Buscar

0 0 - Desenvolvimento Humano

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/13
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DESENVOLVIMENTO HUMANO
AULA 1
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/13
Prof. Cassio Gonçalves de Azevedo
CONVERSA INICIAL
A ciência do Desenvolvimento Humano tem como objeto de investigação os processos
sistemáticos de mudança e estabilidade que ocorrem ao longo de toda a vida humana, desde sua
concepção até a morte. Trata-se de um campo de estudo transdisciplinar que se serve de um amplo
espectro de disciplinas como a Psicologia, Neurociência, Psiquiatria, Sociologia, Antropologia,
Biologia, Genética comportamental, História, Medicina e muitas outras.
Apresentaremos uma breve história da ciência do desenvolvimento humano para, a seguir,
adentrarmos nesse campo de estudo. Para tanto, é necessária a operacionalização de alguns
conceitos para uma melhor apreensão de importantes questões que se formulam no interior dessa
disciplina. Qual a relevância de compreender até que ponto um comportamento, por exemplo, pode
ser influenciado pelas contingências do meio, e até que ponto que a hereditariedade o determina?
Como se dá a interação entre as influências ambientais e genéticas? Dentre os fatores ambientais,
quais e como influenciam determinadas predisposições genéticas?
Veremos ainda alguns conceitos fundamentais que em um primeiro momento podem até
parecer dicotômicos, mas que visam justamente suscitar a compreensão da complexidade inerente ao
processo de desenvolvimento humano. Na realidade, a relação entre todos eles é a de
complementaridade e de múltipla influência, haja vista o dinamismo dos processos de
desenvolvimento humano. Vale lembrar, no entanto, que a definição dos conceitos também conserva
uma certa plasticidade, na medida em que diferentes autores os utilizam de diferentes maneiras.
Adotamos, aqui, as definições mais comuns nos livros de desenvolvimento humano.
Os primeiros estudos sobre questões evolutivas sob um viés especificamente psicológico “datam
apenas da metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX” (Dessen; Costa Junior, 2008,
p. 20). Antes, porém, filósofos como John Locke (1632-1704), que pressupunha os bebês como uma
“tábula rasa”, uma folha em branco na qual o ambiente iria imprimir toda sua influência, e Jean-
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/13
Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804), que já enfatizavam características inatas
do ser humano, pautaram, portanto, algumas das questões que iriam permear as teorias sobre a
Psicologia do desenvolvimento humano no século XX:
Essas tendências filosóficas acabaram por influenciar a construção das teorias da psicologia do
desenvolvimento, no século XX. De um lado, os modelos mecanicistas que enfatizavam a esfera do
empirismo, buscando operacionalizar as investigações dentro do que poderia ser medido e
quantificado, sendo o desenvolvimento humano visto como modelado pelo ambiente. A história do
indivíduo não era nada mais do que o acúmulo de experiências de aprendizagem. A filosofia
behaviorista e as teorias de aprendizagem social constituem exemplos deste modelo. De outro
lado, os modelos organicistas valorizavam os processos de caráter universal presentes no
desenvolvimento de qualquer indivíduo (Palácios, 1995). Estes modelos ressaltavam os processos
internos mais que os externos, sugerindo a existência de uma certa necessidade evolutiva que faria
com que o desenvolvimento percorresse determinados estágios. A psicanálise e, até certo ponto, a
teoria piagetiana, são exemplos de tal modelo. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 23)
Foi no século XX, porém, inspirada pelos métodos positivista e das ciências naturais como a
observação direta do comportamento, as entrevistas e os questionários que a ciência do
desenvolvimento humano se consolidou, voltada para a infância e a adolescência (Dessen; Costa
Junior, 2008, p. 23).
Predominavam ainda, nesses primórdios da disciplina, como de certa forma ainda hoje
repercutem, discussões binárias do tipo entre inatistas e ambientalistas. Por exemplo, no que diz
respeito ao desenvolvimento da comunicação e da linguagem, o livro do psicólogo norte-americano
B. F. Skinner, Comportamento Verbal, de 1957, defendia a tese de que a aquisição e o
desenvolvimento da linguagem e da comunicação em geral, como os outros comportamentos
humanos explicados pelo behaviorismo radical, era quase que exclusivamente proveniente das
contingências ambientais. Ou seja, uma criança, ao emitir sons em um determinado idioma, seria
positivamente reforçada para repetir os sons que nesse idioma fizessem sentido, abandonando os
sons ininteligíveis.
O linguista também norte-americano Noam Chomsky teceu críticas contundentes que nunca
foram respondidas pelo próprio Skinner, mas apenas dez anos depois e por outros behavioristas:
A concepção de Chomsky é denominada inatismo. Ao contrário da teoria da aprendizagem de
Skinner, o inatismo enfatiza o papel ativo do aprendiz. Uma vez que a linguagem é universal entre
os seres humanos, Chomsky (1957, 1972) propôs que o cérebro humano possui uma capacidade
inata para aquisição da linguagem; os bebês aprendem a falar com a mesma naturalidade com que
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/13
aprendem a andar. Ele sugeriu que um dispositivo de aquisição da linguagem (DAL) inato
programa o cérebro das crianças para analisar a língua que ouvem e entender suas regras. (Papalia
et al., 2006, p. 198)
Com o avanço das pesquisas, os desenvolvimentistas foram progressivamente compreendendo
que essas e tantas outras dicotomias se faziam notáveis devido à complexidade inerente ao processo
de desenvolvimento, e que o foco de discussão deveria ser muito menos o de preponderâncias entre
hereditariedade e aquisição pelas experiências, ou de transição em contraposição a noção de
estágios, entre outras; mas o como essas díades que veremos a seguir com mais detalhes se
combinam e se intrincam.
TEMA 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS
1.1 FILOGÊNESE X ONTOGÊNESE
Denominamos de filogênese o processo evolutivo inerente à espécie, ou seja, mudanças e
padrões experimentados por membros de uma dada espécie, portanto, comuns aos indivíduos que
dela participam. Por exemplo, o desenvolvimento do sistema nervoso humano se processou ao longo
de centenas de milhares de anos, atravessando várias coortes, desde seus ancestrais primatas,
passando pelos vários tipos de hominídeos até o homo sapiens como o conhecemos hoje. O processo
de desenvolvimento desse sistema obedece, portanto, padrões determinados por meio de gerações
anteriores, no processo filogenético.
Já a ontogênese visa delimitar os fenômenos de transformação de um organismo em particular,
em seu contato singular com seu meio, pois, para que esse elaborado e meticuloso processo
filogenético atinja sua plenitude em determinado ser particular, ou seja, para que esse aparelho
funcione adequadamente em dada pessoa, esse organismo em específico precisará atravessar
condições muito variadas como a alimentação apropriada e os estímulos ambientais necessários, e
mais especificamente, deverá ainda experenciar situações absolutamente singulares que irão lhe
conferir uma conformação única, no processo ontogenético. Assim, a principal tarefa dos
pesquisadores do desenvolvimento é investigar como os organismos estabelecem, mantêm e
reorganizam seus comportamentos e relacionamentos dentro de um ambiente, ao longo de sua
ontogenia.
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/13
Verificamos, portanto, e desde já, a interdependência entre filogênese e ontogênese e a
distinção que fazemos aqui, meramente didática, visa apenas nos instrumentalizar para as
problemáticas inerentes ao campo, além de nos encadear na esteira de mais alguns conceitos
fundamentais ao estudo do desenvolvimento humano, a saber:a hereditariedade, o crescimento, a
maturação, os períodos críticos ou sensíveis, a plasticidade do desenvolvimento humano, entre outros.
1.2 HEREDITARIEDADE X AMBIENTE
A discussão sobre o papel da hereditariedade, ou seja, sobre o raio de influência que a
determinação genética exerce sobre os fenômenos do desenvolvimento, em contraposição com as
influências provenientes da experiência do organismo em determinado meio, está no próprio início
dos debates da ciência do desenvolvimento humano e ainda repercute significativamente.
Correntes teóricas inatistas e ambientalistas foram progressivamente se desenvolvendo em
modelos interacionistas em que “a herança genética não se constitui em algo imutável e já acabado,
mas em traços e tendências que se integram e interagem com os fatores ambientais e que resultam
em fatores imprescindíveis aos processos evolutivos” (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 74).
Com a evolução da ciência do desenvolvimento humano, hoje “Os desenvolvimentistas
compreendem que mesmo que um traço ou qualidade específico seja 100% genético, sua expressão
é 100% dependente do mundo externo” (Belsky, 2010, p. 48). Isso porque uma característica, seja ela
qual for, manifesta-se em determinado contexto que pode potencializá-la ou até mesmo suprimi-la.
No modelo bioecológico de Urie Bronfenbrenner, por exemplo, “a herança genética não se constitui
em algo imutável e já acabado, mas em traços e tendências que se integram e interagem com os
fatores ambientais e que resultam em fatores imprescindíveis aos processos evolutivos” (Dessen;
Costa Junior, 2008, p. 74).
Os estudos com gêmeos no campo da genética comportamental visam mensurar justamente a
influência da hereditariedade genética nos comportamentos e características fenotípicas em
contraposição às ambientais.
Os estudos de gêmeos podem comparar gêmeos monozigóticos, ou idênticos, com gêmeos
dizigóticos em relação à determinada capacidade cognitiva ou traço de personalidade, por exemplo.
Traços e características mais predominantes em gêmeos monozigóticos sugerem uma influência mais
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/13
significativa do genoma, já que gêmeos idênticos ou monozigóticos (quando um único óvulo é
fecundado); compartilham 100% de seu código genético, enquanto os dizigóticos 50%.
Os geneticistas comportamentais também desenvolvem estudos de adoção, em que crianças
adotadas são comparadas com seus pais biológicos. Traços e características que, mesmo na ausência
da convivência, são comuns, sugerem uma influência genética preponderante.
Contudo, as evidências mais significativas da influência que a genética exerce sobre as
expressões dos fenótipos são encontradas em estudos mais raros de gêmeos monozigóticos
adotados, nos quais gêmeos idênticos são separados na infância e rastreados na vida adulta. Da
mesma forma, as características que perseveram depois de adultos em ambos os gêmeos, mesmo
estes tendo sido separados em tenra idade, sugerem forte conotação do genoma na equação final
das expressões do fenótipo (Beslky, 2010, p. 46).
TEMA 2 – CRESCIMENTO E MATURAÇÃO
Podemos definir brevemente o conceito de crescimento como a transformação quantitativa que
se processa no corpo, no que tange ao aspecto biológico, como a idade cronológica, além de
caracteres antropométricos como altura, massa muscular e peso, por exemplo. Dado que o
crescimento é o aumento na estrutura física do corpo, proveniente da multiplicação celular
(hiperplasia), do aumento do tamanho das células (hipertrofia) e do aumento das substâncias
intercelulares, e que implica mudanças anatômicas, bem como na diferenciação das estruturas, ele
pode ser, portanto, mensurado.
Já o conceito de maturação nos remete às transformações morfológicas e fisiológicas
qualitativas que se operam no organismo, com uma ordem de ascensão fixa que pode variar no
quesito ritmo, mas não em relação à sequência no aparecimento das características fenotípicas. Essa
progressão qualitativa é direcionada para o estado e as atividades normais do adulto, possibilitando
assim ao organismo a capacidade de executar atividades cada vez mais complexas.
A maturação sexual, por exemplo, que verificamos emergir durante o período de puberdade,
desencadeia estímulos hormonais diferenciados nas meninas e meninos no sentido de preparar o
organismo para um comportamento bastante complexo, o da reprodução.
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/13
Não obstante, a maturação conserva também uma certa plasticidade em relação ao crescimento.
Dois indivíduos de mesma idade exata podem apresentar maturação sexual ou psicológicas bastante
variadas, isso porque os processos de maturação não se reduzem aos processos de crescimento, eles
envolvem também fatores socioculturais:
Um evento normativo é experimentado de modo semelhante pela maioria das pessoas em um
grupo. Influências normativas etárias são muito semelhantes para pessoas de uma determinada
faixa etária. Elas incluem eventos biológicos (como puberdade e menopausa) e eventos sociais
(como ingresso na educação formal, casamento, paternidade-maternidade e aposentadoria.) O
tempo de ocorrência dos eventos biológicos é fixo, dentro de uma faixa normal. (As pessoas não
experimentam a puberdade aos 35 anos ou a menopausa aos 12). O tempo de ocorrência dos
eventos sociais é mais flexível e varia em diferentes tempos e lugares, embora dentro de limites de
maturação. Uma mulher normalmente pode engravidar e ter um filho em qualquer tempo entre a
puberdade e a menopausa. Nas sociedades industriais do ocidente, as crianças geralmente iniciam
a educação formal em torno dos 5 ou 6 anos, mas em alguns países em desenvolvimento, a
educação escolar, quando ocorre, começa muito mais tarde. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 58)
TEMA 3 – PERÍODOS CRÍTICOS OU SENSÍVEIS X PLASTICIDADE
Os períodos críticos ou sensíveis no processo de maturação nos remetem à noção de um período
ou espaço temporal em que o organismo está particularmente sensível a determinados estímulos
mais que por outros ou em outros momentos do desenvolvimento. A reação de sorriso do bebê ao
rosto humano, descrita por Spitz, que veremos com mais detalhes nas próximas aulas, exemplifica
com clareza a captura de atenção que o rosto humano, ou melhor, a gestalt boca, nariz e olhos,
exerce sobre a atenção do bebê aos dois meses e meio de idade.
A ausência de determinado estímulo imprescindível, na fase sensível, poderá contribuir para o
atrofiamento de uma função correspondente ou, no caminho contrário, um estímulo inapropriado em
um período sensível poderia também desencadear padrões atípicos e disfuncionais de
comportamento.
Essa perspectiva, contudo, requer seu contraponto diante da característica plástica que o
desenvolvimento humano apresenta, pois o desenvolvimento não é um fenômeno rígido nem linear,
mas flexível e dinâmico.
Papalia et al. (2006) relatam a descoberta de crianças romenas internadas em um orfanato
superlotado por um longo período, e privadas de contato social minimamente satisfatório com
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/13
cuidadores e entre si, além de estimulações de toda ordem já que permaneciam a maior parte do
tempo deitadas em seus berços ou camas: “A maioria das crianças com 2 e 3 anos não andava nem
falava, e as crianças maiores brincavam a esmo. Tomografias de seus cérebros mostraram extrema
inatividade nos lobos temporais, que regulam as emoções e recebem dados sensórios” (Papalia et al.,
2006, p. 174).
Muitas dessas crianças foram adotadas por famílias estrangeiras. Os pesquisadores da Universidade
de Simon Fraser de British Columbia estudaram 46 crianças, de 8 meses a 5 anos e 6 meses, que
foram adotadas por casais canadenses (Ames, 1997; Morison, Ames e Chisholm, 1995). Na época de
adoção, todas as crianças apresentavam atrasos no desenvolvimento motor, linguístico e
psicossocial, equase 80% delas estavam atrasadas em todas essas áreas. Três anos depois, quando
comparadas com crianças que ficaram nos orfanatos romenos, elas apresentavam um progresso
notável. Mesmo quando comparadas com crianças canadenses criadas em seus próprios lares
desde o nascimento, aproximadamente um terço não tinha nenhum problema sério e estava bem -
em alguns casos até melhor do que uma criança mediana criada em casa. Outro terço delas -
geralmente aquelas que permaneceram internadas por mais tempo - ainda tinha sérios problemas
de desenvolvimento. O restante estava encaminhando-se para comportamento e desempenho
normais. (Papalia et al., 2006, p. 174)
Entretanto, os autores ainda citam outras pesquisas que sugerem “que a estimulação ambiental
precisa ocorrer muito cedo para que os efeitos da privação extrema sejam plenamente superados”
(Papalia et al., 2006, p. 174), pois, um dado importante sobre a plasticidade do desenvolvimento
humano é justamente o fato de que ela é tanto maior em idades mais precoces, haja vista que as
trilhas neuronais ainda estão se consolidando.
O fato é que o desenvolvimento humano pressupõe períodos críticos ou sensíveis que
comportam alguma plasticidade, como a plasticidade neural, que possibilita inclusive ao cérebro
contrabalancear deficiências com remanejamentos funcionais de neurônios. Sabe-se, por exemplo,
que neurônios do lobo occipital envolvidos com o processamento visual de pessoas que nascem com
deficiência no aparelho visual, com o passar do tempo são cooptados para outras finalidades que não
as que inicialmente lhe eram atribuídas. Ou seja, quando a deficiência é congênita ou acontece em
período muito precoce, o cérebro possui a capacidade de remanejamento desses neurônios que não
permanecem ociosos, mas cooperam para o desenvolvimento de outra capacidade.
Essa capacidade, contudo, não se verifica em pessoas que adquirem a deficiência visual em idade
posterior, pois os neurônios já estão envolvidos com o processamento dos estímulos provenientes do
aparelho sensorial visual. Segundo Spitz (2004, p. 109),
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/13
O primeiro ano de vida é o mais plástico do desenvolvimento humano. O homem nasce com um
mínimo de padrões de comportamento pré-formados e deve adquirir incontáveis habilidades no
decorrer do seu primeiro ano de vida. Nunca mais na vida tanto será aprendido em tão pouco
tempo.
TEMA 4 – ESTÁGIO E TRANSIÇÃO: O CICLO DE VIDA
O conceito de ciclo de vida ou ciclo vital, dividido em períodos ou estágios “é uma construção
social: um ideal acerca da natureza da realidade aceito pelos integrantes de uma determinada
sociedade em uma determinada época com base em percepções ou suposições subjetivas
compartilhadas” (Papalia et al., 2006, p. 51). Um de seus principais propositores foi o psicanalista
alemão Erik Erikson, que estudaremos com mais detalhes em aulas posteriores.
A ideia que o ciclo vital pressupõe de que o desenvolvimento não se limita à infância e à
adolescência, mas se estende pela vida toda, é relativamente nova, “Hoje, a maioria dos cientistas do
desenvolvimento reconhecem que o desenvolvimento ocorre durante toda a vida. Esse conceito de
um processo vitalício de desenvolvimento que pode ser estudado cientificamente é conhecido como
desenvolvimento no ciclo vital” (Papalia, 2006, p. 48).
Os períodos ou estágios do ciclo vital são atravessados pelas influências culturais em grande
medida, pois “As sociedades do mundo inteiro reconhecem diferenças no modo como pessoas de
diferentes idades pensam, sentem e agem, mas elas dividem o ciclo de vida de modos diferentes”
(Papalia, 2006, p. 51).
Outra característica dialética que o desenvolvimento humano pressupõe são as noções de
estágio e transição, que se processam durante as mudanças qualitativas e estão diretamente
interligadas: “Enquanto estágio refere-se a um conjunto de padrões comportamentais e habilidades
características de uma determinada idade ou fase do ciclo de vida do indivíduo, a transição refere-se
aos períodos de passagem de um estágio para outro no ciclo de vida ou na aquisição de habilidades,
sejam motoras, cognitivas, sociais, afetivas, dentre outras” (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 23).
Mudança e estabilidade são duas constantes no processo de desenvolvimento humano e, como
se pode intuir, intercalam-se e interpenetram-se, sucessivamente, conforme o organismo em seu
contexto vai adquirindo novas habilidades e as acomodando, no processo de maturação durante o
ciclo de vida.
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/13
Mesmos os estudos sobre as mudanças nos padrões adaptativos, segundo Dessen e Costa Junior
(2008), começam
com uma análise sistemática das acomodações cognitivas e comportamentais do indivíduo
observadas em períodos específicos de tempo, considerando também as mudanças concomitantes
ocorridas em outros sistemas orgânicos e ambientais. Isso significa que as mudanças sistêmicas que
apoiam ou consolidam uma nova direção adaptativa são examinadas considerando o
entrelaçamento dinâmico entre os diferentes níveis do sistema e o respectivo tempo da
reorganização adaptativa. Por exemplo, os processos de transição da infância para a adolescência e
da adolescência para a fase adulta sugerem várias continuidades e mudanças que são comumente
descritas nos livros clássicos de psicologia do desenvolvimento. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 26)
De acordo com esses autores, apoiados em Elder (1996), a continuidade compreende
padrões relacionais e comportamentais transferidos de uma situação anterior para uma nova
situação. Esses padrões quase sempre eliciam respostas nos outros organismos ou indivíduos que
fazem parte do novo contexto de interação, que, por sua vez, apoiarão ou validarão os padrões
iniciais, contribuindo para adaptá-los às características do novo contexto. (Dessen; Costa Junior,
2008, p. 25-26)
TEMA 5 – DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL
Uma das características mais singulares e idiossincráticas do ser humano é a capacidade de criar
e desenvolver cultura. Ela antecede os que nela nascem e os ultrapassa, e é por eles transformada ao
transformá-los.
Não obstante as muitas pesquisas e esforços teóricos, a influência que a cultura exerce no
desenvolvimento humano seria praticamente incomensurável não fossem também alguns casos em
que crianças foram privadas do convívio social humano, como no lendário caso de Amala e Kamala,
as meninas lobo, ou do menino Victor, dramatizada no filme O garoto Selvagem, de François Truffault,
entre outros.
Crianças que, no processo de desenvolvimento infantil, são privadas do convívio com outros
seres humanos, uma vez reintegradas, podem se desenvolver normal, ou satisfatoriamente? Quais as
melhores estratégias para desenvolvê-las?
Conforme o campo do desenvolvimento humano foi se consolidando como uma disciplina
científica, “seus objetivos evoluíram para incluir a descrição, explicação, predição e modificação do
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/13
comportamento” (Papalia, 2006, p. 50).
Para tanto, os desenvolvimentistas precisaram incorporar cada vez mais no seio das suas
pesquisas e teorias as influências que o contexto sociocultural exercia sobre o desenvolvimento, bem
como o papel ativo do sujeito frente a ele.
A epistemologia genética de Jean Piaget, que se vale das premissas construtivistas, e a
perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky são exemplos de desenvolvimentos teóricos e
metodológicos que enfatizam o papel ativo da criança, porém, com ênfases díspares. Já as
concepções sociogenéticas, como a sociocultural construtivista,
Considerando o papel ativo do sujeito no seu desenvolvimento (enfatizado pelo construtivismo) e a
importância dos contextos simbólico-sociais (enfatizada pela perspectiva histórico- cultural), [...] é
uma tentativa de superação da unidirecionalidade dos estudos psicológicos, que oraressaltam a
importância do indivíduo e esquecem o contexto ora valorizam o contexto e colocam em segundo
plano o papel ativo e intencional do sujeito psicológico. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 91)
Trata-se, nas abordagens que visam sintetizar as influências socioculturais e a atividade do
sujeito quanto ao seu desenvolvimento, de ressaltar o vetor social como a gênese das funções
psicológicas superiores
Fora dos contextos socioculturais estruturados, não é possível a emergência das funções
psicológicas tipicamente humanas, tais como: o pensamento abstrato, a atenção voluntária e a
consciência autoreferente. A cultura, portanto, não influencia apenas o desenvolvimento humano: a
cultura constitui o sujeito psicológico, marcando de forma profunda o seu desenvolvimento e
conferindo-lhe o seu caráter humano. (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 91-92)
NA PRÁTICA
A sabedoria popular preconiza que, “filho de peixe, peixinho é”, bem como compreende que as
influências do meio exercem suas determinações, afinal, “diga-me com quem andas, e direi que és”.
Por que será que João é assim e Joaquim assado? Ora, dentre as questões que devem ser
respondidas depois desta aula estão: o desenvolvimento humano é um fenômeno ou processo rígido
e linear, geneticamente determinado, que não ocorre por exemplo na velhice?
A resposta deve considerar que o desenvolvimento humano é um processo flexível e complexo,
dinâmico e biopsicossocial, ou seja, com determinações genéticas e biológicas, sociais, comunitárias
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/13
e culturais, e psicológicas, que interagem entre si potencializando-se ou anulando-se no ciclo vital
completo, desde o nascimento até a morte.
FINALIZANDO
Vimos que a ciência do desenvolvimento humano tem como objeto de investigação os
processos sistemáticos de mudança e estabilidade que ocorrem ao longo de todo o clico vital, desde
sua concepção até a morte, e que se trata de um campo amplo de estudo transdisciplinar que se
serve de uma gama enorme de outras disciplinas, dada a complexidade e o dinamismo inerentes ao
desenvolvimento humano.
Vimos, ainda que brevemente, que o desenvolvimento humano sob o enfoque mais específico
da Psicologia se iniciou em meados do século XIX e que, durante o século XX, as concepções
dicotômicas e voltadas quase que exclusivamente para a infância e a adolescência predominavam;
que filogênese é o processo de desenvolvimento das espécies, e que a ontogênese é o
desenvolvimento de um determinado organismo particular na relação com seu meio, e que por
hereditariedade entendemos como o código genético herdado das gerações anteriores influencia nas
expressões fenotípicas, em uma relação de mútua influência com os traços adquiridos no ambiente,
dentre eles, na cultura, que, por sua vez, as potencializa ou inibe, ou seja, influencia
exponencialmente na expressão dos fenômenos intrapsíquicos e do comportamento. Vimos também
que o crescimento nos remete às transformações biológicas quantitativas do corpo, e que a
maturação já denota uma alteração qualitativa em que o organismo adquire a capacidade de realizar
atividades mais complexas e maduras.
Sobre os períodos críticos ou sensíveis, em relação à plasticidade, discutimos sobre esses espaços
temporais em que o organismo está particularmente sensível a determinados estímulos que os
influenciam, e a flexibilidade que nosso desenvolvimento tem diante deles. Essa discussão nos levou
à díade estágio e transição, que são duas constantes do desenvolvimento, na medida em que, no
ciclo vital, o organismo se transforma por estágios. Todos esses conceitos e outros tantos mais visam
delinear aspectos ou dimensões do processo de desenvolvimento e, quando conjugados, explicitam a
complexidade desse campo do saber.
As questões que nortearam o debate no interior da disciplina em seus primórdios como entre
inatistas, ambientalistas, cognitivistas e interacionistas, pavimentaram as concepções modernas da
28/12/2022 17:16 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/13
ciência do desenvolvimento humano no sentido das concepções sociogenéticas, em que os seres
humanos são concebidos como “co-construtores do seu desenvolvimento enquanto sujeitos
singulares e, simultaneamente, são co-construtores dos contextos socioculturais nos quais se
inserem” (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 95).
É, portanto,
com a emergência da cultura e da possibilidade de um aprendizado coletivo (histórico) parece ser
um dos fatores essenciais para o surgimento da consciência humana, seja no plano filogenético seja
no ontogenético. Afinal, fora de um contexto sociocultural estruturado não é possível pensarmos
em consciência humana, a menos que acreditemos em uma versão essencialista da consciência,
como se a mesma já estivesse “pronta”, pré-programada em nossos genes. (Dessen; Costa Junior,
2008, p. 97)
REFERÊNCIAS
BELSKY, J. Desenvolvimento humano: experenciando o ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed,
2010.
DESSEN, M. A.; COSTA JUNIOR, Á. L. (Orgs.). A ciência do desenvolvimento humano:
tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed, 2008.
PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed,
2006.
SPITZ, R. A. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/15
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DESENVOLVIMENTO HUMANO
AULA 2
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/15
Prof. Cassio Gonçalves de Azevedo
CONVERSA INICIAL
Conforme vimos em conteúdo anterior, a infância, bem como a adolescência, foram as primeiras
fases do ciclo vital a chamar a atenção dos estudiosos do desenvolvimento humano, ao ponto de as
concepções mais tradicionais nesta disciplina praticamente terem reduzido o desenvolvimento a
estes períodos.
A infância, portanto, talvez tenha sido o período do desenvolvimento mais estudado pela
psicologia e psicanálise e pela ciência do desenvolvimento, o que fez com que se produzisse, sobre
ela, um vasto material teórico e metodológico sobre o qual teremos também que examinar um pouco
mais detidamente.
Mas nem sempre foi assim.
Iniciaremos nosso percurso ao universo psicológico infantil resgatando o período anterior à
emergência da infância tal como a concebemos hoje para, na sequência, demonstrar como se deu
essa transição. Para tanto, nos valeremos do livro A história social da criança e da família, de Philippe
Ariès. Depois, iremos adentrar em um dos autores mais clássicos nos estudos sobre o
desenvolvimento infantil, ao ponto de fomentar desconhecimentos e preconceitos em relação a sua
teoria, como se ela reduzisse tudo à infância.
A psicanálise de Sigmund Freud foi umas das principais teorias responsáveis pela introdução e
reconhecimento da infância como um período crítico de desenvolvimento, com implicações para o
resto da vida.
Na sessão Na prática, serão apresentadas algumas situações concretas em que o aparato teórico
produzido pela psicanálise se faz imprescindível.
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/15
TEMA 1 – A DESCOBERTA DA INFÂNCIA
Muitas são as fontes do conhecimento que a humanidade produz. Tradicionalmente dividimos as
categorias do conhecimento como provenientes do senso comum, do conhecimento religioso, do
filosófico, científico e artístico. O historiador e medievalista francês Philippe Ariès (1914–1984) se
valeu de pelo menos dois destes para escrever seu livro seminal A história social da criança e da
família, originalmente publicado em 1960, e que utilizaremos para iniciar nossa jornada pelos
meandros da infância: o conhecimento científico da história e o da arte.
Ariès analisa com minúcias a iconografia medieval para ir muito além das questões estéticas e
pictóricas da arte e penetrar na representação social e psicológica que a infância tinha no seiodas
sociedades medievais, conceituadas pelo autor como Sentimentos da Infância: “O sentimento da
infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da
particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto,
mesmo jovem” (Ariès, 1978, p. 156).
Ariès observa que “na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento
da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas
ou desprezadas” (Ariès, 1978, p. 156).
Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a
solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se
distinguia mais destes. (Ariès, 1978, p. 156)
Assim que desmamadas, as crianças já eram incorporadas no seio das atividades adultas sem
grandes discriminações, o que denota uma brutal falta de compreensão das especificidades do
desenvolvimento infantil, do ponto de vista atual.
Por volta do século XIII, nos mostra Ariès, sugiram algumas representações de criança mais
próximas do padrão atual, sob a forma de anjos, mas ainda assim, eram crianças maiores, pequenos
jovens. Um segundo tipo de criança foi o menino Jesus, “Com a maternidade da Virgem, a tenra
infância ingressou no mundo das representações” (Ariès, 1978, p. 53). Um terceiro tipo de criança foi
a criança nua, na fase gótica, porém, “como a alegoria da morte e da alma que introduziria no mundo
das formas a imagem da nudez infantil” (Ariès, 1978, p. 53).
Enquanto a origem dos temas do anjo, das infâncias santas e de suas posteriores evoluções
iconográficas remontava ao século XIII, no século XV surgiram dois tipos novos de representação da
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/15
infância: o retrato e o putto. A criança, como vimos, não estava ausente da Idade Média, ao menos a
partir do século XIII, mas nunca era o modelo de um retrato, de um retrato de uma criança real, tal
como ela aparecia num determinado momento de sua vida. (Ariès, 1978, p. 56)
O autor também destaca o aparecimento do retrato da criança morta, no século XVI. Vale
destacar que, em função das condições precárias de higiene e saúde da Europa medieval, os índices
de mortalidade infantil eram altíssimos, o que fazia com que os adultos, quase como um mecanismo
de defesa contra a perda eminente, não se permitissem o estabelecimento de laços afetivos de apego
substanciais.
A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser
acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu
desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século
XVI e durante o século XVl. (Ariès, 1978, p. 65)
Ou seja, foi somente no século XVII que dois novos “sentimentos” se fizeram notar para além dos
círculos mais íntimos, mas como uma experiência social compartilhada. O primeiro foi o que Ariès
denominou de paparicação: “Um novo sentimento da infância havia surgido, em que a criança, por
sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o
adulto, um sentimento que poderíamos chamar de “paparicação”” (Ariès, 1978, p. 158).
A maneira de ser das crianças deve ter sempre parecido encantadora às mães e às amas, mas esse
sentimento pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos. De agora em diante, porém
as pessoas não hesitariam mais em admitir o prazer provocado pelas maneiras das crianças
pequenas, o prazer que sentiam em “paparicá-las". (Ariès, 1978, p. 158)
Esse primeiro “sentimento” da infância, contudo, suscitou um segundo, sobretudo no século XVII,
de exasperação em relação ao primeiro, como que uma reação crítica à paparicação: “É preciso deixar
claro que esse sentimento de exasperação era tão novo quanto a “paparicação”, e ainda mais
estranho à promiscuidade indiferente das idades da sociedade medieval” (Ariès, 1978, p. 161).
É entre os moralistas e os educadores do século XVII que vemos formar-se esse outro sentimento
da infância que estudamos no capítulo anterior e que inspirou toda a educação até o século XX,
tanto na cidade como no campo, na burguesia como no povo. O apego à infância e à sua
particularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse
psicológico e da preocupação moral [...] Era preciso antes conhecê-la melhor para corrigi-la, e os
textos do fim do século XVI e do século XVII estão cheios de observações sobre a psicologia
infantil. Tentava-se penetrar na mentalidade das crianças para melhor adaptar a seu nível os
métodos de educação. Pois as pessoas se preocupavam muito com as crianças, consideradas
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/15
testemunhos da inocência batismal, semelhantes aos anjos e próximas de Cristo, que as havia
amado. Mas esse interesse impunha que se desenvolvesse nas crianças uma razão ainda frágil e
que se fizesse delas homens racionais e cristãos. (Ariès, 1978, p. 162-163)
Assim, o autor nos mostra que a trajetória que a infância atravessou desde uma negligência, em
que não se tinham sequer as noções que hoje nos parecem básicas acerca da infância, até uma
consideração mais detida das particularidades desse período do desenvolvimento não foi abrupta,
tampouco linear.
O primeiro sentimento da infância - caracterizado pela “paparicação" - surgiu no meio familiar, na
companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior à
família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e de um maior número de
moralistas no século XVII, preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. Esses
moralistas haviam-se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas
recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis
criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento, por sua
vez, passou para a vida familiar.
No século XVIII, encontramos na família esses dois elementos antigos associados a um elemento
novo: a preocupação com a higiene e a saúde física. (Ariès, 1978, p. 163-164)
No século XVIII, então,
Tudo o que se referia às crianças e à família tornara-se um assunto sério e digno de atenção. Não
apenas o futuro da criança, mas também sua simples presença e existência eram dignas de
preocupação – a criança havia assumido um lugar central dentro da família. (Ariès, 1978, p. 164)
Estava, assim, preparando-se o terreno para o que viria já no final do século XIX.
TEMA 2 – O DESCASO COM O INFANTIL
Freud foi não apenas um dos responsáveis pela introdução da infância e suas particularidades
nos estudos psicológicos, reconhecendo nessa etapa da vida um período diferenciado e importante
de desenvolvimento infantil. Ele o fez por uma determinada via absolutamente radical para os
padrões de sua época, a da sexualidade.
Importante, desde já, que nos familiarizemos com a terminologia freudiana, em contraposição às
concepções mais comuns que os termos por Freud empregados costumam ter. Por exemplo, a
conotação que o termo sexual abrange no senso comum não abarca, nem de longe, os contornos
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/15
que a teoria psicanalítica a ele confere, pois, sexualidade em psicanálise não se restringe às questões
meramente reprodutivas, às genitálias ou ao sexo. O emprego do termo sexualidade por Freud
denota muito mais da relação do sujeito com seu próprio corpo, suas experiências de prazer e
desprazer na relação com as muitas alteridades que o constituem.
Já nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905, Freud subverte a moral da sociedade
vitoriana repressiva de sua época ao ponto de ser, ele mesmo, alvo de acusações de perversão, o que
não lhe fez, porém, contudo, retrocederdiante das manifestações que emanavam de sua clínica.
Na concepção popular do instinto sexual, ele está ausente na infância e desperta somente no
período da vida que designamos como puberdade. Isso não é um erro qualquer, mas de grandes
consequências, pois principalmente a ele devemos nosso atual desconhecimento das condições
fundamentais da vida sexual. Um estudo aprofundado das manifestações sexuais infantis
provavelmente revelaria os traços essenciais do instinto sexual, mostraria seu desenvolvimento e
nos faria ver sua composição a partir de várias fontes. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 73)
Freud estarreceu sua época ao revelar ao mundo que as crianças possuem sim uma sexualidade
e que ela é muito mais intransigente do que eles supunham. Para tanto, por exemplo, observou a
supervalorização dos aspectos filogenéticos, em detrimento do papel que a ontogênese
desempenhara nos estudos do desenvolvimento:
É digno de nota que os autores que se ocuparam da explicação das características e reações do
indivíduo adulto tenham dado bem mais atenção à pré-história abarcada pelas vidas dos
antepassados, ou seja, tenham atribuído bem maior influência à hereditariedade do que àquela
outra pré-história que se situa já na existência individual da pessoa, a infância. Seria de acreditar
que a influência desse período da vida é mais facilmente compreensível e deve ser considerada
antes da hereditariedade. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 73)
Não são poucas as referências que Freud faz ao desenvolvimento filogenético, ao longo de sua
obra, porém, sua atenção se volta sempre para a ontogenia, pois, mesmo quando busca ancorar suas
observações e conclusões em determinações filogenéticas, “não deixa de atribuir prioridade à
ontogênese na constituição dos sintomas e da subjetividade de seu paciente. Freud, na verdade,
aponta a filogênese, mas advoga em favor do determinismo infantil na constituição psíquica”
(Zavaroni et al. 2007, p. 68-69).
No “Projeto para uma psicologia científica”, Freud (1950 [1895]/ 1980) atribui às experiências
infantis valor determinante e fundante do psiquismo. Ele estabelece o desamparo infantil e a busca
de satisfação como elementos constituintes da subjetividade. Será por meio da compreensão do
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/15
psiquismo em seus momentos iniciais, que Freud irá estabelecer o paradigma que sustentará suas
elaborações. Segundo ele, o corpo do bebê impõe necessidades que o mesmo não tem como
responder. Essas necessidades exigem, por sua vez, uma ação específica para que sejam satisfeitas.
Impossibilitado de levar a cabo tal ação, a única descarga possível ao bebê será o choro que se
torna signo de comunicação, pois traz até ele (o bebê) a proximidade do outro que providenciará
sua satisfação. É nas vicissitudes dessas experiências que Freud situa a inscrição da pulsão na
constituição psíquica e aponta para um deslizamento que muda o rumo das necessidades.
(Zavaroni et al. 2007, p. 67)
TEMA 3 – AMNÉSIA INFANTIL – RECALQUE
Percebemos que, não obstante a infância seja um dos períodos da vida mais ricos em
experiências significativas e cheio de emoções, em geral são muito poucas e nebulosas as lembranças
sobre o que vivemos quando criança. Flashes de situações ou impressões esparsas compõem um
quadro de imagem difícil, porém, de profunda repercussão. Assim, “tratando da amnésia do infantil
em Os três ensaios, Freud reafirma o paradoxo: o infantil remete a um período que é, ao mesmo
tempo, esquecido e determinante” (Zavaroni et al. 2007, p. 68).
Freud desde sempre esteve muito atento às entrelinhas dos discursos. Não apenas o conteúdo
manifesto se fazia importante, mas também o conteúdo latente, aquele que não aparece, mas que se
faz notar pela ausência. Assim,
Mesmo quando se voltava à reconstituição dos fatos de infância relatados por seus pacientes, o que
mantinha Freud ocupado com a infância era algo da ordem do recalcado. O infantil recalcado,
muito mais que um relato sobre a infância, foi, desde sempre, o seu verdadeiro interesse. No
processo de constituição psíquica, é o momento de maior capacidade de receber e reproduzir
impressões. São impressões esquecidas que deixam os mais profundos traços em nossas mentes, e
que são tomados eles mesmos como traumáticos e constituintes, com efeito determinante. Nesse
sentido, o “traumático” se interioriza: não seriam mais as experiências como tais, mas os seus traços
o que adquire estatuto traumático. Inscrições e traços esquecidos, mas não apagados. Freud
enfatiza que não se pode falar de apagamento ou abolição, mas de recalque. (Zavaroni et al., 2007,
p. 66)
Freud relaciona, portanto, a negligência ou o descaso dos estudos do desenvolvimento humano
infantil com o esquecimento que em geral se têm desse período tão especial da vida:
Creio que a razão para essa curiosa negligência deve ser buscada, em parte, nos es crúpulos
convencionais, que os autores observam devi do a sua própria educação, e, em parte, num
fenômeno psíquico que até agora subtraiu-se ele mesmo à explica ção. Refiro-me à peculiar
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/15
amnésia que esconde à maioria das pessoas (não a todas!) os primeiros anos da infân cia, até os seis
ou oito anos de idade. Não nos ocorreu, até o momento, assombrarmo-nos com essa amnésia, mas
teríamos boas razões para isso. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 75)
[...]
Por outro lado, temos de supor, ou podemos nos con vencer pela investigação psicológica em
outras pessoas, que as mesmas impressões que esquecemos deixaram, todavia, os mais profundos
traços em nossa vida psíqui ca, e se tornaram determinantes para todo o nosso desen volvimento
posterior. Não pode se tratar, então, de um verdadeiro desaparecimento das impressões da infância,
mas sim de uma amnésia semelhante à que observamos nos neuróticos em relação a vivências
posteriores, cuja essência consiste num mero afastamento da consciência (repressão). Mas que
forças produzem essa repressão das impressões infantis? Quem resolver esse enigma terá,
provavelmente, esclarecido também a amnésia histérica. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 76)
Dado que seu interesse eram as neuroses e os mecanismos de recalque e repressão, Freud
vislumbra a vulnerabilidade que o período infantil apresenta em relação às experiências de
satisfações frustradas das pulsões parciais, interditadas, em que a censura se impôs. É sobre o
período da infância que a educação mais se impõe, em que os moralistas do século XVII, como
vimos, se empenhavam em domar, ou seja, sobre esse período incidem com mais intensidade os
mecanismos de recalque e repressão.
O recalque, basicamente, consiste na operação psicológica de afastar da consciência qualquer
manifestação de pensamento, afeto ou desejo intolerado pelo julgamento do eu, e está na própria
gênese da formação dos sintomas neuróticos, dado que os conteúdos recalcados insistem em
retornar.
Como sabemos, nem todas as nossas aspirações são possíveis de realizar, principalmente quando
dizem respeito ao nosso corpo e à nossa sexualidade. Com a impossibilidade da realização desses
impulsos, aspirações e desejos, entra em ação um mecanismo que Freud chamou de recalque. Esse
mecanismo consiste em afastar da consciência qualquer pensamento que tenha sido proibido de
ser realizado. (Furtado; Vieira, 2014, p. 94)
O período de latência, que veremos em conteúdo posterior, é um período em que o mecanismo
de recalque das experiências sexuais infantis se faz sentir justamente pelo que o caracteriza, a
expressão de uma lacuna, de uma operação latente que visa a supressão e o desvio das metas
sexuais para outras finalidades.
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/15
TEMA 4 – O INFANTIL E A SEXUALIDADE HUMANA
A infância foi desde o início da elucubração freudiana um dos temas de maior destaque, pois, se
há uma característica indelével dessa práxis é a postulaçãode Freud de que as bases da constituição
psíquica do ser humano remontam ao período de desenvolvimento infantil.
Entretanto, o tema do infantil em psicanálise extrapola a idade cronológica da infância, e se
espraia pela estruturação da personalidade, pela formação de sintomas ao longo da vida adulta e,
também, não se reduz aos eventos reais, mas adentra e adquire seu estatuto próprio no campo da
fantasia.
Como um conceito que se constitui no cerne do trabalho de análise, a teorização do infantil
comparece na metapsicologia como um recurso que possibilita uma posição do analista em relação
àquilo que ouve de seu paciente. Em suas diferentes facetas, o infantil refere-se àquilo que, sob a
ação do recalque, origina e determina o psiquismo humano. Referido a um tempo originário, o
infantil inscreve-se no psiquismo humano como uma construção atravessada pela fantasia. No
trabalho de psicanálise, o infantil comparece em um constante movimento de retorno e atualização
daquilo que, no percurso do desenvolvimento pulsional, pode ser construído, somente a posteriori,
como sendo a infância de cada analisando. (Zavaroni et al., 2007, p. 69)
Freud se volta para a constituição da infância para tão logo perceber “que não é a infância em si
que ali se apresenta, mas um mundo de desejos, fantasias, lembranças e recordações que, mesmo em
uma criança, se davam a posteriori” (Zavaroni et al., 2007, p. 68). Ou seja, tal como o sonho, é o relato
feito posteriormente que constrói as experiências infantis, em que fantasia e realidade se fundem
num todo opaco, fugidio e indiferenciado.
Freud observa no desenvolvimento humano infantil o que chama de manifestações sexuais
infantis, e as vai dissecando para elencar nelas três características essenciais: “Esta surge apoiando-se
numa das funções vitais do corpo, ainda não tem objeto sexual, é autoerótica, e sua meta sexual é
dominada por uma zona erógena”; e generaliza essas características “para a maioria das outras
atividades dos instintos sexuais infantis” (Freud, [1901-1905], 2016, p. 87).
Então se constataria que a excitação sexual da criança provém de muitas fontes. A satisfação
surgiria, antes de tudo, pela adequada excitação sensorial das chamadas zonas erógenas, cuja
função provavelmente pode ser exercida por qualquer área da pele e qualquer órgão dos sentidos,
provavelmente qualquer órgão, ao passo que existem zonas erógenas por excelência, cuja excitação
é garantida, desde o começo, por determinados dispositivos orgânicos. Além disso, a excitação
sexual surgiria como, digamos, produto secundário num grande número de processos do
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/15
organismo, tão logo esses atinjam certa intensidade; especialmente em toda emoção mais forte,
ainda que seja de natureza dolorosa. As excitações oriundas de todas essas fontes ainda não se
conjugariam, cada uma perseguiria isoladamente sua meta, que é apenas a obtenção de
determinado prazer. Portanto, o instinto sexual, na infância, não seria centrado, e seria
primeiramente sem objeto, autoerótico. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 157-158)
À essa característica autoerótica da sexualidade infantil, Freud denominou narcisismo primário,
período em que o próprio corpo da criança é tomado de um investimento libidinal preponderante, e,
dentre as “condições especiais” para que se dê a sensação de prazer numa dada zona erógena, à
título de exemplo, Freud elenca o caráter rítmico da estimulação, sinalizando para o fato de que “a
produção da sensação de prazer depende mais da qualidade do estímulo que da natureza da parte
do corpo” (Freud, [1901-1905], 2016, p. 88).
Assim, Freud vai traçando o esboço de uma sexualidade humana calcada no desenvolvimento
infantil, e dotada de propriedades essencialmente perverso-polimórficas, dado que a criança,
sob a influência da sedução, possa [...] ser induzida a todas as extensões possíveis. Isso mostra que
ela é constitucionalmente apta para isso; a realização encontra poucas resistências, porque as
barragens psíquicas para extensões sexuais - vergonha, nojo e moral - ainda não foram erguidas ou
se acham em construção, segundo a idade da criança. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 98)
Essa disposição, ao que parece, perdura, ou seja, mesmo depois de erigidas e consolidadas as
“barragens psíquicas” que Freud se refere, as extensões sexuais são um traço bastante distinto da
atividade sexual humana, pois
encontramos na vida comum das pessoas, práticas sexuais que não condizem com a finalidade
reprodutiva do ato sexual tal como ele é biologicamente determinado. Encontramos as práticas de
sexo oral, anal, masturbação, sadismo, masoquismo, exibicionismo e voyerismo, fetichismo e, no
entanto, nenhuma delas tem como finalidade última a reprodução propriamente dita. Muitas vezes,
essas práticas dispensam a união entre os sexos. (Furtado; Vieira, 2014, p. 96)
A pluralidade da sexualidade humana, das possibilidades de obtenção de prazer que se insinuam
para nossa espécie transpõe as configurações naturais de tal maneira ao ponto de se transfigurar, por
um deslocamento simbólico, em modalidades e tipos de gozos absolutamente discrepantes de
quaisquer finalidades, digamos, reprodutivas. Essa plasticidade do comportamento sexual humano
tem sua gênese nessa disposição.
Seguindo essa forma de pensar, Freud mostrou que a sexualidade humana possui variações
consideráveis nas suas necessidades, as quais tornam o homem um ser completamente diferente
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/15
dos outros animais. Chega, então, à conclusão de que esses elementos que constituem a vida
sexual adulta, que dizem respeito também à obtenção de prazer em outras partes do corpo
diferentes dos genitais, encontramo-los facilmente na vida das crianças. Certas partes do corpo que
são fontes de prazer e de estimulação começam a atuar na criança desde seus primeiros momentos
de vida e depois acabam se organizando para compor a função sexual propriamente dita. (Furtado;
Vieira, 2014, p. 96)
Essa organização, como veremos, não é sinônimo de superação das fases anteriores, na
realidade, ela assume uma configuração sempre muito complexa e subjetiva, em que as pulsões
parciais são recalcadas e a primazia das zonas erógenas genitais sobrevêm direcionadas para o
objeto sexual propriamente dito, sem, contudo, nunca superar completamente as marcas que o
circuito pulsional infantil experimentou, bem como sua origem autoerótica.
TEMA 5 – O COMPLEXO DE ÉDIPO
Dentre as vivências estruturantes experimentadas ao longo do desenvolvimento infantil que a
psicanálise se ocupou está o Complexo de Édipo, extraído por Freud da tragédia grega Édipo Rei, de
Sófocles (496-406 a.C.).
A condição de desamparo e dependência do enfant (aquele que não fala), promove essa relação
quase simbiótica com o cuidador, em geral, a mãe. Ela o amamenta enquanto o olha com ternura,
acaricia enquanto o limpa, erogenizando partes de seu corpo, cuidando para que não lhe falte
alimento nem amor.
Na fase fálica, que veremos em conteúdo posterior, a diferença sexual entre meninos e meninas
se acentua, e as teorias sexuais infantis são criadas para dar conta desse tabu sobre o qual os adultos
não falam muito.
Muitas respostas –– teorias sexuais infantis –– podem ser elaboradas pela criança objetivando
justificar a ausência do traço masculino encarnado pelo pênis nas mulheres. Pode-se pensar que
esse órgão ainda vai crescer; que essas pessoas podem ter sido castradas porque continuaram sua
prática masturbatória etc. Entretanto, acreditam ainda que sua mãe, “a pessoa mais respeitável do
mundo”, ainda possui aquele atributo fálico. (Furtado; Vieira, 2014, p. 102)
O papel paterno é justamente o de intervir nessa presença da mãe, permeando-a e dialetizando-
a. Ora a mãe estará, ora não estará, e quando não estiver, onde estaria ela? Muito provavelmente
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/12/15
atrás de algum atributo do pai, ou de qualquer outra pessoa ou coisa que lhe falte, para além do
filho.
Essa opinião começa a ruir quando o garoto percebe que sua mãe também é diferente, que lhe
falta algo muito importante. Então, quando se verifica a diferença sexual da própria mãe, o garoto
vive um momento de angústia, pois, na sua fantasia, percebe que a castração é possível e que
inclusive sua mãe foi vítima! Esse momento traumático para o garoto é conhecido como Complexo
de castração. O que resta ao menino é ter que obedecer às ameaças de seu pai, rival e detentor do
amor da mãe, para que possa continuar ileso com relação a seu membro tão valioso. Neste
momento, o pai mostra-se detentor de atributos que justificam as idas e vindas da mãe. O pequeno
Édipo encontra em seu pai o responsável por sua mãe se atrasar e desejar outras coisas que não ele
mesmo. Essas características, esses atributos que justificam e explicam para a criança as ausências
da mãe, denominamos falo. São assim chamadas por constituírem representações substitutas desse
pênis que falta à mãe e que ela vai buscar em outras pessoas ou objetos. Falo é o conceito
psicanalítico que indica a representação da falta e que permite a dialetização das relações do
sujeito com o Outro. (Furtado; Vieira, 2014, p. 102-103)
Essa seria a matriz da constituição psíquica masculina, que se daria sob a forma de uma ameaça
castradora, ameaça essa que “constitui uma lei enunciada pelo pai e custará sua entrada na cultura,
na vida em sociedade com todas as suas normas e proibições” (Furtado; Vieira, 2014, p. 103).
Dentre as fantasias femininas frente à angústia de castração, Freud insiste no mesmo complexo
de Édipo apenas distinguindo a “saída” feminina do conflito. Essa saída se dá por meio de
um processo mais complexo e obscuro, e tal fato o faz referir-se à feminilidade como um
continente negro. A menina também mantém seus desejos relacionados à mãe, mantém práticas
masturbatórias e atribui universalmente seu órgão (clitóris) a todos. Quando percebe a existência
de um traço/órgão (pênis) que lhe falta, inicia sua pesquisa e cria também suas teorias. Supõe que
sua mãe também é detentora desse órgão, tal como seu pai, seu irmão ou outro representante do
sexo masculino. Pode achar inclusive que seu órgão também vai crescer. Contudo, suas esperanças
caem por terra quando percebe que sua mãe também é castrada. Daí atribui à própria mãe a culpa
de sua castração. Para compensar esse pênis que falta à mãe, vai buscar no pai tal objeto tão
intenso de prazer e interesse. (Furtado; Vieira, 2014, p. 103)
As referências a essa relação de concorrência com a mãe não são raras nos contos de fadas e
tampouco nos casos clínicos que atendemos nos consultórios, e é uma fonte de angústia e de
ambivalência também das meninas para com suas mães.
NA PRÁTICA
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/15
A infância sempre existiu como é? Como se iniciaram os estudos sobre as crianças? A
sexualidade inicia-se apenas com a puberdade e está ausente nas crianças?
Ora, nem a infância foi sempre vista como hoje nem as outras idades do ciclo vital também não
o são, haja vista que diferentes culturas concebem significações diferentes para idosos, crianças e
adultos em diferentes espaços do tempo.
Mas a infância como um período específico de desenvolvimento começou a ser percebida há
pouco mais de 300 anos, desde que os moralistas do século XVII se interessaram pela sua educação
moral, pois as manifestações sexuais infantis não só existiam, como existem ainda hoje, e sem o
pudor do adulto.
FINALIZANDO
Vimos que a noção de infância como um período sensível do desenvolvimento é coisa recente
em termos de história, que era praticamente inexistente na Idade Média, tempo em que as crianças,
tão logo desmamavam, já eram incorporadas às atividades adultas sem maiores discriminações.
Os índices de mortalidade infantil astronômicos da Europa medieval vitimavam grande parte das
crianças logo nos primeiros anos de vida, o que desencadeou um sentimento de fugacidade em
relação aos pequenos.
Suas representações no campo das artes o atestam, conforme nos mostra Phillipe Ariès, que foi
gradual e penoso o percurso até que se desenvolvesse, no seio das sociedades europeias, um
primeiro sentimento, como o autor denomina a tomada de consciência a respeito da infância.
O primeiro “sentimento”, segundo Ariès, foi o de “paparicação”, em que se ocupar com as
gracinhas das crianças era divertido para seus pais, objeto de deleite. Foi progressivamente que esse
sentimento se estendeu das relações privadas com as amas e cuidadoras mais imediatas para a
sociedade mais ampla.
Essa atitude para com as crianças despertou uma reação dentre os moralistas e educadores do
século XVI e mais especificamente no século XVII. Um sentimento de “exasperação” emerge dessa
primeira atitude em relação às crianças e, aliado aos ideais cristãos de educar e salvar a alma das
crianças, floresce finalmente um interesse psicológico e uma preocupação moral.
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/15
Ainda na época de Freud eram grandes as resistências em relação ao estudo minucioso sobre a
infância, e o pudor da sociedade vitoriana lançava muitas sombras sobre esse período do
desenvolvimento humano.
Freud foi bastante revolucionário ao combater a hipocrisia da sociedade europeia e a ignorância
que dela resultava, a respeito da infância e da sexualidade infantil. Relacionou esse desinteresse pela
infância, bem como a característica amnésia, que acomete a grande maioria das pessoas acerca de
sua própria infância, com o mecanismo psicológico do recalque. A infância seria particularmente
sensível às impossibilidades de satisfação das pulsões parciais e suas fantasias.
Vimos que Freud elenca, nas manifestações sexuais infantis, algumas características, como o fato
de que elas nascem apoiando-se nas funções vitais do corpo, não têm objeto sexual, são
autoeróticas, e sua meta sexual é dominada por zonas erógenas.
Essa configuração das pulsões parciais determina a constituição sexual da criança, transcorrido o
processo de desenvolvido da libido, e resulta em uma sexualidade polimorficamente-perversa, ou
seja, propensa a um cem número de possibilidades por meio de deslizamentos e da história do
sujeito na sua relação com o outro.
Por fim, estudamos o Complexo de Édipo, conflito vivido pelas crianças em relação à diferença
sexual na relação com seus pais, e as saídas diferentes para os meninos e meninas.
REFERÊNCIAS
CELES, L. A. M.; VIANA, T. de C.; ZAVARONI, D. de M. L. A constituição do infantil na obra de
Freud. Estudos de Psicologia, 2007, 12(1), p. 65-70. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/epsic/a/
THrZvYF8GzLyy7XRDk7BPSp/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 17 nov. 2021.
FREUD, S. Obras completas, volume 6: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise
fragmentária de uma histeria ("O caso Dora") e outros textos (I90I-190S) I Sigmund Freud. Tradução
de Paulo César de Souza. 11. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
FURTADO, L. A. R.; VIEIRA, C. A. L. A psicanálise a as fases da organização da libido. Scientia, v. 2,
n. 4, p. 92-107. Disponível em:
<http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/
28/12/2022 17:17 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/15
Scientia_4/Psicologia/A_PSICANALISE_E_AS_FASES_DA_ORGANIZACAO_DA_LIBIDO_Luis_Achiller_Rodri
gues_Furtado_Camilla_Araujo_Lopes_Vieira.pdf >. Acesso em: 22 dez. 2021.
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/14
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DESENVOLVIMENTO HUMANO
AULA 3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/14
Prof. Cassio Gonçalves de Azevedo
CONVERSA INICIAL
Vimos anteriormente algumas características dos elementos e processos incutidos no
desenvolvimento psicossexualque participam na estruturação da personalidade, como o recalque e o
complexo de Édipo, bem como algumas características das pulsões parciais que compõem a libido.
Nesta aula, detalharemos as fases do dito desenvolvimento psicossexual, ressaltando primeiro
um traço bastante distinto da teoria das fases freudiana, sua sobreposição, para destacar a
complexidade inerente à metapsicologia freudiana no que diz respeito ao desenvolvimento da
personalidade e a constituição da subjetividade.
Exploraremos a fase oral, anal, fálica, de latência e genital, para, ao final, na sessão “Na prática”,
apresentarmos um caso concreto em que o arcabouço teórico e metodológico produzido pela clínica
e pesquisa em psicanálise se mostra imprescindível para a sua compreensão.
TEMA 1 – AS FASES DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL
Conforme já vimos, o desenvolvimento psicossexual não é linearmente progressivo, mas
complexo e dinâmico, além de regressivo, à medida que as fases coexistem e as regressões ao
infantilismo das pulsões parciais se verifica em traços da sexualidade normal e patológica. As fases
não são superadas nem tampouco o infantil se limita à infância
Na elaboração de sua hipótese sobre o desenvolvimento pulsional, Freud (1905/1980) aponta para
a marca da sobreposição que se constituirá como característica do processo de subjetivação, em
que os modos mais arcaicos do desenvolvimento permanecem presentes, também, na sexualidade
do adulto. Assim, o adulto portará para sempre o infantil que o constituiu. As pulsões parciais serão
submetidas à ação do recalque e do processo secundário, mas nunca abandonarão seus intentos de
retorno ao prazer primordial, agora elaborado teoricamente como fantasia de desejo. (Zavaroni et
al., 2007, p. 68)
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/14
O desenvolvimento psicossexual é o processo por meio do qual a libido (pulsão sexual) se
desenvolve atravessada pelos cinco estágios: a fase oral, anal, fálica, de latência e genital.
Essa energia tem sua fonte nas zonas erógenas, é uma energia sexual e é o componente da vida
psíquica humana. Para Freud, o movimento produzido na alma é causado pela libido, que se
encontra distribuída desorganizadamente no corpo da criança e só em um momento posterior
encontra uma organização que a orientará na busca da satisfação sexual. (Furtado; Vieira, 2014, p.
97)
A psicanálise, entretanto, não é uma teoria desenvolvimentista propriamente dita, ou pelo menos
não no sentido tradicional de conceber o desenvolvimento humano em fases que se sucedem. “Não
há nenhum tipo de superação ou prolongamento de uma fase na outra” (Furtado; Vieira, 2014, p. 97).
Não há cumulatividade de estruturas, tal como acontece na teoria de Jean Piaget (2001), durante o
desenvolvimento dos seres humanos. Os estágios da organização da libido para Freud, são aqueles
momentos em que certos impulsos relacionados com partes específicas do corpo da criança
adquirem privilégio em relação aos outros. Isso não implica que outros impulsos não possam estar
atuando ao mesmo tempo ou que os anteriores tenham sido superados e/ou deixado de atuar.
(Furtado; Vieira, 2014, p. 97)
Esse é, sem dúvida, um traço bastante distinto desse segmento da teoria freudiana no que tange
ao desenvolvimento humano. Tanto no que concerne ao desenvolvimento filogenético, em que as
fases atravessadas pela humanidade em termos evolutivos não teriam sido superadas, mas
coexistiriam com o homem “evoluído”.
Assim, também no plano ontogenético, as fases do desenvolvimento não são superadas, ou até
mesmo incorporadas pelas fases seguintes, numa concatenação coesa e bem resolvida. Até mesmo a
idade cronológica das fases se interpenetram e, mais do que isso, coexistem durante o
desenvolvimento subsequente. A pulsão sexual, ou libido, vai sendo balizada pela superposição de
fases que passam a coexistir sempre numa relação mediada pelo outro:
Apesar de podermos encontrar referências da teoria freudiana sobre sexualidade infantil em
inúmeros livros de psicologia do desenvolvimento, podemos afirmar com Freud e outros autores
que a psicanálise não é desenvolvimentista. Segundo Freud (1938/1987), as fases da organização
libidinal se superpõem umas às outras, não havendo este caráter de superação da fase anterior para
se ascender a um estágio mais evolutivo. Trata-se de uma teoria da constituição do sujeito, onde as
pulsões parciais são organizadas a partir dos modos de articulação da criança com o Outro.
(Furtado; Vieira, 2014, p. 96)
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/14
Trata-se, no processo de desenvolvimento psicossexual, das vicissitudes que a libido vai sendo
exposta, e a conformação subjetiva que vai adotando a partir dessa demarcação.
Salientamos que esses impulsos que são originados nas zonas erógenas são denominados de
pulsões. Essas pulsões estão situadas na fronteira entre o corpo e a psique dos indivíduos e sempre
fazem pressão para obterem satisfação. A satisfação está sempre em parte relacionada ao próprio
corpo e em parte aos objetos externos. Elas funcionam independentemente umas das outras e por
isso são chamadas de pulsões parciais. Seus objetos podem ser os mais variáveis possíveis e elas
podem encontrar diversos tipos de satisfação. Entretanto, a frustração dessas pulsões é que vai
determinar como as pessoas se relacionam com os outros e com a cultura. Daí a importância da
educação como agente civilizatório, pois é através da educação que a criança passa a tentar ter um
domínio sobre esses impulsos, sejam eles sexuais ou agressivos. É através da internalização das
diversas proibições dirigidas a esses impulsos que a criança aprende a lidar com seus limites e
aprende a conviver em sociedade. (Furtado; Vieira, 2014, p. 100)
TEMA 2 – FASES PRÉ-GENITAIS: ORAL E ANAL
2.1 FASE ORAL: DOS 0 AOS 2 ANOS
O bebê humano nasce em condições de extrema dependência dos cuidados de outro, e a
amamentação desperta suas primeiras e mais significativas experiências de prazer. Pela boca, ele
experimenta não apenas o prazer da alimentação e de saciedade, mas o prazer extraído do seio e da
própria boca que se tornará, na fase oral, a zona erógena de primazia na sua relação com o mundo e
o outro.
A criança passa então a explorar o mundo pela via oral, como se a boca se transformasse numa
janela para o mundo, e a experimentação a precipita a toda sorte de sabores e dissabores. Com o
seio ou o seu substituto, “adquire-se não só a satisfação da fome, mas da vontade de comer. O seio é
acompanhado por um conjunto de elementos (voz, olhar, calor, carícia, proteção...) que constituem
também suas primeiras relações com a mãe (Outro)” (Furtado; Vieira, 2014, p. 96).
Concomitantemente às experiências satisfatórias, a criança experimenta também as idas e vindas
da mãe, suas demoras, recusas, e a essas experiências de frustração a criança reage substituindo o
seio materno pelo dedo, mão, pé, chupeta etc. Ou seja, a satisfação experimentada ao mamar,
segundo Freud, será a matriz de uma satisfação que nela se ampara, porém a ela não se restringe – o
chupar.
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/14
A primeira de tais organizações sexuais pré-genitais é a oral ou, se assim preferirmos, canibal. Nela
a atividade sexual ainda não se encontra separada da ingestão de alimentos, correntes opostas
ainda não estão diferenciadas em seu interior. O objeto das duas atividades é o mesmo, a meta
sexual consiste na incorporação do objeto, no modelo daquilo que depois terá, como identificação,
um papel psíquico relevante. Um resíduo dessa fase de organização que a patologia nos leva a
supor pode ser o ato de chupar o dedo, no qual a atividade sexual, desprendida da atividade da
alimentação, trocou o objeto externo por um do próprio corpo. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 108)
Freud define essa atividade de chupar como sendo uma atividade de sugar com deleite:
O ato dechupar ou sugar, que aparece já no lactente e pode prosseguir até o fim do
desenvolvimento ou se conservar por toda a vida, consiste na sucção, repetida de maneira rítmica,
com a boca (os lábios), sem a finalidade da alimentação. São tomados como objeto da sucção uma
parte do próprio lábio, a língua ou qualquer outro local da pele que esteja ao alcance – até mesmo
o dedão do pé. Nisso aparece um instinto de agarrar que se manifesta, digamos, no ato de puxar
simultaneamente, de forma rítmica, o lobo da orelha, podendo recorrer a uma parte do corpo de
outra pessoa (em geral a orelha) para o mesmo fim. A sucção deleitosa absorve completamente a
atenção, e conduz ao adormecimento ou, inclusive, a uma reação motora da natureza de um
orgasmo. Não é raro que a sucção deleitosa seja combinada com a fricção de algumas partes
sensíveis do corpo, como o peito ou os genitais externos. Por essa via, muitas crianças passam da
sucção à masturbação. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 82-83)
Essa atividade de chupar, de obter satisfação com a boca, “sem a finalidade da alimentação” se
estende do seio para outros membros e destes para os objetos do mundo sensível, constituindo-se
como uma verdadeira primeira via de experimentação e conhecimento do mundo externo para a
criança que, inadvertidamente, leva a boca praticamente tudo que esteja ao seu alcance.
Quem vê uma criança largar satisfeita o peito da mãe e adormecer, com faces rosadas e um sorriso
feliz, tem que dizer que essa imagem é exemplar para a expressão da satisfação sexual na vida
posterior. Então a necessidade de repetir a satisfação sexual se separa da necessidade de nutrição,
uma necessidade que é inevitável, quando os dentes aparecem e a alimentação não é mais
exclusivamente sugada, e sim mastigada. A criança não se utiliza de um objeto exterior para sugar,
mas sim de uma área da própria pele, porque isso lhe é mais cômodo, porque assim independe do
mundo externo que ainda não consegue dominar, e por que dessa maneira cria praticamente uma
segunda zona erógena, embora de valor menor. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 86)
Essa experiência autoerótica irá aos poucos se deslocando para os objetos do mundo sensível e
possibilitando os primeiros traços de divisão entre o sujeito e os objetos, entre o eu e o não eu:
Outro elemento importante para ser destacado nesta fase oral da vida sexual infantil é que a
primeira relação com os objetos é marcada pela oposição dentro-fora. Todos aqueles objetos que
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/14
se mostram agradáveis são incorporados pela criança e os desagradáveis são expulsos [...] Nos
termos freudianos, os objetos de satisfação são incorporados ao eu e aqueles desagradáveis são
expulsos, ou seja, a relação do sujeito com o mundo é marcada pela oposição entre o eu e o não eu
(mundo dos objetos não agradáveis. (Furtado; Vieira, 2014, p. 98)
Um comportamento que emerge a partir dessa relação mediada pela boca entre o eu e o não eu,
o sujeito e os objetos, é o de agressividade. A criança satisfaz sua pulsão oral com a compressão dos
músculos da mandíbula naquilo que se chamou de fase “oral-sádica”, em que se pode observar o
impulso de incorporação dos objetos associado ao impulso agressivo de destruição desse mesmo
objeto (Furtado; Vieira, 2014, p. 98).
A satisfação oral não será mais abandonada e muitas serão as possibilidades de extração de
satisfação da boca, por exemplo, o beijo. Nesse caso, a pulsão parcial oral se satisfaz conjugada às
demonstrações de afeto e, no adulto, bastante atrelada ao ato sexual dirigido. Porém, a pulsão oral
pode levar a outras experiências de satisfação não tão bem incorporadas ao comportamento sexual
adulto considerado normal.
À fase oral, segue-se uma segunda fase do desenvolvimento, proveniente de uma segunda zona
erógena:
O asseio do corpo infantil e as exigências culturais de higiene corporal também não acontecem
sem que adquiram importância para a criança, pois, afinal, outras partes do corpo entram em jogo.
Agora, uma modificação se impõe. Não é mais a criança que dirige um apelo a mãe, mas ao
contrário. É uma outra pessoa que dirige um pedido à criança para que ela regularize suas funções
excretórias. Inicia-se, então, a educação para o controle dos esfíncteres e a criança passa a ter um
papel ativo na relação com os seus novos objetos de prazer: as fezes. (Furtado; Vieira, 2014, p. 99)
2.2 FASE ANAL: DE 1 A 3 ANOS
O segundo estágio do desenvolvimento psicossexual proposto por Freud é o anal, podendo ser
observado entre o primeiro e o terceiro ano de vida. Trata-se do momento em que o ânus assume a
primazia de zona erógena das pulsões parciais. Assim como a boca, o ânus é o tipo de zona dita
como predestinada, por Freud:
a localização da zona anal a torna adequada para favorecer um apoio da sexualidade em outras
funções do corpo. É de se presumir que a significação erógena dessa parte do corpo é muito
grande originalmente. Através da psicanálise tomamos conhecimento, não sem alguma surpresa,
das transformações normalmente experimentadas pelas excitações sexuais que dela partem, e
28/12/2022 17:18 UNINTER
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/14
como frequentemente essa zona mantém, por toda a vida, um grau considerável de suscetibilidade
à estimulação genital. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 91)
As transformações que Freud se refere serão dadas a partir das significações que irão adquirir ao
ter essa relação com seu excremento mediada pelo outros.
As crianças que utilizam a excitabilidade erógena da zona anal se revelam no fato de reter a massa
fecal até que esta, acumulando-se, provoque fortes contrações musculares e, na passagem pelo
ânus, exerça um grande estímulo na mucosa. Isso deve produzir, juntamente com a sensação de
dor, uma sensação de volúpia. Um dos melhores indícios de futura estranheza ou nervosismo
ocorre quando um bebê se recusa obstinadamente a evacuar o intestino ao ser posto sobre o vaso,
ou seja, no momento desejado pela pessoa que dele cuida, e reserva essa função para quando ele
próprio desejar. O que lhe importa, naturalmente, não é sujar o berço; ele apenas cuida para que
não lhe escape o prazer secundário ligado à defecação. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 91-92)
As estimulações orgânicas, as quais Freud se refere no parágrafo anterior, estão presentes desde
o início da vida da criança, porém a zona anal assume a primazia de zona erógena posteriormente
devido a um fato novo. O principal evento que marca essa segunda etapa do desenvolvimento
psicossexual da criança é a inversão na relação do sujeito com o outro. Os adultos agora passam a
demandar que a criança faça cocô nos lugares, com horas certas, e domine, assim, o controle de seus
esfíncteres. Esse treinamento envolve a expressão de aprovação ou não dos pais, e,
consequentemente, confere algum valor à massa fecal na manipulação do desejo dos pais
O conteúdo intestinal, sendo um corpo que estimula uma área de mucosa sexualmente sensível, [...]
constitui o primeiro "presente": através da liberação ou da retenção dele, o pequeno ser pode
exprimir docilidade ou desobediência ante as pessoas ao seu redor. A partir do significado de
"presente", ganha posteriormente o de "bebê", que, segundo uma das teorias sexuais infantis [...] é
obtido pela alimentação e nasce pelo intestino. (Freud, [1901-1905], 2016, p. 92)
Ao presumir a grande significação dessa parte do corpo, Freud aponta para as transformações as
quais serão submetidos os processos escatológicos, assumindo diferentes significações ao longo do
desenvolvimento posterior do sujeito.
A ligação que esta fase tem com a sexualidade adulta não encontra dificuldades de compreensão
quando admitimos que o ânus assume o papel de um órgão sexual. Outras práticas sexuais
relacionadas às fezes são conhecidas pela vida íntima de algumas pessoas (coprofilia, p.ex.),
entretanto estas práticas constituem variações específicas da vida sexual

Outros materiais