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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 1 PMSUS - Oficina 04 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E FEMINICÍDIO 1) DEFINIR O FEMINICÍDIO E VIOLÊNCIA CONTRA MULHER; Diana Russel, ativista feminista e escritora, empregou pela primeira vez o termo “femicide”, originalmente em inglês, em 1976, no primeiro Tribunal Internacional sobre Crimes contra as mulheres, em Bruxelas, na Bélgica. Este evento reuniu cerca de quarenta países com um público estimado de duas mil mulheres. Este evento foi um marco na luta feminina, neste foram denotados os crimes cometidos contra as mulheres em diversos países. Diana Russel define femicídio como "a matança de fêmeas por homens porque elas são mulheres" e cita alguns exemplos de femicídio: Incluem o apedrejamento até a morte de mulheres (que eu considero uma forma de femicídio de tortura); assassinatos de mulheres para a chamada "honra"; assassinatos de estupro; assassinatos de mulheres e meninas por maridos, namorados e namorados, por ter um caso, ser rebelde ou qualquer outro tipo de desculpa; matar a mulher por imolação por causa de muito pouco dote; mortes como resultado de mutilações genitais; escravas sexuais femininas, mulheres traficadas e mulheres prostituídas, assassinadas por seus "donos", traficantes, "johns" e proxenetas, e fêmeas mortas por desconhecidos misóginos, conhecidos e serial killers. Em 1994, a antropóloga Marcela Lagarde Y de los Ríos, inspirada nos trabalhos teóricos de Diana Russell, propôs o emprego do termo Feminicídio, em substituição de femicídio. Para Marcela Lagarde, o feminicídio não é apenas uma violência exercida por homens contra mulheres, mas por homens em posição de supremacia social, sexual, jurídica, econômica, política, ideológica e de todo tipo, sobre mulheres em condições de desigualdade, de subordinação, de exploração ou de opressão, e com a particularidade da exclusão. Segundo a antropóloga mexicana, o feminicídio pode ser praticado pelo atual ou ex-parceiro da vítima, parente, familiar, colega de trabalho, desconhecido, grupos de criminosos, de modo individual ou serial, ocasional ou profissional. E concorre de forma criminosa o silêncio, a omissão e a negligência por parte das autoridades encarregadas de prevenir e erradicar esses delitos Francisco Dirceu Barros (2015), conceitua feminicídio como: O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de violência doméstica/familiar, e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio reportam, no campo simbólico, a destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher. O feminicídio nada mais é do que a qualificadora do crime de homicídio e configura-se por ser o assassinato de mulher por razões de gênero, somando-se a condição de estar presente a violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher. Feminicídio é um termo utilizado para designar o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, trata-se de um crime de ódio baseado no gênero. Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, motivado geralmente por ódio, desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres. A Lei do Feminicídio (Lei 13.104, de 9 de março de 2015) qualificou o crime de homicídio quando ele é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A lei incluiu também o feminicídio no rol dos crimes hediondos. 2) DEFINIR VIOLÊNCIA DE GÊNERO; A violência de gênero é fruto de um processo histórico, que possui como origem nas categorias de gênero, classe, raça e suas relações com o poder. O conceito de violência de gênero perpassa por toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou que seja passível de causar morte, dano ou sofrimento. Tal conduta pode ser tanto no âmbito físico, sexual, bem como no psicológico, tanto na esfera pública como na privada. A definição de gênero relaciona-se, portanto, com características da cultura atribuídas a cada um dos sexos, baseando-se em uma construção cultural para a definição de ser homem e ser mulher em uma determinada sociedade. O que é estabelecido pela cultura como masculino só pode ser aferido partindo- se do feminino, e vice-versa, determinando-se os modelos de masculinidade e feminilidade que serão adotados como padrão dentro de uma sociedade. O Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 2 que legitima essa diferenciação de papéis no gênero são valores associados à divisão sexual nas esferas pública e privada. O gênero considera as dissemelhanças biológicas entre os sexos, reconhece a desigualdade, mas não permite que isto seja utilizado para justificar a violência contra as mulheres, ou, para a exclusão, para a desigualdade de oportunidade no trabalho, na educação e na política. Diante disso, o gênero determina tudo o que é cultural, social e historicamente determinado. “Gênero” surgiu de uma categoria de análise das ciências sociais para questionar na essência a diferença dos sexos, a ideia de que mulheres são passivas, emocionais e frágeis; homens são ativos, racionais e fortes. Na perspectiva de gênero, essas características são resultado de uma situação política, histórica e cultural. Deste modo, não existe naturalmente o gênero masculino e feminino. Gênero é uma categoria relacional do feminino e do masculino. O termo gênero considera as diferenças biológicas existentes entre os sexos, há um reconhecimento da desigualdade e não admite que esta diferença seja uma justificativa para a desigualdade de oportunidades e a prática da violência. Trata-se de um instrumento de poder para compreender as relações sociais entre o homem e a mulher. 3) DISCUTIR A EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER; Pesquisa realizada no ano de 2021: → A violência contra as mulheres durante a pandemia • 1 em cada 4 mulheres brasileiras (24,4%) acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, durante a pandemia de covid-19. Isso significa dizer que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. • Na comparação com a pesquisa de 2019, verificamos um leve recuo do percentual de mulheres que relataram ter sofrido violência, mas dentro da margem de erro da pesquisa, que é de 3 pontos para mais ou para menos (27,4% em 2019 e 24,4% em 2021), configurando estabilidade. • 5 em cada 10 brasileiros (51,1%) relataram ter visto uma mulher sofrer algum tipo de violência no seu bairro ou comunidade ao longo dos últimos 12 meses. • 73,5% da população brasileira acredita que a violência contra as mulheres cresceu durante a pandemia de covid-19. → Principais mudanças na rotina da população (homens e mulheres) em função da pandemia de covid-19 • 52,6% afirmam que permaneceram mais tempo em casa. • 48,0% afirmam que a renda da família diminuiu. • Para 44,4%, o período da pandemia de covid-19 significou também momentos de mais estresse no lar. • 40,2% informaram que os filhos tiveram aulas presenciais interrompidas. • 33,0% perderam o emprego. • 30,0% tiveram medo de não conseguir pagar as contas. → Mudanças na rotina foram sentidas de forma desigual por homens e mulheres • Mulheres reportaram níveis mais altos de estresse em casa emfunção da pandemia (50,9% em comparação com 37,2% dos homens) e permaneceram mais tempo em casa, fato provavelmente vinculado aos papéis de gênero tradicionalmente desempenhados, dado que historicamente cabe às mulheres o cuidado com o lar e os filhos, o que aumenta a sobrecarga feminina com o trabalho doméstico e com a família. • 25,9% dos entrevistados afirmaram que passaram a desempenhar trabalho remoto em função da pandemia, sem diferenças nos percentuais para homens e mulheres. Este dado ilumina a discussão sobre a influência da pandemia e do isolamento social como motor da violência de gênero, já que os índices de isolamento social permaneceram baixos e o trabalho remoto restrito a camadas mais abastadas da população. No caso das mulheres, especificamente, o trabalho remoto está concentrado naquelas com nível superior (41%), das classes A e B (45% e 37%). • 14,4% da população afirma ter passado a consumir mais bebidas alcoólicas no último ano, valor ligeiramente superior à média foi observado entre os homens (17,6%). O dado preocupa já que o consumo abusivo de bebidas alcóolicas é fator de risco em situações de violência doméstica. → Precarização das condições de vida no último ano é maior entre as mulheres que sofreram violência • 61,8% das mulheres que sofreram violência no último ano afirmaram que a renda familiar diminuiu neste período. Entre as que não sofreram violência este percentual foi de 50%. • 46,7% das mulheres que sofreram violência também perderam o emprego. A média entre as que não sofreram violência foi de 29,5%. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 3 • Não se verifica diferenças entre as respostas de mulheres vítimas de violência e as demais sobre o tempo de permanência em casa, mas as que sofreram violência relatam níveis ainda maiores de stress (68,2%) do que entre as que não sofreram violência (51,0%). • Mulheres que sofreram violência passaram a consumir mais bebida alcoólica (16,6%) do que as que não sofreram (10,4%). → Violências sofridas pelas brasileiras de 16 anos ou mais durante a pandemia de covid-19 • 4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isso significa dizer que a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus. • O tipo de violência mais frequentemente relatado foi a ofensa verbal, como insultos e xingamentos. Cerca de 13 milhões de brasileiras (18,6%) experimentaram este tipo de violência. • 5,9 milhões de mulheres (8,5%) relataram ter sofrido ameaças de violência física como tapas, empurrões ou chutes. • Cerca de 3,7 milhões de brasileiras (5,4%) sofreram ofensas sexuais ou tentativas forçadas de manter relações sexuais. • 2,1 milhões de mulheres (3,1%) sofreram ameaças com faca (arma branca) ou arma de fogo. • 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento (2,4%). → A vítima • Em relação ao perfil, verifica-se que quanto mais jovem, maior a prevalência de violência, sendo que 35,2% das mulheres de 16 a 24 anos relataram ter vivenciado algum tipo de violência, 28,6% das mulheres de 35 a 34 anos, 24,4% das mulheres de 35 a 44 anos, 19,8% das mulheres de 45 a 59 anos e 14,1% das mulheres com 60 anos ou mais. • Em relação ao perfil racial, mulheres pretas experimentaram níveis mais elevados de violência (28,3%) do que as pardas (24,6%) e as brancas (23,5%). • Mulheres separadas e divorciadas apresentaram níveis mais elevados de vitimização (35%) do que em comparação com casadas (16,8%), viúvas (17,1%) e solteiras (30,7%), o que se acentua com o aumento da gravidade/intensidade da violência física. A tentativa de rompimento com o agressor e histórias repetidas de violências são fatores de vulnerabilidade que podem aumentar as chances de mulheres serem mortas por seus parceiros íntimos, o que revela que a separação é, ao mesmo tempo, a tentativa de interrupção da violência, mas também o momento em que ela fica mais vulnerável. → Companheiros, ex-companheiros e familiares são os principais autores de violência • 72,8% dos autores das violências sofridas são conhecidos das mulheres, com destaque para os cônjuges/companheiros/namorados (25,4%), ex- cônjuges/excompanheiros/ex-namorados (18,1%); pais/mães (11,2%), padrastos e madrastas (4,9%), e filhos e filhas (4,4%), indicando alta prevalência de violência doméstica e intrafamiliar. → O lar é o espaço mais inseguro para a mulher • A residência segue como o espaço de maior risco para as mulheres e 48,8% das vítimas relataram que a violência mais grave vivenciada no último ano ocorreu dentro de casa, percentual que vem crescendo. A rua aparece em 19,9% dos relatos, e o trabalho aparece como o terceiro local com mais incidência de violência com 9,4%. → O que fizeram depois da violência sofrida: • 44,9% das mulheres não fizeram nada em relação à agressão mais grave sofrida. • 21,6% das mulheres procuraram ajuda da família, com considerável aumento em relação aos anos anteriores, 12,8% procuraram ajuda dos amigos, e 8,2% procuraram a Igreja. • 11,8% denunciaram em uma delegacia da mulher, 7,5% denunciaram em uma delegacia comum, 7,1% das mulheres procuraram a Polícia Militar (190), 2,1% ligaram para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). • Entre as mulheres que não procuraram a polícia, 32,8% delas afirmaram que resolveram a situação sozinhas, 15,3% não quiseram envolver a polícia e 16,8% não consideraram importante fazer a denúncia. → O que pensam as mulheres vítimas sobre a sua própria experiência com a violência • 25,1% das mulheres que sofreram violência durante a pandemia destacaram que a perda de emprego e renda e impossibilidade de trabalhar para garantir o próprio sustento são os fatores que mais pesaram para a ocorrência de violência que vivenciaram; • 21,8% afirmam que a maior convivência com o agressor em função da pandemia de covid-19 também contribuiu. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 4 → Pandemia e restrição de circulação não reduziram casos de assédio sexual • 37,9% das brasileiras foram vítimas de algum tipo de assédio sexual nos últimos 12 meses, o que equivale a 26,5 milhões de mulheres. • Assédio mais frequente são as cantadas ou comentários desrespeitosos quando estavam andando na rua, o que atingiu 31,9% das mulheres (22,3 milhões). • Ambiente de trabalho e transporte público são ambientes mais hostis e propícios ao assédio às mulheres do que festas e baladas. 8,9 milhões (12,8%) receberam cantadas ou comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho e 5,5 milhões de mulheres (7,9%) foram assediadas em transportes público, como ônibus, metrô ou trem. • 3,9 milhões de brasileiras (5,6%) sofreram assédio físico durante uma balada/festa, com abordagem agressiva e contra a sua vontade. • 3,7 milhões de mulheres (5,4%) foram agarradas ou beijadas sem consentimento • Quanto ao perfil etário, 73,0% das mulheres entre 16 e 24 anos foram vítimas de algum tipo de assédio no último ano, seguido por 46,8% das mulheres na faixa etária de 25 a 34 anos; 36,5% das mulheres entre 35 e 44 anos, 22,3% das mulheres na faixa de 45 a 59 anos e 13,3% das mulheres acima dos 60 anos. • Quanto ao perfil racial, 52,2% das mulheres pretas no Brasil sofreram assédio nos últimos 12 meses, 40,6% das mulheres pardas e 30% das mulheres brancas. A desigualdade racial, aqui, fica evidente: enquanto mais da metade das mulheres pretas brasileiras foram assediadas no último ano, o número cai para quase 1/3 das mulheres brancas. Pesquisa 2020 com base nos registros oficiais: Em todos os estados para os quais obtivemos os dados foi verificada redução dos registros de lesão corporal dolosaem decorrência de violência doméstica no período de março e abril de 2020. A redução média para março e abril de 2020 em relação ao mesmo período de 2019 é de 25,5%, o que coincide com o padrão verificado na Itália e em cidades dos EUA, onde as mulheres encontraram mais dificuldade de se deslocar para a delegacia. O crescimento no número de feminicídios registrados nos 12 estados analisados foi de 22,2%, saltando de 117 vítimas em março/abril de 2019 para 143 vítimas em março/abril de 2020. No Acre o crescimento chegou a 300%, passando de 1 para 4 vítimas este ano; no Maranhão o crescimento foi de 166,7%, de 6 para 16 vítimas; no Mato Grosso o crescimento foi de 150%, passando de 6 para 15 vítimas. Apenas três UFs registraram redução no número de feminicídios no período, Minas Gerais (-22,7%), Espírito Santo (-50%), e Rio de Janeiro (-55,6%). A maior parte das vítimas de estupro é do sexo feminino (82%) e vulneráveis (64%), ou seja, a vítima tem menos de 14 anos, considerada juridicamente incapaz para consentir relação sexual, ou pessoa incapaz de oferecer resistência, independentemente de sua idade, como alguém que esteja sob efeito de drogas, enfermo ou ainda pessoa com deficiência, como determina a Lei 12.015/09. Outra informação importante para compreender a violência sexual no Brasil diz respeito ao vínculo do agressor com as vítimas, já que em 76% dos casos o autor era conhecido. Considerando que mais da metade das vítimas são crianças (54% tinham no máximo 13 anos), estas informações indicam um quadro preocupante de violência doméstica e intrafamiliar, ainda mais em um período em que as crianças não estão frequentando a escola, local em que muitas vezes essas violências são percebidas pelos professores e outros profissionais da educação. Outro elemento a ser considerado na análise dos registros de estupro é a baixa taxa de notificação destes crimes à polícia. No Brasil, a última pesquisa nacional de vitimização estimou que cerca de 7,5% das vítimas de violência sexual notificam a polícia. Os principais motivos apontados para a baixa notificação da violência sexual são o medo da retaliação por parte do agressor, descrédito nas instituições de justiça e segurança pública, vergonha e mesmo sentimento de culpa. A redução dos registros de estupro e estupro de vulnerável nas delegacias de polícia durante a pandemia é muito preocupante pois pode não indicar redução destas violações, mas, pelo contrário, que as vítimas não estão conseguindo chegar até a polícia para denunciar o crime. Os dados coletados junto aos estados indicam redução de 28,2% nos registros de ocorrência, com alta concentração no mês de abril, período em que todos os estados já viviam medidas de isolamento social. Apenas neste mês a redução foi de 39,3%. O único estado a apresentar crescimento dos registros foi o Rio Grande do Norte, que estava em fase de ampliação da cobertura do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), o que faz com que, aos poucos, aumente a quantidade de delegacias capazes de inserir os dados no sistema. Análise dos dados da Polícia Militar do Rio de Janeiro refletem todos os chamados relativos à violência contra a mulher no período de março a abril de 2019 e de 2020. Em janeiro deste ano houve redução do Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 5 número de acionamentos, e crescimento de fevereiro para cá. Em abril, período em que já vigoravam medidas mais restritivas de isolamento social o crescimento foi de 5,1%, tendência inversa a verificada nos registros de boletim de ocorrência no mesmo mês, que apontaram redução. OMS: Estimativas globais publicadas pela OMS indicam que aproximadamente uma em cada três mulheres (35%) em todo o mundo sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida. A maior parte dos casos é de violência infligida por parceiros. Em todo o mundo, quase um terço (30%) das mulheres que estiveram em um relacionamento relatam ter sofrido alguma forma de violência física e/ou sexual na vida por parte de seu parceiro. Globalmente, 38% dos assassinatos de mulheres são cometidos por um parceiro masculino. 4) CARACTERIZAR OS DIFERENTES TIPOS DE VIOLÊNCIA QUE A MULHER PODE SOFRER (FOCO NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA); De acordo com a Lei 11.340/2006, a violência doméstica é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Mistifica-se quem pensa que só ocorre um tipo de violência contra a mulher, a física, pois esta é a mais divulgada, mas há diversas maneiras de violências. A Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha traz um rol exemplificativo, no art. 7º, aduz que: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas 16 ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. A violência física ocorre quando o agressor se utiliza de força física ou arma para machucar, causar lesão na outra pessoa. Essa agressão pode ser feita através de tapas, socos, chutes, pontapés, queimaduras, estrangulamento, ou utilizar-se de arma. Para configurar a agressão física não é necessário que a agressão deixe marca marcas. Comumente, a violência contra a mulher não se inicia com a agressão física, na maioria dos casos, começa com a violência verbal ou moral, fragilizando e debilitando a vítima, para que ela não oponha resistência quando for praticada a violência física. A violência psicológica é a agressão mais difícil de ser detectada e comprovada. Trata-se de uma agressão emocional, não deixa marcas visíveis no corpo e sim na alma. Muitas vezes essa agressão é confundida com ciúmes, uma forma de afeto. Mas ela consiste no medo e a ameaça que a vítima sofre. A violência psicológica foi prevista na Convenção de Belém do Pará como uma violência contra a mulher. O inciso III da Lei Maria da Penha, prevê a violência sexual, a agressão pode ser dada por abuso sexual, assédio, por meio de violência física, sedução ou algum meio que torna inviável a defesa da vítima. Antes, a esposa tinha obrigação, um debito com oseu marido, era obrigada a satisfazer os desejos sexuais do seu parceiro. A violência aqui, era legitimada. Com as mudanças na legislação penal, tais condutas passaram a ser criminalizadas e 17 configuram estupro. A violência patrimonial ou econômica é aquela voltada aos objetos e documentos da vítima. O agressor subtrai, destrói, oculta ou retém os bens da mulher para os mais diversos fins, esquivar-se do pagamento da pensão, privar a companheira do direito à partilha de bens ou inibir uma separação. Em geral, esta violência ocorre em conjunto com a física, com a psicológica ou com a moral. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 6 Por último, a violência moral, esta é uma das formas mais usadas para dominação da mulher, por meio de xingamentos públicos e privados, denegrindo sua autoestima e expondo a mulher perante seus amigos e familiares, o que contribui para seu silêncio. É caracterizada por ações destinadas a caluniar, difamar ou injuriar a honra e/ou a reputação da vítima. Ademais, os tipos de violência de gênero não se restringem ao ambiente doméstico, ao âmbito familiar ou às relações íntimas de afeto, como trata o artigo 5º da Lei Maria da Penha, o qual limita a proteção às agressões que ocorrem nestas hipóteses. As formas de violência contra a mulher podem perfeitamente se realizar 18 sem que o autor sequer tenha uma relação de afeto com a vítima. Estas formas de violência não se produzem isoladamente, na verdade, fazem parte de uma sequência crescente e repetitiva de episódios. 5) APRESENTAR AS FORMAS DE NOTIFICAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER; A descrição das características dos casos de violências e acidentes, que aconteciam no Brasil, até recentemente, se limitava às informações fornecidas pelos Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH/SUS) e, ocasionalmente, pelas análises dos boletins de ocorrência policial (BO) e pesquisas específicas. Diante dessa realidade, com a implantação do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) em 2006, o MS ampliou o número de variáveis contempladas no monitoramento desses eventos que atingem pessoas em todos os ciclos de vida. Esse sistema de vigilância é constituído por dois componentes: • Componente I – Vigilância contínua (VIVA Contínuo/SINAN), que capta dados de violência interpessoal/autoprovocada em serviços de saúde. • Componente II – Vigilância sentinela (VIVA Inquérito), por meio de pesquisa por amostragem, a partir de informações sobre violências e acidentes coletadas em serviços de urgência e emergência, durante 30 dias consecutivos. A periodicidade da pesquisa era inicialmente a cada ano, bienalmente entre 2007 a 2011 e, a partir de então, a cada três anos. A notificação de violências contra crianças, adolescentes, mulheres e pessoas idosas é uma exigência legal, fruto de uma luta contínua para que a violência perpetrada contra estes segmentos da população saia da invisibilidade, revelando sua magnitude, tipologia, gravidade, perfil das pessoas envolvidas, localização de ocorrência e outras características dos eventos violentos. Diante do exposto torna-se necessário que os profissionais de saúde se atentem para a realização da notificação que é compulsória, ou seja, obrigatória. A notificação de violência pode ser feita por qualquer profissional de saúde, independentemente de ser confirmada ou não, uma simples suspeita já é motivo suficiente para notificar o caso. Todas as violências passaram a fazer parte da Lista Nacional das Doenças e Agravos de Notificação Compulsória desde a publicação da Portaria nº 104 de 25 de Janeiro de 2011. Portanto, a notificação dos casos suspeitos e confirmados de violência é obrigatória/compulsória a todos os profissionais de saúde de instituições públicas ou privadas. Profissionais de outros setores, como educação, assistência social, saúde indígena, conselhos tutelares, centros especializados de atendimento à mulher, entre outros, também podem realizar a notificação. Notificação não é denuncia policial. Nos casos de violência contra crianças, adolescentes e idosos, nos quais o Conselho Tutelar e o Conselho do Idoso necessária e obrigatoriamente terão que ser acionados, respectivamente, alguns desdobramentos ou intervenções legais podem ocorrer. Para fins de notificação, deve-se notificar: Caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas contra mulheres e homens em todas as idades. No caso de violência extrafamiliar/comunitária, somente serão objetos de notificação as violências contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoas com deficiência, indígenas e população LGBT, independentemente do tipo e da natureza/forma de violência. Atenção: Não se notifica no SINAN-NET casos de violência extrafamiliar cujas vítimas sejam adultos (20 a 59 anos) do sexo masculino, como por exemplo, brigas entre gangues, brigas nos estádios de futebol e outras. Essa modalidade de violência pode ser monitorada por meio de outros sistemas de informação e através do componente do VIVA Sentinela (inquérito). Os casos de violências que são notificáveis através do SINAN-NET, são feitas através da ficha de notificação da violência interpessoal e autoprovocada. Atenção: Se um evento violento envolver mais de uma vítima, para cada uma das vítimas deverá ser preenchida uma ficha de notificação individual. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 7 A periodicidade de notificação das situações de violência é semanal. Porém, tentativa de suicídio e violência sexual têm a obrigatoriedade de serem notificadas em até 24 horas do conhecimento do agravo, devido a necessidade de se tomarem medidas urgentes (encaminhamento para rede psicossocial e medidas de profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis e anticoncepção de emergência, respectivamente). 6) CONHECER QUAIS SÃO AS MEDIDAS LEGAI S EM CASOS DE VIOLÊNCIA E O PAPEL DA ATENÇÃO BÁSICA CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E FEMINICÍDIO; No âmbito da violência contra mulheres: • Lei 10.778, de 24/11/2003, estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. • Lei 11.340 de 07/08/2006, conhecida como Lei ‘Maria da Penha que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher • Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011) • Decreto nº 8.086, de 30 de agosto de 2013, que institui o Programa Mulher: Viver Sem Violência e dá outras providências • III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013 a 2015) • Lei 13.104 de 09/03/2015 que altera o art. 121 do Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072 para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. LEI Nº 13.931, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2019 Art. 1º O art. 1º da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 1º Constituem objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. § 4º Os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher referidos no caput deste artigo serão obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos.” (NR) A LEI Nº 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, entrou em vigor em2006, dando ao país salto significativo no combate à violência contra a mulher. Uma das formas de coibir a violência e proteger a vítima asseguradas pela norma é a garantia das chamadas medidas protetivas. Por se tratar de medida de urgência a vítima pode solicitar a medida por meio da autoridade policial, ou do Ministério Público, que encaminhará o pedido ao juiz. A lei prevê que a autoridade judicial deverá decidir o pedido (liminar) no prazo de 48 horas após o pedido da vítima ou do Ministério Público. O que são as medidas protetivas de urgência? Esse é um dos mecanismos criados pela lei para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, assegurando que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e tenha oportunidades e facilidades para viver sem violência, com a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Pela lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher é configurada como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Diante de um quadro como esse, as medidas protetivas podem ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e da manifestação do Ministério Público, ainda que o Ministério Público deva ser prontamente comunicado. Quais são essas medidas? A Lei Maria da Penha prevê dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que obrigam o agressor a não praticar determinadas condutas e as medidas que são direcionadas à mulher e seus filhos, visando protegê-los. Quais as medidas que obrigam o agressor? As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor estão previstas no art. 22 da referida Lei: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 8 b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. § 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). Acrescenta-se que, quando a lei prevê a proibição de qualquer tipo de contato com a mulher, com seus filhos e com testemunhas, veda-se também o contato por WhatsApp ou Facebook, bem como outras redes sociais. Quais as medidas para auxílio e amparo da ofendida? Já as medidas para auxiliar e amparar a vítima de violência estão reguladas no art. 23 e 24, da Lei Maria da Penha. Senão, vejamos: Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo. Cumpre destacar que, assim como as medidas que obrigam o agressor, as medidas direcionadas para a proteção da mulher e de seus filhos podem ser cumuladas. 7) COMPREENDER AS FORMAS DE CUIDADO E ABORDAGEM A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA NA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE (MANUAL); O que fazer? Acolhimento com escuta qualificada Quem deve fazer? equipe multiprofissional Atendimento humanizado: • Observar os princípios do respeito da dignidade da pessoa humana, da não discriminação, do sigilo e da privacidade, propiciando ambiente de confiança e respeito. • Garantir a privacidade no atendimento e a confidencialidade das informações. Vigilância do profissional com relação à sua própria conduta: • Garantir postura de não vitimização das mulheres e ter consciência crítica dos sentimentos para lidar com emoções como raiva, medo e impotência que podem surgir durante o atendimento das mulheres. • Profissionais com dificuldade de abordar o tema devem optar por abordagens indiretas (sem perguntas diretas). Identificação dos motivos de contato: Como poucas mulheres fazem queixa ativa de violência, perguntas diretas podem ser importantes, desde que não estigmatizem ou julguem-nas, para não se romper o interesse demonstrado pelo serviço em relação ao atendimento da mulher. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 9 Existem mulheres poliqueixosas, com sintomas e dores que não têm nome. Nesse caso, o profissional deve atentar para possível situação de violência. Para isso, existem propostas de perguntas: • Sabe-se que mulheres com problemas de saúde ou queixas similares às que você apresenta, muitas vezes, têm problemas de outra ordem em casa. Por isso, temos abordado este assunto no serviço. Está tudo bem em sua casa, com seu(sua) parceiro(a)? • Você acha que os problemas em casa estão afetando sua saúde ou seus cuidados corporais? • Você está com problemas no relacionamento familiar? • Já sentiu ou sente medo de alguém? • Você se sente humilhada? • Você já sofreu críticas em casa por sua aparência,roupas ou acessórios que usa? • Você e o(a) parceiro(a) (ou filho, ou pai, ou familiar) brigam muito? Informação prévia à paciente: • Assegurar compreensão sobre o que será realizado em cada etapa do atendimento (acolhimento com escuta qualificada, avaliação global e estabelecimento de plano de cuidados) e a importância das condutas multiprofissionais na rede intra e intersetorial de proteção às mulheres em situação de violência, respeitada sua decisão sobre a realização de qualquer procedimento. • Orientar as mulheres sobre a importância de registrar a ocorrência para sua proteção e da família, respeitando, todavia, sua opinião e desejo. Vale lembrar que o atendimento por parte do profissional de saúde deve ser realizado independentemente da realização de boletim de ocorrência. O que fazer? Avaliação global Quem deve fazer? equipe multiprofissional Entrevista: • Detectar situação de vulnerabilidade. • Identificar se a situação de violência é recorrente ou não (violência de repetição). • Identificar sinais de alerta de violência: I. Transtornos crônicos, vagos (inespecíficos dentro da nosografia médica) e repetitivos; II. Início tardio do pré-natal; III. Parceiro(a) demasiadamente atento(a), controlador(a) e que reage se for separado(a) da mulher; IV. Infecção urinária de repetição (sem causa secundária encontrada); V. Dor pélvica crônica; VI. Síndrome do intestino irritável; VII. Complicações em gestações anteriores, aborto de repetição; VIII. Depressão; IX. Ansiedade; X. Transtorno do estresse pós-traumático; XI. História de tentativa de suicídio ou ideação suicida; XII. Lesões físicas que não se explicam como acidentes. • Observar possibilidade de violência entre parceiros íntimos. Vale lembrar que essas situações não são necessariamente verbalizadas pelas mulheres, devido a: sentimento de vergonha ou constrangimento; receio por sua segurança ou pela segurança de seus filhos(as); experiências traumáticas prévias ou expectativa de mudança de comportamento por parte do(a) agressor(a); dependência econômica ou afetiva de parceiro(a); desvalorização ou banalização de seus problemas; e/ou cerceamento da liberdade pelo parceiro(a). • Se houver situação de risco de vida, fornecer informações sobre como estabelecer um plano de segurança O que fazer? Avaliação global Quem deve fazer? Médico/Enfermeiro Exame físico geral Exame físico específico: • Atentar para recusa ou dificuldade no exame ginecológico de rotina (ver capítulo Prevenção do Câncer de Colo do Útero). • Observar se há presença de ferimentos que não condizem com a explicação de como ocorreram. • Realizar inspeção detalhada de partes do corpo que podem revelar sinais de violência: troncos, membros (inclusive parte interna das coxas), nádegas, cabeça e pescoço, não se esquecendo das mucosas (inclusive genitais), orelhas, mãos e pés. O que fazer? Plano de cuidados Quem deve fazer? Médico/Enfermeiro Dispensação e administração de medicamentos para profilaxias indicadas: • Para evitar a revitimização e a perda do vínculo com a mulher, é recomendável que a AB identifique a situação de violência sexual, administre a anticoncepção hormonal de emergência (AHE) e acompanhe-a até um serviço especializado para receber todas as profilaxias e tratamentos indicados. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 10 Estabelecimento de plano de segurança para mulheres com risco de vida: • Construir, junto com a mulher em situação de violência, plano de segurança baseado em quatro passos: I. Identificar um ou mais vizinhos para o(s) qual(is) a mulher pode contar sobre a violência, para que ele(s) a ajude(m) se ouvir(em) brigas em sua casa, fazendo acordos com algum(a) vizinho(a) em quem possa confiar para combinar um código de comunicação para situações de emergência, como: “Quando eu colocar o pano de prato para fora da janela, chame ajuda”. II. Se a briga for inevitável, sugerir que a mulher certifiquese de estar em um lugar onde possa fugir e tente não discutir na cozinha ou em locais em que haja possíveis armas ou facas. III. Orientar que a mulher cogite planejar como fugir de casa em segurança, e o local para onde ela poderia ir nesse caso. IV. Orientar que a mulher se preocupe em escolher um lugar seguro para manter um pacote com cópias dos documentos (seus e de seus filhos), dinheiro, roupas e cópia da chave de casa, para o caso de ter de fugir rapidamente. Atividade de Vigilância em Saúde: • Preencher a ficha de notificação de violência interpessoal e autoprovocada a partir da suspeita ou da confirmação da situação de violência. A ficha de notificação apresenta os seguintes blocos: dados gerais, notificação individual, dados de residência, dados da pessoa atendida, dados da ocorrência, violência, violência sexual, dados do(a) provável autor(a) da violência, encaminhamento. • Atentar para os casos de violência sexual e tentativa de suicídio, cuja notificação, além de compulsória, deve ser imediata (em até 24h). Atenção humanizada na situação de interrupção legal da gestação: • Orientar que o aborto praticado por médico é legal quando é necessário (se não há outro meio de salvar a gestante), em caso de gestação de anencéfalos ou em caso de gravidez resultante de estupro. Deve haver o consentimento da mulher, ou seu representante legal, em relação ao procedimento (conforme o art. 128 do Código Penal). • Esclarecer sobre as ações previstas em caso de abortamento legal, as medidas de alívio da dor, o tempo e os riscos envolvidos no procedimento e a permanência no serviço de abortamento legal. • Orientar que, no serviço de referência, será preenchido o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez, e que não é obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência ou autorização judicial no âmbito do SUS. • Encaminhar para os serviços de referência para interrupção legal de gestação nos casos previstos em lei. • Monitorar a usuária após o procedimento de abortamento legal, levando em consideração os riscos de intercorrências imediatas (sangramentos, febre, dor pélvica) e intercorrências tardias (infertilidade, sofrimento psíquicos). • Acompanhar e acolher a mulher pós-abortamento e realizar orientação anticoncepcional e concepcional (recuperação da fertilidade pós-abortamento, métodos contraceptivos disponíveis, utilização da anticoncepção hormonal de emergência (AHE), oferta de métodos anticoncepcionais, orientação concepcional). Monitoramento de situações de violência: • Acompanhar o itinerário terapêutico das usuárias (caminhos trilhados na busca por saúde) em situação de violência identificadas na área de abrangência atendidas pelos serviços da Atenção Básica. • Monitorar todos os casos identificados pela equipe ou por notificação levada à unidade por meio da vigilância em saúde (entrada em outros pontos da rede de assistência) e referidos ou não à rede de atendimento às mulheres em situação de violência, a partir da realização de visitas domiciliares ou outras formas de acompanhamento das usuárias (equipes de Saúde da Família, equipes NASF, Consultório na Rua). Abordagem de jovens e adolescentes: • Respeitar o sigilo profissional inerente à abordagem ética em saúde. • Abordar as necessidades de jovens e adolescentes sem que haja a obrigação do acompanhamento de pais ou responsáveis legais, exceto em casos de incapacidade daqueles. Vale lembrar que os códigos de ética dos profissionais de saúde que trabalham na Atenção Básica, bem como o artigo 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente, legitimam o direito ao acesso à saúde sem a necessidade de acompanhamento de pais ou responsáveis legais. Coordenaçãodo cuidado: • Mapear e acionar os serviços de referência disponíveis na rede de atendimento às mulheres em situação de violência, que extrapolem a competência da Atenção Básica. As unidades de saúde e outros Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 11 serviços ambulatoriais com atendimento a pessoas em situação de violência sexual deverão oferecer acolhimento, atendimento humanizado e multidisciplinar e encaminhamento, sempre que necessário, aos serviços referência na saúde, serviços de assistência social ou de outras políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência e órgãos e entidades de defesa de direitos. Educação em saúde: • Orientar individual ou coletivamente os usuários da Atenção Básica acerca dos direitos das mulheres, em prol do fortalecimento da cidadania e de uma cultura de valorização da paz. • Oferecer serviços de planejamento reprodutivo às mulheres pós-abortamento, bem como orientações para aquelas que desejam nova gestação, para prevenção das gestações indesejadas e do abortamento inseguro. • Orientar sobre os aspectos biopsicossociais relacionados ao livre exercício da sexualidade e do prazer.