utilidade. Em sua análise da relação entre psicodiagnóstico e psicoterapia infantil, 
Marques3 constata que o extenso trabalho investido no psicodiagnóstico dentro da 
instituição é pouco aproveitado pelo profissional para quem 
 
3. MARQUES, Y. M. Utilização dOJ elementos do pJicodiagnÔJtico na pJicoterapia 
infantil em instituiçi5eJ de atendimento pJicolÔgico. Dissertação de Mestrado, Psicologia 
Clínica, PUC-SP, 1989, p. 185. 
 
 39 
 
 
 
 
 
 
se encaminha a criança posteriormente. Mesmo quando se realiza um diagnóstico 
formalizado baseado em "instrumentos mais confiáveis de trabalho", ocorre um outro 
diagnóstico que é "não formalizado, que atende às necessidades do psicoterapeuta de 
conhecer seu paciente para poder tratá-l o adequadamente". 
Isso significa que os dados obtidos num psicodiagnóstico tradicional não isentam o 
terapeuta da necessidade de fazer uso da avaliação informal. Por mais completo e 
exaustivo que seja o relatório de outro profissional, o terapeuta precisa "ver com os próprios 
olhos" e "sentir" o paciente através de sua própria experiência. Nas palavras de Marques 
para o atendimento infantil: "o terapeuta precisa sentir a mãe de seu paciente, utilizando 
seus próprios recursos para identificar os pontos que considera importantes como apoio 
para o trabalho psicoterápico4 (grifo nosso)." 
Não se trata, porém, de substituir o diagnóstico formal pelo informal. Consideramos 
que correspondem a dois níveis diferentes de compreensão do paciente, mas não estamos 
tratando de processos exclusivos. Segundo EI-Id5, o psicodiagnóstico informal ocorre 
"sempre que o psicólogo clínico observa, reúne dados e faz julgamentos a respeito do seu 
paciente", o que "antecede necessariamente todo processo de tomada de decisão, seja no 
início, seja no decorrer de qualquer modalidade de intervenção ou psicoterapia" . ; 
Neste sentido, verificamos que a avaliação informal não é só complemento, mas parte 
integrante no estabelecimento de uma relação profissional-paciente. Na medida em que o 
impaciente não é considerado um mero "objeto" mas um "outro" mais participativo, com 
necessidades e recursos próprios, a ~ cada início de um novo processo com um novo 
profissional, exige-se que se leve em conta, que se avalie a possibilidade do trabalho 
psicológico conjunto, nesta relação específica. 
 
 
 40 
 
 
 
Ortigues e Ortigues6, criticam o uso que geralmente se faz das entrevistas 
preliminares, concebidas em função do terapeuta, que "conduz o processo até um ponto 
por ele definido e estipulado", fazendo propostas de psicoterapia, reeducação ou mesmo 
internação quando se considera concluída a avaliação. Consideram essencial que se 
verifique se a proposta corresponde também aos desejos do paciente e dizem: "o analista 
não quer uma psicoterapia para esse consulente; averigua o que ele deseja" . 
A contribuição de Hollender7, que data de mais de 20 anos, mantém-se muito atual 
para estes nossos questionamentos. Hollender discrimina situações em que o 
psicodiagnóstico pode ou não ser separado da psicoterapia, em função de o caso ser 
agudo, emergencial, ou não. Seu estudo refere-se ao processo de seleção de pacientes, à 
avaliação e ao começo da psicoterapia, que ele denomina "formas definitivas de 
psicoterapia". Em síntese, trata-se de uma psicoterapia psicanaliticamente orientada, uma 
relação a dois para a aquisição de autoconhecimento, que exclui técnicas grupais e outros 
recursos que não as trocas verbais e não-verbais. Sua principal contribuição foi questionar 
a avaliação inicial quando esta se resume na tomada da história para reconstrução genética 
e formulação psicodinâmica, ou para a obtenção de informações específicas. Considera 
que o mais importante é obter informações para determinar se duas pessoas podem 
trabalhar juntas, de um modo particular, em direção a um objetivo particular. Neste sentido, 
importa tentar esclarecer nas entrevistas iniciais: o que a pessoa pode e quer fazer a 
respeito dos seus problemas; a quem incomoda os problemas e quem deseja ajuda: a 
própria pessoa ou alguém da família; que tipo de relação a pessoa procura: a pessoa quer 
aquilo que o terapeuta está preparado para oferecer? 
 
 
 
 41 
 
 
 
Essa postura está de acordo com a de Herrmann8, que considera que nas entrevistas 
iniciais o analista "precisa decidir se a pessoa que o procura requer algum tipo de 
atendimento, qual o tipo, e, caso seja análise, se ela possui condições mínimas de 
analisabilidade, ou se ele próprio é o analista indicado". Herrmann prossegue enfatizando 
que "mais importante é antecipar corretamente como funcionarão juntos no campo 
transferencial, pelo menos o bastante para decidir que o processo tem alguma chance de 
ser produtivo. Não basta um paciente apto, aliado a um analista capaz, é preciso uma dupla 
minimamente ajustada". 
Cordioli9 argumenta que a. seleção da intervenção mais 
apropriada e efetiva depende da habilidade do terapeuta, considerada muito mais como 
arte do que como uma ciência. Acrescenta que "nossos esforços serão mais úteis se nos 
dedicarmos a ajustar a relação terapêutica e o método clínico ao paciente e suas 
necessidades". Ou seja, a intervenção só é possível quando há consonância entre o que o 
paciente procura e o que o profissional tem a oferecer. 
As propostas de avaliar se "duas pessoas podem ou não trabalhar juntas", se "uma 
dupla é minimamente ajustada" para iniciar um processo analítico, ou de falar na "arte" ou 
"habilidade" do terapeuta em escolher a intervenção mais apropriada e efetiva, trazem 
implícitas restrições pessoais utilizadas pelos profissionais para aceitar ou não o paciente, 
sem deixar claro o processo interno que cada um utiliza para tal. O que faz 
com que um terapeuta aceite um paciente e "acredite" no bom prognóstico? Ou, ao 
contrário, o recuse preferindo encaminhá-lo para outro tipo de atendimento, "acreditando" 
não poder ajudá-Io? Quais os pressupostos que o terapeuta tem para si, nem 
 
 
 
 42 
 
 
 
 
sempre claramente delineados para os outros, os recursos de que lança mão, baseado na 
sua experiência, formação teórica etc., para avaliar o paciente possível? 
Segundo Herrmannlo a resposta a esses questionamentos não é simples. Se nos 
referimos a recursos pessoais, incorporados à experiência de cada um, não podemos 
desmembrá-los e considerar cada parte isoladamente. Os recursos utilizados, para serem 
efetivos, formam um corpo de conhecimento integrado, que não é passível de verificações 
isoladas. 
A experiência pessoal acumulada permite interpretar os dados obtidos formalmente e 
integrá-los num todo significativo. Esse processo tende a ser cada vez mais automatizado e 
rápido, quanto maior a experiência do profissional. A dificuldade de enumerar essas 
operações e explicitá-las decorre em parte dessa automação, que torna menos explícito o 
caminho percorrido. 
Talvez possamos justificarmelhor a dificuldade de ter acesso ao raciocínio clínico 
desenvolvido, recorrendo às contribuições de Figueiredoll, que discute os conceitos de 
conhecimento tácito (pessoal) e conhecimento explícito (representacional) a partir dos 
trabalhos de Polanyi. Para esse autor, a conhecimento tácito é aquele incorporado aos 
hábitos afetivos, cognitivos, motores e verbais de uma pessoa num nível de experiência em 
que sujeito e objeto ainda não estão totalmente separados. Isso torna difícil, senão 
impossível, transformá-lo em regras e instruções. Por outro lado, o conhecimento explícito, 
que pretende ser objetivo e reflexivo, poderia tornar-se disponível para o conhecimento 
(críticas, avaliações e correções). 
Se entendemos o processo psicodiagnóstico a partir desta ótica, podemos considerar 
que a dificuldade de tornar explícitas as "crenças" que o psicólogo utiliza na aceitação ou 
não de um paciente e na indicação de uma intervenção mais apropriada 
 
 
 43 
 
 
 
advém do fato de tratar-se de um conhecimento tácito, pessoal, acumulado ao longo da 
experiência. 
Figueiredol2 enfatiza que é ilusório pensar na possibilidade de elaborar um 
conhecimento explícito, objetivo e reflexivo que seja uma reprodução fiel do conhecimento 
tácito do psicólogo. Refere-se à idéia de que "a experiência incorporada, o conhecimento 
entranhado no corpo e nos seus órgãos não é totalmente transparente e convertível em 
teoria". E prossegue: "Na direção inversa, também, os sistemas de representação nunca 
serão totalmente incorporados às práticas, serão sempre compreendidos de acordo com as 
possibilidades abertas pelo conhecimento tácito e pessoal". 
Neste sentido, ao entendermos o psicodiagnóstico formal e informal como processos 
configurados a partir do chamado conhecimento representacional e pessoal, constatamos 
que não há como prescindir de um ou de outro. Permanecem como dois processos 
distintos, mas complementares. 
Há possibilidade de buscar referenciais comuns, estabelecer regras para os fatores 
levados em conta na avaliação informal de um caso? Ou seja, é possível passar a própria 
experiência, senão integralmente, pelo menos parcialmente, delineando algumas regras 
que possam nortear os passos de outra pessoa? 
Devemos supor esta possibilidade na medida em que se mantêm os atendimentos 
supervisionados na formação do terapeuta em uma determinada técnica e linha teórica. 
Não hácomo substituir a vivência e a experiência pessoal do profissional em formação, 
mesmo quando alguém mais experiente orienta seus primeiros passos. Segundo 
Herrmann13, o único modo de transmitir essa experiência a outra pessoa, é empreender 
com ela uma reflexão sobre "como se faz". Cada um deve viver sua própria experiência. 
 
 
 44 
 
 
Entretanto, como em qualquer outra área clínica, no caso do psicodiagnóstico os 
aspectos formais permitem que se ouse iniciar a experiência clínica. O psicólogo deve 
receber do supervisor a orientação mínima acerca das diretrizes que nortearão seu 
trabalho. 
No psicodiagnóstico formal, é necessário que o psicólogo saiba qual o seu objetivo, de 
que instrumentos dispõe e como utilizá-l os para avaliar o paciente: se numa entrevista livre 
ou observação lúdica, se numa situação de aplicação de testes. Pode ser orientado quanto 
aos aspectos a atentar e investigar, quanto à seqüência e ao manejo adequado do material 
utilizado. 
Na avaliação informal, o supervisor pode auxiliar o psicólogo na busca de suas 
posições primeiras, dos conhecimentos 
e experiências em que se apóia no atendimento de seu caso. 
, 
Contudo, o próprio psicólogo deverá aprimorar sua capacidade de avaliar. Trabalhos nessa 
direção, que analisam a avaliação informal, chegam a contribuir para o conhecimento 
formalizado, quando conseguem explicitar alguns de seus pressupostos. 
No caso das psicoterapias breves, a especificidade da técnica de intervenção e a 
preocupação com os resultados determinaram a definição de critérios psicodiagnósticos a 
considerar no início do processo. Para tanto, a tarefa de investigar sobre o paciente através 
de testes, foi ampliada e passou a considerar também aspectos motivacionais tanto do 
paciente como do profissional e as condições mínimas requeridas de um e de outro. Como 
conhecimento mais objetivo, pode ser definido através de regras que, embora não excluam 
o uso de critérios mais subjetivos, podem ser enumeradas e explicitadas. 
O profissional necessita das seguintes condições mínimas: formação teórica, 
disponibilidade física, temporal e pessoal para atender, postura ética etc. O paciente, por 
sua vez, deve poder comparecer e manter a freqüência mínima necessária para poder 
receber ajuda e, principalmente, ter motivação, de acordo com a concepção de Sifneos. 
Não basta que o profissional avalie o grau de comprometimento e a necessidade de psico 
 
 45 
 
 
 
 
 
 
terapia, Se o paciente não pode estar ali para isso, se não é capaz de fazer sacrifícios para 
mudar. 
Neste sentido, vários estudos se preocuparam com a sistematização desses critérios 
para psicoterapia breve de adultos (MalanI4; SifneosI5), como tentativas de evitar 
indicações inadequadas, pouco frutíferas. Y oshida 16 faz uma extensa revisão das 
psicoterapias breves e sintetiza a idéia dos principais expoentes com relação aos critérios 
psicodiagnósticos. Destaca que a efetividade da intervenção decorre da dinâmica resultante 
da interação entre terapeuta e paciente, em que se levam em conta as condições tanto de 
um como de outro. 
Embora não suficientes, essas diretrizes gerais permitem iniciar uma experiência que 
deverá ser completada com o desenvolvimento da habilidade pessoal para que o 
diagnóstico seja um processo proveitoso também para o paciente. 
A habilidade pessoal que não pode ser transmitida pelo profissional mais experiente, 
não pode ser criada, mas deve ser desenvolvida pelo próprio indivíduo, integrará os 
recursos a serem utilizados na avaliação informal. 
O que seria possível sistematizar para o diagnóstico informal? Um dos aspectos 
importantes a considerar, a partir das contribuições da psicanálise e da psiquiatria 
psicodinâmica, refere-se à contratransferência, aos sentimentos que o paciente desperta n 
o profissional. Gabbardl7 assinala que a experiência de um tratamento pessoal permite que 
o profissional distinga os sentimentos originados de conflitos inconscientes não- resolvidos 
dos sentimentos provocados pelo paciente, em qualquer pessoa com a qual tenha contato. 
 
 46 
 
 
 
Em que medida essas reflexões poderiam beneficiar nossa prática clínica? Como 
vimos anteriormente, o exercício do psicodiagnóstico nas instituições vem demonstrando 
que é necessário repensá-I o para que não sejam perdidos grandes investimentos. As filas 
de espera, os abandonos, são entendidos, na maioria das vezes, como resultado da 
inadequação do modelo utilizado para uma clientela que tem necessidades específicas que 
não podem ser supridas pela simples transposição do modelo de atendimento particular, a 
longo prazo, para as instituições. 
Mas este quadro não parece ser simplesmente fruto desta inadequação, mas também 
de uma postura com relação ao que se considera prioritário para o paciente. submetê-lo a 
um longo processo que inclui triagem, psicodiagnóstico e encaminhamento pode parecer 
adequado do ponto de vista teórico, útil para o processo de formação do terapeuta, mas 
não se pode dizer que o seja também para o paciente. 
Esta preocupação não se restringe ao trabalho institucional, mas atinge também o 
atendimento nos consultórios particulares, onde se adota o modelo tradicional de avaliação 
e encaminhamento. 
Se, o terapeuta pudesse utilizar melhor seus próprios recursos na avaliação informal 
de um caso, para aproveitar a motivação inicial do paciente, talvez tivéssemos uma fila de 
espera menor e menor número de desistências. 
Há necessidade de viabilizar uma intervenção mais direta, se não eliminando, pelo 
menos minimizando a lacuna entre psicodiagnósticoe psicoterapial8. O modelo tradicional 
de avaliação sugere que o paciente deve aguardar o término do processo para poder 
receber de volta a indicação e os efeitos benéficos de uma psicoterapia. Entretanto, 
podemos entender a distinção entre psicodiagnóstico e psicoterapia apenas como 
 
 
 47 
 
 
 
 
processos em que predominam um ou outro objetivo: investigar ou tratar. O que as 
reflexões sobre o tema têm mostrado é que estes objetivos se interpõem e que já a partir 
das entrevistas iniciais, o paciente se beneficia das intervenções do profissional, mesmo 
dentro de um processo psicodiagnóstico. A experiência do terapeuta pode permitir que se 
devolvam informações ao paciente à medida que se compreenda a sua dificuldade, desde 
que este possa recebê-IasI9. Isso poderá ser feito se a avaliação informal indicar que tal 
relação poderá trazer benefícios ao paciente. 
Ao estabelecer diferenças entre as entrevistas psicodinâmica e médica, Gabbard20 
cita Menninger e colaboradores, para afirmar que não só não há distinção entre diagnóstico 
e tratamento, mas que o tratamento precede o diagnóstico se entendermos que "o paciente 
vem para ser tratado, e tudo o que for feito, na medida em que lhe diz respeito, é 
tratamento, independentemente de como o médico o chame". Constatamos que a 
separação entre psicodiagnóstico e tratamento se faz mais como necessidade do 
profissional; o paciente nem sempre compartilha deste modo de entender o trabalho. Muitos 
deles, referindo-se ao psicodiagnóstico feito na instituição responsável pelo 
encaminhamento, falam de uma melhora decorrente do "tratamento" anterior. Neste 
sentido, a pessoa que busca ajuda pode sentir-se beneficiada já a partir do primeiro 
contato. 
 Como representante da psicanálise, Herrmann21 diz arespeito: 
"O diagnóstico não é uma operação isolada que antecede a análise. É, ao contrário, uma 
das dimensões do trabalho analítico, cujo exercício vem a ser especialmente exigido nos 
primeiros contatos. (...) as entrevistas prévias já são análise, 
 
 
 
 48 
 
 
 
na medida em que nelas o método psicanalítico encontra-se em ação". 
Na psicoterapia breve, Fiorini22 a primeira entrevista "está destinada a cumprir não 
apenas funções diagnósticas e de fixação de contrato; mais que isso (u.) ela desempenhará 
um papel terapêutico". As propostas de fazer interpretações de ensaio logo nas primeiras 
entrevistas (Malan23; Sifneos24) têm o objetivo de avaliar se o paciente tem recursos 
egóicos adequados para se beneficiar da técnica, ao mesmo tempo que já proporcionam 
elementos para levá-lo a uma compreensão das suas dificuldades, revertendo em efeito 
terapêutico. A possibilidade de "estar junto com" o paciente implica já um efeito terapêutico 
dado pela sua aceitação pelo terapeuta. 
Dentro dessa perspectiva, encontramos também as psicoterapias breves infantis, em 
que a distinção entre psicodiagnóstico e psicoterapia é menos definida, e o psicólogo, 
desde os primeiros encontros, pode fazer devoluções ao paciente. Essas intervenções 
breves têm maior chance de sucesso quando a consulta é carregada de potenciais 
transferenciais que favorecem uma forte aliança terapêutica e motivação para a obtenção 
de ajuda25. 
A partir destas reflexões, podemos concluir que: no processo de avaliação, o 
profissional faz uso tanto do diagnóstico formal quanto do informal, como processos 
complementares de um mesmo trabalho. A avaliação informal, no início de qualquer 
processo, diagnóstico ou terapêutico, permite ao profissional uma integração dos dados 
obtidos formalmente e uma apreensão mais global do paciente, para decidir sobre a via-
bilidade de uma relação específica de ajuda. Esta possibilidade 
 
 
 49 
 
 
 
 
depende da experiência, do conhecimento pessoal acumulado pelo psicólogo na percepção 
do outro, na leitura de suas necessidades, e dos recursos disponíveis ao paciente. Esta 
habilidade ou bagagem do psicólogo permite que o paciente se beneficie já a partir dos 
primeiros encontros, sejam quais forem os objetivos do atendimento: consulta, 
psicodiagnóstico ou psicoterapia. Pelo fato de ser pessoal, tal habilidade não pode ser 
pensada em termos de regras claramente delineadas, passíveis de ser transmitidas na 
íntegra de um para outro, embora um trabalho de análise desconstrutiva permita estabe-
lecer alguns indicadores utilizados por grupos de profissionais ou para atendimentos 
específicos. Mas haverá sempre variações individuais no ajuste dos recursos próprios à 
regra básica, que justificam o termo "informal". O diagnóstico deixaria de ser informal no 
momento em que fosse objetivado, enumerado e 
explicitado para o conhecimento. 
Tal objetivação não é possível nem desejável. Pensar em objetivar seria pensar em 
anular as diferenças individuais na forma de perceber, compreender e sentir o outro, o que 
não é viável. Também não se deseja essa objetivação, na medida em que essas diferenças 
permitem maior riqueza e diversidade na compreensão de algo tão complexo como o ser 
humano. 
 
50 
 
 
 
 
COMPREENDER OU ESTRANHAR: INCIDÊNCIAS NO PSICODIAGNÓSTICO' 
 
Angela Maria Resende Vorcaro* 
 
Nada criado que não apareça na urgência, nada na urgência que não engendre seu 
ultrapassamento na fala. 
 
Jacques Lacan 
 
Do psicodiagnóstico 
 
A dispersividade das diferentes teorias psicológicas produziu, na prática 
psicodiagnóstica, efeitos de coesão que lhe permitiram uma institucionalização crescente. O 
estatuto desta 
prática não foi sustentado por uma teoria específica do sujeito. Por se ancorar na promessa 
de uma "descrição e compreensão o mais profunda e completa possível da personalidade 
total do sujeito ou do grupo familiar"2, o modelo que configura tal prática apoiou-se numa 
multiplicidade de pressupostos. 
 
 51 
 
 
 
No seu ensaio de "globalização compreensiva", a prática psicodiagnóstica combina 
atividades e instrumentos desenvolvidos nas mais diferentes perspectivas conceituais. 
Sustenta na mesma construção diagnóstica fragmentos das visões inatista, cognitivista, 
comportamentalista, genética e psicanalítica, que resvalam na diversidade das estratégias 
que a aparelham. Privilegiando as incidências técnicas de alguns conceitos, serve-se delas, 
ao preço de apartá-Ias do campo conceitual a que remetem e do objeto que visam. Tal 
"aplicação" fragmentária de teorias num mesmo processo (o psicodiagnóstico) cria uma 
ilusória homogeneidade conceitual, aplainada na suposta síntese do sujeito. 
Nos seus movimentos de constituição, as práticas psicodiagnósticas eram 
basicamente tributárias da herança médica classificatória e diferencial assegurada pelo uso 
de mediadores psicométricos generalizáveis, que exigiam, como garantia de cientificidade, 
uma coleta de "dados empiricamente observáveis", obtidos, seja na anamnese, seja nos 
"estímulos" oferecidos ao paciente. 
Posteriormente, com a adesão e incorporação de alguns conceitos oriundos da 
psicanálise (os que permitiam uma leitura desenvolvimentista e, também, a técnica do jogo, 
a transferência e a contratransferência), a neutralidade observadora mostrou-se 
insustentável e assumiu-se a pregnância de um campo transferencial que denunciava e 
obrigava a reconsiderar o limite empírico e a pretensa captação objetiva de dados. 
Constatou-se assim a submissão dos instrumentos (e suas bases conceituais).. interpostos 
entre o psicólogo e o sujeito à "relação" estabelecida. 
As condições de possibilidade desta relação adjetivada como ..intersubjetiva são hoje 
geralmente consideradas, quando se admite que tanto as manifestações do sujeito quanto 
a avaliação sustentada pelo psicólogo são efeitos desta relação.Portanto, o clínico "olha", 
"registra" o comportamento emergente e "deduz", interpretando os supostos sentidos desta 
.. conduta de algum lugar, de certo ângulo. Ele está necessaria- . 
 
 52 
 
 
 
mente incluído na cena não só por determinar a interpretação dos dados, mas também 
porque compõe, em sua presença e em sua própria demanda, a produçãodo "dado" pelo 
sujeito "examinado"3. 
 
A constatação do limite das práticas psicométricas pela presença inegável dos efeitos 
intersubjetivos levou o psicólogo a substituir seu lugar até então de suposto observador de 
uma "personalidade" estática. Isso não implicou o abandono de instrumentos mediadores 
tradicionais, mas a independência destes em relação ao escopo teórico em que foram 
constituídos. Os mesmos instrumentos passaram então a ser usados e interpretados fora 
de seu eixo de sustentação, nos limites e nas possibilidades conferi das pelo psicólogo 
diante do que a situação diagnóstica lhe sugere. A subjetividade do psicólogo passa a 
definir o psicodiagnóstico. Infelizmente, a saída encontrada no "parecer psicológico 
compreensivo" não supera os obstáculos da prática anterior, mas apenas os camufla, posto 
que, na aplicação também fragmentária da psicanálise, a psicologia reduziu o estatuto da 
transferência ao de sugestão. Os conceitos psicanalíticos assumiram portanto a função de 
preceitos. A consideração da insuficiência teórica para lidar com as manifestações do 
sujeito não desencadeou a revisão da promessa de compreensão globalizante do 
psicodiagnóstico. Ao contrário, e, não sem incômodo, tal insuficiência ainda não intimou o 
psicólogo a circunscrever e problematizar os pressupostos inevitavelmente implicados na 
sua prática clínica. Na 
 
 53 
 
 
 
 
 
verdade, ela tem permitido supervalorizar os efeitos do imaginário do clínico. 
Encontramos, portanto, nesta prática, um exemplo claro daquilo que Dor4 definiu como 
"espaço de inter-ações puramente empáticas", "campo de influências e de estratégias 
sugestivas". 
Se o parâmetro básico da avaliação diagnóstica é o efeito que as manifestações do 
sujeito causam à subjetividade do clínico em que este último transforma o primeiro, 
oferecendo-lhe uma interpretação, cabe perguntar se a meta do psicodiagnóstico é a 
produção de compreensão a partir dos misteriosos efeitos da chamada interação. 
O recurso à pluralidade de instrumentos e a constatação da relatividade da extensão 
de sua aplicabilidade obrigaram o psicólogo a acessar a complexidade constitutiva do 
sujeito. Mas, produziram, também, um sistema conceitual coagulado, esfacelado, mesmo 
que, por serem aplicados por um clínico a um paciente, sugiram homogeneidade. Esta 
clínica corre o risco de criar compreensões abusivas, calcadas no imaginário do psicólogo 
que veste, e colore, a produção do sujeito. 
Efetivamente, nos deparamos com os limites da psicologia. Suas práticas, como diz 
Figueired05, tentam fazer ecoar uma voz nunca pronunciada. Não é possível, a partir desta 
afirmação, passar ao largo de algumas questões: o que esta efusão de ecos pretende 
capturar? e ainda, por que a psicanálise foi convocada para recobrir (na consciência 
compreensiva) exatamente aquilo que insistiu em apontar (a impossibilidade de tradução do 
inconsciente)? 
Refletir sobre a clínica diagnóstica exige, a meu ver, considerar seu impasse: 
problematizar a promessa de compreensão e a pregnância do que lhe é lacunar. 
 
 54 
 
 
 
 
 
 
Numa primeira aproximação desse impasse, trago à consideração o modo de 
funcionamento de uma clínica diagnóstica que pode se tornar "operador" na reflexão sobre 
as práticas psicodiagnósticas partindo da crítica de Lacan à suposta naturalidade da 
comunicação bipessoal entre clínico e paciente. 
Problematizando a idéia da relação interpessoal ou recíproca clínico/paciente, na 
medida em que esta pressupõe a transparência da fala para quem a articula e para quel;Il a 
escuta, Lacan6 considera a relação a três e não a dois. Propõe tomar a fala do paciente 
como o terceiro elemento a ser situado para além do paciente e do clínico enquanto 
unidades corpóreas em interação. A palavra do paciente é discurso que toma triádica a 
relação entre clínico e paciente, posto que o inconsciente se manifesta na fala. Portanto, 
sobre a palavra dita há desconhecimento. Desconhecimento tanto daquele que fala, como 
daquele que ouve. Tomando como referência o paciente, sua palavra o ultrapassa, fala 
para além do que ele diz, para além de suas "intenções". Se o paciente diz, mas não sabe o 
que diz, o clínico escuta, mas não sabe o que ouve. Compreender é, portanto, equivocar-
se. 
V árias são as concepções da psicologia que acreditam 
que a fala é apenas um entre tantos canais de expressão, um dos meios de comunicação 
de um mundo interno que lhe é independente e previamente constituído. Ao contrário, a 
fala, para além da consciência, é apelo ao reconhecimento por um outro. A fala é focus 
privilegiado de constituição do sujeito em sua inédita reedição diante de um ouvinte 
específico. A busca de compreensão das intenções do sujeito perturba e ofusca a escuta, 
ao manter não audível aquilo que o sujeito fala. O estabelecimento de significado na ilusão 
de objetividade ou na valorização de efeitos sugestivos anula, esquece ou nega 
 
 55 
 
 
 
a singularidade daquela, em função da preservação da coerência da escuta e da correlação 
desta com um significado preenchido pela referência imaginária do clínico. 
Pelo contrário, a condição da clínica psicanalítica decorre da consideração dos efeitos 
da linguagem, ou seja, do inconsciente e de seu sujeito, na opacidade do que fala. A clínica 
se exerce na valorização daquilo que, na fala do paciente, não se compreende. Supor que 
há compreensão possível é pressupor uma única relação dos sujeitos com a linguagem, é 
considerar a ordem simbólica congelada e apropriada uniformemente. É, enfim, assumir 
uma teoria da linguagem enquanto reflexo do pensamento intencional consciente. Aí a 
relação entre significantes acomodaria, entre dois sujeitos, um valor unívoco, significados 
espelhados a serem descobertos, mas que já estariam escondidos num mundo interno do 
paciente e seriam desvendados pela nomeação do clínico. Nesta redução da língua a 
código, as palavras do paciente seriam meras representantes de um sentido "definível" e 
independente, seja da cadeia discursiva do sujeito que fala, seja da articulação dos signifi-
cantes usados, seja ainda do momento em que este sujeito fala ou do clínico para quem o 
sujeito fala. 
O clínico é intimado a enfrentar o próprio desconhecimento quando toma a fala do 
paciente como mediadora da clínica, como enigma de uma demanda. Afinal, é na incerteza 
que a fala é plena. Por isso, o parâmetro que orienta a clínica psicanalítica é o efeito da 
linguagem: a opacidade da fala que vela e desvela o inconsciente. Diante da fala do 
paciente, o clínico não pode se esquivar à pergunta: 
 
O quê se faz reconhecer na opacidade da fala? 
 
Para uma aproximação da pergunta acima, deve-se ler em Lacan 7 que o "eu" é 
referente ao "outro", se constitui em 
 
 
 56 
 
 
 
relação ao outro. Ele é seu correlato. O nível no qual o outro é realizado na palavra do 
sujeito situa o nível no qual o eu existe para o sujeito. "É sempre num certo nível, num certo 
estilo da relação ao outro que se projeta o ato da palavra"8. 
Nas ambigüidades da linguagem o inconsciente revela, cria e atualiza: "Ponta pela qual 
sua ordem inteira se anula em um instante - ponta, com efeito, onde sua atividade criadora 
desvela sua gratuidade absoluta, onde sua dominação sobre o real se exprime no desafio 
do não-sentido, onde o humor, na graça maldosa do espírito livre, simboliza uma verdade 
que não diz sua última palavra"9. 
 
o testemunho da clínica e a clínica com testemunha 
 
A função de demonstração que caracterizou a prática pública de Charcot implicava a 
apresentação de pacientes como "espetáculo da ciência ou ciência do espetáculo" 10 ao 
remontar e renomear, no hospital, as práticas do magnetismo I I. Mantendo seu locus e 
revolucionando seu estatuto, Lacan inventou a "présentation clinique" como ato 
psicanalítico. 
Bergésl2 recria essa prática às terças e quintas em um hospital de Paris. Preservando 
o ato, ele resgata a legitimidade da fala da criança como possibilidade da clínica. Configura,então, uma cena pública para confrontar o discurso médico, psicológico, pedagógico e 
fonoaudiológico com a fala da 
 
 
 57 
 
 
 
criança. Isso sempre nos casos em que os procedimentos usuais destes. profissionais 
mantiveram o diagnóstico em situação de impasse. Esta demanda dos especialistas é 
problematizada e confrontada com o discurso da criança. Assim, sem considerar possível a 
mera rejeição das práticas instituídas, que produzem discursos sobre o mal-estar da criança 
e seus efeitos no outro, Bergés propõe investigar nelas a emergência de seus lugares de 
incertezas, equívocos e mal-entendidos, para transformá-Ias em lugar privilegiado, já que é 
a partir dele, deste lugar, que o clínico pode não apenas reconhecer a palavra da criança, 
mas também submeter pressupostos à interrogação. A submissão do clínico à escuta do 
paciente privilegia a fala como enigma de um "assujeitamento" singular. O exercício desta 
prática diante de testemunhos cria a urgência de limitar as impregnações imaginárias que aí 
incidem. 
 
Do cenário 
 
A clínica pública é uma possibilidade de tomar a fala como lugar de reconhecimento e 
de testemunho do incompreensível. Isso se dá num cenário composto pelos especialistas 
que diagnosticaram "funções" da criança com base nos mais diversos pressupostos e 
instrumentos. Tal abrangênciapermite qualificá-Io como o discurso social sobre a criança. 
Uma audiência substancial contorna o espaço em que o responsável pela pré-consulta 
inaugura a sessão, apresentando a queixa e o discurso familiar que a sustenta. As lacunas, 
contradições, repetições, surpresas permitem novas aproximações, iluminando, por vezes, 
demandas "laterais" e mitos que situam a criança ou que determinam a produção 
sintomática. Em seguida, cada especialista lê as conclusões de suas avaliações, apontando 
a especificidade da fala da criança em cada situação em que apreendeu singularidade. 
Novas lacunas, repetições, contradições e surpresas provocam indicações para a 
formulação de hipóteses sobre a lógica do funciomimento da criança. Tal situação põe em 
cena não apenas a criança, mas cada profissional, posto 
 
 58 
 
 
que eles são intimados a explicitar como opera a referência teórica que leva a um. 
determinado raciocínio clínico. 
Ao chegar à sala, a criança se depara com uma cena pública em que tomará a posição 
principal, a de ator/autor. O clínico, visando fazer circular um discurso, convida a criança a 
se posicionar em relação à demanda: "E então, por que você veio me ver?", "o que é que o 
chateia?", "o que é que mais o incomoda?" "Explique pra mim como isso aconteceu!" A 
partir das respostas da criança, o clínico procura aproximar-se da dificuldade reconhecida 
por ela. Se, por exemplo, a criança diz que não consegue ler, mas não conse~ue dizer o 
porquê, esta situação é explorada, com humor: "E por gue você não gósta de prestar 
atenção; você prefere sonhar?", "E a professora que o incomoda?", "Você pensa em outras 
coisas?", "Você não consegue ler as palavras ou você não encontra o sentido delas?" 
Justifica as perguntas feitas, afirmando o próprio desconhecimento sobre o que se passa: 
"Eu pergunto tudo isso porque não posso entender o que se passa com você. Nos testes 
que fizeram com você não encontraram nada, não há nada que justifique esta dificuldade." 
Na especificidade da formulação da queixa pela criança, surgem significantes que 
permitem introduzir uma variedade de temas relativos à história da criança, contados por 
ela mesma. Histórias da família, dos pais e dos avós, trabalho dos pais, atitude destes 
diante das dificuldades apresentadas, grandes mudanças, nascimentos de irmãos e teorias 
que os sustentam, ciúme próprio e de irmãos, facilidade para fazer amigos, dificuldades 
para dormir, medos, sonhos, pesadelos e dores, jogos e prazeres preferidos são temas 
muitas vezes abordados. Diante de atitudes reticentes de algumas crianças, o convite a 
falar é precedido de comentários ("ah, você aprende palavrões na escola e depois eles 
ficam colados na sua orelha") ou afirmações que repetem falas de outras crianças ("no 
outro dia um menino me disse... o que você acha?"), exemplos aleatórios ("tem gente que 
tem medo de coruja, de e scuro, sei lá, de mil coisas diferentes. 
 E você, tem medo de alguma 
 
 59 
 
 
 
 
coisa? ou posições pessoais Eu sou péssimo em futebol, não entendo nada. Me explica 
como é que você faz, o que acontece no jogo. Questões que abrem a possibilidade de a 
criança formular sua expectativa em relação à superação da dificuldade, os rituais supostos 
quando você acha que vai começar a trabalhar na escola, as tentativas de superar os 
problemas apresentados, seus efeitos e se a criança acha que pode ser ajudada precedem 
uma proposta de encaminhamento, feita diretamente a ela e, em seguida, aos pais (muitas 
vezes não publicamente. As conclusões, formuladas e discutidas com a audiência, propõem 
hipóteses e questões sobre o funcionamento da criança a partir da posição em que esta se 
coloca na lógica do funcionamento discursivo, salientam enigmas, furos, que se fizeram 
presentes e que justificam os encaminhamentos dados. 
O que cabe ressaltar, especialmente nesta interlocução a dois na presença de um 
terceiro multiplicado, é que se exige que a criança fale. Neste ato, explicita-se a expectativa 
do clínico (articule sua demanda!) e a posição da criança (de falante reconhecido como 
tendo algo a dizer). Aquilo que escapa à coerência do discurso intencional da criança é 
sublinhado, transformado em piada, repetido num outro contexto ou prolongado. 
Deslizamentos de sentidos, omissões, silêncios, equívocos, metáforas, negativas, 
trocadilhos, contradições, diferenças fonéticas, expressões e tudo o que evidencie hetero-
geneidade na fala é ressaltado ou desenvolvido, seja repetindo o começo de uma frase, 
seja estendendo uma frase dita pela criança, seja, ainda, levando a criança a dar 
continuidade a uma frase iniciada pelo clínico. A interlocução é marcada basicamente pelo 
lugar de interrogação da opacidade do dito como um campo desconhecido, evidenciando o 
não compreender, numa aposta na possibilidade de a criança ir além do jádito. Por vezes, 
ao contrário, muda-se o cenário, estabelecendo-se uma situação de suspensão de falas, 
momentos de silêncio que interrompem a interlocução muitas vezes quando a criança. 
 
 60 
 
 
 
não parece envolvida nesta) que obrigam a criança a se engajar com seu corpo; a partir de 
um "quero ver o que você sabe fazer", o clínico convida a criança a se levantar e se afastar 
dele, seja para imitar gestos, ritmos e/ou reproduzir grafismos assinando seu nome. 
Retomam em seguida a interlocução de um lugar inesperado, seja porque o clínico o 
introduz, seja porque a criança reconstitui o já dito de um outro lugar onde este pode ser 
articulado. 
 
Dos efeitos da cena 
 
Tanto quanto o clínico e a criança, a presença da audiência é determinante neste 
acontecimento que intima a função subjetiva dos protagonistas. 
Considerando que o paciente se encontra mergulhado numa ação (drama) que implica 
uma dinâmica fantasmática da coisa em ato, Dorey 13 qualifica a "apresentação" clínica 
como testemunho, apreendido sob três incidências diferentes e complementares, em que o 
campo transferencial é bem particular: 
 
 I. o testemunho do sofrimento dado pelo discurso do 
paciente, reatualizado pela presença dos outros protagonistas; 
 2. o testemunho da relação do analista ao inconsciente 
do outro e à teoria; 
3. o testemunho da assistência por seu olhar e sua escuta. Olhar terceiro que mediatiza 
a interação entre analista e paciente, a audiência pode represar partes imaginárias desta 
troca por se impor enquanto representante da ordem simbólica. A audiência cauciona o 
dizer do analista e do paciente, conferindo-lhe nova eficácia. 
 
 
 61 
 
 
 
Definindo a "présentation clinique" como tomada da palavra, Porge14 afirma que a 
audiência representa um mesmo olhar em nome do qual clínico e pacientefalam. A 
assistência não é uma multidão que vai eleger, tomar partido de um contra o outro, que a 
ela se dirigem apenas indiretamente: "atualização de um limite que não é representável 
mas que tem tanta realidade quanto uma corrente de cem mil volts. Este limite é o olhar, é a 
voz, é o corpo".Limite da onipotência daquele que interroga, o público tem efeito 
antipersecutório sobre o paciente, em relação ao .saber do clínico. 
Terceiro que se interpõe (...) na medida em que nenhum dos dois atores tem o domínio. Se 
domínio deve aí haver, ele não passa pelo afrontamento dos dois atores, mas pelo 
assenhoramento pela palavra de alguma coisa onde este público será o lugar de realização 
de uma intenção (como no Witz, segundo Freud), que não é formulado anteriormente e que 
não é dominável por nenhum dos dois interlocutores.15 
A situação é dramatizada pelo paciente, mas também pelo clínico, lembra Porge, na medida 
em que a assistência torna o savoir-faire deste último um risco assumido. E o clínico não 
está jamais assegurado porque não sabe o que será dito - lógica de jogo que introduz uma 
aposta, sincronia de três lugares que instauram fendas numa cena na qual cada um age 
sobre o outro simultaneamente, criando lugar para o inusitado. 
Toda fala é endereçada a um outro, diz Lacan16. A fala permite o ensaio do trabalho 
de reconstrução do sujeito "para um outro" e faz com que o sujeito reencontre a alienação 
fundamental de sua construção "como um outro". A fala está 
 
 
 62 
 
 
 
 
posicionada em relação ao outro e o intima a uma resposta, procura reconhecimento na 
resposta do outro. 
Quando o clínico apresenta uma questão ao paciente, ele o incita a se engajar, ele o 
convida a dar o testemunho de si, ele lhe sugere que rejeite ou acolha o dito. A presença da 
audiência transforma o convite em intimação. Amplificação do efeito de apelo operado entre 
o clínico e o paciente, o olhar e a escuta constituem um campo de espera instigadora da 
urgência da palavra a ser dita. A audiência silenciosa cria expectativa, faz efeitos, posto 
que, além de tornar presente no real a ordem simbólica, faz efeitos imaginários que 
permitem corte e escansão na interlocução, e portanto produz deslizamentos significantes. 
Força, assim, a retomada do turno dialógico e intima a inscrição da função subjetiva pela 
fala do clínico e do paciente, na ordem simbólica. Numa posição de borda, em sua 
passividade do "nada a dizer" e na atividade de seu olhar e escuta a audiência é a 
possibilidade da fala singular no limite da linguagem, em que se fala mais do que se quer 
dizer, precipitando na fala o que estava capturado pela queixa. 
Reconhecendo o desconhecido, este pode ser introduzido em novas cadeias 
discursivas, permitindo por vezes um reposicionamento da demanda antes queixa. 
 
Considerações 
 
Este artigo apresentou alguns matizes da clínica pública, não para incitar a sua 
reprodução, mas para salientar os princípios que discutem a hipótese compreensiva do 
psicodiagnóstico. Trata-se de uma clínica que implica o discurso psicanalítico, em intenção 
e em extensão, realizada num contexto e num estilo muito particular cuja importação ou 
mera aplicação poderia marcar uma prática selvagem. Pretendo chamar atenção para o 
campo da fala e da escuta na clínica, como possibilidade, não de busca de 
homogeneidade, coesão e síntese, mas de fazer ou apontar irrupções em discursos 
constituídos e de reconhecer 
 
 63 
 
 
 
o inapreensível. Suponho que aí residam condições para lidar com a necessidade de criar 
espaços de problematização da psicologia, que não pode se esquivar de ser submetida ao 
olhar, às perguntas e ao enfrentamento de terceiros, caso queira analisar o caráter 
eminentemente imaginário em que se encontra aprisionada. 
O psicodiagnóstico, prática clínica da psicologia mais instituída e ao mesmo tempo 
mais precária em sua consistência interna, deve ser exposto à investigação, às suas 
lacunas e aos 
equívocos de suas adesões teóricas fragmentares. Talvez assim ele possa se deslocar da 
função de resposta ao "que é?", "que fazer?", para em vez de aliviar, no seu projeto e na 
sua promessa, o desconforto próprio ao exercício de uma profissão de estatuto tão frágil, 
melhor configurar seus lugares de pertinência, suas possibilidades, e, especificamente, 
seus limites. 
Talvez seja possível assim enfrentar um dos maiores problemas implicados no 
psicodiagnóstico, ou seja, seu tributo à alienação, pelo apagamento do que resta e insiste. 
Por se propor a abranger e a vasculhar todo o campo de manifestações subjetivas, 
respondendo a solicitações de outros profissionais, da família ou do sistema escolar, muitas 
vezes atende o pedido de antecipar e assumir pelo paciente e pelo solicitante a formulação 
das respostas às queixas que Ihes são próprias. Nomeando e explicando, num exercício de 
tradução, incômodos situados alhures, toma posição a priori incidente e determinante, não 
só do processo, mas de seus desdobramentos: o não engajamento dos queixosos. 
Afinal, o diagnóstico não poderia ser ex-centrado do lugar de promessa compreensiva 
para um campo de interrogação dos discursos: da queixa do paciente, do corpo teórico, da 
psicologia e do psicólogo? 
 
 64 
 
 
 
 
 
 
REFORMULAÇÃO DO PAPEL DO PSICÓLOGO NO PSICODIAGNÓSTICO 
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL E SUA REPERCUSSÃO SOBRE OS PAIS 
 
Gohara Yvette Yehia* 
 
Levantamentos realizados em instituições que oferecem atendimento psicológico à 
comunidade mostram que grande parte da população que as procura é constituída de pais 
de crianças com alguma dificuldade, de aprendizagem, de comportamento, ou outra. 
O psicodiagnóstico infantil continua sendo uma prática desenvolvida por psicólogos, 
principalmente quando o cliente procura uma instituição, uma vez que a partir dele pode-se 
chegar a uma escolha e indicação terapêuticas melhor fundamentadas. 
O psicodiagnóstico infantil realizado nos moldes tradicionais consta de uma ou duas 
entrevistas iniciais com os pais, para que o psicólogo entre em contato com a queixa, a 
 
 115 
 
"dinâmica familiar e o desenvolvimento da criança, de testagem da criança e, depois de 
avaliados os testes e integradas as informações obtidas, de uma ou duas entrevistas 
devolutivas, nas quais o psicólogo apresenta aos pais suas conclusões diagnósticas e 
sugere os passos seguintes a serem trilhados: psicoterapia da criança, orientação aos pais, 
psicomotricidade etc. . 
Observamos que os pais que comparecem para os atendimentos indicados a partir 
desta maneira de desenvolver o psicodiagnóstico, quando comparecem, mostram pouca 
motivação para os mesmos. Quando questionados a respeito do atendimento anterior (o 
psicodiagnóstico) revelam desconhecimento do processo pelo qual passaram, limitando-se 
a repetir a queixa inicial, agora acrescida da indicação terapêutica. 
Glguns mostram-se decepcionados com os resultados desse atendimento, que não trouxe 
os benefícios que dele esperavam: 
De fato, eles e a criança foram várias vezes ao psicólogo, e isso apenas redundou em uma 
melhora inicial, após as primeiras sessões, reaparecendo em seguida os sintomas que 
haviam motivado o encaminhamento. 
C A melhora à qual os pais se referem é um fenômeno conhecido na prática do 
psicodiagnóstico, e em geral é atribuída à atenção que a criança recebe. Atenção dos pais 
que a acompanham uma vez por semana ao local do atendimento, dedicando-lhe assim 
uma parte de seu tempo; atenção do psicólogo que a atende, mesmo que seja apenas para 
aplicação de testes e realização de observações. 
É claro que, para o psicólogo que realizou o trabalho, este se constituiu numa etapa 
importante do processo. Permitiu-lhe fazer uma indicação terapêutica mais adequada às 
necessidades do cliente já que baseada na compreensão do que estaria acontecendo com 
a criança e a dinâmica familiar. 
 
Mas, e os pais? Será que para eles o atendimento só deveria tornar-se efetivo na 
psicoterapia? Será possível ofere 
 
 116 
 
 
 
 
cer-Ihes,em troca de suas idas ao psicólogo, algo além de uma indicação cujo significado 
eles ainda mal compreendem? 
O psicodiagnóstico fenomenológico-existencial ofereceume e à equipe com a qual 
trabalhava I uma alternativa viável que se mostrou bastante satisfatória, quando enfocamos 
sua repercussão tanto sobre as crianças2 , como sobre os pais, como veremos mais 
adiante. 
 
o papel do psicólogo e do cliente no psicodiagnóstico fenomenológico-existencial 
 
Todo ser humano está mergulhado no mundo que está sempre presente, embora 
muitas vezes passe despercebidoLO sentido dos objetos está na relação que eles têm com 
uma totalidade estruturada de significados e de intenções inter-re 
lacionadail Conseqüentemente, o mundo não é obstrutivo, nem 
o são os objetos do mundo com os quais nos relacionamos diariamente. Isso significa 
que, no nosso dia-a-dia, estamos com os objetos de uso corrente, com as pessoas, com 
nossa família, nosso filho, sem a todo momento nos perguntarmos a respeito do significado 
de cada coisa. 
Entretanto,C9uando há "ruptura", quando falta algo que 
deveria haver, é que passamos a notar certos objetos. Similarmente, quando a criança 
começa a apresentar atitudes e comportamentos que rompem com algumas expectativas 
dos pais, dos professores ou de outros agentes da comunidade, 
surge o encaminhamento ou a busca espontânea do psicólogo.] É neste momento que 
podem ser problematizadas, questionadas, as relações dos pais e da criança consigo 
mesmos, com o mundo e com os outros. 
 
 
 
 117 
 
 
 
É neste contexto que o psicodiagnóstico se propõe explicitar o sentido da experiência 
do cliente. Quando se trata do psicodiagnóstico infantil, o trabalho com os pais visa explorar 
o significado da queixa trazida, dos sintomas apresentados pela criança, a compreensão 
que eles têm de sua própria situação e de sua relação com o filho. 
Poder-se-á argumentar que estes são os objetivos do psicodiagnóstico em qualquer 
abordagem. Sim, mas este trabalho acaba muitas vezes servindo apenas ao psicólogo que 
realizou o trabalho, sendo de pouca ou nenhuma utilidade para o cliente, apesar das 
sessões devolutivas. 
Uma das contribuições do psicodiagnóstico fenomenológico-existencial está na 
reavaliação do papel desempenhado pelo cliente e pelo psicólogo, nesta situação em que o 
cliente se torna um parceiro ativo e envolvido no trabalho de compreensão e eventual 
encaminhamento posterior. 
Em trabalho anterior3, já sugeria que "mesmo sendo a criança a precisar de 
atendimento psicológico, são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento 
infantil: o tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das sessões (quando estas 
são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos transformadores do 
atendimento infantil na dinâmica da farnília".pesta forma, sem informações, apoio e 
motivação para este atendimento, fica difícil esperar que os pais estejam dispostos a levá-
lo adiante. 
Portanto, durante o psicodiagnóstico, e mesmo durante a psicoterapia, quando o 
paciente designado é a criança, a participação dos pais é extremamente importante. 
Por isso, quando recebo pais encaminhados pela professora, pelo pediatra ou por 
outro agente, trato de trabalhar, desde o início, o significado que este encaminhamento tem 
para eles. 
 
 118 
 
 
 
mesmos. Enquanto, a necessidade de atendimento psicológico não tiver sentido para os 
pais, que limitam-se a seguir a indicação de um outro profissional, e a conformar-se com 
ela, como se estivessem obedecendo a uma autoridade, fica mais difícil, senão impossível, 
contar com sua colaboração 'ativa. Esta é imprescindível para que consigamos 
compreender juntos o que pode estar ocorrendo com a criança e, eventualmente, com os 
próprios pais. 
Outro ponto que costumo focalizar é como os pais en 
tendem o atendimento psicológico, sua expectativa em relaçãõa ele. Ofereço-Ihes 
esclarecimentos a respeito da minha proposta de trabalho, que consiste em tentar 
compreender o que está acontecendo com a criança no contexto pessoal, familiar e social. 
Estes esclarecimentos fazem com que eles entendam melhor por que sua própria 
participação no processo é importante e quais são os limites do trabalho, e também 
permitem que decidam, desde o início do atendimento, se estão dispostos a compartilhar 
deste projeto. Desta forma, o psicodiagnóstico pode se desenvolver sobre bases comuns 
entre o psicólogo e o cliente. O trabalho de Larrabure a respeito dos Grupos de Espera4 
serve-me de referência para esta fase do processo. 
A reavaliação do papel do psicólogo levou-me a uma mudança de postura. Não sou 
mais o técnico, o detentor do saber que oferece respostas às perguntas trazidas pelos pais. 
Enquanto psicóloga, também sou uma pessoa, tenho conhecimentos específicos, é certo, 
mas não parto do pressuposto de que estes têm um peso maior que os conhecimentos que 
os pais têm a respeito de sua vida, de seu filho. Meus conhecimentos, teóricos, técnicos e 
os provenientes de minha experiência pessoal representam apenas um outro ponto de 
vista. 
A situação de psicodiagnóstico torna-se então uma situação de cooperação em que a 
capacidade de ambas as partes. 
 
 
 119 
 
 
 
observarem, apreenderem, compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. 
Tanto os pais como o psicólogo observam a si mesmos e ao outro, tanto os pais como o 
psicólogo procuram compreender o que está sendo vivenciado, sendo que a compreensão 
dos pais e a do psicólogo são equivalentes e compartilhadas. . 
Ao psicólogo cabe compreender a pergunta. Compreender é participar de um 
significado comum, do projeto do cliente, de sua abertura e limitações para o mundo. É 
importante identificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a 
seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao pedido de 
atendimento. 
A primeira sessão com os pais geralmente se desenvolve a partir daquilo que eles 
trazem como sendo a pergunta, estendendo-se ao projeto estabelecido por eles em relação 
ao filho, aos focos de ansiedade e sentimentos mobilizados. 
Com a finalidade de tornar minha exposição menos teórica, utilizar-me-ei de trechos de 
sessões do psicodiagnóstico de J., realizado na Clínica Psicológica Objetivo, em 1991, no 
setor de atendimento a superdotados5. As sessões foram gravadas com a finalidade de 
realizar minha pesquisa de doutorado. 
Os pais de J., 9 anos, procuraram-me porque ele talvez fosse superdotado e, neste 
caso, eles queriam ser orientados em relação à melhor forma de lidar com ele. Nas 
palavras da mãe: ele é diferente das outras crianças; é muito quieto, gosta de ler, de 
desenhar. No maternal, os professores recomendavam que eu tirasse ele de lá e colocasse 
numa escola especializada, que ele desenha muito bem e tem muita 
facilidade para aprender. Eles têm medo que o filho possa ficar desmotivado e 
eventualmente "vagabundo". A escola especializada seria aquela que acompanhasse o 
ritmo das necessidades do filho. Ao longo desta primeira entrevista, o 
 
 
 120 
 
 
filho aparece como um menino muito meigo, muito sensível, ele procura agradar as 
pessoas, não gosta de ficar agredindo com palavras ou com atitudes, é muito atencioso, 
muito melódico, gosta de tudo arrumadinho. Os pais trazem a preocupação da irmã de que 
ele se torne um menino chatinho, "cd/". O pai tem medo que J. fique um moleque muito 
voltado para ele mesmo, não aproveite a vida'. 
Por outro lado, os pais descrevem J. como uma criança independente, líder quando se 
trata de atividades que o interessam, mas que se cansa facilmente, retirando-se das brinca-
deiras quando estas não o interessam. Não tem muitos amigos e não costuma descer para 
brincar no playground. Percebo aqui, além da preocupação inicial referente à escola, uma 
outra: a sociabilidade da criança. Mais tarde, nesta mesma entrevista, a mãe pode trazer 
outra queixa: o pai, a escola, a família em geral, pressionam e criticam-na por causa de sua 
forma delidar com o filho, que poderia vir a torná-Io efeminado. O filho é chamado de 
maricas pelos outros porque ele prefere desenhar e ler, ficar sozinho a brincar do jeito 
deles: então eu fico preocupada, ele é uma pessoa diferente! Pesquiso o que é para cada 
um deles "ser menino". Posso perceber diferenças de expectativa do pai e da mãe em 
relação ao filho: [o pai diz] um menino, sabe, boné do lado, sujeira no rosto, subir no muro, 
esta é a imagem que tenho. [A mãe] eu não consigo imaginar que um menino, para ser 
homem, moleque, tem que ser agressivo, precisa ser boca suja, ser bruto ou precisa ficar 
falando besteira sobre coisa de mulher, eu acho que um menino pode ser menino sendo 
uma pessoa educada, fina. 
Nesta primeira sessão, tenho então a queixa de um menino que os pais e a escola vêem 
como "diferente"; esta diferença é relatada inicialmente em termos escolares e acaba 
abarcando a forma de ser desta criança, sua maneira de lidar com a agressividade, 
acarretando dúvidas a respeito de sua identidade masculina o que provoca uma série de 
discussões em casa a respeito da maneira como a mãe o educa. 
 
 121 
 
 
 
Para compreender o que os pais relatam, em geral utilizo meus conhecimentos 
teóricos, minha vivência, minha experiência anterior. Aceito as observações dos pais a 
respeito daquilo que eles vêem, pensam, concluem, e procuro ampliar seu campo de visão, 
contextualizando a queixa particular, inserindo-a num quadro mais amplo. . 
Observo e assinalo aos pais aquilo que consigo apreender da relação deles com o filho 
e entre si (quando comparece o casal). Esses assinalamentos não são considerados 
verdades, mas apenas - possibilidades de compreensão que podem ser aceitas ou não por 
eles. Desenvolvo um trabalho alternado de focalização e ampliação, procurando explicitar o 
significado .dos fenômenos para os pais e para mim mesma. 
A compreensão dos pais é valorizada, está no mesmo nível da do profissional. 
Costumo dizer aos pais que eles têm um conhecimento do filho que é extremamente 
importante para o desenvolvimento do psicodiagnóstico. Muitas vezes eles não entendem 
por que, já que procuraram o psicólogo com uma queixa a respeito do filho, são eles que 
precisam comparecer a tantas entrevistas; por que eles, enquanto pessoas, são ques-
tionados. Por isso, esses esclarecimentos são muito importantes. Trata-se de um trabalho 
em que a cooperação é um pré-requisito que deve ser assumido por ambas as partes, 
embora, de forma geral, as pessoas estejam acostumadas a buscar os serviços de um 
profissional, detentor do saber e do poder, que lhes indicará a origem do problema e os 
caminhos a seguir. 
a esclarecimento da pergunta pode se desenvolver em uma ou duas sessões. 
Entretanto, ao longo do processo, ela permanece. como um pano de fundo para outras 
questões aspecto que possam surgir. 
Assim, voltando a J., quando os pais se referiram à "escola especializada", perguntei-
Ihes como o filho se sente na escola que freqüenta, uma vez que, por um lado, sei que não 
existem escolas especializadas para superdotados e que, por outro, há muitas idéias, às 
vezes contraditórias, em relação ao que qualquer escola deva oferecer. Meu critério para 
indicar 
 
 122 
 
 
 
ou não uma mudança de escola é a satisfação ou não da criança com ela, desde que a 
escola preencha os requisitos mínimos para ser considerada aceitável pelos padrões 
usuais. Por outro lado, minha valorização da queixa da mãe em relação à sociabilidade do 
filho (prefere ficar sozinho a brincar com os outros; quieto, gosta de ler e de desenhar) é 
diferente da dela já que meu contato com a literatura a respeito de crianças superdotadas6 
me permite saber que muitas delas apresentam estas características, informação que utilizo 
para inserir a queixa da mãe num contexto mais amplo, contando-lhe. o que sei a respeito. 
Ao longo das primeiras entrevistas foi ficando mais claro que aquilo que mobilizava os pais 
era a questão da identidade sexual da criança, o que gerava discussões quanto à forma 
como a mãe lidava com ela. 
Na segunda ou terceira sessão, antes ainda de conhecer 
a criança, utilizo-me de um roteiro de anamnese. Há muitos roteiros de anamnese 
disponíveis e, ressalvadas algumas diferenças de organização, em geral enfocam aspectos 
do desenvolvimento bio-psico-social da criança. É uma prática utilizada por vários 
profissionais (médicos, assistentes sociais, psicólogos), sendo que cada um focalizará os 
aspectos que mais lhe interessem para a compreensão do fenômeno que está estudando. 
Além disso, serve para que os pais se debrucem sobre sua experiência passada e presente 
com o filho, podendo esclarecer sentimentos e expectativas que atuam no relacionamento 
com a cnança. 
O roteiro que uso me permite observar formas de relacionamento na família, focos de 
ansiedade, distribuição de forças na dinâmica familiar. Compartilho minhas impressões com 
os pais à medida que elas se tornam mais claras para mim. Elas servem de ponto de 
partida para sua própria reflexão a respeito dos fenômenos que focalizamos. 
 
 
 123 
 
 
Em geral, através de minhas intervenções, procuro promover novas possibilidades 
existenciais na medida em q~e trabalho com o outro a transformação de seu projeto.LO 
conhecimento que o cliente traz é valorizado, e é a partir dele que minhas falas terão ou 
não sentido. Por outro lado, para que seja eficiente, a intervenção deve pertencer ao campo 
de possibilidades do cliente, margeando aquilo que ele não compreende, uma vez que, se 
estiver distante deste campo, ela poderá não ser compreendida ou ser recusada por ele. 
Uma vez realizado este roteiro, tenho uma imagem da criança e do relacionamento 
familiar. Explicito esta imagem para mim mesma e para os pais. Por enquanto, ainda não 
conheci a criança, e esta imagem se dá a partir dos relatos dos pais aliados à minha com 
reensão, sempre compartilhada e discutida com eles. 
No caso de J., através da anamnese, os pais contam que a gravidez foi muito 
desejada, embora tensa, uma vez que antes de cada gravidez a termo a mãe sofreu 
abortos para os quais os médicos não haviam encontrado explicação. A mãe que, na 
primeira sessão, se queixara de estar sozinha para educar os filhos e lidar com os 
problemas do dia-a-dia, mostra que não gosta de interferências familiares quando se 
defronta com uma situação difícil, preferindo em geral resolver seus problemas sozinha. 
Noto portanto uma incongruência, que aponto, entre o que ela sente e como lida com as 
situações. O pai, examinando sua própria forma de se comportar diante de situações 
difíceis, nota que é menos "corajoso" que a mãe, 
. precisando da aprovação dos outros quando se trata de tomar uma decisão. O parto foi 
cesariana, e a mãe ficou muito desconfiada em relação ao anestesista e ao médico que não 
eram aqueles com os quais estava acostumada. 
Outros episódios do desenvolvimento da criança revelam superproteção, muita 
ansiedade materna quanto à confiança na capacidade do filho de resolver certas situações, 
controle decorrente desta falta de confiança, participação do pai quando as crianças estão 
pequenas mas seu afastamento em função 
 
 
124 
 
 
de sobrecarga de trabalho passados os primeiros meses. Ainda de acordo com essa 
descrição, o filho tem algumas necessidades de criança pequena (bichos de pelúcia com os 
quais dorme até hoje), ao mesmo tempo em que mostra interesses e capacidades de uma 
criança maior. 
Antes de conhecer a criança, há mais um aspecto que é importante trabalhar com os 
pais: é o que diz respeito às informações forneci das à criança quanto ao trabalho que está 
sendo desenvolvido e do qual ela irá participar. 'Muitas vezes os pais não conseguem dizer 
ao filho por que estão consultando um psicólogo. Têm medo de contar-lhe que proçuraram 
um psicólogo para falar dele e por que o fizeram.' Imaginam que a explicitação daquilo que 
os está movendo possa fazer com que ele "piore", se "sinta diferente". Esquecem, 
entretanto, que suas preocupaçõesestão presentes no cotidiano, na forma de lidarem com 
o filho, nas observações que fazem a respeito dele, nas exigências várias vezes repetidas e 
nem sempre cumpridas pela criança. Tudo isso faz com que, mesmo que ela não consiga 
expressar claramente, e da mesma maneira que os adultos, quais as preocupações a seu 
respeito, a criança perceba, no dia-a-dia, em sua relação com eles, com os professores e 
colegas, que algo está acontecendo, tendo sua própria compreensão a respeito. 
Muitas vezes, a dificuldade dos pais de conversarem abertamente com o filho a respeito 
do trabalho com o psicólogo revela sua forma de relacionar-se com a criança e com o 
psicólogo, devendo ser explicitada. 
A partir do momento em que o psicólogo entra em contato. 
com a criança, as sessões com os passo alternadas. Este procedimento tem por objetivo 
compartilhar pãri-passu com ela e com os pais as. observações a respeito do filho. Não se 
trata de chegar a conclusões mas de enriquecer a compreensão que cada um tem da 
criança a partir de outro ponto de vista, de outro ângulo. 
Algumas vezes, a partir da observação da criança, é necessário pesquisar mais 
amplamente certos aspectos da vida 
 
 125 
 
 
 
e do relacionamento que pareceram irrelevantes até este momento, seja porque os pais 
não se referiram a eles, seja porque, embora tenham sido relatados, o contato com a 
criança levou a pensar em outras possibilidades de compreensão. 
Na medida em que, para conhecer a criança, o psicólogo recorre a certos instrumentos 
(testes, observações) que pertencem a um cabedal de conhecimentos técnicos, é 
importante que cada instrumento utilizado seja discutido com os pais, e que se expliquem 
seus pressupostos teóricos e de que forma o psicólogo chegou às suas próprias 
observações. 
É indispensável que se proceda dessa forma para que os pais possam compreender 
melhor os referenciais do psicólogo e participar das decisões a respeito dos aspectos a 
investigar para esclarecer o que se passa com a criança. rAs explicações a respeito dos 
instrumentos utilizados também servem para desmistificá-Ios, contextualizá-Ios, mostrar 
que eles representam mais uma possibilidade de enfoque do que uma verdade absoluta. 
Penso nos pais que vêm em busca do Quociente Intelectual (QI) do filho para que eles 
e a escola possam tomar decisões a respeito do encaminhamento desta criança. Sabemos 
que cada teste de nível intelectual se baseia num conceito particular de inteligência e que 
não há consenso a respeito do que seja este fenômeno. A partir da visão psicométrica, 
esses aspectos foram relegados a um segundo plano e tendeu-se a considerar os 
resultados obtidos de forma absoluta 7. Hoje, a noção de QI está vulgarizada e a tendência 
do leigo é valorizar os resultados dos testes. Cabe então ao psicólogo esclarecer os pais 
sobre esses aspectos, contextualizando os resultados obtidos pela criança. 
Desta forma, é preciso que as entrevistas com os pais tenham um conteúdo 
pedagógico, uma vez que eles não são 
 
 
 126 
 
 
 
obrigados a conhecer a cultura e os instrumentos da Psicologia. Se consideramos 
importante que eles participem do trabalho, esta participação precisa ser feita a partir de 
bases comuns. É claro que, o psicólogo deve ser capaz de adequar sua linguagem ao nível 
sócio-econômico-cultural dos pais, de forma a se fazer compreender por eles. Cabe a ele 
fazer uma espécie de tradução dos conceitos teóricos numa linguagem acessível, 
certificando-se de que sua comunicação está fazendo sentido para os paIs. 
O trabalho de muitos anos com clientes de clínicas-escola, em geral pessoas menos 
favorecidas sócio-econômico-culturalmente, ofereceu-me um excelente treinamento, já que 
para compartilhar minhas impressões com os pais, tive de desenvolver uma linguagem 
acessível e próxima à vivência deles. Esse tipo de tradução só é possível quando a teoria 
está bem integrada, e tem-se um bom domínio dos instrumentos utilizados. Caso contrário, 
o profissional apenas consegue reproduzir chavões que pouco têm a ver com a 
experiência, seja sua, seja do cliente. 
No caso de J., quando compartilhei com os pais as observações a partir da utilização 
dos desenhos, a mãe me conta que o filho lhe disse que estava fazendo o contrário do que 
é: no desenho da família, ele desenhou todos pequenininhos, acho que ele não quis 
mostrar como é a família dele de verdade, ele falou tudo ao contrário do que a gente faz em 
casa. Diante de minha solicitação para que reflitam a respeito do que o filho quis dizer com 
isso, a mãe diz na hora que ele me contou eu pensei que era, como ele não tinha muito 
contato com você, ele quis escamotear uma informação, mascarar. E o pai: a gente parou 
um pouco para pensar, ver o que é a família dele para o J., porque no dia-a-dia a gente não 
se preocupa muito com isso, né, então será que a gente não tá enchendo muito o saco dele 
com NOSSOS programas? Depois que lhes apresento o meu modo de compreender o que 
se passa, que coincide em parte com 
 
 127 
 
 
 
o do pai, a mãe concorda comigo, e admite rever sua própria interpretação. 
Nesta entrevista, ela volta a trazer sua preocupação com a possibilidade de o filho ser 
efeminado em conseqüência da forma como o trata: Porque eu sempre fui muito carinhosa 
com ele e ele comigo, agora que ele tá mais chegado com o pai e, na minha família, todo 
mundo ficou falando que eu tava deixando ele muito... maricas, ficava muito em cima, 
beijando, porque eu gosto, e de repente, eu dei uma parada... sabe... de soltar, pra ele se 
virar, então eu sinto também que ele sente isso. 
 
Posso utilizar minhas percepções da criança e minha interpretação de sua produção 
no teste, que não revela dificuldades de identificação sexual, para explícitar isso e mostrar 
como a expectativa do pai, baseada num estereótipo de masculinidade, contribuiu para que 
compreendesse as necessidades de afeto do filho como desvio da identidade sexual, 
levando a atitudes repressoras, impedindo o filho de se manifestar livremente, expressando 
seu afeto e sensibilidade. Desta maneira, a partir das trocas de impressões, tanto eu como 
os pais podemos reinterpretar algumas situações, enriquecendo nossa compreensão da 
criança. 
Refletindo a respeito deste trabalho, me ocorre uma imagem: tanto psicólogo como 
cliente estão organizando um quebra-cabeças, contribuindo com peças diferentes, para 
chegar à constituição de uma imagem comum. Esta imagem vai se construindo ao longo do 
processo e os aspectos que nela serão mais nítidos dependerão da colalJoração dos pais, 
dos conhecimentos do psicólogo e da interação entre ambos. 
Aqui se apresenta um outro aspecto que diz respeito ao sigilo e ao respeito que o 
profissional deve ter em relação às partes envolvidas: pais, criança. Não se trata de contar 
a uns e aos outros O QUE os pais ou a criança fizeram ou disseram, mas de procurar 
descrever COMO compreendemos os comportamentos que nos aparecem. O psicólogo 
compartilha com 
 
 128 
 
 
 
os pais sua experiência com a criança a partir das situações propostas para favorecer a 
observação de como esta última se relaciona consigo mesma, com os outros e com o 
mundo. 
A partir das conversas com os pais e do conhecimento da criança, ainda durante o 
psicodiagnóstico, o psicólogo pode sugerir alternativas de ação para os pais. No caso de J., 
que era uma criança sem nenhuma autonomia, cujos pais não lhe permitiam passar. um 
final de semana longe deles, alegando ser ele muito pequeno para isto, depois de 
esclarecer seus medos, de mostrar a capacidade da criança, orientei-os a dar mais 
autonomia ao menino, confiando em sua capacidade para resolver problemas. 
Também a partir da compreensão da dinâmica familiar, o psicólogo pode dar sugestões 
a respeito do que considera capaz de promover um desenvolvimento mais harmonioso. 
Novamente no caso de J. pude mostrar uma identificação do menino com o pai, também 
uma pessoa muito sensível, que gosta de música clássica e possui muitos livrosde arte, 
mas que, em função de um estereótipo de masculinidade, não conseguia aceitar estas 
características do filho, e não permitia que ele se expressasse livremente. Sugeri ao pai que 
criasse oportunidades de maior proximidade do filho, levando-o para programas de 
interesse comum. 
Desta forma, o psicodiagnóstico fenomenológico-existencial envolve um trabalho de 
redirecionamento dos pais a partir da compreensão da criança e da dinâmica familiar, com 
o objetivo de facilitar o relacionamento, propiciar novas formas de interação e abrir novas 
perspectivas experienciais. 
 
A repercussão sobre os pais 
 
Muitas vezes, ainda durante o processo, os pais começam a experimentar novas formas 
de relacionamento com o filho, e suas vivências podem ser trabalhadas com o psicólogo. 
Freqüentemente, referem-se a mudanças de atitudes. A extensão, 
 
 129 
 
 
 
e o tipo dessas mudanças, podem servir de indicadores para a flexibilidade dos pais, sua 
capacidade para prosseguir sozinhos ou a necessidade de encaminhamento psicoterápico 
uma vez encerrado o psicodiagnóstico. 
Retomo aqui frases da mãe e do pai de J. que me parecem esclarecer bem o que 
acontece: [A mãe] Eu sinto assim, depois que eu vim aqui, a gente vai conseguindo 
perceber mais, que quando você tá naquela rotina, você se envolve, não vê, eu sinto que 
agora tou mais sensível, presto mais atenção. [O pai, em outro momento] Eu acho que foi 
resultado deste trabalho... Mudou minha ótica. Eu tinha muito... medo do J. ficar um menino 
mais efeminado... pelo ritme dele, porque ele é um menino meigo, sensível etc. Hoje eu 
consigo enquadrar melhor, depois desses nossos contatos, (; eu acho que meu 
relacionamento com ele melhorou 500 pOl cento depois que estive aqui, tá mais solto 
entende, ficavc. muito em cima dele, agora tou deixando... pra mim tá maiJ claro, eu tou 
mais calmo, mais tranqüilo agora, depois desse. 
Eles se referem também a mudanças de atitudes do filho que está decidindo mais, 
defendendo seu próprio espaço, s relacionando mais com os meninos da vizinhança. 
O pai está se aproximando do filho. Nas palavras d mãe: Então, eu acho que tinha aquela 
distância, então (nuripasseio ao Playcenter) ele viu que o pai grita, que tem med~ 
Foi ótimo. Dela mesma diz: Agora eu me sinto mais segurj para tratar com ele.Olhando 
retrospectivamente para o processo, na últisessão, o pai se refere a eJe como um repensar, 
um chacoalhã acordar para algumas coisas e tentar rever algumas coisa A mãe diz: Para 
mim foi importante porque eu fiquei ma segura, eu tava tremendamente insegura, não que 
eu to segura agora, mas certas atitudes eu tomo assim, mais firm né, eu tou procurando ser 
menos rígida. 
 
 130 
 
 
Quanto à mudança de escola, que motivara a busca do atendimento, decidiram manter 
o filho naquela que já freqüentava, uma vez que já estava adaptado a ela, não revelava 
nenhum desejo de mudar-se de lá e que eles estavam satisfeitos com o ensino 
proporcionado. Perceberam que não havia necessidade de outro tipo de escola e .que eles 
mesmos podiam propiciar uma série de oportunidades de desenvolvimento extra-escolar ao 
filho. que, de fato, confirmou um elevado potencial intelectual e grande talento para 
desenho. 
Embora eu tenha me detido sobre o caso de J. para facilitar minha exposição, posso 
citar várias outras falas de pais que vão nesta mesma direção. 
Em geral, referem-se ao processo pelo qual passaram como uma oportunidade para 
prestar atenção, perceber e pensar sobre o que está acontecendo. 
Para o pai de L. - um menino de 8 anos que atendi no consultório em 1989 -, as 
sessões foram importantes porque o levaram a perceber que sua forma de se relacionar 
com o filho repetia a forma como ele mesmo havia sido educado pelo pai. Embora 
continuasse a pensar que esta era a maneira adequada de educar um filho, pôde perceber 
que os tempos haviam mudado. Ao abrir-se mais para as necessidades de seu filho, 
conseguiu aproximar-se dele. Enfatizou também que só conseguira aceitar o que eu lhe 
dizia porque você não falou coisas estranhas; partimos daquilo que eu mesmo dizia e 
abrimos perspectivas que tinham sentido. É importante ressaltar que, embora a iniciativa de 
procurar um psicólogo tivesse partidó da mãe de L., seu pai participou de todas as sessões, 
apesar de dizer no início que não acreditava nesse tipo de trabalho. ".' 
 
F ollow up 
 
Concluídos os psicodiagnósticos, após um intervalo de seis meses a um ano, realizei 
sessões de follow up com pais. 
 
 131 
 
 
que haviam participado deste processo. Pude então observar um fenômeno interessante: 
freqüentemente, apesar de ter havido encaminhamento da criança para psicoterapia com 
outro profissional, esta não havia sido feità. Os pais justificavam sua decisão dizendo que o 
psicodiagnóstico havia sido suficiente para resolver o "problema" que motivara a busca do 
atendimento. 
Em outro caso, a mãe decidira tratar-se primeiro já que como sou eu quem educo 
meus filhos, achei que era mais importante eu fazer terapia primeiro, inclusive para não es-
tragar o trabalho que seria feito com meu filho. Ao contrário daquela, uma mãe a quem 
sugeri psicoterapia me disse: Em relação à psicoterapia que você indicou, achei melhor eu 
me modificar, eu já tinha sentido que estava me abrindo mais enquanto nós conversávamos 
e resolvi prestar mais atenção para as coisas não voltarem ao que eram. 
Penso que, muitas vezes, o encaminhamento para psicoterapia revela resquícios da 
visão tradicional de psicodiagnóstico, assim como insegurança quanto à continuidade das 
mudanças observadas durante o processo. 
Em outras oportunidades, houve encaminhamento para psicoterapia e esta foi 
realizada. 
Atualmente, inclino~me a deixar que os pais decidam se sentem necessidade de um 
encaminhamento para si mesmos e para o filho. Também me coloco à disposição deles 
para contatos posteriores, após o encerramento do trabalho e passados algum tempo. 
Percebo que esta abertura é importante na medida em que permite, após algum tempo, que 
os pais e a criança se debrucem novamente sobre sua experiência a fim de sentir como 
estão. 
 
Posso então dizer que minha experiência com esta forma de trabalhar, elucidando a 
pergunta (queixa) trazida pelos pais, conhecendo. com eles os momentos expressivos do 
desenvolvimento do filho e de sua relação com ele, compartilhando minha própria 
compreensão da criança a partir de seu contato 
 
 132 
 
 
 
comigo, oferece-Ihes oportunidades para rever sua maneira de se relacionar com o filho, 
perceber novos sentidos possíveis para as situações de interação com ele, reformulando 
sua forma de exercer seu papel e, às vezes, seu desenvolvimento enquanto pessoas. 
Pude observar que, dependendo de suas possibilidades para se modificarem, de sua 
plasticidade, em outros termos, o psicodiagnóstico é muitas vezes suficiente não havendo 
necessidade de atendimentos psicoterápicos posteriores. É claro que isso não acontece em 
todos os casos. Também é possível que, passado algum tempo, quando os pais são 
chamados para o follow up, percebamos que nossa atenção e a deles estiveram 
focalizadas em certos aspectos que os preocupavam na época, mas que, após certo tempo, 
e mesmo havendo mudanças na dinâmica familiar, neste momento são outras queixas que 
são valorizadas, o que pode levar a reencaminhamentos. 
É o caso de c., menino de 7 anos, cuja mãe havia procurado o setor de superdotados 
da Clínica Psicológica Objetivo, encaminhada pela professora que o considerava muito 
adiantado para a primeira série e pensava num possível adiantamento escolar. Na ocasião, 
pudemos compreender que os comportamentos apresentados por C. na escola (problemas 
de disciplina, faz só o que quer, o que acha interessante) e em casa (um pouco manhoso, 
dá impressão que qualquer coisa que faça não se gosta dele) tinham por finalidade chamar 
a atenção dos pais que trabalhavam fora o dia todo enquanto as crianças ficavam aos 
cuidados da avó. Esta tinha preferência pelo irmãomenor e exigia que as crianças ficassem 
quietas enquanto estivessem em sua casa. Quanto à possível superdotação, notei que C. 
tinha uma memória privilegiada e interesse pelo mundo circundante, o que dava a 
impressão de que era mais capaz que os outros. C. apresentava necessidades lúdicas não 
satisfeitas, preçisava da companhia dos pais que pudessem proporcionar-lhe mais 
possibilidades de atividades. Essas observações, compartilhadas com a mãe ao longo do 
psicodiagnóstico e com as quais ela concordava, permitiram-lhe privilegiar 
 
 133 
 
 
 
o contato com os filhos. Ela decidiu reorganizar seu horário de trabalho para poder ficar 
com eles mais tempo durante a semana, oferecendo-Ihes mais oportunidades para estarem 
com outras crianças e brincarem livremente. 
Na entrevista de follow up, um ano depojs, ela dizia que, no que diz respeito à escola, 
C. mostrava-se mais satisfeito, mas o que a preocupava mais neste momento era uma 
bronquite asmática cujas crises estavam sendo freqüentes. De fato, durante o 
psicodiagnóstico, a mãe havia se referido rapidamente a crises de bronquite que a criança 
havia apresentado quando menor mas que haviam diminuído com o tempo, chegando a 
desaparecer. Desta forma, a bronquite parecia um problema ultrapassado e não havia sido 
valorizada, nem pela mãe, nem por mim. Um ano depois, entretanto, a bronquite aparece 
como o centro das preocupações da mãe. Assim, as insatisfações da criança no que diz 
respeito à falta de atenção podem ser re-significadas, levando a uma indicação de 
psicoterapia. 
Ocorre-me que, na medida em que o psicólogo, neste trabalho, respeita o ritmo dos 
pais e sua forma de se referir à vivência, sua atenção pode estar focalizada nos aspectos 
por eles escolhidos, não vendo outros possíveis. Mas não sejamos onipotentes, nem 
pensemos que o psicólogo pode e deve perceber tudo o que está acontecendo com o 
outro. Sempre existem limitações, seja do paciente, seja do psicólogo. O importante é estar 
disponível para percebê-Ias e procurar lidar com elas. 
 
 134 
 
 
 
 
 
 
 
REFORMULAÇÃO DO PAPEL DO PSICÓLOGO NO PSICODIAGNÓSTICO 
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL E SUA REPERCUSSÃO SOBRE OS PAIS 
 
Gohara Yvette Yehia* 
 
Levantamentos realizados em instituições que oferecem atendimento psicológico à 
comunidade mostram que grande parte da população que as procura é constituída de pais 
de crianças com alguma dificuldade, de aprendizagem, de comportamento, ou outra. 
O psicodiagnóstico infantil continua sendo uma prática desenvolvida por psicólogos, 
principalmente quando o cliente procura uma instituição, uma vez que a partir dele pode-se 
chegar a uma escolha e indicação terapêuticas melhor fundamentadas. 
O psicodiagnóstico infantil realizado nos moldes tradicionais consta de uma ou duas 
entrevistas iniciais com os pais, para que o psicólogo entre em contato com a queixa, a 
 
 115 
 
"dinâmica familiar e o desenvolvimento da criança, de testagem da criança e, depois de 
avaliados os testes e integradas as informações obtidas, de uma ou duas entrevistas 
devolutivas, nas quais o psicólogo apresenta aos pais suas conclusões diagnósticas e 
sugere os passos seguintes a serem trilhados: psicoterapia da criança, orientação aos pais, 
psicomotricidade etc. . 
Observamos que os pais que comparecem para os atendimentos indicados a partir 
desta maneira de desenvolver o psicodiagnóstico, quando comparecem, mostram pouca 
motivação para os mesmos. Quando questionados a respeito do atendimento anterior (o 
psicodiagnóstico) revelam desconhecimento do processo pelo qual passaram, limitando-se 
a repetir a queixa inicial, agora acrescida da indicação terapêutica. 
Glguns mostram-se decepcionados com os resultados desse atendimento, que não trouxe 
os benefícios que dele esperavam: 
De fato, eles e a criança foram várias vezes ao psicólogo, e isso apenas redundou em uma 
melhora inicial, após as primeiras sessões, reaparecendo em seguida os sintomas que 
haviam motivado o encaminhamento. 
C A melhora à qual os pais se referem é um fenômeno conhecido na prática do 
psicodiagnóstico, e em geral é atribuída à atenção que a criança recebe. Atenção dos pais 
que a acompanham uma vez por semana ao local do atendimento, dedicando-lhe assim 
uma parte de seu tempo; atenção do psicólogo que a atende, mesmo que seja apenas para 
aplicação de testes e realização de observações. 
É claro que, para o psicólogo que realizou o trabalho, este se constituiu numa etapa 
importante do processo. Permitiu-lhe fazer uma indicação terapêutica mais adequada às 
necessidades do cliente já que baseada na compreensão do que estaria acontecendo com 
a criança e a dinâmica familiar. 
 
Mas, e os pais? Será que para eles o atendimento só deveria tornar-se efetivo na 
psicoterapia? Será possível ofere 
 
 116 
 
 
 
 
cer-Ihes, em troca de suas idas ao psicólogo, algo além de uma indicação cujo significado 
eles ainda mal compreendem? 
O psicodiagnóstico fenomenológico-existencial ofereceume e à equipe com a qual 
trabalhava I uma alternativa viável que se mostrou bastante satisfatória, quando enfocamos 
sua repercussão tanto sobre as crianças2 , como sobre os pais, como veremos mais 
adiante. 
 
o papel do psicólogo e do cliente no psicodiagnóstico fenomenológico-existencial 
 
Todo ser humano está mergulhado no mundo que está sempre presente, embora 
muitas vezes passe despercebidoLO sentido dos objetos está na relação que eles têm com 
uma totalidade estruturada de significados e de intenções inter-re 
lacionadail Conseqüentemente, o mundo não é obstrutivo, nem 
o são os objetos do mundo com os quais nos relacionamos diariamente. Isso significa 
que, no nosso dia-a-dia, estamos com os objetos de uso corrente, com as pessoas, com 
nossa família, nosso filho, sem a todo momento nos perguntarmos a respeito do significado 
de cada coisa. 
Entretanto,C9uando há "ruptura", quando falta algo que 
deveria haver, é que passamos a notar certos objetos. Similarmente, quando a criança 
começa a apresentar atitudes e comportamentos que rompem com algumas expectativas 
dos pais, dos professores ou de outros agentes da comunidade, 
surge o encaminhamento ou a busca espontânea do psicólogo.] É neste momento que 
podem ser problematizadas, questionadas, as relações dos pais e da criança consigo 
mesmos, com o mundo e com os outros. 
 
 
 
 117 
 
 
 
É neste contexto que o psicodiagnóstico se propõe explicitar o sentido da experiência 
do cliente. Quando se trata do psicodiagnóstico infantil, o trabalho com os pais visa explorar 
o significado da queixa trazida, dos sintomas apresentados pela criança, a compreensão 
que eles têm de sua própria situação e de sua relação com o filho. 
Poder-se-á argumentar que estes são os objetivos do psicodiagnóstico em qualquer 
abordagem. Sim, mas este trabalho acaba muitas vezes servindo apenas ao psicólogo que 
realizou o trabalho, sendo de pouca ou nenhuma utilidade para o cliente, apesar das 
sessões devolutivas. 
Uma das contribuições do psicodiagnóstico fenomenológico-existencial está na 
reavaliação do papel desempenhado pelo cliente e pelo psicólogo, nesta situação em que o 
cliente se torna um parceiro ativo e envolvido no trabalho de compreensão e eventual 
encaminhamento posterior. 
Em trabalho anterior3, já sugeria que "mesmo sendo a criança a precisar de 
atendimento psicológico, são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento 
infantil: o tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das sessões (quando estas 
são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos transformadores do 
atendimento infantil na dinâmica da farnília".pesta forma, sem informações, apoio e 
motivação para este atendimento, fica difícil esperar que os pais estejam dispostos a levá-
lo adiante. 
Portanto, durante o psicodiagnóstico, e mesmo durante a psicoterapia, quando o 
paciente designado é a criança, a participação dos pais é extremamente importante. 
Por isso, quando recebo pais encaminhados pela professora,pelo pediatra ou por 
outro agente, trato de trabalhar, desde o início, o significado que este encaminhamento tem 
para eles. 
 
 118 
 
 
 
mesmos. Enquanto, a necessidade de atendimento psicológico não tiver sentido para os 
pais, que limitam-se a seguir a indicação de um outro profissional, e a conformar-se com 
ela, como se estivessem obedecendo a uma autoridade, fica mais difícil, senão impossível, 
contar com sua colaboração 'ativa. Esta é imprescindível para que consigamos 
compreender juntos o que pode estar ocorrendo com a criança e, eventualmente, com os 
próprios pais. 
Outro ponto que costumo focalizar é como os pais en 
tendem o atendimento psicológico, sua expectativa em relaçãõa ele. Ofereço-Ihes 
esclarecimentos a respeito da minha proposta de trabalho, que consiste em tentar 
compreender o que está acontecendo com a criança no contexto pessoal, familiar e social. 
Estes esclarecimentos fazem com que eles entendam melhor por que sua própria 
participação no processo é importante e quais são os limites do trabalho, e também 
permitem que decidam, desde o início do atendimento, se estão dispostos a compartilhar 
deste projeto. Desta forma, o psicodiagnóstico pode se desenvolver sobre bases comuns 
entre o psicólogo e o cliente. O trabalho de Larrabure a respeito dos Grupos de Espera4 
serve-me de referência para esta fase do processo. 
A reavaliação do papel do psicólogo levou-me a uma mudança de postura. Não sou 
mais o técnico, o detentor do saber que oferece respostas às perguntas trazidas pelos pais. 
Enquanto psicóloga, também sou uma pessoa, tenho conhecimentos específicos, é certo, 
mas não parto do pressuposto de que estes têm um peso maior que os conhecimentos que 
os pais têm a respeito de sua vida, de seu filho. Meus conhecimentos, teóricos, técnicos e 
os provenientes de minha experiência pessoal representam apenas um outro ponto de 
vista. 
A situação de psicodiagnóstico torna-se então uma situação de cooperação em que a 
capacidade de ambas as partes. 
 
 
 119 
 
 
 
observarem, apreenderem, compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. 
Tanto os pais como o psicólogo observam a si mesmos e ao outro, tanto os pais como o 
psicólogo procuram compreender o que está sendo vivenciado, sendo que a compreensão 
dos pais e a do psicólogo são equivalentes e compartilhadas. . 
Ao psicólogo cabe compreender a pergunta. Compreender é participar de um 
significado comum, do projeto do cliente, de sua abertura e limitações para o mundo. É 
importante identificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a 
seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao pedido de 
atendimento. 
A primeira sessão com os pais geralmente se desenvolve a partir daquilo que eles 
trazem como sendo a pergunta, estendendo-se ao projeto estabelecido por eles em relação 
ao filho, aos focos de ansiedade e sentimentos mobilizados. 
Com a finalidade de tornar minha exposição menos teórica, utilizar-me-ei de trechos de 
sessões do psicodiagnóstico de J., realizado na Clínica Psicológica Objetivo, em 1991, no 
setor de atendimento a superdotados5. As sessões foram gravadas com a finalidade de 
realizar minha pesquisa de doutorado. 
Os pais de J., 9 anos, procuraram-me porque ele talvez fosse superdotado e, neste 
caso, eles queriam ser orientados em relação à melhor forma de lidar com ele. Nas 
palavras da mãe: ele é diferente das outras crianças; é muito quieto, gosta de ler, de 
desenhar. No maternal, os professores recomendavam que eu tirasse ele de lá e colocasse 
numa escola especializada, que ele desenha muito bem e tem muita 
facilidade para aprender. Eles têm medo que o filho possa ficar desmotivado e 
eventualmente "vagabundo". A escola especializada seria aquela que acompanhasse o 
ritmo das necessidades do filho. Ao longo desta primeira entrevista, o 
 
 
 120 
 
 
filho aparece como um menino muito meigo, muito sensível, ele procura agradar as 
pessoas, não gosta de ficar agredindo com palavras ou com atitudes, é muito atencioso, 
muito melódico, gosta de tudo arrumadinho. Os pais trazem a preocupação da irmã de que 
ele se torne um menino chatinho, "cd/". O pai tem medo que J. fique um moleque muito 
voltado para ele mesmo, não aproveite a vida'. 
Por outro lado, os pais descrevem J. como uma criança independente, líder quando se 
trata de atividades que o interessam, mas que se cansa facilmente, retirando-se das brinca-
deiras quando estas não o interessam. Não tem muitos amigos e não costuma descer para 
brincar no playground. Percebo aqui, além da preocupação inicial referente à escola, uma 
outra: a sociabilidade da criança. Mais tarde, nesta mesma entrevista, a mãe pode trazer 
outra queixa: o pai, a escola, a família em geral, pressionam e criticam-na por causa de sua 
forma de lidar com o filho, que poderia vir a torná-Io efeminado. O filho é chamado de 
maricas pelos outros porque ele prefere desenhar e ler, ficar sozinho a brincar do jeito 
deles: então eu fico preocupada, ele é uma pessoa diferente! Pesquiso o que é para cada 
um deles "ser menino". Posso perceber diferenças de expectativa do pai e da mãe em 
relação ao filho: [o pai diz] um menino, sabe, boné do lado, sujeira no rosto, subir no muro, 
esta é a imagem que tenho. [A mãe] eu não consigo imaginar que um menino, para ser 
homem, moleque, tem que ser agressivo, precisa ser boca suja, ser bruto ou precisa ficar 
falando besteira sobre coisa de mulher, eu acho que um menino pode ser menino sendo 
uma pessoa educada, fina. 
Nesta primeira sessão, tenho então a queixa de um menino que os pais e a escola vêem 
como "diferente"; esta diferença é relatada inicialmente em termos escolares e acaba 
abarcando a forma de ser desta criança, sua maneira de lidar com a agressividade, 
acarretando dúvidas a respeito de sua identidade masculina o que provoca uma série de 
discussões em casa a respeito da maneira como a mãe o educa. 
 
 121 
 
 
 
Para compreender o que os pais relatam, em geral utilizo meus conhecimentos 
teóricos, minha vivência, minha experiência anterior. Aceito as observações dos pais a 
respeito daquilo que eles vêem, pensam, concluem, e procuro ampliar seu campo de visão, 
contextualizando a queixa particular, inserindo-a num quadro mais amplo. . 
Observo e assinalo aos pais aquilo que consigo apreender da relação deles com o filho 
e entre si (quando comparece o casal). Esses assinalamentos não são considerados 
verdades, mas apenas - possibilidades de compreensão que podem ser aceitas ou não por 
eles. Desenvolvo um trabalho alternado de focalização e ampliação, procurando explicitar o 
significado .dos fenômenos para os pais e para mim mesma. 
A compreensão dos pais é valorizada, está no mesmo nível da do profissional. 
Costumo dizer aos pais que eles têm um conhecimento do filho que é extremamente 
importante para o desenvolvimento do psicodiagnóstico. Muitas vezes eles não entendem 
por que, já que procuraram o psicólogo com uma queixa a respeito do filho, são eles que 
precisam comparecer a tantas entrevistas; por que eles, enquanto pessoas, são ques-
tionados. Por isso, esses esclarecimentos são muito importantes. Trata-se de um trabalho 
em que a cooperação é um pré-requisito que deve ser assumido por ambas as partes, 
embora, de forma geral, as pessoas estejam acostumadas a buscar os serviços de um 
profissional, detentor do saber e do poder, que lhes indicará a origem do problema e os 
caminhos a seguir. 
a esclarecimento da pergunta pode se desenvolver em uma ou duas sessões. 
Entretanto, ao longo do processo, ela permanece. como um pano de fundo para outras 
questões aspecto que possam surgir. 
Assim, voltando a J., quando os pais se referiram à "escola especializada", perguntei-
Ihes como o filho se sente na escola que freqüenta, uma vez que, por um lado, sei que não 
existem escolas especializadas para superdotados e que, por outro, há muitas idéias, às 
vezes contraditórias, em relação ao que qualquer escola deva oferecer.Meu critério para 
indicar 
 
 122 
 
 
 
ou não uma mudança de escola é a satisfação ou não da criança com ela, desde que a 
escola preencha os requisitos mínimos para ser considerada aceitável pelos padrões 
usuais. Por outro lado, minha valorização da queixa da mãe em relação à sociabilidade do 
filho (prefere ficar sozinho a brincar com os outros; quieto, gosta de ler e de desenhar) é 
diferente da dela já que meu contato com a literatura a respeito de crianças superdotadas6 
me permite saber que muitas delas apresentam estas características, informação que utilizo 
para inserir a queixa da mãe num contexto mais amplo, contando-lhe. o que sei a respeito. 
Ao longo das primeiras entrevistas foi ficando mais claro que aquilo que mobilizava os pais 
era a questão da identidade sexual da criança, o que gerava discussões quanto à forma 
como a mãe lidava com ela. 
Na segunda ou terceira sessão, antes ainda de conhecer 
a criança, utilizo-me de um roteiro de anamnese. Há muitos roteiros de anamnese 
disponíveis e, ressalvadas algumas diferenças de organização, em geral enfocam aspectos 
do desenvolvimento bio-psico-social da criança. É uma prática utilizada por vários 
profissionais (médicos, assistentes sociais, psicólogos), sendo que cada um focalizará os 
aspectos que mais lhe interessem para a compreensão do fenômeno que está estudando. 
Além disso, serve para que os pais se debrucem sobre sua experiência passada e presente 
com o filho, podendo esclarecer sentimentos e expectativas que atuam no relacionamento 
com a cnança. 
O roteiro que uso me permite observar formas de relacionamento na família, focos de 
ansiedade, distribuição de forças na dinâmica familiar. Compartilho minhas impressões com 
os pais à medida que elas se tornam mais claras para mim. Elas servem de ponto de 
partida para sua própria reflexão a respeito dos fenômenos que focalizamos. 
 
 
 123 
 
 
Em geral, através de minhas intervenções, procuro promover novas possibilidades 
existenciais na medida em q~e trabalho com o outro a transformação de seu projeto.LO 
conhecimento que o cliente traz é valorizado, e é a partir dele que minhas falas terão ou 
não sentido. Por outro lado, para que seja eficiente, a intervenção deve pertencer ao campo 
de possibilidades do cliente, margeando aquilo que ele não compreende, uma vez que, se 
estiver distante deste campo, ela poderá não ser compreendida ou ser recusada por ele. 
Uma vez realizado este roteiro, tenho uma imagem da criança e do relacionamento 
familiar. Explicito esta imagem para mim mesma e para os pais. Por enquanto, ainda não 
conheci a criança, e esta imagem se dá a partir dos relatos dos pais aliados à minha com 
reensão, sempre compartilhada e discutida com eles. 
No caso de J., através da anamnese, os pais contam que a gravidez foi muito 
desejada, embora tensa, uma vez que antes de cada gravidez a termo a mãe sofreu 
abortos para os quais os médicos não haviam encontrado explicação. A mãe que, na 
primeira sessão, se queixara de estar sozinha para educar os filhos e lidar com os 
problemas do dia-a-dia, mostra que não gosta de interferências familiares quando se 
defronta com uma situação difícil, preferindo em geral resolver seus problemas sozinha. 
Noto portanto uma incongruência, que aponto, entre o que ela sente e como lida com as 
situações. O pai, examinando sua própria forma de se comportar diante de situações 
difíceis, nota que é menos "corajoso" que a mãe, 
. precisando da aprovação dos outros quando se trata de tomar uma decisão. O parto foi 
cesariana, e a mãe ficou muito desconfiada em relação ao anestesista e ao médico que não 
eram aqueles com os quais estava acostumada. 
Outros episódios do desenvolvimento da criança revelam superproteção, muita 
ansiedade materna quanto à confiança na capacidade do filho de resolver certas situações, 
controle decorrente desta falta de confiança, participação do pai quando as crianças estão 
pequenas mas seu afastamento em função 
 
 
124 
 
 
de sobrecarga de trabalho passados os primeiros meses. Ainda de acordo com essa 
descrição, o filho tem algumas necessidades de criança pequena (bichos de pelúcia com os 
quais dorme até hoje), ao mesmo tempo em que mostra interesses e capacidades de uma 
criança maior. 
Antes de conhecer a criança, há mais um aspecto que é importante trabalhar com os 
pais: é o que diz respeito às informações forneci das à criança quanto ao trabalho que está 
sendo desenvolvido e do qual ela irá participar. 'Muitas vezes os pais não conseguem dizer 
ao filho por que estão consultando um psicólogo. Têm medo de contar-lhe que proçuraram 
um psicólogo para falar dele e por que o fizeram.' Imaginam que a explicitação daquilo que 
os está movendo possa fazer com que ele "piore", se "sinta diferente". Esquecem, 
entretanto, que suas preocupações estão presentes no cotidiano, na forma de lidarem com 
o filho, nas observações que fazem a respeito dele, nas exigências várias vezes repetidas e 
nem sempre cumpridas pela criança. Tudo isso faz com que, mesmo que ela não consiga 
expressar claramente, e da mesma maneira que os adultos, quais as preocupações a seu 
respeito, a criança perceba, no dia-a-dia, em sua relação com eles, com os professores e 
colegas, que algo está acontecendo, tendo sua própria compreensão a respeito. 
Muitas vezes, a dificuldade dos pais de conversarem abertamente com o filho a respeito 
do trabalho com o psicólogo revela sua forma de relacionar-se com a criança e com o 
psicólogo, devendo ser explicitada. 
A partir do momento em que o psicólogo entra em contato. 
com a criança, as sessões com os passo alternadas. Este procedimento tem por objetivo 
compartilhar pãri-passu com ela e com os pais as. observações a respeito do filho. Não se 
trata de chegar a conclusões mas de enriquecer a compreensão que cada um tem da 
criança a partir de outro ponto de vista, de outro ângulo. 
Algumas vezes, a partir da observação da criança, é necessário pesquisar mais 
amplamente certos aspectos da vida 
 
 125 
 
 
 
e do relacionamento que pareceram irrelevantes até este momento, seja porque os pais 
não se referiram a eles, seja porque, embora tenham sido relatados, o contato com a 
criança levou a pensar em outras possibilidades de compreensão. 
Na medida em que, para conhecer a criança, o psicólogo recorre a certos instrumentos 
(testes, observações) que pertencem a um cabedal de conhecimentos técnicos, é 
importante que cada instrumento utilizado seja discutido com os pais, e que se expliquem 
seus pressupostos teóricos e de que forma o psicólogo chegou às suas próprias 
observações. 
É indispensável que se proceda dessa forma para que os pais possam compreender 
melhor os referenciais do psicólogo e participar das decisões a respeito dos aspectos a 
investigar para esclarecer o que se passa com a criança. rAs explicações a respeito dos 
instrumentos utilizados também servem para desmistificá-Ios, contextualizá-Ios, mostrar 
que eles representam mais uma possibilidade de enfoque do que uma verdade absoluta. 
Penso nos pais que vêm em busca do Quociente Intelectual (QI) do filho para que eles 
e a escola possam tomar decisões a respeito do encaminhamento desta criança. Sabemos 
que cada teste de nível intelectual se baseia num conceito particular de inteligência e que 
não há consenso a respeito do que seja este fenômeno. A partir da visão psicométrica, 
esses aspectos foram relegados a um segundo plano e tendeu-se a considerar os 
resultados obtidos de forma absoluta 7. Hoje, a noção de QI está vulgarizada e a tendência 
do leigo é valorizar os resultados dos testes. Cabe então ao psicólogo esclarecer os pais 
sobre esses aspectos, contextualizando os resultados obtidos pela criança. 
Desta forma, é preciso que as entrevistas com os pais tenham um conteúdo 
pedagógico, uma vez que eles não são 
 
 
 126 
 
 
 
obrigados a conhecer a cultura e os instrumentos da Psicologia. Se consideramos 
importante que eles participem do trabalho, esta participaçãoprecisa ser feita a partir de 
bases comuns. É claro que, o psicólogo deve ser capaz de adequar sua linguagem ao nível 
sócio-econômico-cultural dos pais, de forma a se fazer compreender por eles. Cabe a ele 
fazer uma espécie de tradução dos conceitos teóricos numa linguagem acessível, 
certificando-se de que sua comunicação está fazendo sentido para os paIs. 
O trabalho de muitos anos com clientes de clínicas-escola, em geral pessoas menos 
favorecidas sócio-econômico-culturalmente, ofereceu-me um excelente treinamento, já que 
para compartilhar minhas impressões com os pais, tive de desenvolver uma linguagem 
acessível e próxima à vivência deles. Esse tipo de tradução só é possível quando a teoria 
está bem integrada, e tem-se um bom domínio dos instrumentos utilizados. Caso contrário, 
o profissional apenas consegue reproduzir chavões que pouco têm a ver com a 
experiência, seja sua, seja do cliente. 
No caso de J., quando compartilhei com os pais as observações a partir da utilização 
dos desenhos, a mãe me conta que o filho lhe disse que estava fazendo o contrário do que 
é: no desenho da família, ele desenhou todos pequenininhos, acho que ele não quis 
mostrar como é a família dele de verdade, ele falou tudo ao contrário do que a gente faz em 
casa. Diante de minha solicitação para que reflitam a respeito do que o filho quis dizer com 
isso, a mãe diz na hora que ele me contou eu pensei que era, como ele não tinha muito 
contato com você, ele quis escamotear uma informação, mascarar. E o pai: a gente parou 
um pouco para pensar, ver o que é a família dele para o J., porque no dia-a-dia a gente não 
se preocupa muito com isso, né, então será que a gente não tá enchendo muito o saco dele 
com NOSSOS programas? Depois que lhes apresento o meu modo de compreender o que 
se passa, que coincide em parte com 
 
 127 
 
 
 
o do pai, a mãe concorda comigo, e admite rever sua própria interpretação. 
Nesta entrevista, ela volta a trazer sua preocupação com a possibilidade de o filho ser 
efeminado em conseqüência da forma como o trata: Porque eu sempre fui muito carinhosa 
com ele e ele comigo, agora que ele tá mais chegado com o pai e, na minha família, todo 
mundo ficou falando que eu tava deixando ele muito... maricas, ficava muito em cima, 
beijando, porque eu gosto, e de repente, eu dei uma parada... sabe... de soltar, pra ele se 
virar, então eu sinto também que ele sente isso. 
 
Posso utilizar minhas percepções da criança e minha interpretação de sua produção 
no teste, que não revela dificuldades de identificação sexual, para explícitar isso e mostrar 
como a expectativa do pai, baseada num estereótipo de masculinidade, contribuiu para que 
compreendesse as necessidades de afeto do filho como desvio da identidade sexual, 
levando a atitudes repressoras, impedindo o filho de se manifestar livremente, expressando 
seu afeto e sensibilidade. Desta maneira, a partir das trocas de impressões, tanto eu como 
os pais podemos reinterpretar algumas situações, enriquecendo nossa compreensão da 
criança. 
Refletindo a respeito deste trabalho, me ocorre uma imagem: tanto psicólogo como 
cliente estão organizando um quebra-cabeças, contribuindo com peças diferentes, para 
chegar à constituição de uma imagem comum. Esta imagem vai se construindo ao longo do 
processo e os aspectos que nela serão mais nítidos dependerão da colalJoração dos pais, 
dos conhecimentos do psicólogo e da interação entre ambos. 
Aqui se apresenta um outro aspecto que diz respeito ao sigilo e ao respeito que o 
profissional deve ter em relação às partes envolvidas: pais, criança. Não se trata de contar 
a uns e aos outros O QUE os pais ou a criança fizeram ou disseram, mas de procurar 
descrever COMO compreendemos os comportamentos que nos aparecem. O psicólogo 
compartilha com 
 
 128 
 
 
 
os pais sua experiência com a criança a partir das situações propostas para favorecer a 
observação de como esta última se relaciona consigo mesma, com os outros e com o 
mundo. 
A partir das conversas com os pais e do conhecimento da criança, ainda durante o 
psicodiagnóstico, o psicólogo pode sugerir alternativas de ação para os pais. No caso de J., 
que era uma criança sem nenhuma autonomia, cujos pais não lhe permitiam passar. um 
final de semana longe deles, alegando ser ele muito pequeno para isto, depois de 
esclarecer seus medos, de mostrar a capacidade da criança, orientei-os a dar mais 
autonomia ao menino, confiando em sua capacidade para resolver problemas. 
Também a partir da compreensão da dinâmica familiar, o psicólogo pode dar sugestões 
a respeito do que considera capaz de promover um desenvolvimento mais harmonioso. 
Novamente no caso de J. pude mostrar uma identificação do menino com o pai, também 
uma pessoa muito sensível, que gosta de música clássica e possui muitos livros de arte, 
mas que, em função de um estereótipo de masculinidade, não conseguia aceitar estas 
características do filho, e não permitia que ele se expressasse livremente. Sugeri ao pai que 
criasse oportunidades de maior proximidade do filho, levando-o para programas de 
interesse comum. 
Desta forma, o psicodiagnóstico fenomenológico-existencial envolve um trabalho de 
redirecionamento dos pais a partir da compreensão da criança e da dinâmica familiar, com 
o objetivo de facilitar o relacionamento, propiciar novas formas de interação e abrir novas 
perspectivas experienciais. 
 
A repercussão sobre os pais 
 
Muitas vezes, ainda durante o processo, os pais começam a experimentar novas formas 
de relacionamento com o filho, e suas vivências podem ser trabalhadas com o psicólogo. 
Freqüentemente, referem-se a mudanças de atitudes. A extensão, 
 
 129 
 
 
 
e o tipo dessas mudanças, podem servir de indicadores para a flexibilidade dos pais, sua 
capacidade para prosseguir sozinhos ou a necessidade de encaminhamento psicoterápico 
uma vez encerrado o psicodiagnóstico. 
Retomo aqui frases da mãe e do pai de J. que me parecem esclarecer bem o que 
acontece: [A mãe] Eu sinto assim, depois que eu vim aqui, a gente vai conseguindo 
perceber mais, que quando você tá naquela rotina, você se envolve, não vê, eu sinto que 
agora tou mais sensível, presto mais atenção. [O pai, em outro momento] Eu acho que foi 
resultado deste trabalho... Mudou minha ótica. Eu tinha muito... medo do J. ficar um menino 
mais efeminado... pelo ritme dele, porque ele é um menino meigo, sensível etc. Hoje eu 
consigo enquadrar melhor, depois desses nossos contatos, (; eu acho que meu 
relacionamento com ele melhorou 500 pOl cento depois que estive aqui, tá mais solto 
entende, ficavc. muito em cima dele, agora tou deixando... pra mim tá maiJ claro, eu tou 
mais calmo, mais tranqüilo agora, depois desse. 
Eles se referem também a mudanças de atitudes do filho que está decidindo mais, 
defendendo seu próprio espaço, s relacionando mais com os meninos da vizinhança. 
O pai está se aproximando do filho. Nas palavras d mãe: Então, eu acho que tinha aquela 
distância, então (nuripasseio ao Playcenter) ele viu que o pai grita, que tem med~ 
Foi ótimo. Dela mesma diz: Agora eu me sinto mais segurj para tratar com ele.Olhando 
retrospectivamente para o processo, na últisessão, o pai se refere a eJe como um repensar, 
um chacoalhã acordar para algumas coisas e tentar rever algumas coisa A mãe diz: Para 
mim foi importante porque eu fiquei ma segura, eu tava tremendamente insegura, não que 
eu to segura agora, mas certas atitudes eu tomo assim, mais firm né, eu tou procurando ser 
menos rígida. 
 
 130 
 
 
Quanto à mudança de escola, que motivara a busca do atendimento, decidiram manter 
o filho naquela que já freqüentava, uma vez que já estava adaptado a ela, não revelava 
nenhum desejo de mudar-se de lá e que eles estavam satisfeitos com o ensino 
proporcionado. Perceberam que não havia necessidade de outro tipo de escola e .que eles 
mesmos podiam propiciar uma série de oportunidades de desenvolvimento extra-escolar ao 
filho. que, de fato, confirmou um elevadopotencial intelectual e grande talento para 
desenho. 
Embora eu tenha me detido sobre o caso de J. para facilitar minha exposição, posso 
citar várias outras falas de pais que vão nesta mesma direção. 
Em geral, referem-se ao processo pelo qual passaram como uma oportunidade para 
prestar atenção, perceber e pensar sobre o que está acontecendo. 
Para o pai de L. - um menino de 8 anos que atendi no consultório em 1989 -, as 
sessões foram importantes porque o levaram a perceber que sua forma de se relacionar 
com o filho repetia a forma como ele mesmo havia sido educado pelo pai. Embora 
continuasse a pensar que esta era a maneira adequada de educar um filho, pôde perceber 
que os tempos haviam mudado. Ao abrir-se mais para as necessidades de seu filho, 
conseguiu aproximar-se dele. Enfatizou também que só conseguira aceitar o que eu lhe 
dizia porque você não falou coisas estranhas; partimos daquilo que eu mesmo dizia e 
abrimos perspectivas que tinham sentido. É importante ressaltar que, embora a iniciativa de 
procurar um psicólogo tivesse partidó da mãe de L., seu pai participou de todas as sessões, 
apesar de dizer no início que não acreditava nesse tipo de trabalho. ".' 
 
F ollow up 
 
Concluídos os psicodiagnósticos, após um intervalo de seis meses a um ano, realizei 
sessões de follow up com pais. 
 
 131 
 
 
que haviam participado deste processo. Pude então observar um fenômeno interessante: 
freqüentemente, apesar de ter havido encaminhamento da criança para psicoterapia com 
outro profissional, esta não havia sido feità. Os pais justificavam sua decisão dizendo que o 
psicodiagnóstico havia sido suficiente para resolver o "problema" que motivara a busca do 
atendimento. 
Em outro caso, a mãe decidira tratar-se primeiro já que como sou eu quem educo 
meus filhos, achei que era mais importante eu fazer terapia primeiro, inclusive para não es-
tragar o trabalho que seria feito com meu filho. Ao contrário daquela, uma mãe a quem 
sugeri psicoterapia me disse: Em relação à psicoterapia que você indicou, achei melhor eu 
me modificar, eu já tinha sentido que estava me abrindo mais enquanto nós conversávamos 
e resolvi prestar mais atenção para as coisas não voltarem ao que eram. 
Penso que, muitas vezes, o encaminhamento para psicoterapia revela resquícios da 
visão tradicional de psicodiagnóstico, assim como insegurança quanto à continuidade das 
mudanças observadas durante o processo. 
Em outras oportunidades, houve encaminhamento para psicoterapia e esta foi 
realizada. 
Atualmente, inclino~me a deixar que os pais decidam se sentem necessidade de um 
encaminhamento para si mesmos e para o filho. Também me coloco à disposição deles 
para contatos posteriores, após o encerramento do trabalho e passados algum tempo. 
Percebo que esta abertura é importante na medida em que permite, após algum tempo, que 
os pais e a criança se debrucem novamente sobre sua experiência a fim de sentir como 
estão. 
 
Posso então dizer que minha experiência com esta forma de trabalhar, elucidando a 
pergunta (queixa) trazida pelos pais, conhecendo. com eles os momentos expressivos do 
desenvolvimento do filho e de sua relação com ele, compartilhando minha própria 
compreensão da criança a partir de seu contato 
 
 132 
 
 
 
comigo, oferece-Ihes oportunidades para rever sua maneira de se relacionar com o filho, 
perceber novos sentidos possíveis para as situações de interação com ele, reformulando 
sua forma de exercer seu papel e, às vezes, seu desenvolvimento enquanto pessoas. 
Pude observar que, dependendo de suas possibilidades para se modificarem, de sua 
plasticidade, em outros termos, o psicodiagnóstico é muitas vezes suficiente não havendo 
necessidade de atendimentos psicoterápicos posteriores. É claro que isso não acontece em 
todos os casos. Também é possível que, passado algum tempo, quando os pais são 
chamados para o follow up, percebamos que nossa atenção e a deles estiveram 
focalizadas em certos aspectos que os preocupavam na época, mas que, após certo tempo, 
e mesmo havendo mudanças na dinâmica familiar, neste momento são outras queixas que 
são valorizadas, o que pode levar a reencaminhamentos. 
É o caso de c., menino de 7 anos, cuja mãe havia procurado o setor de superdotados 
da Clínica Psicológica Objetivo, encaminhada pela professora que o considerava muito 
adiantado para a primeira série e pensava num possível adiantamento escolar. Na ocasião, 
pudemos compreender que os comportamentos apresentados por C. na escola (problemas 
de disciplina, faz só o que quer, o que acha interessante) e em casa (um pouco manhoso, 
dá impressão que qualquer coisa que faça não se gosta dele) tinham por finalidade chamar 
a atenção dos pais que trabalhavam fora o dia todo enquanto as crianças ficavam aos 
cuidados da avó. Esta tinha preferência pelo irmão menor e exigia que as crianças ficassem 
quietas enquanto estivessem em sua casa. Quanto à possível superdotação, notei que C. 
tinha uma memória privilegiada e interesse pelo mundo circundante, o que dava a 
impressão de que era mais capaz que os outros. C. apresentava necessidades lúdicas não 
satisfeitas, preçisava da companhia dos pais que pudessem proporcionar-lhe mais 
possibilidades de atividades. Essas observações, compartilhadas com a mãe ao longo do 
psicodiagnóstico e com as quais ela concordava, permitiram-lhe privilegiar 
 
 133 
 
 
 
o contato com os filhos. Ela decidiu reorganizar seu horário de trabalho para poder ficar 
com eles mais tempo durante a semana, oferecendo-Ihes mais oportunidades para estarem 
com outras crianças e brincarem livremente. 
Na entrevista de follow up, um ano depojs, ela dizia que, no que diz respeito à escola, 
C. mostrava-se mais satisfeito, mas o que a preocupava mais neste momento era uma 
bronquite asmática cujas crises estavam sendo freqüentes. De fato, durante o 
psicodiagnóstico, a mãe havia se referido rapidamente a crises de bronquite que a criança 
havia apresentado quando menor mas que haviam diminuído com o tempo, chegando a 
desaparecer. Desta forma, a bronquite parecia um problema ultrapassado e não havia sido 
valorizada, nem pela mãe, nem por mim. Um ano depois, entretanto, a bronquite aparece 
como o centro das preocupações da mãe. Assim, as insatisfações da criança no que diz 
respeito à falta de atenção podem ser re-significadas, levando a uma indicação de 
psicoterapia. 
Ocorre-me que, na medida em que o psicólogo, neste trabalho, respeita o ritmo dos 
pais e sua forma de se referir à vivência, sua atenção pode estar focalizada nos aspectos 
por eles escolhidos, não vendo outros possíveis. Mas não sejamos onipotentes, nem 
pensemos que o psicólogo pode e deve perceber tudo o que está acontecendo com o 
outro. Sempre existem limitações, seja do paciente, seja do psicólogo. O importante é estar 
disponível para percebê-Ias e procurar lidar com elas. 
 
 134 
 
 
 
 
 
 
 
O PSICODIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO E OS DESENCONTROS POSSÍVEIS 
 
Christina Menna Barreto Cupertino* 
 
'I 
 
Uma das dificuldades que encontramos no exercício da nossa profissão é o 
distanciamento entre teoria e prática. Ela tem a ver principalmente com o status, pregresso 
e atual, da psicologia enquanto ciência. 
Qualquer psicólogo experiente, nos dias de hoje, percebe que muito do que se passa no 
contexto cotidiano do atendimento não encontra eco em nenhuma das abordagens teóricas. 
E não é porque estas sejam poucas, ao contrário. Aproximações descritivas e/ou 
explicativas para os comportamentos humanos proliferam, em diferentes direções, desde 
que a psicologia se constituiu, buscando o status de ciência. 
Assim como não conseguimos encontrar teorias que dêem conta de parte dos 
fenômenos. humanos observados na prática, o inverso também acontece. Ê conhecido o 
argumento de que "não existem os casos de livro", ou seja, pessoas reais, típicas que 
sejam, que reproduzam em suas vidas mecanismos ou perfis descritos teoricamente. 
 
 
 35 
 
 
 Tal argumento é curioso, na medida emque reflete o fato de que, em suas tentativas 
de exemplificação dos fatos . estudados, os teóricos geralmente relatam os aspectos que 
corroboram aquilo que querem demonstrar. Isso faz parte do procedimento usual de quem 
faz a ciência "normal". 
O avanço na compreensão dos fenômenos psíquicos vem passando pelos mesmos 
processos das demais ciências. O alienista de Machado de Assisl, fornece-nos um exemplo 
interessante de duas dessas etapas. Na passagem, o personagem central, Simão 
Bacamarte, e o vigário comentam o recolhimento à Casa Verde de um "rapaz bronco e 
vilão, que todos os dias, depois do almoço, fazia regularmente um discurso acadêmico, 
ornado de tropos. de antíteses, de apóstrofes, com seus recamos de grego e latim". 
Inconformado, o padre Lopes encontra para si mesmo a ex~l~cação, para ele. situada 
em algum lugar entre um paradigma relIgIOso e um racional: , 
Quanto a mim, (...) só se pode explicar pela confusão i de línguas na torre de BabeI, 
segundo nos conta a Escritura; ~ provavelmente, confundidas antigamente as línguas, é 
fácil trocá-Ias agora, desde que a razão não trabalhe (grifo meu). ..', Responde a ele o 
alienista, por sua vez a partir de uma,. perspectiva ditada pela capacidade e neutralidade 
da razão' 
humana: 
Essa pode ser, com efeito, a explicação divina do fenômeno, (...) mas não é impossível 
que haja também uma razão humana, e puramente científica... 
Essas afirmações retratam, em romance, as tendências explicativas de duas visões 
diferentes sobre o desencadeamento de acontecimentos psicológicos. Sabemos também, 
atualmente, que o próprio paradigma racional e seu padrão de funcionamento - teoria, 
experimento, confirmação - estabeleceu na psicologia 
 
 
 136 
 
 
 
uma outra torre de BabeI, criando uma extensa variedade de discursos, com suas 
correspondentes investigações confirmadoras, distanciando-se da possibilidade de 
compreensão daquilo que "não encaixa". 
É muito difícil encontrar relatos que analisem aspectos discrepantes de um mesmo 
fenômeno. Quando isso ocorre, em geral acontecem dois movimentos: ou observamos 
alterações e inserções na teoria, que "forçam" o fenômeno para dentro dela, ou atribuímos 
o "fracasso" à falha na reprodução das condições ideais para que de fato ocorresse o que a 
teoria prognosticava. 
Esses movimentos originam-se na própria constituição da psicologia enquanto 
ciência. A peculiar condição pela qual produtor do conhecimento e objeto de estudo se 
confundem cria uma série de problemas que vêm sendo enfrentados ao longo do tempo, 
produzindo diferentes configurações paradigmáticas. 
 
Desde que a ciência moderna passou a considerar o sujeito de que falamos, por sua 
racionalidade, a fonte de todo conhecimento possível, a abordagem de sua relação com o 
mundo visou condições de "assepsia" que tornassem sua produção compartilhável e, acima 
de tudo, digna de confiança. 
A fenomenologia husserliana reproduz em parte esse esforço, ao sugerir um método 
rigoroso para o estudo dos fenômenos. Conduz, ao mesmo tempo, a uma radical refor-
mulação, ao derrubar o mito da neutralidade científica. A partir dela consideramos a relação 
indissolúvel entre sujeito e objeto, definida pela intencionalidade.o psicodiagnóstico 
fenomenológico e os reflexos dessa reformulação 
Os efeitos deste modo de abordar os fenômenos são claramente sentidos no contexto do 
psicodiagnóstico, ao proporcionar uma redefinição das relações entre cliente e profis 
 
 137 
 
 
 
sional, que envolve a localização do poder, a delimitação dos papéis e das tarefas a 
executar. 
Basicamente, as condições possibilitadoras do psicodiagnóstico nesta abordagem 
pressupõem alguns requisitos, calcados na conceituação geral que norteia a posição 
fenomenológica. 
Segundo o conceito husserliano de intencionalidade, a consciência é sempre 
consciência de alguma coisa, e os objetos intencionais não existem a não ser para a 
consciência que os apreende. 
Sujeito e objeto estão, dessa forma, situados um a partir do outro, constituindo-se 
reciprocamente o tempo todo. Não há o sujeito como observador de uma realidade objetiva 
da qual se encontra distante, mas sim um sujeito que experiencia o mundo, atribuindo 
significados e sendo por ele constituído. Isso faz com que qualquer forma de conhecimento 
sobre uma pessoa deva levar em consideração seu contexto particular de vida. A unidade 
de estudo, então, é o ser-no-mundo, o homem contextualizado, em relação com o ambiente 
e com aqueles que o cercam. 
As afirmações acima nos conduzem, dentro do contexto do psicodiagnóstico, à 
reflexão sobre a qualidade da participação do cliente em seu próprio processo de avaliação, 
bem como a uma análise do papel do psicólogo e da situação na qual pode ocorrer um 
trabalho desse tipo. 
A compreensão à qual o psicodiagnóstico se dirige decorre do encontro entre os 
participantes, uma vez que os consideramos duas pessoas situadas uma em relação à 
outra. 
Psicólogo e cliente se envolvem, a partir de pontos de vista diferentes mas igualmente 
importantes, na tarefa de construir os sentidos da existência de um deles - o cliente. Nesta 
medida, o psicodiagnóstico não se presta apenas a preencher as necessidades de 
compreensão do psicólogo, com a conseqüente definição da patologia e indicação de 
medidas terapêuticas. Deve servir, principalmente, aos interesses do 
 
 
 
 138 
 
cliente, na medida em que a compreensão terá efeitos em sua vida, propiciando 
transformações. 
Assim, enquanto esperamos do psicólogo uma postura mais "democrátiCa", colocando-
se como um dos elementos da relação, desejamos que o cliente esteja disposto a cooperar, 
abrindo-se para essa intervenção. 
A situação de atendimento constitui-se em espaço para a produção de significados 
múltiplos hierarquicamente semelhantes sobre um mesmo tema. É imprescindível que estes 
sentidos sejam partilhados para que se insinue alguma compreensão. O consenso, no 
entanto, não é obrigatório, desde que as partes tenham se deixado afetar pelas 
possibilidades levantadas dos dois lados. 
Ao psicólogo cabe avaliar constantemente a relação, com o intuito de trabalhar com o 
movimento do cliente de colocar-se em suas mãos passivamente e a tendência 
complementar de realmente aceitar essa entrega. Ao cliente cabe o trabalho inverso, que é 
o de reconhecer sua própria responsabilidade para o sucesso deste esforço conjunto, 
considerando e maximizando suas próprias possibilidades de entendimento e de 
transformação. 
Esses acordos são efetuados explicitamente, no início do atendimento. Todo o 
processo é compartilhado entre psicólogo e cliente, a começar pelo contrato de trabalho. 
Este é discutido, delimitando desde o motivo da procura para aquele atendimento 
específico até quais as condições de tempo, espaço e custo dentro das quais ele vai 
acontecer e quais os aspectos que devem ser avaliados. "A origem da avaliação deveria 
ser uma decisão contextual e compartilhada, baseada sobre a experiência que psicólogo e 
cliente têm um do outro"2. 
Mas, acima de tudo, eles vão sendo retomados, assumindo novas configurações ao 
longo do processo. Através dele, o 
 
 139 
 
 
 
cliente toma consciência de que é um participante ativo e de que todos os dados por ele 
fornecidos lhe são devolvidos, associados a discussões que possibilitam re-significar os 
modos de funcionamento apontados, optando ou não por uma maneira de redirigir sua vida. 
Isso é possível pela constatação, em conjunto com o psicólogo, de como ele "está 
sendo-no-mundo", nesse momento específico. Os reposicionamentos na relação e o 
compartilhar dos resultados tornam isso possível, o que é diferente da postura cristalizada 
de colocar-se nas mãos de alguém que sabe mais, que vai tomar conta de tudo e resolver o 
problema. 
Ao abrir caminho para um relacionamento mais igualitário com o cliente, o profissional 
proporciona a si mesmo a possibilidade de modificação de seus pontos de vista, 
semelhante àquela disponível para o cliente, e seestabelece entre os dois um interjogo de 
trocas em diferentes níveis que pode favorecer o crescimento de ambos.o que acontece 
não é sempre o que gostaríamos 
 
o que foi acima descrito refere-se à atitude esperada diante da tarefa do 
psicodiagnóstico fenomenológico que, em geral, transcorre sem problemas, sendo atingidos 
os objetivos propostos sem maiores dificuldades. Quer dizer, o cliente sai, ao final do 
processo, re-situado em sua maneira de agir e concluirá novos arranjos possíveis dos 
fatores que podem estar contribuindo para suas dificuldades atuais, ou para as dificuldades 
apresentadas por seus filhos, no caso dos pais. Como se chega a um encaminhamento em 
conjunto, os clientes demonstram maior clareza quanto às razões que têm para f segui-!o, 
compreendendo para que serve e para que precisam dele. E possível esclarecer formas 
específicas de funcionamento,bem como qual tipo de atendimento é o mais indicado para " 
trabalhar a dificuldade trazida, se houver necessidade de algum. . O cliente aprende mais 
sobre si mesmo, e sobre o processo 
 
 140 
 
 
 
 
de um atendimento psicológico, através dessa vivência particular. Apesar de ser diferente 
do contexto terapêutico, o contato entre cliente e psicólogo propicia ao primeiro estender o 
conhecimento adquirido nesta situação para as eventuais outras de que venha a participar 
futuramente. 
No entanto, ao longo de anos de prática, é possível perceber que nem sempre isso 
acontece. Existem ocasiões em que o processo se desgasta, por alguma razão, e não é 
possível chegar a uma compreensão conjunta da situação. Tal fato acontece, no contexto 
do diagnóstico infantil, com relação ao nível de cooperação possível entre o psicólogo e os 
pais. Há casos em que, apesar dos esforços de todos, essa cooperação, a partir de 
determinado momento, deixa de existir, prejudicando o andamento da avaliação como um 
todo. E há também casos em que esse esforço para uma compreensão conjunta nem 
chega a existir. 
Tais momentos causam insatisfação para nós enquanto profissionais, pois, apesar de o 
processo psicodiagnóstico ter sido percorrido, não conseguimos nos fazer entender pelos 
clientes nem tampouco compreendê-Ios adequadamente. Ficamos com a sensação de que 
o conhecimento adquirido acabou não servindo a ninguém, pois seu principal destinatário 
não conseguiu fazer uso dele. Em geral, ficam a frustração e o sentimento de fracasso. 
Quando um momento destes acontece, percebemos duas tendências principais. Em 
atitude extrema, atribuímos a falha ao cliente. Dizemos que ele não estava preparado para 
aquilo que iríamos dizer, que estava "resistente", quase como se ele não oferecesse 
condições para o exercício do nosso trabalho. É importante frisar que, dentro desta 
perspectiva, há também o fato, tão conhecido pelos psicólogos e bastante compreensível, 
de que, se as problemáticas trazidas são muito sérias, por vezes o cliente necessita de 
mais de uma opinião ou de algum tempo para que aceite o que se passa. 
Mas mais curiosa é a outra possibilidade, quando observamos que, apesar de 
trabalharmos em uma postura que se 
 
 141 
 
 
diz completamente oposta à visão experimentalista da psicologia, exercemos um tipo de 
crítica baseado quase que na possibilidade de reproduzir situações vivenciais como se 
fossem variáveis passíveis de controle. O movimento por parte de quem avalia tais 
situações é atribuir o insucesso àquele que o praticou, em geral sob a forma de "... se você 
tivesse dito ou feito diferente". A tendência é atribuir o insucesso à deficiência na 
reprodução das condições ideais, numa visão muito calcada na idéia de reprodutibilidade 
em experiências científicas. 
Não que o atendimento não pudesse ser realizado de 
modo completamente diferente, "se" fosse outra pessoa, "se" quem atendeu tivesse dito 
coisas diferentes. De fato, podem ocorrer desacertos ou infelicidades por parte do 
psicólogo, que podem ser atribuídos a vários fatores. No entanto, por vezes isso acontece 
com profissionais competentes e experientes, sem que consigamos chegar a alguma 
compreensão conclusiva a não ser a partir da análise daquela situação específica e da 
convivência e interação daquelas pessoas em particular. Que, de fato, poderiam ser até 
diferentes em outro momento. 
Em vez de imaginarmos o que poderia ter acontecido "se" o atendimento tivesse 
transcorrido de outro modo, podemos tentar entender o que de fato acontece entre os 
participantes 
de um acontecimento deste tipo. Ou, em outras palavras, que tipo de relação pode 
estabelecer-se quando o que não ocorre é a esperada cooperação. Podemos buscar as 
razões que em determinados casos tornam inviável, ou pelo menos difícil de atingir, o 
entendimento necessário para que sejam garantidos minimamente os pressupostos de um 
psicodiagnóstico numa perspecti va fenomenológica. 
Esta análise exige uma forma de pensamento psicossocial, e leva em conta 
basicamente as regras de relacionamento estabeleci das explícita e implicitamente entre 
cliente e psicólogo, enfocadas sob o prisma das negociações entre ambos, para definir e 
preservar seus respectivos papéis durante a interação. Uma vez que as participações de 
cliente e psicólogo são 
 
 142 
 
 
 
 
equivalentes na abordagem fenomenológica, cria-se um campo de interações específico, 
ele mesmo objeto de compreensão. 
Para descrever como esses modos de relacionamento podem encaminhar-se para um 
final insatisfatório, gostaria de comentar um caso em especial, selecionado para análise na 
medida em que se converteu num fracasso paradigmático do ponto de vista do 
psicodiagnóstico fenomenológico, desencadeando a reflexão sobre as possíveis razões 
para que isso houvesse ocorrido. Para tanto, optei por analisá-Io em profundidade, uma vez 
que ficou bastante claro que não foi possível chegar a conclusões que mostrassem que 
estávamos indo pelo mesmo caminho. 
O relato visa apresentar, por meio da análise das posições assumidas pela cliente e por 
mim, as dificuldades de comunicação que foram emergindo, concretizando-se porque o 
caso foi conduzido levando em conta aquilo que era esperado teoricamente: o acúmulo de 
resultados e a conseqüente mudança do ponto de vista dela sobre o filho, a partir da 
cooperação compreendida pelo compartilhar das informações por ambas as partes. A 
descrição passo a passo objetiva demonstrar como as rupturas foram emergindo, e de que 
forma foram sendo tratadas, até o que se considerou um final "fracassado" para o caso. 
 
Análise de um caso 
 
M. procurou na clínica o serviço de atendimento para avaliação e encaminhamento a 
pessoas que se considerem, ou a seus filhos, superdotadas. Veio procurar ajuda porque 
seu filho sempre foi muito mal na escola, e, ao ouvir uma reportagem sobre superdotados, 
começou a imaginar se não seria essa a razão das dificuldades de A. 
O atendimento de A. e da mãe foi realizado em dois meses, e o psicodiagnóstico não foi 
encerrado porque os pais 
 
 143 
 
 
 
não compareceram à última sessão, em que seria discutido o relatório final. 
 
Os contatos iniciais e a definição da interação 
 
o atendimento teve início através de uma entrevista à qual compareceram M. e A. M. 
começou sua apresentação mencionando superficialmente uma série de problemas do 
filho, escolares e pessoais, de doenças, dificuldade de relacionamento etc. Afirmou que sua 
suspeita de superdotação vinha do fato de ter ouvido que muitas vezes a criança 
superdotada tem uma única habilidade, e disse de forma vaga que desde muito pequeno o 
filho tinha habilidade para carros. Já haviam passado por atendimento psicológico, e, 
naquela ocasião, o resultado do trabalho havia apontado um Q! de 35 ou 40, aliado a 
problemas motores e emocionais. A. passou por tratamento durante seis anos, e mostrou 
melhora significativa. 
Havia uma diferença muito grande entre a quantidade de problemas mencionados e a 
possibilidade alegada de superdotação. As evidências para o lado negativo eram muito 
maiores e maispalpáveis do que a tênue habilidade descrita. O que mais perturbou e 
mostrou a incongruência do que ela afirmava foi a visão do menino, que apresentava 
dificuldades aparentes, de postura e expressão, e outras constatadas depois, em contatos 
com ele, de verbalização, fluência, compreensão das questões e raciocínio. Apareceu nesta 
entrevista a ansiedade de M., que tomava a dianteira o tempo todo, não permitindo que o 
filho se expressasse livremente, pois isso derrubaria sua argumentação. Preferiu esconder 
o filho atrás da alegação de um temperamento fechado, como forma de ocultar as 
deficiências. 
Naquele momento ficou evidente para mim que o caso apresentava uma série de 
inconsistências, principalmente a discrepância entre o que a mãe dizia e o comportamento 
do menino ali, naquela hora. Mais presente ainda era o fato de 
 
 144 
 
 
 
que M. havia procurado um serviço de atendimento para superdotados trazendo um filho 
aparentemente deficiente mental. 
A segunda sessão era para complementar de forma mais detalhada os elementos 
trazidos no primeiro contato, e esperava-se maior participação de M. do que minha, na 
medida em que ela é que iria trazer as informações necessárias para situar o problema e 
definir-lhe as dimensões. Isso ocorreu, mas apenas aparentemente. Ela falou bastante, mas 
o que ficou definido e claro foi muito pouco. Praticamente todas as minhas tentativas de 
situar e contextualizar a dificuldade trazida foram rebatidas com uma forte dose de 
ambigüidade no discurso. A partir do que foi dito, eu não conseguia afirmar, ao final da 
sessão, nada de positivo, apenas suposições baseadas em descrições vagas das situações 
vividas. Houve um jogo constante de confundir, de não permitir o confronto, nem que as 
coisas fossem esclarecidas. 
Essa ambigüidade se apresentou de diferentes maneiras. A que mais apareceu foi a 
dificuldade em reconhecer os reais limites do menino. Logo no início M. admitiu que ele tem 
muita dificuldade..., mas, ao longo de todo o relato, sempre que se fazia tal afirmação, era 
imediatamente contraposta a alguma outra que a justificasse. Por vezes havia uma 
constátação clara e assumida de que ele chega até certo ponto, imediatamente derrubada 
pela descrição em que se mostra algo que ele faz que surpreende. De forma geral, essas 
"surpresas" eram extremamente inconsistentes, como por exemplo, no caso da suposta 
habilidade para carros, que mostrou restringir-se ao conhecimento das placas e das cores. 
Não se sabia se ele não fazia as coisas por não querer ou por não conseguir. Muitas vezes 
ele foi apresentado como preguiçoso, outras como vítima de perseguição alheia, muitas 
vezes como incompetente mesmo. 
M. não sabia em quem focalizar tanto as dificuldades como sua origem. Fazia um jogo 
constante de ora assumir para si a culpa do que acontecia (ele tem dificuldades porque nós 
sempre podamos...), ora culpar A. (não faz porque não quer, porque é preguiçoso), ora os 
outros (ele foi muito 
 
 145 
 
 
 
marcado na escola, porque tinha problema de coordenação, então as professoras estavam 
sempre em cima dele...). Outro fator alegado para justificar os insucessos de A. era a inca-
pacidade do observador em perceber como ele é mesmo, o que, segundo ela, ocorreu a 
vida toda, com professoras, médicos e com a psicóloga anterior. Justificava a idéia de que 
ele era perseguido alegando que os problemas dele eram banais, coisas normais de 
criança. Essa perseguição estaria na origem de um "trauma" por escola, explicação que M. 
tinha para a possível fonte de problemas atuais do filho. Além disso, a mãe acreditava que 
a falta de estimulação adequada para aquilo em que ele mostrava anteriormente 
"habilidade" poderia ter gerado tanto os problemas acadêmicos quanto os de relacio-
namento e de comunicação com os outros. 
Quando confrontada com a ambigüidade, tentava livrar-se dela confundindo mais as 
coisas para quem ouvia. Assumia não saber explicar o que acontecia, constatando a 
seqüência dos fatos, mas na posição de quem não sabe por que, em vez de melhorar, só 
foi piorando. Além disso, toda vez que eu apresentava resumidamente o que ela ia me 
dizendo, ou os resultados anteriores, começava de novo a confusão de informações. 
M. parecia precisar da cumplicidade de outros profissionais, para sustentar a ilusão de 
que estava tudo bem com o menino, e de que não só ela não havia notado nada até muito 
tarde: o médico não disse nada..., ou então nunca foi notado nada... etc. Chegou a anunciar 
que eu talvez também não chegasse a nenhuma conclusão, porque o caso era muito 
complexo. No contexto escolar, a família sempre escondeu a produção dele por vergonha, 
por aquilo que os outros poderiam pensar deles. Mencionou a vontade de ter escondido o 
relatório da escola e das professoras, como se pensasse que, se elas não ti vessem os 
resultados, não enxergariam as dificuldades. 
Do ponto de vista da estruturação do campo de interação, meu contato com os clientes 
caracterizava-se como um encontro 
 
 146 
 
 
 
focalizad03 em virtude de nossa opção espontânea por nos encontrarmos com o objetivo 
comum de compreender o que se passava no contexto daquela família, e mais 
especificamente com um de seus membros. Com isso criava-se o espaço para 
interferências mútuas, ao longo de todo o período em que estaríamos reunidos. E a 
sensibilização e influência de uma parte sobre a outra combinavam com a proposta original 
do psicodiagnóstico fenomenológico. 
Um encontro focalizado pressupõe a existência de alguns requisitos para garantir a 
realização da tarefa proposta, como definir quem são os participantes e quais as suas 
intenções, para que todos possam projetar a situação. Essa projeção é determinada pelos 
contatos iniciais, nos quais as informações necessárias são transmitidas. Uma vez 
configurada a situação, estão colocados os limites que a definem tal como deve se 
desenvolver futuramente. Dessa forma cria-se um terreno estável para os participantes, que 
permite que o relacionamento evolua sem grandes contradições. Neste caso, não foi 
imediatamente possível estabelecer este terreno estável, pela impossibilidade de definir 
imediatamente a intenção de M. ao me procurar, o que dificultou o estabelecimento de um 
mundo compartilhado. 
Eu estava ali desempenhando um papel4: o de psicóloga. Neste caso, mais 
especificamente, psicóloga diagnosticadora dos aspectos psicológicos do comportamento, 
dentro de uma abordagem fenomenológica. As regras eram, portanto, bastante claras para 
mim: estavam relacionadas, genericamente, à constituição dos significados dados pelo 
cliente aos problemas trazidos por ele, além dos que fossem surgindo relativos aos 
 
 
 147 
 
eventos acontecidos ou discutidos ao longo de nossos encontros. Na minha maneira de 
pensar, esse era um ponto crucial, a função mesma da avaliação psicológica. 
 Se tomarmos o início da interação como elemento dedefinição do mundo 
compartilhado necessário a um encontro focalizado, fica evidente que a ambigüidade 
demonstrada ao longo dos primeiros encontros, não permitia uma definição clara das regras 
que norteariam a posição da cliente. Isso impedia a formação de uma projeção 
compartilhada. As insinuações de como se desenrolaria nosso relacionamento, quando 
existiam, eram logo refutadas por informações contraditórias. Não aparecia explicitamente 
se M. estava em condições de colaborar, e o que exatamente eu poderia fazer por ela. 
A ausência de condições básicas impediu o estabelecimento de outras, como 
confiança e solidariedade, o que dificultou o andamento do processo como um todo. M. 
havia chegado trazendo uma constatação, definida por avaliação anterior, de que o filho era 
deficiente mental, com problemas emocionais e motores. Em momento nenhum desta 
primeira entrevista ela contestou frontalmente o diagnóstico, e, mesmo assim, minhas 
próprias pré-concepções a respeito do contexto da avaliação psicológica, aliadas ao fato de 
que ela procurou não só este tipo de atendimento,mas especificamente um serviço para 
superdotados, levaram-me a supor a existência de uma dúvida sobre a definição 
anteriormente estabelecida no diagnóstico já realizado. 
Esta dúvida foi assumindo proporções maiores dentro de mim, a ponto de me fazer 
acreditar que M. tinha razão ao relatar sua percepção do filho, como se ela estivesse 
intuindo o que ninguém mais poderia ver. Estabeleceu-se dentro de mim uma divisão 
quanto à forma de encarar o caso, até certo 
ponto necessária dentro do raciocínio clínico. Por um lado, havia a constatação dos 
desencontros entre as diferentes coisas que ela dizia e o confronto destas coisas com a 
imagem do menino. Por outro, havia a possibilidade de que a incongruência 
 
 148 
 
 
 
estivesse na situação mesma, ou seja, A. poderia mesmo ser uma pessoa surpreendente. 
 
Os contatos subseqüentes e a busca de um terreno sólido 
 
Na terceira sessão foi feita a anamnese. Eu entrei para a entrevista imaginando que o 
fato de lidarmos com questões mais específicas pudesse encaminhar melhor o 
delineamento do que anteriormente havia ficado vago. O início da entrevista foi dirigido 
mais à vida anterior dos pais. Optei por esse procedimento com o intuito de determinar a 
especificidade do contexto familiar, e a importância que poderia ter para os pais o sucesso 
ou fracasso futuro dos filhos. Nesta sessão ficou claro que desde o início, a vida familiar 
não foi fácil, e que o problema de A. tinha realmente uma amplitude muito maior do que 
parecia, maior também do que o que M. podia agüentar. Sua forma de significar a 
experiência anterior atenuava essa percepção, com o sentido de tornar o filho mais 
aceitável, ou, pelo menos, mais parecido com o que ela esperava. 
No começo, notava-se uma tênue diminuição na ambigüidade, e os acontecimentos 
foram relembrados com um pouco mais de clareza. M. estava mais relaxada, fazendo até 
algumas brincadeiras. Mas isso ocorreu apenas até a parte do relato em que se falava 
especificamente sobre A. Ao falar dele, retomou novamente o discurso ambíguo, 
apresentando os problemas de modo cuidadoso e gradual. A. passou por sérias 
dificuldades em sua vida. Podemos citar, entre outros, problemas relacionados a fator RH, 
além de fatos como não ter chorado ao nascer, de só sustentar a cabeça com um ano, 
problemas respiratórios, cabeça grande demais, obesidade e falta dos testículos. Ficou 
bastante clara a frustração com relação a ele desde o início, pois logo ele mostrou uma 
passividade que não correspondia ao que era esperado pela mãe: teve um 
desenvolvimento atrasado em geral, não era travesso nem audacioso como ela gostaria. 
Tudo isso foi apresentado aos 
 
 149 
 
 
 
poucos, e de modo fragmentado, como forma de atenuar a gravidade da situação, de 
impedir a formação de uma imagem global do menino. Como se M. pudesse disfarçar o 
resultado final por enfocar um problema de cada vez. 
Como conseqüência, A. foi levado a médicos variados, o que até certo ponto se 
justifica, já que ele foi uma criança realmente doente. Mas a mãe parecia acreditar que, 
com esse procedimento, pudesse transformá-Io naquilo que ela sempre imaginou. Buscava 
um aval técnico que desfizesse a sua percepção de que ele não era nem adiantado como a 
filha, nem normal, independente do que ela fizesse. 
A descrição feita acima dos principais fatos relacionados a esta família permite 
estabelecer algumas associações que podem explicar como M. se situava diante das 
dificuldades. O casal parece ter carregado todo o tempo uma expectativa bastante alta com 
relação ao que seria um filho do sexo masculino, e essa expectativa foi frustrada totalmente 
pela pessoa real do filho. Essa frustração foi grande demais, levando-os a mascará-Ia 
sempre que possível, para si mesmos e principalmente para os outros. O ponto máximo 
mostrou-se quando M. decidiu que a explicação para os comportamentos do filho, ao invés 
de uma deficiência, só poderia ter origem na hipótese oposta, a de superdotação. 
Minhas intervenções nessa sessão foram, em alguns momentos, as usuais para esse 
momento específico da avaliação: esclarecer o contrato e o contexto de trabalho, 
justificando-o; manter atitude exploratória, tentando esclarecer alguns fatos e relacioná-Ios 
com o contexto específico da vida daquela família; resumir e devolver o que eu ia 
entendendo, como forma de verificar essa compreensão, para que a mãe con 
firmasse ou não e prosseguisse. Em outros momentos, tentava controlar a ambigüidade que 
ia tomando contorno, pretendendo organizar o relato confuso. Para isso, às vezes retomava 
e dizia novamente coisas que M. havia falado, com a intenção de situar melhor fatos que 
eram descritos de modo vago. Por vezes pedia sua opinião sobre fatos. e apontava os 
sentimentos 
 
 150 
 
 
relacionados a eles. Nestas tentativas, raramente eu era bemsucedida. 
A principal crença que norteava meu comportamento nesta primeira fase do 
atendimento era a de que M. tinha vindo me procurar porque queria esclarecer algo que 
para ela não estava claro. E que, para isso, algumas coisas deveriam acontecer. Uma delas 
é que ela me contaria o que já sabia, ou como ela entendia o que estava se passando, não 
de forma absolutamente clara, mas que precisasse apenas de ajustes para esclarecer 
pontos obscuros, para mim e para ela. Desencadear-se-ia então um processo de reflexão, 
permitindo a reorganização na forma pela qual vinha pensando a respeito do filho. Neste 
fato estava implícito que ela tivesse alguma compreensão racional sobre o que se passava, 
que quisesse contá-la para mim e que quisesse mudá-la por meio dos esclarecimentos a 
que fôssemos chegando. Este era um pressuposto bastante presente para mim. 
Nossas projeções para a situação eram, portanto, diferentes. Enquanto eu imaginava 
uma situação de esclarecimento e mudança de perspectiva, M. esperava uma série de 
confirmações e respostas que eu não poderia lhe dar. Ela estava, sem dúvida, envolvida e 
mobilizada pela avaliação, mas sua maior preocupação consistia em mostrar, através das 
conclusões a que pudéssemos chegar em conjunto, que estava certa. A esperança dela era 
grande: esperança de que eu dissesse que nada disso estava acontecendo, de que eu 
reconhecesse uma 
falha palpável que pudesse ser remediada, ou de que apontasse uma solução eficaz para 
A. ser como ela queria: se de repente você me disser assim, olha, você realmente estimula 
ele nessa área, que ele vai se dar bem, ou não vai se dar bem... . 
 
Depois da terceira sessão, a mãe passou a invalidar o desempenho adequado do papel 
ao qual eu me propunha, por não concordar com a configuração da situação por mim 
planejada, que ela parecia já ter identificado com muita sensibilidade. Sua ambigüidade 
trazia como resposta, da minha 
 
 151 
 
 
 
parte, uma sensação de estar caminhando sobre um terreno bastante instável, o .que 
levava-me a ter um comportamento vago, ambíguo também, por vezes, como se a 
instabilidade tivesse poder paralisante. Eu sentia que algumas das afirmações que eu fazia 
para mim mesma poderiam ter apenas o caráter de especulação ou idéia pré-concebida, já 
que nada parecia se confirmar no discurso dela. Posteriormente pude identificar esse 
terreno instável como a dificuldade de comunicação que 
já aí se apresentava. O fato de o problema ser maior do que ela poderia agüentar no 
momento incapacitava-a de se envolver numa tarefa que para mim era condição 
fundamental de trabalh(}: a cooperação. E eu continuava trabalhando não só como se esta 
fosse um pressuposto, mas como se existisse. 
Assim, diante da ambigüidade, eu buscava definir uma impressão, quando, ao 
contrário, diferentes modos de expressão eram usados para não permitir que se 
estabelecesse uma impressão única, e sim uma série delas, contraditórias entre si. Como 
eu não conseguia deixar claro qual o real motivo da procura para o atendimento, foi como 
se eu tivesse preferido assumir que o que estava acontecendo é o que usualmente 
acontece neste tipo de relação.A diferença de expectativa levou-me a idealizar sua 
peiformance5. Eu a tomei pelo "cliente ideal", ou seja, reagia a comportamentos quase que 
imaginários, que seriam os esperados em qualquer cliente, perdendo de vista a unicidade 
do comportamento específico dela. Isso fez com que, durante um tempo, eu me limitasse a 
seguir caminhos cegamente, tateando, por não saber em que informação acreditar, se 
naquela que dizia que um cliente se comporta de uma maneira específica - ou seja, vem à 
clínica à procura de algo que posso lhe oferecer, e assim por diante -, ou se na leitura 
 
 
 152 
 
 
 
 
de um outro nível de mensagem que deixava claro que não, que este não era o principal 
intuito dela. 
Ao mesmo tempo, M. utilizava recursos verbais e de comportamento como forma de 
manter o controle da situação de entrevista, para que eu reagisse de modo compatível 
àquele esperado por ela6. A ambigüidade era inegável e evidente, bem como as tentativas 
de manipulação, e ainda ficavam como dúvidas para mim a delimitação da capacidade de 
A., a confirmação ou não dessa suposta habilidade para carros mencionada e a verificação 
das condições do contexto dessa família que haviam feito com que todos aparentemente 
brigassem por tanto tempo para mostrar ao mundo que o menino não era como aparecia 
aos olhos dos que conviviam com ele. Esse último fato fazia-me pensar, por alguns 
instantes, que eles poderiam ter razão, e que era possível que A. tivesse mesmo algum 
recurso que ninguém percebéra e que eles o haviam intuído de alguma forma. O 
psicodiagnóstico era, para mim, o contexto para esse esclarecimento. 
A quarta sessão foi utilizada para complementar os dados da anamnese e o contrato 
para o início do atendimento ao menino. Continuando seu relato, M. mostrou a pseudo 
"união" da família como forma de coibir a liberdade dos indivíduos, pois na medida em que 
eles tinham de andar todos juntos, ninguém podia fazer aquilo que tinha vontade. Isso 
começou então a ser usado por ela como empecilho para continuar vindo, talvez já 
preparando o terreno para uma possível desistência. 
Passou a desvalorizar muito o marido, cuja incapacidade permeava o dito "trauma" de 
escola de A., já que este aconteceu porque ela o colocou na escola cedo demais, por ter de 
trabalhar para ajudar o marido, que, no fundo, ela via como 
 
 
 153 
 
 
 
 
 
 
 
incompetente: eu tinha que ajudar... teve uma época que ele ganhava pouquíssimo... então 
eu tinha que ajudar mesmo. Insinua sutilmente que A. "puxou" todos os defeitos do pai, e 
que o marido era de algum modo culpado pelo que estava ocorrendo, por ser má influência 
ou por colocá-Ia em situações em que ela não podia cuidar adequadamente dos filhos. 
A. teve uma adaptação péssima à escola. Em parte, talvez, porque M. não estava 
convenci da de que queria colocá-Io em qualquer escola, em parte porque sempre foi difícil 
para ele, desde o começo. Ela chegou a admitir isso em algumas passagens: ... sei que foi 
péssimo aluno, desde o maternal, mas logo negava a percepção inicial de que era difícil, e 
justificava o baixo rendimento como preguiça, uma preguiça sem fim... . Era ambígua 
também quanto ao que podia escutar por parte dos profissionais. 
Ao falar do desempenho escolar dele, podia chegar a fazer várias afirmações 
contraditórias em uma única frase, como no seguinte relato: Português ele adora! Eu acho 
que ele escreve até bem. Sabe, não sei... não sei te dizer assim... acho que porque ele 
guardou muito bem palavras... ele sempre 
foi muito bem em ditado... apesar que na parte gramatical ele vai pessimamente. Ele não 
vai bem em... entendimento de texto, porque não lê o texto. Ele vai chutando. E... ai... e 
redação. Realmente ele vai pessimamente mal. Mas porque não lê nada, também. Ele não 
quer ler nem um gibi. Esse vaivém tinha o objetivo de impedir que se estabelecessem as 
relações mais óbvias: ela não juntava as coisas, cada fato era isolado como se não tivesse 
relação com nenhum outro. 
Assumiu claramente o que eu havia imaginado como hipótese na sessão anterior, ou 
seja, a frustração cumulativa quanto ao filho esperado: primeiro achou que era menino e 
veio menina. Depois achou que seria normal e não era. 
Recorria a um raciocínio circular em que não se conseguia definir se ele não estudava 
por ser. difícil ou se era difícil porque ele não estudava. Aparentemente, a aceitação do que 
havia de errado era em parte dificultada por esse tipo de 
 
 154 
 
 
 
raciocínio, que, por exemplo, levava-a a admitir não ter condições financeiras para dar outro 
encaminhamento a A., o que tornaria possível enfrentar a deficiência. Por acreditar que não 
tinha estrutura econômica para ter um filho deficiente, fazia de conta que ele não era. 
Em seu relato por vezes apareciam tentativas de barganha ou negociação, em que ela 
mostrava que aceitaria até menos do que esperava, desde que fosse mais do que 
acontecia de fato. A certa altura, admitiu que não esperava que ele estudasse muito, mas 
que queria que ele fosse... sabe... sei lá, que ele aprendesse algum ofício. Pelo menos. 
Ao final da entrevista exibia um movimento duplo: por um lado, demonstrava esperar 
que eu desse a ela diretrizes precisas sobre como deveria se comportar com o filho, e que 
definisse claramente o que era possível atingir. Isso ela já havia feito na outra avaliação, e, 
mesmo que tal definição fosse possível, ao longo de todo o contato comigo ela demonstrou 
não confiar, em nenhum momento, nos resultados apresentados pelos outros profissionais. 
Ao mesmo tempo, retirava toda esperança de se chegar a uma conclusão, ao afirmar que 
tudo pode ser, nunca é definitivo. 
Minhas intervenções nessa entrevista assumiram um caráter um pouco diferente do 
que havia sido relatado até agora. Persistiam ainda, por exemplo, a devolução resumida 
daquilo que ela acabara de dizer ou perguntas para tirar dúvidas ou situar o problema 
dentro da vida cotidiana da família, numa tentativa de explicitar os valores e sentimentos 
envolvidos. No 
entanto, quando constatei que a ambigüidade era um fato constante e até um jogo para me 
confundir, passei a comportar-me de modo menos vago. Pude então expressar mais 
livremente pontos de vista que eu vinha adquirindo ao longo do contato, com a segurança 
de que não eram meras especulações. Isso aconteceu explicitamente, por exemplo, 
quando eu disse para ela diretamente que A. tinha dificuldade para freqüentar a escola, 
assumindo claramente uma posição diante das evasivas dela e da aparente falta de 
entendimento. 
 
 155 
 
 
 
M. rebatia essas manifestações e, entre outras coisas, dizia que eu estava errada ao 
pensar que A. tinha de fazer esforço para aprender o que era ensinado. Eu não era capaz, 
no entanto, de explicitar que não chegávamos à conclusão sobre o que ela desejava de 
verdade, ou sobre o modo como ela imaginava que eu poderia ajudá-la. Tudo isso me 
imobilizava, na medida em que eu contava com a colaboração de M. para esclarecimento, 
ao mesmo tempo em que proibia a mim mesma o recurso de confiar apenas na minha 
interpretação e na sistematização, por precária que fosse, como dado confiável para a 
compreensão e descrição do menino. O tempo todo eu estava convencida de que a 
compreensão e a descrição tinham de ser comuns. Esta regra era muito clara para mim, 
mas, apesar de explicitada no contrato, não contava com a concordância de M. Aqui, se 
pensarmos que a experiência é constituída da percepção e da interpretação do 
comportamento7, podemos constatar que o último aspecto foi evitado por mim como se 
fosse incompatível com as regras da posição fenomenológica, tal como eu a compreendia 
naquele momento. O que funda mentava minhas atitudes era a crença de que toda e 
qualquer constatação deveria ser colocada em discussão, e de que 
mudanças apenas ocorreriam se se chegasse a alguma com preensão conjunta. Por meio 
destes movimentos constatamos que acontece aqui uma grave dificuldade de 
comunicação, manifestada naminha impossibilidade, neste caso, de esclarecer que estes 
mecanismos estavam ocorrendo. Esta impossibilidade não permitiu o exercício de um dos 
atributos especificos do meu papel naquele contexto, que seria o de perceber e apontar 
eventuais falhas na comunicação que não permitissem o avanço do processo. Esses 
fatores, aliados às próprias características 
 
 
 
 156 
 
 
 
de M., foram importantes para o desencontro estabelecido entre nós. 
A partir daí, o que se supunha no início que deveria ser um trabalho de cooperação 
transformou-se num embate entre opiniões divergentes, o que ficou claro nas sessões 
seguintes, quando eu comecei a adquirir, através do contato com A., um ponto de vista 
mais definido sobre problemas mencionados. Já se manifestava em mim a necessidade, 
que mais tarde se transformaria em armadilha, de eventualmente poder trazer algum 
esclarecimento quando entrasse em contato direto com A. Se a situação de entrevista com 
M. não fosse tão ambígua, essa necessidade poderia ser adiada, na medida em que o 
próprio relato dela serviria de base ou instrumento para a compreensão do caso, ou de 
como ela estava percebendo o filho até aquele momento. Como isso não ocorria, a vontade 
de ver A. surgiu como uma necessidade de "ver a realidade ", como se isso fosse possível. 
Mais tarde, isso veio a criar a situação de confronto entre duas "verdades" diferentes, a 
minha percepção e a dela. 
Como platéia de uma performance, estamos sensíyeis a qualquer pista que modifique a 
forma de tratamento, de resposta que o desempenho do outro gera. De modo geral, 
tendemos a tomar o desempenho como verdadeiro, mas temos a capacidade de perceber 
as pistas que indicam quando ele não o é, mesmo que não tenhamos condições objetivas 
de comprová-lo. Este sentimento esteve presente em mim o tempo todo, e a comprovação 
escorregava pelos meus dedos cada vez que eu tentava alguma forma de verificação. A 
idéia da dupla mensagem8 era freqüente, a sensação de algo que percebemos por meio de 
pistas que não conseguimos explicitar. 
 
 
 
 157 
 
 
 
Estas pistas, segundo Goffman, são mais usualmente a ambigüidade estratégica e a 
omissão, fatos constantes no relato de M. A impressão pode ser desacreditada, sem que a 
expressão seja obrigatoriamente falsa. A falsa impressão mantida pelo indivíduo em alguma 
parte de seu desempenho pode comprometer o desempenho como um todo, ou a 
totalidade da relação, na medida em que joga a dúvida em cena. 
Uma vez que esta foi instalada, a idéia de uma realidade objetiva tomou corpo. A 
análise da minha vivência neste processo demonstra que, quando a minha percepção 
acusava alguma forma de dissonância, a tendência era explicar através de um desencontro 
entre aparência e realidade. A questão da realidade-para-o-outro perdia em importância 
para a busca de um terreno mais sólido que me permitisse compreender a diferença entre a 
expressão emitida e a impressão que eu obtinha. A realidade "externa" parecia ser a saída, 
daí minha necessidade de ver A. o quanto antes: isso me daria um dado no qual podia me 
apoiar. 
A essa quarta entrevista seguiu-se uma sessão com A., para contato inicial. Ele se 
apresentou como um rapaz cordial, educado, mas bastante prejudicado. Bastante grande e 
gordo para a idade, mostrou dificuldades de compreensão, verbalização e encadeamento 
do pensamento, mesmo para perguntas simples, sobre como era seu dia-a-dia, ou como 
imaginava seu futuro. Essas deficiências aparentes fizeram com que o diálogo não fluísse o 
suficiente para ocupar todo o tempo dedicado à sessão, e optei pelo início da aplicação do 
WISC, esclarecendo para A., em linguagem o mais próxima possível da utilizada por ele 
mesmo, essa decisão e de que se tratava o teste. Isso foi explicado à mãe, na saída, 
quando esclareci que estávamos avaliando a capacidade intelectual do menino, que 
parecia ser, no momento, a questão fundamental, e que os resultados seriam discutidos 
com ambos, separadamente, no final desta fase. A. veio ainda mais uma vez para 
finalização do teste, após a qual foi marcada a quinta entrevista com M. 
 
 158 
 
o impasse se instala 
 
Por tratar-se de uma sessão para devolução de informações, nesta quinta sessão o 
esperado era que eu falasse sobre minhas impressões a respeito de A, comparando-as 
com as da mãe dele, de forma a chegar a uma compreensão da criança que levasse em 
conta esses dois pontos de vista. M. ouviu mais do que falou, e, em determinados 
momentos, parecia que essa compreensão estava começando a se estabelecer. Mas isso 
era apenas aparente, pois aqui começou realmente o confronto, quando minhas 
intervenções passaram a ter respostas instantâneas por parte dela, rebatidas 
imediatamente por mim. 
Ela chegou a essa sessão bastante aflita, preparando o contexto, porque ia saber o 
resultado do WISC. Iniciou o discurso se preparando para o que pudesse vir a escutar, 
negociando comigo suas expectativas. Através do relato daquilo que não esperava mais, 
um milagre, expressou de forma confusa e vaga a esperança de que eu resolvesse o 
problema ou dissesse o que ela queria ouvir. Suas afirmações eram impessoais (se der, 
ótimo, se não der, paciência), sugerindo que A pudesse eventualmente melhorar, mas 
insinuando que essa avaliação de fato não iria resultar em nada. Tudo isso foi expresso por 
ela no início, como forma de se fortalecer para aquilo que poderia vir a escutar. Falou 
também que o filho já avisara que não tinha ido bem. 
Descrevi minha impressão sobre A começando pelo contato inicial. Relatei minhas 
opiniões sobre a forma como ele se relacionou comigo, o que me pareceu segurança ou 
insegurança, em resumo, como acreditava que ele devia se mostrar a qualquer pessoa na 
primeira vez em que houvesse um encontro. De forma geral, ao longo dessa sessão foi 
possível perceber que, com relação aos aspectos afetivos e sociais do filho, M. não se 
sentia tão ameaçada, conseguindo falar e ouvir mais livremente, ponderando os 
argumentos nesse sentido e citando vários exemplos que demonstravam que ela estava 
atenta e reconhecia essas dificuldades de A. A situação ficava 
 
 159 
 
 
 
diferente quando se tratava do desempenho acadêmico ou do limite de entendimento que 
ele podia apresentar. Nesse caso, ela assumia uma atitude defensiva de negação ou de 
aparente falta de compreensão do que se dizia, insistindo em uma imagem que não se 
sustentava diante do contato com o menino. 
Ao devolver os resultados do teste, utilizei-os como forma de confirmar coisas que ela 
mesma já me havia dito anteriormente. No entanto, era óbvia minha opção por apenas uma 
das inúmeras hipóteses que ela havia levantado para explicar o que se passava com A., a 
saber, a da deficiência, da limitação. A partir dessa escolha, passei a emitir de forma 
definida opiniões sobre essas limitações, como por exemplo o 
. fato de que a escola era uma coisa bastante difícil para ele, se partíssemos da premissa 
de que ele tinha capacidade intelectual bastante abaixo da média. Durante toda a sessão 
minha premissa foi essa, e com isso eu estava claramente eliminando as hipóteses de 
preguiça ou "mimo", por exemplo. 
Usei um procedimento que se caracterizava por frisar 
várias vezes os resultados, satisfatórios ou não, numa tentativa de conter a ambigüidade. 
Referi-me ao fato de que ele me pareceu esforçado, de que deu tudo de si para chegar 
onde estava, e de que não me parecia ser por falta de vontade que ele não fazia as coisas. 
Confirmei, também, através dos resultados, informações anteriores sobre as coisas que ele 
fazia melhor, assim como o fato de que, por terem sempre tomado a dianteira, ao intuírem 
ou tomarem contato direto com a deficiência, podem tê-Io prejudicado em algumas 
soluções relativas a aspectos da vida cotidiana. No entanto, marquei sempre que isso pode 
ter atrapalhado um pouco o limite que 
já estava lá, e que é dele. M. foi aparentemente aceitando os resultados, no início. Parecia 
conformada, mas jogava frases vagas,tentando conduzir-me a conclusões, como por 
exemplo engraçado, é isempre com escola,numa evidente alusão à sua própria hipótese 
explicativa de que A. não ia bem por ter trauma de escola. Sua ambivalência quanto ao 
que podia esperar como 
 
 160 
 
 
 
resultado ou benefício desse atendimento se expressou muitas vezes. Era compreensível 
que fosse difícil para ela aceitar as limitações de A. Por alguns momentos, mostrou-se 
deprimida, chorou e se colocou numa postura mais realista. Assumiu as expectativas e as 
dificuldades, a frustração e a revolta por isso estar acontecendo com ela. Mostrou aí que já 
tinha clareza quanto aos limites do filho, comparando-o com pessoas em pior e melhor 
condição. Admitiu inclusive ter sido teimosa ao insistir em mantê-l o na escola em que 
estava, para provar aos outros que ele não tinha problemas, sem prestar atenção aos reais 
sentimentos de A. Situou, em alguns momentos, coisas que, segundo ela, ele faz 
melhorÚnho, numa tentativa de estabelecer limites mais definidos para um 
encaminhamento futuro da questão. Ainda demonstrava, no entanto, maior facilidade em 
aceitar as dificuldades afetivas do que as intelectuais. 
Ao mesmo tempo, era perceptível que a vasta gama de sentimentos revividos de forma 
confusa sobrecarregou-a de contradições, e foi possível perceber que para ela era difícil 
conter esse estado de forma a elaborá-Io melhor. Por vezes seu discurso mostrava essa 
dificuldade e a tendência a aliviar a pressão, atenuando ou mesmo negando o sentimento, 
como quando dizia: revolta não, não tem nada a ver, ou fulano sofre, porque eu não posso 
sofrer? 
Isso tudo fez com que eu acreditasse que a atitude dela havia mudado, e que seria 
possível continuar o atendimento de forma cumulativa, isto é, através da discussão dos 
pontos vistos, projetando-os para o futuro, de forma a acrescentar conteúdo e detalhamento 
a cada um dos aspectos do problema, visando re-significá-Ios. Minha impressão vinha do 
fato de que, nessa entrevista, chegamos até a conversar sobre a possibilidade de que a 
mudança de perspectiva de M. com relação a A. fosse algo anterior à procura do 
atendimento, que teria como razão de ser o esclarecimento de dúvidas até então 
embaçadas pelo outro pontQ de vista que ela assumia diante de toda a situação. 
 
 161 
 
 
 
Além disso, ela falava com mais sinceridade e clareza a respeito de questões como a 
humilhação por que já passaram todos na família em virtude da deficiência de A. Essa 
parecia ser sua principal fonte de angústia naquele momento. O que a preocupava era a 
imagem do filho e, conseqüentemente, dela mesma perante os demais. Isso originou, 
segundo ela, o movimento de tentar provar a todo custo que A. era capaz, ao contrário do 
que todos pensavam. Reconheceu sentir vergonha, e que o fato de ter conhecimento das 
limitações fazia com que ela imaginasse que todos os que os circundavam também 
soubessem a mesma coisa. Ela se sentia transparente à percepção do outro, na medida em 
que a presença desse conhecimento dentro dela poderia torná-Io público. 
Isso tudo, no entanto, durou apenas alguns poucos e preciosos instantes. O momento 
crucial desta entrevista ocorreu quando eu afirmei que ela teria de rever as expectativas 
que tinha com relação ao futuro de A. Esse mostrou ser o ponto nevrálgico, aquele que 
gerava a maior ansiedade e que ela se recusava a aceitar. Sua resposta foi: Não, sabe por 
quê? E a partir daí, ela retomou todo o discurso da habilidade para carros. Foi como se 
tivéssemos voltado à estaca zero, de onde não saímos mais. 
Sua posição transformou-se num girar em círculos em um beco sem saída. Assumiu 
dois caminhos diferentes. O primeiro foi o de negar a deficiência, seja evocando a 
existência dessa habilidade oculta, seja planejando para ele atividades que certamente não 
se encaixavam naquilo que ele fazia melhor, por exigirem um desembaraço e uma iniciativa 
de que A. não parecia capaz. O outro caminho era o de rejeitar o que não fosse compatível 
com a limitação, desvalorizando aquilo que A. poderia conseguir se fosse mais inteligente, 
como, por exemplo, sucesso acadêmico. 
Eu não percebi isso de imediato, entusiasmada com sua mudança de atitude, e 
continuei interpretando suas atitudes como abertura de um caminho para a compreensão 
partilhada do que se passava com o menino. Insistia em assentar o que 
 
 162 
 
 
 
havia sido levantado, sugerindo que continuássemos a trocar informações como forma de 
consolidar o que já havia sido discutido, para dar, conjuntamente, o melhor 
encaminhamento à situação. Eu agi o tempo todo como se tudo fosse apenas uma questão 
de repetir algo que ela, por sua vez, começava novamente a se recusar a ouvir. Eu voltei a 
acreditar na possibilidade de acordo. 
M. manifestou seu sentimento de impotência, e se colocou completamente em minhas 
mãos. Eu assumi a impossibilidade de preencher nível tão específico de necessidade, 
incitando-a a buscar a resposta junto coinigo. Meu convite era para que refletíssemos sobre 
a questão principal, a limitação dele, e as possíveis opções para melhorar a situação. 
A esta entrevista seguiram-se as restantes com A., uma para discussão dos resultados 
do WISC e aplicação do Teste Ômega, e outra para finalizar o atendimento com ele. O que 
havia sido combinado era que M. viria na semana seguinte, para continuarmos nossa 
conversa. 
 
A fase terminal 
 
Nesta sexta sessão, M. posicionou-se inicialmente como tendo mudado radicalmente a 
partir do que conversamos. Essa alegada mudança se traduzia na frase já vou começar 
deixando ele ir sozinho, ao falarmos de uma entrevista à qual A. deveria se submeter para 
conseguir emprego de office-boy. Outro sinal de modificação apareceu quando ela afirmou 
que esse emprego -poderia ser uma boa solução, comparando o filho com o rapaz que o 
indicou para o trabalho, e que, segundo ela, também é meio problemático... não é muito 
adiantado. Nesse momento, sua intenção era me mostrar, sem ser interrompida, que havia 
mudado com relação ao filho. O que contrariava essa impressão, todavia, era a intenção de 
empregá-Io como office-boy, apesar de sua falta de iniciativa, numa insistência equivalente 
a querer colocá-l o na primeira série quando ele ia tão mal no pré. 
 
 163 
 
 
 
A avaliação do Ômega evidenciara que A. tinha uma auto-estima muito rebaixada, e 
minha intenção era discutir essa questão com a mãe, apontando que ele não se sentia 
aceito e que ficava indeciso ao responder por medo de errar. M. demonstrava não só 
admitir essas dificuldades, mas até acentuá- las, colocando-as como anteparo para a 
incapacidade do filho. voltou a falar dele como preguiçoso e mimado. Estas características 
eram, para ela, a definição de A., e ela as passava subentendidas, como por exemplo ao 
dizer que ele só era capaz de planejar quando se tratava de passeios. Dessa forma, 
transmitia a impressão de irresponsabilidade, o que confirmava sua hipótese de que ele 
não aprendia por falta de interesse, e não por causa da limitação intelectual que ela se 
recusava a aceitar. 
M. passou a utilizar novamente os critérios anteriores 
para justificar os comportamentos dele, comparando-o com os outros e com ela mesma, 
nem que fosse para se atribuir características negativas, como quando disse que ele era 
imaturo, mas que ela também. Minha atitude nesses momentos era a de não argumentar, 
tentando voltar sempre ao funcionamento dela com relação ao filho. A intenção era a de 
não entrar no jogo de argumentação e de esvaziar a manipulação, tomando tudo o que ela 
dizia como "fato" e prosseguindo a partir daí, mostrando minha impressão de como as 
coisas aconteciam entre eles. 
Eu tentava também esclarecer o que para mim aparecia como dificuldade em 
considerar a possibilidade de deficiência. Consideramos inicialmente o que ela mesma 
havia classificado como a própria imaturidade. Recriminou-se por não ter feito a coisa certa, 
apesar de apresentar-se ao mesmo tempo como uma pessoa extremamenteresponsável, a 
quem todos da família eram ligados por um vínculo de dependência. Não admitia a hipótese 
de que os filhos se afastassem dela. De fato, ela assumia de modo exemplar sua parte 
dentro de casa, mas era possível sentir que o que estava em jogo era sua competência 
como mãe e dona de casa, assim como a definição rígida dos 
 
 164 
 
 
 
papéis masculino e feminino: uma relação mais equilibrada e de ajuda era vista como sinal 
de incompetência. As identidades cristalizavam-se nos papéis, sendo definidas por eles. Se 
o papel não fosse bem desempenhado, punha em risco a definição de cada um enquanto 
pessoa. Se os filhos se afastassem, seria por não a reconhecerem como boa cumpridora de 
suas atribuições. Esse sentido de responsabilidade incluía, a meu ver, a insistência 
autoritária em fazer de A. uma pessoa como as outras ou até melhor, e a idéia de que tudo 
tivesse de sair de modo perfeito fazia com que fosse muito difícil para ela aceitar as 
limitações do menino. 
Novamente nessa sessão, quando eu me referia ao fato de A. ser diferente do 
esperado, ela reagia girando em círculos, voltando ao início, com as alegações de preguiça, 
falta de estímulo e do fato de que ele surpreendia. Admitiu expressamente sua dificuldade 
em aceitar a deficiência de A. ao dizer que tudo bem que tem limite, mas tem que ter um 
limite para o limite. Não concordava de maneira nenhuma que ele não tinha um 
desempenho adequado porque não podia, e não porque não queria: eu esforço mesmo, eu 
puxo, nem que tenha que empurrar. 
a que ia se tornando cada vez mais claro era que partíamos de constatações 
absolutamente opostas: eu acreditava na falta de capacidade de A. e dirigia toda a minha 
argumentação para que ela relaxasse a pressão sobre ele, melhorando sua auto-estima. 
M., ao contrário, afirmava que, se pressionado, ele evoluiria, nem que tivesse de obrigá-Io a 
isso. Anulava qualquer tentativa que eu fizesse para mostrar que esse esforço exagerado 
podia gerar nele a sensação de não conseguir agradá-Ia nunca, piorando sua auto-imagem. 
Para ela isso não importava. a que ela desejava era que o menino cumprisse pelo menos 
parte das expectativas. 
Sua argumentação tornou-se inconsistente e ilógica, e ela 
estabeleceu um jogo de explicar, uma a uma e isoladamente, cada alternativa que eu 
levantava, como forma de retirar o impacto da situação vivida em sua forma global. 
Percebia-a 
 
 165 
 
 
 
impotente e acuada, por seu raciocínio circular, desembocando sempre na dúvida. Minha 
insistência em mostrar a!fpectos que ela desejava que permanecessem nebulosos fez com 
que a situação se tornasse pesada demais, e ela resolveu sair da sessão, alegando que 
estava sendo esperada uma festa. Concordei com isso, mas voltei a me colocar à 
disposição para conversas futuras, pressupondo que se tratava de uma questão de apro-
fundar uma discussão que na verdade ela não queria ter, por ser extremamente doloroso 
encarar o problema, delineando seu contorno e alcance e retirando, conseqüentemente, a 
característica de indefinição na qual ela preferia que fosse mantido. De todo modo, 
marcamos uma nova entrevista para a 
. semana seguinte, que teve início com uma tentativa minha de definir como ela estava 
entendendo o que havia acontecido até agora, e qual sua posição perante a necessidade 
ou não de maiores esclarecimentos. A análise mais detalhada da minha participação 
aponta para um tratamento quase que exclusivo dos aspectos racionais ligados à 
compreensão do problema, enfatizando pouco os sentimentos envolvidos, o que poderia ter 
mudado o sentido de todo o trabalho. Nesta sessão cheguei até a fazer isso em 
determinados momentos, ao perceber como é difícil para ela aceitar o que se passa, mas 
era tarde demais. M. já assumira uma posição de quem está de saída, acreditando não ter 
mais nada a lucrar em sua interação comigo. 
Ela não viera procurar esse atendimento para entender 
alguma coisa. Essas coisas para ela já estavam mais do que claras e entendidas. Viera 
procurar uma melhora do filho, uma solução para um problema insolúvel. Ao perceber que 
nosso contato não provocaria nenhuma mudança significativa no modo de ser de A., 
perdeu o envolvimento que demonstrava no início, quando parecia estar lutando sozinha na 
busca de uma solução. A partir deste momento, 'desistiu de esperar que eu dissesse o que 
ela queria ouvir, que eu desse sugestões ou idéias de como ela deveria agir para que o 
filho deixasse de ser como é. A essa altura parecia fazer qualquer coisa para que eu 
parasse de atormentá-Ia com as conclusões às quais 
 
 166 
 
 
 
havia chegado. Disse que já estava tratando A. de modo diferente, que mudou de atitude 
com relação a ele, e que não estava mais obtendo proveito por vir à clínica. Ao contrário, 
isso estava causando problemas familiares porque o marido brigava com A. por estar dando 
tanto trabalho. 
A partir daí, começou a preencher o tempo voltando obstinadamente às formas 
discursivas do início do atendimento: não tinham estimulado a coisa certa, A. sempre havia 
sido discriminado etc. A fragmentação das imagens aumentou, e ela barganhava detalhes, 
como meio ponto em uma nota específica, e assim por diante. Cada reprovação, cada 
prova em que A. vai bem ou mal eram isoladas e tratadas como fenômenos separados. 
Começou a história toda de novo, como se estivesse falando pela primeira vez, repetindo 
exaustivamente o mesmo assunto, apegando-se a um fato ou dois e girando em círculos. 
Tudo isso de forma a que eu-ou, de forma mais geral, qualquer interlocutor - me cansasse 
de argumentar com ela e desistisse, o que de fato aconteceu a partir de determinado 
momento. 
Fiz algum esforço para que ela não parasse de vir, fazendo uma retrospectiva de tudo o 
que ocorrera, tanto no contexto deste atendimento quanto no da vida deles em geral, 
mostrando minha posição de que percebia que ela já tentara várias abordagens para o 
problema, que foram insatisfatórias, e que a dificuldade estava em outro nível, o da relação 
dela com o filho. Descrevi minha preocupação quanto ao fato de ela sair daqui novamente 
sem uma resposta que a satisfizesse, mas falei também que não era possível obter essa 
resposta definitiva. A evolução da sessão, no entanto, apontava para uma descrença no 
que a trouxera aqui, e mostrava sua desconfiança em qualquer pessoa que pudesse lidar 
com o problema de A., por achar que ninguém tinha condições de entendê-I o como ela, já 
que, acho que você já ouviu dizer que a mãe, às vezes, é mais médico do filho, às vezes 
mais que o próprio médico. 
A partir do momento em que explicitei que, a meu ver, o problema principal estava na 
relação dela com A., toda a 
 167 
 
minha argumentação passou a acentuar essa hipótese, que se transformou, para mim, na 
esperança de reverter o processo e fazer com que ela saísse do atendimento pelo menos 
vislumbrando a posjção do menino e o quanto sua vontade de que ele fosse diferente 
prejudicava a ambos. Para isso, passei a privilegiar o ponto de vista de que a procura 
desse atendimento já era uma tentativa dela de ver o filho de modo diverso. Um exemplo 
disso apareceu quando eu disse: acho mais importante do que definir se ele chega, mal e 
mal, até a oitava série, trabalhar sua relação com ele, porque eu acho que o próprio 
fato de você vir aqui, ouvir mais uma opinião, numa postura de quem já tentou tanta coisa 
que não deu certo, mostra o quanto você se preocupa com ele. Nesse processo, no 
entanto, por vezes entrei no jogo de contra argumentar, como ela fazia comigo, ponto por 
ponto, perdendo a visão global, e transformando a conversa em um embate sobre 
perspectivas diferentes. 
Depois disso, a reação de M. foi a de voltar, mais uma vez, ao início. Seu esforço de 
manipulação, traduzia-se, agora, quase que exclusivamente em retomar e retomar, vezes 
seguidas, 
exaustivamente, cada fato específico. Nesse momento, eu me ' distanciei e perdi, 
também, qualquer esperança de fazer com que ela compreendesse meus pontosde vista, 
que nesse momento i 
eram o de que A. tinha uma acentuada deficiência intelectual, agravada por uma auto-
imagem extremamente negativa, e que M. se recusava a admitir isso, por não conseguir dar 
conta da frustração e dos sentimentos contraditórios que esse fato determinava nela. Minha 
atitude, a partir daí, foi a de apenas repetir o que ela ia dizendo, contra argumentando 
algumas vezes, cada vez mais esporadicamente, conduzindo o atendi 
mento a seu fim. 
Encerramos esta entrevista com o compromisso de nos encontrarmos mais uma vez 
ou duas, para leitura e discussão do relatório final. Na verdade, parecíamos saber que isso 
não aconteceria, o que se comprovou posteriormente quando, cha- i mada para a última 
sessão, M. não compareceu. 
 
 168 
 
 
Uma reflexão possível sobre o processo 
 
O distanciamento provocado pela passagem do tempo e pela análise detalhada do caso 
leva a perguntar por que eles procuraram a ajuda de um psicólogo, já que não foi a dúvida 
com relação à capacidade intelectual de A. que moveu os pais, e principalmente a mãe, a 
fazê-lo. É possível levantar algumas hipóteses sobre os motivos que levaram esta família a 
procurar atendimento, uma vez que parece evidente que ela não buscava esclarecimento. 
Parece que, no começo, o que a movia era uma tentativa de estabelecer comigo um pacto 
para reafirmar uma imagem de A. que vinha tentando preservar, sem sucesso, havia anos. 
Para isso, M. exibia sistematicamente alguns comportamentos de controle. 
Se retomarmos a idéia de performance idealizada, a tentativa de estabelecer esse pacto 
mostra que M. não idealizou meu papel em momento nenhum. Ao contrário, em vez de me 
tratar como a "psicóloga ideal", uma psicóloga qualquer, abstrata, ela negociava comigo. 
esta posição a cada momento, imaginando poder estabelecer algum tipo de barganha que 
me fizesse abrir mão dos valores que norteavam a minha posição dentro do consultório, 
para fazer o que ela, implicitamente, me sugeria. Sua estratégia de manipulação se 
baseava, em parte, no fato de se ater a comportamentos, falas, ou fragmentos de um e de 
outro, para impossibilitar a formação de uma imagem mais genérica do problema de seu 
filho. Com este objetivo, ela negociou ponto por ponto cada observação, minha ou dela. 
Contou as coisas de modo truncado e fragmentado, como se quisesse impedir a formação 
de uma compreensão global do menino. Mostrou ser uma pessoa sensível a cada detalhe 
do meu comportamento, identificando e contrapondo, um por um, os argumentos que eu ia 
apresentando numa direção que para ela causava tanto desconforto. 
Ao tentar esse pacto, a cliente pode ter imaginado que eu abriria mão da tarefa de 
explicitar aspectos relacionados 
 
 169 
 
 
à sua experiência, principalmente aqueles que ela não queria ver esclarecidos. À medida 
que ia ficando claro que eu não faria isso, a cada tentativa minha de elucidação de 
determinado ponto, M. entrava com um jogo sistemático de confundir, através dos 
mecanismos de manipulação, como ambigüidade e fragmentação do discurso. 
Em sua tentativa de desempenhar para mim uma peiformance que se mantivesse 
idealizada, M. teve de tirar de cena vários aspectos que não eram coerentes com a imagem 
que gostaria de passar. Ou seja, para manter sua auto-identidade9 intocada, ela precisava 
exercer manipulação sobre a opinião que eu tinha sobre ela, seu filho e sua família como 
um todo. 
É possível, aqui, levantar a hipótese de que sua identidade estivesse de tal modo ligada ao 
desempenho de seu papel de dona de casa e mãe que qualquer impressão causada por 
um elemento de sua família era traduzida como impressão sobre ela mesma. Sua sensação 
de fracasso ou sucesso dependia de que todos em sua casa estivessem bem, como ela 
mesma verbalizou já no final do diagnóstico. Seguindo essa pressuposição, temos o fato de 
que o fracasso escolar de A. era para ela um fracasso pessoal, e então, se ela mudasse a 
opinião sobre ele, minha ou de qualquer outra pessoa com quem se confrontasse ao lidar 
com esse mesmo assunto, ela estaria mudando também a impressão sobre ela. mesma. 
Esses conteúdos e mecanismos tiveram múltiplos efeitos 
na minha forma de agir, caracterizando toda a primeira fase do atendimento como sendo 
principalmente de ação da parte de M., e de reação de minha parte. Alguns deles 
conseguiam mesmo me imobilizar. A dificuldade de M. de fixar as datas dos 
acontecimentos é um exemplo dessa situação. O horizonte temporal foi eleito por mim 
como o mínimo de estabilidade 
 
 
 170 
 
 
 
sobre a qual poderíamos conversar. Não conseguir definir nem este mínimo gerava em mim 
uma sensação de fluidez que por vezes impossibilitava o prosseguimento do assunto sem 
que esse aspecto fosse esclarecido. Outros mecanismos faziam com que aparecesse em 
mim a necessidade de criar confronto com ela, marcando claramente minha forma de 
pensar, como se ao afirmar algo de modo categórico eu pudesse cercar alguma das 
circunstâncias descritas, situando-a para mim mesma. Outros ainda desencadeavam um 
processo de, acima de tudo, tornar o que se passava compreensível, numa visão 
equivocada de que o que acontecia era falta de entendimento, quando de fato não havia 
concordância com as conclusões a que vínhamos chegando, e que tomavam o rumo de 
todas as outras já ouvidas ao longo do tempo. 
A exploração dos significados, vista por este prisma, dependia da confiabilidade do 
relato. Se o que ia sendo dito merecesse confiança, ou pelo menos não aparentasse tanta 
dissociação, a exploração poderia ir mais longe. Por não haver esse requisito básico da 
confiabilidade, o foco da atenção mudou para a elucidação das discrepâncias, desviando-
se do conteúdo do discurso. Ao mesmo tempo, esta mesma análise demonstra que, na 
prática, quando a questão do esclarecimento das dissonâncias era deixado de lado, isto é, 
nos momentos em que eu parava de querer confrontá-Ios e passava a tomar o que M. dizia 
como" real ", espelhando ou meramente repetindo aquilo que havia escutado, ela também 
relaxava as defesas e conseguia ir mais longe. Esta foi, no entanto, uma percepção que só 
tomou corpo depois que o caso foi encerrado, quando tentei compreender as razões para o 
nosso desencontro. No momento do atendimento, instalou-se uma necessidade grande de 
ver A. e submetê-Io à avaliação, para confirmar ou rejeitar hipóteses que a relação com a 
mãe não havia permitido esclarecer. Havia não só um cliente ideal, mas um procedimento 
ideal que teria de ser posto em andamento. A cada momento eu imaginava que este 
procedimento poderia ser retomado, e que o esclarecimento de alguns pontos acabaria 
com a confusão. 
 
 171 
 
 
 
~ 
 
A minha impossibilidade em perceber que isso não ia acontecer me impediu até o fim de 
dar tratamento adequado às impossibilidades de M. 
A aplicação e discussão dos resultados do teste de inteligência marcam o início da 
segunda fase do psicodiagnóstico, que foi da quinta à sétima entrevistas, após as quais M. 
parou de vir, sem ter concluído o processo. Esta fase foi marcada por um movimento 
inverso, tanto meu quanto dela. Com os dados do teste em mãos, eu assumi o controle da 
relação, por sentir-me mais confiante de que minha percepção sobre A. havia sido 
comprovada de alguma forma. Este estágio do atendimento se caracterizou por ação da 
minha parte, e reação dela. Eu tinha finalmente um "dado real", podia acreditar nas minhas 
próprias conclusões, e passei a querer convencer M. delas. Esta foi uma mudança 
relevante na minha forma de atuar, mais segura, porém levando pouco em consideração as 
dificuldades dela. 
 
De ambas as partes, o que aconteceu foi um acirramento das posições, e ela se 
mostrou muito mais intransigente e detalhista em seus mecanismos de desvalorizar o que 
eu dizia, por dificuldade em escutar aquelas conclusões. O que estava em jogo era a única 
imagem que eu passei a admitir como possível: a do filho deficiente, sem atenuantes ou 
nuances que pudessem melhorar o quadro geral.M. não podia permitir que essa imagem 
se formasse em sua cabeça, e menos ainda na minha ou na de qualquer outra pessoa. Isso 
a tornava particularmente hábil em apresentar as dificuldades de modo a que não 
pudessem se acumular, e também em rebater, ponto por ponto, cada uma das minhas 
conclusões, negociando-as item por item. 
Em alguns momentos, ao contrário, M. parecia demonstrar o desejo de abandonar a 
luta para provar seu ponto de vista aos outros. Pode-se perceber que, na maior parte do 
tempo, 
ela brigava por uma posição na qual não admitia os fracassos do filho, e assumia o 
desenrolar dos acontecimentos como se eles fossem ocorrer da forma como esperava, isto 
é, sem 
 
 172 
 
 
 
considerar as dificuldades do menino. Por outro lado, havia momentos em que parecia 
pensar que, se fosse para admitir minhas conclusões como verdadeiras, eu é que deveria 
me responsabilizar por A. Isso acontecia nos raros instantes em que ela parecia ter sido 
atingida por aquilo que eu havia dito, mostrando-se deprimida e mais reflexiva. Constatava 
os problemas, mas seu movimento era de abandonar-se inteiramente em minhas mãos, 
delegando para mim a solução deles. Ainda aí se podia perceber que eu não havia 
conseguido um dos objetivos a que me propusera, que era o de discutir as conclusões e 
chegar a um encaminhamento comum. 
Algumas vezes M. empenhou-se em mostrar que havia mudado radicalmente em 
relação a A. Para mudar minha impressão sobre ela, passou a adotar os critérios que ela 
imaginava que eram os meus para definir uma mãe cuidadosa. Como garantia para a 
manutenção desta identidade, seu discurso não permitia interrupções que poderiam 
introduzir formas de comunicação não controladas que mostrassem sua fragilidade. Sua 
dificuldade mais marcante nesta fase diz respeito ao conflito que se estabeleceu quanto 
aos critérios que seriam adotados para avaliar seu papel de mãe. Por um lado, ela 
precisava assegurar essa imagem através da procura do atendimento para ajudar seu filho. 
Por outro lado, essq mesma procura tinha a potencialidade de desmascarar o que, sob o 
ponto de vista dela mesma, eram falhas neste mesmo papel. A saída que ela parecia ter 
encontrado era ir ao atendimento, mas esvaziar qualquer encenação específica do meu 
papel que a confrontasse com a auto-imagem negativa gerada pela constatação das 
dificuldades do filho. 
Algo parecido aconteceu comigo, com respeito ao desempenho ideal ou adequado do 
papel profissional. As ações de M. demonstravam que eu não estava conseguindo cumprir 
minha tarefa de modo compatível com a imagem que eu tinha de um bom atendimento. Eu 
passei todo o tempo na expectativa de poder retomar o processo "como ele deveria ser". 
Houve situações, como a depressão manifestada por M. durante alguns 
 
 173 
 
 
 
 
 
instantes, que pareciam conduzir o atendimento para esta direção. No entanto, essa 
direção não se manteve, e o confronto se criou quando eu passei a achar necessário 
desmontar a atuação dela para preservar a minha, num confronto em que estavam 
principalmente em jogo o controle e o poder sobre a situação, em detrimento da real 
compreensão e ajuda que são os objetivos principais de um encontro deste tipo. 
 
Considerações finais 
 
No caso de M., o fechamento existencial não permitiu estabelecer relação de 
confiança, e os limites da própria forma de atendimento, além daqueles colocados por mim, 
não ajudaram a confiança a se concretizar, gerando o insucesso. Este, por sua vez, 
propiciou a conseqüente análise de outro tipo de encontro, aquele que é um jogo, que 
envolve atores e personagens em uma tarefa de negociação. Esta forma de análise se 
mostrou eficiente e útil para demonstrar os tipos de interação e manipulação que ocorrem 
quando falta desde o início, ou deixa de existir, o envolvimento fundamental para que surja 
a abertura necessária às re-significações. 
As circunstâncias que permitem essa abertura podem também estar ausentes quando 
se trata do psicodiagnóstico infantil, uma vez que pai e mãe, que poderiam repensar seu 
papel dentro da problemática familiar, muitas vezes apresentam dificuldades pessoais que 
acabam impedindo que isso aconteça, embaçando a compreensão do que se passa. Uma 
das saídas freqüentemente utilizadas pelos pais para evitar o envolvimento é, então, 
desviar sempre as observações para o indivíduo que foi inicialmente trazido, como forma de 
isentar-se da responsabilidade de refletir sobre sua própria existência enquanto ser 
participante na vida dos demais. 
Ocorrem, no caso da avaliação infantil, discussões relacionadas à posição e atuação de 
todos os envolvidos com o problema, mas sempre com a preocupação de não perder de 
 
 174 
 
 
 
vista o foco mais importante, que é o cliente. Foi o que aconteceu neste caso, no qual 
estávamos avaliando o desempenho e a forma de ser de A., e a de seus pais enquanto 
relacionadas a ele. Apesar de ser evidente a dificuldade de M. em modificar sua visão com 
relação ao filho, ficou muito difícil para mim trabalhar esse aspecto mais diretamente, e um 
dos motivos foi exatamente o fato de que não era ela, diretamente, minha cliente. Eu só me 
permitiria apontar problemas dela na medida em que estes estivessem ajudando ou 
perturbando a vida de A., e foi o que eu fiz. Qualquer intervenção mais categórica para 
querer entender melhor o que se passava com M., a meu ver, esbarraria no fato de que ela 
estava lá para solucionar um problema do filho, e não os dela mesma. Em resumo, M. não 
apresentava disponibilidade nem interesse, neste momento de sua vida, para o encontro 
gerado pela cooperação, como se pode esperar em clientes que procuram ajuda 
profissional. Eu também não tinha esta disponibilidade, por sentir-me amarrada pelo 
contexto, que não era o da psicoterapia dela, e sim o do psicodiagnóstico de seu filho. Isso 
fez com que, ao invés do encontro, surgisse o impasse, e o conseqüente processo de 
negociação. 
Além disso, para entender melhor a questão do meu problema em mostrar a ela as 
próprias dificuldades, é necessário lembrar que, uma vez estabelecido o confronto entre 
nós, este passou a ser, também para mim, um problema de exercício de autoridade. Ao 
confronto de poderes se contrapõe, como nas diferentes formas de encontro, o confronto 
que pressupõe alteridades que se abrem uma para a outra. Este acontece sempre que o 
indivíduo está diante de um outro diferente dele, e que coloca este limite pela sua própria 
existência, que é diversa. Quando este confronto, terapeuticamente desejável. não é 
possível, passa a existir aquele em que o que está em jogo é a prevalência de um papel 
sobre outro, ou, em outros termos, a problemática da autoridade. 
O fato de apontar as limitações, caracterizando-as como manifestações de dificuldades 
pessoais de M., levava-me a 
 
 175 
 
 
afirmar que ela apresentava algum tipo de patologia apenas por discordar de mim, devendo 
submeter-se a algum tipo de tratamento por causa disso. Isso não foi possível naquele 
momento. A instalação de um "problema de autoridade" decorre do surgimento de um tipo 
indesejado de confronto: aquele que é gerado pela necessidade da negociação de papéis. 
Foi o que ocorreu entre M. e mim, quando, ao invés da compreensão compartilhada, teve 
início um processo de bar ganha cujo objetivo era determinar quem fixava as regras e quem 
definiria a identidade de A. 
Estendendo um pouco mais esta questão, entramos por um caminho igualmente delicado e 
carregado de implicações, que está diretamente ligado a esse problema e ao da respon-
sabilidade do cliente. Temos aqui a bifurcação entre a responsabilidade autêntica, através 
da qual o sujeito acolhe o mundo e o outro, tomando posições e assumindo projetos, e a 
responsabilidade estratégica, que é dada ou retirada, exercida ou rejeitada, no processo de 
negociação. Não diferenciando um do outro, pode-se incidir no erro de valorizar 
acriticamente a participação do cliente como se qualquer participação representasse umaforma autêntica de responsabilidade. A isso se liga a reflexão sobre um outro pressuposto, 
que diz respeito à necessidade de discussão das informações, conclusões e resultados do 
psicodiagnóstico, e à expectativa de que mudanças ocorram apenas quando o 
entendimento conjunto se dá. Este pressuposto gerou um impasse que, como se viu, 
foi sério para mim: a idéia de que a compreensão teria de ser comum, aliada à dificuldade 
que eu tinha em assumir determinadas interpretações como dados confiáveis. Com relação 
ao primeiro ponto, de fato o método fenomenológico não exige o consenso como forma de 
validação do conhecimento. 
No entanto, a passagem do método para a prática do psicodiagnóstico insinua que, dentro 
do processo de compartilhar as informações, é desejável que exista compreensão conjunta 
destas, como forma de garantir um terreno estável de comu nicação através de uma 
linguagem comum. Já foi suficiente 
 
 176 
 
 
mente demonstrado que, neste processo de avaliação específico, este acordo seria 
impossível, o que deixa claro o impasse entre teoria e prática, no contexto em que não 
existe disponibilidade para a cooperação, encontro ou confronto autênticos. 
Voltando ao caso em estudo, partir da idéia de que a concordância de M. era 
fundamental conseguiu me imobilizar por quase todo o tempo. Minha insistência em 
permanecer dentro de um ponto de vista neutro, em virtude de uma compreensão 
equivocada de um pressuposto não muito claramente definido, gerou o espaço para a 
manipulação, já que eu me recusei a assumir responsabilidade por ela, pelo filho ou pelo 
que pudesse vir a acontecer com eles. Não foi possível para mim assumir a desigualdade 
momentânea, para depois conseguir, junto com M., superá-Ia. Analisando retrospectiva-
mente o caso, é possível perceber, como já foi apontado, que por algumas vezes ela 
parecia pedir que eu tomasse as rédeas do futuro encaminhamento para o problema, e eu 
sistematicamente recusei-me a fazê-Io, por acreditar que isso seria um abuso de 
autoridade. Ocorreu também o inverso, quando ela resolvia assumir o comando, 
principalmente quando eu emitia opiniões indesejadas sobre A. . 
A contrapartida disso é uma vantagem do psicodiagnóstico fenomenológico, uma vez que, 
dentro de um processo diagnóstico tradicional, não seria possível sequer perceber que ela 
não aceitava o que vinha sendo dito. Se eu a tivesse afastado das discussões sobre os 
testes e sobre as coisas que eu ia concluindo, e tivesse restringido nossos encontros a 
duas sessões para devolução de resultados, possivelmente ainda acreditaria que o estudo 
de caso havia alcançado seus objetivos, na medida em que as opiniões dela não teriam 
espaço para aparecer. Nos termos deste psicodiagnóstico especifico, a possibilidade de 
discussão dos resultados, em vez da mera infor mação através de um contato ou dois, 
permitiu a minha percepção de que não era fJossível chegar incomodar alguns aspectos 
apresentados por A., principalmente no que se referia à baixa capacidade intelectual. Numa 
forma de 
 
 177 
 
 
 
atendimento tradicional, não ficaria constatado, para mim e principalmente para ela mesma, 
a dificuldade de aceitação da problemática do menino. Além destas questões, mais 
especificamente ligadas ao caso e aos conceitos do psicodiagnóstico fenomenológico, há 
outras mais gerais. A ciência psicológica, por estar ainda em processo de definição, 
permite, feliz e infelizmente, diferentes interpretações para as atuações possíveis, que 
necessitam ser avaliadas e sistematizadas, para que seus contornos assumam limites mais 
claros. A apresentàção deste caso é uma tentativa de mostrar como certas indefinições 
podem afetar o desempenho do psicólogo ao atender seu cliente. Apresentou-se a quase 
infindável gama de fatos que apareciam à luz da análise do atendimento, apontando por 
vezes a solidez, por vezes a fragilidade de padrões estabelecidos, que usualmente são to-
mados cómo certos dentro da prática profissional. Foi possível 
uma aproximação a alguns dos aspectos que fazem com que a prática se distancie da 
teoria, por sutilezas que carregam consigo uma série de posições pessoais, ideológicas e 
não ligadas diretamente à área psicológica, e idealizações de como os procedimentos 
deveriam ser, como se fossem independentes 
das pessoas. 
Neste caso, isso se traduziu por meio de um dos valores que me são mais caros: o princípio 
da liberdade individualde escolha. Ele foi principalmente desenvolvido e aprimorado através 
de formação existencial-humanista, ao longo de minha carreira. Este atendimento surgiu 
para mostrar que, por mo vimentar-me de acordo com esta crença básica, eu incorri o 
tempo todo no erro oposto, ou seja, cerceei flagrantemente a liberdade de M. de opor-se à 
minha idéia de autonomia. Defendendo seu direito de ser responsável por sua própria vida, 
isentei-me da minha responsabilidade, contribuindo em parte para o insucesso do 
relacionamento. 
 
 178 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A CRIANÇA PARTICIPANTE DO PSICODIAGNÓSTICO INFANTIL GRUPAL 
 
Maria Luiza Puglisi Munhóz* 
 
o interesse pela área de psicodiagnóstico infantil se faz presente desde o início de 
minhas atividades profissionais. Pesquisando as diferentes formas de atendimento, cheguei 
a conhecer o modelo grupal numa aproximação fenomenológico-existencial, que vinha ao 
encontro das necessidades que se apresentavam na instituição em que atuava como 
psicóloga clínica. 
Este enfoque se ajustava à minha forma de trabalhar na área hospitalar, em que as 
pessoas vivem um momento de sofrimento físico e psíquico e precisam de compreensão e 
ajuda do profissional que as atende. Compreensão, para que, juntos, possam conhecer o 
modo como o paciente está vivenciando essas experiências. Ajuda, para que possam 
resgatar e atualizar os recursos próprios dessa pessoa, os quais permitirão amenizar ou 
solucionar seus sofrimentos. Por outro lado, considerando os aspectos operacionais e 
práticos do meu trabalho, este modelo me parecia propício por ser capaz de responder às 
dificuldades apresentadas nesta situação institucional: 
 
 
 
 179 
 
 
 
 . grande demanda de crianças com dificuldades de aprendizagem, alterações de 
condutas e psicossomatizações; 
. necessidade de tornar o atendimento mais eficaz em uma instituição de saúde e em um 
espaço de tempo pré-determinado. 
A abordagem fenomenológica-existencial parecia-me apropriada por ter como proposta 
básica a participação dos pais e desenvolver-se em grupo. Apoiei-me nesses aspectos por 
considerar que um caminho capaz de levar a mudanças significativas consiste em permitir 
que o cliente se torne participante ativo, co-operador do processo, por meio da partilha de 
pensamentos e reflexões sobre os significados que ele atribui ao seu comportamento e ao 
dos filhos. Quando o trabalho é desenvolvido em grupo, o atendimento é mais eficaz, uma 
vez que permite. que os pais reconheçam experiências próprias, pois, estando num mesmo 
estágio de ciclo vital, eles vivenciam, com seus filhos, problemas e dificuldades muito 
semelhantes. O atendimento grupal também permitiria que, num espaço de tempo 
delimitado, se respondesse de maneira mais eficaz às solicitações da demanda. 
Ao delinear a forma de atuação, procurei adequar os meus procedimentos aos 
princípios teóricos que embasavam a abordagem, procurando fazer com que as crianças se 
tornassem participantes ativas do processo e, assim, pudesse conhecer o que estava 
acontecendo com ela. 
 
o psicodiagnóstico na aproximação fenomenológico-existendal 
 
Pesquisando o que havia a respeito de psicodiagnóstico na aproximação 
fenomenológico-existencial, encontrei dois posicionamentos distintos. Um deles considera a 
prática desnecessária, não o utiliza I. Rogers, um dos maiores defensores 
 
 
 
 180 
desta idéia, diz que nenhuma descoberta em avaliações psicológicas tem valor real se não 
for devidamente reconhecida pelo próprio cliente, como acontece nas sessões de 
aconselhamento ou em encontros terapêuticos.As avaliações a priori são, portanto, 
desnecessárias. Para Axline2 a atuação diagnóstica, antes do início do processo 
terapêutico, é considerada um empecilho à livre expressão do indivíduo, tornando-se uma 
"experiência bloqueadora". 
A segunda postura é a de alguns psicólogos fenomenológico-existenciais que, 
interessados em repensar o processo diagnóstico psicológico, procuram desenvolver 
procedimentos que estejam de acordo com a orientação que adotam. Fischer3 considera 
que esta modalidade de atuação se diferencia dos psicodiagnósticos tradicionais por não 
dar ênfase à limitação e à patologia, mas, ao contrário, valorizar "o significado mais 
profundo do psicodiagnóstico que é conhecer amplamente a vida psicológica da pessoa". 
Vida psicológica da qual fazem parte as percepções, os cuidados e certezas que cada um 
tem de seu corpo, de seu ambiente, da cultura e comunidade a que pertence. Conhecer a 
vida psicológica da pessoa é o objetivo principal dos psicólogos que utilizam este modelo 
de psicodiagnóstico, embasando seus procedimentos nos princípios gerais que norteiam 
esta abordagem. Estes princípios básicos referem-se à compreensão do homem como ser-
no-mundo, capaz de sofrer e promover mudanças, em suas relações com as coisas, com 
os outros e consigo próprio. Como estratégia clínica, procura privilegiar a experiência vivida, 
acima dos construtos teóricos, com o objetivo de reconhecer os sentidos dessas 
experiências, como diz Fischer 4. "Nestas relações o indíviduo não é nunca um recipiente 
passivo, mas constitui 
 
 
 181 
 
seus significados." Desta forma, a abordagem valoriza o encontro como sendo o momento 
principal da avaliação, que permite uma ação integrativa, compartilhada, facilitando ao 
cliente uma melhor compreensão de si. É essencial que se desenvolva a "confiança mútua" 
entre os participantes, suficiente para possibilitar uma comunicação pelo diálogo, com o uso 
de linguagem corrente e descritiva. 
Os procedimentos específicos e instrumentos de avaliação escolhidos e utilizados são 
apresentados e clarificados ao cliente, explicando-se como são usados e a que objetivos se 
destinam. Esta forma de proceder leva o cliente a estabelecer suas metas de avaliação, 
tornando-se um "participante informado" desde o início do processo. 
Partilhar experiências semelhantes permite que se com 
preenda, consensualmente, a situação em que cliente e psicólogo, membros constituintes 
da relação, participam com sua subjetividade, na busca "da obra da compreensão"5. Para 
Augras, "a objetividade do processo de diagnóstico ou compreensão do cliente, se 
fundamenta na intersubjetividade existente na relação". E, completa Fischer6, "engajando o 
cliente como co-assessor, respeitando a intersubjetividade e a ambiguidade, poder-se-á 
explorar não somente o que foi, mas o que poderá vir a ser". 
 
A aproximação propõe que as intervenções sejam colaborativas, considerando as 
perspectivas de todos os participantes, que podem ser avaliadas e reconhecidas por meio 
do retorno contínuo às experiências. Estas perspectivas devem ser examinadas e 
clarificadas, constantemente, pelos participantes, para que eles possam reconhecer as 
condições vividas, e assim criar um campo propício para possíveis re-significações, a fim de 
"possibilitar uma gama cada vez maior de escolhas"7 e "facilitar 
 
 
 
 182 
 
 
 
mudanças positivas"8, uma vez que o homem é compreendido, neste dado enfoque, como 
um ser-no-mundo com sua obra, sua história e suas possibilidades de realizar mudanças. 
Estes objetivos, porém, somente serão atingidos se o profissional estiver interessado na 
compreensão da experiência tal como ela é vivida, na sua forma existencial, reflexiva e 
comportamental. Como sugere Fischer, convida-se o cliente a crescer através da reflexão, 
ação e comunicação. 
Interessada em assim proceder, procurei o que havia a respeito das diretrizes básicas e 
procedimentos do psicodiagnóstico apresentado. Observei que muito se fala sobre a forma 
de atuar com adultos, mas não encontrei referências bibliográficas, nem tampouco 
procedimentos sugeridos à atuação com crianças. Neste sentido, propus-me a 
experimentar, na concretude da prática com as crianças, o que tais estudos estavam me 
informando. 
 
Apresentação do processo de atendimento 
 
o psicodiagnóstico infantil grupal com a participação do grupo de pais segue o modelo 
proposto por Ancona-Lopez9. Os grupos são formados e desenvolvidos em atendimentos 
simultâneos. 
A autora considera esse procedimento importante, pois a queixa sobre as crianças 
sempre envolve uma queixa dos pais. São estes que, encontrando dificuldade para 
compreender o comportamento dos filhos e relacionar-se com eles, procuram um psicólogo. 
Além disso, as crianças não são totalmente capazes de decidir por si, e as mudanças 
decorrentes dos 
 
 
 
 183 
 
 
 
atendimentos irão afetar, diretamente, os pais, que, se não as estiverem compreendido e 
aceitado, não poderão colaborar. 
Limitar-me-ia a descrever apenas os procedimentos com as crianças, uma vez que os 
aspectos importantes relativos às participações dos pais serão abordados em outros textos 
10. 
O grupo é formado a partir da solicitação do cliente. A hora e o local são informados ao 
solicitante e somente os pais são convidados a comparecer para a entrevista de triagem, 
cujo objetivo é conhecer quais os motivos que os levaram a procurar o serviço de 
psicologia. Esse conhecimento permite avaliar e decidir, conjuntamente, qual a modalidade 
de atendimento e a conduta mais adequada (individual ou grupal). Os pais de crianças de 
ambos os sexos, num mesmo estágio de desenvolvimento, com queixas semelhantes, são 
informados a respeito das condições e de como se processa o trabalho em grupo. Com a 
aquiescência deles, estabelecemos um acordo e iniciamos as entrevistas grupais. 
Os pais comparecem às primeiras entrevistas grupais em que procuram conhecer e 
explorar o que cada um traz como queixa de seu filho, no decorrer de seu desenvolvimento 
biopsicomotor, e procuro localizar esta queixa nas diferentes situações vividas pela criança. 
É somente na quarta sessão que entro em contato com as crianças, já tendo, contudo, 
uma idéia formada a respeito delas, adquirida através dos relatos dos pais e das 
informações enviadas pelos profissionais, professores e médicos que as encaminharam. 
Antes porém de conhecê-Ias, pessoalmente, procuro deixar claro, para mim mesma, o 
que espero encontrar, qual a imagem formada a respeito de cada uma delas. Guardo essas 
imagens em minha memória e me disponho a conhecê-Ias tal como se apresentam, 
permitindo-me assim confrontar as expectativas anteriores com as informações obtidas 
naquele momento. 
 
 
 184 
 
 
Ao término deste primeiro encontro, procuro refletir sobre as diferenças e semelhanças 
destas informações, o que considero dados importantes a serem discutidos com os pais, no 
encontro que se processa logo após a sessão com as crianças. 
Uma sala é preparada para a Hora Lúdica, com uma caixa aberta, colocada no chão, 
ou sobre uma mesa, contendo brinquedos, jogos e material gráfico. Procuro inicialmente es-
tabelecer um bom contato com cada criança, verbalmente, em linguagem acessível a seu 
desenvolvimento maturacional. Sugiro que se apresentem umas às outras; propicio o 
reconhecimento do local; a familiarização com o motivo de terem sido encaminhadas à 
clínica. Converso sobre os objetivos do grupo; estabeleço os elementos do contrato, 
procurando deixar claro o que vamos fazer juntas e, finalmente, discuto com elas as 
condições de participação. Proponho que utilizem aquele espaço, tempo e material da 
forma que desejarem. Digo que estarei ali com elas para nos conhecermos melhor e 
verificarmos, juntas, como lidam com as dificuldades que estão vivenciando. 
A proposta de apresentar às crianças as pessoas com quem irão trabalhar, o que estas 
irão fazer, como também esclarecer os motivos que levaram seus pais a solicitarem o 
atendimento,possibilita a criação de um campo menos tenso, facilitador dos contatos 
iniciais, o que permite que as crianças utilizem, mais livremente os próprios recursos e ajam 
de forma mais natural. Podem expor o que representa para elas a presença na clínica, o 
significado existente em relação às próprias vivências e em relação às expectativas de 
mudança. São conteúdos que emergem com freqüência nesses primeiros contatos, 
expressos verbalmente, corporalmente, ou através das atividades. 
Situar as crianças em relação ao contrato de trabalho, esclarecendo-as quanto aos 
objetivos a alcançar, posicioná-Ias diante das variáveis tempo e espaço, criar condições 
para que elas se organizem diante da ansiedade inicial que situações como essas, novas, 
desconhecidas, freqüentemente despertam, 
 
 185 
 
 
 
permite reconhecer os tipos de comportamentos que utilizam para interargir em situações 
semelhantes. 
Detenho-me em observar as crianças de forma global desde o primeiro momento de 
nosso contato, procurando centrar minha atenção em três direções distintas: como entram 
em relação com o ambiente, com outras pessoas e com elas mesmas, o que me permite 
verificar o aspecto relacional de cada uma delas com o mundo, com o outro e consigo 
própria. Observo seu nível de desenvolvimento bio-psico-social, se suas condutas estão de 
acordo com o que se espera para a sua idade cronológica. 
Os aspectos relacionais criança-mundo são observados através da sua integração 
grupal, capacidade de realizar tarefas em conjunto, levando em conta comportamentos de 
liderança, competição, colaboração, disputa, participação, passividade, criatividade e 
iniciativa. Tais instrumentais permitem-me reconhecer os recursos que cada criança utiliza 
em suas vivências grupais, que sentido elas dão ao mundo em que vivem e como se 
permitem experienciá-Io. Se o fazem de forma atuante, autônoma, experimentando 
modificações, ou se o fazem de forma apática, distante, desinteressadas do que se passa a 
seu redor. 
a modo como entram em contato com o outro pode ser percebido através de como 
interagem comigo, com os elementos do grupo e com os materiais. Observo, por exemplo, 
se ficam isoladas num canto, com medo de interagir, ou se estão absortas na tarefa; se são 
capazes de manter contatos variados e mútuos, ou apenas dois a dois; se procuram se 
impor falando somente de si, ou se enxergam e ouvem o outro. Volto a minha atenção para 
perceber como se aproximam do material, se o escolhem ou o evitam; de que forma 
utilizam o tempo e espaço disponíveis para suas brincadeiras; como reagem aos limites e 
regras, se as respeitam, as ignoram ou tentam modificá-Ias. São dados importantes que 
refletem suas vivências diárias. 
Ao procurar conhecer como cada criança se relaciona consigo mesma, observo qual o 
padrão que repete ao entrar em contato com as informações dadas, se apresenta alto nível 
 
 186 
 
 
 
de ansiedade, inibição, dependência e insegurança, ou, por outro lado, se demonstra ser 
capaz de criar saídas alternativas aos desafios que se apresentam em situações como 
estas, nas quais predominam fatores desconhecidos e uma diversidade de estímulos. 
Além dos aspectos levantados, me proponho a constatar, neste trabalho grupal, qual o 
nível de desenvolvimento mental, físico e social de cada criança, pois estou tendo a 
oportunidade de vê-Ias em grupo e compará-Ias umas com as outras, da mesma faixa 
etária, o que funciona como parâmetro, elemento de ajuda na avaliação de cada uma delas. 
Ao finalizar a Hora Lúdica, solicito às crianças que me ajudem a guardar os brinquedos 
e nos sentamos para conversar. Devolvo o que pude captar sobre elas, em conjunto, e a 
respeito de cada uma, individualmente, enfatizando a compreensão de "como" se 
encontram naquele momento de vida. Conto-Ihes minhas impressões, facilitando o 
entendimento através de analogias relativas às situações vividas no seu dia-a-dia. Relato 
os eventos em seus contextos, especificando minhas perspectivas, o que, segundo Fischer, 
"evita a pretensão de precisão e deixa o caminho aberto para o desenvolvimento de 
múltiplos entendimentos" 11. Faço perguntas sobre o que estou contando e aguardo suas 
respostas, procurando sempre estabelecer uma conversa, um diálogo esclarecedor. Este é 
um momento importante, porque não só permite verificar como estou sendo entendida 
pelas crianças, como também ouvir suas respostas que são, muitas vezes, longas histórias, 
que confirmam, infirmam ou negam minhas observações, criando possibilidades para novos 
entendimentos. 
No final do encontro, digo que .em seguida, estarei com seus pais, deixando claro que 
não irei me referir ao que foi falado ou feito ali, entre nós, mas que iremos conversar sobre 
as queixas que trouxeram e o que eu pude entender a respeito 
 
 
 
 187 
 
 
 
delas, elemento de ajuda e compreensão dos problemas que os fez procurar a clínica, para 
o atendimento. 
Despedimo-nos, combinando novo encontro para a semana seguinte. 
Nas sessões seguintes (Y, 6a e 7a) continuo atendendo a criança, utilizando os 
recursos que considero necessários para chegar a conhecer os aspectos que me 
interessam, e que são importantes para a compreensão diagnóstica. Procuro escolher 
estratégias que se adaptam a esse propósito. Utilizo, em geral, testes para avaliação da 
inteligência, uma vez que, freqüentemente, a demanda se refere a problemas de 
aprendizagem. Os testes mais utilizados são a Escala Wechsler para Crianças, para Pré-
Escolares ou Escala de Maturidade Mental Columbia; testes projetivos, como o Teste do 
Desenho: Casa, Árvore, Pessoa; o Procedimento de Desenhos-Histórias de Walter Trinca; 
o Teste de Apercepção Temática para Crianças (CAT-A). Lanço mão de testes 
psicomotores, quando há evidências de problemas nesta área. Utilizo então a Prova 
Grafoperceptivomotora de L. Bender e o Teste de Ritmos de M. Stamback. Substituo os 
testes por outras estratégias, como jogos dramáticos ou o de completar histórias, de acordo 
com as condições e a idade do grupo, e/ou a necessidade de verificar outros aspectos. 
Ao iniciar qualquer testagem, converso com as crianças, conto-Ihes o que vamos fazer 
e o que estamos pretendendo chegar a conhecer. No caso do W I S C, por exemplo, digo 
qual a proposta como um todo, ou seja, verificar sua capacidade de perceber e aprender 
coisas novas. Informo a respeito das 
habilidades que estão sendo verificadas nas diferentes áreas (execução e verbal). Conto-
Ihes que vamos ver juntas como aproveitam os conhecimentos adquiridos; como está 
sendo desenvolvida sua aptidão em planejar e executar tarefas com as mãos, como as 
desempenham e o tempo que levam para fazê-Ias. 
Com os testes projetivos, o procedimento é o mesmo. Antes de dar as instruções do 
próprio teste, falo da atividade que vamos desenvolver juntas e o que pretendo reconhecer 
e 
 
 188 
 
 
avaliar através das tarefas propostas. Digo que estou querendo conhecer como cada uma 
delas se encontra em relação a si própria, como vivenciam seus sentimentos e emoções, 
qual a maneira de reagir a eles; como se relacionam com as pessoas mais próximas, como 
se sentem em seu reduto familiar, em sua escola, com seus companheiros e professores, 
enfim como está se processando seu desenvolvimento afetivo-emocional. 
Atuo da mesma forma ao aplicar outros tipos de testes. Por exemplo, ao avaliar 
aspectos psicomotores, digo que quero conhecer como cada uma delas percebe, capta 
algo e, depois, é capaz de reproduzir o que viu, o que ouviu, o que ocorre à sua volta, de 
que forma e em que espaço de tempo. 
No final da aplicação, falo à cada criança como foi o seu desempenho no que se refere 
a estar comigo e em relação à tarefa pedida. Deixo as observações sobre habilidades espe-
CÍficas para serem comentados nas sessões seguintes, quando terei a avaliação de cada 
teste já concluída. No momento, nos sentamos à vontade e conversamos de maneira 
informal, sobre o que pude obter de conhecimento a respeito delas. 
Esclareceras crianças sobre o que fazemos juntas, o que 
pretendo conhecer, faz com que se sintam respeitadas e solicitadas a participar do 
processo. Dessa forma elas se permitem estar mais à vontade em relação ao trabalho, se 
aproximam, se expõem com mais tranquilidade e mostram como agem no seu dia-a-dia. 
Nas discussões dos resultados, posso contar com sua participação e respostas, o que me 
possibilita delinear o caminho que estou perseguindo, redefini-Io ou não. 
Procuro desenvolver as testagens em grupo, lançando mão de estratégias que 
viabilizem esse uso, como os testes gráficos ou de desenhos e histórias, que podem ser 
executados com as crianças acomodadas em mesinhas distribuídas pela sala, com o 
psicólogo se movimentando entre elas, se aproximando de cada criança, conversando 
sobre o que fizeram. Em alguns casos, quando não há condições de atuar em grupo, como 
em alguns testes de nível mental, os aplico individualmente. A 
 
 189 
 
 
 
 
Idevolução dos resultados, porém, é feita sempre em conjunto, com a participação de 
todos, de forma natural e amistosa. 
Somente quando estou convicta de que os aspectos importantes a respeito do estudo 
foram discutidos e devidamente esclarecidos, proponho a sessão final, na qual será lido e 
discutido o relatório, que está sendo elaborado desde o primeiro encontro: entrevista de 
triagem. Inicio com as crianças, numa entrevista grupal, na qual conversamos novamente a 
respeito de como se encontram naquele momento de vida, como cada uma delas atua ao 
relacionar-se com outras pessoas, de que meios se utiliza para se aproximar dos outros e 
da tarefa que lhe é proposta, quais sentimentos surgem nestes momentos e como reagem 
a eles, enfocando os aspectos afetivo-emocionais. Falo sobre as dificuldades e/ou 
facilidades em aprender coisas novas, sobre as atividades que desempenham, como as 
fazem e em qual delas encontram maior ou menor dificuldades, referindo-me aos aspectos 
intelectuais e psicomotores observados. Pergunto-Ihes como se sentiram durante o nosso 
trabalho, se houve mudanças em suas formas de pensar, agir e sentir, se houve algum 
ganho no decorrer do atendimento, enfatizando sempre o exercício de escolha e a coragem 
de enfrentar mudanças. Deste encontro participam somente as crianças, o que facilita a 
comunicação em linguagem coloquial, acessível ao seu estági() de desenvolvimento e 
capacidade de entendimento, e promove a oportunidade de se posicionarem de forma mais 
amadurecida e independente, tanto como grupo, quanto individualmente, uma vez que as 
estou respeitando como pessoas, dando-Ihes responsabilidades para atuar. 
A atitude de contar às crianças o que pude obter no processo de psicodiagnóstico está 
embasada na crença de que a criança não só é capaz de receber e entender as 
informações a seu respeito, como tem o "direito" de saber o que está acontecendo com ela, 
uma vez que foi levada a um profissional para ser avaliada, sendo considerada pelos pais 
ou por quem as encaminhou como portadora de algum "problema". 
 
 
 190 
 
 
 
 
L. F. - Eu vim aqui pra saber como eu tô, como eu vou 
 
Às crianças que têm indicação para outros atendimentos, cujos pais concordaram em 
seguir a orientação, conto a respeito do que está sendo proposto, procurando deixar claro 
como e onde será feito e de que forma se dará a sua participação. Discutimos sobre o que 
significa para elas participar destes atendimentos e se gostariam de ir. 
 
Comentários sobre os conteúdos observados 
 
Já nos primeiros encontros percebo atitudes bastante paricipativas de algumas crianças, 
umas mais, outras menos, mas odas muito presentes na relação grupal, não só entre eles, 
ompanheiros de grupo, como também comigo. Com o desen'olvimento do trabalho, as 
diferenças vão se evidenciando. .lgumas se mostram mais tocadas, envolvidas e 
conscientes o processo, falando de si mais espontaneamente do que outras. , partir desta 
observação, procurando não perder de vista as liferenças individuais, posso perceber que 
as crianças mais mticipantes são aquelas que têm maior conhecimento do que um 
atendimento psicológico e qual o motivo de estarem ali. 
~tas mostram interesse em se conhecer, como ocorreu com ís Francisco (L. F.), um menino 
de 9 anos, participante de I grupo diagnóstico, que pediu para tornar mais fácil e 
mpreensível o que eu dizia. Assim falou sobre o que estava erendo saber. 
 
Psicólogo (P.) - E você L. F., quer contar alguma coisa?L. F. - Ah, eu não sei mesmo. Dá 
pra falar alguma coisa 
is fácil?P. - Dá, sim, L. F., pode dizer o que você quiser. 
Ao se sentirem atendidas e aceitas como pessoas únicas portantes, capazes e 
competentes de se tornar cônscias de das experiências de seu mundo, as crianças se 
mostram 
 
 191 
 
 
confiantes, confirmadas como seres no mundo, não somente no que se percebem ser, com 
dificuldades e capacidades, como também em suas potencialidades. Essa é uma forma 
saudável de ser criança. Ao se permitirem seguir sua curiosidade e senso de aventura, 
expressam sua coragem perante as mudanças. 
Presencio algumas mudanças ocorrendo, a partir de minhas observações, ou em 
conversas entre as crianças, nos momentos em que elas, percebendo os próprios 
sentimentos e analisando os seus comportamentos em relação aos familiares, professores 
e amigos, chegam a modificar, de forma apreciável, o conceito de si próprias. Algumas 
crianças, durante o processo, revelam a percepção de mudanças, ao notarem o que há de 
diferente em sua maneira de pensar, ou em relação a seus sentimentos, como se deu com 
Fernanda (F.), uma menina de 8 anos, e L. F. nestes exemplos. 
 
P. - ... enquanto a professora está ensinando alguma lição nova, você pensa em seu 
gatinho, na bicicleta, no priminho, noutras coisas e acaba esquecendo aquilo que a 
professora falou. Acontece isso? 
 
F. - Às vezes, só que, agora isso não acontece mais, depois que eu vim aqui, eu fico 
pensando na minha professora e no que ela pede. Agora eu quero passar de ano. 
P. - No ano passado você não queria passar de ano? 
 
F. - Eu queria, meu pai falou que ia me dá a bicicleta, mas depois eu nem liguei. Agora 
eu quero. 
 
Ou: 
 
 P. - Nestas horas você começa a se comparar com os outros e pensa: "Tem horas 
que eu sou melhor e tem horas que sou pior"? 
 L. F. - Às vezes a gente fica bravo, às vezes a gente mais bravo, às vezes a gente 
abraça e fica amigo. 
 
P. - Sabe L. F., eu percebo que você entend« o que está acontecendo com você. 
Entende sim e faz força para melhorar. 
 
 192 
 
 
 
 L. F. - Depois que eu falei com você, eu fico pensando no 
que você falou, até esqueço da vida, às vezes não. 
Outras mudanças são notadas e comentadas pelos pais, ao relatarem os fatos 
ocorridos com a criança, durante a semana, em casa e na escola. 
 
Não são todas as crianças, em todos os momentos, que participam e que se permitem 
explorar seus sentimentos e atitudes, falando sobre eles. As crianças demonstram 
dificuldade em ouvir ou responder com coerência alguns assuntos abordados ou aspectos 
levantados, o que evidencia o quantum de ansiedade, medo e insegurança que é 
mobilizado ao se tocar certos pontos que representam ameaça de perda de valores 
importantes como prestígio, poder, amor e aceitação. Outros aspectos apontados facilitam 
a expressão de sentimentos, quando algumas crianças se mostram até aliviadas ao 
compartilhar o que as incomoda. Como ocorre com Luís Francisco: 
 
L. F. - ... só que tem uma coisinha que eu não te disse. P. - Pode contar. 
 
L. F. - Que eu não vou nunca namorar. 
P. - É, L. F., é alguma coisa que está te assustando? L. F. - É, eu não gosto de namorar. 
 
 P. - Você tem curiosidade, você quer saber o que acontece quando se namora? 
 L. F. - Não gosto e não vou gostar. Agora tô melhor, te contei o segredo. 
 
Em um dos grupos, uma das crianças aparentemente atravessa todo o processo sem 
ser sensibilizada, a não ser em alguns momentos em que demonstra estar acompanhando 
o que seus companheiros fazem, conversam,ou respondem às 
c. minhas observações. Ao me dirigir a ela, recebo respostas curtas, ou monos silábicas, 
que demonstram pouco interesse e disposição em participar. Este dado me faz pensar 
sobre até que ponto eu tenho o direito de impor a esta criança estar presente, segundo o 
desejo dos pais. Por outro lado, ela 
 
 193 
 
 
 
apresenta problemas e dificuldades de relacionamento, que evidenciam a necessidade de 
uma ajuda psicológica. Este é um ponto bastante controvertido na área clínica, que merece 
ser abordado mais detalhadamente. A minha conduta, nestas situações, é observar a 
criança, respeitá-Ia, no que ela puder responder ou participar, entendendo como importante 
a sua presença nas sessões, pois há a possibilidade de se criar um campo propício para 
que um novo modo de existência se instale e venha a germinar posteriormente. 
Nestas ocorrências, delibero sobre cada caso e a respectiva atitude a tomar, 
experimentando alternativas, sempre que possível efetuadas em trocas com o cliente. É ele 
quem confirma ou rejeita a escolha feita. 
O momento mais rico deste trabalho tem sido aquele em que me é possível penetrar 
no mundo das crianças, colocando-me em seu lugar, sentindo o que sentem. Para isso, é 
necessário sair do papel interpretativo, liberar a mente das suposições teóricas que me 
levam, freqüentemente, e aos profissionais da área, a ver os clientes através da ótica dos 
dogmas e sistemas teoricamente conhecidos. É preciso procurar, disciplinadamente, 
experienciar os fenômenos como se apresentam. Essa tem sido a única forma possível de 
entrar numa relação vivendal com as crianças. Esta tarefa de analisar continuamente as 
pressuposições que limitam e estreitam a percepção do fenômeno que pretendo conhecer, 
nem sempre é fácil, uma vez que as limitações humanas são inevitáveis. Apesar das 
dificuldades inerentes a esta postura, ela foi, sem dúvida, o ponto de partida 
encontrado por mim, para poder me aproximar e compreender o fenômeno que pretendia 
pesquisar. 
As crianças participam do processo de psicodiagnóstico infantil grupal, o nível de 
participação depende das características individuais e das emoções mobilizadas. Há uma 
maior participação quando me refiro a aspectos mais próximos do seu dia-a-dia, de suas 
vivências e de seu entendimento. Em vista disso, procuro atentamente fazer uso de 
linguagem clara e simples, traduzindo o que quero dizer em mensagens aces 
 
 194 
 
síveis, muitas vezes repetindo a mesma idéia de várias formàs, por meio de diferentes 
frases, com a preocupação de manter um diálogo entre nós. Deste modo, assumindo uma 
atitude flexível e ouvindo as próprias crianças, os esclarecimentos que fornecem, posso 
chegar mais perto dos sentidos de suas ex 
periências, comunicadas não somente por meio de palavras, mas através dos gestos, 
expressões faciais e movimentos de aproximação, ou distanciamento, manifestando 
sentiment-os que elas não conseguem verbalizar. São mensagens ricas e impor tantes, que 
permitem reconhecer como as crianças reagem ao que se diz a elas, como acompanham e 
entendem as verbalizações, modificando ou legitimando minha compreensão a respeito 
delas. 
Baseando-me nestas considerações, informo aos psicólogos interessados em trabalhar 
com esta modalidade de atendimento que devem, como eu, ter o cuidado de verificar o 
"como", o "quando" e o "quanto" falar a cada criança. Esta questão, muito discutida quando 
se trata de psicoterapia, não foi ainda considerada no atendimento psicodiagnóstico. 
 
 195 
 
 
 
 
 
 
 
REFLEXÕES SOBRE O USO DO PSICODIAGNÓSTICO EM INSTITUIÇÕES 
 
Yara Monachesi* 
 
A realização do psicodiagnóstico como etapa anterior à psicoterapia infantil apóia-se 
em duas justificativas: a primeira diz. que o psicólogo deve obter a compreensão mais 
profunda e completa possível da personalidade do paciente para fornecer indicações 
terapêuticas adequadas e a segunda argumenta que o psicodiagnóstico deve ser utilizado 
como instrumento para planejar, guiar e avaliar a intervenção terapêutica. 
Estas funções do psicodiagnóstico parecem atender às necessidades dos 
psicoterapeutas que realizam seu trabalho em consultórios particulares e que efetuam o 
psicodiagnóstico para, em seguida, iniciar o processo psicoterápico. O mesmo não 
acontece quando um psicólogo realiza o psicodiagnóstico e a seguir encaminha o caso 
para outro profissional atender eJJ1 psicoterapia. 
Na prática clínica institucional, por exemplo, observa-se que não ocorre o 
planejamento e acompanhamento da atuação terapêutica a partir do psicodiagnóstico. O 
psicodiagnóstico é utilizado, de fato, para estabelecer se o cliente se enquadra 
 
* Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Professora do curso de Psicologia da 
Universidade Paulista - UNIP. 
 
 196 
 
 
nas propostas de atendimento da instituição, para efetuar encaminhamentos e fornecer 
orientações. Para este nível de decisão, próprio dos processos de triagem, o 
psicodiagnóstico tradicional (ou clássico) é um processo superdimensionado. Formas mais 
abreviadas de trabalho podem preencher essas necessidades. 
Em pesquisa realizada em 19891, analisei como se inseria o psicodiagnóstico na prática 
clínica institucional. Procurei verificar em que medida o psicodiagnóstico realizado por outro 
profissional era útil para o psicoterapeuta. Nesse sentido, avaliei se as conclusões 
diagnósticas permaneciam registradas na memória do psicoterapeuta, se ele as utilizava 
como base para seu trabalho e como parâmetro de avaliação da psicoterapia. Verifiquei 
que, de fato, os psicoterapeutas utilizam o psicodiagnóstico para eliminar suspeitas de 
deficiência mental ou de doenças orgânicas, saber se a criança apresenta déficit 
psicomotor e ter o registro da queixa e da anamnese. 
As conclusões do psicodiagnóstico, referentes à estrutura e dinâmica da personalidade 
do paciente, são praticamente ignoradas pelos psicoterapeutas, que optam por apoiar seu 
trabalho no diagnóstico informal que realizam. Este constitui-se de entrevistas com os pais 
e observações das crianças em situação psicoterápica. 
Se o psicodiagnóstico formal é pouco utilizado pelos psicoterapeutas que trabalham nas 
instituições, causa estranheza o fato de continuar a ser empregado sem maiores questiona-
mentos2. As limitações de sua eficácia enquanto prática institucional sugerem que, 
enquanto rotina, o psicodiagnóstico poderia ser eliminado e substituído por um estudo de 
caso breve, 
 
 
 197 
 
por uma triagem ou atendimento em grupo de espera3, restringindo-se sua realização a 
casos com indicações específicas. 
 
A constituição do psicodiagnóstico e sua prática 
 
o psicodiagnóstico constituiu-se em um interjogo de circunstâncias conjugando práticas 
e teorias diversas. O interesse por estabelecer uma forma de avaliação sistematizada, com 
a proposta de roteiros que subsidiem a compreensão diagnóstica do cliente, foi tão amplo 
que até mesmo Anna Freud4, para quem, "a pesquisa de fatos, em torno de uma avaliação, 
está fora de questão e é praticamente inútil quando o método analítico não é usado", se 
contradisse, posteriormente, propondo um esboço de perfil diagnóstico que inclui a 
aplicação de testes para avaliação de funções, como memória e inteligência, além de 
aspectos da personalidade. 
No Brasil, desde o início dos trabalhos de Psicologia, foi adotado um modelo que inclui 
entrevistas com os pais, contatos com a criança e aplicação de testes. Esta forma se 
assemelha ao modelo médico, mais propriamente ao psiquiátrico, com a estrutura básica de 
queixa-exame-resultados. Desde o final da década de 70, passou-se a dar maior ênfase à 
questão da relação que se estabelece entre a criança e o psicólogo nesses contatos5. A 
esta mudança seguiram-se outras, que propõem uma forma compreensiva de abordar o 
psicodiagnóstico6, ou propõem alterações na estrutura do processo, como, por exemplo, 
 
 
 
 198 
 
 
o psicodiagnóstico grupal em uma abordagem fenomenológica existenciaF. Neste artigonos referimos ao processo de psicodiagnóstico tradicional ou clássico, constituído pelos 
seguintes procedimentos clínicos: queixa livre, entrevista de anamnese, observação da 
criança, aplicação de testes, entrevista devolutiva. 
As etapas do psicodiagnóstico acima citadas decorrem de uma variedade de 
referências conceituais que orientaram sua concepção e sua prática. 
De fato, o psicodiagnóstico constituiu-se de uma multiplicidade de procedimentos 
técnicos de origens diversas, e atémesmo antagônicas. O que assegura sua validade não é 
a coerência interna, pois não há uma linha mestra que oriente os procedimentos que 
parecem somar-se de maneira mais ou menos aleatória, mas sim o raciocínio clínico, que 
articula e integra os elementos coletados8. 
 
o psicodiagnóstico nas instituições 
 
o psicodiagnóstico realizado nas instituições geralmente tem a mesma estrutura 
daqueles realizados em consultórios particulares. Caracteriza-se como um atendimento 
longo e demorado e verificam-se) grandes intervalos de tempo entre a realização do 
psicodiagniJstico e a chamada para início da psicoterapia infantiI9.]Além disso, esse 
processo termina por oferecer poucos ganhos, tanto para. o cliente como para o psicólogo 
que realizará a psicoterapia. Algumas pesquisa-lo 
 
 199 
 
 
 
mostram que estes atendimentos redundam em uma compreensão quase nula dos seus 
resultados por parte do paciente, muitos das quais desistem no meio do processo. 
Algumas dificuldades estão presentes na realização do psicodiagnóstico e pesam 
contra sua utilização indiscriminada. Uma delas diz respeito ao custo do processo 
psicodiagnóstico. Do ponto de vista institucional, sua realização é onerosa devido ao 
grande número de horas dos profissionais dispendido nessa atividade. O cliente, mesmo no 
caso de atendimentos institucionais gratuitos, arca com o custo correspondente à sua 
locomoção, além de eventuais perdas salariais do acompanhante, no caso de atendimento 
infantil. Por outro lado, a demora na finalização do processo redunda em longas listas de 
espera para atendimento. Conseqüentemente, deixa-se de acolher a demanda do cliente e 
da família no momento em que se mobilizam para pedir ajuda, ao mesmo tempo em que, 
com a espera, se atenuam as ansiedades subjacentes a essa mobilização, sem, contudo, 
oferecer tratamento adequado. 
Apontamos aqui a incongruência entre os procedimentos institucionais e suas 
propostas de trabalho. Se se propõe tratar psicologicamente determinada parcela da 
população que apresenta distúrbios emocionais, a instituição deveria constituir-se, 
basicamente, em um local de acolhimento. O que a instituição necessitaria "saber" de 
imediato é se quem a procura precisa do tipo de tratamento psicológico e oferecê-Io 
prontamente. O que acontece, na verdade, é que, em vez de ser acolhido, o sujeito é 
submetido a um conjunto de exames, sem que a relação entre profissional e cliente se 
aprofunde. Não há um compartilhar da experiência suficientemente intenso que possa 
oferecer significativa diminuição do sofrimento psíquico ao cliente. No processo diagnóstico 
estão envolvidas três figuras: o cliente, a instituição e o psicólogo. As possibilidades de o 
cliente intervir no processo são praticamente nulas. As regras e a condução do processo 
estão a cargo da instituição e do psicólogo. As instituições, nem sempre dirigi das por 
pessoas da área da saúde mental, sofrem influências de ordem político 
 
 200 
 
 
 
administrativa que muitas vezes são contrárias ao bom andamento técnico. 
Aos psicólogos que realizam o trabalho de psicodiagnóstico cabe portanto propor 
mudanças e lutar por elas. Nota-se que, mesmo nos últimos anos, em que surgiram 
propostas significativamente importantes de modificações na área do psicodiagnóstico, a 
rotina institucional não se modificou com a mesma intensidade. É, portanto, muito difícil 
pensar na mudança do atendimento diagnóstico, ignorando a dinâmica da instituição em 
que se desenvolve. O que surpreende é que, apesar das dificuldades citadas, o diagnóstico 
subsiste e é muito utilizado. 
 
Por que tal fenômeno ocorre? 
 
Os testes foram e continuam sendo importante elemento na constituíção da identidade 
profissional do psicólogo. É a única prática exclusiva da profissão, além da elaboração das 
conclusões psicodiagnósticas. Conseqüentemente, há, na formação acadêmica, uma 
ênfase no ensino do psicodiagnóstico que, por um lado, é necessário ao desenvolvimento 
do raciocínio clínico, mas por outro dificulta as críticas correspondentes, que permitiria a 
flexibilização do modelo para adequá-Io, na prática, às necessidades de cada paciente. 
A adoção de técnicas e modelos prontos freqüentemente camufla inseguranças e 
dificuldades profissionais. Os psicólogos atuam clinicamente apoiados em suas 
percepções, mas não abrem mão de recursos supostamente objetivos; são estes que 
permanecem registrados nos prontuários. 
 
É possível mudar? 
 
Consideramos que a possibilidade de mudanças para a melhor adequação do emprego 
do psicodiagnóstico em instituições deve ser focalizada como parte de um conjunto que 
envolve o trabalho institucional. 
 
 201 
 
 
 
A ausência de definições claras quanto à concepção do trabalho institucional induz, 
freqüentemente, à "adaptação" de práticas próprias da clínica particular, sem o necessário 
cuidado com sua adequação. 
Os cursos de graduação dão maior ênfase a outros aspectos da formação, descurando 
do preparo do aluno para a prática institucional. Assim, é compreensível que, na ausência 
de modelos e sem uma base teórica sólida que oriente a reflexão, o psicólogo procure 
adaptar o que conhece. 
Cabe à formação acadêmica reformular-se para propiciar ao aluno um modelo de 
identificação que abarque a dimensão do tratamento psicológico, ao qual se subordina 
qualquer avaliação diagnóstica. Neste sentido, é preciso aprimorar o desenvolvimento do 
raciocínio diagnóstico, explorando-o enquanto processo interno do psicólogo que se apóia 
sobre recursos externos, que podem ou não estar associados ao emprego de técnicas 
específicas. É necessário fornecer, ainda, ampla gama de informações sobre o campo 
institucional, que se constitui em significativa parcela do mercado de trabalho, esclarecendo 
sobre a flexibilização das práticas que se faz necessária para melhor adequação e 
produtividade. Estas reformulações adquirem um caráter preventivo ao preparar o psicólogo 
para o questionamento, a análise e a intervenção eficaz nas instituições. Não será 
necessário, contudo, aguardar que o processo de discussão do trabalho do psicólogo em 
instituições percorra caminho tão longo para que se realizem mudanças. Paralelamente, 
pode-se discutir a concepção do trabalho a partir da realidade das instituições e da prática 
vi vida. 
Um primeiro passo para efetuar as correções necessárias é a discussão interna da 
equipe profissional para estabelecer qual o objetivo da instituição. Definindo-se os limites 
de sua atuação e delineando-se o perfil da clientela que se propõe atender, é possível 
estabelecer claramente os parâmetros de um setor de triagem. Um processo de triagem 
que se apóie seguramente sobre indicadores bem definidos pode fornecer 
 
 202 
 
 
 
apenas aqueles elementos que serão úteis ao psicoterapeuta. Uma conseqüência 
subjacente será o desmantelamento da rede de procedimentos burocráticos (a fila de 
espera e sua administração), que acoberta as falhas da organização do serviço. 
Uma vez traçado o perfil da instituição, podem ser estabelecidos critérios de exclusão 
de parte da demanda com relativa facilidade, atendendo-se à necessidade de determinar se 
o paciente se beneficia do atendimento sem, contudo, submeter-se ao alongado processo 
diagnóstico. Para esta tarefa, exige-se um profissional seguro, experiente, cuja formação 
envolva aspectos de desenvolvimeritopessoal que, somados à formação, o habilitem a 
confiar plenamente em suas percepções, podendo assim prescindir, até certo ponto, de 
outrosinstrumentos. 
O profissional "seguro" e "experiente" não surge espontaneamente; pressupõe-se que é 
aquele que ao longo de sua prática profissional teve, ou ainda tem, a oportunidade de 
avaliá-Ia criticamente através de supervisão adequada. Isso remete, portanto, a outra 
questão, que é o respaldo fornecido por processos de supervisão institucional e clínica. 
Raramente nos serviços de psicologia que são desvinculados das clínicasescola este 
suporte é fornecido aos profissionais. Encontramos em Moratoll a justificativa para que tal 
procedimento possa ser considerado como imprescindível. Referindo-se à posição de 
Bowen, a autora afirma que "a implicação (...) é que o supervisor propicie condições para 
que o supervisionado possa explorar sua própria competência e poder, desenvolvendo 
assim seu próprio estilo". 
O setor de triagem, assim organizado, dará conta de 
significativa parcela da demanda. Uma parte da clientela, constituída por aquelas crianças 
que apresentam quadros mais complexos, poderá ser avaliada mais acuradamente para ela 
 
 
 203 
 
 
 
,boração de diagnósticos diferenciais. Para estes casos, será importante contar com o 
concurso dos vários profissionais que compõem as equipes multidisciplinares. 
Recomendável, ainda, que haja a perspectiva de oferecer ao paciente e/ou a sua família 
um "ganho" resultante dessa experiência~Neste sentido, indica-se o psicodiagnóstico que 
valoriza os aspectos compreensivos e de intervenção, o qual permite ao cliente levar 
consigo ao menos uma parcela de compreensão a respeito de suas dificuldades, se for 
encaminhado a outro local de tratamento, ou ampliá-Ia, se permanecer na própria 
instituição. 
Neste contexto, caberá ao psicólogo que realizará a psicoterapia definir, em processo, 
como se realiza sua avaliação, quais os instrumentos ou técnicas que utiliza, pois já não 
será uma etapa diagnóstica isolada, mas alguma coisa que se insere e se articula no corpo 
da psicoterapia. 
 
 204 
 
 
 
 
O PROCESSO DE ESCOLHA DIAGNÓSTICA EM UMA EQUIPE 
MULTIDISCIPLINAR:ANÁLISE DAS NEGOCIAÇÕES 
 
Marcos T. Mercadante* 
 
A atividade de diagnosticar é sem dúvida uma prática fascinante. Implica o uso de 
capacidades cognitivas complexas, do raciocínio analítico ao indutivo, do dedutivo à síntese 
etc. Os médicos, desde os tempos da medicina grega e chinesa, procuram desenvolver ao 
máximo esta habilidade, buscando delimitar adequadamente diferentes entidades 
nosográficas e subseqüentes condutas terapêuticas. Os mais recentes precursores do 
médico "moderno", os barbeiros-cirurgiões da Idade Média, exerciam a arte de diagnosticar 
e curar equilibrando-se entre um esboço de ciência empírica e um curandeirismo religioso, 
que respondia a uma demanda social daquela época. 
Podemos passar deste contexto à história da psiquiatria , da infância, que tem sua 
primeira cátedra na Paris dos anos , nao tem sua identidade plenamente desenvolvida. 
Fruto da coalizão da pedagogia, psicologia e neurologia, discute-se sua aproximação com a 
pediatria ou com a psiquiatria do 
 
 
 205 
 
 
adulto e mais atualmente sua possível dissolução na neurociência. 
 
Pretendo, .neste texto, analisar a prática de diagnosticar em psiquiatria da infância a 
partir desta ótica: uma especialidade em formação, que, por resultar da conjunção de 
diferentes ciências, mostra-se como um produto híbrido, a ser identificado pelo mercado. 
Como no início da medicina moderna, quando foi neces 
sária uma intensa atividade de adaptações à sociedade e ao mercado de consumo, a 
psiquiatria da infância, através dos diagnósticos das psicoses da infância e dos distúrbios 
do desenvolvimento, viu-se obrigada a definir seu trajeto dentro das instituições 
acadêmicas. Estas traziam consigo uma tradição de origem medieval: as "disputas", 
torneios intelectuais, em que mestres e discípulos eram questionados publicamente e 
deviam defender seus pontos de vista 1. Estas ati vidades transformaram-se nas 
discussões de caso das escolas de medicina dos nossos dias. 
Focalizarei neste trabalho o processo de escolha do diagnóstico de uma criança 
gravemente afetada em seu desenvolvimento psíquico, dentro de uma instituição de ensino 
médico, visando identificar as atividades concornitantes às "discussões de caso". 
 
É sabida a imprecisão dos diagnósticos das psicoses da infância, em seu sentido mais 
amplo: há uma sobreposição entre as várias nosografias utilizadas nos nossos dias2, Para 
aqueles que têm mais experiência na área fica evidente que pode-se atribuir à mesma 
criança diagnósticos tão distintos como. criança atípica de Rank ou pré-psicose, distúrbio 
de 
 
 
 
 206 
 
 
 
comportamento ou psicose simbiótica de Mahler etc.3 Inúmeros outros exemplos poderiam 
ser ainda mencionados. 
O diagnóstico "escolhido" resulta, portanto, de um conjunto de discussões, e é nesta 
perspectiva de discussões/negociações que procurei esclarecer o que é disputado no 
diagnóstico de uma criança com distúrbio de desenvolvimento, utilizando como referencial a 
Teoria da Ordem Negociada4. Esta vertente da microssociologia, desdobramento do 
Interacionismo Simbólico, propicia o estudo das interações não apenas nos seus aspectos 
racionais, mas considerando que os indivíduos negociam rotinas, sobre bases afetivas, 
visando estabelecer um cotidiano que mantenha as identidades nele envolvidas5. Assim, a 
Teoria da Ordem Negociada, após desenvolver vários trabalhos em instituições de saúde6, 
organizou um modelo teórico, constatando que os conflitos entre os diferentes "atores" de 
uma instituiçã07 não são resolvidos a partir de recursos puramente cognitivos, como por 
exemplo a leitura do Regimento Interno de um hospital para resolver problemas surgidos na 
recepção do cliente. De fato, no cotidiano agimos e nos comportamos seguindo rotinas. 
Quando estas são rompidas, cria-se uma disputa pelo controle da interação, seguida pelo 
reestabelecimento de uma nova rotina. Ninguém pensa, na vida cotidiana, como ou por que 
cumprimentamos as pessoas desta ou daquela 
 
 207 
 
 
Uma forma, até porque, se o fizéssemos, ficaríamos em um estado paralisante e cada 
gesto seria precedido por reflexões infinitas. 
Assim, em nosso cotidiano, não é necessário saber por que agimos de determinada 
maneira. É suficiente que as comunicações sejam dirigidas para parceiros de uma coalizão 
específica. A repetição e a ritualização destas comunicações dentro de um grupo, 
mantendo um tom emocional comum, garantido por uma base afetiva, criam o sentimento 
de coalizão. A reflexão, a teorização, só serão acionadas quando, nessa rotina, alguém 
disparar alguma comunicação indevidamente, desrespeitando as regras tácitas. 
A interação pode, então, ser analisada como market-placesS. Os elementos 
fundamentais que esta análise focaliza são os recursos emocionais e de comunicação de 
cada pessoa e de cada grupo. Em síntese, a ordem social, e portanto as instituições, 
profissões, e os diagnósticos, são o r~sultado de diferentes microcomportamentos 
interagindo no tempo e no espaço. Assim, as pessoas reconhecem uma outra como 
médico, desde que ela tenha um comportamento correspondente a esta função, não sendo 
exigida a apresentação do seu diploma para iniciar o relacionamento. As comprovações 
legais, ou seja os mecanismos essencialmente cognitivos, só serão acionadas se houver 
um desafio aos padrões habituais da interação. Deste modo, os acordos informais que 
regem as interações esclarecem como as identidades e a ordem social são construídas, a 
partir da negociação de rotinas9. 
Quando os membros de um serviço de atendimento à saúde sentam-se à mesa para 
discutir o caso de uma criança gravemente afetada em seu psiquismo, eles procuram 
identificar naquela criança qual a condição mórbida responsável pelo insucesso do 
desenvolvimento. Porém, quem tem certa intimidade com as categorias nosográficas das 
psicoses da infância 
 
 
 208 
 
 
 
(lato sensu) sabe que parte delas são delineadas a partir de diferentes referenciaisteóricos, 
nenhum dos quais completo. 
Foi no século XX que a psiquiatria infantil e, em especial, as psicoses da infância 
ganharam destaque, quando Kraepelin e Bleuler admitiram que alguns de seus pacientes já 
apresentavam sinais de doença mental na infância. Seguem-se uma série de descrições de 
quadros (Demência de Heller, Demência de De Sanctis) até a publicação do Autismo 
Infantil por Kanner, em 194310. Neste período, definiram-se duas grandes vertentes: uma 
descritivo-fenomenológica e outra psicodinâmica, predominantemente psicanalítica. 
Basicamente, estas duas vertentes construíram uma infinidade de definições e 
classificações. 
O autismo hoje pode ser compreendido a partir da leitura psicanalítica de Tustin (1978), 
da proposta de Rutter (1985), centrado em alterações cognitivas e de linguagem, ou, como 
preferem Ritvo e Ornitz (1976), considerado resultante de distúrbios perceptivos. Entender 
o autismo a partir de uma concepção psicodinâmica, ou de um modelo biológico, implica 
descrevê-Io de modo diferente e conseqüentemente incluir crianças diferentes nesse 
diagnóstico. Mais ainda, significa adotar condutas terapêuticas diversas, correlacionadas às 
áreas disfuncionais enfocadas pelo modelo teórico. 
MahlerII descreve os estádios autísticos e simbióticos do desenvolvimento e propõe a 
psicose simbiótica como um quadro ligado à dificuldade de individuação da criança na 
relação com a mãe. Algumas crianças diagnosticadas como desarmôoicas correspondem à 
descrição de MahlerI2. Lebovici13, aponta a superposição da desarmonia com a pré-
psicoseI4, sendo a 
 
 
 209 
 
 
1 diferença encontrada no foco de maior atenção: a questão da evolução estruturante da 
neurose infantil ou nas discrepâncias do desenvolvimento. 
Mesmo entre as classificações que procuram se ater a uma dada posição teórica, há 
superposições que geram confusões; por exemplo, a síndrome de Heller confunde-se 
com 
a psicose desintegrativa, que pode ser entendida como um quadro demencial e não 
psicótico, apesar de as duas classificações decorrerem de uma posição... 
A esquizofrenia infantil está ligada a propostas extremamente abrangentes como 
pseudodeficitário, pseudoneurótico e pseudopsicopáticol5, até conceitos indistintos como 
os de Creakl6, e as propostas de Kolvinl7 e Rutter18 como quadro fenomenologicamente 
indistinto do proposto para os adultos. 
Além das diferentes definições das psicoses da infância, a dificuldade de estudar e 
delimitar quadros psicopatológicos em organismos em desenvolvimento e, portanto, em 
constante transformação dificulta o esclarecimento de situações complexas, como as 
existentes quando se cogita o diagnóstico de esquizofrenia. 
 
Uma série de trabalhos procurou separar o autismo da esquizofrenia, enfocando, por 
exemplo, diferenças epidemiológicas nos antecedentes familiaresl9, porém alguns autores 
des 
 
 
 210 
 
 
 
crevem crianças autistas que quando adultas passam a apresentar quadro compatível com 
esquizofrenia2o, o que os leva a defender a proposta de um continuum entre os dois 
quadros. 
A esta diversidade de propostas, aqui apenas exemplificada, somam-se as posições e 
interpretações pessoais dos profissionais mais graduados que exercem influência no seu 
meio de atuação. Assim o diagnóstico do autismo infantil, como mostra Gillberg21, é 
fortemente influenciado pelas preferências e pela experiência do profissional que está 
realizando o diagnóstico. Esta posição pode ser estendida a todos os diagnósticos de 
psicoses da infância. 
 Apesar da inexistência de marcadores biológicos e agentes etiológicos identificados, 
praticamos os diagnósticos em crianças, muitas vezes muito pequenas e com ausência de 
fala, apenas pela interpretação dos sinais e sintomas. 
Esta interpretação é atravessada pela subjetividade do profissional que realiza o 
diagnóstico, assim como pela dos pais da criança diagnosticada. Por exemplo, o autismo, 
segundo o DSM-IIIR22, exige o aparecimento dos sintomas antes dos 30 meses de idade, 
o que atrela o diagnóstico à memória dos pais23. 
Se esta diversidade ocorre em relação ao autismo, um dos quadros mais contemplados 
pela literatura psicopatológica internacional, podemos considerar o que ocorre com quadros 
menos estudados, ou abordados por um modelo teórico (como a psicose simbiótica). 
Esta imprecisão do conhecimento psiquiátrico necessariamente acompanha os 
diagnósticos, pois os referenciais teóricos 
 
 
 
 211 
 
 
 
 
não fornecem indicações suficientes para o profissional. Resulta uma intensa atividade do 
processo de definição diagnóstica. As negociações ali presentes ficam mais evidentes do 
que no diagnóstico de outros quadros psicopatológicos. A própria variedade das 
classificações das psicoses da infância facilita a emergência das negociações. 
Acompanhando inúmeras reuniões, notava estas negociações nas "Discussões de 
Caso", entre membros da equipe das instituições em que trabalhei. Os profissionais, pelo 
convívio intenso, proximidade, divisão de funções, mostravam intimidade entre si e 
utilizavam a reunião não apenas para discussões teóricas, mas também como um lugar de 
relações sociais, determinando um ritmo e forma característicos. Muitas vezes, ao final das 
discussões, percebia que, embora não fosse claro o que realmente o paciente apresentava, 
elaborávamos uma conclusão. Passei a me perguntar por que, para que e para quem 
diagnosticamos. Ou ainda, como ocorrem estas negociações que permeiam as discussões? 
O que na verdade énegociado? Qual sua influência na elaboração final do diagnóstico? 
 
Analisando as reuniões24 pude verificar que os participantes, através de 
questionamentos, definições, comparações etc., construíam um raciocínio que apontava 
para uma escolha diagnóstica. Esta escolha, porém, não resultava apenas daquele 
momento, mas era uma expressão, possível, da somatória de múltiplos fatores 
institucionais, ou seja, para "classificar" uma proposta diagnóstica, os participantes 
utilizavam uma série de estratégias, negociando o resultado final. 
Os debatedores estabeleciam "alianças" com participantes que tinham posições 
semelhantes, somando esforços para o convencimento dos "rivais", apoiavam-se em 
"cacifes" que lhes eram atribuídos pela posição hierárquica no grupo ou pela 
 
 
 
 212 
 
 
 
reputação que o meio profissional lhes atribuía. Nos diálogos, procuravam demonstrar que 
detinham o conhecimento e que, portanto, ao opositor nada restava, exceto submeter-se 
(conceito de Caris ma e Desviante25). Por vezes beneficiavam-se de "alicerces informais", 
como, por exemplo, utilizar o comentário de que o paciente é "muito louco" para embasar 
uma hipótese diagnóstica de psicose infantil em detrimento de uma proposta c1assificatória 
de deficiência mentaF6. 
Estas estratégias evidenciam que, além da conclusão diagnóstica, outros objetos são 
negociados durante a discussão, em uma instituição; as posições hierárquicas e as 
relações afetivas são atualizadas através dos diálogos, influindo intensamente no produto 
final, o diagnóstico. Assim, quando se reúne, o grupo realiza disputas por posições como a 
"de quem sabe mais", "quem respeita quem" ou "quem gosta de quem". Não raro uma 
"definição" diagnóstica é praticamente imposta pela palavra do participante mais graduado 
hierarquicamente na instituição. 
Pelo predomínio de diferentes definições, muitas vezes com sobreposições, a psicose 
da infância facilmente leva os grupos a dividir-se em posições teóricas distintas, como 
posturas psicodinâmicas ou biológicas. Dependendo das características dos serviços de 
saúde, uma posição predomina sobre a outra, delimitando inclusive a identidade desse 
serviço, que será reconhecida pelo restante da comunidade científica. Nas conversas 
informais, em alguns serviços, podemos, por exemplo, perceber certo predomínio das 
afirmações biológicas, como nos casos de psicose desintegrativa com leucodistrofia, 
quando a organogênese toma-se suficiente para explicar e justificar todasas alterações de 
comportamento. 
Assim, durante as reuniões que analisei27, o grupo, além de escolher uma categoria 
nosográfica para aquela criança, 
 
 
 213 
 
 
 
também se atualizava, reformulando sua estrutura, relações sociais e de afeto, "cotação" de 
determinada posição teórica, e a identidade do próprio grupo. Durante as falas, os 
participantes demonstravam o quanto simpatizavam com determinados autores em 
detrimento de outros, e estas preferências necessariamente tinham relação com o tipo de 
público com que os profissionais trabalhavam. Esta adaptação entre locutor e ouvinte 
participa indiretamente, porém de forma marcante, das discussões de casos e suas 
negociações. Assim, os profissionais discutem como transmitir determinada compreensão 
diagnóstica para pais intelectualmente limitados, como expor uma perspectiva psicanalítica 
para pais demasiadamente concretos ou como expor uma conclusão essencialmente 
biológica para pais com uma formação humanística acentuada. 
Diante desta rede de incertezas, para que e para quem 
diagnosticamos? Para definirmos uma conduta diagnóstica, para manutenção da ciência 
Psiquiatria da Infância que se estrutura a partir desta prática, e para a construção da 
identidade do psiquiatra infantil. 
Ninguém questiona nos dias de hoje a capacidade de os cirurgiões operarem uma 
apendicite em um abdômen e nenhuma outra categoria social consegue competir com o 
médico nesta função. Por outro lado, a possibilidade de o psiquiatra infantil resolver os 
distúrbios do desenvolvimento ou as psicoses da 
infância é extremamente pequena e difícil de ser verificada. , Muitas vezes limita-se à 
capacidade de realizar um estudo: 111 mais organizado do diagnóstico que frequentemente 
já vem estabelecido pelos pais, embora de maneira leiga. 
Não raro, os pais procuram outras explicações para o fenômeno que observam28, deixando 
o médico com seu discurso esvaziado. Assim, somos obrigados a considerar que o 
profissional 
 
 
 
 214 
 
 
 
 
sional diagnostica para poder, no contato com os pais, reafirmar sua função social e sua 
identidade profissional. 
Os que trabalham com psicóticos notam a profunda aflição dos pais diante da 
condição de seus filhos e da falta de recursos para assisti-Ios. Desesperados e 
desesperançados, eles procuram respostas e soluções. A prática profissional freqüen-
temente os põe em um cenário inintelígivel; os psicanalistas os inserem no quadro das 
alterações de seu filho (quando' não os elegem como peças fundamentais), os organicistas 
os ino centam e excluem do processo quase que marginalizando-os, os 
comportamentalistas interferem em sua vida, procurando treiná-los e aos filhos. Os 
seguidores dos modelos de diagnóstico americanos afirmam para os pais que a criança é 
autista, profissionais de formação francesa propõem que a criança é desarmônica, e outros 
ainda dizem que é deficiente mental, transformando problemas conceituais em objeto 
concretizado de disputa, e introduzindo os pais em negociações impregnadas pelos afetos, 
níveis hierárquicos, "cacifes" etc., através dosquais construímos nossa função social. 
Finalizando, proponho que, nas discussões de caso, passemos a considerar a 
perspectiva de estar lidando com produtos de consumo instituístes de identidades, para que 
possamos fazer prevalecer, em nossos diagnósticos, o bem-estar dos clientes. 
 
 
 
 215 
 
 
 
 
 
 
11 
 
bibliografia comentada psicodiagnostico 
 
Cláudia Beatriz S.Bruscagin* Delba Teixeira Rodrigues Barros** 
 
AMATUZZI, M.; ANCONA-LOPEZ, S.; VILARINHO, M. A. S. & YEHIA, G. Y. Triagem e 
psicodiagnóstico infantil: 
processo de intervenção. XXII Reunião da Sociedade de 
 Psicologia de Ribeirão Preto, 1992. 
Curso ministrado na XXII reunião de Ribeirão Preto, enfocando diferentes processos de intervenção 
psicológica. ANCONA-LOPEZ, M. Contexto geral do diagnóstico psicológico. In: TRINCA, W. (org.) 
Diagnóstico Psicológico. 
São Paulo: EPU, 1985. 
Aborda características gerais do psicodiagnóstico, teoria e prática, razões de uso, diferentes modelos de 
atuação. 
ANCONA-LOPEZ, M. Atendimento a pais no processo psicodiagnóstico infantil: uma abordagem 
fenomenológica. Tese de Doutorado, Psicologia Clínica, PUC-SP, 1987. Discute características do 
psicodiagnóstico numa abordagem fenomenológica-existencial. Enfoca o atendimento em grupo de pais que 
levam os filhos para psicodiagnóstico. 
 
Pg 216 
 
 
 
 
 APPELBAUM, S. & KATZ, J. Self-Help Diagnosis: Self Administered Semi-Projective Device. Journal of 
Perso nality Assessment, 39, 4, 1975, pp. 349-359. 
Apresenta um "pacote" de testes, que o cliente responde em casa e devolve pelo correio, com o objetivo de 
agilizar o processo diagnóstico. As respostas mostram que os clientes que preenchem os formulários 
seriamente aprendem sobre si e assim se beneficiam através desta tarefa. 
AUGRAS, M. O ser da compreensão: Fenomenologia da 
situação de psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1978. 
Considera que, .no processo diagnóstico de conhecimento, reconhecimento e clarificação, psicólogo e cliente 
são participantes e co-autores. Propõe uma reformulação do enfoque tradicional do psicodiagnóstico através 
da abordagem fenomenoló g ico-existencial. 
BOY, A. Psychodiagnosis: A Person-Cent~red Perspective. Per 
son-Centered Review. 4, 2, 1989, pp. 132-151. 
Critica o uso do psicodiagnóstico, seu propósito, instrumentos, metodologia; considera que é influenciado 
pela cultura, educação, valores e necessidades psicológicas. 
BRODSKY, S. L. Shared Results and Open Files with the 
Client. Professional Psychology, 3, 4, 1972, pp. 362-364. Para que o cliente se torne um parceiro genuíno e 
participante no psicodiagnóstico é importante que testes, resultados e relatórios sejam compartilhados com 
ele. 
BROWN, W. Current Psychological Assessment Practices. Pro 
fessional Psychology, novo 1976, pp. 475-484. 
Pesquisa nacional sobre o uso dos testes psicológicos (objetivos, subjetivos, projetivos) em clínicas de saúde 
mental. 
CAIN, D. J. The Client Role in Diagnosis: Three Approaches. 
Person-Centered Review, 4, 2, 1989, pp. 171-182. 
Parte da premissa de que o que o cliente aprende sobre si mesmo é mais importante do que o que os 
diagnosticadores apreendem no processo. Descreve os modelos mecânico, pres 
 
Pg 217 
 
 
 
critivo e colaborativo de psicodiagnóstico. Considera o último compatível com a teoria e prática centrada na 
pessoa. 
CHOROT, P. Perspectivas Actuales y Futuras de Ia Evaluacióo Psicologica. Revista de Psicologia Geral y 
Aplicada, 39, 
 2, 1984. 
Constatando o desenvolvimento do campo da avaliação psicológica nos últimos anos, a autora apresenta os 
modelos tradicionais de avaliação e propõe uma avaliação funcional de conduta com base na psicologia 
experimental e psicofisiologia e também da psicologia da aprendizagem. 
COCHRANE, C. T. Effects of Diagnostic Information 00 Empathic Understanding by the Therapist in a 
Psychotherapy Analogue. Journal of Cons. and Clinical Psycho logy, 30, 30, 1972, pp. 359-366. 
Pesquisa e analisa a influência da informação diagnóstica no que diz respeito ao entendimento empático do 
cliente pelo terapeuta no contexto psicoterápico. 
COHEN, M. Need For Clearer Thinking About Diagnostic Criteria. American Journal of Psychiatry, 147, 2, 
1990, pp. 261-262. 
Discute a necessidade de uma linguagem mais clara e precisa nos artigos psicológicos, para não haver 
interpretações diferentes de um mesmo termo 
CORDIOLI, A. V. Avaliação do paciente para psicoterapia. In: CORDIOLI, A.V. (org.). Psicoterapias: 
abordagens atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 
Discute os conceitos atuais subjacentes aos vários modelos teóricos e suas aplicações a vários 
quadropsicopatológicos. 
CRADDICK, R. Sharing Oneself in the Assessment Procedure. Professional Psychology, 6, 3, 1975, 
pp.279282.Para que a relação compartilhada ocorra no psicodiagnóstico, 
faz-se necessário o desenvolvimentoda confiança mútua. O cliente é considerado como pessoa capaz, o que 
diz é valorizado no desenvolvimento do trabalho. Comenta a relação de poder 
 
pg 218 
 
 
 
entre cliente e psicólogo quando o processo não é compartilhado. 
CUNHA, J. et aI. Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artes Médicas,1986.Propõe atender às necessidades do 
psicólogo que pratica o psicodiagnóstico de modo tradicional, oferecendo conhecimentos sistematizados para 
orientar esta prática. 
CUPERTINO, C. Teoria e prática do psicodiagnóstico fenomenológico: uma análise dos desencontros. 
Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica, PUC-SP, 1990. 
Analisa um atendimento em psicodiagnóstico infantil que não alcançou o resultado esperado. Analisa o 
desencontro entre cliente e psicólogo a partir da teoria da ordem negociada. 
DANA, R. H. & LEECH, S. Existential Assessment. Journal 
of Personality Assessment. 38, 1974, pp. 428-435. Apresenta modelo de diagnóstico humanista-existencial, enfo-
cando o encontro e encorajando a responsabilidade do cliente. 
 
DE CHENNE, T. Diagnosis as Therapy for the Borderline 
Personality. Psychotherapy, 28, 2, 1991. 
O diagnóstico é examinado como uma possível comunicação terapêutica, interpretação oferecida pelo 
terapeuta ao cliente, como uma possível intervenção. 
DOR, J. Estrutura e perversões. Porto Alegre: Artes Médicas,1991. 
O autor aborda a noção de avaliação diagnóstica na psicanálise, estuda a diferenciação entre sintoma e estrutura e 
desenvolve o tema da perversão. 
 
EL-lD, K. Psicodiagnóstico de crianças em grupo: análise de uma experiência. Dissertação de Mestrado, 
Psicologia Clínica, PUC-SP, 1985. 
Relata experiência de psicodiagnóstico em grupo numa clínica de Saúde Pública de São Paulo. Propõe 
técnicas de avaliação grupal. 
 
Pg 219 
 
 
 
 EPSTEIN, S. The Relative Value of Theoretical and Empirical Approaches for Establishing a Psychological 
Diagnostic System. Journal of Personality Disorders, 1, 1, 1987, pp. 100-109. 
Discute a importância de se ter uma abordagem teórica ou uma abordagem empírica nas pesquisas 
psicológicas. Argumenta que esses processos não devem ser vistos como antagônicos no diagnóstico, mas sim 
como abordagens facilitadoras do empreendimento científico. 
FAIVICHENCO, S. O laudo diagnóstico no trabalho do psicólogo. Dissertação de Mestrado, Psicologia 
Clínica, PUC RJ, 1977. 
Apresenta a importância de o laudo diagnóstico traçar o registro coerente da interação do paciente com seu 
meio. Pode ser a base do prognóstico e da discussão do caso com o cliente ou com seus familiares. 
FEE, A. F. et aI. Testing and Counseling Psychologists: Current Practices and Implications for Training. 
Journal of Per 
 sonality Assessment, 46, 2, 1982, pp. 116-118. 
Pesquisa de opinião sobre a utilização de testes psicológicos por psicólogos que trabalham em 
aconselhamento. 
 
 FIGUEIREDO, M. C. & SCHVINGER, A. A. Estratégias de atendimento psicológico-institucional a uma 
população carente. Arquivos Brasileiros de Psicologia. Rio de Janeiro, jul./set.l981, pp. 46-57. 
As autoras apresentam um breve resumo de sua prática como supervisoras junto a uma clínica-escola de 
psicologia no Rio de Janeiro. Apontam particularidades no atendimento à população carente e sua forma de 
lidar com ela, tendo por base teórica a fenomenologia-existencial. 
FISCHER, C. T. The Testee as Co-Evaluator. Journal of Counseling Psychology, 17, 1970, pp. 70-76. 
Com base numa visão existencial, propõe uma avaliação psicológica, na qual cliente e psicólogo partilham 
impressões, resultados dos testes e avaliação escrita. 
 
Pg 220 
 
 
 
FISCHER, C. T. Paradigm Changes wich allow Sharing of 
Results. Professional Psychology, 3, 4, 1972, pp. 364-369. 
Discute a possibilidade de partilhar com o cliente resultados do psicodiagnóstico e efeitos a partir de 
diferentes paradigmas. 
FISCHER, C. T. Individualized Assessment and Phenomenological Psychology. Journal of Personality 
Assessment, 43, 2, 1979, pp. 115-122. 
Revisa a avaliação individualizada referida como colaborativa, contextual e interventiva, na qual o cliente é o 
participante informado desde o início. 
 
FISCHER, C. T. Individualizing Psychological Assessment. 
Monterey, CA: Brookscole, 1980. 
Apresenta de modo descritivo e exemplificado uma abordagem psicodiagnóstica que pretende assistir os 
profissionais a tomar decisões no atendimento envolvendo seus clientes como coassessores. 
 
 FISCHER, C. T. A Life-Centered Approach to Psychodiagnostics: Attending a Lifeworld, Ambiguity and 
Possibility. Person-Centered Review, 4,2, may 1989, pp. 163-170. 
Enfatiza o uso do diagnóstico como instrumento para conhecer mais profundamente a pessoa, reconhecê-la 
como agente de sua vida e seu mundo, possibilitando a exploração de novas possibilidades positivas. 
FRIEDENTHAL, H. Interrogatório, test de límites y sefíalamientos en el test de relaciones objetales. In: 
VERTHEL YI, R. F. de (comp.). El test de relaciones objetales de H. Phillipson. Buenos Aires: Nueva Vision, 
1976. 
Utilizando as técnicas projetivas de modo sensível e criativo para um trabalho de exploração psicológica 
compartilhado com o paciente, a autora mostra as dificuldades de se manter uma distinção nítida entre a 
prática psicodiagnóstica e psicoterapêutica. 
 
Pg 221 
 
 
 
 GOODMAN. J. Diagnosis and Intervention in Young Children: The Continuing Gap. Journal of Psychology, 
121, 1, 1987, pp. 21-35. 
Encara o diagnóstico como um problema a ser resolvido. A partir da formulação do problema, levanta 
hipóteses de mudanças possíveis e trabalha interventivamente. 
GORI, R.; MILLER, J. A.; W ARTEL, R. La querelle des 
diagnostico Paris: Navariu Editeur, 1986 (Col. Cliniques). Artigos discutem como e por que os 
psiquiatras diagnosticam, considerando correntes psicogenéticas e humanistas, assim como aproximações 
biológicas e estatísticas. 
 
 GOUGH, H. Some Reflections on the Meaning of Psychodiagnosis. The American Psychologist, 26, 1971, pp. 
160 167. 
Discute razões e propósitos do psicodiagnóstico, aponta áreas que precisam ser melhor desenvolvidas e 
ensinadas. Vê o psicodiagnóstico como uma tradição vital do domínio psicológico que precisa ser mantida e 
transmitida. 
HA YWOOD, H. & TZURIEL, D. lnteractive assessment. Nova 
York: Springer, 1992. 
Considerando que mudanças em conceitos teóricos de natureza, desenvolvimento e maleabilidade da natureza 
humana modificam os objetivos e métodos do diagnóstico, apresenta bases teóricas, pesquisas, estudos de 
caso e aplicações da avaliação interativa na área psicoeducacional. 
HOLLENDER, M. H. Selection of Patients for Definitive Forms of Psychotherapy. Archives of General 
Psychiatry, 
 vol. tO, 1964, pp. 361-369. 
Discute os propósitos e a natureza do processo de seleção de pacientes para psicoterapia, enfatizando 
mais o paciente e suas necessidades do que a natureza dos problemas. 
JUBELINI, S. Psicodiagnóstico grupal. Gradiva: Foro de De 
bates Psicodinâmicos, 9, 11, 1981. 
Apresenta um modo de trabalhar no psicodiagnóstico em grupo. 111 
 
 
Pg 222 
 
 
 
KEEN, E. Introdução à psicologia fenomenológica. Rio de 
Janeiro: Interamericana, 1979. 
Apresentando a psicologia fenomenológica, o autor argumenta que o procedimento diagnóstico é aquele que 
permite que o indivíduo perceba mais claramente como se vê e ao mundo. O tratamento se daria onde a 
pessoa seria capaz de descobrir maneiras alternativas de ver as coisas, interpretar o mundo e ser-no-mundo. 
 
 KLEIN, R. G. Parent-Child Agreement in Clinical Assessment of Anxiety and Other Psychopathology: a 
Review. Journal of Anxiety Disorders, 5, 2, 1991, pp. 187-198. 
Sendo comum entrevistar pais e criança no processo psicodiagnóstico, a autora pesquisa a concordância 
em suas respostas sobre os sintomas apresentados. Conclui que a concordância ocorre em casos 
específicos: encomprese, depressão, casos psiquiátricos. 
KORCHIN, S. J. & SHULBERG, D.The Future of Clinical Assessment. American Psychologist, 36, 10, 1981, 
pp. 1147-1158. 
 
Apesar de o uso dos testes ter diminuído de importância, a avaliação clínica se mantém como área importante 
no campo da Psicologia. Novas concepções e o desenvolvimento de novos métodos têm mostrado a vitalidade 
da avaliação clínica. 
LAMBERT, L. & WERTHEIMER, M. Is Diagnostic Ability related to Relevant Training and Experience? 
Professional Psychology, Research and Practice, 19, 1, 1988, pp. 50-52. 
 
Pesquisa confirma que os diagnósticos psicopatológicos mostram-se mais acurados quando elaborados por 
profissionais experientes e bem-treinados. 
LARRABURE, S. A. L. Grupos de espera em instituição. In: MACEDO, R. (org.). Psicologia e instituição: 
novas formas de atendimento. São Paulo: Cortez, 1984. 
Apresenta forma alternativa de atendimento para pais que. esperam o atendimento em psicodiagnóstico de 
seus filhos em 
 
Pg 223 
 
 
 
 
 
instituição. Trabalha as expectativas dos clientes, o vínculo com a instituição e sua participação ativa no 
atendimento. 
LEE, B. Multidisciplinary Evaluation of Preschool Children and it's Demography in a Military Psychiatric 
Clinic. Annual Progres in Child Psychiatry and Child Development, 1988, pp. 441-450. 
 
Descreve atendimento multidisciplinar (psiquiatra, pediatra,fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e assistente 
social), a crianças pré-escolares, no qual 5 a 6 crianças são avaliadas em três sessões semanais. 
 
 LO SEMINERIO, F. Diagnóstico psicológico: técnicas do exame psicológico e fundamentos epistemológicos. 
Rio de Janeiro: Atlas, 1977. 
Discute o processo e ato de diagnosticar do ponto de vista de sua fundamentação epistemológica. 
MANNONI, M. A primeira entrevista em psicanálise. Rio deJaneiro: Campos, 1988. 
Apoiando-se na consulta inicial de casos clínicos diferenciados 
nas situações de desordens escolares, dificuldades caracteriais, reações somáticas e psicose, busca a 
apreensão de sentidos através da reflexão sobre a especificidade da psicanálise, bem como do psicanalista. 
Problematiza ainda a questão edípica, as relações inconscientes pais-filhos, discute os testes e a escola. 
 
 
 MARQUES, Y. M. Utilização dos elementos do psicodiagnóstico na psicoterapia infantil em instituições de 
atendimento psicológico. Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica, PUC-SP, 1989. 
Analisa o uso dos resultados do psicodiagnóstico infantil por psicólogos que realizam psicoterapia em 
instituições. Aponta modificações do processo diagnóstico. 
MENAHEM, S. The Child with Psychosomatic Symptoms: The Use of a Therapeutic Prolonged Evaluation. 
Journal 
 
Pg 224 
 
 
 
of Developmental and Behavioral Pediatrics, 9, 5, 1988, pp. 310-312. 
Pediatra propõe avaliação prolongada de crianças com sintomas psicossomáticos para sensibilizar pais 
quanto aos aspectos emocionais envolvidos na queixa. Verifica diminuição de sintomas e maior facilidade de 
encaminhamento para psicoterapia quando os pais estão mais sensibilizados. 
MERCADANTE, M. Negociando o diagnóstico clínico. Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica, PUC-
SP, 1993. 
Analisa, a partir da teoria da ordem negociada, interações em reuniões clínicas para discussão de 
diagnósticos, realizados em instituição de saúde, por uma equipe multidisciplinar. 
 MIROWSKY, J. & ROSS, C. Psychiatric Diagnosis as Reified Mesurement. Journal of Health and Social 
Behavior, 30, 1, 1989, pp. 11-25. 
Apresenta uma análise crítica da fraqueza inerente do diagnóstico psiquiátrico como forma de medida, 
principalmente como meio de representar os problemas psicológicos, entendidos por alguns psiquiatras como 
entidades que tomam o corpo ou a alma de suas vítimas. 
 
MUNHÓZ, M. L. Atendimento a crianças em psicodiagnóstico . infantil grupal numa abordagem 
fenomenológico-existencial. Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica, PUC-SP,1990. 
Busca compreender a participação das crianças no psicodiagnóstico infantil grupal, analisando seus 
comportamentos perante as observações do psicólogo. 
OCAMPO, M. L.; GARCIA ARZENO, M. E. et aI. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. 
Trad. Alvaro CabraI. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 
Apresenta o psicodiagnóstico clássico, enfatizando sua evolução na aquisição de uma identidade própria. 
ORTIGUES, M. C. & ORTIGUES, E. Como se decide umapsicoterapia de criança. São Paulo: Martins 
Fontes, 1988. 
 
Pg 225 
 
 
 
 
 
Apresenta uma reflexão sobre o trabalho psicanalítico com crianças, as condições para sua efetivação e os 
encaminhamentos que levam à decisão de empreender ou não um tratamento. 
 
 PEREIRA, M. S. Diagnóstico psicológico em clínica escola: um questionamento profissional. Dissertação de 
Mestrado, Metodista, São Bernardo do Campo, 1983. 
Apresenta as queixas mais freqüentes apresentadas na clínica-escola da Faculdade Metodista e as prováveis 
causas. Reflete sobre o alcance social do trabalho do psicólogo. 
RÉv AULT D' ALLONES. La démarche clinique en scienceshumaines. Paris: Bordas, 1989. 
Discute aproximações e diferenças entre as estratégias clínicas e estratégias de pesquisa, a partir da análise 
da posição do clínico. Discute diferentes procedimentos de pesquisa utilizando estratégias clínicas. 
SAFRA, G. Procedimentos clínicos utilizados no psicodiagnóstico. In: TRINCA, W. Diagnóstico psicológico: 
prática clínica. São Paulo: EPU, 1984. 
O autor analisa o papel dos testes psicológicos dentro da perspectiva do diagnóstico compreensivo, 
apresentando de forma resumida e concisa alguns dos testes utilizados mais 
freqüentemente. 
SANTIAGO, M. D. E. Entrevistas clínicas. In: TRINCA, W.(org.). Diagnóstico psicológico: prática clínica. 
São Paulo:EPU, 1984. 
 
aConsiderando basicamente o psicodiagnóstico infantil, a autora analisa a entrevista inicial e as entrevistas 
devolutivas, apontando seus aspectos fundamentais, sem perder a dimensão da relação entre psicólogo e 
cliente. 
SANTIAGO, M. & JUBELINI, S. Uma modalidade alternativa de atendimento psicodiagnóstico em 
instituição. In: MACEDO, R. (org.). Psicologia e instituição: novas formas de atendimento. 2. ed. São Paulo: 
Cortez, 1986. 
 
Pg 226 
 
 
 
o atendimento psicodiagnóstico em grupo possibilita uma compreensão do problema apresentado pela criança 
da dinâmica familiar na ocorrência e resolução do problema. 
SANTOS, M. A. O psicodiagnóstico infantil em grupo: Uma experiência em Instituição. Arquivos Brasileiros 
de Psi cologia, 39, 2, 1987, pp. 3-17. 
Discute etapas, procedimentos e recursos diagnósticos presentes no trabalho em grupo desenvolvido em uma 
instituição de saúde mental. 
SEEMAN, J. A Reaction to Psychodiagnosis: A Person-Centered Perspective. Person-Centered Review, 4, 2, 
1989, pp. 152-156. 
 
Critica o psicodiagnóstico do ponto de vista da abordagem centrada no cliente. Considera-o relevante apenas 
para apontar problemas orgânicos ou neurológicos. 
SHLIEN, J. Boy's Person-Centered Perspective on Psychodiagnosis: A Response. Person-Centered Review, 4, 
2, 1989, pp. 157-162. 
Apresenta o psicodiagnóstico como legado da psiquiatria, a serviço do "sistema" e como tal sem utilidade 
para terapia centrada no cliente. 
 
 SILVA, O. V. M. Grupo estruturado de vivência para pais. In: MACEDO, R. Psicologia e instituição: novas 
formas de atendimento. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1986. 
Trabalho de sensibilização numa abordagem psicodramática de pais de crianças encáminhadas para 
psicoterapia a partir de um atendimento psicodiagnóstico. 
STRYDOM, J. The Negotiation of Meaning in Psychotherapy: Implications for Assessment and Diagnosis. 
South African Journal of Psychology, 20, 2, 1990, pp. 99-104. 
Estudos lingüísticos sobre a interação psicoterapêutica sugerem que o progresso nas entrevistas 
psicodiagnósticas ou psicoterapêuticas depende da cooperação do cliente, não como mero informante, mas 
como parceiro ativo. 
 
Pg 227 
 
 
 
 
 
SUGARMAN, A. IsPsycodiagnostic Assessment Humanistic? Journal of Personality Assessment, 42, 1, 1978, 
pp. 11-2I. Argumenta que críticas ao diagnóstico psicológico são válidas, desde que referidas a práticas 
inconsistentes e não a uma fraqueza inerente ao processo diagnóstico em si. Engajar o cliente no processo 
torna-o consistente com uma orientação humanista. 
 
 SWEENEY, J.; CLARK1N, J. & FITZGIBON, M. Current Practice of Psychological Assessment. 
Professional Psy chology: Research and Practice, 18, 4, 1988, pp. 377-380. 
Propõe um modo formal e breve de trabalhar em psicodiagnóstico com pacientes internados em instituições 
psiquiátricas, usando bateria de testes gerais e específicos. 
TOMM, K. Interventive Interviewing: Strategizing as a Fourth Guideline for the Therapist. Family Process, 26, 
I, 1987, pp. 3-13. 
 
Propõe método de trabalho. que amplia o alcance terapêutico da entrevista clínica. 
TRINCA, W. O pensamento clínico em diagnóstico da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983. 
 
Apresenta e analisa o raciocínio psicodiagnóstico como uma das principais atividades do psicólogo, mesmo 
do que não realiza um trabalho de diagnóstico formal. Descreve diferentes 
formas de pensamentos clínicos que norteiam o psicólogo durante o psicodiagnóstico. 
TRINCA, W. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984. 
 
 
Traz uma visão do processo diagnóstico do tipo compreensivo, abordando as principais questões que se 
apresentam. hoje sobre o diagnóstico aplicável a todas as idades, sobre a posição do psicólogo no uso de suas próprias 
habilidades clínicas, além das técnicas e testes psicológicos. 
 
Pg 228 
 
 
 
 TSU, T. A relação psicólogo-cliente no psicodiagnóstico infantil. In: TRINCA, W. Diagnóstico psicológico: a 
prática clí nica. São Paulo: EPU, 1984. 
Partindo da inquietante questão da definição de quem é o cliente no psicodiagnóstico infantil, a autora expõe 
o conceito de instrumentação da relação psicólogo-cliente, analisando-o sob vários aspectos e apontando sua 
importância no diagnóstico de tipo compreensivo. 
VERTHEL YI, R. F. de. Temas en evaluación psicologica.Buenos Aires: Lugar Editorial, 1989. 
A autora faz uma revisão da prática psicodiagnóstica, considerando que, em seu país, as modificações com 
relação às entrevistas devolutivas estavam intimamente ligadas ao reconhecimento do papel de psicólogo 
clínico. 
'" VOLNOVICH, J. Lições introdutórias à psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1991. 
 
Trata-se de seminários feitos pelo autor no Brasil, nos quais apresenta a história e salienta as principais 
contribuições à psicanálise de crianças, problematiza sua especificidade, redefinindo o psicodiagnóstico e a 
psicopatologia. Apresenta casos clínicos e trabalha os conceitos de sintoma, sentido, transferência, interpretações 
e direção da cura em psicanálise de crianças. 
VORCARO, A. M. R. Negociando relações: da interlocução entre profissionais numa clínica de distúrbios da comu-
nicação. Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica, PUC SP, 1991 (mimeo). 
Baseada na teoria da ordem negociada, a autora, utilizando transcrições de reuniões coletivas dos profissionais de 
uma clínica de distúrbios da comunicação, considera as negociações como construtoras da organização 
estrutural do serviço atravessadas pela tensão entre as oposições dos conceitos de linguagem e comunicação. 
 
Pg 229 
 
 
 
 VORCARO, A. & AUDAT, M. C. Quelques remarques sur Ia consultation publique du Dr. Bergés. Mémoire 
de Stage, Paris, 1992 (mimeo). 
Mostra as determinações culturais que marcam a prática psicodiagnóstica, ainda que a pluralidade de 
referenciais venha sendo enfrentada na clínica cotidiana, a partir do confronto de distintas posições 
psicodiagnósticas nos estudos de caso realizados em uma instituição francesa. 
 
WATKINS, C. E. What Have Surveys Taught Us About The Teaching And Practice Of Psychological 
Assessment? Joumal of Personality Assessment, 56, 3, 1991, pp. 426-437. 
Revisão de todos os estudos sobre avaliação psicológica nos últimos 30 anos (1960-1990). Conclui que o uso 
do psicodiagnóstico se manteve estável, seu papel é consistente e significativo e as técnicas projetivas 
continuam sendo utilizadas. 
WEINER, J. B. Does Psychodiagnosis Have a Future? Joumal 
of Personality Assessment, 2, 1972, pp. 534-545. 
Discute críticas feitas ao uso do psicodiagnóstico, quanto ao seu propósito, modelo anacrônico, estar sendo 
descartado pelos clínicos, e de estar desaparecendo do currículo de faculdades. Refuta essas críticas 
esclarecendo o papel da avaliação psicodiagnóstica no conhecimento da personalidade. 
WEINER, J. B. The Future of Psychodiagnosis Revisited. Journal of Personality Assessment, 47, 5, 1983, pp. 
451 461. 
Pesquisas indicam que os métodos tradicionais de psicodiagnóstico continuam a ser ensinados e usados. 
Novas direções na prática psicológica-forense e saúde - fornecem oportunidades para uso do 
Psicodiagnóstico. 
WEINER, J. B. On Competence and Ethicality in Psychodiagnostic Assessment. Journal of Personality 
Assessment, 53, 4, 1989, pp. 827-831. 
Discute a competência e ética no trabalho de psicodiagnóstico. Para ser competente o psicólogo deve 
conhecer bem o que seus testes medem e ser ético ao agir de acordo com os 
 
Pg 230 
 
 
 
cdados de validade do seu instrumento. A competência é um pré-requisito para a ética. 
YEHIA, Y. G. Proposta de uma técnica alternativa de supervisão de estágio para a formação de psicólogos. 
Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica. PUC-SP, 1983. 
Revê a supervisão com a participação dos estagiários no processo clínico e propõe uma técnica de 
supervisão com atendimento conjunto aos clientes pelo supervisor e estagiários. YOSHIDA, E. M. P. 
Psicoterapias psicodinâmicas breves e critérios psicodiagnósticos. São Paulo: EPU, 1990. 
Revisão abrangente da literatura e apresentação de diferentes técnicas de psicoterapia breve de 
inspiraçãopsicanalítica e as especificidades de suas aplicações. 
ZACKER, J. Parents as Change Agents. A Psychodynamic Model. American Journal of Psychotherapy, 32, 4, 
1978, pp. 572-582.Descreve modelo de tratamento desenvolvido por clínicos psicodinâmicos para orientar 
pais a se tornaremagentes primários de mudança para seus filhos identificados como pacientes. 
ZACKER, J. It Only Takes One Psychologist to Demonstrat The Impact of Psychological Assessment. Journal 
of Personality Assessment, 53, 1, 1989.Pesquisa verifica que os resultados de testes aplicados pelos psicólogos 
influenciam o lrabalho do psiquiatra no diagnóstico e tratamento de pacientes. 
ZAPATA, M. R. Grupo de observação e triagem de crianças. 
Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 34, 3, 1985, pp. 171-172. Breve relato de uma experiência de grupo 
simultâneo de pais e filhos com objetivo de psicodiagnóstico. Ressalta resultados satisfatórios obtidos. 
 
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