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28/12/2022 17:24 UNINTER
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FILOSOFIA
AULA 1
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Paulo Niccoli Ramirez
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CONVERSA INICIAL
O objetivo desta aula é investigar a passagem do pensamento mítico ao racional. Trata-se de
analisar e compreender as condições históricas e aspectos que caracterizam a formação do que se
entende como sendo filosofia. Nesta aula, vamos estudar as origens do pensamento filosófico na
cultura ocidental. Veremos como o seu surgimento está relacionado ao pensamento grego antigo,
destacando-se, primeiro, os pensadores chamados de pré-socráticos (séculos VII a V a.C.) e, depois,
filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles (séculos IV a III a.C.), todos eles promovendo a
substituição de explicações míticas por racionais.
TEMA 1 – O QUE É MITO?
Compreenderemos, neste tema, quais são as características do pensamento mítico e por quais
motivos a filosofia buscou combatê-lo ao empregar visões consideradas mais racionais.
Antes do surgimento da filosofia e do pensamento considerado racional, na Grécia Antiga, as
explicações em torno da origem e funcionamento do Universo e dos seres humanos eram dadas com
base em concepções míticas. O predomínio do mito na cultura grega se deu entre os séculos XI ao IV
a.C., quando, a partir do século VII e sobretudo IV a.C., a filosofia desponta criticando esse tipo de
compreensão da realidade. Mas, afinal, o que é o mito?
Os mitos representam explicações sobrenaturais e fantásticas sobre a origem do Universo, dos
seres humanos e da natureza. Em grego, o termo deriva da palavra mythos, que significa narração.
Segundo o pesquisador francês Jean Pierre Vernant (2001, p. 255-267), na obra Entre mito e política,
as construções míticas podem ser categorizadas em cosmogonias e teogonias. Do grego cosmos,
universo ou ordem; e gonos, gênese, origem, cosmogonias são mitos que narram a origem do
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Universo e da natureza. Quanto às teogonias, do grego theos, deuses, as teogonias narram a origem
dos deuses, de suas relações, acordos e conflitos.
O mito representa narrações de teor sensível ou emotivo, de modo a expressar tanto os
sentimentos e contradições do comportamento humano, quanto também as forças e ciclos da
natureza. Apresentados na maioria das vezes oralmente, por poetas, ou nos teatros gregos, por meio
das tragédias, os mitos produziam, nos ouvintes, emoções, com as histórias de grandes heróis. Entre
choros e risadas, os ouvintes entravam em transe porque se identificavam com as histórias,
conduzindo ao que se denomina catarse.
Os mitos representavam elementos sagrados da cultura grega. Possuíam também papel de
justificação e organização da sociedade, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista social,
religioso ou econômico. Verifica-se a abrangência da mitologia na cultura grega. Na obra intitulada O
Universo, os deuses, os homens, Vernant (2000, p. 14) indica que o mito “[...] contém o tesouro de
pensamentos, formas linguísticas, imaginações cosmológicas, preceitos morais, etc., que constituem a
herança comum dos gregos na época pré-clássica”.
As principais fontes de narrativas míticas entre os gregos provinham do poeta Homero, que teria
vivido entre os séculos XIX e VIII a.C. e escrito a Ilíada, referente ao conflito entre gregos e troianos, e
a Odisseia, história que narra a trajetória de Ulisses (ou Odisseu), personagem considerado racional e
que se confronta com os deuses gregos na tentativa de retornar para sua cidade natal, Ítaca, após a
Guerra de Troia (Homero, 2013, 2014). Há dúvidas se Homero teria ou não existido; se teria de fato
escrito essas duas obras ou se representou, na verdade uma escola de poesia responsável pela
compilação de mitos narrados no passado, de forma oral, na Grécia. Por vezes, Homero é descrito em
relatos da Antiguidade como um cego, andarilho que narrava os mitos gregos de cidade em cidade.
Outra fonte de interpretações míticas, entre os gregos, considerada sagrada eram as descrições
de Hesíodo (2002, 2003), que viveu no século VII e escreveu importantes obras, como Os trabalhos e
os dias e Teogonia. Os mitos de Homero e Hesíodo eram considerados sagrados e todos os gregos
deviam respeito e obediência aos seus preceitos. Veremos, no próximo item, que a filosofia surgiu, na
Grécia, com a intenção de combater essas explicações sensíveis e divinas presentes nos mitos. Ainda
que os mitos sejam atacados pela filosofia, autores como Vernant (2001) não deixam de apontar que
eles, apesar de terem o predomínio de concepções fantásticas e sobrenaturais, não deixam de possuir
grau de racionalidade ao buscarem compreender a organização do Universo e do mundo humano.
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TEMA 2 – O QUE É FILOSOFIA?
No presente tópico, você estudará o contexto histórico, na Grécia Antiga, que permitiu a
passagem das explicações míticas em direção ao surgimento do pensamento racional e filosófico.
Quando se procura estabelecer que a filosofia nasceu na Grécia Antiga, por volta do século VII a.C.,
com Tales de Mileto, isso não quer dizer que outras culturas ou sociedades não tenham desenvolvido
formas de filosofia. Por exemplo, há a existência de filosofia na Índia ou na China, na Antiguidade ou
mesmo hoje, assim como entre sociedades indígenas e africanas. No entanto, o que difere a filosofia
ocidental das demais e o que fornece a ela um caráter sui generis é a realização de uma cisão ou
divórcio entre a razão (logos) e o mito (mythos). Outros povos e civilizações desenvolveram filosofias
nas quais as forças divinas e naturais misturam-se, em seu fundamento, ao comportamento e
instituições humanas, ou seja, em que as explicações mítico-religiosas se confundem com as
explicações calcadas na racionalidade. No entanto, a filosofia grega produziu cisma inédito. Buscou
separar o racional do mitológico, como também negar e rebaixar os mitos por considerá-los fontes
de interpretações equivocadas, mentirosas, ilusórias ou fantasiosas, que conduzem ao erro e à
ignorância.
A partir do pensamento pré-socrático, que será abordado no próximo item, a cultura ocidental
passará por uma ruptura com a tradição mítica, em direção à construção de modelos racionais que
terão impacto e deixarão heranças nas construções sociais, políticas, econômicas, científicas e mesmo
religiosas da cultura ocidental. Isso se deve ao fato de que, segundo Deleuze e Guatari (1991), na
obra O que é filosofia?, a própria filosofia trabalha com conceitos que procuram, de forma mais
pragmática, definir racionalmente como se dá o funcionamento do Universo e da vida humana.
A palavra filosofia teria surgido de um pensador pré-socrático conhecido como Pitágoras de
Samos (século V a.C.). Filosofia, em grego é a justaposição de dois termos: philia, que significa desejo
intenso, amizade, gosto ou amor fraternal; e sophos, que expressa a noção de conhecimento ou
sabedoria (Kirk; Raven; Schofield, 1994). Ou seja, filosofia significa um amor ou amizade pela
sabedoria ou conhecimento. É importante destacar que a filosofia desperta nos indivíduos aquilo que
Platão (2007), na obra Teeteto, e Aristóteles (1973), em Metafísica, classificam com o termo grego
thaumazein, que é traduzido como estranhamento, perplexidade, assombro, maravilhamento, espanto,
estupefação ou estarrecimento.
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Isso significa dizer que a filosofia emerge de um movimento de desnaturalização da realidade a
nossa volta, isto é, no instante em que não se observa mais o mundo com os olhos habituais, como
antes estávamos acostumados a enxergar a realidade, ou com uma visão conformada a se tomar as
coisas como se fossem normais ou como se sempre tivessem sido assim. A filosofiasurge do
sentimento de que o sentido das coisas está no fato de que nada faz sentido, quando há um
permanente questionamento a respeito da ordem do mundo e de suas interpretações corriqueiras,
como as míticas. Por isso, a filosofia, quando surge na Antiguidade, irá se opor aos mitos, tomados
pelos cidadãos gregos como verdadeiros e fontes legítimas para todas as explicações sobre o
Universo e a vida humana.
Como o papel da filosofia é interrogar todos os aspectos de nossa existência, como a vida social,
a política, as crenças, as hierarquias e a posição que nossa existência ocupa no Universo, ela não está
preocupada com fornecer ou alcançar as respostas verdadeiras (pois elas podem variar de pensador
para pensador); senão, a filosofia procura promover as verdadeiras perguntas. Esse princípio se torna
mais claro com o dito socrático só sei que nada sei, o que significa dizer que quanto mais se busca o
conhecimento ou a verdade, maior a certeza de nossa ignorância.
A filosofia não é uma ciência, embora influencie, com suas questões, todas as demais formas de
conhecimento científico, sejam elas ciências exatas, sejam ciências naturais ou humanas, exatamente
por possuir a percepção de que as verdadeiras perguntas são mais relevantes que a busca das
verdadeiras respostas. Embora a filosofia e a ciência tenham em comum o uso do logos, ou seja, da
razão, vemos a filosofia se diferenciar da ciência na medida em que esta última tem a tendência a
trabalhar com métodos matemáticos, experimentais ou observacionais que visem a se alcançar
comprovações de elementos objetivos dispostos na natureza. Já a filosofia possui como tendência o
trabalho lógico da mente diante de temas mais subjetivos, como a felicidade, o bem comum, a
virtude ou os atributos cognitivos que permitem à mente estar certa ou equivocada.
Outra diferença importante entre filosofia e ciência está no fato de que a ciência é cumulativa, o
que significa dizer que ela evolui, se aprimora ou se desenvolve de tal forma que nos permite dizer
que os achados científicos de hoje são mais avançados ou superiores do que certas descobertas ou
tecnologias existentes no passado. O acúmulo de conhecimentos, portanto, conduz ao progresso
científico. Já a filosofia não permite esse tipo de constatação, de modo que não se pode dizer que,
por exemplo, a filosofia contemporânea seja melhor ou mais avançada do que a antiga. São, na
realidade, filosofias diferentes, com coordenadas distintas, o que não nos impede de compará-las,
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apenas não sendo possível a afirmação da superioridade ou inferioridade de um filósofo sobre outro.
Aprender o pensamento de um filósofo é como aprender um idioma novo. Há um vocabulário
específico a esse pensamento que torna, no início, sua compreensão difícil. Porém, à medida que ele
é estudado e o leitor penetra nas principais questões e conceitos fornecidos pelos filósofos, lhe é
permitido compreender melhor uma determinada filosofia e conjunto de conceitos e ideias. Enquanto
a ciência avança como uma linha do progresso, com seus métodos e respostas, a filosofia opera
como uma espiral, porque seus problemas e perguntas são transversais, isto é, estão presentes em
diferentes épocas, na abordagem de diversos filósofos e suas linhas de pensamento.
Na obra Convite à filosofia, a filósofa Marilena Chauí (1994) responde de forma irônica à questão
para que serve a filosofia?, geralmente feita pelos críticos do saber filosófico. Os críticos tendem a
observar a filosofia como um amontoado de reflexões desnecessárias e inúteis. Segundo Chauí (1994,
p. 10), geralmente vê-se que “[...] a filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar de
‘filósofo’ alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da Lua, pensando e dizendo coisas que
ninguém entende e que são perfeitamente inúteis.”
Portanto, deve-se responder ironicamente à questão para que serve a filosofia. A resposta é: a
filosofia não serve a nada não porque seja inútil ou desinteressante, senão devido ao fato de que a
filosofia não serve por não ser servil ou escrava de nenhuma forma de poder, domínio ou hegemonia.
A filosofia é um saber livre e libertador que nos permite contradizer e questionar toda a realidade à
nossa volta.
TEMA 3 – OS PRÉ-SOCRÁTICOS
Conforme estudamos no item anterior, a filosofia ocidental se diferencia das filosofias praticadas
por outras culturas devido ao fato de que se promoveu na Grécia Antiga a cisão entre as explicações
míticas e as racionais. Os primeiros filósofos são conhecidos como pré-socráticos e buscaremos
compreendê-los a partir de agora.
3.1 OS FILÓSOFOS DA NATUREZA
Alguns fatores históricos e geográficos foram determinantes para que a filosofia e a separação
entre os argumentos racionais e os mitológicos tivessem origem na Grécia Antiga. O primeiro deles
está no fato de que a maioria das cidades gregas são portuárias, de modo que isso permitiu aos seus
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habitantes, desde cedo, o contato com outras civilizações e mitos diferentes dos seus, como os povos
egípcios, babilônicos, sumérios, fenícios, persas, entre outros. Concebe-se que o contínuo contato e
comparação com outras formas religiosas e míticas de compreensão do Universo tenha levado alguns
pensadores, na Grécia, a partir do século VII ao V a.C., a buscarem formas e alternativas mais racionais
de entendimento da natureza, fugindo dos relatos sensíveis, sobrenaturais e fantásticos tão comuns,
então.
Além disso, as cidades gregas, conhecidas como polis, possuíam leis escritas que transferiram à
filosofia a tradição de fixar na forma de livros as reflexões desses primeiros filósofos, embora
praticamente todas as obras dos pensadores conhecidos como pré-socráticos tenham se perdido
devido a incêndios e destruições de bibliotecas, ainda na Antiguidade. Muito do que sabemos de
seus livros e reflexões se devem à atividade denominada doxografia. Os doxógrafos foram estudiosos,
historiadores e filósofos da Antiguidade que tiveram a oportunidade de ler, na íntegra, os textos dos
pré-socráticos que se perderam. Com isso, citaram trechos ou teceram comentários sobre essas
obras, a que não temos mais acesso.
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Créditos: Olinchuk/Adobe Stock.
Outro fator importante para o surgimento da filosofia na Grécia foi a existência da escravidão,
conforme aponta Vernant (2001), pois o trabalho escravo, embora forçado e oposto à liberdade
humana, possibilitava que alguns homens, considerados cidadãos, tivessem condições como dispor
de tempo livre e ócio para participar da praça pública (como a chamada ágora de Atenas) e das
decisões políticas, além de especular racionalmente sobre indagações filosóficas.
Os pré-socráticos ou primeiros filósofos são também conhecidos como filósofos da natureza. Isso
se deve ao fato de que, diferentemente do que veio a ocorrer a partir da filosofia de Sócrates (470-
399 a.C.), preocupada com questões em torno do ser, da relação entre corpo e alma, da justiça, das
virtudes e do bem-comum na cidade, os pré-socráticos estavam interessados e direcionados à
seguinte questão: qual é o elemento primordial ou qual a origem de tudo o quanto existe na natureza?
Esse elemento primordial que buscavam explicar é designado arché.
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A busca da arché, entre os pré-socráticos, conduziu a interpretações distantes das elaborações
sobrenaturais míticas. Embora os primeiros filósofos divirjam a respeito de qual é a arché, isto é, o
elemento primeiro que dá origem e está presente em toda a matéria da natureza, a sua busca e
interpretação é um elemento comum nas construções desses filósofos e, por isso mesmo, eles são
definidos como filósofos da natureza.
2.2 TEORIAS DOS PRÉ-SOCRÁTICOS
A ruptura com o pensamento míticose deu quando Tales de Mileto (séc. VII e VI a.C.) procurou
por uma explicação pragmática da arché que fosse concreta e distante das construções fantásticas ou
sobrenaturais dos mitos. Filósofo jônio, estabeleceu a água como arché. De acordo com a obra Os
filósofos pré-socráticos (Kirk; Raven; Schofield, 1994), Tales observou a relação da água com todos os
seres da natureza; e em seus estados sólidos, líquidos e gasosos. No Egito, percebeu como a terra
desértica se tornava fértil com a cheia do Rio Nilo. Em altas montanhas, encontrou fósseis de animais
marinhos. Concluiu, assim, que o mundo era coberto pela água, originalmente. Tales é considerado o
pioneiro do que hoje chamamos de paleontologia (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Influenciado pelas questões em torno da arché de Tales, outro filósofo de Mileto, Anaximandro
(610-547 a.C.), buscou dar uma outra resposta sobre o elemento constituinte de toda a realidade.
Diverge de seu mestre ao propor que a arché é o ápeiron, palavra grega que significa ilimitado,
indeterminado, indefinível, sem origem e inominável, sendo, portanto, imaterial, infinita e imortal, mas
que origina todos os elementos e toda a matéria presente no Universo. O indeterminado é a origem
e a causa de tudo o que existe, sendo apreendido apenas pelo pensamento e não pela sensibilidade.
Anaximandro concebia que o Universo é guiado pelo movimento eterno e circular do ápeiron, que faz
surgir o quente (fogo) e o frio (ar); nele, há equilíbrio e retribuição entre os contrários ou substâncias
opostas. Os seres comuns, quando morrem, retornam ao ápeiron (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Anaxímenes (Mileto, 585-528/525 a.C.), filósofo jônio, afirma que a arché é o ar (pneuma).
Discorda de Anaximandro, pois a arché não poderia, para ele, ser o indeterminado, posto que o
ápeiron seria inconcebível pelo pensamento, porque abstrato. Diferentemente da água (na tese de
Tales), o ar é invisível, mas nem por isso deixa de ser natural e estar presente em tudo o quanto
existe, sendo o elemento primordial constituinte do Universo. Anaxímenes constata que, do nascer ao
morrer, há a existência do primeiro até o último respiro, sendo o ar determinante para qualquer ser
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vivo. O mundo é vivo e respira (ar seria equivalente a alma, algo comparado ao corpo da natureza)
(Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Xenófanes de Cólofon (570-475 a.C.) deixou a Jônia em direção ao sul da Península Itálica
quando os persas invadiram a Grécia. Errante, andarilho e recitador de poemas, visitou diversas
cidades, sendo o patrono da escola eleática, da qual farão parte também Parmênides e Zenão.
Segundo Xenófanes, a arché é a unidade na imutabilidade, contida em um deus uno e imutável, não
apresentando nenhum elemento sólido como o princípio de tudo, mas manifestando-se com base no
elemento terra. A concepção de um deus único, imortal e imutável como princípio de tudo esboça
sua concepção de arché. Xenófanes opôs-se ao antropomorfismo e ao politeísmo das religiões que
conheceu, sobretudo a grega. Deu-se conta de que a intenção de atribuir aos deuses as próprias
características e potencialidades humanas era natural, porém equivocada (Kirk; Raven; Schofield,
1994).
Heráclito (Éfeso, 540-470 a.C.) foi um filósofo jônio conhecido como O Obscuro ou O Fazedor de
Enigmas, devido à sua escrita de difícil compreensão e múltiplas interpretações. Defensor do
mobilismo, concepção que dirá que todas as coisas naturais estão em constante movimento, em
constante mudança, num constante devir ou fluir, tendo como sua engrenagem ou arché o fogo, é-
lhe atribuída a sentença Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio. O mobilismo está relacionado
ao termo criado por Heráclito, o logos (razão ou inteligência) presente na natureza, havendo assim
estabilidade na mudança, sendo o fogo o garantidor do fluxo dos contrários (Kirk; Raven; Schofield,
1994).
Parmênides e Zenão serão críticos da tese mobilista de Heráclito. Parmênides (515-460 a.C.) foi
um filósofo eleata, fundador da concepção de ontologia (conhecimento do ser e da essência última
dos seres), consequentemente da metafísica e da filosofia num sentido mais abstrato. Parmênides
conheceu e influenciou o então jovem Sócrates e estabeleceu a diferença entre essência (imutável e
verdadeira – alétheia) e aparência (que se transforma sempre, como a doxa – opinião, algo, portanto,
instável, falso e ilusório). O mobilismo de Heráclito não levaria, segundo Parmênides, ao
conhecimento verdadeiro, mas a opiniões variáveis sobre as coisas, o que tornaria não verdadeira a
concepção mobilista dos seres ou a tese do movimento de Heráclito. A verdade, para Parmênides, é
única, imóvel, eterna, imutável, sem princípio nem fim, contínua e indivisível. Por isso, Parmênides
afirma que o ser é (uma essência imutável e verdadeira, afinal a sentença o que é é o objeto do
pensamento). O que muda é o não ser (o que não é é que está em transformação e é capturado
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pelos sentidos, sendo, portanto, falso). O acesso à verdade do ser se dá com o uso da razão, do
pensamento, afastando-se da opinião formada pelos hábitos, impressões sensíveis, que são por si só
ilusórios, imprecisos e mutáveis (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Zenão (489-430 a.C.), por sua vez, foi discípulo de Parmênides e seu pensamento consiste na
defesa das teorias monistas (sobre o indivisível, o imutável e o verdadeiro) de seu mestre por meio de
paradoxos (em grego, paradoxo significa, literalmente, contraopinião ou opinião oposta). Os
paradoxos concluem que não existe movimento e mudança e que esses se tratam de uma confusão
dos sentidos. Entre os mais conhecidos paradoxos de Zenão, destacam-se o de Aquiles e a tartaruga
e o do arqueiro, com base nos quais ele conclui que cada movimento é constituído por infinitos
momentos imóveis. Dessa forma, o movimento é provido de momentos estáticos ou imóveis (Kirk;
Raven; Schofield, 1994).
A respeito de Pitágoras (Samos, 570-496 a.C.), pouco se sabe de sua vida, sendo o pitagorismo
possivelmente uma escola de pensamento e certamente uma seita religiosa secreta, que no futuro
exerceria influência sobre Platão. Pitágoras considera a arché como do âmbito dos números, das
formas geométricas e das suas proporções harmoniosas. A natureza, portanto, é matemática. Os
princípios pitagóricos influenciaram outro pensador eleático, Filolau de Crotona (século V a.C.), que
sugeriu a ideia de movimento da Terra (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Empédocles (Agrigento, 490-435 a.C.) foi político, poeta, médico e cosmólogo e não buscou um
único princípio das coisas. Ao contrário, defendeu que a arché é constituída pelos quatro elementos:
fogo, terra, água e ar. Esses quatro elementos são separados e unidos pelo ódio (que se forma pelas
diferenças) e pelo amor (que reúne as semelhanças). Há em seu pensamento a atribuição de valores
morais à natureza e o reconhecimento da presença de certa unicidade (uno-divino) entre os quatro
elementos (do uno ao múltiplo). Empédocles se aproxima de Parmênides (unidade) e Heráclito
(movimento) (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Anaxágoras (Clazômenas, cerca de 500-428 a.C.), de origem jônia, teria vivido em Atenas por
cerca de 30 anos e por lá fundado uma escola de filosofia. Considera a arché composta de uma
infinidade de pequenos elementos, as chamadas homeomerias (que, em grego, significam sementes).
Os objetos concretos e os elementos materiais dispostos na realidade têm origem de relações de
afinidades entre porções dessas sementes, com defesa do múltiplo, do infinito e do divisível e não do
uno e do limitado. A quantidade de coisas no mundo seria, assim, sempre a mesma, e tudo seria
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infinitamente divisível. Nessa visão, não existe o nada. Anaxágoras concebe a possibilidade de
existênciade mundos paralelos, de repetição de mundos ou da sucessão deles (Kirk; Raven; Schofield,
1994).
Leucipo (Mileto, séc. V a.C.) e Demócrito (Abdera, cerca de 460-370 a.C.) são conhecidos como
atomistas. Segundo esses pensadores, existem dois elementos primordiais para a formação de todas
as coisas: o átomo e o vazio. A arché é tomada com base nos átomos (que, em grego, significavam
partículas indivisíveis, individuais, finitas e invariáveis, eternas e em perpétuo movimento), que se
diferem entre si pela forma, tamanho, posição e ordem. Os átomos se diferenciam das homeomerias
de Anaxágoras por não serem mutáveis ou capazes de se transformar. Tudo quanto existe seria, com
isso, resultado de combinações tidas como espontâneas de átomos ardentes, leves e esféricos,
constituindo a pluralidade do mundo. O atomismo de Demócrito é avaliado como o pensamento
mais rigoroso entre os filósofos da natureza ou pré-socráticos. Para Demócrito, a lógica e a sabedoria
são o resultado do entendimento da natureza. A alma humana é também constituída por átomos,
sujeita à decomposição e à morte. A natureza deve ser explicada por si mesma e os acontecimentos
não têm uma causa primeira, contendo, sem exceção, tudo o que foi, é e será. Nessa direção, os
humores humanos, como a felicidade, devem ser compreendidos conforme a composição material da
realidade e de seus átomos (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
TEMA 4 – A FILOSOFIA DE SÓCRATES E PLATÃO
Vamos investigar agora o principal pensador grego, Sócrates, suas ideias e críticas contra os
costumes e visões de mundo dos gregos, baseados na mitologia. Avaliaremos a relação do mestre
com o discípulo, Sócrates e Platão, e por quais motivos o pensamento socrático deu origem a novos
problemas e formas de se pensar a filosofia.
4.1 QUEM FOI SÓCRATES?
Sócrates (470-399 a.C.) nasceu em Atenas e era filho de uma parteira. Em grego, maiêutica é o
termo que significa dar à luz, parir. Sócrates compara o aprendizado filosófico ao nascimento ou
parto, de forma que o conhecimento seria, em sua visão, um processo doloroso, até que se consolide
o nascimento do pensamento filosófico nos indivíduos. Sócrates nunca escreveu nada, pois afirmava
que escrever seria uma forma de aprisionar o conhecimento. Sabemos da existência de Sócrates por
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meio do trabalho de dois de seus discípulos, Platão e Xenofonte. Platão (428-347 a.C.) foi
pertencente a uma família abastada e nobre de Atenas; Xenofonte (430-355 a.C.) foi um poeta e
jurista ateniense. Uma terceira visão sobre quem foi Sócrates foi dada por Aristófanes (447-385 a.C.),
um poeta crítico às ideias do filósofo por considerá-lo subversivo por atacar as tradições políticas e
religiosas dos atenienses (Jaeger, 2001).
Platão torna seu mestre, Sócrates, o principal personagem de suas obras, destacando-se, por
exemplo, o livro A república (Platão, 1988). Comentadores da obra de Platão tendem a demonstrar
dificuldades em separar as ideias do mestre e do discípulo, de modo que o pensamento desses dois
filósofos constitui uma continuidade e certa unidade que dá origem ao complexo de ideias socrático-
platônicas (Châtelet, 1994).
Xenofonte e Platão descrevem Sócrates como homem de mente rigorosa, racional e
questionadora, que produziu severas críticas às crenças nos mitos gregos e na política ateniense, a
democracia. Sócrates foi acusado e declarado culpado por corromper a juventude, atacar a
democracia ateniense e o politeísmo grego; opôs-se às duas principais figuras de sua cidade: os
poetas (responsáveis pela manutenção das tradições religiosas baseadas nos mitos) e os sofistas
(eloquentes educadores e demagogos que manipulavam as decisões políticas tomadas na cidade, em
proveito próprio) (Châtelet, 1994).
O pensamento socrático-platônico desejava substituir a democracia ateniense por um modelo
utópico e idealizado baseado numa monarquia governada por filósofos no lugar, respectivamente, da
democracia e dos sofistas. Sócrates atacou a escravidão nas cidades gregas; defendeu a participação
das mulheres na vida social e política, inclusive a formação de guardiões e guardiãs, com o fim do
casamento monogâmico entre esses guerreiros; propôs que todas as riquezas fossem confiscadas e
administradas pelos filósofos, com o objetivo de se gerar uma cidade justa. Devido às suas ideias,
consideradas radicais, Sócrates foi condenado à morte e envenenado por ingestão de cicuta. Embora
pudesse ter escolhido o exílio, a censura ou o pagamento de uma multa para se livrar da pena, optou
por ingerir o veneno e alcançar a morte, pois considerava a alma e a razão como eternas e o corpo,
os sentidos ou as sensações corporais como corruptíveis, mutáveis e perecíveis (Châtelet, 1994).
4.2 A DIALÉTICA SOCRÁTICO-PLATÔNICA
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Para se opor aos discursos convincentes, porém falsos, de poetas e sofistas, voltados a fazer
aflorarem as emoções, paixões, sensações e crenças equivocadas entre os gregos, Sócrates, e depois
Platão, desenvolveram o primeiro método racional e filosófico da cultura ocidental, a chamada
dialética. Esse método consiste num debate, discussão ou diálogo elaborado por meio de sucessivas
perguntas, sempre realizadas pelo filósofo, que têm como objetivo questionar e conduzir à
contradição as opiniões (doxa) das pessoas comuns, principalmente poetas e sofistas. Sócrates e
Platão opõem a dialética, relacionada à filosofia e à razão (logos), à opinião (doxa), considerada vaga,
ignorante e equivocada porque vinculada aos mitos, sensações e paixões humanas. Sócrates deseja
que sejamos guiados pela razão, esta sim capaz de conduzir à verdade e às virtudes, e não pelas
paixões ou emoções, fontes de todo erro e de vícios que corrompem o bem comum e levam a
sociedade à degeneração (Châtelet, 1994).
4.3 MUNDO SENSÍVEL E MUNDO INTELIGÍVEL
Sócrates e Platão foram responsáveis por proporem a diferenciação do real do falso, da verdade
da aparência, por meio da oposição entre o que denominaram mundo sensível e mundo inteligível (ou
mundo das ideias). O sensível corresponderia a tudo o que é concreto, físico, material e sensível (as
nossas sensações corporais), aos objetos sensíveis diante dos nossos olhos e demais sentidos. Tudo
que pertence a esse mundo, o mundo material, está em transformação, é transitório e muda. Quando
somos guiados pela sensibilidade (os sentidos), somos conduzidos, logo, ao erro, pois somos
influenciados pelas emoções (elementos presentes no mito e no discurso dos sofistas). O mundo
sensível, portanto, seria dominado pelas aparências, segundo essa linha de pensamento, posto que o
que é transitório e muda a todo instante, como os nossos sentimentos, não pode corresponder à
verdade. As aparências e os sentidos podem produzir os vícios, já que acomodam o corpo e a mente.
Os vícios seriam paixões produzidas pelos sentidos, fazendo do indivíduo escravo do prazer. O
mundo sensível deve ser, assim, relacionado à noção de simulacro (conjunto de sombras e
aparências) (Châtelet, 1994).
O mundo inteligível, por sua vez, só seria acessível por meio do uso da razão. Nesse mundo
estão as verdades, também chamadas de essências, formas ou ideias. A verdade seria eterna, imutável
e universal, não se transformando jamais, o que a diferiria das aparências presentes no mundo
sensível. A razão, por conduzir o homem à verdade, produziria as virtudes e guiaria a vida para o
bom caminho e não para os vícios. Segundo Marilena Chauí (1994, p. 269-270):
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Eis por que a ontologia platônica introduz uma divisão no mundo, afirmando a existência de dois
mundos inteiramente diferentes e separados: o mundo sensível da mudança, da aparência, do devir
dos contrários, e o mundo inteligível da identidade, da permanência, da verdade, conhecido pelo
intelecto puro, sem qualquerinterferência dos sentidos e das opiniões. O primeiro é o mundo das
coisas. O segundo, o mundo das ideias ou das essências verdadeiras. O mundo das ideias ou das
essências é o mundo do Ser; o mundo sensível das coisas ou aparências é o mundo do Não-Ser. O
mundo sensível é uma sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do mundo inteligível das ideias
ou essências.
Platão concebia a noção de imortalidade da alma e uma doutrina de reencarnação das almas
pela qual indivíduos dedicados à razão, à filosofia e à virtude tenderiam a alcançar o mundo
inteligível após a sua morte, tomando conhecimento pleno do que seja a verdade, a justiça, o bem, o
belo e Deus. É importante ressaltar que Sócrates e Platão são os primeiros filósofos a defenderam o
monoteísmo. Eles são críticos do politeísmo porque os deuses exprimem comportamentos voláteis e
comparáveis aos sentimentos humanos, portanto são falsos. O monoteísmo é defendido pelos dois
filósofos porque Deus deve ser único, eterno, imutável e seus pensamentos são superiores e
inconcebíveis pelos sentimentos humanos (Châtelet, 1994).
Segundo Châtelet (1994), como a relação entre corpo e alma é acidental, quando nossa
existência é dada ainda no mundo sensível apenas é possível alcançar as ideias originais, essências ou
formas do mundo inteligível com o uso da razão, por exemplo, a essência ou o pensamento perfeito
da ideia de uma mesa, casa, ser humano, números ou formas geométricas. As ideias são perfeitas;
porém, no mundo sensível, não encontramos seus correspondentes, a não ser cópias malfeitas e
degeneradas das essências. Além disso, o mundo sensível apresenta dois patamares. O primeiro deles
corresponde ao dos objetos físicos, cópias distorcidas das ideias originais. O segundo patamar diz
respeito aos discursos dos poetas e sofistas, considerados do mais elevado patamar de mentira,
cópias das cópias, que revelam o que há mais falso, levando os indivíduos ao erro e à ignorância.
A Figura 1 permite compreender as distinções entre os dois mundos avaliados por Sócrates e
Platão.
Figura 1 – Mundo inteligível e mundo sensível
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Fonte: Elaborado com base em Platão, 1988.
Dessa forma, no mundo inteligível estariam nossas ideias originais. É o que se chama de logos
(razão, ciência, conhecimento, discurso racional que nos leva à verdade, ou seja, elementos da
atividade do filósofo). Já no mundo sensível (ou das aparências) apenas vemos as cópias das ideias,
ou seja, as suas sombras. Esse mundo corresponde ao mundo do mito (mythos).
TEMA 5 – A ALEGORIA DA CAVERNA
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Vamos estudar agora uma das narrativas mais conhecidas da história da filosofia. Platão e
Sócrates comparam o mundo sensível a uma prisão por meio da chamada alegoria da caverna,
presente no Livro VII da obra A república (Platão, 1988). A alegoria trata de indivíduos que viveram
toda a sua existência acorrentados no interior de uma caverna, ou seja, aprisionados pelas paixões e
sensações, e que apenas poderiam olhar para frente, onde eram projetadas sombras, na parede da
caverna que habitavam. Assim, essas pessoas tomavam as sombras e aparências como se fossem
verdadeiras, sem saber que atrás deles havia outros indivíduos (leiam-se, sofistas e poetas)
manipulando, na frente de uma fogueira, objetos que davam origem às sombras projetadas na
parede, como em um teatro de sombras de fantoches ou um simulacro.
No entanto, um dos prisioneiros, o filósofo, consegue se desacorrentar, pois seus instrumentos
de libertação são a razão, o estranhamento e os questionamentos. O filósofo percebe então que
havia sido sempre enganado, tomando as aparências como se fossem a realidade. Decide, depois
disso, sair da caverna, para encontrar as ideias, as formas, isto é, a realidade fora da prisão, e enfim
observa a luz do Sol, que representa a verdade, o belo, o bem e a justiça. O filósofo toma a difícil
decisão de retornar à caverna para advertir seus antigos companheiros a respeito do fato de que
estavam sendo enganados, acreditando que as sombras eram verdadeiras. Ao retornar, esses
companheiros não acreditam em suas palavras: acabam por desmenti-lo e agredi-lo, até matá-lo
(Platão, 1988).
Crédito: Matiasdelcarmine/Adobe Stock.
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Dessa forma, a alegoria da caverna representa tanto a teoria do conhecimento de Platão e
Sócrates, ou seja, a oposição entre os mundos sensível (a caverna) e inteligível (fora da caverna, onde
há a luz do Sol). Além disso, a mesma alegoria expressa como se deu a morte de Sócrates, que, por
utilizar a razão e contestar poetas e sofistas, foi condenado ao envenenamento por cicuta, em Atenas.
NA PRÁTICA
No ano de 2016, o Dicionário Oxford de filosofia cunhou o termo pós-verdade em seus verbetes,
relacionando-o da seguinte maneira ao fenômeno das fake news: “Post-truth (pós-verdade): relativo
ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do
que as emoções e as crenças pessoais” (Word, 2016, tradução nossa). A noção de pós-verdade diz
respeito ao processo de deslegitimação das ciências, de certezas racionais em nome de opiniões
falsas, passionais e geradoras de notícias falsas (as fake news). Seria possível relacionar a noção de
pós-verdade com os problemas identificados por Sócrates em relação às opiniões dos sofistas?
Investigue uma fake news que tenha sido abordada criticamente por meios de comunicação ( jornais,
revistas, sites de notícias e afins) e, em seguida, faça uma comparação com concepções platônicas a
respeito da distinção entre os mundos sensível e inteligível.
FINALIZANDO
Nesta aula, estudamos o surgimento da filosofia ocidental, com base nos pensadores gregos.
Avaliamos que o discurso filosófico na Grécia apareceu com os filósofos conhecidos como pré-
socráticos, que foram responsáveis por produzir reflexões de teor racional, sobre a natureza, em
oposição às intepretações de cunho fantástico e sobrenatural presentes nos mitos. Investigamos a
originalidade do pensamento socrático-platônico, que trouxe novos questionamentos ao
pensamento filosófico. Enquanto os pré-socráticos se perguntavam essencialmente pela arché,
Sócrates inova sobretudo com os seguintes elementos:
a. construção de uma teoria do conhecimento que supõe uma rígida separação entre corpo
(mythos) e alma (logos);
b. crítica da democracia e proposição de um regime político fundado na razão e não mais nos
mitos, modelo que subverteu as tradições gregas ao elaborar sistemática oposição aos mitos,
aos sofistas e à democracia ateniense;
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c. Sócrates e Platão produziram e promoveram, pela primeira vez, um método filosófico, a
dialética, para combater os mitos.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os pensadores).
CHÂTELET, F. Uma história da razão: entrevistas com Émile Noël. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1994.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1994.
DELEUZE, G.; GUATARI, F. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 1991.
HESÍODO. Os trabalhos e os dias. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002.
_____. Teogonia. Tradução e estudo: Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2003.
HOMERO. Ilíada. São Paulo: Penguin, 2013.
_____. Odisseia. São Paulo: Cosac & Naify, 2014.
JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1994.
PLATÃO. A república. Belém: Edufpa, 1988.
_____. Diálogos I: Teeteto, Sofista, Protágoras. São Paulo: Edipro, 2007.
VERNANT, J. P. Entre mito e política. São Paulo: Edusp, 2001.
_____. O Universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
WORD of the Year 2016.Oxford Languages, 2016. Disponível em:
<https://languages.oup.com/word-of-the-year/2016/>. Acesso em: 2 fev. 2022.
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FILOSOFIA
AULA 2
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Paulo Niccoli Ramirez
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CONVERSA INICIAL
PARADIGMAS CIENTÍFICOS
O objetivo da aula é compreender o processo de surgimento e transformação da ciência na
cultura ocidental, desde seus primórdios com o pensamento aristotélico na Grécia Antiga e passando
pela sua influência na ciência medieval, a denominada Escolástica, até as rupturas com o pensamento
medieval com a ascensão da Ciência Moderna, de modo que se procura refletir sobre quais os
impactos causados por novos métodos científicos criados nos séculos XVI e XVII, entre eles a
matematização do Universo produzida por Copérnico e Descartes, e a experimentação científica,
elaborada por Galileu Galilei e Newton. Por último, investigaremos o cientificismo positivista do
século XIX e teorias sobre as dinâmicas das ciências desenvolvidas durante o século XX por
pensadores como Popper, Kuhn e Feyerabend, preocupados com questões em torno das condições
que tornam possível uma teoria se tornar mais hegemônica que outras ou mesmo o que permite a
superação de teses que passam a ser consideradas obsoletas no interior dos debates científicos.
TEMA 1 – ARISTÓTELES E A ORIGEM DA CIÊNCIA
Veremos no primeiro tema a importância de Aristóteles (384-322 a.C.), pois este é considerado o
primeiro entre os cientistas na cultura ocidental. Isto se deve ao fato de que o pensador grego foi o
primeiro a elaborar um método científico, o chamado silogismo, que possuía como pano de fundo a
crítica ao seu mestre Platão. Aristóteles deixará profundas marcas na história da ciência, até ser
questionado pelos cientistas modernos, a partir dos séculos XVI e XVII, conforme veremos nos
próximos temas da aula.
1.1 MATERIALISMO ARISTOTÉLICO VERSUS IDEALISMO PLATÔNICO
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Aristóteles é de origem macedônica, império localizado ao norte das cidades gregas durante a
Antiguidade. Foi discípulo de Platão, porém veio a se tornar o seu maior crítico. Aos 17 anos, após a
morte do pai, foi estudar em Atenas, onde ingressou na Academia de Platão. Durantes duas décadas
permaneceu na condição de aluno e depois se tornou professor da Academia. Desentendimentos
teóricos com seu mestre, Platão, levaram Aristóteles de regresso à Macedônia e tornou-se tutor de
Alexandre Magno. Quando Alexandre se tornou imperador da Macedônia e invadiu a Grécia, dando
origem ao período denominado como “Helênico”, Aristóteles fundou a sua própria escola em Atenas,
num local chamado Liceu, por volta de 334 a.C. A escola de Aristóteles rivalizava com a Academia de
Platão.
A crítica de Aristóteles ao seu mestre Platão deveu-se ao fato de considerar as teorias platônicas
demasiadas abstratas à medida que promovia a separação entre os Mundos Inteligível e Sensível, a
cisão entre corpo e alma, além de buscar a verdade apenas no mundo das ideias. Em oposição a
estas posturas platônicas, Aristóteles acreditava que a filosofia se devia basear naquilo que nos é
dado a conhecer por meio observação, de modo que o conhecimento verdadeiro não estaria
presente no mundo das ideias, como queria Platão, senão na própria natureza e nos seus fenômenos.
Por este motivo, isto é, buscar verdades na própria natureza, o projeto aristotélico consistia numa
investigação sistemática e rigorosa dos fenômenos dispostos na realidade concreta, portanto,
promoveu uma abordagem científica. Foi dessa forma que Aristóteles deu origem à biologia e
fortaleceu em sua época outras ciências, como a astronomia, meteorologia, geologia, física, ética,
linguagem e política.
Platão é considerado um filósofo idealista ou espiritualista por julgar que as verdades se
encontram no Mundo Inteligível. Aristóteles, por sua vez, é considerado filósofo e cientista
materialista, pois julga que as verdades estão presentes na própria natureza, ou seja, no mundo
material, negando inclusive as dualidades platônicas, como a oposição entre o inteligível e o sensível,
alma e corpo, matéria e forma. Para Aristóteles, os sentidos e corpo contribuem ao lado da razão
para a compreensão e observação da natureza, de modo que devem estar em equilíbrio.
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Créditos: rook76/Adobe Stock.
O pintor Renascentista Rafael (1483-1520) foi capaz de traduzir a oposição entre o materialismo
aristotélico e o idealismo platônico por meio da obra A Escola de Atenas (1510), presente no Museu
do Vaticano. A obra revela a concepção idealista de Platão quando aponta um dos dedos para os
céus, metaforizando a noção de que as verdades se encontram no Mundo das Ideias e apenas
podem ser alcançadas com o uso da razão, jamais com os sentidos ou o corpo. Já Aristóteles
apresenta sua mão indicada para baixo, revelando postura materialista ao considerar que as verdades
são encontradas na natureza e devem ser observadas com a razão e os sentidos.
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1.2 O SILOGISMO ARISTOTÉLICO
Aristóteles, na obra Organon (2010), que poderia ser traduzido como instrumento ou ferramenta
escrita no século III a.C., elabora princípios da lógica e, por isso, é considerado pioneiro na ciência,
pois pertence a ele o primeiro método científico que se tem conhecimento, o silogismo. Aristóteles,
em certa medida, se opôs aos procedimentos dialéticos de Platão (método de perguntas e respostas,
cujas conclusões eram um tanto subjetivas e idealistas). O pensamento aristotélico se propôs a
promover procedimentos de investigação científica por meio de observações qualitativas, comuns e
cotidianas, a partir da correlação entre sensibilidade e racionalidade, para capturar a verdade na
natureza. Por ser qualitativo, o método Aristotélico era apenas observacional, sem contar com
experimentos ou procedimentos matemáticos.
Segundo Marilena Chaui (1994, p. 200), “o silogismo é um conjunto de três juízos ou proposições
que permite obter uma conclusão verdadeira. Trata-se de um método dedutivo no qual, de duas
premissas, deduz-se uma conclusão”. Antes de analisarmos o que é exatamente um método dedutivo
e proposições, é importante observar os dois exemplos a seguir para um melhor entendimento a
respeito desse primeiro método científico:
Na sua forma padronizada, o silogismo é constituído por três proposições (expressões verbais
que resultam em afirmações). As duas primeiras são chamadas de premissas e a terceira conclusão. O
silogismo é considerado uma forma de raciocínio dedutiva. Mas o que é dedução e o que a
diferencia da indução? Aristóteles preocupou-se com esta distinção na obra Organon (2010).
Toda dedução inicia seu raciocínio a partir de elementos mais gerais, amplos ou universais em
direção aos elementos particulares, até que se alcance alguma conclusão muito específica. Vê-se que
o silogismo é uma dedução porque sua primeira e segunda proposições são mais amplas e genéricas
do que a conclusão. A dedução pode partir de uma hipótese abstrata ou de caráter geral para
relacioná-los com situações e argumentos factíveis e particulares. Toda dedução é um encadeamento
de raciocínios em que o conhecimento sobre algo é dado a posteriori.
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A indução, por sua vez, promove procedimentos inversos ao da dedução. Parte da observação
de elementos particulares, com o objetivo de atingir uma conclusão sobre um ponto de vista ou ideia
geral, de acesso a todos. Tem-se um conhecimento dado a priori, por exemplo, percebemos que
“João morreu” ou “tenho fome” ou “édia”.
1.3 AS CIÊNCIAS E O PENSAMENTO ARISTOTÉLICO
Aristóteles desenvolveu inúmeros estudos para a compreensão da physis (natureza), promoveu
estudos cosmológicos, físicos, geológicos e biológicos, entre outros. Entre suas principais ideias está
a noção da geração espontânea, que concebia a origem espontânea dos seres vivos a partir da
natureza. Aristóteles também julgava ser a Terra o centro do universo (este último finito), sendo que
os demais corpos celestes (Lua, Sol e o firmamento) girariam em torno da Terra devido a um Deus
materialista, designado como Primeiro Motor ou Moto Imóvel. Suponha que apenas a Terra seria
constituída dos elementos água, terra, fogo e ar e os corpos celestes seriam constituídos por éter,
havendo rigorosa distinção entre o céu e a Terra. Concebia que os objetos físicos e as posições sociais
(como senhores e escravos) eram determinados pela natureza.
Além de empregar o silogismo (método apenas observacional, e não matemático ou
experimental), Aristóteles trabalhava com quatros aspectos fundamentados em quatro causas, a
saber: causa material (do que a coisa é feita? Por exemplo, a casa é de tijolos); causa eficiente (o que
fez a coisa? A construção); causa formal (o que lhe dá a forma? A própria casa); e causa final (o que
lhe deu a forma?).
TEMA 2 – A ESCOLÁSTICA E A CIÊNCIA MEDIEVAL
Investigaremos no Tema 2 a ciência medieval. Será possível observar as influências do
pensamento aristotélico, que foi associado pela Igreja Católica às sagradas escrituras.
A Escolástica expressa a ciência medieval cristã, ou seja, baseada na tentativa de conciliação
entre um ideal de racionalidade, tradição grega do  platonismo  e  aristotelismo, relacionados com a
verdade revelada pela fé cristã e os textos sagrados. Segundo Aranha, “Escolástica. Designa os
filósofos e teólogos medievais que ministravam cursos nas escolas eclesiásticas e nas universidades
entre os séculos IX e XV” (2009, p. 113).
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O principal pensador do período foi São Tomás de Aquino (1225-1274), responsável por
aristotelizar o cristianismo. A Escolástica também possuía apreço por Ptolomeu (90-168 d.C.),
pensador grego, astrônomo e geômetra que buscou geometrizar o movimento dos corpos celestes
em torno da Terra, a partir da premissa geocêntrica (a Terra no centro do universo) desenvolvida por
Aristóteles na Antiguidade.
Além da tese geocêntrica, a Escolástica reafirmava outras concepções aristotélicas, entre elas a
distinção da composição da Terra (água, terra, fogo e ar) e dos corpos celestes (Sol, Lua e demais
estrelas) constituídos por éter. A Terra era tomada como imóvel, estática e o universo gira a sua volta,
movida pelo Primeiro Motor do Universo, no caso, Deus. Apenas as sagradas escrituras eram vistas
como instrumentos suficientes para se compreender a astronomia e o movimento dos corpos
celestes, não sendo relacionada à física ou matemática. Dessa forma, os corpos celestes eram
movimentados segundo a vontade divina, cabendo recorrer às sagradas escrituras, segundo
Aristóteles e Ptolomeu, para fornecer qualquer justificativa a respeito. Empregava-se método
silogístico (ou silogismo), de caráter qualitativo e não quantitativo (ou seja, não matematiza a
natureza).
Veremos no próximo tema que, a partir dos séculos XVI e XVII, com ascensão da ciência
moderna, os paradigmas aristotélicos e escolásticos serão criticados pela nova ciência.
TEMA 3 – A CIÊNCIA MODERNA
A partir de agora vamos compreender as rupturas causadas pela Ciência Moderna em relação à
tradição aristotélica e escolástica. Pensadores como Copérnico (1473-1543), Galileu (1564-1642),
Francis Bacon (1561-1626), Descartes (1596 – 1650), Newton (1643-1727), entre outros produziram
novas concepções científicas que deram origem a novos métodos e descobertas científicas.
3.1 A REVOLUÇÃO COPERNICANA
A obra astronômica de Nicolau Copérnico, As Revoluções dos orbes celestes (1984), pode ser
considerada o marco inicial da ciência moderna. Publicada em 1543, pouco antes da morte de
Copérnico, as ideias da referida obra demonstram o movimento da Terra em torno do Sol (tese
heliocêntrica), apresentadas pelo pensador como meras hipóteses matemáticas. Afirmar esta
descoberta como hipótese revelava o temor e cautela da exposição de novas ideias diante da
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Inquisição da Igreja, que encontrava no modelo científico aristotélico-ptolomaico o sistema de
interpretação do universo condizente com as sagradas escrituras. Copérnico, portanto, põe em xeque
o sistema cosmológico tradicional, dando origem a novos fundamentos científicos. Por ter publicado
a obra na semana de sua morte, Copérnico nunca soube dos impactos de seu pensamento para a
cultura ocidental.
Com a Revolução Copernicana, ocorre a dessacralização da Terra e, principalmente, do céu, pois
este passa a ser objeto de estudo passível de matematização. Copérnico foi o primeiro a combinar
astronomia, matemática e física e tornou possível a compreensão do movimento da Terra em torno
Sol. A obra de Copérnico representa uma profunda transformação científica, e será o ponto de
partida, o alicerce primordial e difusor, principalmente no século XVII, do que veio a ser a chamada
ciência moderna. Seu pensamento será o aporte teórico no desenvolvimento das teorias de Galileu,
Kepler, Descartes, Pascal, Newton, entre tantos outros.
Na nova ciência, não há lugar para explicações que recorram à causalidade divina, mas, pelo
contrário, a ciência é secularizada, laicizada, o que significa abandonar a dimensão religiosa que
permeava todo o conhecimento medieval. Resulta disso um problema moral e ético, pois a
humanidade observa que é uma pequena parte da criação divina, e mais do que isto, as sagradas
escrituras da Bíblia, fundamentadas no pensamento aristotélico com a Escolástica, não bastam mais
como forma legítima de compreensão da ordem do mundo. De um lado, surge a concepção de que
Deus está muito mais distante dos indivíduos do que se pensava; do outro, a humanidade fortalece-
se enquanto ator do conhecimento e, por isto, exime-se como mero objeto da criação.
Em homenagem a Copérnico, até hoje são nomeadas com o termo “Revolução Copernicana”
todas as grandes descobertas científicas relevantes, ainda que não tenham relação com o movimento
da Terra em torno do Sol. Assim, por exemplo, quando Darwin (1809-1882) publicou sua Origem das
Espécies, em 1859, sua tese foi afirmada pela comunidade científica como uma “Revolução
Copernicana”. Freud (1956-1939), quando publicou o livro A interpretação dos sonhos, em 1900, e deu
ênfase ao papel do inconsciente sobre a vida mental, sua obra também foi classificada como uma
“Revolução Copernicana”. O mesmo correu com Einstein quando elaborou, em 1905, sua teoria da
relatividade ou recentemente com o experimento do acelerador de partículas que identificou a
chamada “partícula Deus”.
3.2 GALILEU GALILEI E A CIÊNCIA EXPERIMENTAL
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Galileu Galilei ao tomar conhecimento dos estudos de Copérnico, "converteu-se" por volta de
1610 ao pensamento de seu antecessor. A partir da leitura de Copérnico, Galileu produziu duas
importantes obras, Acerca da opinião copernicana, publicada em 1615, e Diálogo sobre os dois
sistemas de mundo ptolomaico e copernicano, publicada em 1632, levando Galileu a abandonar
definitivamente o modelo aristotélico-ptolomaico. Auxiliado com a utilização da recente descoberta
do telescópio, Galileu aperfeiçoa-o, e irá progressivamente desenvolver sua mecânica, tendo como
aporte teórico a já condenada obra de Copérnico, censurada pela Inquisição.
Galileu também é considerado o pai da ciência experimental. Trata-se da noção de que para
alcançar as leis naturais e encontrar as verdades presentes na natureza seria necessário manipular
artificialmente os fenômenos naturais,o que consolidou a partir de então pesquisas feitas em
“laboratórios” ou ao menos a possibilidade de realizar experimentos científicos. A utilização de
telescópios por Galileu permitiu-o descobrir as quatro luas de Júpiter em 1610, onde viu que giram
em torno deste planeta. Galileu observa que o mesmo se daria com o movimento da Lua em relação
à Terra.
Pode-se dizer que Galileu "radicaliza" os argumentos de Copérnico, tornando-os mais realistas,
pois abandona a questão de os raciocínios matemáticos, sobre o movimento da Terra, apresentarem-
se apenas como meras hipóteses, portanto, não condizentes com a realidade. Na verdade, afirma ser
"loucura" negar um procedimento matemático como irreal. Galileu impôs uma universalidade da
razão natural (entendida como sentidos, discurso e intelecto), em que é o sujeito que determina o
objeto de análise, combinando observação, observação e matematização. É importante que nem
Copérnico ou Galileu utilizavam fórmulas matemáticas, o que veio a ser desenvolvido apenas no
século XVII com o pensador francês Descartes, conforme veremos no próximo item.
Galileu promove uma grande ruptura entre ciência e teologia, a qual representa um marco da
modernidade. Põe-se em questão a compatibilidade entre o pensamento desenvolvido a parir da
"revolução copernicana" e as "sagradas escrituras". Galileu sofreu dois processos de Inquisição, sendo
perdoado no primeiro. Com o segundo processo, esteve em prisão domiciliar até sua morte.
3.3 A MATEMATIZAÇÃO DO MUNDO E A CIÊNCIA DE NEWTON
O filósofo francês Descartes será o responsável por conduzir a matemática a um patamar mais
elevado para a Ciência Moderna. Foi o responsável por desenvolver equações, polinômios e
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introduzir as incógnitas matemáticas. A partir de sua ciência foi possível traduzir a natureza por meio
de equações. Duas de suas obras representam a inauguração da matemática moderna: Regras para a
orientação do espírito (2012), inacabada e publicada postumamente em 1684, e Discurso do método
(1996), publicada em 1637.
O método de Descartes foi proceder de forma matemática, ou seja, de modo quantitativo. É o
que define como Mathesis Universalis (matemática universal). Trata-se do projeto de matematização
do mundo. Verifica-se que o método cartesiano tem como fontes a geometria e a aritmética. Dessa
forma, utilizando o método rigoroso do raciocínio matemático, ele esperava construir, sobre bases
firmes e sólidas, um edifício filosófico que ficasse imune às controvérsias presentes no método
silogístico de Aristóteles, fundamentado em apenas observações qualitativas.
O método cartesiano matemático está fundamentado em quatro princípios:
1. Verificar – investigar e problematizar se o objeto a ser estudado realmente pode ou não ser
conhecido, por exemplo, um fenômeno natural, e não especulações abstratas;
2. Analisar – dividir o objeto a ser conhecido em quantas partes forem necessárias (por este
motivo, dividimos uma equação em incógnitas, parênteses, chaves e colchetes);
3. Sintetizar – solucionar os problemas iniciando das partes mais simples às mais complexas; e
4. Enumerar (controle) - trata-se da elaboração de rigorosas revisões, a fim de observar se o
valor das incógnitas é compatível com a equação.
Descartes foi o primeiro pensador a empregar os termos máquinas ou autômatos em textos
filosóficos e científicos. Concebia que as máquinas seriam o resultado da tradução operada pela
matemática dos fenômenos da natureza. Além disso, Descartes pressupunha que com seu método a
humanidade passaria a ter o poder de dominar a natureza por meio de suas ações. Não está mais sob
o jugo da natureza, mas, ao contrário, encontra-se na condição de seu senhor. De escravo da
natureza, com o pensamento cartesiano a humanidade passa, agora, a ser seu mestre e possuidor.
Descartes afirma que a ciência e as máquinas poderiam trazer bem-estar e conforto.
Na Inglaterra do século XVI, Francis Bacon foi o responsável por introduzir o método
experimental e criará corrente filosófica denominado empirismo, ou seja, noção de que todos os
conhecimentos são obtidos por meio de experiências sensoriais e científicas, tema este que será
estudado no próximo capítulo. Bacon escreveu duas importantes obras. A primeira delas, o Novum
Organum, publicada em 1620, em que critica o silogismo aristotélico e propõe como método de
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pesquisa a observação empírica da natureza; o processamento racional dos dados obtidos; a
elaboração de hipóteses fundadas nesses dados; e a verificação das hipóteses mediante experimento
replicável. Outro livro importante foi Nova Atlântida, publicado em 1627, em que afirma que saber é
poder e defende que as tecnologias poderiam conduzir ao domínio humano sobre a natureza.
Estas perspectivas influenciaram a física de Newton, o qual desenvolveu a descoberta de leis
naturais baseadas nos princípios de ação e reação, além do aprimoramento da matemática para o
estudo do universo. Newton, na sua obra Princípia, publicada no ano de 1687, afirmava ter se
apoiado nas costas de gigantes, ou seja, de seus antecessores que constituíram a Ciência Moderna.
Newton foi condecorado pela coroa inglesa e foi o primeiro grande cientista a ser admirado e
protegido contra a perseguição religiosa. Em sua lápide presente na Abadia de Westminster, em
Londres, consta a seguinte frase em latim: “A natureza e as leis da natureza estavam imersas em
trevas; Deus disse ‘Haja Newton’ e tudo se iluminou”.
A ciência moderna foi determinante para a consolidação futura da Revolução Industrial a partir
do século XVIII e também influenciou o movimento Iluminista na França.
TEMA 4 – O POSITIVISMO DE COMTE
No século XIX o positivismo de Comte constitui-se como grande síntese dos métodos e avanços
científicos e industriais europeus. Vamos estudar no que consiste esta doutrina e quais as polêmicas
causadas por ela, sobretudo por ter sido considerada uma teoria designada como eurocêntrica.
4.1 A CIÊNCIA, SEGUNDO COMTE
Augusto Comte (1798-1857) é fundador do “positivismo” e inventor do termo “sociologia”.
Afirma a necessidade de uma nova ciência que fosse responsável por estudar a morfologia social, ou
seja, o processo de transformação das sociedades. Duas de suas obras se destacam: Curso de filosofia
positiva, publicada entre 1830-1842, e Catecismo positivista, que foi publicada em 1852.
Entre as características do positivismo destacam-se a confiança na razão, ciência e
industrialização; a tendência experimental de sua ciência; a defesa do evolucionismo social e do
progresso da humanidade; além da rejeição do pensamento mítico. Comte foi influenciado pela
filosofia de Descartes (a ideia de que a razão e a ciência dominam a natureza e produzem bem-estar)
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e pela ciência experimental. Nessa direção, as revoluções científica e Francesa contribuíram para que
a humanidade alcançasse o mais elevado patamar de desenvolvimento da humanidade. Comte
relaciona estes eventos à ideia de ordem e progresso. Segundo Aranha (2009, p. 32),
ao criticar o mito e exaltar a ciência, contraditoriamente o positivismo fez nascer o mito do
cientificismo, ou seja, a crença cega na ciência como única forma de saber possível. Desse modo, o
positivismo mostra-se reducionista, já que, bem sabemos, a ciência não é a única interpretação
válida do real.
As concepções de Comte estão baseadas na observação e exatidão, de modo que abandona as
teorias e especulações da teologia e metafísica, ou filosofias de teor mais abstrato. As ciências que
são positivistas são a matemática, biologia, astronomia, física, química e a recém-criada sociologia,
que se baseia em dados estatísticos. Os positivistas afirmam que a ciência é cumulativa (progresso) e
transcultural (não interessa em qual cultura surgiu, servepara toda a humanidade). O positivismo
influenciou as correntes que defendiam o darwinismo social no século XIX. A frase na bandeira
brasileira é baseada no lema de Comte sobre o positivismo. Comte afirmava o amor como princípio e
ordem como base; progresso como objetivo.
4.2 A LEI DOS TRÊS ESTADOS
Para Comte, a humanidade passa por três estágios de evolução: estado teológico, estado
metafísico e estado positivo, constituindo o que denominou com a lei dos três estados.
No estado teológico ou fictício, a explicação dos fatos é resultado de leituras religiosas
animistas da natureza, ou seja, as forças naturais são vistas como divinas. Trata-se do estágio de
sociedades vistas pelos europeus como atrasadas e primitivas. Este estado evolui do fetichismo ao
politeísmo e, em seguida, ao monoteísmo.
No estado metafísico, a humanidade projeta sua própria psicologia e racionalidade sobre a
natureza, dando origem a explicações teológicas e filosóficas e filosóficas mais abstratas, como as
platônicas e medievais sobre a origem de Deus e do universo.
O estado positivo descreve fatos com base em métodos científicos modernos, como a
matematização e experimentação científica. Abandona-se as explicações subjetivas filosóficas. O
estado positivo ou científico se baseia nas leis da natureza, que permitem obter previsibilidade sobre
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a natureza e seus fenômenos. Este terceiro estágio está relacionado ao processo de industrialização,
fortalecimento da ciência moderna e dos modelos políticos republicanos.
Para Comte, a lei dos três estados é tanto reflexo da história da humanidade quanto do
desenvolvimento de cada indivíduo. A criança fornece explicações fictícias ao mundo; o jovem é
metafísico e tem especulações mais filosoficamente abstratas; o adulto possui uma concepção
positivista e científica da realidade.
Comte propôs uma nova religião à humanidade em seu Catecismo Positivista. A ideia era
substituir os santos e os templos religiosos cristãos por filósofos, cientistas e templos da
racionalidade. O positivismo foi empregado como álibi pelos europeus durante o século XIX e XX
para exercer o Imperialismo e Neocolonialismo na Ásia, África e Américas do Sul e Central. A ideia era
levar ordem e progresso às sociedades ditas primitivas, ou seja, que se encontravam no suposto
estado teológico ou fictício. O positivismo é visto hoje como uma teoria eurocêntrica que flerta com
o racismo.
TEMA 5 – DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS
O Tema 5 é dedicado ao estudo das dinâmicas do desenvolvimento da ciência. Trata-se de
investigar diferentes abordagens a respeito do que exatamente condiciona uma teoria a se tornar
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hegemônica ou mesmo destronar teses científicas que passam a ser consideradas obsoletas. Quando
tratamos de uma teoria sobre a ciência, utilizamos o termo epistemologia (do grego episteme,
"ciência", e logos, "teoria").
Karl Popper (1902-1994), na obra A lógica da pesquisa científica, publicada em 1934, desenvolve
premissas positivistas e evolucionistas, pois toma a ciência como sendo cumulativa, ou seja, progride
ou se aprimora conduzindo a conhecimentos superiores em relação aos anteriores desenvolvidos. A
ciência se situa a partir da imaginação e na crítica como principais aspectos da racionalidade humana.
Segundo Popper, a ciência é uma atividade que se caracteriza pela ousadia imaginativa das suas
hipóteses. Estas formulações estão fundamentadas em experiências científicas, que podem abolir,
criticar e falsear doutrinas científicas vigentes.
Popper parte do pressuposto de que não podemos atingir a verdade de uma teoria, ou seja não
podemos abarcar todos os casos a que a ciência se propõe. Dessa forma, o filósofo estabelece como
método mais correto para as ciências o método da refutação e o critério de falseabilidade. Este critério
está relacionado à necessidade de submeter uma teoria à prova, buscando demonstrar ou provar sua
falsidade ou refutá-la amparada com base em métodos científicos, a ponto de descartar sua validade.
Este método de pesquisa científica consiste em formular hipóteses e, depois, por meio de rigorosos
exames e avaliações experimentais, procurar refutá-las. Se determinadas teorias permitem ser
testadas, criticadas e resistirem ao princípio da falseabilidade, então elas poderão ser consideradas
teorias científicas aceitas.
Thomas Kuhn (1914-1996), no livro A estrutura das Revoluções Científicas, publicado em 1962,
apresentará uma abordagem diferente a respeito do desenvolvimento das ciências. Kuhn procurou
demonstrar de que forma ocorrem as transições e rupturas do pensamento científico predominante.
Avalia a existência de fases denominadas "normais" da ciência com o estabelecimento de paradigmas,
que contribuem com os demais cientistas para a solução de problemas, promovendo o progresso por
meio de acumulação de descobertas.
  Paradigma  é um modelo ou padrão a seguir.  Etimologicamente, a palavra vem do grego
paradeigma (modelo ou padrão), de modo que corresponde a algo que servirá de exemplo ou
modelo a ser seguido.
No entanto, há “situações de crise”, que ocorrem quando os paradigmas já não são mais
suficientes e não resolvem uma série de questões, dando origem à transição a novos modelos
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científicos que se contrapõem ao predominante. Foi o que ocorreu com a ciência de Aristóteles e a
Escolásticas, que perderam sua hegemonia com ascensão da Ciência Moderna. Isso significa dizer
que toda ciência passa por momentos de apogeu e crise, até se tornar obsoleta.
Para Kuhn, a superação dos paradigmas poderá dificultar a continuidade de certos esforços
científicos realizados para solucionar problemas quando emerge um novo paradigma, estabelecendo
crises nas ciências. Os paradigmas são superados quando há uma ruptura radical capaz de modificar
de modo significativo as condições dominantes e hegemônicas. Cria-se dessa forma um novo
paradigma que provoca disputas com a ciência, antes predominante.
Feyerabend (1924-1994) foi um polêmico estudioso das ciências. No ano de 1975 publicou o
livro Contra o método. É considerado um teórico anarquista porque observa a não existência de
verdade absoluta nas ciências. Opõe-se a Popper, que afirma a ciência como racional e cumulativa, e
igualmente critica Kuhn, que argumentou, conforme vimos, que uma teoria é dotada de paradigma.
Abandonou o empirismo e as correntes positivistas. Feyerabend considera que as abordagens
metodológicas não são instrumentos de descoberta definitivas e defende o pluralismo metodológico.
Afirma que no ponto de vista metodológico tudo vale. Considera que uma teoria se torna dominante
devido ao seu caráter mais persuasivo em relação a outras teorias, isto é, depende de que forma foi
escrita, por quem e quais recursos retóricos e propagandísticos foram utilizados a fim de convencer a
comunidade científica.
NA PRÁTICA
Diferentes campos da ciência como a medicina, a psicologia, a engenharia, a química e física
promovem sucessivos avanços científicos e progressos tecnológicos. Temos como exemplo o avanço
de diversos métodos voltados ao combate a doenças entre outras pestes e pandemias. São
desenvolvidos computadores, máquinas, robôs ou mesmo remédios que permitem fornecer melhor
qualidade de vida e saúde aos indivíduos. Faça uma pesquisa e debata com seus colegas e
professores a respeito de algum avanço científico que tenha contribuído com a humanidade e tenha
modificado a forma como vivemos ou entendemos o mundo.
FINALIZANDO
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Estudamos com o primeiro tema o surgimento da ciência na cultura ocidental por meio do
pensador grego da Antiguidade, Aristóteles. Observamos que seu método silogístico teve
fundamento em observações apenas qualitativas.Porém influenciou a ciência medieval, denominada
Escolástica, conforme vimos no segundo tema. Em seguida, avaliamos a Ciência Moderna e a ruptura
promovida por ela em relação à tradição escolástica-aristotélico com Copérnico, Galileu, Descartes,
Bacon e Newton entre os séculos XVI e XVII. Estudamos também o positivismo de Comte
desenvolvido durante o século XIX como reflexo otimista dos avanços da industrialização e da Ciência
Moderna. Por fim, investigamos compreensões do desenvolvimento das ciências a partir das
abordagens epistemológicas no século XX desenvolvidas por Popper, Kuhn e Feyerabend.
REFERÊNCIAS
ARANHA, M. L. de A. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna. 2009.
ARISTÓTELES. Órganon: categorias, da interpretação, analíticos anteriores, analíticos posteriores,
tópicos, refutações sofísticas. Bauru: Edipro, 2010.
BACON, F. Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural, 1999a. (Col. Os Pensadores).
BACON, F. Novum Organum ou Verdadeiras interpretações acerca da natureza. São Paulo:
Nova Cultural, 1999.
COMTE, A. Catecismo positivista. Rio de Janeiro: Apostolado Positivista do Brasil, 1934.
COMTE, A. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
COPÉRNICO, N. As revoluções dos orbes celestes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984
CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1994.
DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
DESCARTES, R. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
DARWIN, C. A origem das espécies. Rio de Janeiro: Hemus Editora, 1987.
FREUD. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
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GALILEU. Diálogo sobre los dos Máximos Sistemas del Mundo Ptolemaico y Copernicano.
Madrid: Alianza Editorial, 1994.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2000.
NEWTON. Principia. São Paulo: Edusp, 2002.
POPPER, K. R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Ed. Cultrix, 1993.
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FILOSOFIA
AULA 3
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Paulo Niccoli Ramirez
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CONVERSA INICIAL
TEORIAS DO CONHECIMENTO
O objetivo da aula é compreender teorias do conhecimento que despertaram a partir do
pensamento moderno. Quando falamos de teoria do conhecimento, estamos preocupados com a
questão que envolve quais são os elementos e condições necessárias para que existam ideias e
pensamentos em nossa mente. Veremos no primeiro tema dessa aula que o pensador francês do
século XVII, René Descartes e pai da corrente chamada “racionalismo”, afirma que as ideias
verdadeiras têm origem na própria mente e estão conosco desde o nosso nascimento. O chamado
empirismo inglês, que será abordado no Tema 2, teve origem com Bacon ainda no século XVI, mas
obteve seu maior desenvolvimento no século seguinte com Locke e Hume. Esta corrente promoveu
críticas à concepção cartesiana ao considerar que a origem das ideias são as experiências sensíveis ou
corporais, isto é, as sensações formam as ideias.
Estudaremos no Tema 3 como Kant foi o grande responsável na solução da disputa entre
empiristas e racionalistas com a obra Crítica da Razão Pura no final do século XVIII. Além disso, Kant
fez contundente crítica ao pensamento metafísico, impondo limites à razão e consequentemente
afastou da filosofia qualquer possibilidade de especulação sobre a existência de Deus, do Ser ou da
natureza humana.
No Tema 4, abordaremos o modo como o pensador alemão Hegel (1770- 1831) elaborou a
concepção dialética a partir de bases idealistas para conceber sua teoria do conhecimento. No Tema
5, veremos a oposição de Marx (1818-1883) ao idealismo de Hegel com a elaboração do que
designou como materialismo histórico-dialético. Com a oposição entre a dialética idealista de Hegel e
a dialética materialista de Marx, identificaremos que para a primeira das teorias, a origem do
pensamento humano é meramente subjetiva, ou seja, emana de concepções metafísicas. Para o
materialismo de Marx, a origem de nossas ideias e comportamentos são as relações econômicas ou
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materiais, portanto, a forma como a economia e o trabalho estão organizados a partir das relações
sociais concretas, jamais a partir de concepções meramente ideais.
TEMA 1 – O RACIONALISMO DE DESCARTES
Créditos: Pict Rider/Adobe Stock.
Legenda: Descartes (1596-1650) é o mais importante filósofo francês do século XVII. É
considerado o fundador do racionalismo na modernidade.
Veremos no primeiro tema a relevância de Descartes (1596–1650) para a construção de novos
alicerces no que diz respeito à teoria do conhecimento. Isto porque na Antiguidade e Idade Média,
tanto os pensadores gregos quanto os clérigos da Igreja Católica, indicavam que a origem do
pensamento, das ideias e da ordem do mundo derivavam necessariamente de Deus ou de alguma
entidade divina, que era o caso de Platão, que tomava o Mundo Inteligível como dotado de todas as
verdades. Deus era tomado como criador do mundo e da natureza ou Primeiro Motor do Universo,
conforme indicava Aristóteles, e era reafirmado por muitos teólogos medievais. Nessa estrutura de
pensamento, a humanidade era tomada como passiva em relação a Deus ou à própria natureza. A
novidade trazida por Descartes no século XVII foi a afirmação de que a origem das ideias e dos
pensamentos não seria Deus, senão o próprio indivíduo, fundando aquilo que o pesquisador Franklin
Leopoldo Silva (2001) designa como a “metafísica da modernidade”.
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Descartes estabelece uma nova teoria do conhecimento à medida que afirma a mente ou a razão
humana como protagonista principal do conhecimento, sendo Deus e as leis da natureza secundárias
diante das verdades e saberes produzidos de forma inata pela consciência. Vamos investigar de forma
mais detalhada estes elementos a partir de agora.
1.1 O QUE É O RACIONALISMO?
Antes de compreender o significado do que vem a ser o “racionalismo”, é preciso distinguir esse
termo de outras duas palavras que se parecem, mas possuem significados diferentes. Estamos nos
referindo aos termos “racionalidade” e “racionalização”. Embora os termos se assemelhem, os
sentidos são bem diferentes. O “racionalismo” é uma teoria filosófica criada no século XVII por René
Descartes, cuja principal característica é afirmação da existência de ideias inatas, ou seja, ideias com
as quais já nascemos e que não dependem do aparelho sensorial ou dos sentidos (paladar, tato,
olfato, audição ou visão) para se constituírem em nossa mente. O racionalismo, portanto, estabelece
que a razão humana é a origem de todas as verdades existentes na própria mente, não derivando de
Deus ou do corpo. O racionalismo, por isso, é também conhecido como uma teoria “inatista”.
Já o termo “racionalidade” é genérico e designa qualquer emprego ou modalidade de uso da
razão. Dessa forma, o racionalismo de Descartes seria uma variação do uso da racionalidade, tal
como o pensamento de Platão ou Aristóteles, que empregam cada um ao seu modo da racionalidade
para a compreensão do mundo e da própria subjetividade humana. Mesmo a teologia medieval,
responsável por promover a argumentação racional sobre a existência de Deus seria também uma
variação do uso da “racionalidade”. Por fim, o termo “racionalização” passou a ser empregado com
maior vigor no século XIX na cultura ocidental. Seu significado está relacionado a um processo de
modernização ou aperfeiçoamento, seja do Estado ou mesmo de instituições privadas. Nesse sentido,
utilizar a palavra racionalização expressa um movimento de melhoria que implica no
desenvolvimento de uma determinada organização ou sistema de mundo.
1.2O COGITO
Descartes é um pesador francês que durante a sua infância e juventude estudou num colégio
Jesuíta chamado La Fleche, no início do século XVII. Nesse colégio, aprendeu a Escolástica e,
portanto, uma série de concepções científicas depois criticadas pela ciência de Copérnico e Galileu,
conforme estudamos anteriormente. Descartes se defrontou com duas visões opostas: de um lado, a
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Escolástica, que tomava a ordem da natureza a partir de Deus; do outro, uma nova ciência
inaugurada por Copérnico e Galileu, que concedia maior autonomia intelectual ao gênio humano e se
afastava de explicações dos fenômenos da natureza a partir da causalidade divina.
Ainda jovem, Descartes conviveu diante de uma grande dúvida, isto é, em qual das duas
concepções de mundo deveria confiar: na tradição da Escolástica ou na nova ciência. Esse dilema fez
com que despertasse nele o projeto de refundar toda a filosofia, relato presente nas obras Discurso
do Método (1973) e Meditações Metafísicas (1973), publicadas respectivamente nos anos de 1637 e
1641. A refundação da filosofia deveria partir da dúvida radical, também chamada de “dúvida
hiperbólica”, o que significa dizer que é necessário duvidar de absolutamente tudo: Deus existe?
Como diferenciar o sonho da realidade? O mundo a minha volta é real? Eu existo? Seria eu um louco
imaginando um mundo que parece ser real? Deus poderia ter inventado um mundo para nos
ludibriar? A dúvida passa a ser empregada como método filosófico.
Segundo Descartes, a principal função da dúvida é afastar os raciocínios equivocados e permitir
que os verdadeiros sejam encontrados. Ao promover a dúvida hiperbólica, o filósofo constata que ao
duvidar de tudo ou mesmo que estejamos nesse momento no meio de um sonho imaginando uma
aula de filosofia, há um elemento encontrado na dúvida que se estabelece como verdadeiro. Trata-se
do cogito, termo que em latim pode ser traduzido como pensar, refletir, duvidar ou qualquer outra
operação da mente. Descartes constata a primeira verdade, “Penso, logo existo” (Cogito ergo sum em
latim, que poderia ser traduzido também como “duvido, por isto sou”). A constatação do chamado
cogito cartesiano revela que mesmo que tudo seja uma farsa, ou que Deus tenha inventado um
mundo para nos enganar, ainda que sejamos loucos e imaginemos ou sonhemos um mundo irreal;
ou mesmo que as impressões sensoriais sejam mentirosas, não se pode duvidar da própria dúvida ou
do próprio pensamento. A dúvida (ou cogito) torna-se a primeira verdade, antes que se constate a
existência de Deus ou se o mundo em nossa volta é real. Nas Meditações Metafísicas (1973), Descartes
afirma:
Fecharei agora os olhos, tamparei meus ouvidos, desviar-me-ei de todos os meus sentidos,
apagarei mesmo de meu pensamento todas as imagens de coisas corporais, ou, ao menos, uma vez
que mal se pode fazê-lo, reputá-las-ei como vãs e como falsas; e assim, entretendo-me apenas
comigo mesmo e considerando meu interior, empreenderei tornar-me pouco a pouco mais
conhecido e mais familiar a mim mesmo. Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma,
que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer,
que também imagina e que sente. Pois, como notei acima, conquanto as coisas que sinto e imagino
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não sejam talvez absolutamente nada fora de mim e nelas mesmas, estou, entretanto, certo de que
essas maneiras de pensar, que chamo sentimentos e imaginações, somente na medida em que são
maneiras de pensar, residem e se encontram certamente em mim. E nesse pouco que acabo de
dizer, creio relatado tudo o que sei verdadeiramente, ou, pelo menos, tudo o que até aqui notei que
sabia. (Descartes, 1973, p. 27)
O cogito revela ser parte integrante do que se entende como racionalismo. Trata-se de uma ideia
inata com a qual já nascemos e que não depende das sensações ou do mundo externo para existir.
Descartes funda uma metafísica moderna, afirma Franklin Leopoldo (2001), à medida que a primeira
verdade é o próprio pensamento ou dúvida, e não a existência de Deus. Antes de tudo, somos uma
substância ou coisa pensante (rex cogitans), que se distingue de tudo o que é material ou corporal
(rex extensa). Descartes considera outras ideias inatas além do cogito, como a ideia de Deus, do
infinito e absoluto, as formas geométricas perfeitas ou os números, uma vez que sonhando ou
acordado, sendo ou não o mundo a minha volta real, o triângulo sempre terá três lados e 2+2
sempre será necessariamente igual a 4.
Descartes buscará comprovar a existência de Deus como uma verdade secundária. Seu raciocínio
gira em torno de reconhecer que nosso pensamento (o cogito) alcança no máximo como primeira
verdade o próprio pensamento ou dúvida. No entanto, o filósofo reconhece que somos seres finitos e
limitados, de modo que mesmo que tudo o que esteja a nossa volta seja uma ilusão, não poderia ter
sido nosso pensamento o responsável pela criação de cada detalhe dessa suposta realidade. Dessa
forma, nossa mente não poderia ter dado origem a cada folha presente em todas as árvores e muito
menos a criadora de cada página e letra de um determinado livro. Por ser limitada e finita, não se
pode dizer que nossa mente seria a responsável por elaborar a multiplicidade de detalhes presentes
no mundo.
Descartes reconhece que apenas um ser infinito, absoluto e superior, portanto Deus, poderia ter
dado origem ao mundo, ainda que ele possa ser uma ilusão. O filósofo ainda especula se poderia
haver um Deus maligno ou um Gênio enganador que teriam criado este mundo para ludibriar os
indivíduos. Descartes abandona estas hipóteses e reconhece a existência de Deus porque um ser
absoluto e infinito apenas poderia ser necessariamente bom, de modo que o mundo diante de
nossos olhos não pode ser uma ilusão, senão uma realidade, pois Deus sendo infinito é bom e não
inventaria um mundo para nos enganar.
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O que importa destacar nesse movimento do pensamento de Descartes é que o cogito
apresenta-se como a primeira verdade, e Deus, a segunda. Deus é um intermediário entre a existência
do cogito e o mundo concreto, físico ou a natureza, por ser Seu criador.
TEMA 2 – O EMPIRISMO BRITÂNICO
Investigaremos no tópico 2 da aula uma linha de pensamento filosófica que se tornou oposta ao
racionalismo cartesiano, principalmente durante o século XVII na Inglaterra. Trata-se do empirismo.
Inaugurado por Francis Bacon ainda no século XVI, esta teoria ganhou maior vigor no século seguinte
nas mãos de John Locke e David Hume, conforme veremos a seguir. Mas o que define o empirismo?
Estudaremos que o empirismo parte do pressuposto de que todas as ideias constituídas na nossa
mente não são inatas, ou seja, não são ideias com as quais já nascemos, senão sua origem remete às
sensações corporais. Trata-se uma filosofia que se opõe ao cartesianismo. Vamos aprofundar o tema.
2.1 A HERANÇA EXPERIMENTAL NO PENSAMENTO DE FRANCIS BACON
Em grego, o termo empeiria significa experiência. Francis Bacon (1561-1626) é considerado o
fundador do empirismo inglês, sobretudo quando escreve a obra Novum Organum (1999) no ano de
1620. O pensador foi um nobre inglês que (acredita-se) tenha estudado em Florença, onde teve
contato com a ciência experimental de Galileu. Lembremos que Galileu é o pai dos procedimentos
experimentais na ciência, segundo os quais o conhecimento apenas pode ser obtido por meio da
reprodução artificial dos movimentos e fenômenos da natureza, ou seja, experimentos.
Impactado por esta concepção, Bacon leva a noção de experimentação científica para a
Inglaterra e expandiu esta concepção ao adotá-la no campo da teoria do conhecimento. Isto porque
a noção de experiência não se limita apenas à revelação de elementos científicos. A noção deexperiência abarca igualmente a constatação de que nossas ideias têm origem nas sensações ou
experiências sensoriais. Segundo Bacon, todo conhecimento deve ser baseado em dados da
experiência.
É interessante notar que o empirismo inglês se constitui como uma espécie de consenso em
diferentes campos do conhecimento. Por exemplo, a noção de experimentação influenciou o
desenvolvimento de máquinas que servirão nos séculos XVIII e XIX à Revolução Industrial, que surgiu
na Inglaterra. O empirismo influenciou teorias políticas e econômicas como o liberalismo político de
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John Locke (que será discutido futuramente) e o liberalismo econômico de Adam Smith (1723-1790).
Estas teorias pressupõem que é por meio da experiência e da posse ou propriedade do corpo que é
possível trabalhar e gerar riqueza e liberdades individuais.
2.2 O EMPIRISMO DE LOCKE E A TÁBULA RASA
Créditos: Georgios Kollidas/Adobe Stock.
Legenda: John Locke foi o principal pensador inglês a criticar o racionalismo de Descartes.
  Em 1695, John Locke (1632-1704) escreveu a obra Ensaio acerca do Entendimento Humano
(1999). A mais famosa tese do empirismo desenvolvida por John Locke é a “tabula rasa”. Trata-se da
crítica ao cogito e o inatismo cartesianos. Considera que todas as ideias têm origem nas experiências
sensíveis. A mente é como uma folha em branco, por isso o termo “tábula rasa”, que é preenchida a
partir das sensações (os cinco sentidos), sendo a memória o elemento-chave para a recordação e
justaposição de sensações. Com este conceito, o filósofo queria dizer que ao nascermos não temos
nenhum princípio ou ideia inata e tudo que aprendemos e processamos em nossa mente é originado
com base nas experiências feitas e adquiridas durante a vida. Locke é um dos pioneiros no estudo da
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percepção e formação de ideias em cegos, percebendo a formação de ideias na mente por meio da
sensorialidade.
Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como
dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como ela
será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem
pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do
conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. Todo o nosso conhecimento está
nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. Empregada tanto nos
objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes, que são por nós
mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos entendimentos com todos os
materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento jorram todas as nossas ideias, ou as
que possivelmente teremos. (Locke, 1999, p. 57)
Locke opõe a tábula rasa ao cogito cartesiano. De um lado, temos com Locke a noção de que
todas as nossas ideias e tudo o que somos derivam das sensações; do outro lado, o racionalismo
cartesiano afirma a existência do inatismo, considerando que todas as ideias verdadeiras em nossa
mente surgiram do próprio pensamento e não têm vínculos com a experiência sensorial.
2.3 O EMPIRISMO DE DAVID HUME
O pensador escocês David Hume (1711-1776) escreveu em 1739 a obra Tratado da Natureza
Humana (2002). Na realidade, Hume não realiza críticas aos seus antecessores defensores do
empirismo, senão uma espécie de aprimoramento dessas concepções. Avança na concepção de
empirismo à medida que a novidade passa a ser apresentação de que a formação das ideias em
nossa mente não depende unicamente das sensações, mas também dos hábitos ou costumes
causados por estas experiências e que acabam por produzir ideias cada vez mais complexas na
mente. Por exemplo: como sabemos que amanhã devemos trabalhar? O que garante que o Sol
despertará todos os dias?
Para o empirista David Hume, as impressões são obtidas pela experiência, isto é, pela sensação,
percepção e pelo hábito. Estas condicionam a memória por meio de um processo de associação de
ideias. É assim que se formam os pensamentos cada vez mais complexos. O próprio hábito de
associar ideias, pelas diferenças ou semelhanças, formam as noções presentes na mente. Hume
lembra como um jogador de bilhar aprimora seu jogo por meio do hábito ao lado da experiência. Ele
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não utiliza instrumentos geométricos para ser habilidoso. Sua habilidade é adquirida por meio da
experiência e sucessivos erros, tentativas e acertos que conduzem a práticas e habilidade incríveis.
TEMA 3 – O CRITICISMO DE KANT E O FIM DA METAFÍSICA
Créditos: pict rider/Adobe Stock.
Legenda: Kant é considerado um pensador que solucionou a disputa entre empiristas e
racionalistas. Foi também responsável por liquidar especulações metafísicas no pensamento
ocidental.
Apresentaremos o pensamento do filósofo alemão Kant (1724-1804) e a sua obra Crítica da
Razão Pura (2012) publicada em 1781. Essa obra é considerada uma das mais importantes do
pensamento filosófico moderno por dois grandes motivos. O primeiro deles gira em torno do fato de
que Kant foi o responsável por afastar as explicações metafísicas da filosofia, o que significa dizer que
especular sobre a existência de Deus, do Ser ou da natureza humana são temas muito subjetivos para
que nossa razão possa dar um veredito último ou absoluto a respeito. Kant também protagonizou
uma solução para o debate entre empiristas e racionalistas sobre a origem das ideias. Vamos agora
compreender as reflexões de Kant.
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Na Crítica da Razão Pura, Kant procura superar a dicotomia ou oposição entre o racionalismo e o
empirismo que percorria toda a filosofia dos séculos XVII e XVIII. Kant procura investigar as
possibilidades e os limites do conhecimento efetivo e absoluto, afirmado pelos racionalistas e negado
pelos empiristas. O filósofo alemão teve sua atenção despertada para o problema do conhecimento
após ler a obra do empirista Hume, que, segundo o próprio Kant, o acordou do “sonho dogmático”,
ou seja, o fez criticar certas presunções da razão (pura) ao tentar explicitar elementos subjetivos
como a existência de Deus, o que é o infinito ou mesmo o que é o Ser ou a natureza humana.
A solução para a oposição entre o racionalismo e o empirismo foi chamada por ele mesmo de
“Revolução copernicana da filosofia”, numa referência à revolução científica feita por Copérnico no
campo da astronomia e que mudou os paradigmas do conhecimento humano, pois alterou a visão
sobre mundo e da posição que a humanidade ocupa no universo. O primeiro passo para
compreender a “crítica da razão pura” é promover a diferença entre “a coisa em si” e o “fenômeno”,
conforme o esquema a seguir:
A diferença apontada por Kant entre “a coisa em si” e o “fenômeno” revela que o primeiro
conceito é inalcançável pela nossa mente, demonstrando os limites da razão. A questão sobre a
existência de Deus ou da alma deixa de ser relevante para a filosofia. Não significa dizer que a
filosofia não possa se questionar sobre Deus, a alma ou a essência de todas as coisas, senão conduz à
constatação de que a mente é limitada e incapaz de dar uma resposta certa e segura a respeito. A
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crítica da razão pura procura questionar os subjetivismos da própria razão. Ao verificar que é
impossível conhecermos “a coisa em si”, nos aproximamos do ato de perguntar se o número de
estrelas em todo universo é par ou ímpar. Kant reconhece que a razão humana está limitada a
conhecer os “fenômenos”. Para a filosofia, um fenômeno não tem relação com o que consideramos
fenomenal, uma exceção ou evento fantástico. Fenômeno designa tudo aquilo que se manifesta e
que é apreensívelpelas nossas sensações e pensamentos, tal como o latido de um cachorro, a chuva,
uma folha em branco ou mesmo esse texto que você lê agora.
O fato é que depois de Kant nunca mais nenhum outro grande pensador da cultura ocidental
procurou provar ontologicamente (ciência do ser) a existência de Deus, ou discutir o que é a alma ou
a natureza humana. Essas concepções representam a razão pura ou “a coisa em si”. O filósofo Lebrun
expôs de forma interessante esta abordagem no seu conhecido livro intitulado Kant e o fim da
metafísica (1993).
Do ponto vista estético, na obra Crítica da faculdade do Juízo (1995), publicada em 1790, Kant
afirma que o belo é uma experiência subjetiva particular. Não há uma noção universal de belo que
seja eterna, imutável ou absoluta. O belo tem origem na forma como uma obra se manifesta frente à
percepção de cada indivíduo.
De certo modo, Kant tentou provar que tanto os inatistas (os racionalistas, que consideravam
certas ideias inatas na alma) quanto os empiristas estavam errados. Não há ideias inatas, conforme
concebia Descartes, mas nossa mente tampouco não é uma tábula rasa, como queria Locke. Ou seja,
os racionalistas diziam que os conteúdos do conhecimento são inatos; os empiristas afirmavam que
eram adquiridos pela experiência. Kant postula que a razão é inata, mas é uma estrutura vazia e sem
conteúdo, que não depende da experiência para existir.
Em outras palavras, Kant estabelece que as capacidades mentais (como a noção de tempo,
espaço, entre outras faculdades) são inatas, porém os conteúdos são apreendidos por meio da
experiência. Desta maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são
empíricos, obtidos pela experiência. Uma metáfora que nos ajuda entender o raciocínio de Kant seria
comparar suas reflexões com o aprendizado de idiomas. Podemos dizer que todos os seres humanos
nascem com a capacidade inata de falar qualquer idioma com facilidade depois de um momento de
aprendizagem na infância. Porém, apenas é possível aprender este ou qualquer outro idioma se um
indivíduo possuir a experiência e vivenciar a cultura em que o idioma é falado por outros sujeitos.
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Nesse caso, a capacidade de aprender e falar um idioma é inato, no entanto, só é possível aprendê-lo
empiricamente. Por isso, Kant afirma que as faculdades são inatas e os conteúdos são apreendidos
por meio da experiência.
Segundo o filósofo, não podemos conhecer a realidade das coisas e do mundo, o que ele
chamou de noumeno, “a coisa em si”. A razão humana só pode conhecer aquilo que recebeu com a
percepção a posteriori, ou seja, os “fenômenos” como cor, tamanho etc.   As formas são inatas (a
priori), elementos que organizam o conhecimento como o tempo e o espaço, os sentidos, a
capacidade de julgar, constituem o sujeito do conhecimento. Dessa forma, Deus não pode ser
comprovado pela razão ou pela experiência. A realidade não está nas coisas ( já que não as podemos
conhecer em última análise), mas em nós, porque vemos o mundo “filtrado e processado” pela nossa
razão e sentidos. Depois de Kant, a Teoria do Conhecimento tomou um rumo diferente se comparada
ao racionalismo e empirismo. A solução dada ao tema pelo filósofo não eliminou as discussões e os
questionamentos, mas deu-lhes um limite. Eis a Crítica da Razão Pura.
TEMA 4 – A DIALÉTICA DE HEGEL
Veremos no Tema 4 o pensamento de Hegel (1770- 1831), um importante intelectual alemão
responsável por conceber um novo método de análise da história e da construção das ideias. Esse
método é a dialética. A obra-prima de Hegel é a Fenomenologia do Espírito, publicada (1974) em
1807.
Em Hegel a lógica dialética representa o movimento da história dado pela oposição entre tese,
antítese e síntese. “Dialética” significa conflito, contradição ou antagonismo. Em alemão, dialética
(Aufhebung) poderia ser traduzida ao mesmo tempo como construir, destruir e elevar (ou superar). A
dialética diferencia-se do determinismo ou da causalidade porque não se limita à relação causa e
feito ou ação e reação.
A dialética hegeliana é conhecida como idealista. Isto porque a obra de Hegel é tida por muitos
estudiosos como o “último suspiro” da metafísica na filosofia ocidental. Hegel estabelece a existência
do que designa como “Espírito Absoluto”, uma figura ideal e racional, origem de toda a realidade e
conquistas racionais. O Espírito Absoluto é uma entidade divina, um Deus, é racional e anterior à
existência humana, mas se realiza progressivamente na história por meio da ação de certos
indivíduos extraordinários. Hegel afirma que o Espírito Absoluto é capturado de forma gradual e
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fragmentada por meio de indivíduos excepcionais, ilustres e raros (poetas, filósofos, líderes religiosos
ou políticos).
Seu idealismo se deve ao fato de que a origem da realidade e de todas as ideias são o Espírito
Absoluto, por isto afirma várias vezes na obra: o que é real é racional e o que é racional é real, o que
significa dizer que primeiro a ideia ou a razão formam e transformam o mundo material ou concreto
e, em seguida, a realidade, ao entrar em confronto dialético com a razão, passa a exigir a elaboração
de novas ideias, e assim sucessivamente. O esquema a seguir revela que a razão e as ideias
constituem o mundo, entram em contradição com ele, transformando-o e em seguida surgem novas
transformações nas ideias. Trata-se de um movimento de retroalimentação, cujo ponto de partida,
segundo Hegel, é sempre a razão ou o chamado Espírito Absoluto:
Hegel indica que quem faz a história são os indivíduos excepcionais. Foram responsáveis por
introduzir ao restante da humanidade a racionalidade, conduzindo-a à marcha do progresso da
história, rumo à perfectibilidade. Cada um dos indivíduos excepcionais contribuiu com o progresso
humano capturando uma ideia, uma parte ou um fragmento do Espírito Absoluto, como se
estivessem montando um mosaico. Indivíduos ilustres capturam um fragmento ou uma parte do
Espírito Absoluto. De forma permanente, cada parte capturada se opõe à anterior, dando origem a
um novo elemento. Um exemplo disso seriam as oposições entre a visão espiritualista de Platão e o
materialismo de Aristóteles; ou mesmo a disputa entre racionalistas e empiristas e a solução dada por
Kant, como síntese dessa contradição. O progresso da humanidade se dá por meio da realização do
Espírito Absoluto na história. O movimento da história é o resultado do choque de ideias. A dialética
promove o processo de aperfeiçoamento da humanidade na história.
TEMA 5 – A DIALÉTICA DE MARX
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Legenda: Marx elaborou na filosofia o materialismo histórico-dialético.
O Tema 5 é dedicado ao estudo da contribuição de Karl Marx (1818-1883), também pensador
alemão, para a construção de uma inovadora teoria do conhecimento. Em sua juventude, o pensador
buscou inverter a dialética hegeliana, de caráter idealista, conforme vimos. No seu lugar, Marx propôs
uma nova abordagem dialética, que foi denominada como materialismo histórico-dialético. Vamos
aprofundar o tema.
Embora Marx seja mais conhecido por suas concepções revolucionárias socialistas e crítica ao
capitalismo, é importante frisar que em sua juventude três escritos formam o que pode se verificar
como sendo as bases filosóficas que constituem o materialismo histórico-dialético. Estes textos foram
publicados postumamente: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (2005), escrita em 1843, porém
apenas publicada na União Soviética em 1927; Manuscritos econômicos-filosóficos (2005), texto
elaborado em 1844 e publicado pelos soviéticos em 1932; e A ideologia alemã (2007), escrito em
1845, porém veio a público em 1932.
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https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 16/18Nessas obras Marx promoveu a inversão da dialética de Hegel, isto é, colocou-a de ponta-
cabeça, pois considera que a origem de nossas ideias, comportamentos e a forma como a realidade é
organizada pelos indivíduos não têm origem no Espírito Absoluto, senão nas relações sociais a partir
de bases materiais econômicas, ou seja, de acordo como o trabalho e o domínio sobre a natureza
estão organizados. O resultado dessa reflexão é que o indivíduo é dialeticamente (primeiro) produto
da sociedade e (depois) seu produtor.
Quando se considera a formação do indivíduo a partir de bases concretas e econômicas,
estamos nos referindo à noção de que a dialética marxista é materialista, histórica e científica,
opondo-se às interpretações subjetivistas dos idealistas, sobretudo Hegel. Portanto, Marx inverteu a
ordem de raciocínio lógico de Hegel. A origem da realidade não é o Espírito Absoluto ou concepções
ideais, senão as relações econômicas (denominas por Marx como condições históricas). As condições
materiais ou econômicas (ou seja, a maneira como a realidade está organizada, a organização entre
dominadores e dominados, a posse ou não da propriedade de terras e o trabalho) determinam
primeiro a consciência e, em seguida, a consciência entra em contradição com a realidade,
transformando-a, e assim sucessivamente.
Trata-se de uma abordagem histórica (materialista) e científica da constituição da consciência.
Marx estabelece que a organização do trabalho e o modo como a natureza é transformada (a
economia) constituem e modelam a consciência humana, que passa em seguida a transformar a
realidade. No primeiro volume da obra O Capital (1995), publicada em 1867, Marx denomina a
economia como “infraestrutura”, a qual influencia a chamada “superestrutura” (são as demais esferas
sociais: a política, religião, cultura, educação, artes, subjetividades etc.).
Hegel afirmava que apenas os indivíduos excepcionais fazem a história, capturam o Espírito
Absoluto e o distribuem aos demais indivíduos comuns. Na obra O 18 Brumário de Luís Napoleão
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(1997), Marx inverte essa premissa, considerando que todos os indivíduos fazem a História: "Os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias
de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado" (Marx, 1997, p. 21).
NA PRÁTICA
É possível que nos deparemos com discursos que de alguma forma reproduzam argumentos
próximos aos expostos pelos racionalistas, empiristas, kantianos, hegelianos e materialistas histórico-
dialéticos. Elabore por meio de uma expressão artística (vídeo, quadrinhos, charges, entre outras) um
diálogo entre pelo menos duas das correntes estudadas nesse capítulo. O objetivo é que você
traduza numa forma estética o que aprendemos na aula, tendo como foco a questão: qual é a origem
de nossos pensamentos e comportamentos?
FINALIZANDO
Estudamos com o primeiro tema o racionalismo de Descartes e elaboração do argumento a
respeito da existência do cogito enquanto primeira verdade. Em seguida, analisamos as contestações
dos empiristas na Inglaterra contra o racionalismo cartesiano. Verificamos que os empiristas rejeitam
a existência de ideias inatas e afirmam que todos os pensamentos têm origem nas experiências
sensíveis ou corporais. No Tema 3 foi investigada a solução para a oposição entre empiristas e
racionalistas por meio da obra Crítica da Razão Pura, de Kant, responsável por impor limites às
especulações racionais, sobretudo a metafísica. O Tema 4 dedicou-se ao estudo da dialética
hegeliana e seu teor idealista, enquanto o Tema 5 refletiu sobre a constituição do materialismo
histórico-dialético de Marx.
REFERÊNCIAS
BACON, F. Novum Organum ou Verdadeiras interpretações acerca da natureza. São Paulo:
Nova Cultural, 1999.
DESCARTES, R. Meditações metafísicas. In: Os pensadores, vol. XV. São Paulo: Abril Cultural,
1973.
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HEGEL. A fenomenologia do espírito. In: Os pensadores, vol. XXX. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
HUME, D. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Débora Danowski. São Paulo: Editora da
Unesp, 2002.
KANT. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
KANT. Crítica da razão pura. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
LEBRUN, G. Kant e o fim da metafísica. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Cultural,
1999.
MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, K. El capital (Livro 1). México: Fondo de Cultura Económica, 1995.
MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
MARX, K. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
SILVA, F. L. e. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: Ed. Moderna, 2001.
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FILOSOFIA
AULA 4
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Paulo Niccoli Ramirez
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CONVERSA INICIAL
DIREITOS HUMANOS E A CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE
Nesta aula, estudaremos o processo de construção dos direitos humanos. Observaremos que,
antes mesmo da adoção, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização
das Nações Unidas (ONU), houve uma série de construções filosóficas e eventos históricos políticos
inaugurados no século XVII que passaram a formular os chamados direitos naturais e individuais.
Esses elementos envolveram reflexões e lutas em nome de liberdades, direitos políticos e o que hoje
é conhecido como Estado democrático de direito.
Para isso, primeiro veremos as influências e heranças dos autores contratualistas dos séculos XVII
e XVIII, elaboradores do direito natural e base para a compreensão dos direitos humanos. No Tema 2,
discutiremos o Iluminismo do século XVIII e as Revoluções Burguesas; no Tema 3, abordaremos
aspectos políticos do idealismo alemão de Kant e seu conceito de dignidade humana, sendo que
todas estas correntes contribuíram em maior ou menor grau para a construção do direito moderno e
para a elaboração da Declaração dos direitos humanos no século XX, que será debatida no Tema 4.
Por fim, no Tema 5, analisaremos a crítica marxista aos pensamentos iluminista, contratualista e
idealista alemão, e suas concepções de humanidade e liberdade.
TEMA 1 – TEORIA CONTRATUALISTA
A construção moderna do que vem a ser a humanidade e os direitos remete primeiro à herança
deixada pelo pensamento de Maquiavel (1469-1527) no século XVI. Na obra O príncipe, escrita em
1513, porém apenas publicada em 1532, após a morte do pensador, Maquiavel deu um contorno
mais realista à política e à observação do ser humano, tomado como naturalmente avarento,
individualista e sem interesse pelo bem comum. A novidade do pensamento de Maquiavel foi
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estabelecer a noção de que a política é uma arte humana, que independe de qualquer explicação
divina ou de determinação da natureza, o que veio a influenciar os demais pensadores políticos
seguintes, entre eles os contratualistas. Maquiavel demonstra que devemos entender a autonomia da
política, pois ela é resultado do jogo de forças entre os indivíduos, bem como os modelos políticos
devem ser tomados sempre como construções humanas.
Neste Tema 1 estudaremos a formação do pensamento contratualista para, mais adiante,
compreendermos de que forma ele foi determinante ao lado do Iluminismo francês do século XVIII e
do idealismo alemão do século XIX para a construção do que hoje entendemos como direitos
humanos. Mas o que caracteriza o contratualismo? Vamos estudar o assunto com maior
profundidade..
1.1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATUALISMO
O contratualismo é também conhecidocomo jusnaturalismo – ou direito natural –, e está
relacionado a autores como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-
1778). Estes pensadores apresentam interpretações bem diferentes do que vêm a ser os direitos
naturais ou mesmo os modelos políticos defendidos, conforme veremos mais adiante. O que há de
comum entre suas ideias é a distinção entre direito e lei. Os direitos têm origem e remetem à
natureza. Estão presentes universalmente nos indivíduos desde o seu nascimento. Por serem naturais,
consideram que alguns desses direitos não podem ser usurpados ou infringidos. São exemplos
desses direitos a liberdade, a igualdade e o direito à vida e à segurança. Os direitos correspondem ao
que se define como estado de natureza, de modo que eles não surgiram da sociedade e muito menos
das convenções humanas. Já as leis são criadas pelos indivíduos, resultado de convenções, acordos
ou contratos, e têm como objetivo promover a sociabilidade, a segurança e a paz. As leis existem no
estado civil, caracterizado pela existência de um Estado que organiza a vida social. Portanto, o direito
é natural; a lei é humana. Os pensadores contratualistas apresentam divergências sobre como foi a
passagem do estado de natureza (sem leis, reis, Estados, governos ou sociedade) para o estado civil,
ou seja, sob quais condições o contrato que deu origem à sociedade e ao Estado teria sido
elaborado.
1.2 THOMAS HOBBES: “O HOMEM É LOBO DO PRÓPRIO HOMEM”
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Figura 1 – Hobbes (1588-1679), em sua obra O Leviatã, afirma ser o homem lobo do próprio homem
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De acordo com o pensamento político de Hobbes, em sua obra O Leviatã (2003), publicada em
1651, o estado de natureza é visto de forma negativa. Trata-se de uma condição caótica devido à
ausência de Estado, autoridade, leis e governo, sendo caracterizada pela guerra de todos contra
todos. A natureza forneceu aos indivíduos dois direitos: a liberdade (que inclui a possibilidade de
tudo poder fazer, inclusive empregar violência deliberada contra semelhantes) e o direito à
autoconservação ou vida, sendo possível agir de todas as formas para que os indivíduos se
mantenham vivos. Por isso, o filósofo considera que os indivíduos se caracterizariam pela expressão
“o homem é lobo do próprio homem”. Na visão de Hobbes, a liberdade deve ser limitada com a
elaboração de um contrato social que permita a passagem do estado de natureza em direção à
sociedade civil, enquanto o direito à vida ou autoconservação deve ser protegido quando da
constituição do Estado e da sociedade.
Para Hobbes, no estado civil e com a constituição do Estado, deve-se proteger o direito à vida ou
à segurança. Esta perspectiva exclui a manutenção da liberdade no estado civil, pois, embora seja um
direito natural, pode representar um ato deliberado contra o outro, como matar ou usurpar objetos.
Hobbes considera, desse modo, que o direito natural à liberdade deve ser limitado. Defende o
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absolutismo monárquico como forma de garantir o monopólio do soberano (ou do rei) nas decisões
políticas, a fim de controlar e usurpar a liberdade dos súditos com a intenção de evitar ao máximo o
eventual retorno ao estado de natureza, ou seja, a guerra de todos contra todos.
1.3 JOHN LOCKE: LIBERDADE E PROPRIEDADE PRIVADA
Figura 2 – John Locke (1632-1704) é o pai do liberalismo político por considerar a propriedade
privada um direito natural. Além disso, foi pioneiro na reflexão sobre a imposição de limites ao
Estado, de modo a preservar os direitos naturais, como a igualdade, liberdade e propriedade
Crédito: Georgios Kollidas/Adobe Stock.
Locke considera a propriedade privada um direito natural, ao lado da igualdade e da liberdade.
Na obra Dois tratados sobre os governos civis, publicada no ano de 1689, Locke se opôs à visão de
Hobbes sobre o estado de natureza, pois, ao invés de observar a guerra de todos contra todos,
afirma que haveria uma relativa paz. Além disso, enquanto Hobbes avalia a liberdade natural como
negativa, Locke a tomava como um elemento positivo e relacionado ao direito de ir e vir, à liberdade
de pensamento e à posse sobre o próprio corpo, não podendo nenhum indivíduo ser escravizado ou
usurpado de sua liberdade ou integridade física. O filósofo considera ainda que o pacto social que
deu origem ao Estado e aos governos foi criado pelos indivíduos com o objetivo de preservar ainda
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mais, sob a forma de leis, os direitos fornecidos pela natureza (propriedade privada, igualdade e
liberdade).
Por estes motivos, John Locke é considerado pai do liberalismo político, corrente que se opõe ao
absolutismo monárquico defendido por Hobbes. O liberalismo político compreende que o direito
natural à liberdade está presente na liberdade de expressão (política e religiosa), na autoridade que
cada indivíduo tem sobre seu corpo (propriedade privada) e ao que permite a manutenção desse
mesmo corpo, como no caso da propriedade da terra. O liberalismo promove limites ao Estado em
nome da defesa das liberdades e dos direitos individuais. Dessa forma, liberdade, igualdade e
propriedade privada constituem direitos invioláveis, cuja origem é o estado de natureza. Assim, tais
direitos devem ser protegidos e mantidos pelo Estado, ou na condição civil.
1.4 ROUSSEAU E O BOM SELVAGEM
No século XVIII, o pensador iluminista e contratualista francês Jean-Jacques Rousseau, em suas
obras Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, e O contrato social,
respectivamente publicados nos anos de 1755 e 1762, defende como direitos naturais a liberdade e a
igualdade. São elementos positivos e considera que esses direitos devem ser preservados no estado
civil. Rousseau questiona os pensamentos de Hobbes e Locke por meio do argumento que gira em
torno da noção de que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.  
Para Hobbes, conforme vimos, no estado de natureza predomina a guerra de todos contra todos
e a ideia de que o homem é lobo do próprio homem. Para Rousseau, ao contrário, o estado de
natureza é considerado um estágio positivo da história da humanidade, devido ao fato de que o
filósofo francês concebe o “bom selvagem”. Nessa perspectiva de Rousseau, os indivíduos nascem
livres, iguais e vivem felizes no estado de natureza. O que retirou os seres humanos do estado de
natureza e os conduziu à corrupção em direção ao estado civil foi a invenção da propriedade privada.
Aqui encontramos a crítica de Rousseau a Locke, pois este último considera a propriedade privada
um direito natural, enquanto, para Rousseau, a propriedade não é um direito, mas uma elaboração
humana que perpetuou a desigualdade entre os indivíduos.
o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno, lembrou-se
de dizer “isto é meu”, e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos
crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que,
arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘evitai ouvir esse
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impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a
ninguém. (Rousseau, 1997, p. 87)
Em O contrato social, Rousseau procura realizar um novo contrato que seja capaz de afirmar os
direitos naturais, a liberdade e a igualdade. Eles seriam possíveis no estado civil com o que o filósofo
designou como vontade geral. Trata-se de uma espécie de democracia direta, da qual todos
participam, incluindo mulheres, e na qual há a abolição da escravidão. O povo deve estar reunido em
assembleia, de forma a constituir o poder soberano por meio de seu corpo político.Trata-se da ideia
de que o governo apenas é legítimo quando o povo exerce sua vontade geral.
No Tema 4 veremos como estas concepções contratualistas colaboraram para a elaboração da
Declaração Universal do Direito Humanos da ONU, no ano de 1948.
TEMA 2 – A FILOSOFIA ILUMINISTA E AS REVOLUÇÕES BURGUESAS
Investigaremos, nesse tema, o papel do pensamento burguês e iluminista para a consolidação de
direitos civis, políticos e econômicos. Sobretudo, durante o século XVIII, conhecido como o Século das
Luzes, devido ao Iluminismo e à Revolução Francesa, foi possível levar ao fim os privilégios do clero e
da nobreza feudais. Antes disso, com a Revolução Gloriosa (1688), na Inglaterra, ocorreu a ascensão
da burguesia ao poder por meio da consolidação de sua hegemonia no parlamento e limitação dos
poderes monárquicos. Em 1776, a Revolução Americana e, em 1789, a Revolução Francesa, foram
determinantes para o processo de constituição de direitos fundamentais baseados no contratualismo
e em princípios liberais.
O Iluminismo desenvolveu concepções relevantes e que influenciam a cultura ocidental até hoje.
Entre os elementos defendidos por essa corrente estão a confiança no progresso mediante o
desenvolvimento técnico, científico e industrial, a separação entre religião e Estado, a defesa de
direitos naturais – sobretudo a liberdade (principalmente a de expressão e econômica) –, a igualdade
e a propriedade privada (com exceção de Rousseau, conforme vimos).
Dessa forma, foram desenvolvidos os direitos naturais nas legislações desses países. A
Independência (ou Revolução) estadunidense, em 1776, consolidou a Constituição e a Declaração de
Direitos, de 1787, a qual entrou em vigor em 1791. A Declaração de Direitos passou a limitar o poder
do governo federal, de modo que sua principal função passou a ser garantir e proteger direitos como
igualdade jurídica, as liberdades econômicas e políticas, a propriedade privada, assim como a
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privacidade dos cidadãos. Na França, a revolução de 1789 deu origem à Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, que estabeleceu como universais e invioláveis os direitos individuais, que
tiveram como base os debates dos pensadores contratualistas, conforme abordamos no tema
anterior.
TEMA 3 – KANT, O IDEALISMO ALEMÃO E A DIGNIDADE HUMANA
Investigaremos, nesse momento, a contribuição de Kant (1724-1804) para a futura construção
dos direitos humanos. Kant foi um pensador alemão contemporâneo à Revolução Francesa, que
herdou, desse movimento filosófico francês do século XVIII, o otimismo em relação ao progresso da
razão e da consolidação dos direitos civis e políticos.
Kant pertence à corrente denominada como idealismo alemão. Influenciado pelo Iluminismo, o
idealismo alemão se refere à tentativa de promover a razão na história e na moralidade, buscando o
aperfeiçoamento da humanidade. Será diante dessa perspectiva que Kant desenvolverá o conceito de
dignidade humana, conforme veremos adiante. Entre os séculos XVI e XVIII, a ciência e a filosofia
modernas procuraram dominar a natureza e livrar os indivíduos do obscurantismo e ignorância; o
pensamento filosófico político, sobretudo com os contratualistas e a filosofia iluminista, procuraram
constituir racionalmente o Estado e a sociedade. Restava um aspecto: dominar racionalmente a
moralidade, tarefa que seria realizada principalmente por Kant. Trata-se de promover a razão na
história e na moralidade; Kant foi um dos primeiros pensadores alemães a se declarar iluminista.
Em sua obra Fundamentação metafísica dos costumes, publicada em 1785, Kant apresenta a
valorização da razão moderna aplicada ao direito, à indústria e à ciência. Seu raciocínio objetiva
estabelecer como dever moral a adoção de princípios racionais que devem ser difundidos de forma
universal à humanidade. Esses princípios são sintetizados na seguinte máxima kantiana: “Age como se
a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal” (Kant, 2009, p.
245).  
Assim como os iluministas, Kant possui convicção dos benefícios da razão humana.
Compreendeu que não é preciso medir as consequências do uso da razão no campo moral e jurídico,
tendo em vista que a própria racionalidade por si só promoveria o bem-comum, ou seja, ele se refere
à noção de que tudo o que emana da razão é, necessariamente, benéfico aos seres humanos.
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A formulação do conceito de dignidade humana por Kant, presente em sua obra Fundamentação
da metafísica dos costumes, representa a síntese de construções anteriores e herdadas dos
pensadores liberais e contratualistas inglese – principalmente Locke –, e dos iluministas na França,
sobretudo Rousseau. Vimos que esses pensadores desenvolveram as noções de liberdade e
igualdade naturais. Para Kant, a dignidade humana está atrelada ao problema do que é um valor, de
modo que ela pode ser negociada ou mesmo substituída por qualquer outra coisa.
A dignidade humana expressa o direito de viver e pensar livremente, assim como o respeito pela
liberdade alheia. Kant toma a dignidade como um fim em si mesmo, pois fornece a autonomia e
fortalece a vida em sociedade. Kant anseia uma forma de comportamento universal e fraterna, que
encontra na dignidade humana o exercício do bom uso da razão em público e politicamente.
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço,
pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de
todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. (Kant, 2009, p. 82)
A concepção moral kantiana de dignidade diz respeito à autonomia do sujeito, pois ele é visto
como dotado de consciência e liberdade; zela pela igualdade jurídica e o aprimoramento da
humanidade. Porém, a análise dessa premissa de Kant poderia conduzir a vários questionamentos,
como: O que se entende de fato como sendo a dignidade humana? Ela seria igualmente válida em
todas as épocas e sociedades? Não seria apenas um ponto de vista europeu, idealista e iluminista?
Seria realmente um valor universal, ou meramente burguês? Essas perguntas também aparecerão no
pensamento de Karl Marx, e serão estudados no Tema 5.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) é outro pensador idealista alemão a avaliar com
otimismo o estabelecimento dos direitos à liberdade, igualdade e propriedade privada, além do
Estado burguês. Na obra Fenomenologia do espírito (1807), ele concebe que a Revolução Francesa e
as expansões napoleônicas teriam conduzido a humanidade ao que definiu como sendo o “fim da
história”. Hegel, ao ver Napoleão Bonaparte invadir sua cidade na Alemanha, teria percebido “o
espírito absoluto montado num cavalo".
Para este pensador, o fim da história se dá com a realização do espírito absoluto no mundo.
Trata-se do fim dos conflitos entre os seres humanos (Hegel dirá que é o fim da dialética entre o
senhor e o escravo), pois, a partir de então, com a Revolução Francesa e as expansões napoleônicas
pela Europa, todos os seres humanos passariam a gozar de liberdades individuais e igualdade
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jurídica, não havendo mais margem para a tirania dos reis ou a superstição das religiões. O raciocínio
de Hegel revela não somente o otimismo diante de sua época e dos progressos racionais; remete
também a uma concepção na qual o mundo ocidental teria alcançado seu apogeu. Esta concepção
será igualmente questionada por Karl Marx (estudaremos esta crítica no Tema 5).
TEMA 4 – A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Figura 3 – No ano de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou a Declaração
Universal do Direitos Humanos, cujo objetivo principal é defender a dignidade humana e os
chamados direitos individuais
Crédito: nmann77/Adobe Stock.
Estudaremos agoraa Declaração Universal do Direitos Humanos, formulada pela ONU em 1948,
após a Segunda Guerra Mundial. Identificaremos também as influências de princípios contratualistas,
iluministas e kantianos por meio de uma análise detalhada de alguns dos artigos da declaração.
Logo no art. 1º da Declaração..., é possível avaliar a influência do conceito de dignidade humana
de Kant. O primeiro artigo refere-se à percepção de que, por meio da razão, deve-se estabelecer o
bem-estar e coletivo, com a intenção de produzir universalmente princípios fraternos entre os seres
humanos, independentemente de sua cultura, país ou etnia:
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Artigo 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. (ONU,
1948)
O art. 3º da Declaração... foi inspirado no contratualismo de Hobbes, especificamente o direito
natural à vida ou autoconservação (estudado no Tema 1 dessa aula). O mesmo artigo inclui as
concepções do direito natural à liberdade estabelecidos por Locke e Rousseau: “Artigo 3º - Todo
indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 1948).
O caráter universal da Declaração... está também relacionado às visões iluministas e do idealismo
alemão. Podemos perceber este caráter no art. 2º do documento, quando revela a adoção dos
direitos humanos a todos os indivíduos, seja qual for o gênero, credo, posição ideológica, condição
econômica ou origem cultural.
Artigo 2º - Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na
presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de
religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou
de qualquer outra situação (ONU, 1948)
Os princípios do direito natural à igualdade proferidos pelas filosofias contratualistas de Locke e
Rousseau são o fundamento dos arts. 7º e 10º da Declaração... Tais artigos revelam que, perante a lei,
todos devem ser tratados da mesma forma, assim como obter proteção legal que garanta a todos os
indivíduos os mesmos direitos:
Artigo 7º - Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos
têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação.
[...]
Artigo 10º - Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e
obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.
(ONU, 1948)
O direito natural à liberdade presente nas reflexões de Locke e Rousseau estão presentes no 18º
art.. Lembremos que, segundo Locke, as leis e o Estado devem zelar pela proteção à liberdade de
pensamento. A Declaração... da ONU compreende que essa liberdade está inserida no direito
individual de escolher posicionamentos políticos e religiosos.
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Artigo 18º - Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião;
este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de
manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado,
pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. (ONU, 1948)
Outro conceito de Locke relacionado ao direito natural e que influenciou a elaboração da
Declaração Universal do Direitos Humanos diz respeito à propriedade privada. A filosofia de Locke
parte do princípio de que o direito ao próprio corpo representa a primeira propriedade natural de
cada indivíduo. Tudo aquilo que é empregado com a intenção de garantir a existência desse corpo,
como a terra em que se trabalha ou a casa onde se vive, passam a ser considerados extensões da
propriedade privada. O art. 17º do documento da ONU explicitamente demonstra a influência do
pensamento de Locke:
Artigo 17º - Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade [...] Ninguém pode ser
arbitrariamente privado da sua propriedade. (ONU, 1948)
No 21º art. do documento, é possível perceber a influência do conceito de vontade geral
elaborado por Rousseau. A ONU e parte considerável de cientistas políticos reconhecem, hoje, a
impossibilidade da prática de uma democracia direta, ou seja, observa a inviabilidade de
necessariamente todos os cidadãos e habitantes de um país participarem efetivamente de todas as
decisões políticas e elaborações de leis.
Por isso, reconhecendo a necessidade de democracias indiretas, caracterizadas por eleições de
representantes, como presidente e parlamentares, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
promove uma adaptação do conceito de vontade geral de Rousseau em direção à noção de vontade
do povo. Preserva-se, dessa forma, um princípio iluminista e contratualista de Rousseau em torno da
universalidade do direito de participar das decisões políticas, porém por meio da eleição de
representantes. Assim, governos apenas são reconhecidos como legítimos pela ONU se referendados
democraticamente por sua população. Caso contrário, veremos governos tirânicos ou ditatoriais que
agem contra os chamados direitos humanos, pondo em risco a liberdade política e a igualdade
jurídica:
Artigo 21º - A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve
exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual,
com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. (ONU,
1948)
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Foi possível observar, com esta breve explanação, a relevância de se estudar o contratualismo, os
princípios universais iluministas e o pensamento kantiano, para o entendimento da construção dos
direitos humanos elaborados pela ONU por meio dessa Declaração de 1948.
TEMA 5 – CRÍTICA MARXISTA À SOCIEDADE BURGUESA
Neste Tema vamos nos dedicar à análise da crítica que Marx (1818-1883) faz aos princípios
universais do contratualismo, Iluminismo e idealismo alemão. Marx é um pensador anterior à
elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de modo que não se trata de realizar a
oposição entre marxismo e direitos humanos, senão a certos princípios defendidos no interior das
correntes filosóficas desenvolvidas entre os séculos XVII e XVIII. Vale dizer que muitos marxistas hoje
defendem os direitos humanos, porém com ressalvas, essencialmente, ao princípio de Locke em
torno do direito à propriedade privada. Vamos aprofundar estas questões a partir de agora.
As obras Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843); Manifesto do Partido Comunista (1848),
escrita em parceria com seu amigo Engels; e O Capital (1867), demonstram contradições do discurso
universalista das correntes filosóficas contratualistas, iluminista e do idealismo alemão, além do
questionamento do também caráter universal da revoluções burguesas. A contradição diz respeito ao
fato de Marx não considerar que estas revoluções tenham sido de fato universais, senão meramente
burguesas e em favor unicamente dessa classe.
A constatação de Marx se deve ao fato de que com as revoluções burguesas, a ascensão do
capitalismo e a implementação dos direitos individuais não significaram o fim dos conflitos e dos
problemas sociais. Durante o século XIX, Marx verificou que trabalhadores viviam em condições de
pauperismo. Seus salários eram suficientes para garantir condições adequadas de existência. Além
disso, havia um exército de desempregados e condições indignas de trabalho nas fábricas. A
igualdade jurídica (que privilegiava apenas a classe economicamente dominante, a burguesia) jamais
havia promovido igualdade social.A pobreza generalizada da classe trabalhadora fez com que Marx desmitificasse os discursos
otimistas frente aos logros das revoluções burguesas e do Iluminismo. Exemplos disso são as críticas
a afirmações como as de Kant, que julgava que havíamos alcançado a “paz perpétua” e “a dignidade
humana”, ou a Hegel, fiel à ideia de que havia sido promovido o “fim da história” com o fim dos
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conflitos humanos, sobretudo entre senhores e escravos. Essas visões acabavam por deturpar a
realidade. Marx designa com o conceito de ideologia essas formas de interpretação da realidade.
A ideologia se caracteriza em Marx como o mascaramento da realidade, com falsas ideias que
sistematicamente apresentam visões distorcidas do mundo.  A ideologia ocorre também quando os
oprimidos ou explorados passam a incorporar, como se fossem seus, os preconceitos, os pontos de
vista, visões de mundo ou a moral dos dominadores, incorporando-os em suas subjetividades como
se fossem naturais ou normais.
Segundo Marx, o Iluminismo e as revolução burguesas não puseram fim aos conflitos no interior
das relações humanas. Na visão marxista, a sociedade liberal e capitalista deu origem às lutas de
classes entre burgueses e proletariado. A burguesia é definida com base na propriedade privada dos
meios de produção (terras, máquinas, fábrica, ferramentas, ou seja, tudo o que é necessário para
garantir o processo de produção); o proletariado, por sua vez, é caracterizado pela venda da força de
trabalho (que pode ser braçal ou intelectual), correspondendo, portanto, à classe trabalhadora.
A crítica de Marx à concepção de propriedade privada de John Locke (que acreditava ser ela um
direito natural) está fundada na avaliação de que a referida propriedade está concentrada e sob o
domínio hegemônico da classe burguesa. Contraditoriamente, leia-se dialeticamente, os
trabalhadores são explorados com salários baixos, fortalecendo o acúmulo de propriedades e
riquezas nas mãos da própria burguesia. Esses elementos revelam o caráter conflituoso presente na
sociedade burguesa. Por isso, Marx, ao defender o socialismo, propõe o fim da propriedade privada,
de modo a torná-la coletiva ou de posse estatal. O objetivo desse procedimento seria compartilhar
entre todos os trabalhadores as riquezas oriundas dos processos produtivos, agrícolas e industriais,
no interior das propriedades, agora socializadas.
Segundo Marx, enquanto houver a exploração de um indivíduo sobre o outro jamais
abandonaremos a pré-história da humanidade. Para este filósofo, o motor da história são as lutas de
classes. Ao lado de Engels, Marx afirma, em seu Manifesto do Partido Comunista “A história de toda
sociedade existente até hoje tem sido a história das  lutas de classes” (Marx; Engels, 1977, p. 25). A
verdadeira história da humanidade (ou o fim da história da exploração) será originada a partir da
promoção da emancipação do gênero humano por meio de uma revolução promovida pela classe
trabalhadora. Seria, na visão de Marx, o fim dos dominadores e dos dominados e a realização da
liberdade humana.
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NA PRÁTICA
Pesquise em jornais, revistas e sites de defesa de direitos individuais textos, matérias ou artigos
que permitam identificar casos de violações contra os direitos humanos, sobretudo de segmentos
sociais minoritários. Nos últimos anos, temos visto problemas de discriminação e violência em relação
aos direitos da população LGBTQIA+, da população negra, dos indígenas, pessoas com deficiências
(PcDs), mulheres, entre outros.
Depois de realizar a pesquisa, procure debater em grupo quais são as situações mais comuns e
arbitrárias. Elabore um relatório, observando quais direitos presentes na Declaração Universal do
Direitos Humanos da ONU foram infringidos. Em seguida, reflita sobre quais medidas ou políticas
poderiam ser adotadas para que os direitos humanos dos grupos sociais investigados sejam
respeitados.
FINALIZANDO
No Tema 1 estudamos a corrente filosófica desenvolvida entre os séculos XVII e XVIII, conhecida
como contratualista ou jusnaturalista. Observamos a defesa dos chamados direitos naturais e a forma
com que autores como Hobbes, Locke e Rousseau analisam quais direitos naturais devem ser
preservados e protegidos pelo Estado na condição civil.
Em seguida, no Tema 2, estudamos as intenções universalistas presentes no Iluminismo e
revoluções burguesas no que diz respeito ao emprego da razão e aplicação dos direitos individuais.
Foi possível observar como esses movimentos históricos contribuíram também na constituição do
idealismo alemão, estudado no Tema 3, sobretudo com as filosofias de Kant e Hegel. Evidenciou-se a
herança iluminista na construção, por exemplo, do conceito de dignidade humana de Kant.
O Tema 4 foi dedicado à análise da presença e influência de princípios contratualistas, iluministas
e kantianos no interior da Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada pela ONU no ano de
1948. Constatamos as raízes filosóficas do que hoje é conhecido como um dos principais
documentos produzidos no decorrer da história da humanidade, à medida que a Declaração...
estabelece direitos como liberdade, igualdade, propriedade privada, segurança, entre outros.
O Tema 5 permitiu a compreensão da crítica marxista ao pensamento iluminista e burguês, e
conhecemos o entendimento de Marx sobre o que significa a emancipação humana por meio da
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superação da luta de classes.
REFERÊNCIAS
HEGEL, G. W. F. A fenomenologia do espírito. In: Os pensadores: vol. XXX. São Paulo: Abril,
Cultural, 1974.
HOBBES, T. O Leviatã. São Paulo Martins Fontes, 2003.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2009.
LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo civil. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).
Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
MARX, K. El capital: Livro 1. México: Fondo de Cultura Económica, 1995.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Grijalbo, 1977.
ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.
Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf>. Acesso em:
3 jan. 2022.
ROUSSEAU, J.-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da  desigualdade entre os
homens. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
ROUSSEAU, J.-J. O contrato social. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores, v. 1).
MARX, K.
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FILOSOFIA
AULA 5
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Paulo Niccoli Ramirez
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CONVERSA INICIAL
É importante destacar que há uma diferença entre as áreas de estudos da História e da Filosofia
no que diz respeito à origem do que se entende como sendo o contemporâneo. Enquanto a
historiografia tem a tendência de abordar o início do período contemporâneo com a Revolução
Francesa em 1789, o pensamento filosófico indica que ele foi inaugurado com o filósofo alemão
Nietzsche (1844 –1900), responsável por uma severa crítica ao pensamento antigo e moderno.
Veremos no primeiro tema a oposição de Nietzsche ao desenvolvimento do uso da razão na cultura
ocidental que, desde o início com o pensamento socrático até o pensamento moderno se revelou a
partir do emprego de princípios morais e de culpa contra os instintos, às paixões e sensibilidade.
Nietzsche é considerado o primeiro filósofo contemporâneo porque realizou a crítica à modernidade,
inspirando o que designa como crise da razão.
O tema 2 dedica-se ao estudoda crítica do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) ao
processo de racionalização da cultura ocidental desde à ascensão da modernidade no século XVII. O
pensador observa que o desenvolvimento da ciência moderna e do capitalismo vieram
acompanhados por um processo que torna as relações sociais cada vez mais tomadas por relações
burocráticas, tendendo a inibir a criatividade e liberdade dos indivíduos. Weber define esse
movimento como jaula de ferro.
O terceiro tema dedica-se à investigação do pensamento da Escola de Frankfurt e de seus
pensadores: Adorno (1903-1969), Horkheimer (1895-1973), Marcuse (1898-1979) e Walter Benjamin
(1892-1940). Inspirados no pensamento de Marx, Nietzsche, Freud e Weber, impactados pelas duas
Guerras Mundiais e o papel massificador dos meios de comunicação, estes filósofos realizaram entre
as décadas de 1920 a 1970 a crítica ao pensamento moderno e Iluminista, considerando que a
racionalidade ao invés de emancipar a humanidade voltou-se contra ela.
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No tema 4 será abordada a análise crítica da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), seu
conceito de banalidade do mal e a crítica aos regimes totalitários no século XX. Segundo a
pensadora, os campos de concentração e a barbárie contemporânea foram o resultado do
desvirtuamento do uso da racionalidade. O tema 5 investigará as críticas mais contemporâneas de
Bauman (1925-2017) ao projeto da modernidade por meio do estudo da sociedade globalizada com
a passagem dos séculos XX e XXI. Bauman verifica o desenvolvimento contraditório da racionalidade
presente com os recentes avanços tecnológicos.
TEMA 1 – O PENSAMENTO DE NIETZSCHE
Nietzsche no livro Crepúsculo do Ídolos (2006) publicado em 1889 considerava realizar filosofia a
marteladas. Isto significa dizer que em sua crítica ao desenvolvimento da razão na cultura ocidental
não sobraria pedra sobre pedra no que diz respeito ao pensamento de praticamente todos seus
antecessores. Nietzsche possui dois grandes “fronts” de batalha em torno do par moralidade-
racionalidade: o primeiro front se volta conta o pensamento clássico grego, elegendo Sócrates e
Platão como maiores adversários; e o segundo, o pensamento moderno caracterizado pelo otimismo
do progresso da ciência e dos princípios liberais, sintetizados no Iluminismo, positivismo e na
Alemanha com o idealismo alemão de Kant e Hegel.
1.1 A CRÍTICA À MORAL
Nietzsche em suas obras fez uma série de reflexões que afirmavam o valor da vida e denunciava
como elementos hostis a ela a negação dos sentidos e das paixões feitas pelas “virtudes platônicas” e
“cristãs” desde a Antiguidade. A ética altruísta (amor gratuito ao próximo), a política democrática
moderna e a tentativa da ciência alcançar a mais plena verdade e felicidade seriam meros juízos de
valor e não fatos.
Nos livros Além do bem e do mal (1992) e Genealogia da Moral (1998), respectivamente
publicados em 1886 e 1887, o filósofo mostra em um primeiro plano a necessidade de desconstruir a
moralidade ocidental. Para tanto, analisa e critica a historiografia da moral ocidental, ou seja, percebe
que a narrativa filosófica esteve pautada em valores morais como bem e mal; justo e injusto; vício e
virtude; pecado e salvação; mentira e verdade enaltecendo a culpa e o pecado (este elemento
desenvolvido com maior vigor pelo pensamento cristão). Questiona o uso da moral e das crenças,
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pois essas estabelecem valores falsos e ofuscam a realidade. Demonstra que por trás dos valores
construídos, tais como a justiça, liberdade, igualdade, esconde-se uma falsa moral e falsas virtudes.
Os indivíduos construíram a história, a moral e as virtudes como se existissem fenômenos
verdadeiros. Nietzsche nos adverte que o que existe são as interpretações morais dos fenômenos.
Ao interpretar, os humanos necessariamente estabelecem um valor que é dado pela sua
perspectiva. O perspectivismo é subjetivo, e, nesse caso, falta ao conceito a realidade, uma vez que
não há nada que justifique o imaginário. Para Nietzsche não existe verdade, pois ela é relativa, é uma
construção histórica e cultural, ou seja, varia de tempos em tempos e de sociedade para sociedade
ou mesmo de indivíduo para indivíduo. Nessa direção, o pensamento nietzscheano assume a postura
niilista (em latim, nihil significa nada), de modo que o niilismo é um “nadismo”, isto é, promove a
suspensão dos julgamentos morais e considera infundados os juízos de valor e crenças baseadas na
moralidade. Não existem verdadeiramente o bem e o mal, nem a virtude ou o vício. Tudo isto é uma
invenção de nossa imaginação, não são a realidade, representam o pecado original do pensamento
filosófico, o de crer ter encontrado a verdade.
No livro O nascimento da tragédia (2007), publicado em 1872, Nietzsche descobriu que na Grécia
Antiga, antes de Platão e Sócrates, dois princípios de vida baseados nos deuses Apolo e Dionísio,
opunham-se ao mesmo tempo que se complementavam, compondo o que Nietzsche designava
como “vida trágica”.
Figura 1 – Apolo, deus grego que representa a beleza, a disciplina e a vida harmoniosa. Fazia os
homens conscientes de seus vícios e era o agente de sua purificação; presidia sobre as leis da
Religião e sobre as constituições das cidades, era o símbolo da inspiração profética e de uma vida
virtuosa e racional
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Figura 2 – Dionísio, deus grego da desmedida, que representa as paixões e sentimentos selvagens ou
irracionais. Os romanos o chamavam de Baco, é o deus do vinho, das festas, do lazer, do prazer,
enfim, dos excessos da carne e dos sentimentos. Isto significa que é um deus que representa as
paixões ou os sentidos humanos e até mesmo os vícios
Créditos: Ruslan Gilmanshin/Adobe Stock.
Por vida trágica, afirma ser um modo de vida ou existência que une a razão e os sentidos, Apolo
e Dionísio, capazes de tornar a vida como arte, repleta de paixões e sentidos, sem que se negue a
razão. A vida trágica é a noção de que a existência consiste em altos e baixos, sofrimentos e alegrias,
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prazeres e derrotas, devendo haver o Amor fati, expressão latina que representa o 'amor ao destino’
ou 'amor ao fado’, de modo que devemos aceitar (fugindo do determinismo) e superar o destino
humano, ainda que repleto de percalços. Nietzsche aprende com o espírito trágico grego que, antes
mesmo de poder considerar os humanos como seres racionais, devemos caracterizá-los por serem
animais estéticos.
No entanto, Sócrates e Platão realizaram na Antiguidade, na visão de Nietzsche, a primeira
transvaloração, ou seja, inversão de valores, ao supervalorizarem a racionalidade (aspecto apolíneo) e
menosprezaram os sentidos (aspecto dionisíaco, ligado ao corpo, paixões e desmedidas). Para
Nietzsche essa é a origem da decadência da cultura ocidental com o fim da concepção de vida
trágica, anterior à filosofia de Sócrates e Platão. O problema identificado é que depois desses dois
filósofos e com o cristianismo, a filosofia começa um ataque aos sentidos e paixões e apenas
promove a valorização da razão. Platão e Sócrates fundaram a ruptura entre o mythos (sensibilidade)
e o logos (racionalidade), pondo fim à vida trágica. Ou seja, o aspecto dionisíaco da vida foi negado e
Sócrates, Platão e o cristianismo passam a defender o lado racional e contemplativo da existência,
negando a materialidade. A partir desse momento a filosofia inspirou-se em meras análises morais de
cunho apolíneo, subordinando os indivíduos ao que Nietzsche denominou como moral das ovelhas
(ou moral dos rebanhos ou moral dos escravos), responsável por criar a obediência dos indivíduos
aos valores morais manipulados e operados por terceiros, sejam filósofos ou lideranças religiosase
políticas.
1.2 NIETZSCHE, CRÍTICO DA MODERNIDADE
Na obra A Gaia Ciência (2002), publicada em 1882, Nietzsche inicia a sua crítica à razão
empregada na modernidade. No célebre fragmento 125 dessa mesma obra, Nietzsche anuncia a
morte de Deus. Na realidade, essa alegoria sobre a morte de Deus revela que com a ascensão da
ciência moderna a partir do século XVII, do Iluminismo (século XVIII) e do positivismo (século XIX) o
pensamento racional e científico acabou por destronar Deus como fonte de verdade e solução de
todos os problemas humanos, conforme era concebido sobretudo durante o período medieval
anterior.
Nietzsche não se opõe aos procedimentos científicos, como a experimentação, matematização
ou observação, senão à moralidade contida nos discursos modernos. Sua crítica gira em torno de
uma espécie de apolinização da ciência e de todas as concepções morais, éticas e políticas criadas
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desde à modernidade, como se estivessem criando um paraíso na Terra, substituindo as promessas
religiosas cristãs pelos progressos tecnológicos. A ciência moderna foi influenciada pela filosofia de
Descartes com a ideia de que a razão e a ciência dominariam a natureza e produziriam o bem-estar. A
modernidade deu as bases para os pensamentos Iluminista e liberal. Kant afirma que após a
Revoluções Científica e Francesa a humanidade alcançaria a “Paz Perpétua”. Hegel considera que após
a Revolução Francesa e com o conhecimento científico nossa espécie seria conduzida ao “Fim da
história”. Comte concebia a ideia de “ordem e progresso”. Todas estas visões são formas morais de
enaltecimento da razão moderna.
 A morte de Deus revela o eterno retorno, ou seja, em todas as épocas as diferentes morais e
deuses morrem, sendo substituídos por outros e novas formas de moral. Na modernidade, Deus foi
substituído moralmente pela ciência e racionalidade. Esse otimismo moral em torno da racionalidade
moderna fez com que Nietzsche no livro Assim Falava Zaratustra (2000), publicado em 1883,
denominasse criticamente os indivíduos seduzidos pela moral moderna como último homem. No
próximo tópico vamos abordar com mais detalhes o conteúdo dessa obra e da crítica de Nietzsche ao
último homem.
1.3 ZARATUSTRA E O SUPER-HOMEM
Nos livros Humano, demasiado humano (2005), publicado em 1878 e a Genealogia da Moral
(1998), Nietzsche se dá conta de que é impossível viver sem a moral, levando-o à superação do seu
niilismo. Somos os únicos animais que vivem em função da moral. Predomina, conforme vimos, o
eterno retorno, ciclo que se dá entre a morte de Deus ou outros deuses e a origem de novas
construções morais. A impossibilidade de vivermos sem qualquer moral é acompanhada pela ideia na
qual todas os valores morais e todos os deuses surgem, se desenvolvem, morrem ou desaparecem.
O filósofo afirma ter sido o primeiro pensador a superar o niilismo. Depois de descobrir que a
moral é invenção sem valor universal ou verdadeiro e que é impossível viver sem nenhum valor
moral, Nietzsche irá procurar criar uma nova moral, mas agora diretamente ligada à vida e à natureza
espontânea, não mais aos valores que imaginamos serem verdadeiros ou que tenha origem em
religiões, filósofos ou modelos políticos, ou seja, forças externas ou alheias a cada indivíduo e de
caráter apolíneo.
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Nietzsche passa a defender o resgate da vida trágica grega para a nossa vida contemporânea, de
modo a conciliar as simbologias de Apolo e Dionísio. Por isto, Nietzsche toma para si o personagem
Zaratustra (ou Zoroastro), primeiro entre os profetas, nascido na Pérsia no século VII a.C. e fundador
da primeira religião monoteísta que se tem conhecimento. Nietzsche, ao escrever Assim falava
Zaratustra (2000), procura ser ironicamente o último profeta de nossa civilização e tem como objetivo
criar uma nova moral distante das virtudes platônicas e cristãs, já que aposta no resgate da vida
trágica grega. Nessa obra, Zaratustra, agora profeta que encarna as ideias do pensador alemão, opõe
o Super-Homem ao Último Homem. Vejamos no que consiste esta oposição de conceito.
O último homem é uma alegoria da moralidade moderna, conforme vimos no item anterior.
Nietzsche critica sua conduta, pois suas principais características são a busca reduzida a argumentos
morais falaciosos pelo bem-estar e conforto por meio da ciência e da noção de progresso; representa
um indivíduo medíocre, acomodado, apático e com falta de interesse pela vida, uma vez que se
submete mais aos valores morais modernos do que nas suas efetivas contribuições à humanidade. O
último homem possui uma visão apolínea de mundo, uma vez que acredita que todos os problemas
humanos serão solucionados pela técnica e racionalidade. É o conceito que dará origem à noção de
Cultura de Massas para Escola de Frankfurt no século XX, relacionado também à noção de moral dos
rebanhos, escravos ou ovelhas.
No lugar do último homem, Zaratustra de Nietzsche apresenta o que concebe como Super-
homem ou Além Homem, sendo ele uma crítica à herança apolínea na modernidade. Trata-se de
resgatar o equilíbrio da vida trágica grega (Nietzsche realiza uma nova transvaloração) na
modernidade, colocando lado a lado os aspectos apolíneos e dionisíacos. Representa o amor à vida,
considerando suas oscilações e tragédias, além de afirmar um profundo individualismo, pois
Nietzsche deseja que a moral seja uma invenção de cada indivíduo, podendo ser ela alterada
conforme o seu interesse. A nova moral apresentada por Zaratustra revela que ela é uma construção
individual, varia, portanto, de indivíduo para indivíduo, é espontânea e liberta da noção de culpa,
podendo ser reelaborada a cada instante.
TEMA 2 – MAX WEBER: BUROCRACIA E A JAULA DE FERRO
Investigaremos no segundo tema a crítica do sociólogo alemão Max Weber ao processo de
racionalização moderna. Em duas importantes obras, A ética protestante e o espírito do capitalismo
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(2003) e o livro póstumo Economia e Sociedade (2009), publicados respectivamente em 1905 e 1922,
Weber apresenta indícios dos riscos do processo de ascensão e controle da razão sobre todos os
comportamentos humanos modernos. Esse fenômeno, na visão do sociólogo, torna-se mais evidente
com o processo de constituição da racionalidade econômica capitalista e cuja origem é identificada a
partir da ética protestante. O protestantismo, a partir do século XVII, permitiu a elaboração do que
Weber denomina como ética do trabalho, conduta de vida econômica voltada aos negócios, ao
caráter metódico das práticas comerciais e resumida no princípio de que o trabalho dignifica.
Segundo a leitura de Weber a partir de sua Ética protestante e o espírito do capitalismo (2003), a
ética do trabalho deu origem à burocracia moderna e reforçou o desencantamento do mundo. No que
diz respeito ao desencantamento do mundo protestante, o conceito refere-se a uma forma racional
de organizar o trabalho e a perspectiva sobre o mundo, apostando numa conduta mais científica e
pragmática, jamais fundamentada em crendices e superstições. Exemplos disso são os metodistas,
que receberam este nome porque possuíam como livro de cabeceira o Discurso do Método de
Descartes. Tal postura influenciou a construção da modernidade em torno de uma perspectiva
científica da realidade e o trabalho fundamentado na racionalidade econômica. Dessa organização
racional do trabalho surgirá a burocracia moderna.
Weber possui uma visão ambígua sobre a burocracia. Considera a maior invenção da
modernidade. No entanto, pode se tornar o maior malefício contra a nossa civilização. Burocracia não
deve ser compreendida de forma pejorativa como um serviço público lento e de má qualidade. Na
realidade, a burocracia é um sistema de relações sociais racional estabelecida por meio de contratos,
leis,legislações, decretos, constituições, documentos etc., que tem como objetivo garantir a
segurança, estabilidade, controle, durabilidade, confiança e previsibilidade do convívio social. O que
define a burocracia moderna é o fato de ela estar presente em praticamente em todas as relações
sociais (relações econômicas, políticas, matrimoniais e de filiação; educação, moradia etc.).
No entanto, quanto maior for a sua presença numa sociedade, Weber alerta que a burocracia
pode se transformar ou se converter numa jaula de ferro (ou de aço), de modo que inibe a liberdade,
a criatividade e espontaneidade dos sujeitos, tornando a relação entre as pessoas meramente
mecânica, vazia e sem reflexão. Com a concepção de jaula de ferro, Weber é avaliado pelos seus
intérpretes como pessimista em relação ao capitalismo e à modernidade.
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TEMA 3 – A CRISE DA MODERNIDADE NO PENSAMENTO DA
ESCOLA DE FRANKFURT
No tema 3 estudaremos a crise da razão sob a perspectiva da Escola de Frankfurt. Essa escola de
pensamento surgiu na década de 1920 e foi impactada pelas duas Guerras Mundiais, ascensão do
nazismo ao lado do emprego dos meios de comunicação para fins políticos e comerciais. Todas estas
experiências conduziram autores como Adorno, Horkheimer, Walter Benjamin e Marcuse a realizarem
críticas nas quais se evidencia o modo como o uso da racionalidade pode se voltar dialeticamente
contra a humanidade, conforme veremos nos tópicos abaixo.
É importante destacar primeiro que o pensamento da Escola de Frankfurt teve quatro principais
fontes teóricas que a influenciaram. A noção de desencantamento do mundo e jaula de ferro de Max
Weber nutriu as reflexões que apresentavam as ambiguidades do uso da racionalidade moderna. A
dialética de Marx e os conceitos de alienação e ideologia contribuíram igualmente com os
frankfurtianos para ilustrar as contradições do capitalismo, a perda de consciência de classe entre os
trabalhadores, reveladas no consumo desenfreado e aceitação passiva das massas diante das
informações transmitidas pelas propagandas política e comercial disseminadas por governos e
empresas. Além disso, as concepções nietzscheanas de último homem e moral das ovelhas
converteram-se nas mãos dos frankfurtianos no conceito de cultura de massas, conceito que veremos
mais adiante. Outra fundamental influência sobre essa escola é o pensamento de Freud (1856-1939)
no que diz respeito à avaliação do papel do inconsciente, das repressões libidinais, da sublimação e
canalizações que foram relacionadas, sobretudo por Marcuse, com a cultura do consumo presente no
capitalismo.
3.1 RAZÃO INSTRUMENTAL VERSUS RAZÃO REFLEXIVA
Adorno e Horkheimer perceberão que o desenvolvimento técnico, científico e racional
promovido desde a Ciência Moderna e Iluminismo podem ter se convertido no que definem como
sendo dialética negativa. Os meios de comunicação, como o rádio e o cinema, resultado dos avanços
dessa racionalidade, deram origem à sociedade de massas e tornaram possível o nazismo. Na
primeira metade do século XX, o progresso contraditoriamente evidenciava sua relação com a
barbárie, andavam lado a lado com a indústria bélica, responsável por milhares de mortes e técnicas
sofisticadas de extermínio. Em obras importantes como Dialética do Esclarecimento (Adorno;
Horkheimer, 2006, lançada em 1944), O eclipse da Razão (Horkheimer, 2015), A Indústria Cultural
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(Adorno; 2002) e Dialética Negativa (Adorno, 2009), publicadas respectivamente em 1946, 1963 1967
os dois pensadores demonstrarão que o desenvolvimento racional da cultura ocidental foi dialético,
portanto, repleto de paradoxos. Por um lado, grandes progressos técnicos e materiais à nossa
civilização, por outro, a técnica e a ciência serviram como instrumentos de dominação e destruição.
Nessa direção, definem a existência de duas formas distintas de racionalidade, sintetizadas nos
conceitos de razão instrumental e razão reflexiva (traduzida também como razão crítica ou cognitiva).
Razão Instrumental – representa um tipo de racionalidade ou uso da razão sem fins
humanistas. Pode estar relacionada à barbárie ou formas autoritárias e alienantes. Envolve o
desenvolvimento e progresso da ciência, da tecnologia e da indústria com objetivos de dominação
ou contra a humanidade. Temos como exemplos armas nucleares, o uso da propaganda política feita
pelos nazistas ou mesmo propagandas comerciais que massificam o comportamento dos
consumidores. Relaciona-se à Indústria Cultural e Cultura de Massas, conforme veremos mais adiante.
Razão reflexiva – ocorre quando a razão, a ciência e as tecnologias de informação enriquecem a
cultura, o conhecimento, o senso-crítico e o engajamento político. Promove um tipo de racionalidade
favorável à humanidade e às relações sociais. Está presente na cultura erudita e na cultura popular.
Músicas, filmes, folclores, canções populares, conhecimentos tradicionais e livros com conteúdo
reflexivo ou crítico são alguns exemplos, além de avanços científicos que promovam o bem-estar de
forma democrática e universal.
A razão instrumental permite que tecnologias de informação (rádio, TV, jornais e revistas)
possam estar a serviço da barbárie, do fascismo e modelos políticos retrógrados. O paradoxo consiste
no fato de que o Iluminismo, a indústria e a ciência moderna objetivavam livrar a humanidade dos
mitos e da ignorância e fazer do homem o senhor da natureza (era o que afirma Descartes no século
XVII). No entanto, ocorre na modernidade e no capitalismo uma reviravolta (por isso, o caráter
dialético do Iluminismo ou Esclarecimento), na qual a natureza e a tecnologia parecem se voltar
contra a humanidade, tornam-se uma espécie mito, é o que ocorre com a Indústria cultural ao iludir
os indivíduos, criando um cenário do fetichismo, do consumo e a bajulação às figuras autoritárias ou
fúteis. Na visão de Adorno e Horkheimer, isto explica por que as pessoas se submetem aos produtos
e ao consumo massificado. Trata-se de uma interpretação pessimista que não somente demonstra a
crise da racionalidade na cultura ocidental, como também a forma dialética como esta razão volta-se
contra à civilidade, torna-se meramente instrumental.
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[...] a indústria cultural reflete a irracionalidade objetiva da sociedade capitalista tardia, como
racionalidade da manipulação de massas. A indústria cultural obscurece por razões objetivas,
aparecendo como uma função pública da apropriação privada do trabalho social. Na continuidade
de seu próprio desenvolvimento, o esclarecimento se inverte em obscurantismo e ocultamento.
Para Adorno, a indústria cultural corresponde à continuidade histórica de condições sociais
objetivas que formam a antecâmara de Auschwitz, a racionalização da linha de produção industrial
– seja fordista, seja flexível – do terror e da morte. (Gomes, 2010, p.21-22)
Um exemplo recente do resultado da aplicação da razão instrumental na sociedade moderna são
os problemas ambientais. Até meados da década de 1970 a consciência e responsabilidade ambiental
não eram temas disseminados na sociedade. Durante o século XIX até a década de 1970 eram
praticamente nulos os debates sobre as consequências do progresso industrial e científico sobre o
meio ambiente. Porém, o movimento ambientalista (Greenpeace + WWF) inicia na década de 1970 a
problematização a respeito do fato de que desenvolvimento industrial e científico contraditoriamente
deram origem à extinção de animais, destruição de florestas, mudanças climáticas e ameaças também
à vida humana. Como vemos, a razão instrumental tem uma tendência predatória e de promoção da
barbárie, como é o caso da Indústria Cultural.
3.2 A INDÚSTRIA CULTURAL E A CULTURA DE MASSAS
O que é a indústria cultural e o que a diferencia da cultura popular?O que seria a cultura
erudita?
Cultura popular, para Adorno e Horkheimer representa manifestações de tradições e história de
um povo; é espontânea, tem caráter único emprega elementos artesanais de uma cultura (como é o
caso da oralidade, lendas, enfim, o passado histórico que é transmitido de geração para geração). Ela
é heterogênea e não se presta ao consumo, mas sim à atividade lúdica e original à medida que
reproduz a vida cultural. Ela existe ou existiu principalmente em sociedades pré-capitalistas ou
distantes do atual regime econômico, ou seja, onde o consumo massificado ainda não atingiu seu
apogeu, como é o caso de sociedades indígenas, rurais ou até mesmo alguns poucos locais na área
urbana. A Cultura Erudita, considerada nobre e clássica, diz respeito ao que é contemplado por
poucos ou um pequeno número de indivíduos. Não representa a cultura industrial e massificada,
tampouco a cultura popular, embora se aproxime mais dessa última, pois expressa a reflexão, a
história e uma objetividade que não é mercadológica. A cultura erudita é verificada nos museus,
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conservatórios de música clássica e nas universidades. Culturas Erudita e Popular tem em comum o
fato de representarem a razão reflexiva.
A Cultura de Massas está relacionada à Indústria cultural. É a forma pela qual a produção artística
e cultural está organizada no interior no sistema de produção capitalista, lançada no mercado e por
este consumida. Está igualmente presente com o emprego dos meios de comunicação em regimes
políticos autoritários. A grande questão é que, em seu domínio, a arte deixa de ter o caráter único,
singular, deixa de ser a representação da genialidade, ou da angústia, da dor ou das grandes
reflexões de um artista, poeta, escritor. A Indústria cultural transforma as expressões artísticas em
mercadorias, que passam a ser um bem de consumo coletivo, destinado desde o início à venda,
avaliado segundo sua lucratividade ou aceitação de mercado e não pelo seu valor estético, filosófico,
literário intrínseco. A obra adquire caráter homogêneo e massificado, não produz ou permite
reflexão, não reproduz nada que diga respeito à história ou tradições. A cultura de massas expressa o
contexto fútil, burguês e descartável. Costuma ser repetitiva e sempre impõe a novidade. A indústria
cultural enquanto manifestação da razão instrumental ameaça de forma permanente as culturas
popular e erudita, à medida que ela pode incorporar e transformá-las em mercadorias.
Walter Benjamin (1989), no ensaio A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica escrito na
década de 1920 buscou opor os conceitos de politização da arte e estetização da política. Entende-se
como politização da arte as produções culturais, ainda que no interior do capitalismo, que produzem
senso-crítico e reflexão. É interessante notar que o conceito de politização da arte de Benjamin se
aproxima da noção de razão reflexiva de Adorno e Horkheimer. A experiência desse tipo de
manifestação foi verificada por Benjamin ao analisar o cinema de Charles Chaplin, por exemplo.
Quanto à estetização da política, ela diz respeito às manifestações estéticas ou culturais voltadas
à massificação, ao fascismo e nazismo, à alienação e consumo esvaziado de sentido. Dessa forma, a
concepção de estetização da política se aproxima do conceito de razão instrumental.  
Na obra Eros e Civilização (1968), publicada em 1955, Marcuse avalia a possibilidade de uma
civilização não-repressiva. Parte do princípio de Freud, segundo o qual a história da civilização e o
progresso da humanidade estão relacionados à repressão.
Figura 3 – Eros é deus grego que representa o desejo e o erotismo
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Esta repressão é verificada nitidamente por meio da filosofia ocidental que enfatizou a razão e
atacou os sentidos, paixões e instintos, entre eles a sensualidade. Embora haja repressão, Marcuse
concorda com Freud ao avaliar que há sempre a volta do reprimido. No interior da psicanálise de
Freud, os impulsos presentes no Id (isso) devem ser processados pelo Ego (eu) devido às repressões
do Superego (supereu) para que se adapte à realidade, de forma a promover a passagem do princípio
do prazer para o princípio de realidade (racionalidade), portanto um conteúdo reacionário. Promove-
se assim a sublimação.
Em Eros e Civilização (1968), Marcuse entende que na sociedade capitalista o princípio de
realidade é designado como princípio de desempenho, uma forma de domínio sobre a vida. O
princípio de desempenho é repressor da vida instintiva (sobretudo a sexualidade) e se verifica com a
divisão hierárquica do trabalho, a empresa, a fábrica, a escola, entre outras certas exigências sociais,
como o controle público da existência privada. Segundo Marcuse, a repressão foi necessária à
formação da civilização e para que ela se libertasse da escassez. Com a sociedade capitalista, há
condições de eliminação da escassez, porém predomina o interesse na dominação pela dominação.
A partir da leitura que Marcuse realizada do pensamento de Freud, o filósofo avalia que a
"sublimação” diz respeito ao processo psíquico no qual as pulsões sexuais são convertidas em
satisfação com objetos não sexuais (leitura, viagens, passeios, consumo etc.), conduzindo à
“dessexualização”, pois, representa a inibição da satisfação pulsional em nome de outras formas de
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prazer. Sem a sublimação não seriam possíveis as relações sociais (família, trabalho, a amizade etc.).
Marcuse se dá conta de que o desenvolvimento do capitalismo e as possibilidades de superação da
escassez por meio do consumo e da propaganda deram origem ao que designou como
dessublimação repressiva. Esse conceito está relacionado ao fato de que a sociedade contemporânea
permite maior liberdade e satisfação das necessidades por meio da superabundância da produção de
bens de consumo.
No entanto, essa liberdade dialeticamente (ou contraditoriamente) produziu mais repressão,
dessensibilização e perda mesmo do erotismo por meio da indústria cultural, produzindo dessa
forma mais repressão. Trata-se da deserotização do corpo, ou seja, quando o corpo e o trabalho são
instrumentos de exploração econômica, verificada com a indústria cultural (o sexo tornou-se
vendável com filmes, peças teatrais, revistas etc.). A leitura de Marcuse é a de que a aparente
satisfação tornou-se em mais dominação, perda do desejo e dessublimação.
TEMA 4 – HANNAH ARENDT E A BANALIDADE DO MAL
No tema quatro vamos investigar a concepção de banalidade do mal estabelecido por Hannah
Arendt, que foi uma teórica política alemã de origem judaica. Atuou também como jornalista e
professora universitária. Considerada uma das intelectuais mais importantes e influentes do século
XX, escapou do nazismo em 1933 e viveu em Paris até 1941. Depois viveu nos Estados Unidos até sua
morte em 1975. Foi uma grande crítica do totalitarismo e do fascismo. No livro Eichmann em
Jerusalém (1999), publicado em 1963, o pensamento da filósofa ressalta a crise da razão e da ética
moderna por meio do estudo do julgamento de um oficial nazista após à Segunda Guerra Mundial.
Adolf Eichmann foi um oficial da Gestapo nazista responsabilizado pela logística de extermínio de
milhões de pessoas. Foi capturado com documentos falsos na Argentina e julgado em Jerusalém no
ano de1961. Hannah Arendt foi enviada como correspondente pela revista The New Yorker para
cobrir as sessões do julgamento tornadas públicas pelo governo israelense.
O ponto central do livro é a maneira como a filósofa interpreta o comportamento de Eichmann,
pois além de cobrir todo o processo do julgamento, ela ainda o entrevistou. Segundo Arendt,
Eichmann não era um monstro, alguém com um espírito demoníaco e antissemita. Ela o identificou
comoum burocrata, um sujeito medíocre, que de certa forma renunciou a pensar nas consequências
que os seus atos poderiam ter ao obedecer às regras e leis consideradas por ele racionais. Trata-se
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também de uma crítica às concepções éticas de Kant, fundamentadas na deontologia, isto é, um
dever moral considerado racional que deve ser realizado a todo custo.
É nesse contexto que Arendt define o conceito de banalidade do mal. Representa o fenômeno da
recusa do caráter humano, alicerçado na recusa da reflexão e na tendência de não responsabilidade
frente aos atos bárbaros praticados. O indivíduo se afasta da responsabilidade e do domínio de suas
atitudes, pensamentos e comportamentos, desconectando-se do sentido do que é ser humano.
Partindo desse pressuposto, é possível compreender como a sociedade consegue se manter apática
mesmo diante de situações anti civilizatórias, como foi o nazismo, as grandes guerras e, atualmente, a
desigualdade social. A banalidade do mal, portanto, é fruto de uma sociedade inspirada num grau e
defesa da racionalidade, seja ela moral ou jurídica, sem que se faça reflexões ou críticas contra suas
consequências. Era o caso de Eichmann.
TEMA 5 – BAUMAN E A CRISE DA MODERNIDADE
Em duas de suas obras, Modernidade e Ambivalência (1999) e Modernidade Líquida (2001),
publicadas respectivamente em 1991 e 1999, Bauman apresenta sua visão crítica sobre o processo de
racionalização na cultura ocidental. Bauman faz uma interpretação que expressa contradições a partir
da formação da modernidade e de seu projeto fundamentado no progresso material, promovido por
meio da razão, da ciência e das revoluções tecnologias e industriais.
Bauman concentra seus estudos na análise do período contemporâneo relativo à transição dos
séculos XX e XXI. É tido como um herdeiro das teorias frankfurtianas, sobretudo por criticar o que foi
denominado como razão instrumental. Enquanto os frankfurtianos se concentraram no estudo da
cultura de massas entre as décadas de 1930 a 1970 (época de predomínio de direitos trabalhistas e
existência de meios de comunicação tradicionais como a rádio, TV, cinema, revistas), Bauman atualiza
a análise para o cenário da cultura de massas mais recente, com o fenômeno da Globalização, e
diante das novas tecnologias de informação, como a internet. Interessa a Bauman estudar o consumo
e mundo do trabalho mediados e conectados por novas tecnologias de informação, redes sociais e
consumo direcionado ao caráter descartável efêmero.
Segundo Bauman (1999;2001), desde a criação do conceito de razão (logos) entre os gregos, mas
principalmente durante o seu desenvolvimento na modernidade (nas mãos da ciência moderna,
contratualistas, iluministas, positivistas e marxistas), sua intenção e objetivo no Ocidente foram
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classificar o mundo, livrar a humanidade de equívocos, desvios e exceções e promover a verdade,
garantir a previsibilidade e controle da humanidade sobre o mundo ou a natureza. Portanto, o
objetivo maior da razão foi o de eliminar a ambivalência, a possibilidade de dupla interpretação de
um fato, de maneiras diferentes de se pensar e agir sobre o mundo e, sobretudo, abolir o risco, o
irracional, a imprevisibilidade, o descontrole e a instabilidade.
Bauman indica que até a 2ª Guerra Mundial a cultura ocidental nutria ainda grande confiança na
razão. Supunha-se que a razão, a técnica e a ciência trariam a solução a todos os problemas da
humanidade. No entanto, a experiência das duas guerras mundiais, da indústria cultural e após a
década de 1960 com a expansão das tecnologias de informação e produção, além dos problemas
ambientais, todos estes eventos modificaram a sensação de confiança na razão. A globalização, o
neoliberalismo e o Toyotismo expandiram, popularizam e introduziram no cotidiano o uso da
racionalidade, das tecnologias e ciência, conduzindo à sensação e à percepção de risco, descarte,
fluidez, efemeridade e descontrole em nossa civilização.
O mundo pós-guerras e o final da Guerra Fria, além das novas tecnologias levaram ao
desmoronamento das verdades, muitas delas construídas por toda a modernidade (a chamada
modernidade sólida). É nesse cenário que o conceito de ambivalência se faz mais evidente e notório.
O que caracteriza a ambivalência na modernidade líquida é o fato de termos amplos processos de
aprimoramento e a popularização (uso cotidiano) de instrumentos projetados pela razão, tecnologia
e ciência que visam produzir soluções aos problemas humanos. No entanto, quanto mais surgem
soluções racionais a estes problemas, de modo imprevisível emergem novos problemas, como efeitos
colaterais, exigindo de nossa cultura novas e sucessivas invenções e desenvolvimento racional. Trata-
se de um movimento incessante, como quem tampa um buraco abrindo outro, e assim
sucessivamente. Na ambivalência há a busca da ordem almejada pela razão, mas que produz a
desordem como consequência imprevista. A ambivalência para Bauman pode ser entendida como o
reverso da ordem, um incômodo causado pela multiplicidade presente no mundo, pela incerteza,
cuja origem está no próprio processo de racionalização. Trata-se de um sentimento de profundo
desconforto com a impossibilidade de regrar o mundo racionalmente.
As consequências do processo de modernização trazem consigo ambivalências. No campo
político, a concentração dos meios de poder fundados no princípio da racionalidade calculadora deu
origem a um dos mais efetivos meios de controle social. A tarefa da razão foi a de buscar livrar o
mundo ordenado das ambivalências, incertezas e contingências que poderiam assolar a humanidade.
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Porém, a razão cria o “mito do progresso infindável”, que afirma que a solução dos problemas que
vivemos está sempre à frente, será resolvida cedo ou tarde, a partir de nossos recursos científicos e
técnicos. Essa solução faria parte de um rol de novidades salvacionistas sempre evocado e criado
dentro da noção de progresso. Alguns exemplos atuais seriam: a propagação de notícias falsas com o
uso de novas tecnologias de informação; os problemas ambientais causados pelo progresso da
indústria; o cenário permanente de risco econômico, entre outros.
NA PRÁTICA
Elabore uma pesquisa em jornais, revistas ou documentários em que seja possível verificar o
caráter contraditório da noção de progresso e desenvolvimento da racionalidade técnica e científica
em nossa sociedade. Relacione o seu material de pesquisa com alguns dos conceitos estudamos na
aula, entre eles a razão instrumental, razão reflexiva, jaula de ferro, banalidade do mal, ambivalência,
entre outros de sua escolha. Em seguida, debata a sua pesquisa em grupos e reflita a respeito dos
paradoxos identificados em torno do progresso da racionalidade.
FINALIZANDO
No tema 1 investigamos o pensamento de Nietzsche, considerado grande crítico da
modernidade e das concepções morais otimistas em torno da sociedade do século XIX que iniciava
seu processo de massificação. O segundo tema analisou as contradições observadas por Max Weber
em torno do desenvolvimento da racionalidade e da burocracia na modernidade. O tema 3 dedicou-
se à análise do pensamento da Escola de Frankfurt em torno das contradições promovidas pelas
ideias Iluministas e Modernas, verificadas com as duas Guerras Mundiais do século passado e da
cultura de massas. O quarto tema promoveu a interpretação do pensamento de Hannah Arendt sobre
o conceito de banalidade do mal, um desvio do emprego ético da razão moderna. O último tema
abordou as análises de Bauman sobre a razão em meio ao mundo atual e globalizado, por meio dos
conceitos de modernidade líquida e ambivalência.
REFERÊNCIAS
ADORNO; H. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006.
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 _____. Dialética negativa. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2009.
_____. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BAUMAN. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
_____. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BENJAMIN, W. A obra de Arte na era da reprodutibilidade técnica. In: Obras Escolhidas I. São
Paulo, Brasiliense, 1989.
GOMES. Teoria crítica, educação e política, in: PUCCI, B., ZUIN, A. S.; LASTÓRIA, L. A. C. N. (orgs).
Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados,
2010.
HORKHEIMER, M. Eclipse da Razão. São Paulo, Editora Unesp, 2015.
MARCUSE, H. Eros e Civilização. Zahar Editores, Rio de. Janeiro, 1968.
NIETZSCHE. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
_____. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
_____. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
_____. Crepúsculo dos ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
_____. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_____. Humano, demasiado humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
_____. O nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
WEBER, M. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das letras,
2003.
_____. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Ed. UnB, 2009.
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FILOSOFIA
AULA 6
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Paulo Niccoli Ramirez
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CONVERSA INICIAL
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Estudaremos nesta aula duas importantes correntes filosóficas desenvolvidas ao longo do século
XX: a fenomenologia e o existencialismo.
A fenomenologia é um campo específico do conhecimento filosófico fundado por Edmund
Husserl (1859-1938), conforme abordaremos no Tema 1. Um de seus alunos foi o pensador alemão
Martin Heidegger (1859-1938), que será estudado no Tema 2. Husserl e Heidegger procuraram
promover estudos ontológicos, ou seja, investigar o ser, a constituição e origem de nossa consciência,
ou das atividades e operações do pensamento humano.
O existencialismo tornou-se relevante por meio da figura do filósofo francês Jean-Paul Sartre
(1905-1980) e do feminismo de Simone de Beauvoir (1908-1986), apresentados no Tema 3. Sartre e
Beauvoir procuraram demonstrar que a característica principal do que se denomina como ser é a
liberdade. O existencialismo afirma a liberdade como elemento principal do ser no mundo.
No Tema 4, trataremos da fenomenologia de Merleau-Ponty (1908-1961). Sua principal
contribuição ao pensamento filosófico foi ampliar o campo da compreensão da consciência, pois
considera que mente e corpo constituem uma unidade, havendo, portanto, intencionalidade nas
sensações corporais e em seus movimentos.
O Tema 5 aborda os pensadores chilenos Varela (1946-2001) e Maturana (1928-2021) que
atribuíram e relacionaram a fenomenologia a todas as formas de vida presentes na natureza. Em
linhas gerais, os autores relacionam conhecimentos do campo da biologia com a filosofia de cunho
fenomenológico, procurando demonstrar que a natureza e suas formas de vida possuem certo grau
de intencionalidade ou mesmo de inteligência.
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TEMA 1 – HUSSERL E A FUNDAÇÃO DA FENOMENOLOGIA
A fenomenologia representou, na passagem do final do século XIX para o início do XX, a crítica à
intenção dos cientistas positivistas de eliminar a metafísica e a ontologia (filosofia que estuda o ser)
como fontes de conhecimento, por considerá-las muito subjetivas e sem comprovação empírica.
Husserl, contra esta postura, promoveu a tentativa de reelaboração da história da filosofia em torno
da investigação sobre a existência do ser e do conhecimento, sob novas bases rigorosas e científicas,
fornecendo à fenomenologia os status de ciência e filosofia.
Quando nos questionamos sobre o ser (espírito, alma, consciência, essência), é preciso ter em
mente que não devemos buscar uma lógica teológica, em que se atribui ao ser uma entidade
sobrenatural ou metafísica-divina, como é costume nas interpretações religiosas; tampouco a
filosofia, que questiona o ser, deve ser comparada ao pragmatismo científico pelo qual apenas se
aceita algo como real ou verídico se este possuir existência concreta ou física (como os fenômenos
físicos, químicos e biológicos).
A palavra fenomenologia tem origem nos termos gregos phainesthai, ou “aquilo que se
apresenta ou que se mostra”; e logos “explicação, ciência ou razão”. Seu estudo afirma a importância
dos fenômenos da consciência que devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber
do mundo resume-se a esses fenômenos.
Por exemplo: feche os olhos e tente não pensar em nada; suspenda qualquer fluxo de
pensamento de sua mente. É possível impedir a mente de pensar em algo? Vemos, com este breve
experimento mental (ou fenomenológico), a manifestação de nosso ser – sua intencionalidade e a
noção, constatada por Husserl –, que se resume na seguinte frase: a consciência é sempre consciência
de algo. Em outras palavras, a mente possui intencionalidade constante. Vamos agora estudar mais
detalhadamente no que consiste a filosofia da consciência de Husserl.
1.1 AS INFLUÊNCIAS DE DESCARTES, KANT E HEGEL
A fenomenologia de Husserl é uma ciência com base filosófica que pretende demonstrar a
existência e a manifestação do ser. Para tanto, Husserl, em duas importantes obras, Ideias para uma
fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica (2006) e Meditações cartesianas: introdução à
fenomenologia (2001), publicadas respectivamente em 1913 e 1931, terá como base pontos de
aproximação e distanciamento com as seguintes concepções:
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1. O Cogito, de Descartes: a origem das ideias é a razão (o Cogito); as ideias verdadeiras são
inatas na mente e não dependem dos sentidos (ou sensibilidade). O Cogito é consolidado por
meio da dúvida hiperbólica.
2. A concepção de fenômeno de Kant: a “coisa em si” (essência, alma, ser) não é alcançada pela
razão ou percepção, apenas podemos conhecer os fenômenos (aquilo se manifesta).
3. A fenomenologia de Hegel: a ideia, o ser e a essência se manifestam fenomenologicamente
na história e na ação humana. Lembremos que para Hegel, o espírito absoluto é uma entidade
divina, um deus; é racional e anterior à existência humana, mas se realiza, progressivamente, na
história da civilização. Por isso, o espírito absoluto não se revela como coisa em si, mas
fenomenologicamente, ou seja, no campo dos fenômenos (influência de Kant) por meio das
práticas e conquistas racionais humanas, realizadas primeiro por indivíduos excepcionais. Trata-
se de promover a razão na história ou no mundo.
Vejamos como estes pensadores influenciaram a constituição da fenomenologia de Husserl. A
redução fenomenológica ou eidética (eidos, em grego, significa “ideia”) é o método rigoroso e
científico empregado por Husserl para demonstrar a existência do ser. A redução tem inspiração na
dúvida hiperbólica radical cartesiana. Com a dúvida, Descartes havia alcançado o Cogito, constatando
a primeira verdade, algo inquestionável ou indubitável: “penso, logo existo”.
Descartes emprega a dúvida hiperbólica e radical, que em Husserl será traduzida e intensificada
com a incorporação da noção grega de epoché, palavra que significa “suspender os juízos” ou
“colocar o mundo entre parênteses”. Husserl, com a epoché, resultado da redução fenomenológica,
buscará abolir o fluxo do pensamento ou, simplesmente, não pensar em nada; trata-se da tentativade suspender todos os conhecimentos até hoje adquiridos (científicos ou da vida cotidiana), a
linguagem ou qualquer forma de pensamento. O resultado da epoché é a expressão tomada de
Brentano (1838-1917), que afirma que a consciência é sempre consciência de algo.
Quanto a Kant, é necessário recordar que o pensador separa radicalmente o “fenômeno” da
“coisa em si”, sendo impossível provar a existência da alma, do ser ou da natureza humana. Husserl,
por sua vez, não promove a separação radical entre coisa em si e o fenômeno, de modo que o ser é
detectável e demonstrável de forma fenomenológica (científica e rigorosa), ou seja, em seus atos –
como pensar, falar, agir, ou no cotidiano, em suas manifestações.
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 Hegel afirma que o real é racional, e o espírito absoluto, espécie de deus, manifesta-se ou se
materializa – ou seja, a ideia se manifesta por meio do progresso da racionalidade no decorrer da
história da humanidade. Husserl, como vimos, não procura explicações divinas ou teológicas sobre o
ser, porém concorda com o fato de que o ser se manifesta ou se torna evidente por meio de nossas
manifestações mentais lançadas ao mundo.
Com base nessas três influências, Husserl (2006; 2001) afirma ter identificado a consciência
intencional, isto é, o ser.
1.2 A CONSCIÊNCIA INTENCIONAL
Husserl concebeu ter alcançado as coisas mesmas, ou seja, a essência de todo ser e saber, a
denominada consciência intencional. Ao promover a ciência eidética, ele julgou ter fundamentado o
ego transcendental, o ser que é capaz de evidenciar o mundo, de modo que a redução
fenomenológica se confunde com a existência da consciência ou do ser.
Podemos traduzir essa série de conceitos complexos com a seguinte percepção: é impossível
suspender o fluxo do pensamento, ou não pensar em nada, mesmo nos sonhos. Portanto, com esse
simples exercício notamos a existência de consciência intencional (ou intencionalidade). O ser e a
consciência, para Husserl, se revelam fenomenologicamente com a intencionalidade.
Segundo Husserl, há uma gramática imanente, ou natural, em nossa consciência. Ele utiliza o
termo “mentar”, também designado como “visada intencional”. A intencionalidade revelada por meio
da redução eidética (ou fenomenológica) demonstra que a consciência é sempre consciência de algo.
Em sua obra A filosofia como ciência de rigor (1965), Husserl apresenta mais claramente seus
propósitos em torno do que compreende como fenomenologia:
Mas é precisamente próprio da filosofia, desde que remonte às suas origens extremas, o seu
trabalho científico situar-se em esferas de intuição direta, e constitui o maior passo a dar pela nossa
época, reconhecer-se que a intuição filosófica no sentido autêntico, a percepção fenomenológica
do Ser, abre um campo imenso de trabalho e leva a uma ciência que, sem todos os métodos
indiretamente simbolizantes e matematizantes, sem o aparelho das conclusões e provas, não deixa
de chegar a amplas intelecções das mais rigorosas e decisivas para toda a filosofia ulterior. (Husserl,
1965, p. 73)
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Husserl demonstra que o Ser não pode ser demonstrado por meio de conteúdo ou ideias puras,
senão por meio da intencionalidade, isto é, a forma como se manifesta, por exemplo, com a
linguagem, ou para dar significado aos objetos à nossa volta. A visada intencional refere-se ao fato
de que o ser ou intencionalidade possuem um vetor mental (ou fluxo permanente de consciência)
que fornece sentido e significado a todos os objetos e elementos que estão diante de nossa visão. A
intencionalidade demonstra que o Ser existe, porém jamais conseguimos tomá-lo como “coisa em si”,
senão como manifestação, ou seja, fenômeno.
Os objetos da fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o
propósito de descobrir estruturas essenciais das operações da mente ou Ser (noesis), e as entidades
ou manifestações, suas características e qualidades que se objetivam (noema).
Quadro 1 – Concepções de noesis e noema
Noesis Noema
Do grego νόησις, significa “cheirar”, “farejar”, “captar”,
“pressentir”, “perceber instintivamente algo”. Trata-se de
uma espécie de saber instintivo ou imanente. Refere-se à
consciência intencional, ao fluxo do pensamento ou
intencionalidade (mentar). Antes de qualquer coisa ser
pensada, há a visada intencional.
Diz respeito àquilo que é sentido, manifesto ou percebido. Do
grego νόημα, significa “noção” ou “conceito”; é o conjunto das
características e dos atributos dos modos de ser dados pela
experiência e percepção; é aquilo que é pensado, ou que
representa os elementos capturados pela percepção (a cor, o
tamanho, o conteúdo do pensamento).
O método fenomenológico de Husserl acabou por influenciar a constituição da corrente da
psicologia conhecida como Gestalt, desenvolvida durante o século XX.
TEMA 2 – HEIDEGGER E O DASEIN
O pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger é motivo de controversas entre os
estudiosos da filosofia. Do ponto de vista político, o filósofo manifestou simpatia por Hitler, e foi
nomeado pelos nazistas em 1933 para o cargo de reitor da Universidade de Friburgo. Do ponto de
vista filosófico, foi aluno e influenciado por Husserl, além de ser o responsável, na visão de Sartre
(conforme veremos no próximo tema), por tecer relações entre a fenomenologia e o existencialismo.
Em sua obra Ser e tempo, [1927]/(1995), Heidegger aborda o problema do Ser e emprega o
método fenomenológico formulado por Husserl. A fenomenologia procura investigar os objetos do
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conhecimento do modo como aparecem na mente, isto é, como imediatamente são apresentados à
consciência. Heidegger procurou, no entanto, fornecer uma interpretação do ser distante do “ente”,
ou seja, afastou-se das tradicionais formas de busca pelo ser em sua essência, algo que o próprio
Husserl havia realizado.
Heidegger se dá conta de que o Ser é sempre velado e esconde-se no campo de suas
manifestações, pois cada gesto, ato ou linguagem apresentam o ser como fenômeno passível de
interpretação, o que foi denominado hermenêutica. Porém, embora velado nas manifestações
humanas, o Ser está presente na tensão entre o velar e o desvelar. Dessa forma, o Ser se manifesta no
mundo e se desvela do ponto de vista da manifestação dos comportamentos, porém, é velado
porque não temos acesso a sua essência. Por exemplo, ao vermos uma pessoa falando, não vemos o
Ser desse indivíduo, apenas observamos sua manifestação quando ele fala. Ou seja, o Ser está no
limiar de uma tensão entre o velar (não ser visível) e o desvelar (se manifesta nos nossos atos, como a
fala ou outras formas de linguagem).
A elaboração de Heidegger visa interpretar o que se mostra e o que se manifesta “aí”, ou seja, no
mundo, mas que, de plano e na maioria das vezes, não se deixa ver. Por isso, Heidegger emprega o
termo alemão Dasein, que poderia ser traduzido como “Ser-aí”. O ponto de partida necessário é
“determinar” o sentido do ser, de modo que o indivíduo é compreendido como Ser-aí. Heidegger
denomina o Dasein, Ser-aí, estar aí. O Dasein é a grande questão de nossa existência, pois a
humanidade é a única capaz de se questionar sobre o sentido do Ser.
Embora discípulo de Husserl, Heidegger fará ressalvas ao seu mestre. Concorda com a imanência
da consciência intencional, mas vislumbra que o mundo a nossa volta, seus objetos, os outros e seus
cotidianos exercem também a intencionalidade. Por isso, há um Dasein, Ser-aí, que está aí. O ser
exerce intencionalidade e o mundo ao seu redor também. A Figura 1 permite observar as diferenças
entre as respectivas concepções de intencionalidade de Husserl e Heidegger. Enquanto o primeiro
verifica que a consciência exerce intencionalidade sobre a realidade, Heidegger avalia que, além da
consciência intencional, o mundo(aí) ao redor de nossa consciência, também é intencional.
Figura 1 – Diferenças entre os modelos fenomenológicos de Husserl e Heidegger
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Considerando a interação entre o Ser e o mundo, e o estar aí (Dasein), Heidegger se diferencia
de Husserl ao entender que não nos é possível alcançar o Ser em sua essência, senão de forma
hermenêutica, ou seja, interpretativa. O Ser é velado quando se manifesta. Entretanto, com suas
manifestações, é possível apreciar o desvelamento do Ser, ainda que de forma interpretativa.
Na obra A caminho da linguagem [1959]/(2011), Heidegger nos diz que a linguagem poética é a
que melhor expressa a tensão entre velamento e desvelamento do ser, sendo possível, por meio da
poesia, constatar a intencionalidade do ser em sua essência, sensibilidade e em contato com o
mundo. A poesia é apresentada como o que há de mais íntimo ao ser, permitindo uma abertura ou
trilha que conduz até a essência e profundidade desse Ser, Dasein, porém acaba velado pelo uso da
própria linguagem.
TEMA 3 – A FILOSOFIA EXISTENCIALISTA
Na década de 1920, Sartre estudou na Alemanha e foi aluno de Heidegger, incorporando parte
do vocabulário de seu mestre na composição de sua mais importante obra, O ser e o nada
(Sartre,1999), publicado em 1943 e escrito durante a ocupação nazista em Paris, na Segunda Guerra
Mundial. Sartre será o responsável por dar outra face à fenomenologia, incorporando-a ao que
denominou como existencialismo. Aprofundaremos nossa discussão sobre esses aspectos no primeiro
item deste tema.
No segundo item, apresentaremos o pensamento da filósofa Simone de Beauvoir, com quem
Sartre manteve um relacionamento aberto que escandalizou os conservadores franceses do século
passado. Beauvoir foi responsável por aproximar a filosofia existencialista das lutas feministas, sendo
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ela uma importante porta-voz das lutas pelas liberdades sexuais durante as manifestações de maio
de 1968, em Paris (França).
3.1 SARTRE: O SER E A LIBERDADE
Segundo Sartre, nas obras O ser o nada (1999) e O existencialismo é um humanismo (1987) “a
existência precede a essência”. Isto significa dizer que não há nada de inato no ser humano, nem
essência, tampouco natureza humana. Dessa forma, Sartre procurou superar seus antecessores,
Heidegger e Husserl.
Para o existencialismo, a consciência intencional, a intencionalidade ou o Ser não são imanentes
ou inatos (não nascemos com a intencionalidade e nem ela é natural). Na verdade, eles são
construídos historicamente. Por isso, o título da obra O ser e o nada: não há, para Sartre, uma
intencionalidade originária, como queriam Husserl e Heidegger.
Sartre inverte a fenomenologia de seus mestres ao demonstrar que a intencionalidade não é
anterior ao mundo ou imanente, como uma gramática mental natural, mas antes uma construção
histórica, ou seja, a existência histórica é, na verdade, anterior à intencionalidade da consciência, e a
influencia.
Sartre questiona qualquer teoria inatista ou naturalista sobre a origem da consciência, por isso
volta-se contra o argumento mais importante da fenomenologia de Husserl e Heidegger: a afirmação
da consciência intencional como imanente, ou mesmo natural. Para Sartre, a consciência intencional é
formada de fora para dentro, ou seja, do mundo (existência) para o ser (a consciência). Contra a
noção de natureza humana, Sartre defende a concepção de condição humana, caracterizada por ser
flexível, plástica e em permanente transformação, por estar em relação dialética com a história
(entendida como meio social ou meio ambiente, e relações sociais).
A noção de natureza humana implica na afirmação de que o ser nasce pré-determinado ou
condenado a cumprir um dever ou ocupar uma posição na sociedade. A noção de natureza humana,
por exemplo, estava presente nas concepções políticas de Aristóteles na Antiguidade. Aristóteles
concebia que os escravos são o que são por natureza, ou seja, a condição de subjugação seria
natural.
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Sartre critica a noção de natureza humana ao propor uma outra concepção: a de condição
humana, pois o ser não nasce com um projeto preestabelecido de vida natural ou divino. O ser é, na
realidade, livre, pois faz escolhas e projeta sua subjetividade no mundo. Sartre avalia o ser como devir
histórico e sempre em transformação. Há, em Sartre, inspiração na dialética marxista, ou seja, no
materialismo histórico e dialético. Marx concebia que a consciência é construída dialeticamente com
base e em relação com a infraestrutura econômica, ou seja, as condições materiais econômicas.
Isso significa dizer que o materialismo histórico avalia que a origem da consciência se dá sob
relação de contradição ou dialética com o meio social, a partir de suas bases econômicas. Sartre
sintetiza a formulação marxista (Figura 2) com a máxima: “a existência precede a essência”, ou seja, o
meio social constitui a consciência, ou, o ser que, em seguida, passa a influenciar e transformar o
mundo sob um processo permanente de retroalimentação.
Figura 2 – “A existência precede a essência”
Ao projetar, por meio de escolhas e da liberdade, o ser no mundo, passam a ocorrer relações
dialéticas com a história, com os outros, ou seja, com o ser e as subjetividades alheias. Dialética
(Aufhebung, em alemão) é a palavra que revela o sentido de negar, suprimir, conservar e superar ou
elevar. Para Sartre, a humanidade nasce desprovida de qualquer determinação divina ou natural
(negação do conceito de natureza humana). O meio social (a existência ou história) atua
dialeticamente sobre o ser, o qual entra em contradição com o meio e, em seguida, o transforma,
dando dimensões humanas à realidade.
Apesar de afirmar o Cogito como uma profissão de fé em sua filosofia, Sartre se opõe a
Descartes, conforme aponta no ensaio O existencialismo é um humanismo (1987). Enquanto o Cogito
de Descartes é inato, Sartre indica que o Cogito existencialista, portanto, o Ser, é constituído
historicamente (a existência precede a essência).
Segundo Sartre, ser livre significa produzir angústia e náusea por dois motivos:
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1. Toda escolha (liberdade) implica no abandono ou anulação de todas as outras possibilidade de
ação.
2. Cada escolha (projeto) não irá se realizar no futuro tal como o planejado originalmente no
presente. Isso se deve ao fato de que “meu ser” se encontra numa relação dialética com a
história e com as infinitas subjetividades dos outros. Por isso, afirma Sartre: o inferno são os
outros.
Portanto, angústia e náusea correspondem ao fenômeno da nadificação (Sartre, 1987), segundo
o qual o ser é resultado de todos os fracassos e escolhas que não se realizaram, ou mesmo de
desvios que minha liberdade operou sobre a história, transformando-a. Por estarmos em relação
dialética com os outros e como o meio social e, portanto, com todas as demais subjetividades, Sartre
considera que cada ato ou escolha, cada passo de nossa liberdade, tem ressonância universal, de
forma que sempre somos responsáveis pelos outros.
Sartre demonstra que a responsabilidade perante o mundo é permanente, cada ato nosso está
interligado ao universal. O existencialismo é um humanismo (Sartre, 1987) foi escrito por Sartre para
se opor aos seus críticos, que o acusavam de ser demasiado pessimista. Para o filósofo, o
existencialismo é um humanismo, ou seja, possui na verdade um caráter otimista, pois embora
considere o movimento de nadificação sobre o ser, ou seja, estamos destinados à angústia e à náusea
por sermos livres, Sartre percebe que este ser é suficientemente livre para, a todo instante e,
permanentemente, se construir, reconstruir ou projetar dialeticamente sempre novas formas de ser e
sua liberdade na história.Sartre (1987) considera um ato de má-fé o sujeito que afirma ser possível não escolher, ou não
ser livre. Na verdade, a condição humana é ser livre ou fazer escolhas, ainda que essas escolhas
signifiquem não escolher ou, mesmo, escolher a submissão, a escravidão ou qualquer outra forma de
subjugação.
3.2 SIMONE DE BEAUVOIR: EXISTENCIALISMO E FEMINISMO
A obra O segundo sexo, de Simone de Beauvoir [1949]/(2016), influenciou as lutas pelas
liberdades sexuais femininas durante as manifestações ocorridas em maio de 1968, em Paris (França).
Sua obra estabeleceu diálogo entre o existencialismo e o feminismo por meio da crítica do conceito
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de natureza humana e a afirmação da condição humana como sinônimo de liberdade, conforme
Sartre havia proposto.
Enquanto Sartre julga que a existência precede a essência, Beauvoir (2016) produzirá sob a
fundamentação existencialista, a máxima que afirma que ninguém nasce mulher: torna-se mulher.
Além de aplicar o existencialismo à abordagem feminista, significa dizer que não há
predeterminações naturais ou divinas sobre as funções sociais das mulheres. Trata-se da crítica às
explicações naturalistas (fatalistas), de modo que homens e mulheres não possuem seus papéis
sociais estabelecidos biologicamente, ou por alguma divindade.
Mas o que recusamos, é a ideia de que [os dados biológicos] constituem um destino imutável para
ela. Não bastam para definir uma hierarquia dos sexos; não explicam por que a mulher é o Outro;
não a condenam a conservar para sempre essa condição subordinada. (Beauvoir, 2016a, p. 60)
Beauvoir parte em direção à denúncia e à crítica ao patriarcado, pois as relações sociais de cunho
machista não passam de construções sociais, não sendo uma ordem universal, imutável, divina,
tampouco natural. O machismo foi elaborado e construído sob relações de dominação, e não é
natural. Tratando-se de uma construção artificial, o patriarcado poderá ser também desfeito por meio
das lutas das mulheres, dando origem a uma nova ordem social mais justa e igualitária, construída
por meio do exercício da liberdade.
A partir de Beauvoir, foi possível realizar a distinção entre sexo e gênero. O sexo é definido
biologicamente (macho ou fêmea, masculino ou feminino). O gênero, por sua vez, é uma construção
social, que pode ter seu comportamento alterado a todo instante, variando de sociedade para
sociedade, de época para época, ou, mesmo, de indivíduo para indivíduo. Dessa forma, o que se
estabelece hoje como homem ou mulher, talvez não seja idêntico como foi no passado, ou como será
no futuro de uma sociedade ou civilização. O sexo pertence ao campo biológico; o gênero, ao social.
Vemos que a liberdade pode ser empregada tanto de forma negativa, a ponto de criar uma
ordem patriarcal, ou mesmo a aceitação e obediência dessa ordem; no entanto, a liberdade pode
promover lutas e transformações positivas para a sociedade e a emancipação feminina.
TEMA 4 – MERLEAU-PONTY E A INTENCIONALIDADE DO CORPO
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Neste tema estudaremos outro pensador francês que se dedicou ao estudo da fenomenologia:
Maurice Merleau-Ponty. Em sua obra considerada inovadora, A fenomenologia da percepção (1999),
publicada em 1945, o filósofo realiza movimentos de oposição com o pensamento fenomenológico
de Husserl e de Heidegger, pois eles deram grande destaque à fenomenologia da consciência,
esquecendo-se do corpo, não enfatizando estudos sobre as percepções corporais.
Merleau-Ponty passa a construir a fenomenologia corporal, atrelada, de forma íntima, à mente.
Trata-se de apresentar, de forma inédita, a intencionalidade do corpo e de suas faculdades sensoriais.
Na fenomenologia da percepção, o ser é expresso pelo quiasma entre corpo e mente.
Na obra O visível e o invisível (2005), o quiasma será denominado também como carne. O
quiasma (ou carne) expressa o entrecruzamento ou ponto de intersecção na forma de um “xis”: o
entrelaçamento das faculdades sensoriais ou corporais, e as mentais, que constituem a
intencionalidade do ser – observe a Figura 3.
Figura 3 – Fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty
Merleau-Ponty identifica a intencionalidade no quiasma, ou seja, entrelaçamento entre corpo e
mente. Isso significa dizer que o Ser não é apenas mental; é também corporal/sensorial, de modo
que o corpo é extensão da mente, e a mente é extensão do corpo. Merleau-Ponty, na obra
Fenomenologia da percepção (1999), define a intencionalidade presente no quiasma corpo x mente,
como Cogito tácito.
O Cogito tácito não deixa de ser uma menção crítica a Descartes, para quem a mente é o próprio
Cogito; o corpo funcionaria meramente como uma máquina obediente à mente, nessa perspectiva
cartesiana. O Cogito de Descartes é expresso por meio do pensamento (Cogito ergo sum, ou “penso,
logo existo”). Em Merleau-Ponty, o Cogito tácito se aproxima da afirmação “percebo ou sinto, logo
existo”.
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Para Merleau-Ponty, a percepção diz respeito ao conjunto de faculdades sensoriais e seus
desdobramentos (paladar, olfato, tato, visão e audição) que operam de forma sinestésica entre si, e
com a mente. Formam o que o filósofo define como esquema corporal.
A intencionalidade da percepção torna o corpo e a mente sujeitos e objetos um do outro,
simultaneamente, e como quiasmas. Merleau-Ponty compara essa relação entre corpo e alma com as
mãos de um mesmo sujeito que se tocam. Quem é o sujeito, quem é o objeto? Ambas as mãos
compartilham do mesmo campo da percepção, tal como a relação entre o corpo e a mente.
Mais do que morada do Ser, o corpo faz com que o indivíduo se realize no mundo e com os
outros. O corpo é o tecido que reveste o Ser. Para todo movimento do corpo, há intencionalidade ou
poder simbólico, que dá significação ao mundo, à cultura e às relações sociais. O corpo possui
intencionalidade compartilhada com a mente, constituindo a existência do ser no mundo.
A intencionalidade não implica apenas na consciência sobre as coisas, mas na percepção
corporal. Os sentidos são os modos de conhecimento ou a percepção do próprio corpo. Trata-se do
que o filósofo designou como sensiente (a consciência dos sentidos), que corresponde ao
emaranhado de sensações que apreendem a realidade ao funcionarem mutuamente como uma
confederação. As percepções humanas são atos conscientes do corpo. O corpo não é constituído por
partes ou fragmentos funcionais e desprovidos da capacidade de dar sentido ou falta de consciência.
O corpo não é uma máquina obediente à mente, senão parte integrante da mente, e vice-versa.
As faculdades sensíveis correspondem a um todo que percebe o mundo e que atribuem
significados a ele. Em Fenomenologia da percepção (1999), Merleau-Ponty apresenta as
potencialidades presentes nessa forma de intencionalidade. Entre alguns exemplos, destaca o fato de
os olhos (a visão) tatearem o espaço e os objetos. O esquema corporal permite que cegos
desenvolvam a audição e olfato a ponto de identificarem pessoas e objetos a sua volta. Amputados,
com os quiasmas e sinestesias, têm ou apresentam dor ou sensação fantasma. A dança expressa o
corpo sensiente. Um ambiente com iluminação amarelada faz com que nosso aparelho perceptivo o
transforme a ponto de desconsiderar a cor da iluminação.
A relação entre corpo e mente se assemelha à linguagem oral ou escrita. Quando falamos
espontaneamente, não pensamos antes de falar, senão pensamos enquanto falamos; muitos
conseguem escrever (digitar, ou no papel) enquanto suas ideias se articulam com o movimento dos
dedos. O corpo, ao lado da mente, durante uma chuva, decide qual é o salto que deve ser dado para
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escapar de uma poça d´água. A fenomenologia da percepção permite sucessivas adaptações do
esquema corporal.Trata-se da noção de que o corpo está em permanente metamorfose, e passa por
adequações sensoriais, garantindo o acesso ao mundo e aos outros indivíduos.
TEMA 5 – MATURANA E VARELA: A ÁRVORE DO CONHECIMENTO
Estudaremos, a seguir, os pensadores chilenos Maturana e Varela (neurobiólogos, biólogos e
filósofos), que publicaram, em 1984, a obra A árvore do conhecimento (1995). Eles procuram
demonstrar a existência de intencionalidade no campo biológico (ou dos seres vivos) – do mundo
vegetal ao animal. Trata-se da aplicação da fenomenologia aos estudos sobre a natureza.
O termo autopoiese (Maturana; Varela, 1995) traduz o caráter e a dinâmica constitutiva de todos
os seres vivos. Para viver e exercer a autopoiese, os seres vivos precisam recorrer a recursos do meio
ambiente, transformando a si mesmos e exercendo fenomenologicamente sua existência sobre o
mundo.
Poiesis é um termo grego que significa “produção” ou “criação”. Autopoiese quer dizer
“autoprodução” ou “autocriação”, expressando o que estes autores denominam como a
fenomenologia dos seres vivos.  
A característica mais marcante de um sistema autopoiético é que ele se levanta por seus próprios
cordões, e se constitui como distinto do meio circundante mediante sua própria dinâmica, de modo
que ambas as coisas são inseparáveis. Os seres vivos se caracterizam por sua organização
autopoiética. Diferenciam-se entre si por terem estruturas diferentes, mas são iguais em sua
organização. Reconhecer que aquilo que caracteriza os seres vivos é sua organização autopoiética
permite relacionar uma grande quantidade de dados empíricos sobre o funcionamento celular e
sua bioquímica. O conceito de autopoiese, portanto, não contradiz esse corpo de dados – ao
contrário, apoia-se neles e propõe, explicitamente, interpretá-los de um ponto de vista específico,
que enfatiza o fato de os seres vivos serem unidades autônomas. (Maturana; Varela, 1995, p.87-88)
O termo autopoiese surgiu em 1974 com o objetivo de demonstrar que os seres vivos são
sistemas que produzem continuamente a si mesmos. Esses sistemas são autopoiéticos porque, ao
mesmo tempo, são produto e produtores do meio ambiente e de si mesmos. Os autores chilenos não
se opõem à teoria da evolução das espécies de Darwin. Consideram para além das concepções
darwinistas, a concepção na qual todos os seres vivos têm dinâmicas que extrapolam o campo das
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determinações biológicas ou naturais, sendo, por isso, autopoiéticos, isto é, têm a capacidade de se
desenvolverem para além do campo das necessidades e imposições naturais.
A intencionalidade ou a autopoiese biológica demonstra que ela se apresenta em diferentes
graus e capacidades nos mais diferentes seres vivos. Os autores se aproximam da noção de que a
natureza, em suas manifestações biológicas, apresenta diferentes formas de inteligência ou de
intencionalidade.
NA PRÁTICA
Realize uma pesquisa em jornais, revistas e documentários, procurando informações a respeito
das conquistas feministas desde o final do século XIX até hoje. Com base no existencialismo e no
feminismo de Simone de Beauvoir, investigue as transformações em torno da concepção de mulher
no passado, e como os movimentos feministas têm reivindicado direitos.
Elabore um texto empregando conceitos existencialistas – como liberdade, escolha e Ser para
fundamentar sua abordagem. Depois de elaborar seu texto, debata com os colegas sobre as reflexões
formuladas e discuta quais conclusões podemos obter sobre as conquistas políticas e sociais das
mulheres.
FINALIZANDO
Investigamos nesta aula temas relacionados às correntes filosóficas fenomenologia e
existencialismo. No Tema 1, estudamos a origem da fenomenologia com Husserl, que procurou
fornecer rigor e cientificidade no que diz respeito ao estudo ontológico, ou seja, sobre o Ser. Vimos
que Husserl desenvolveu conceitos importantes para a compreensão do Ser, como o método da
redução fenomenológica (ou eidética), epoché, noesis e noema, consciência intencional e visada
intencional ou intencionalidade. Todos esses conceitos fundamentam a noção de que a consciência é
sempre consciência de algo, originando a fenomenologia de Husserl.
No Tema 2, abordamos a fenomenologia desenvolvida pelo filósofo alemão Martin Heidegger.
Sua teoria está alicerçada no que definiu como Dasein (Ser-aí), elemento que está manifesto entre o
velar e o desvelar do ser no mundo. Vimos que Heidegger se diferencia de Husserl por considerar
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que a intencionalidade não está somente presente na consciência, mas também nos objetos e em
toda a realidade.
No Tema 3, apresentamos o existencialismo de Sartre e de Simone de Beauvoir. Ambos os
pensadores negam o conceito de natureza humana, e demonstram o que compreendem como
condição humana, ou seja, a liberdade, fazer escolhas e projetar a consciência ou ser na história
(realidade). Beauvoir aplicou o existencialismo ao feminismo, de modo que contribuiu com os
movimentos feministas da década de 1960 na Europa.
A fenomenologia da percepção desenvolvida por Maurice Merleau-Ponty foi apresentada no
Tema 4. Estudamos que o pensador criticou as interpretações de Husserl e Heidegger, pois estes
atribuíram à intencionalidade com ênfase na consciência apenas, esquecendo-se das percepções
corporais. A noção de intencionalidade presente na fenomenologia de Merleau-Ponty envolve a
combinação entre corpo e mente, sendo ambos inseparáveis. O pensador francês procurou ainda
demonstrar que a noção de ser não envolve apenas a mente, mas a relação de reciprocidade entre as
faculdades sensoriais e as mentais.
O Tema 5 trouxe a fenomenologia aplicada à biologia estudada pelos intelectuais Maturana e
Varela, que juntos desenvolveram o conceito de autopoiese, que procura demonstrar que os seres
vivos possuem intencionalidade.
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. v. I.
HEIDEGGER, M. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2011.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1995. Parte I.
HUSSERL, E. A filosofia como ciência de rigor. Coimbra: Atlântida, 1965.
HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. São
Paulo: Ideias & Letras, 2006.
HUSSERL, E. Meditações cartesianas: introdução à fenomenologia. São Paulo: Madras, 2001.
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MATURANA, H.; VARELLA, F. A árvore do conhecimento: a base biológica do entendimento
humano. Campinas: Psy II, 1995.
MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo, Perspectiva, 2005.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes, 1999.
SARTRE, J.-P. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
SARTRE, J.-P. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 1999.

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