Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO UNIVERSITÁRIO MAURÍCIO DE NASSAU BACHARELADO EM DIREITO VALÉRIA SANTOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE UMA ANÁLISE ACERCA DO AUMENTO DE CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM PERNAMBUCO, NO CONTEXTO PANDÊMICO DO COVID-19 PAULISTA 2022 VALÉRIA SANTOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE UMA ANÁLISE ACERCA DO AUMENTO DE CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM PERNAMBUCO, NO CONTEXTO PANDÊMICO DO COVID-19 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Maurício de Nassau. Orientador(a): Adelson José da Silva PAULISTA 2022 CENTRO UNIVERSITÁRIO MAURÍCIO DE NASSAU BACHARELADO EM DIREITO VALÉRIA SANTOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE UMA ANÁLISE ACERCA DO AUMENTO DE CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM PERNAMBUCO, NO CONTEXTO PANDÊMICO DO COVID-19 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Maurício de Nassau. Aprovada em: __/__/____. BANCA EXAMINADORA: ________________________________________________ Prof ... (Orientador ou Orientadora) ________________________________________________ Prof ... (Examinador/a) ________________________________________________ Prof ... (Examinador/a) Dedico esta monografia à minha família, meu esposo e meus filhos que me apoiaram e incentivaram, nesta longa caminhada. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus, a quem me agarrei com força e fé para dar continuidade ao meu objetivo e finalizar a tão esperada graduação, por seu amor incondicional e por ser a rocha firme que me sustentou e me permitiu chegar até aqui. Aos meus pais, por serem o porto seguro onde sempre encontro amor e proteção. Obrigada por serem os maiores incentivadores para realização dos meus sonhos. Aos meus filhos, Yago e Yasmin, por serem minhas maiores inspirações, que traz alegria aos meus dias e está ao meu lado em qualquer situação, me dando força para seguir em frente, dia após dia. É por eles que me levanto todos os dias e luto para proporcionar um futuro melhor. Ao meu esposo, por ser um companheiro maravilhoso que me incentiva todos dias a continuar, que sempre está ao meu lado, em toda e qualquer circunstância, me lembrando todos os dias que sou capaz de alcançar todos os meus objetivos. À Adelson, meu orientador, por me direcionar na construção deste trabalho. Por fim, agradeço a todos que torceram e oraram pela concretização desse sonho. Muito obrigada! “Socar uma parede é uma agressão emocional. Antes de morder, ele late. Antes de te bater, o soco é na parede.” Molly Smith Metzler. RESUMO O presente trabalho tem como tema o aumento da violência contra a mulher durante a pandemia do Covid-19. Tal pesquisa se propõe a analisar o aumento dos casos de violência doméstica durante o período pandêmico, considerando que, uma das medidas não farmacológicas de redução do vírus é o isolamento social, o que faz com que a vítima passe mais tempo isolada com seu agressor. Para a realização desta monografia, foram examinadas algumas bibliografias disponíveis na internet e análise de julgados, sendo desenvolvida pela pesquisa quantitativa. No desdobramento da pesquisa, para que se chegasse a conclusão, foi necessário pesquisar sobre o patriarcado, aprofundar o tema de violência doméstica com dados e estatísticas quanto à incidência de casos em Pernambuco, entender o que é a pandemia do Covid-19 e buscar fatores que poderiam aumentar a incidência dos casos e diminuir a procura das denúncias e busca pelas proteções à vítimas de violência doméstica. É sabido que tal violência é um problema social, em que estas mulheres são vítimas de agressão, abuso, constrangimento, insubordinação e machismo. No nosso país os casos são de grande incidência. A cada dois minutos uma mulher é agredida, mesmo com uma lei vigente de proteção à mulher, medidas de proteção para as vítimas, possibilidades para que seja denunciado o abuso. O Coronavírus trata-se de um vírus extremamente transmissível, mais de 607 mil brasileiros viraram estatísticas. Devido a alta propagação do Covid-19, tornou-se imprescindível o isolamento social, momento em que se fez necessário aderir ao trabalho na modalidade home office. As instituições de ensino, as igrejas, os restaurantes e bares fecharam, as empresas cancelaram contratos de trabalho, as pessoas foram orientadas a ficarem em casa, sendo adotadas também outras medidas. Em razão do distanciamento social, as vítimas passaram a ficar a maior parte do tempo em suas casas, sendo na maioria dos casos o local em que mais sofrem agressões. Palavras-chave: Violência Doméstica. Covid-19. Pandemia. Isolamento. Abuso. ABSTRACT The present work has as its theme the increase in violence against women during the Covid-19 pandemic. This research proposes to analyze the increase in cases of domestic violence during the pandemic period, considering that one of the non- pharmacological measures to reduce the virus is social isolation, which causes the victim to spend more time isolated with their aggressor. For the accomplishment of this monograph, some bibliographies available on the internet were examined and judgment analysis, being developed by quantitative research. In the unfolding of the research, in order to reach the conclusion, it was necessary to research on patriarchy, deepen the theme of domestic violence with data and statistics regarding the incidence of cases in Pernambuco, understand what the Covid-19 pandemic is and look for factors that could increase the incidence of cases and decrease the demand for complaints and the search for protections for victims of domestic violence. It is known that such violence is a social problem, in which these women are victims of aggression, abuse, embarrassment, insubordination and machismo.In our country the cases are of great incidence. Every two minutes a woman is assaulted, even with a current law to protect women, protection measures for victims, possibilities for the abuse to be reported. The Coronavirus is an extremely transmissible virus, more than 607 thousand Brazilians became statistics. Due to the high spread of Covid-19, social isolation became essential, at which time it was necessary to adhere to work in the home office modality. Educational institutions, churches, restaurants and bars closed, companies canceled employment contracts, people were told to stay at home, and other measures were also adopted. Due to social distancing, victims started to stay most of the time in their homes, being in most cases the place where they suffer the most aggressions. Keywords: Domestic violence. Covid-19. Pandemic. Isolation. Abuse. SUMÁRIO 10 1Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 1.1Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 1.2Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 2Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 2.1Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 2.2Erro! Indicador não definido.Fontes Inspiradoras da Lei Maria da Penha Erro! Indicador não definido. 2.3Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 3Erro! Indicador não definido.Erro! Indicadornão definido.Erro! Indicador não definido. 3.1Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 3.2Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 4Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. 4.1Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido.Erro! Indicador não definido. Erro! Indicador não definido. REFERÊNCIAS42422 10 INTRODUÇÃO O objetivo da pesquisa é analisar e questionar se houve um aumento da violência contra a mulher no contexto da pandemia e, caso a resposta seja positiva, identificar os motivos que levaram a esse aumento, a fim de possibilitar em última instância, uma discussão sobre o desenvolvimento de diretrizes e ação pública para combater esse problema social. Ao analisar dados sobre a incidência de casos e outras hipóteses pesquisadas, o objetivo é pensar se e de que maneira a pandemia do coronavírus tem contribuído para o aumento dos casos de violência doméstica. Caso a pesquisa e análise seja favorável, se faz necessário imaginar novos parâmetros de segurança e novos estudos com o fito de solucionar e acolher mulheres vítimas de violência doméstica em tempos de pandemia do Covid-19, encerrando o aumento de casos de violência doméstica e de vítimas fatais. O interesse pelo tema surgiu devido a situações de vivência pessoal em relacionamentos abusivos com abuso psicológico grave, daí o interesse em explorar questões de gênero e violência doméstica. Em termos de demarcação, chegou-se a pensar que a pandemia de covid-19 tinha afetado esta questão social, por se tratar de uma pandemia com isolamento para conter a doença, fazendo com que a mulher passasse mais tempo com o seu agressor. A princípio, o capítulo trará noções gerais de violência doméstica, seguindo para o segundo capítulo versando sobre a Lei Maria da Penha, suas fontes inspiradoras e os avanços trazidos pela referida Lei, prosseguindo com o terceiro, onde trás os impactos da violência contra a mulher no Estado de Pernambuco, com gráficos e estatísticas, e, por fim, concluindo no quarto capítulo, as consequências que a pandemia do coronavírus causou para mulheres que sofrem violência doméstica. Por último, através de todos os dados e estatísticas analisadas sobre se e como a pandemia pelo coronavírus afetou e intensificou o aumento de casos da pandemia, entende-se que, mais do que nunca, há necessidade de medidas alternativas e aprimoradas para proteger as mulheres durante a pandemia, mesmo em todas as outras situações. 11 1. VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES Este capítulo trata de conceitos gerais de violência doméstica. Deste modo, será abordado os conceitos introdutórios, haverá uma explanação acerca dos tipos de violência, e, por fim, mas, não menos importante, a analise da violência doméstica em Pernambuco, em especial, no período da pandemia do COVID-19. 1.1 Violência contra mulheres no contexto pandêmico x patriarcado Primeiramente, destaca-se que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, no dia 11 de março de 2020, a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, como uma questão sanitária grave, de caráter mundial. O termo pandemia descreve o momento em que uma doença infecciosa ameaça vários continentes ao mesmo tempo. Como resultado, o isolamento social foi introduzido por vários países como medida para combater a propagação do vírus e prevenir o potencial contágio da nova doença. Com isso, muitas mulheres agredidas foram obrigadas a conviver constantemente com o agressor em casa. Mas, infelizmente, esse histórico de violência contra a mulher já vem de outras épocas, os costumes e as histórias que perpetuam esse patriarcado, consolida a dominação masculina, o que leva à vulnerabilidade da mulher. Na Antiguidade clássica, havia uma sociedade caracterizada pela desigualdade, e a "linha patriarcal" era mestre absoluto e indiscutível. Eles tinham poder vital sobre suas esposas, filhos e qualquer outra pessoa que vivesse sob eles. Em suma, sua vontade era a lei suprema. O homem como papel de senhor absoluto de seus domínios perdurou através dos tempos e, ainda no Brasil - colônia, era permitido àquele que surpreendesse sua mulher em adultério, matar o casal de amantes, previsto na legislação portuguesa (DIAS, 2007, p. 21). Em 1830, o primeiro Código Penal Brasileiro proibia tal permissão, mas como mudar a cultura de tal nação com a rapidez exigida pela aplicação da lei, que vem crescendo, vivendo e presenciando esse comportamento há muitos anos como se fosse correto? Porque as pessoas ainda acreditam que a infidelidade de uma mulher vai prejudicar os direitos de seu marido, sua honra manchada só será lavada pelo sangue de uma mulher adúltera (CUNHA, 2007, p. 82). A violência contra a mulher traz o seu 12 pensamento, a relação com as categorias de gênero, classe e raça e suas relações de poder. Essa relação é retratada na proeminente ordem patriarcal da sociedade brasileira, que confere aos homens o direito de dominar e controlar suas esposas, chegando em alguns casos aos limites da violência e resultando na morte da vítima. Parece que a violência contra as mulheres está profundamente enraizada na história e, portanto, difícil de desconstruir. Lentamente, só em 1988 a Constituição Federal igualou os direitos de homens e mulheres, retirou de nosso ordenamento jurídico muitas cláusulas que discriminavam as mulheres e atribuiu ao Estado a responsabilidade de estabelecer mecanismos para coibir a violência nesse campo. A escolha deste tema deve-se ao fato cotidiano de que se trata dos diferentes tipos de violência contra a mulher e que de 2020 para cá, o aumento da violência doméstica e feminicídio em Pernambuco, em tempos de pandemia, abriu a existência de um cenário alarmante: por um lado uma pandemia e um vírus potencialmente mortal e por outro lado pessoas da própria casa e potencialmente violentas. 1.2 Conceituando a violência contra a mulher O conceito dado à violência contra a mulher - forjado inicialmente nas ciências sociais - tinha o propósito de evidenciar que o espaço privado era o local da proteção para as mulheres, e ao mesmo tempo um espaço produtor e reprodutor de violências e relações de poder (PASINATO, 2018, p. 38). Podendo, no entanto, ser conceituado da seguinte forma: “Violência doméstica é uma série de atos ou omissões na família que causa dano, sofrimento físico, sexual ou psicológico na forma de uma série de atos ou omissões, não importa quem os perpetue ou sofra”. (SEIXAS, 2013, p. 08). Segundo Saffioti, a violência contra a mulher ocorre principalmente em casa, mas nada impede o agressor de esperar a parceira no trabalho e de espancá-la de forma demonstrativa na frente de todos os colegas porque ela está com raiva de suas ações. (SAFFIOTI, 2011, p. 64). Mesmo diante das sociedades contemporâneas e democráticas, a violência doméstica persiste e é um atentado aos direitos humanos das mulheres. “Sabendo que a educação tem um papel essencial para a desconstrução de preconceitos e da misoginia, também responsáveis pela violência de gênero, parte dos textos versarão 13 sobre as pesquisas atuais desenvolvidas tendo como objeto a educação para a igualdade de gênero” (BRABO, 2015, p. 09). Quando se trata do processo de medidas no âmbito da violência em contexto familiar, ou seja, doméstica, a erradicação é um elemento essencial: a violência contra as mulheres constitui um obstáculo para a realização dos objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz… tanto viola como impede ou anula o usufruto pelas mulheres dos seus direitos humanos e das suas liberdades fundamentais. A incapacidade que tem vindo a prevalecer na proteção e promoção desses direitos e liberdades… é umaquestão que diz respeito a todos os estados e que deveria ser endereçada (BEIJING DECLARATION AND PLATFORM FOR ACTION, 1995, p. 48, apud, Tânia Brabo, 2015, p. 27). Pasinato, em participação no estudo desenvolvido pelo CNMP presume que “a violência contra mulheres deixou de ser um problema da privacidade, para se externar no fenômeno de gênero, onde fez com que esse tipo de violência se tornasse um problema de política pública” (LISBOA, 2018, p. 21). A violência doméstica contra a mulher é considerada um problema de saúde pública, além da agressão sofrida pela mulher, a família, a economia, os serviços de saúde, o sistema judiciário e toda a sociedade são atingidos (MOREIRO, p. 24). Considerando o fato de que a violência contra a mulher é tratada como problema de saúde pública (SCHRAIBER, 2001), seu debate se torna ainda mais pertinente em um momento no qual se fala predominantemente de saúde. Portanto, parece necessário compreender as "possíveis razões" pelas quais muitas mulheres se encontram em situação de perigo iminente em casa e como isso se relaciona com o atual contexto pandêmico. No entanto, é importante destacar que não está se justificando a violência contra a mulher, mas sim tentando compreender a complexidade desse fenômeno no contexto de uma pandemia. Porque, como todos sabemos, esse tipo de violência é diretamente constituído e legitimado pelo patriarcado, racismo e capitalismo. Eles ainda afetam a forma como as pessoas existem e como se conectam, especialmente no contexto das relações afetivo-sexuais e familiares. Neste presente estudo, o foco será a violência perpetrada por homens contra mulheres. Porém, de fato, a violência de gênero, além de encontrar correspondentes no âmbito das relações entre pessoas do mesmo sexo, também pode ser praticada 14 por mulheres contra seus parceiros, mesmo que neste último caso, os números sejam insignificantes nas estatísticas cotidianas. Pois, como afirmou Heleieth Saffioti (2001, p. 115), “as mulheres como categoria social não têm, contudo, um projeto de dominação-exploração dos homens. E isto faz uma gigantesca diferença.” Pode-se notar que o isolamento social tornou- se uma lente de aumento do problema. Isso significa que os agressores do sexo masculino não se tornaram violentos quando presos com suas parceiras, mas a desigualdade de poder existente é latente e, eventualmente, atinge seu pico em situações de violência. No entanto, ainda é necessário fazer as seguintes perguntas: O que aconteceu com o primeiro ato violento durante o período de isolamento social? Essa situação remete a reflexões sobre padrões e valores ainda válidos do sexismo e da misoginia, que contribuem para o exercício – potencial e/ou concreto – da violência por homens, quando os mesmos estão expostos a situações de extremo estresse, que funcionam como verdadeiro gatilho, como seria o caso da pandemia. Além disso, as medidas tomadas e sua possível eficácia serão analisadas para entender se a violência contra a mulher, continua a ser tratada com negligência pelo regulador. Esta análise é extremamente importante, porque parece haver uma lacuna deliberada entre a legislação e o acesso efetivo das mulheres a medidas, recursos e política. O estudo será baseado, então, na abordagem sobre a qual o momento atual leva a refletir não apenas sobre os efeitos da crise humanitária causada pelo coronavírus, mas como ela escancara a necropolítica intencional do governo atual brasileiro (MBEMBE, 2019). 2. A LEI MARIA DA PENHA Faz-se necessário abordar a Lei Maria da Penha, um breve histórico da gênese e contexto de origem da lei, bem como o que ela representou em termos de avanços e inovações na proteção da mulher em situação de violência doméstica no Brasil, por isso que esta análise terá um capítulo separado e dedicado a ele. 15 2.1 Breve histórico da Lei Maria Penha O processo de criação dessa lei, tão importante no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, foi longo e repleto de percalços, precedido de muitos movimentos e debates. Merecem destaque os mencionados movimentos feministas da década de 1970 e de ordem internacional que exigiam políticas públicas de proteção às mulheres vítimas de violência, enquanto a sociedade por muito tempo permaneceu apática diante de tantas violações dos direitos das mulheres. (BARBOSA, E.; BRANDÃO, R.; TELECIO, 2011). O resultado efetivo veio gradativamente e, em 1980, foram criadas cinco delegacias da mulher, com foco no estado de São Paulo, que liderou a implantação. A existência de um serviço especializado, majoritariamente desenvolvido por mulheres, estimula e encoraja outras vítimas a denunciar as agressões e maus-tratos que sofrem silenciosamente há anos (SANTOS, 2010). Faz-se referência à constituição de 1988, que garante a ambos os sexos a proteção necessária em caso de violência doméstica no artigo 226, § 8º. Nesse aspecto, trouxe um grande e significativo avanço em relação aos direitos das mulheres, pois estabeleceu a igualdade de gênero e deu efeito ao dispositivo constitucional. No aprofundamento do tema, que visa implementar o disposto na Constituição, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Eliminar a Violência Contra a Mulher - a Convenção de Belém do Pará, que entrou em vigor em 5 de março de 1995, tornou-se referência mundial no combate à violência contra a mulher e base fundamental da Lei Maria da Penha para o entendimento jurídico social e a dimensão de sua efetividade (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015). Portanto, o Brasil ainda não possuía legislação específica que tratasse da violência contra a mulher. A Lei 9.099/95 vigorou até 2006, que instituiu os Juizados Especiais Criminais (JECrim) e deu acesso à justiça para toda a população, com esses tribunais dando prioridade aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, em caso de ofensas que envolvam ameaças e lesões corporais leves, uma vez que estas constituem delitos com menor potencial de agressão antes da aplicação da pena. Nesta senda, observa-se uma forte revolta por parte das feministas em relação a Lei n º 9099/95, conforme aponta (Montenegro, 2016, p.33): 16 Essa lei, ao menos em tese, introduziu uma possibilidade de devolver o conflito pessoal nele envolvido, apresentando alternativas não punitivas para a sua minoração. Tal possibilidade foi afastada pela lei 11.340/2006, que foi criada, declaradamente, para dar um tratamento diferenciado a mulher que se encontre em situação em situação doméstica ou familiar. Dessa forma, termina aí, o discurso feminista. (MONTENEGRO, 2016, p.33) Tal moção mostrou-se totalmente inadequada, para defender o entendimento errôneo de que a violência contra a mulher era um crime menos ofensivo e não uma grave violação dos direitos humanos, uma vez que naturalizou e legitimou esse padrão de violência, reforçando assim a hierarquia entre os gêneros (PIOVESAN; PIMENTEL, 2011). No mesmo passo, houve a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, adotada em 1979 e até hoje continua sendo a mais marcante e completa convenção em favor dos direitos das mulheres. Este documento apela aos Estados signatários para que tomem todas as medidas relevantes para eliminar a discriminação contra as mulheres, em suas diversas manifestações. Posteriormente, de acordo com o disposto no artigo 226, § 8º da Carta Magna, o Projeto de Lei 4.559/2004 cria e desenvolve mecanismos de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Em 2006, foi aprovada a tão esperada Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, que introduziu mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e se apresentou como uma das principais ferramentas para combatê-la, estabelecendo medidas de apoio e proteçãoàs mulheres em situação de violência no país. Essa lei recebeu o nome da história de Maria da Penha Maia Fernandes, uma cearense que foi brutalmente agredida pelo marido enquanto dormia, no ano de 1983. 2.2 Fontes Inspiradoras da Lei Maria da Penha Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de duas tentativas de assassinato do então marido Marco Antônio Heredia Viveros, que a deixou paraplégica em decorrência da primeira agressão. A Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, recebeu o nome em homenagem a Maria da Penha, cujo caso foi encaminhado à Comissão 17 Interamericana de Direitos Humanos após quinze anos de negligência judicial, para condenar o marido. Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica casada com um professor universitário. Ela morava em Fortaleza, Ceará e teve 3 filhas com ele. A agressão sofrida deixou consequências inimagináveis em sua vida, pois ela ficou paraplégica após ser baleada pelo marido com uma espingarda. Apesar de toda a barbárie que assola este caso e de todos os abusos sofridos por Maria da Penha, o caso aos poucos avançava pelos tribunais, chamando a atenção da mídia internacional. Em 2001, o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por pressão de Maria da Penha e negligência no tratamento da violência contra a mulher. O agressor foi finalmente preso em outubro de 2002, quase vinte anos após a data do crime. Também em 2001, a CIDH publicou um relatório sobre o caso, no qual concluiu que o Brasil violou o direito ao devido processo legal de Maria da Penha. A CIDH, informou que esta violação constitui um padrão de discriminação evidenciado pela ineficácia do judiciário em consentir com a violência contra a mulher no Brasil. Entre as várias recomendações, o Estado brasileiro precisaria legitimar normas na esfera nacional objetivando o fim da tolerância dos agentes do Estado perante à violência contra as mulheres (SANTOS, 2010). Assim, diante da indolência e negligência do Estado brasileiro, o documento foi publicado e incluído no relatório anual da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. Concluído o julgamento, o caso foi encaminhado à Corte Interamericana de Justiça e o Brasil foi julgado e condenado como um país que violou a Convenção Americana e, portanto, violou diretamente os direitos humanos (CORREA; CARNEIRO, 2010). Diante do caso, a Comissão Internacional de Direitos Humanos concluiu que a ineficiência judicial, a impunidade e a incapacidade das vítimas de obter reparação pela barbárie cometida, demonstram a falta de cumprimento e mecanismos adequados para enfrentar a violência doméstica. Diante da total negligência e omissão do Estado brasileiro, foi imposto o artigo 39 do Decreto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com o objetivo de que os fatos relatados na Denúncia fossem apurados, pois mais de 250 dias se passaram desde a notificação da petição ao Brasil e o mesmo não havia comentado o caso, portanto, a Comissão Interamericana decidiu publicar o Relatório No. 54, o 18 qual estabeleceu recomendações ao Brasil no caso Maria da Penha Maia Fernandes (SEGATTI, 2018). Conforme declarado na sentença judicial, o Brasil finalmente procedeu ao julgamento de Marco Antônio e manteve a decisão pela qual ele foi condenado. O agressor foi preso em 28 de outubro de 2002 e deu início à execução da pena de prisão, que inicialmente deveria ser cumprida em regime fechado. A OEA recomendou que o Brasil desenvolva ações para criar políticas públicas que dificultem a violência doméstica contra a mulher. Dessa forma, nasceram os projetos de lei que criaram a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei de Maria da Penha, em homenagem à vítima deste caso emblemático e sua incansável luta por justiça (CORREA; CARNEIRO, 2010). A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, teria afirmado no seguinte sentido, conforme relata (Dias, 2019, pp. 16 e 22): Apesar de, por quatro vezes, a Comissão ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma resposta. Em 2001 o Brasil foi condenado internacionalmente. O Relatório n. 54 da OEA, além de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares, em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão frente à violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual”. A indenização, no valor de 60 mil reais, foi paga a Maria da Penha, em julho de 2008, pelo governo do Estado do Ceará, em uma solenidade pública, com pedido de desculpas [...] responsabilizou o estado brasileiro por negligência e omissão frente a violência doméstica, recomendando recomendado a adoção de várias medidas, entre elas “simplificar os procedimentos judiciais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual.(Dias, 2019, pp. 16 e 22) Essa lei também impulsionou o Brasil a dar um passo significativo, no sentido de aceitar e cumprir integralmente as recomendações feitas ao Estado brasileiro na decisão da CIDH no caso Maria da Penha e os princípios consagrados na Convenção Interamericana sobre Prevenção, Sanções e Eliminação da Violência contra a Mulher. Além disso, deve-se reconhecer que este documento influenciou o processo criativo que levou à elaboração da legislação, incluindo a presença substancial de organizações da sociedade civil que trabalham para defender e proteger os direitos das mulheres. Por isso, no final de 2004, o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei nº 4.559 ao Congresso Nacional, encaminhado e aprovado pela Câmara dos Deputados 19 e Senado Federal, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil e os esforços decorrentes para o cumprimento do disposto na Carta Magna. A vigência da Lei nº 11.340/06, a Lei Maria da Penha, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional e que criou mecanismos inéditos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, por meio de medidas de prevenção, amparo e proteção à mulher foram situações e representam um evento histórico emblemático da luta das mulheres em busca da efetivação de seus direitos. 2.3 Avanços e Inovações trazidos pela Lei Maria da Penha Com a aprovação da Lei Maria da Penha, o tratamento jurídico da agressão no âmbito das relações familiares mudou e trouxe consigo medidas importantes que fortaleceram o combate à violência contra a mulher. Dentre as mudanças trazidas pela nova lei que merece destaque, está a previsão da inaplicabilidade da lei n. 9.099/1995 às violações contra a mulher no âmbito doméstico. Isso significa que os crimes e infrações penais cometidos contra as mulheres no âmbito das relações domésticas, deixam de ser da competência dos juizados especiais criminais, independentemente da pena que lhes seja imposta. Isso finalmente legitimou que a violência contra a mulher, seja por meio do cometimento de infrações penais ou pelo cometimento de infrações penais, não deve ser analisada corretamente como uma violação com menor potencial de agressão. Não é correto tratar a violência contra a mulher como crime de baixo potencial e escandaloso, pois tratados internacionais, inclusive aqueles dos quais o país é parte, declaram que esse tipo de violência é uma grave violação dos direitos humanos. Essa violência desrespeita os direitos humanos das mulheres, pois prejudica as mulheres moral, psicologicamente, fisicamente, sexualmente e hereditariamente. Em detrimento da inaplicabilidade da Lei nº 9.099/1995, as infrações, que incluem a violência doméstica e familiar contra a mulher, deixam de ser apuradas com prazo preciso e deve ser instaurado inquérito policial. Não sendo mais admissívela aplicação dos institutos da composição civil, da transação penal e da suspensão condicional do processo, não recaindo nessas infrações o procedimento sumaríssimo (FULLER, 2014). 20 A Lei Maria da Penha é a resposta à anos de omissão e silêncio sobre o sofrimento das mulheres em situação de violência, e é considerada uma das três leis mais progressistas do mundo no combate à violência doméstica, onde prevê direitos que criam mecanismos em torno dessa modalidade, a coibição e prevenção da violência permite a criação de varas de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal, além de propor medidas para ajudar e proteger as mulheres expostas à violência doméstica. A Lei Maria da Penha estipula que o Estado deve tomar medidas públicas para prevenir, apoiar e reprimir a violência que sejam capazes de promover mudanças para superar a desigualdade de gênero. O artigo 3.º do referido diploma legal prevê que sejam asseguradas a todas as mulheres as condições que lhes permitam exercer efetivamente os direitos humanos que lhes são garantidos no âmbito das relações domésticas, tais como: serviços de saúde, transportes, habitação, desporto, lazer, educação e cultura, dignidade, acesso ao trabalho e justiça. O artigo 8º estabelece que união, estados, distrito federal, município e ação não governamental devem unir forças e propor ações públicas com base nas seguintes diretrizes: Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não- governamentais, tendo por diretrizes: I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do artigo 1º, no inciso IV do artigo 3º e no inciso IV do artigo 221 da Constituição Federal; IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou 21 entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implantação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. (LEI 11.340/06) Estruturado pelos artigos 3º e 8º, o artigo 35 garante que a união, o distrito federal, os estados federados e os municípios possam criar e promover serviços especializados e aptos a atender mulheres em situação de violência. São serviços como: Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: I – centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; II – casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar; III – delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar; IV – programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; V – centros de educação e de reabilitação para os agressores. (LEI 11.340/06) Um serviço importante que deve ser destacado é a previsão no artigo 38 de que as estatísticas sobre violência doméstica e familiar contra a mulher sejam incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do sistema de justiça e segurança para subsidiar o sistema nacional de dados e informações sobre as mulheres . A base de dados deve ser constantemente atualizada para que o governo possa alterá-la a qualquer momento, se julgar necessário. Vale destacar também que para criar esses serviços uma rede integrada entre diferentes companhias aéreas e potências nos termos do art. 8º, inciso I, exige-se que os recursos sejam previamente previstos no planejamento governamental. Os artigos 36 e 39 da lei determinam que a União, os Estados federados, o Distrito Federal e os Municípios devem promover a adequação de seus órgãos e programas no âmbito das 22 leis diretivas orçamentárias e disponibilizar recursos financeiros para a implementação das medidas necessárias. O artigo 40 da lei reitera que as obrigações impostas às autoridades públicas não excluem outras obrigações previstas em outra legislação. Corroborando para que a ação pública de combate à violência doméstica e familiar seja efetiva. O artigo 9º prevê o atendimento à mulher nas áreas de saúde, assistência social e segurança pública de forma articulada. As mulheres devem ser incluídas nos programas de assistência, pois é uma exigência da Lei Maria da Penha a ser definida pelo juiz, o Estado deve garantir condições para viabilizar o seu cumprimento. Por esse motivo, uma vez que muitas dessas mulheres são dependentes financeiramente dos agressores, é fundamental envolvê-las em programas sociais para que possam se desvencilhar mais facilmente da situação de violência. Alguns programas de ajuda existentes oferecem esses tipos de serviços, incluindo: Bolsa Família, Fome Zero, Inclusão Produtiva e outros programas de alívio da pobreza. Como você pode ver, a violência doméstica e familiar é considerada uma questão de ordem pública e saúde pública, onde não se admite a máxima de que “é briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. O Estado tem a obrigação e o dever de que, logo que o tenha conhecimento através da autoridade policial, aplique as medidas cabíveis previstas nos artigos 10.º, 11.º e 12.º da Lei 11.340/06. Uma das medidas é a prisão do agressor em flagrante pela autoridade policial. Esta medida deve ser realizada no caso específico de violência ou sua possibilidade. Outra inovação é a prevista no artigo 11, que promove atendimento especializado e humanizado às mulheres que buscam a figura da autoridade policial, após o que devem ser tomadas as seguintes medidas: Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência domésticae familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento 23 perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável. (LEI 11.340/06) A Lei Maria da Penha foi criada para proteger as mulheres que foram violentadas de todas as formas e garantir seu retorno seguro para casa, sempre acompanhada por uma força policial, principalmente se o agressor ainda estiver foragido. Em nenhum caso a mulher deve ficar sozinha, pois a qualquer momento ela pode sofrer represálias do agressor. A lei prevê, ainda, novas regras para a avaliação dos casos de violência doméstica e familiar, bem como os procedimentos específicos a aplicar, para além das normas previstas no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, na medida em que ultrapassem as disposições estatutárias não conflitam. A lei dá mais um passo ao criar tribunais responsáveis pela resolução de conflitos decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher. A criação de tribunais é condição essencial para a real eficácia do direito. Neles, as mulheres devem encontrar atendimento humanizado e especializado de juiz, promotor e defensor público devidamente instruídos para resolver um problema tão complicado e evitar o processo de revitimização, que é tão comum e impede a mulher de buscar ajuda. Com o envolvimento de uma equipa multidisciplinar de acompanhamento dos casos, a lei acolheu uma alternativa para o melhor resultado nas questões mais complexas da nossa realidade, nomeadamente a violência doméstica. Uma vez que uma equipe treinada e capacitada esteja pronta para lidar com o devido cuidado e atenção que a situação exige, as vítimas terão confiança para prosseguir com a reclamação. Medidas protetivas urgentes são outra inovação recebida pela Lei Maria da Penha. Essas medidas são medidas necessárias que podem garantir maior segurança e proteção às mulheres e evitar perigos imediatos. Dessa forma, eles oferecem oportunidades para a vítima continuar o processo judicial sem maiores preocupações ou interrupções, permanecer em casa, exercer o direito à livre circulação e continuar com sua vida profissional normalmente. Essas medidas podem ser solicitadas pela própria mulher ofendida, diretamente na delegacia ou no Ministério Público. 24 Recebido o pedido de medidas protetivas de urgência encaminhado pela Delegacia de Polícia, o juiz o examinará e terá 48 horas para deferir ou indeferir o pedido e, se necessário, decidir se encaminhará a vítima a assistência judiciária e denunciar o crime ao Ministério Público. Também pode aprovar as medidas de imediato, sem que as partes tenham de ser ouvidas em audiência oral ou aguardar a comunicação posterior do Ministério Público. Qualquer pessoa que pratique violência doméstica contra a mulher, também pode ser sentenciada à prisão preventiva. Isto significa que o magistrado pode prender, preventivamente, o agressor no decurso do processo para garantir o bom andamento das investigações policiais do processo penal e agora também em caso de incumprimento de medidas protetivas de urgência. O Ministério Público ou a autoridade policial também podem requerer a prisão preventiva. Além das medidas de prevenção, proteção e assistência, as medidas punitivas também reforçam a ideia de uma lei abrangente de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei Maria da Penha alterou o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código de Execução Penal para adaptá-los e impor sanções condizentes com a violação da integridade física, psicológica, sexual, moral e patrimonial da mulher. Atrelado a essa ideia, para proteger a ordem pública, o sistema econômico, a instrução do direito penal ou mesmo para garantir a aplicação do direito penal, é admissível a decretação da prisão preventiva em caso de crimes dolosos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Ou seja, no curso do processo, o magistrado pode agora prender preventivamente o agressor mesmo que não sejam observadas medidas protetivas de urgência. O Ministério Público ou a autoridade policial também podem requerer a prisão preventiva. Um ponto que merece atenção é a publicação da Lei nº 13.104/2015, que contém alterações ao Código Penal para incluir a modalidade habilitante para feminicídio. Acrescentou-se o § 2° A como norma explicativa do conceito de "razões para ser mulher", evidenciando que ocorre em dois casos: a) violência doméstica e familiar; b) desprezo ou discriminação pela condição de mulher; a lei também acrescentou ainda o § 7° ao Art. 121 para identificar causas de aumento da pena para o crime de feminicídio. 25 Feminicídio é o assassinato de mulher pela condição de ser mulher, o termo trata dos crimes de ódio contra a mulher justificados por uma trajetória de subordinação da mulher ao homem e ditada pela inércia do Estado e da sociedade. A pena seria aumentada de 1/3 (um terço) para metade se o crime fosse cometido (i) durante a gravidez ou até 3 (três) meses após o parto; (ii) contra qualquer pessoa menor de 14 (quatorze anos), maior de 60 (sessenta) ou portador de deficiência; ou (iii) na presença de um descendente ou ascendente da vítima. Com a nova lei, além de proteger as mulheres, a legislação penal fortaleceu o tratamento penal dos agressores. É necessário que o Código Penal brasileiro classifique e tipifique explicitamente o crime de feminicídio para acabar com o silêncio e a desatenção. Em relação a esse tipo de crime, ainda que caiba na competência da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica, mas quando essa violência ocorre como homicídio sacrificial, trata-se de feminicídio. Outro importante serviço de combate à violência contra a mulher é o Ligue 180, canal de atendimento ao público que facilita o recebimento de denúncias de agressão contra a mulher, onde a central encaminha todas as denúncias das vítimas às autoridades competentes e acompanha todo o andamento do judiciário, dando suporte e orientação as mulheres, encaminhando-as para setores especializados para auxiliá- las. Além disso, um ponto importante que este serviço oferece, é informar as mulheres sobre seus direitos e o que a legislação dispõe sobre violência e também explicar sobre a rede de serviços e apoios disponíveis às mulheres envolvidas neste complexo cenário. A ação do movimento de mulheres foi fundamental para a conquista de seus direitos e a Lei 11.340/2006 foi uma dessas vitórias e um verdadeiro marco no processo. É certo que o surgimento da lei trouxe inúmeros avanços e melhorias no combate à violência doméstica e familiar, mas é inegável que ainda falta implementação concreta de políticas públicas para que o disposto na legislação seja devidamente respeitado e efetivamente desenvolvidos. Nesse contexto, o debate sobre o atual cenário que a pandemia do novo coronavírus enfrenta mundialmente é relevante e necessário, visto que as mulheres em situação de violência tornaram-se reféns de suas próprias quatro paredes, devido ao nível de isolamento social imposto pela sociedade desde o o confinamento 26 compulsório causadopela medida de isolamento social aumentou em maior medida a exposição das vítimas à violência. 3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM PERNAMBUCO Neste estudo, optou-se por citar a violência contra a mulher, por ser considerada importante do ponto de vista ético e político. Para evitar a possibilidade de eliminação da realidade, infelizmente, esta realidade tem um impacto maior na maioria das mulheres (mulheres negras, pobres, lésbicas, transgêneros, bissexuais, travestis, heterossexuais, indígenas, deficientes, etc.), E infelizmente é proporcionalmente maior.). Tendo isso em vista, era de se esperar que o mesmo ocorresse no Brasil, país no qual são vistos, diariamente, diversos tipos de manifestação de violências e de misoginia, mesmo que de modo simbólico (BOUR- DIEU, 1998). Segundo Secretaria da Mulher, até o início da crise, o número de registros de boletins de ocorrência subiu 47%, entre 2012 e 2020. Porém, em relação ao número de registros de boletins de ocorrência em delegacias, a Secretaria Estadual da Mulher apontam que, na comparação com o período de antes da pandemia, houve uma redução de 1%. Os dados fazem referência a uma diferença de quantidade de queixas prestadas em 2020 e em parte de 2021 e 2019. Ainda segundo o governo de Pernambuco, até o início da crise mundial do novo coronavírus, a Lei Maria da Penha estava conseguindo levar mais vítimas a buscar ajuda das polícias. As estatísticas, divulgadas pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, mostram que o número de mulheres que fizeram denúncias passou de 28.188, em 2012, para 41.403, em 2020. Vejamos a evolução anual dos números de vítimas de violência contra a mulher, em Pernambuco, correspondente aos anos de 2012 à 2021: 27 Tabela 1: evolução anual dos números de vítimas de violência doméstica em Pernambuco. Fonte: https://www.sds.pe.gov.br/estatisticas Em relação aos feminicídios, Pernambuco apresentou alta nos casos, assassinato cometido em razão do gênero, no primeiro bimestre de 2021 em comparação aos primeiros dois meses do ano de 2020. Tais dados foram divulgados em 15/03/2021, pela Secretaria de Defesa Social, e apontam um aumento de cinco mortes, sendo contabilizados 19 feminicídios em janeiro e fevereiro deste ano, enquanto, nos mesmos meses do ano passado, foram 14. Comparando apenas com fevereiro, registaram-se mais de quatro casos no crime desta natureza. No segundo mês deste ano, foram registados 10 casos de homicídios de mulheres e 6 casos foram registados em fevereiro de 2020. O documento mostra que em comparação com o mesmo período de 2020 (onde foi o auge da pandemia), o número de casos de violência doméstica no primeiro bimestre de 2021 diminuiu 9,5%. No geral, houve uma redução de 744 casos e uma redução de 7.086 casos este ano. Foram 7.830 no mesmo período do ano passado. Podemos observar, na tabela a seguir, um crescente e alarmante número de casos mensais de violência doméstica, entre os meses de janeiro à abril do ano de 2022, na capital pernambucana, região metropolitana e interior do estado: 28 Tabela 2: evolução mensal dos números de vítimas de violência doméstica em Pernambuco Fonte: https://www.sds.pe.gov.br/estatisticas É necessário, portanto, diante de inúmeros dados chocantes sobre o índice de violência doméstica e assassinato de mulheres, falar sobre a sociedade em que vivemos e as possíveis causas desse aumento da violência e quais medidas foram ou não tomadas para conter esse aumento. 3.1 Violência por parceiro íntimo: possíveis gatilhos x fatores externos No contexto desta pandemia e isolamento social, é crucial abordar a questão da violência entre parceiros íntimos. Depois que medidas de quarentena foram aprovadas em todo o mundo, a ONU Mulheres começou a alertar sobre o aumento de casos de violência doméstica em alguns países. Inicialmente, apontou-se que a violência por parceiro íntimo tem vários aspectos, como abuso físico e sexual, agressão psicológica e moral e até violência patrimonial (MASCARENHAS et.al.; 2020). Em todo o mundo, as mulheres carregam o peso dessa violência. Com isso em mente, é importante entender todos esses eventos para que as autoridades de saúde e segurança possam considerar e tomar contramedidas eficazes. Embora a pandemia de Covid-19 seja um agravante desse problema, é importante ressaltar que a pandemia não é a causa da violência, pois as mulheres em 29 situação de violência ficam limitadas ao agressor ou potencial agressor: o agressor, parece fazê-lo independentemente das frustrações e tensões causadas pelo isolamento social. Portanto, evita-se o uso do termo causa da violência, pois se pressupõe que o fato de o agressor violento agir dessa forma se deve ao machismo estrutural e tal comportamento não pode ser atribuído a nenhuma circunstância. Em outras palavras, alguns fatores podem, no entanto, ser identificados como influências externas no aumento da incidência de violência por parceiro íntimo. Conforme alertou a presidente, Renata Brasil Araújo, é preocupante, uma vez que tem aumentado devido à dificuldade do acesso ao tratamento de dependências químicas no atual contexto, além de que muitas pessoas passam a recorrer ao uso abusivo de álcool e outras drogas em momentos de extrema tensão, o que acaba por aumentar a impulsividade e a intolerância (BARBOSA, 2020). Além do consumo excessivo de álcool e outras drogas mencionado nos 9 artigos, outro fator que tem levado ao aumento da violência analisada neste tópico é a crise econômica, que acaba por levar ao aumento do desemprego. Esse fator reflete direta e claramente o machismo estrutural que permeia nossa sociedade. O homem violento, construído e socializado com base no patriarcado que o leva a acreditar que quando se encontra em um contexto de insegurança econômica e frustração por medo de perder o poder, deve ser o provedor do lar e da família, acredita que pode expressar com maior intensidade a violência que já exerceu. Nesse ponto, valem as considerações de Belma Andrade: A questão do desemprego é um ponto que merecem atenção, porque homens dominadores e egocêntricos afirmam seu poder em razão da virilidade e estar passando por momentos de privação econômica, ou mesmo de desemprego, é algo que pode tornar o homem ainda mais violento, envolvendo até o aumento do consumo de álcool e drogas nesse período. (BELMA ANDRADE, 2020) No entanto, há outro fator que influencia a violência doméstica: a tensão entre um homem e uma mulher diante dos problemas econômicos muitas vezes leva o homem a descarregar sua raiva na mulher, o que também reflete o machismo, em que o agressor trata a mulher como uma propriedade dele. As tensões, contratempos e tensões das crises são muitas vezes os gatilhos para o aumento da violência durante a pandemia. Além disso, a superexposição aos agressores aumenta a vulnerabilidade das mulheres e exacerba o ciclo de violência. Com o isolamento social e a 30 permanência constante com o agressor, acaba que a ordem lógica do ciclo da violência se perde e as fases passam a se completar em uma velocidade extrema. (BUCHINI, 2020). O que também tem sido amplamente discutido, é a separação das mulheres de toda a rede de apoio devido ao isolamento social. A vulnerabilidade das mulheres tende a aumentar à medida que se afastam do núcleo familiar e social, fator potencializador da agressividade (DIAS, 2020). Além desses fatores externos que influenciam no aumento da violência, há outros também apontados na pesquisa, são eles: sensação de impunidade provocada pelo isolamento (RIBEIRO, 2020); maior dificuldade em ir pessoalmente aos equipamentos públicos de atenção às mulheres (ÁVILA; BIANCHINI, 2020); sobrecarga do trabalho doméstico (RAGASINI, 2020; ÁVILA; BIANCHINI, 2020). Como discutido anteriormente, a relação entre mulheres e patriarcadonão pode ser introduzida sem reconhecer a intersecção das mulheres e do patriarcado com as características de cor/raça e classe social. Dependendo do gênero, classe e raça, o coronavírus tem efeitos ainda mais extremos nos indivíduos. Circunstâncias como informalidade e precariedade do trabalho, cuidados domésticos e familiares, habitação e acesso à água potável e serviços de saúde, por exemplo, são questões que diferenciam a maneira como as pessoas estão vivenciando a pandemia no Brasil e no mundo, de modo que o vírus dita classe, raça e gênero. (LOBATO, 2020). E por que isso está acontecendo? No contexto de isolamento social, as mulheres vítimas de agressão estão distantes de sua rede de apoio e o autor da violência pode monitorá-las com mais facilidade e impedi-las de conversar com seus amigos e parentes. Esse cenário acaba por ampliar a abertura para a violência psicológica. Além de não poder sair de casa, o que dificulta o ato de denunciar, ainda há o fato de que as mulheres em situação de violência estão em todo momento sendo monitoradas pelos parceiros, o que aumenta a vulnerabilidade (ANDRADE, 2020). Consequentemente, com o isolamento, há maior tempo de convivência com o agressor e, ao contrário, diminuição do contato com amigos e familiares, o que reduz as oportunidades para a mulher construir e contatar uma rede de apoio, o que acarreta dificuldade em buscar ajude e sair da situação violenta (BUCHINI, 2020). Além disso, o medo dos criminosos violentos aumenta no isolamento, já que as mulheres estão sempre – ou quase sempre – em sua companhia. Nas palavras de Ana Tereza Basílio (2020), Vice-Presidente da OAB-RJ e autora de um dos artigos selecionados: 31 Essa queda certamente ocorreu porque milhões de mulheres estão confinadas com seus agressores em casa, muitas em verdadeiro cativeiro, o que prejudica a denúncia em delegacias, mesmo com os sistemas virtuais. Constata-se o acerto dessa conclusão pelo fato de que, embora a possibilidade de acusação de crimes tenha caído, a ocorrência de feminicídio aumentou no Brasil de forma expressiva. Fenômeno similar foi constatado na Itália e divulgado pela ONU. (ANA TEREZA BASILIO, 2020) Ademais, o ciclo de violência se torna mais rápido e claro. Isso se deve muitas vezes ao fato de que, a convivência mais próxima das mulheres e seus parceiros em situação de violência doméstica, faz com que o intervalo de tempo entre a fase de estresse e ataque e a fase de reconciliação seja menor. Dessa forma, uma vez que a mulher foi atacada, ela já estava em uma cena que parecia melhor. Contudo, não tarda muito para que o ciclo se repita e comumente se torne mais violento (BARBOSA, 2020). Caso contrário, os aparatos de proteção do estado, que não são mais facilmente acessíveis em tempos normais, estão mais distantes da acessibilidade. Porque, por motivos de saúde e segurança, o suporte pessoal não está mais disponível para todas as consultas relacionadas à violência doméstica. Além disso, as mulheres podem ter medo de contrair o vírus se saírem de casa para procurar ajuda. Conclui-se, portanto, que esta pandemia e o isolamento social dificultam a quebra do ciclo de violência entre parceiros íntimos. A declaração de Conceição de Andrade (2020), superintendente geral do Instituto Maria da Penha, retrata bem isso: “A violência doméstica não diminuiu, ela está mais privada do que nunca. A mulher já vivia isolada tendo que conviver com um agressor, agora, ela está praticamente em cárcere privado” (ANDRADE, 2020). Uma coisa é certa, quando as mulheres são vítimas de violência doméstica todos os dias, seja ela física, psicológica, sexual, moral e/ou patrimonial, é difícil se proteger dos danos do mundo exterior. O Isolamento Social pode se tornar uma verdadeira prisão para essas vítimas de seus próprios parceiros e uma sociedade ainda dominada pelo patriarcado, racismo e elitismo como o Brasil. Portanto, a descoberta da pandemia do novo coronavírus não nos trouxe novos problemas, apenas os tornou mais óbvios. Aqueles que estiveram na sociedade incluem a violência contra as mulheres. As pessoas pensam que o isolamento social e a violência aumentaram, mas tudo isso mostra o quanto ainda vivemos em um mundo desigual onde hierarquias de gênero, classe e raça se cruzam e produzem todo tipo de opressão. 32 Além do mais, vários fatores externos influenciaram, mas não justificaram, o aumento da violência contra a mulher relacionada à pandemia: abuso de álcool e outras drogas; desemprego e crises financeiras; Retirar a mulher de sua rede de apoio (família, amigos) e intensificar o ciclo de violência por meio do contato constante com o agressor. Observou-se também que, embora seja perceptível o aumento da violência, muitos casos ainda são subnotificados, o que é instigante mesmo diante do número de mulheres que se encontram em situação de violência e não se reconhecem como tal. Desse modo, a Secretaria da Mulher de Pernambuco está sempre atenta ao aumento no número de casos de violência contra as mulheres, por conta do confinamento durante a pandemia do Covid-19. As casas de abrigo fazem parte de um serviço de proteção à mulheres, filhas, filhos e dependentes menores de 18 anos que enfrentam ameaças de morte por violência doméstica e funciona 24 horas por dia. Esse serviço é prestado pela Secretaria da Mulher, que recebe encaminhamentos de delegacias, centros de aconselhamento, órgãos municipais e outros órgãos de proteção à mulher, que somam 593 no estado. A mulher também pode ligar para 0800- 281-8187 (Ouvidoria Estadual da Mulher) para obter ajuda direta. Outro serviço que as mulheres também podem usar, é a vigilância eletrônica. Trata-se de mulheres com decisão judicial para que seja colocada tornozeleiras eletrônicas em seus agressores, enquanto as mulheres ficam com os dispositivos que sinalizam a aproximação dos mesmos. Mulheres com discrição devem se dirigir à sede da SecMulher-PE na Rua Cais do Apolo 222. Mulheres vítimas de violência doméstica que precisam se cadastrar no 190 Mulher, também podem se inscrever por telefone ou na sede da Secretaria. Para quem mora em outras cidades, o estado trabalha com os municípios para prestar assistência às mulheres por meio de Organimos Municipais de Políticas Públicas para Mulheres - Pernambuco é o único estado com 185, incluindo Fernando de Noronha - Além de Centros Especializados de Atendimento às mulheres (veja abaixo). A rede conta ainda com 11 delegacias especializadas, além das comuns e demais serviços. Reclamações e todas essas informações podem ser obtidas pelo telefone 0800-2818187. O número é válido 24 horas por dia e permite ligações gratuitas de telefones fixos e celulares. Quem ouvir o grito de uma mulher ou qualquer pedido de socorro pode ajudar a salvar vidas, não apenas a da mãe, mas de outros parentes e amigos que também são vítimas dessa violência. 33 Seguem os serviços de atendimento às mulheres no Estado de Pernambuco: OUVIDORIA DA MULHER - ATENDENDO 24H; Centro Especializado de Atendimento à Mulher Márcia Dangremon - Plantão 24H; Centro Especializado de Atendimento à Mulher Clarice Lispector/Recife; Centro Especializado de Atendimento à Mulher Maristela Just/Jaboatão; Centro Especializado de Atendimento à Mulher Aqualtune/Paulista; Centro Especializado de Atendimento à Mulher Maria Porcina Souto/Cabo de Santo Agostinho; Centro Especializado de Atendimento à Mulher/Camaragibe; Centro Especializado de Atendimento à Mulher/Igarassu; Centro Especializado de Atendimento à Mulher/São Lourenço da Mata. Dentre tantos outros que são disponibilizados para dar suporte à estas mulheres vítimas de violência doméstica. Agora, o estado conta com 11 delegacias da mulher, que estão localizadas em Santo Amaro (Recife), Prazeres (Jaboatão dos Guararapes), Cabo de Santo Agostinho, Paulista,Vitória de Santo Antão, Goiana, Caruaru, Surubim, Afogados da Ingazeira, Garanhuns e Petrolina. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS) do estado de Pernambuco, houve uma queda no número de denúncias de violência doméstica contra a mulher e de estupro relativo à cinco meses no ano de 2020. No mês de maio, a queda relacionada às denúncias de violência contra a mulher foi de 23,51% em comparação com 2019. Concomitante, no ano anterior, foram registrados 3.573 boletins de ocorrência, este ano, o número foi de 2.733 denúncias. 3.2 Os tipos de violência doméstica A Lei Maria da Penha traz em seu artigo 7º, formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sendo, pois, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (Lei 11.340/06). A vítima de violência doméstica pode sofrer mais de um tipo de violência, o SINAM registra diferentes tipos com maior frequência e incidência, a saber: violência física, violência psicológica, tortura, violência sexual, violência econômica e violência de abandono. A violência física é a mais comum e 34 ocorre durante a fase jovem e adulta da vida da mulher, seguida pela violência psicológica e em terceiro lugar a violência sexual. (WAISELFISZ, 2015, p. 52). Por meio do Sinan, é realizado pelo gestor de saúde do SUS, notificações através de uma ficha que tornam dados trabalhados, que são utilizados para pesquisas de campo e determinadas estatísticas, graças ao reconhecimento de diferentes violências contra mulheres dentro da violência doméstica, contribuiu-se para que fosse todas os tipos de violências englobadas dentro do sistema em 2009 (WAISELFISZ, 2015). Nessa triste realidade para as mulheres, os tipos de violência vivenciados são crescentes e, em muitos casos, a violência silenciosa– como moral e psicológica – consideradas as mais prejudiciais, como aponta Saffioti: Trata-se de uma conduta inaceitável do homem – quebrar objetos e rasgar roupas da companheira – em virtude de tentar destruir, às vezes conseguindo, a identidade desta mulher. Os resultados destas agressões não são feridas no corpo, mas na alma. Vale dizer feridas de difícil cura. Nas cerca de 300 entrevistas feitas com vítimas na pesquisa Violência doméstica: questão de polícia e da sociedade, é frequente as mulheres se pronunciarem a respeito da maior facilidade de superar uma violência física, como empurrões, tapas, pontapés, do que humilhações. De acordo com elas, a humilhação provoca uma dor muito profunda (SAFFIOTI, 2011, p. 55). Integrando outro tipo de violência contra mulheres, apresenta também com sobreposição com a familiar. Acontece com pessoas que não pertencem a família em si, mas são agregadas, a exemplo, temos as empregadas domésticas, que vivem parcialmente ou integralmente no domicílio do agressor (SAFFIOTI, 2011, p. 63). Na acepção de “violência doméstica”, existe um aglomerado, de que Tânia Brabo desmarca sua associação pejorativa a ideias naturalizadas de “domesticidade” e de subordinação, e ainda argumenta que as diferentes formas de violência, penetram-se, replicam-se e reforçam-se, tanto no espaço social amplo, quanto no restrito constituído pela família (BRABO, 2015, p. 23). Muitas vítimas de violência doméstica não percebem que estão sendo abusadas porque acreditam que a agressão é apenas física. Na minissérie, MAID, transmitida na Netflix e produzida pela Molly Smith Metzler, retrata a personagem acreditando que não deveria ter saído da casa de seu agressor e achar que estava retirando a vaga de uma vítima de verdade por não precisar de auxílio em abrigo para vítimas de violência doméstica por seu namorado “apenas” ter socado a parede do lado da cabeça dela. 35 Para a vítima, é difícil reconhecer o comportamento agressivo além da agressão física, e é ainda mais difícil para a vítima acusar seu agressor e manter a acusação, sem recuar, por motivos de ordem econômica, emocionais, psicológicas ou sociais e familiares e insistir na denúncia. (LOURENÇO, 2001, p. 02). 4. QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS QUE A PANDEMIA DO COVID-19 CAUSOU PARA MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIAS DE SEUS PARCEIROS? Durante a pandemia de coronavírus, observou-se que as mulheres estão divididas em dois grupos: mulheres sobrecarregadas com tarefas domésticas e cuidados ininterruptos devido à dinâmica familiar e mulheres que navegam sozinhas na pandemia, sem ou com uma rede de apoio limitada. Esta situação é agravada pela forma como as mulheres são educadas: Entre esses extremos temos uma série de arranjos familiares que também têm sobrecarregado as mulheres, apontando para a certeza de que todas as pessoas necessitam de cuidado. E o trabalho de cuidado que nos é ensinado desde criança, seja através de brincadeiras ou diante da necessidade de aprender este ofício para suprir as demandas dos irmãos mais novos, se aperfeiçoa, introjeta-se em nossas subjetividades, se reproduz, se mercantiliza, sempre nos condicionando às expectativas sociais ao ponto de naturalizar-se e então, nos oprimir (LIMA, 2020, p.02). Uma pandemia revela muita sobre o indivíduo, a sociedade e o Estado, em uma pandemia grandiosa como esta da Covid-19, “revela-se muito sobre como as sociedades se organizam, sobre as maneiras precedentes de desigualdades, de violência, de vulnerabilidade” (MORAIS, 2020, p.03). Por meio de todos os fatores que foram problematizados em função da pandemia, podemos mostrar que ela exacerbou muito as desigualdades sociais que já existiam nos dias normais de brasileiros e mulheres. (LIMA, 2020, p. 03). Em pesquisa realizada com 2.641 mulheres, 50% passaram a cuidar de alguém desde o início da pandemia no Brasil e ainda, 58% das brasileiras desempregadas são negras e 41% das mulheres que conseguiram se manter trabalhando na pandemia recebendo salário afirmaram que passaram a trabalhar mais na quarentena (LIMA, 2020, p. 04). O isolamento social veio como uma das diversas consequências da pandemia do Covid-19, “ a violência doméstica, aumentou em vários países à medida que 36 preocupações com segurança, saúde e dinheiro criam tensões acentuadas pelas condições de vida apertadas do confinamento” (ROSO, 2020, p. 08). “Entre o período de março e maio de 2020, ocorreu um pequeno aumento de 2,2% nos casos de feminicídios, registrados em comparação com o mesmo período de 2019” (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2020, p. 04). O maior fator para o aumento da violência doméstica durante a pandemia é o isolamento, que pode não fazer sentido e tem um efeito assustador, pois aumenta o risco de exposição à violência doméstica, principalmente para mulheres que já possuem histórico de violência dentro de suas casas. (ROSO, 2020, p. 04). “Para se proteger do adoecimento causado pela COVID-19 as mulheres acabam mais expostas à violência doméstica. Isso acontece porque o lar pode ser um lugar onde a dinâmica do poder, é capaz de distorcer e subverter aqueles que abusam” (ROSO, 2020, p. 05). Sabendo que o distanciamento social é um fator favorável para o aumento da violência contra a mulher, ele entende que em um contexto social, esse isolamento gera sentimentos de medo e insegurança, pois aumenta a vivência de maus-tratos, podendo incluir violência física, sexual, patrimonial e moral. Em conjunto ao isolamento, como já evidente, o fator da desigualdade social e de gênero interfere também para o aumento de experiências de sofrimento psíquico, maior sensação de pânico, medo e ansiedade (LIMA, 2020, p. 04). Hoje vivemos um novo normal, com um novo modo de vida no dia a dia, com uso de máscaras, com distanciamento entre as pessoas e temos que enfrentar tudo isso em decorrência do Covid-19 para nos proteger. Além de todas as medidas necessárias, “precisamos também lidar com outra pandemia mais antiga, que pode ser considerada mais “silenciosa”, que é a violência domésticae suas diferentes formas” (ROSO, 2020, p. 05). A pandemia, de certa forma, obrigou o convívio mais contínuo entre vítima e agressor, a vítima em situação de violência acaba por “enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena” (ROSO, 2020, apud ONU Mujeres 2017, p. 2). Considerando que o isolamento social é um fator que aumenta a violência contra a mulher, e que a maioria dos casos ocorre dentro de residências e lares, 37 imagina-se que a denúncia tenha sido dificultada. No entanto, é isso que uma declaração do chefe da ONU relata: Durante a pandemia, os números relacionados aos casos de violência doméstica devido ao isolamento social são expressivos dessa violência de gênero. No Brasil, em março de 2020, início da medida protetiva de isolamento, imposta pela pandemia, as denúncias recebidas no Disque 180 cresceu 40% em relação ao mesmo período do ano de 2019, segundo dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (SILVA, 2020). Durante esse período, as pessoas estão passando mais tempo em casa em um espaço seguro sem o risco de contrair o Covid-19, suportando o medo da morte, o medo da sobrevivência e o medo das consequências do vírus. Além de todas as preocupações e medos que as cidadãs ainda tinham que se preocupar, ter um lar seguro para evitar contrair um vírus não era a realidade para muitos. A redução de crimes de violência contra a mulher no ano de 2020 não é algo para comemorar, “não significa que a violência diminuiu ou deixou de acontecer, mas pode indicar uma subnotificação por causa das restrições implementadas durante a pandemia (SILVA, 2020). A Lei Maria da Penha que aduz em seus artigos proteção à mulher, com o objetivo de erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, em meio ao caos causado pela Covid-19 completou 15 anos em 2021, sendo uma das leis mais importantes neste momento de crescimento dos números de agressões e abusos contra a mulher (SILVA, 2020). 4.1 Possíveis medidas de proteção em tempos pandêmicos Desde o início da pandemia de Covid-19, medidas foram tomadas para proteger as mulheres, pois a relação entre vítima e agressor aumentou, as vítimas têm tempo para ficar em casa, a dificuldade em buscar ajuda e fazer denúncias: A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres descreve doze ações, dentre elas destacamos: manter serviços da rede de atendimento, com a devida segurança dos/as profissionais; atualizar quais serviços estão em funcionamento e seus respectivos horários; disponibilizar materiais informativos nos estabelecimentos abertos e também nos sítios eletrônicos; e ainda criar comitês de enfrentamento à violência no contexto da COVID-19 (ROSO,2020,p.15). 38 As mulheres que foram vítimas de violência doméstica são aconselhadas a estarem acompanhadas de familiares durante o distanciamento social e, em situações extremas, manter seus celulares protegidos e fazer um plano de fuga seguro” (ROSO, 2020, p. 15). As vítimas de violência, também contam com as medidas de proteção de urgência, que tem o intuito de reprimir os vários tipos de violência cometidas contra a mulher em situação doméstica, sendo verificada a necessidade de proteção, as medidas devem ser solicitadas e tem o juiz tem até 48 horas para deferir ou indeferir os pedidos (ROSO, 2020, p. 16). Durante as medidas de distanciamento e isolamento para evitar o contágio do vírus Covid-19, puderam ser observadas várias redes de apoio solidárias e prontas a prestar apoio financeiro e psicológico a mulheres vulneráveis e vítimas de violência (SILVA, 2020). Durante esse período de pandemia do coronavírus, as mulheres também tiveram várias iniciativas do setor público, nas quais podem denunciar anonimamente, compartilhar histórias, registrar contatos de emergência, fornecer atendimento médico e psicológico. Pernambuco foi um exemplo de local para aderir a essa iniciativa. Imagine quantas mulheres foram abandonadas pelo poder público, se perderam de si mesmas, seus ideais, sua vontade, sua segurança, perderam o afeto, a alegria e perderam a vida. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS O progresso na realização dos direitos das mulheres é, sem dúvida, um marco na história da humanidade. Assim como o advento de uma lei específica para coibir a violência doméstica e a violência contra a mulher, desmistificando o machismo estrutural de que a violência contra a mulher é "normal", pois foram culturalmente ensinadas a aceitar a submissão como forma de proteção. A violência doméstica é um mal que atinge não apenas os envolvidos diretamente na situação, mas toda a população. Tem que ser tratado como um problema de saúde pública, senão a sociedade brasileira estará condenada em poucos anos. Ressaltando sua não indissociabilidade do ambiente externo nas relações familiares, mas a disseminação do que é vivenciado no ambiente domiciliar, na sociedade. Ao mesmo tempo, confere ao Estado o dever constitucional de monitorar e garantir os direitos das mulheres. Portanto, notou-se que a pandemia do novo coronavírus não nos trouxe novos problemas, mas apenas evidenciou aqueles que sempre estiveram na sociedade, inclusive a violência contra a mulher. Acredita-se que o isolamento social e o aumento da violência têm mostrado o quanto ainda vivemos em um mundo desigual onde hierarquias de sexo, gênero, classe e raça se cruzam e criam opressão multifacetada. Além disso, vários fatores externos influenciaram, mas não justificaram, o aumento da violência contra a mulher relacionada à pandemia: abuso de álcool e outras drogas; desemprego e crises financeiras; Retirar a mulher de sua rede de apoio (família, amigos) e intensificar o ciclo de violência por meio do contato constante com os agressores. Observou-se também que, embora seja perceptível o aumento da violência contra a mulher, muitos casos ainda são subnotificados, o que é instigante mesmo diante do número de mulheres que se encontram em situação de violência e não se reconhecem como tal. Considerando o aumento significativo, principalmente no número de feminicídios, concluiu-se que as medidas públicas implementadas são insuficientes, precárias e insatisfatórias. Não só por esse pensamento, mas também após uma análise da Lei 14.002/2020. Embora isso aborde vários aspectos importantes, não contempla a complexidade desse tema, que precisa ser pensado de forma contexto patriarcal, colonial-racista, classista e cisheteronormativo. 40 A criação da Lei Maria da Penha criou uma das mais importantes ferramentas de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, embora longe de ser o ideal perfeito, com as ações e serviços implementados tornaram-se mais acessíveis e contribuiu diretamente para a mudança estrutural da desigualdade existente entre os sexos. Ao mesmo tempo, as necessidades dos indivíduos mudaram, fato que nem sempre foi acompanhado de legislação, a falta de diretrizes públicas para tempos atípicos, o que confirma a fragilidade de recursos e mecanismos de apoio às vítimas femininas em âmbito regional ou nível nacional que vem dificultando o enfrentamento da violência em tempos de pandemia do Covid19. Essa ação estatal em matéria de combate à violência contra a mulher tem apresentado um desenvolvimento notável nos últimos anos, mas ao mesmo tempo também tem gerado críticas, principalmente alegando que não promove medidas de enfrentamento e prevenção de inserção no cenário da violência, pois o aumento da violência doméstica nesse período atípico de pandemia mostra a desorganização e total descaso com a situação das mulheres, principalmente em um momento em que as vítimas estão ainda mais vulneráveis do que há mais tempo em contato
Compartilhar