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1 2 SUMÁRIO 1 O QUE É MITOLOGIA ....................................................................... 4 1.1 Significado filosófico de mitologia ................................................ 5 1.2 Mitologia grega ............................................................................ 5 1.3 Mitologia romana ......................................................................... 6 1.4 Mitologia egípcia ......................................................................... 7 1.5 Mitologia nórdica ......................................................................... 8 1.6 Mitologia celta ............................................................................. 9 2 DEUSES DA MITOLOGIA GREGA ................................................. 10 2.1 Os Reis: Zeus, Hades e Poseidon ............................................ 11 2.2 Zeus .......................................................................................... 11 2.3 Poseidon ................................................................................... 12 2.4 Hades ........................................................................................ 12 2.5 Os Deuses do Olimpo ............................................................... 13 2.6 Práticas religiosas ..................................................................... 14 2.7 Presença nas Artes ................................................................... 15 2.8 O “fim” da mitologia ................................................................... 15 3 O MITO, A RELIGIÃO E SUA RELAÇÃO COM A PSICANÁLISE ... 16 3.1 O mito em Freud: os complexos ................................................ 16 3.2 O mito em Lévi-Strauss: estrutura fundadora da cura ............... 17 3.3 Os mitos religiosos e a castração como punição ...................... 18 3.4 Lacan e o Mito Individual do Neurótico: Um Artifício ................. 21 3.5 Miller e o Mito da Libido: Uma Variante do Mito do Pai ............. 22 4 A TRAGÉDIA DE ÉDIPO E A INVENÇÃO DA PSICANÁLISE ........ 25 4.1 Da tragédia cotidiana à miséria banal: como a metáfora de Édipo Rei, uma das mais famosas peças do antigo teatro grego, pode nos ajudar a melhor compreender a psicanálise. .......................................................................... 25 3 4.2 O Édipo e a invenção da psicanálise ........................................ 26 4.3 A tragédia antiga e a psicanálise ............................................... 28 5 O MITO, A PSICANÁLISE E A BOLA .............................................. 30 6 MITOLOGIA & PSICOLOGIA: A IMPORTÂNCIA DOS MITOS ....... 35 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 41 4 O QUE É MITOLOGIA Fonte: pt.quizur.com Mitologia é a história de personagens sobrenaturais, cercados de simbologia e venerados sob a forma de deuses, semideuses e heróis, que regiam as forças da natureza, comandavam raios, ventos, rios, céus e terras, sol e lua. É o conjunto de fábulas que explicam a origem dos mitos, das divindades mitológicas, que tinham nas mãos o destino dos homens e regiam o mundo. Mito, do grego, significa narrar, contar. No sentido figurado significa coisa inacreditável. Mito significa também personagem divinizado. Logia, do grego lógos, significa estudo, palavra, ciência. Mitologia é o estudo das lendas, mitos, narrativas e rituais, com que os povos antigos reverenciavam os deuses e heróis. Mitologia é a ciência que procura a explicação dos mitos, que têm um caráter social desde sua origem, e só são compreensíveis dentro do contexto geral da cultura em que foram criados. 5 Significado filosófico de mitologia As culturas antigas, na tentativa de enfrentar os problemas relacionados à existência da vida e de entender o mundo, encontraram um meio de se defender dos perigos reais e imaginários, criando seus deuses, semideuses e heróis, envolvidos em histórias de magia e rituais fabulosos, diante das forças misteriosas que acreditavam tudo governava. Os atos mágicos significavam um esforço do homem em entender e resolver seus problemas, que eram enormes diante do seu desconhecimento do mundo. Mitologia grega Mitologia grega é a história dos inúmeros deuses imortais, criaturas semidivinas e musas, criadas na Grécia antiga, e que atravessaram os séculos. A mitologia grega surgiu como tentativa para as explicações dos fenômenos naturais, ou como garantia de vitória nas guerras, de boa colheita, de sorte no amor etc. As divindades gregas eram dispostas numa hierarquia e seus deuses eram muito semelhantes ao homem. As atitudes de ciúme, inveja, despeito e amor, eram comuns, pois os deuses do Olimpo comportavam-se como criaturas humanas. Só que eram dotados de maiores poderes, de mais beleza e perfeição e imunes ao tempo. Zeus era o senhor dos homens e supremo mandatário dos deuses que habitavam o monte Olimpo. Para obter as boas graças, os gregos homenageavam as poderosas criaturas com ritos, festas e oferendas. Cada entidade representava forças da natureza ou sentimentos humanos: Afrodite representava (a beleza e o amor); Atena (a sabedoria); Artêmis (a lua); Dionísio (a festa, o vinho e o prazer); Deméter (a terra fértil); Febo (o sol); Hermes (o vento); Posseidon (os mares) etc. Os principais heróis gregos, quase deuses, eram capazes de vencer monstros, combater inimigos e realizar feitos impossíveis aos mortais. Entre eles estão: Perseu (matou a Medusa, terrível criatura com cabeleira formada por serpentes, cujos olhos transformavam em estátuas de pedra todos aqueles que a encarassem); Teseu (participou da viagem dos argonautas e matou o Minotauro); Héracles (Hércules, para os romanos), (filho de Zeus e Alcmena, tinha como principal qualidade a força física); 6 Agamenon (foi o comandante da Guerra de Troia); Aquiles (participou do cerco a cidade de Troia); Édipo (decifrou o enígma da esfinge); Atlanta (heroína que participou da caça ao javali de Caridon). Mitologia romana Fonte: www.recantodasletras.com.br A mitologia romana é a história de vários deuses e heróis, que foram admirados durante o Império Romano, oriundos de divindades etruscas, celtas, egípcias, itálicas e principalmente gregas, quando a Grécia passou a fazer parte do Império Romano. Nos primórdios do Império, os deuses existiam apenas para servir ao homem e como o povo era normalmente camponês, os romanos cultuavam os patronos dos rebanhos e dos campos. Ofereciam-lhes animais, vinho e incenso antes das colheitas e os deuses eram invocadas para proteger os trabalhos do campo. Entre os deuses conquistados por Roma, os gregos foram os mais importantes, e ao serem incorporados na Assembleia Divina de Roma, fizeram os romanos reformularem sua concepção das forças sobrenaturais. Eles perderam seu aspecto utilitário e assumiram características humanas. Alguns deuses desapareceram e outros mudaram de nome e receberam várias atribuições. Assim, Júpiter (era o deus supremo, o deus da cidade, do raio e do trovão); Vênus (deusa da beleza e do amor); 7 Minerva (a sabedoria); Diana (deusa da lua e da caça); Baco (deus do vinho e dos bacanais); Ceres (a terra fértil); Apolo (o sol); Mercúrio (o vento); Netuno (os mares) etc. Hércules, que na mitologia grega era chamado de Héracles, passou a ter maior importância no Império Romano. Famoso por sua força, enfrentou difíceis tarefas para matar monstros e animais ferozes. Mitologia egípcia A mitologia egípcia é o conjunto de fábulas que reuniu uma considerável variedade de deuses, imersos na força da religião, que servia para justificar teoricamente a organização geral da sociedade, que vivia em função dos deuses, seguindo os princípios por eles estabelecidos. Centenas de deuses protegiam a agricultura,outros a linguagem, o ensino e a literatura. Cada cidade ou distrito tinha seus próprios deuses. Osíris era o deus da morte, pois os egípcios acreditavam que o homem ao morrer, passavam a viver de outro modo, no mundo dos mortos, daí a prática de se mumificar os mais ilustres mortos. Amon, ou Amon-Ra, era o deus do sol, elevado a deus nacional na XI dinastia. Foi a maior divindade egípcia. Isis era a deusa do amor e da magia, era filha de Geb, deus da terra e de Nut deusa do firmamento. Por motivos políticos, para que um deus simbolizasse um monarca, aproximavam-se do monoteísmo. Na verdade, dizia-se apenas que uns poucos deuses eram mais importantes. O faraó Amemofis IV, abandonou o politeísmo e impôs o culto excessivo ao deus Atom, o próprio Sol, e nomeou-se o representante de Aton na terra. No reinado de Ptolomeu, Serápis era o deus oficial, que resultou da fusão dos deuses Osíris e Ápis. 8 Mitologia nórdica Fonte: www.todamateria.com.br A mitologia nórdica teve sua origem através das sagas, contos que louvavam os heróis. Surgiram por volta do século X, na Islândia, onde as principais famílias islandesas, desejosas de imortalidade, encarregavam os sgnamen, homens de extraordinária memória e talento narrativo, de contar os feitos de suas origens. Os reis noruegueses adotaram o mesmo feito. A essas histórias acresciam-se elementos fantásticos e míticos, e os heróis misturavam-se com os deuses. Os povos nórdicos eram os habitantes dos países hoje conhecidos como Suécia, Noruega, Dinamarca e Islândia. Para esses povos, o centro do mundo era Midgard, o lar dos homens. A casa dos deuses era Asgard, e em torno das duas moradas estava o mar, a terra de gigantes e a grande serpente. Odin, governava os deuses e os homens e conhecia todo o passado, presente e futuro. Seu filho Thor comandava o trovão, que era criado a golpes de martelo. Loki, deus do fogo, era o conselheiro e inimigo dos trapaceiros. Em Asgard ficava o Valhala, paraíso, onde as valquírias, mulheres guerreiras, levavam os heróis mortos em combate. Ali viveriam eternamente jovens, em lutas caçadas e banquetes, à espera da ressurreição do mundo. Teriam que enfrentar os gigantes, os monstros, a serpente e o filho de Loki. Os heróis seriam vencidos e a 9 terra ficaria toda escura e fria, até a vida recomeçar. Quem não morresse em combate, iria para o reino de Hell, eternamente gelado e em trevas. Mitologia celta A mitologia celta é o resultado da mistura de várias civilizações. Os celtas eram povos bárbaros que se espalharam por quase toda a Europa e foram raiz de muitas culturas. Os celtas eram formados por diversas tribos rivais, lideradas por um chefe guerreiro e, cada tribo cultuava suas diferentes divindades. Os celtas não chegaram a constituir um império com unidade política, mas a unidade cultural era assegurada pelos sacerdotes, chamados druidas, que cuidavam da manutenção das normas. Eram também responsáveis pela prática das magias e rituais religiosos. Para adorar seus deuses, os celtas, inicialmente construíam seus altares ao ar livre, em meio a bosques, onde realizavam seus rituais. A mitologia celta está dividida em três grupos: a mitologia irlandesa, a britânica e a continental. Entre os principais deuses cultuados pelos celtas estão: Sucellus, o rei dos deuses, que representava a fertilidade; Dagda, deus da magia e da sabedoria; Taranis, deus do trovão que surgia no céu em uma carruagem; Lugh, deus do sol e da luz; Tailtiu e Macha, deusas da natureza; Cernunnos, deus dos animais, com olhos e chifres de cervo, podendo tomar a forma de vários animais; Morrigan, deusa da guerra; Dea Matrona, era a deusa mãe, representada por três mulheres; Epona, deusa dos cavalos. Cuchulain, era filho de Lugh, o herói guerreiro que matava seus inimigos com uma lança cheia de espinhos.1 1 Texto extraído do link: https://www.significados.com.br/mitologia/ 10 DEUSES DA MITOLOGIA GREGA Fonte: mitologiagrega.net.br Os deuses da mitologia grega são as divindades da religião praticada na Grécia Antiga. Sendo uma religião politeísta, os gregos acreditavam na existência de diversos deuses e deusas. Cada um com poderes de influenciar um diferente aspecto da natureza. Os principais deuses da mitologia grega são Zeus (Rei dos Deuses), Hera, Poseidon, Hades, Apolo, Ártemis, Afrodite, Ares, Dioniso, Hefesto, Atena, Hermes, Deméter e Héstia. Apesar de serem imortais, os deuses não eram onipotentes, sendo obrigados a obedecerem às forças do destino. Eles também apresentam vícios e sentimentos humanos, sendo muito comum que andassem entre os mortais e até desenvolvessem relacionamentos com eles. https://www.hipercultura.com/a-historia-de-zeus/ https://www.hipercultura.com/mitos-deusa-grega-afrodite/ 11 Os Reis: Zeus, Hades e Poseidon Antes da Era dos Deuses ter início na Mitologia Grega, houveram duas gerações que reinaram no mundo. Primeiro foram as Divindades Primordiais, que surgiram no momento da criação. Na sequência foram os seus filhos, os Titãs. O Rei dos Titãs era Cronos. Com a esposa Reia teve 6 filhos: Héstia, Deméter, Hera, Hades, Poseidon e Zeus. Devido a uma profecia, Cronos tinha medo de ser destronado por um de seus filhos e, por isso, engolia-os assim que nasciam. Reia conseguiu salvar o filho mais novo Zeus e, quando este cresceu, libertou os irmãos da barriga do pai. Assim teve início a guerra entre os Titãs e os Deuses. Após 10 anos de luta, os Deuses foram vitoriosos e Zeus se tornou o Rei dos Deuses, enquanto Poseidon se tornou o Rei dos Mares e Hades, o Rei do Mundo Inferior. Zeus Também chamado o Pai dos Deuses, Zeus é a autoridade suprema entre os deuses, definia as regras e era quem mantinha a ordem e a justiça no mundo. Zeus era casado com Hera, porém era conhecido pelas aventuras amorosas que lhe renderam muitos filhos. Entre seus filhos deuses estão os gêmeos Apolo e Ártemis e, entre seus filhos semi- deuses está o herói Hércules. O deus do raio e do trovão tem ainda a águia, o touro e o carvalho como símbolo. Entre os seus poderes está o controle do tempo, alterar a sua aparência como de outras pessoas ou de animais e também a própria voz. 12 Poseidon Fonte: mitologiagrega.net.br O Deus dos Mares, Poseidon detém poder sobre as águas, suas ondas, correntes marítimas, tempestades e terremotos. Cultuado pelos navegantes, o deus é conhecido pelo temperamento difícil e vingativo. Casado com Anfitrite, tiveram um filho chamado Tritão. Poseidon teve outros filhos fora do casamento, mas seus filhos sempre desenvolveram o gosto pelo terror e ficaram conhecidos pela crueldade. O deus utilizava um tridente como arma e tem ainda como símbolo o golfinho. Hades Hades é o deus do Mundo Inferior e dos mortos, o único de seus irmãos que não vive no Monte Olimpo. Como é o deus da morte, Hades é infértil e não teve filhos. Entretanto, casou com a deusa Perséfone, após raptá-la e levá-la para o submundo. Era o deus mais temido pelos humanos, sendo costume durante os rituais fúnebres ser posta uma moeda de oferenda na boca do morto para pagamento do barqueiro à 13 entrada do Mundo Inferior. Hades costuma ser representado junto ao cão de três cabeças Cérbero. Segundo alguns autores, os três irmãos deuses representam, na verdade, a trindade de um deus único. Para René Menard, Hades e Poseidon são apenas desdobramentos da personalidade de Zeus. Ele afirma que nas obras de artistas antigos, os três são sempre representados com o mesmo rosto, podendo ser distinguidos apenas pelos símbolos que carregam: o raio para Zeus, o Tridente para Poseidon e o cão Cérbero para Hades. Os Deuses do Olimpo Os principais deuses da mitologia grega viviam reunidos no Monte Olimpo em um grandioso palácio, onde se alimentavam de néctar e ambrósiae passavam os dias a ouvir os cantos das musas. Além de Zeus e Poseidon, os outros deuses do Olimpo eram: Afrodite – Deusa do Amor, da Beleza e da fecundidade. Casada com Hefesto. Apolo - Deus do Sol, da Profecia e símbolo de inspiração artística. Filho de Zeus e Leto. Ártemis – Deusa da Lua, irmã gêmea de Apolo, deusa da caça, da pureza e da virgindade. Ares – Deus da Guerra. Filho de Zeus e Hera. Atena – Deusa da Sabedoria, da Guerra estratégica e da Justiça. Filha de Zeus. Deméter – Deusa da Agricultura, irmã de Zeus, Poseidon e Hades. Dioniso – Deus do Vinho e das Festas. Filho de Zeus e da mortal Sémele. Hefesto – Deus dos Ferreiros, Escultores e da Tecnologia. Filho de Zeus e Hera. Hermes – o mensageiro dos Deuses, deus do comércio e protetor das viagens. Filho de Zeus e da ninfa Maia. Hera – Deusa da Maternidade e Protetora das Esposas. Irmã e esposa de Zeus. Héstia- Deusa do Lar, da Vida Doméstica e da Arquitetura. Irmã de Zeus, Poseidon e Hades. 14 Práticas religiosas Fonte: pt.acampamentomeiosangue.wikia.com O culto aos deuses teve grande força entre os gregos antigos, tendo sido criados templos e nomeadas cidades em sua homenagem, como no caso de Atenas, uma reverência à deusa Atena. Apolo e Afrodite foram dos deuses mais cultuados. Os dois maiores santuários em nome de Apolo foram erguidos em Delos e em Delfos, onde eram praticadas procissões, celebrações musicais e rituais de sacrifício e purificação. Em homenagem a Afrodite existia um festival chamado Afrodisia que decorria durante um mês inteiro em toda a Grécia, sendo bastante intenso em Corinto e Atenas. Para cada deus, havia uma forma diferente de culto, sendo possível que uma mesma pessoa adorasse mais de uma divindade. Em nome de Poseidon, eram afogados cavalos no mar como forma de sacrífico, havia um festival de 12 dias em fevereiro em honra a Hades e realizavam-se jogos e festividades de atletismo em homenagem a Hermes. 15 Presença nas Artes A mitologia grega inspirou diferentes artistas. Na Antiguidade, foram esculpidas estátuas e escritas inúmeras poesias. Os textos mais influentes foram as epopeias líada e Odisseia, escritas por Homero retratando os acontecimentos decorrentes da Guerra de Troia. Na Ilíada pode-se perceber como os deuses estiveram bastante envolvidos na guerra, que teve origem quando os gregos atacaram Troia com o intuito de vingar o rapto de Helena, esposa do Rei de Esparta. Helena havia se apaixonado e fugido com o príncipe de Troia, Páris. Apoiando os gregos estavam Hera, Atena, Poseidon, Hefesto e Tétis; já ao lado dos troianos ficaram Apolo, Afrodite, Ártemis, Ares e Leto. As personagens e fatos descritos nos mitos gregos também estão retratados em vários quadros de artistas famosos, principalmente do período Renascentista, como Botticelli, Michelangelo e Leonardo da Vinci. O “fim” da mitologia O grego antigo acreditava que a mitologia era parte de sua história e o culto aos deuses fazia parte do seu cotidiano. Porém com a evolução da sociedade e dos conhecimentos sobre a natureza, os próprios gregos passaram a questionar a veracidade dos mitos. Por exemplo, com a criação do calendário, puderam perceber que o clima não mudava conforme a vontade dos deuses e, sim, devido às estações do ano. Ao se questionarem sobre estes assuntos, os gregos criaram a filosofia, surgindo justamente em oposição à crença dos mitos. Com a chegada do domínio Romano após a Batalha de Corinto (146 a.C.) em que a Grécia foi derrotada, adotou-se uma forma de sincretismo religioso, tendo os deuses assumido versões romanas. Zeus passa a ser também Júpiter, Hera a ser Juno, Poseidon a ser Netuno e os demais deuses também receberam uma outra versão romana. Mais tarde em 476 d.C., o Império Romano tem o seu fim e o cristianismo passa a ser a religião adotada pelo povo grego. Nos dias atuais, apesar de já não ser vista como religião, a Mitologia Grega continua a provocar a curiosidade das pessoas. Os deuses gregos e suas histórias https://www.hipercultura.com/cavalo-de-troia/ https://www.hipercultura.com/afrodite-guerra-de-troia/ 16 inspiram obras literárias, como a série de livros juvenis Percy Jackson, filmes e desenhos animados, como Troia, Mulher Maravilha e A Pequena Sereia.2 O MITO, A RELIGIÃO E SUA RELAÇÃO COM A PSICANÁLISE Fonte: www.esdc.com.br O mito em Freud: os complexos Freud observa desde o início do tratamento da histeria, que o mito tem um papel central na cura, pois como ele mesmo escreve em 1895: “A linguagem serve de substituto para o ato, com sua ajuda, um afeto pode ser ab- reagido quase com a mesma eficácia”(Freud (1893),1989, p.47). Ab-reação seria “uma descarga emocional pela qual um indivíduo se liberta do afeto ligado à recordação de um acontecimento traumático, permitindo-lhe assim não mais se tornar ou não mais continuar patogênico” (Laplanche et Pontalis, 1971, p.01). Mas o fato é que Freud, partindo de suas observações, pôde perceber que os neuróticos construíam inconscientemente “romances familiares”, nos quais “uma família inventada ou adotada pelo sujeito é adornada de todos os elementos de prestígio fornecidos pela lembrança dos pais idealizados na infância” (Roudinesco, et Plon, 1998). Otto Rank, em seu livro “O mito do nascimento do herói” nos assinala que quase todas as nações civilizadas 2 Texto extraído do link: https://www.hipercultura.com/deuses-mitologia-grega/ 17 proeminentes começaram por glorificar a seus heróis e atribuir traços fantásticos a seus nascimentos. Aproximou a lenda típica do herói ao mecanismo descrito por Freud, mostrando que os relatos míticos podem ser lidos como fantasias em que as situações reais Se invertem. No romance familiar comum à maioria dos indivíduos, neuróticos ou não, é a criança, de fato, quem se livra da família de origem para adotar outra mais conforme a seu desejo, ao passo que, no mito, o pai é o que abandona o herói, que é então acolhido por uma família adotiva, em geral – salvo algumas exceções – menos prestigiosa. (Roudinesco, et Plon, 1998) Portanto, Freud com essa ideia, abre caminho para um amplo debate entre psicanálise e religião, psicanálise e antropologia, psicanálise e literatura, na medida em que “evidenciou uma analogia entre os mitos fundadores, os relatos romanceados modernos, os sistemas delirantes ou religiosos e um mecanismo fantasístico de natureza subjetiva” (Roudinesco, et Plon, 1998). O mito em Lévi-Strauss: estrutura fundadora da cura Lévi-Strauss, aproximando as análises produzidas pelos outros campos do saber à antropologia, foi o primeiro antropólogo de língua francesa a ler e comentar a obra de Freud. Partindo de uma abordagem estrutural da antropologia, considera as teorias antropológicas como mitologias comparáveis aos mitos elaborados pelo pensamento selvagem. Dentro desta orientação, estabelece uma analogia entre a técnica de cura xamanista e o tratamento analítico. Ele compara em seu texto “A eficácia simbólica” (Lévi-Strauss, 1949), a figura do xaman à figura do psicanalista. Ele nos diz que no caso da psicanálise, trata-se de um mito que o sujeito deve construir a partir de elementos fornecidos pela sua história pessoal, portanto trata-se de um “mito individual”. No caso do xamanismo, um mito social seria narrado pelo xaman ao paciente, e este iria reviver os acontecimentos de uma forma mítica, através da fala do xaman. Neste caso o paciente só escutaria. Ou seja, no xamanismo “o feiticeiro fala e provoca a ab-reação, isto é, a liberação dos afetos do enfermo, ao passo que na psicanálise esse papel cabe ao médico que escuta, no bojo de uma relação na qual é o doente quem fala”. 18 Fonte: fredywander.blogspot.com Lévi-Strauss mostrou que nas sociedades ocidentais, havia uma tendência a construir-seuma “mitologia psicanalítica”, que fizesse as vezes de sistema de interpretação coletivo: ‘Assim, vemos despontar um perigo considerável: o de que o tratamento, longe de levar à resolução de um distúrbio preciso, sempre respeitando o contexto, reduza-se à reorganização do universo do paciente em função das interpretações psicanalíticas’. Se a cura, portanto sobrevém através da adesão a um mito, agindo este como uma organização estrutural, isto significa que esse sistema é dominado por uma eficácia simbólica (Roudinesco, et Plon, 1998). Podemos perceber que este autor dá a sua devida relevância à função do mito, pois nos diz que o mito tem um papel central na cura e que se trata em ambos os exemplos citados de um “ mito fundador da cura”. Lévi-Strauss com isso, faz uma aproximação entre a estrutura da psicanálise e a estrutura da “religião”. Portanto, até aqui, parece que a psicanálise e a religião têm mitos fundadores em comum, que por sua vez são mitos do pai. Os mitos religiosos e a castração como punição Fazendo uma analogia do mito cristão da “Torre de Babel” poderemos comparar as diferenças entre os mitos religiosos do pai e o mito freudiano do pai – Totem e tabu. 19 Os mitos religiosos cristãos, são metáforas sobre o pai e estão dispostos como ensinamentos, como leis de Deus, do “Deus-pai”. É o que poderemos perceber na Bíblia, através da leitura do mito da Torre de Babel: “Em toda a terra, havia somente uma língua, e empregavam-se as mesmas palavras. Emigrando do Oriente, os homens encontraram uma planície na terra de Senaar e nela se fixaram. Disseram uns para os outros: “ vamos fazer tijolos e cosamo-los ao fogo” Utilizaram o tijolo em vez de pedra, e o betume serviu-lhes de argamassa. Depois disseram: “ vamos construir uma cidade e uma torre cuja extremidade atinja os céus. Assim nos tornaremos famosos para evitar que nos dispersemos por toda a face da terra” O Senhor, porém, desceu, a fim de ver a cidade e a torre que os filhos dos homens estavam edificando. E o Senhor disse: “Eles constituem apenas um povo e falam uma única língua. Se principiaram desta maneira, coisa nenhuma os impedirá, de futuro, de realizarem todos os seus projetos. Vamos, pois, descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não se compreendam uns aos outros. E o Senhor dispersou-os dali para toda a face da terra, e suspenderam a construção da cidade. Por isso, lhe foi dado o nome de Babel, visto ter sido lá que o senhor confundiu a linguagem de todos os habitantes da terra, e foi também ali que o Senhor os dispersou por toda a terra. ” (Gn 10-11) (1) Neste mito, podemos perceber que a diversidade das línguas é uma forma de punição ao homem pela infração à lei divina. Na verdade, podemos supor que foi ali também que “Deus”, salvou o homem de seu delírio! E apesar de tudo, o hagiógrafo vê esta “diversidade das línguas” como um mal, colocando-lhe na base um pecado. De acordo com Isaías Pessotti (1995), na antiguidade clássica, os deuses eram sentimentais como os homens, eram deuses caprichosos, pois, se irritavam, se zangavam quando os homens queriam se assemelhar a eles, tentando superar seus próprios limites. Uma das formas de punição, ou, de demonstração de sua irritação com o homem por sua pretensão, era a retirada da razão, do seu entendimento. A punição era a loucura. Podemos perceber aqui, uma aproximação entre a figura do Deus-pai que os mitos religiosos nos trazem e a concepção de divindade da antiguidade clássica. No mito de Babel, quando Deus vem à terra e confunde os homens, multiplicando suas línguas, este Deus apresenta-se também como um Deus sentimental, que não suporta a pretensão dos homens e por isso os castiga. E de acordo com os ensinamentos da 20 “Bíblia Sagrada” (1986): quem cometer um pecado, será castigado pelo Deus-pai, quem infringir a lei de Deus, contidas na bíblia, será condenado. Fonte: pt.wikipedia.org Assim, tanto nos mitos religiosos – e aqui chamo de mito às as transmissões orais que, no caso da Bíblia, foram registradas por terceiros – quanto no mito freudiano, uma interdição é operada pelo pai. Esta proibição funda uma lei, que por sua vez, é garantida através de uma ameaça ou castigo. Entretanto, será que poderíamos pensar, na psicanálise, que o que operaria a castração seria uma ameaça de punição ou um castigo? Parece que não, e que é isso o que Lacan vai tentar nos transmitir, ou seja, como é veiculada a castração através do registro simbólico, isto é, da palavra. O problema com relação a isso nos mitos religiosos é que eles transmitem a castração como uma forma de punição. Ora, punir resolve o problema da culpa, mas não resolve o problema do gozo que também está implícito nos pecados. Os pecados, são marcados por um excesso, um exagero do investimento ou desinvestimento libidinal em determinados “objetos”. É o que podemos perceber através dos sete pecados capitais: Inveja, Ira, Gula, Luxúria, Soberba, Avareza e Preguiça. Todos eles são marcas do real da pulsão, do gozo, poderíamos dizer. Ainda com relação aos mitos freudianos e religiosos, percebemos que neles está implícito que a castração é operada pelo pai através do recurso à punição. E que esse pai em ambos os casos é assassinado e a princípio sua mensagem é rejeitada. Esta figura do pai nos mitos é 21 uma figura que goza de privilégios, é um “pai gozador”, portanto gera ódio, inveja e discordâncias entre os filhos que desejam ocupar esse mesmo lugar. É só depois que este pai está morto, que sua lei é resgatada e transmitida por algum sucessor ou filho. Lacan e o Mito Individual do Neurótico: Um Artifício Para Lacan, “existe no seio da experiência analítica algo que é propriamente falando um mito”, e que O mito é o que confere uma fórmula discursiva a alguma coisa que não pode ser transmitida na definição da verdade, pois a definição da verdade não pode apoiar- se senão sobre si mesma, e que é na medida em que a fala progride que ela a constitui. A fala não pode apreender-se a si mesma nem apreender o movimento de acesso à verdade como uma verdade objetiva. Ela pode exprimi-la – e isto de uma maneira mítica. (Lacan, 1987) Lacan, vai tratar o mito como um “artifício” (1998) para se transmitir uma verdade, verdade esta, que não pode ser “toda” dita. Assim, ele vai resgatar a importância do simbólico concebendo o inconsciente estruturado como linguagem através do recurso à linguística e ao estruturalismo, retomando a castração no registro do simbólico, através de sua releitura dos textos freudianos. Porém, partindo dos fatos clínicos, de sua prática, conseguiu perceber que o que estava em questão na lógica da castração era algo que estava mais além do simbólico e do imaginário, ou seja, que incluída também o real. É daí que ele vai partir para o mais além do simbólico e do imaginário, verificou, portanto, que precisaria ir mais além do mito para articular as questões colocadas pelo gozo na dimensão do real na direção da cura. 22 Miller e o Mito da Libido: Uma Variante do Mito do Pai Fonte: circolovegetarianotreia.wordpress.com Para Miller “Seria necessário que o psicanalista ao menos não acredite”, nesta história de parricídio, ou seja, na morte de gozo, como assim o enuncia o mito freudiano, “e coloque esta história romanceada no rang das ficções que o impasse sexual esconde para racionalizar o impossível de onde elas provêm ”– a palavra é de Lacan, citada por Miller. Assim, poderíamos dizer juntamente com Lacan e Miller que os mitos são “histórias romanceadas”, são metáforas que nos facilitariam a compreensão do impasse sexual, mas que, por outro lado, não levam em conta as questões da libido, ou seja, a questão do menos de gozo gerado aí no registro simbólico. É no momento da assunção de seu sexo, pelo sujeito, que ele se depara com este problema. Com isso, um enigma se constitui.É o enigma dos destinos da pulsão, já que uma catexia que estava investida antes em um determinado objeto, tem que se deslocar devido à interdição deste objeto para um Outro. Mas onde vai se localizar a catexia, o investimento libidinal, que teve que ser deslocado? Ele se desvia? Se desvia-se, para onde vai? Estas são questões que Lacan vai tentar resolver. Mas, como o percurso de Lacan é complexo e nos permite muitos equívocos, Miller, em elucidando Lacan, vai tentar nos ajudar. 23 Miller nos diz em seu texto “Petite introduction à l’au delà de l’oedipe”iii que o mito pulsional, na psicanálise, conta uma outra história diferente da do mito do pai. Ou seja, “que o mito pulsional é como que uma variante do mito paterno, que não nos conta somente o roubo – em francês: “vol” – da libido, de como ela fora roubada – em francês: “ravie”– transportada, de um corpo que desde então fica condenado ao deserto do gozo: o mito pulsional fala das migrações da libido. ” Então existem como que duas histórias dentro de uma nos mitos? Parece que sim, e que foi aí que Freud deixou questões a serem elaboradas. Portanto, foi preciso que Lacan assim localizasse este problema e voltasse a ele, para conseguir discernir as coisas, para localizar e poder privilegiar o real que estava em jogo na experiência analítica, no campo da sua prática. Neste mesmo texto, Miller nos faz a seguinte alegoria para tentar nos contar o problema: “Libido, uma vez roubada, transportada, não morrera enfim na prisão onde a mantinha o Pai (podemos imaginar essa prisão em Pompéia, sob o emblema do falo). Libido não morrera, mas se fizera nuvem, água, riacho, inundação. Eu a derramei, a depositei, diz o Pai, no tonel que eu possuo das Danaides, e ela está aí protegida. Mas nós sabemos, nós, aquilo que ele não sabia – que aquele não era um tonel que poderia contê-la. Não vês tu, Pai, que eu escapo, vazo, escôo, que eu acendo o incêndio? Não, Pai não via que libido se ia, e que no deserto mil oásis floresciam. Pai acreditou ter sido enterrado junto com libido. E, o sujeito também acreditara – acreditara que o pai a possuía, a segurava contendo-a na morte. Durante esse tempo, libido se metabolizara alegremente sem que ninguém a reconhecesse. E o sujeito estava feliz, e não sabia. Esta bela alegoria pode nos mostrar os problemas suscitados pelo mito e qual foi a necessidade deles para a psicanálise e porque eles ainda deixam questões a serem resolvidas. O recurso ao mito, o recurso ao simbólico e ao imaginário, ao falo, não foi suficiente para resolver os tais problemas acima referidos. O falo, enquanto significante do desejo – tal como nos articula a fórmula lacaniana da metáfora paterna (que por sua vez é uma tentativa de unir os mitos de Édipo, totem e tabu e o Complexo de Castração) – o conceito de falo, enquanto objeto, enquanto primeiro representante da libido freudiana, não veicula a dimensão do real da libido, portanto, não é suficiente para lidar com menos de gozo em jogo na castração. E é a partir daí que Lacan vai construir o conceito de “objeto a”, para tentar dar conta desta questão veiculada pela libido freudiana, e que o conceito de falo não resolve. Então, falo e o Objeto a, são 24 duas modalidades da libido, uma freudiana, e outra lacaniana, com a diferença de que uma é significante – falo – e a outra modalidade é não- toda significante – objeto. Talvez seja por isso que Miller em seu seminário “lógicas de la vida Amorosa” (1991), nos diz que “o objeto a é o segredo do mito de Babel”. Poderíamos pensar que, se o objeto a veicula o real do gozo implícito na castração, na lei simbólica, portanto, se o objeto a se constitui como causa do desejo, ele é também a causa da pluralidade das línguas, é o que permite aos homens desejar, mesmo que este desejo seja algo tão imaginariamente perfeito, algo que não exista. Assim, podemos supor que o menos de gozo introduzido pela multiplicidade das línguas é o ponto que marca a castração operada por “Deus” no mito de Babel, que Deus seria, aqui, um dos nomes do real no mundo dos homens. É como se o “Deus-Pai”, o real, surgisse para mostrar que não existe o Uno, o absoluto neste mundo. Mas se os mitos são metáforas, quem é Deus? O pai morto? Um mito? Seria esse pai imaginário capaz de operar a castração? Os mitos cristãos, buscam fazer existir o pai do registro imaginário, sem falta, O pai universal, O nome-do-pai. Porém, O pai, aquele que teria o suposto saber absoluto, que seria o pai universal, uno, não existe. O nome-do-pai, para Lacan é o “exercício de uma nomeação que permite ao sujeito adquirir uma identidade”, é apenas uma função, um lugar, uma posição, um “significante mudo, uma letra que nada sabe nem pode pronunciar”. Não foi à toa que Lacan interrompeu seu seminário “Os Nomes do Pai”, que ele havia iniciado em janeiro de 1964, como relata Miller em seu texto “Comentário do Seminário Inexistente” (1992), pois, Lacan o interpretava como uma modalidade do impossível, “Não há O nome-do-pai, este é o segredo que Lacan pôde decifrar, “O segredo de que o nome, como: O Nome, no singular, o nome como único, o nome como absoluto, que este nome, não existe. Assim, o segredo seria que o túmulo do Pai – do pai no singular – está vazio”. Se no texto freudiano nos restringíssemos somente a uma leitura dos mitos, estaríamos então nos aproximando de um delírio, como o da religião. Contudo, como a religião não leva em conta o inconsciente, o pulsional, o que há de real no simbólico, nos mitos, neste ponto ela se distancia da psicanálise. Portanto, a psicanálise precisou com Lacan, passar dos conceitos aos matemas, para apontar o furo, o limite do simbólico. Ir mais além do pai significou ter 25 que passar do Uno ao múltiplo, o que implicou entrar em uma série. Passar do singular ao plural, passar da religião à ciência, à uma “ciência do Real”. É por isso que o recurso ao mito não bastou para a psicanálise. Foi seguindo esta mesma lógica que Lacan chegou aos grafos e aos nós, ao nó borromeano, para tentar solucionar estas questões. Ele assim, buscava privilegiar na direção da cura, o que há de real no simbólico, o que há de gozo, em cada mito, em cada caso clínico. E isto, por sua vez não foi possível sem referência ao corpo e ao objeto a, ao que há de pulsional na constituição dos sintomas, das histórias, ou dos mitos individuais de cada sujeito.3 A TRAGÉDIA DE ÉDIPO E A INVENÇÃO DA PSICANÁLISE Fonte: picbear.xyz Da tragédia cotidiana à miséria banal: como a metáfora de Édipo Rei, uma das mais famosas peças do antigo teatro grego, pode nos ajudar a melhor compreender a psicanálise. Em Escritores Criativos e devaneio, publicado em 1908, Sigmund Freud escreve: “Os escritores, como os antigos poetas épicos e trágicos utilizam temas preexistentes à própria criação. O escritor criativo faz o mesmo que a criança que 3 Texto extraído do link: http://www.ebp.org.br/textos-online/o-mito-a-religiao-e-sua-relacao- com-a-psicanalise-i/ 26 brinca: cria um mundo de fantasia. (…) a obra literária, como o devaneio, é uma condição ou um substituto do que foi o brincar infantil”. Em seu estudo, Freud pretende que a psicanálise acolha a “tragédia cotidiana de vida” de um sujeito para, com seu método terapêutico, transformá-la em uma “miséria banal”. O Édipo é o eixo fundamental da psicanálise. O trágico destino de Édipo Rei, escrito por Sófocles por volta do ano 427 a. C., relata a travessia de uma vida em busca da revelação de sua origem e, repetindo a trágica saga dos Labdácias, se questiona sobre quem seria o assassino de seu pai Laio. Édipo não sabia, mas é surpreendido ao descobrir sendo ele mesmo o assassino que procurava encontrar. A psicanálise se efetiva baseada em uma operação de verdade. As verdades recônditas, apagadas da memória sóaparecem veladas pelos equívocos da linguagem e da fala. A verdade apenas se desvela ao irromper como meio-dizer. Essas verdades esquecidas, capítulo censurado de nossa história de desejo, remetem-nos ao conceito de inconsciente, que, por sua vez, reverte nossa relação com o saber. A descoberta do Édipo traduz esta subversão: há um saber inconsciente que nos leva a invocar verdades negligenciadas que, como ocorre com Édipo, podem desvelar o âmago do ser e então mudar radicalmente a orientação de uma vida. O Édipo e a invenção da psicanálise O Édipo é uma descoberta e um conceito estreitamente ligado à invenção da psicanálise. A reflexão sobre o inconsciente depende do Édipo em seus três aspectos: o mito, o complexo e o conceito. O mito é o que dá estrutura lógica ao que advém da realidade psíquica. As psicoterapias (sugestão e hipnose), que Freud utilizou e abandonou por causa de seus limites, tentaram reduzir o Édipo a um instrumento de adaptação ao socius, a uma doutrina de conformidades. Contudo, Freud recorreu ao Édipo do Grego Sófocles utilizando-o como metáfora do inconsciente que fala de desejos e proibições. Como consequência, o complexo de Édipo evoca a formação de sintomas como substituições do proibido e do esquecido, do recalcado. O sintoma tem uma causa e uma economia libidinal. Logo, há uma organização lógica na constituição e na decifração dos sintomas. 27 A psicanálise os trata mudando sua economia libidinal. Por considerar o sintoma uma patologia que afeta o sujeito –pathos, as psicoterapias visariam a supressão de sintomas para obter a restauração de um estado anterior, “normal”. Para a psicanálise, o sintoma não é apenas uma “doença”. Embora cause sofrimento, ele aí está para dizer algo sobre um sujeito. Adotado como conceito, o Édipo traz um destaque especial. O que é um conceito? “É o tempo da Coisa”, nos ensina Heidegger. O tempo da Coisa é outra forma de se referir àquilo que causa o dizer de um sujeito e que está sempre em defasagem com o que ele quer dizer. Há uma defasagem entre o enunciado e a enunciação, entre o dito e o dizer. Podemos até afirmar que o sujeito padece da linguagem, pois é comum surpreender-se com os equívocos da linguagem. Então é preciso o tempo para não banalizar o Édipo. Lacan nos ensina que há três tempos para que se dê a apreensão da realidade inconsciente, da realidade psíquica: o instante de ver, o tempo de compreender e o momento de concluir. Esses três tempos são exigidos para acompanhar o futuro anterior que predomina em uma descoberta do inconsciente e que expressa o âmago da constituição do sujeito. Fonte: sbprp.blogspot.com 28 Para a psicanálise, um sintoma, por mais paradoxal que seja a satisfação que um sujeito encontra nele – sofrimento, mas também prazer -, é ali que está a sua verdade mais íntima. O sintoma para a psicanálise é um meio de revelação de uma subjetividade e de uma singularidade. A psicanálise trata o sintoma transformando, alterando essa economia libidinal através da palavra e do ato que retornam ao sujeito fazendo-o falar mais. A psicanálise se propõe a despertar no sujeito o desejo de saber sobre o que significam seus sintomas e esclarecer as causas de seu mal-estar. Ela visa esclarecer a que esses sintomas se atêm, para que servem e como substituí-los. No descaminho do nosso gozo, da nossa satisfação pulsional paradoxal, mesmo que seja no pior, só há a linguagem e seus mal-entendidos para situá-los. A tragédia antiga e a psicanálise A tragédia antiga expõe a “céu aberto” o que o inconsciente reluta em dizer. Para além de sua origem mítica, a essência da tragédia consiste na até, na fatalidade. Até é um termo grego de difícil tradução. Denota, ao mesmo tempo, uma espécie de “iluminação” violenta assim como é a expressão do inexorável. Apesar da progressiva humanização da tragédia grega, o homem nunca deixou de se haver com a fatalidade, com a até. A até trágica desvela, assim, a ultrapassagem de uma fronteira. O herói trágico avança em seu destino até que, em um instante inesperado, ele próprio é surpreendido por algo que faz e a partir daí não mais será o mesmo que era antes. Nesse instante fugaz, o herói “padece” de uma reviravolta. No limiar de uma decisão pela qual é forçado a se responsabilizar, o herói trágico se constata ultrapassado por algo imprevisível e até então desconhecido. Sua decisão, sua escolha é um desafio ao futuro, ao destino e a si mesmo. É o que nos ensina o transcurso da tragédia de Édipo Rei ao Édipo em Colona, de Sófocles. Não sendo pleno senhor e agente de seus atos e de suas decisões, o herói corre o risco de cair na armadilha de suas próprias escolhas, esperando que os deuses e o oráculo (de Delfos) estejam ao seu favor. Onde estará a responsabilidade por seus atos? Em que podemos aproximar o ato trágico àquilo que a psicanálise trabalha em relação à ética? Lembrando que a ética é a casa onde habita o homem. 29 Freud nos ensina que o artista antecipa o psicanalista. Optamos por recorrer à tragédia grega por ser uma criação literária que melhor exemplifica a encenação, a colocação em ato daquilo que impulsiona um sujeito a agir e que, com Lacan, nomeamos de insistência em buscar satisfação pulsional, o que também pode se apresentar como satisfação tanto no prazer como no desprazer, ou no gozo paradoxal. Fonte: www.revistavortice.com.br Constatamos então que os heróis, sem terror nem piedade, são movidos por algo distinto da angústia neurótica. Esta antecipa signos para prevenir o “herói do cotidiano” de um perigo que se aproxima e o ameaça. Enquanto o neurótico é precavido ou posterga seu ato, os heróis, seja o antigo ou o herói moderno, destemido, mergulha nos seus ditames, sejam respectivamente os dos oráculos ou os do seu próprio desejo! Considerando-a efeito da divisão subjetiva, a angústia é um índice da “amarração” do sujeito desejante a um objeto que é ansiado para satisfazer a um desejo. Paradoxalmente, é um “nada” que antecipa um “futuro anterior”. Dizemos que esse “nada” funciona em função da causa do desejo. Seu estado é de “existência”, termo usado para abordar a “existência” imaterial e sua insistência – cifra de uma constância – na busca de satisfação que se dá tanto no interior e, ao mesmo tempo, no exterior do aparelho psíquico. Melhor dizendo, trata- se de um objeto, que segundo Freud, foi miticamente perdido e que todo sujeito 30 “sonha” reencontrá-lo! Contudo, como ele é inefável, só podemos experimentar a manifestação de sua insistência. Essa, sim, é o que causa o curso do desejo. O mito do Édipo nos ensina que o sujeito deve simbolizar o que miticamente se desvelou como perda de satisfação e de gozo, acreditando poder recuperá-los em objetos substitutivos. Se o gozo é o que o sujeito perde ao falar – o sujeito padece do significante que vela e desvela esta busca insistente – é porque do gozo está separado e por ele dividido. A lógica e a estrutura que regem a insistência do desejo e sua “existência” são organizadas como e pela linguagem: com suas metáforas, metonímias, parábolas, interrupções, exclamações etc. Para escapar ao esquecimento e ao recalque peculiar à linguagem inconsciente, o teatro grego expõe a olhos nus, através de seus heróis trágicos, a imagem das “paixões do ser” – ódio, amor e ignorância. Essas paixões margeiam o profano e o sublime da fatalidade estrangeira ao sujeito. Estas também dividem o sujeito do desejo, ou seja, deixam-no ser permeado por uma zona de ignorância sobre o que causa e determina o destino da sua realidade psíquica. É com essa realidade que a psicanálise trabalha. Assim é que podemos equiparar um sujeito qualquer do cotidiano a um herói moderno que não cede de seu desejo, levando-o às últimas consequências. Ambos são responsáveis pelos seus atos governados pelos desígnios deseu desejo inconsciente!4 O MITO, A PSICANÁLISE E A BOLA De algum tempo para cá, o futebol, esporte definido por muitos como uma religião no país, tem chamado a atenção de teóricos das ciências humanas. Os dois exemplos mais recentes são as obras “A Dança dos Deuses” (2007), de Hilário Franco Júnior, e “Veneno Remédio – O Futebol e o Brasil”, de José Miguel Wisnik (2008), editados pela Companhia das Letras. No primeiro, o autor traça um paralelo entre a evolução do esporte e os perfis históricos da Europa e do Brasil no último século; no segundo, Wisnik repensa o esporte com olhar histórico e filosófico. O livro recém- lançado por David Azoubel Neto — “O Futebol como Linguagem – da Mitologia à 4 Texto extraído do link: www.cafehistoria.com.br/a-tragedia-de-edipo-e-a-invencao-da- psicanalise/ 31 Psicanálise” — constitui-se um “fecho de ouro para a trilogia sobre futebol”, na definição de Juca Kfouri, responsável pelo prefácio da obra. Com o mesmo olhar antropofágico que a Semana da Arte Moderna dirigiu às expressões artísticas da época, Azoubel analisa o futebol, tentando absorver e digerir em sua análise o que passa na cabeça de um jogador nos momentos decisivos de uma partida. “O livro é um ensaio, o escrevi tentando me colocar dentro da cabeça do jogador, ou seja, é uma leitura de dentro para fora”, argumenta. Fonte: papelarrozkantinhodobolo.com.br Por convicção, um apaixonado, que aprendeu com as “peladas” a substituir o egocentrismo, a rebeldia às regras, o medo do fracasso, sentimentos comuns na infância, pelo senso de grupo, de solidariedade, de humanismo, pela disciplina e pelo espírito de luta, que fez com que percebesse que um jogo sempre pode ser virado, mesmo quando a derrota pareça consumada. Enquanto teórico, Azoubel aventura-se pelo tema buscando compreender a importância desse esporte que lota estádios por todo o mundo e que se originou com nuanças de barbárie, tendo como fonte de inspiração os campos de batalha, na Dinastia Huang-Ti, por volta 2197 a.C., quando os crânios dos inimigos de guerra eram utilizados pelos chineses como bola, em um esporte que pode ser considerado o 32 ancestral do futebol. O jogo era utilizado com o intuito de treinamento militar, tendo, entre outras finalidades, atiçar nos soldados a ira contra o inimigo. Foi quando chegou à Inglaterra, vindo da Itália do século XVII, que o futebol adquiriu um perfil mais civilizado. Hoje, o esporte é totalmente revestido de seu potencial simbólico e desponta em várias competições como um instrumento de conscientização sem, entretanto, deixar de ser palco de rivalidade e de violência entre as torcidas, o que, analiticamente, pode ser explicado pela rivalidade, inveja e disputa que desde tempos imemoriais permeiam a relação entre irmãos. O futebol abandonou o concreto das concepções violentas e começou a fazer abstrações e simbolizações. “No período de 900 a 200 a.C, os Maias praticavam um jogo semelhante, na Península de Yucatan, em que o capitão do time que perdia a partida era decapitado. A decapitação permanece, mas no âmbito simbólico: o sujeito derrotado realmente perde a cabeça, tanto que podemos dizer que ‘cortaram a cabeça do Dunga’, depois da Copa da África do Sul. O simbolismo continua, e enquanto o homem puder utilizá-lo, preserva sua capacidade de expressão e de realização por meio de canais que resultam em uma atividade produtiva”, explica Azoubel. Por ser um esporte de multidões, que expressa todos os fenômenos da psicologia de massa, o psicanalista vislumbra no futebol uma grande ferramenta de transformação social. “Serão fundadas várias escolas de futebol. Por onde passa, esse esporte deixa rastros, ele tem um poder tão grande que é capaz de enfrentar guerras. Pelé interrompeu duas vezes a Guerra da Nigéria para se apresentar, primeiro de um lado e depois de outro. Um esporte capaz de parar guerras tem uma força muito grande, que precisa ser aplicada em movimentos sociais”, ressalta Azoubel. Tanto o autor acredita nessa perspectiva que destaca que o futebol é um elemento mais apaziguador do que a política e a religião, apesar de envolver os mesmos ingredientes contidos em ambas — a paixão e a fé. Segundo ele, o esporte se mostra mais eficaz porque a fé é usada no futebol de forma mais intensa. 33 Fonte: jornal.usp.br Era isso que Nelson Rodrigues queria dizer quando afirmou que o primeiro esporte praticado no Brasil é o voleibol, o futebol é religião. “Não é um esporte porque ele compete em nível de gênero e número com uma grande manifestação religiosa”, Azoubel explica. “A religião não tem a mesma força porque, apesar do paralelismo entre as vertentes, no esporte, há um desprendimento natural. “ O torcedor incorporado à Fiel tem o mesmo pensamento, a mesma fé no time que, para ele, é como se fosse um profeta. Os religiosos também podem mergulhar de corpo e alma, mas nem todos fazem isso”, acrescenta. Quanto às regressões civilizatórias, comuns em grandes clássicos sob forma de rivalidade, o psicanalista afirma que tais movimentos regressivos ocorrem porque o futebol precisa permanecer fiel à sua própria história, que é agressiva inicialmente, mas que preserva uma parte que permite o processo civilizatório. “A civilização se efetua por avanços e recuos, mas um movimento desses é muito pequeno frente a massacres como o holocausto ou os aniquilamentos que testemunhamos no século XX. O futebol matou muito menos do que guerrilhas, torturas e assassinatos em massa”, assegura o autor. Com o pensamento essencialmente mitológico, Azoubel compara as torcidas ao coro do teatro grego das acrópoles, que pré dizia o que ia acontecer nas tragédias. 34 “O coro participa aconselhando, estimulando, indiciando, sempre com uma grande paixão. A torcida é parte do ego do jogador colocado fora dele: o jogador olha na multidão e identifica como se fosse uma parte dele. Não é à toa que se diz que torcida ganha jogo”, avalia. O problema é que no meio desse processo civilizatório está o homem, com todas as suas limitações. A indústria de heróis, associada à paixão e à fé que transformam os jogadores em verdadeiros mitos, não supre suas deficiências em lidar com a glória e o deslumbre que acompanham essa ilusória e frágil transformação. Na mitologia, o status de mito abriga duas condições fundamentais: a dor e a imortalidade. A história do titã Prometeu ilustra bem essa questão: o semideus que muniu o homem das ferramentas necessárias ao desenvolvimento da humanidade, roubou o fogo, um elemento exclusivo dos deuses, e entregou-o ao homem. Como castigo de Zeus, por proporcionar aos humanos a condição que permitiria a eles dominar os demais habitantes do mundo, o titã foi acorrentado no Monte Cáucaso, tendo seu fígado dilacerado por uma águia, diariamente, órgão que se regenerava durante a noite, devido à sua condição de semideus. Essa condição, conforme Azoubel, faz toda diferença entre o homem e o Deus e torna tão difícil para o ser humano lidar com a fama. No mundo moderno, ídolos são fabricados em todos os segmentos e não é diferente no futebol. Não são poucas as histórias de meninos de procedência humilde, como o goleiro Bruno, do Flamengo, que por meio do esforço e da dedicação se destacam no esporte. De desportistas, repentinamente transformam-se em mitos para as torcidas. O psicanalista destaca que, tanto na mitologia quanto na psicanálise, o galgar súbito de posições para as quais não estão efetivamente preparados é chamado de Mito do Herói, personagens que geralmente conseguiram reafirmar essa condição após se submeterem aos infortúnios do inferno. “Essa garotada não está, absolutamente, preparada para essa relação do herói com o mito. A grande maioria perde a fortuna que ganha porque fica embriagada com ela.O sujeito perde a noção do limite e começa a pensar que é Deus, que é imortal. Esse é o predomínio do instinto de morte”, afirma o autor. Tanto no caso do goleiro Bruno quanto de outros expoentes que se envolvem com marginais, como o cantor Belo, a grande lição é a humildade, segundo o psicanalista. 35 A diferença entre o êxito e a derrota está em saber administrar o limite entre a humildade e a arrogância. “Ao contrário dos deuses e dos semideuses, o homem é mortal e finito”, conclui.5 MITOLOGIA & PSICOLOGIA: A IMPORTÂNCIA DOS MITOS Fonte: www.nerdmaldito.com Sugere-se que os mitos tenham se originado em épocas remotas em que as pessoas se mantinham unidas em famílias e comunidades maiores em que eram transmitidos oralmente de geração para geração. Eram contados como histórias memoráveis e através dos tempos foram adaptando-se de acordo com as necessidades sociais, sem, contudo, perder o núcleo da história. “Dullahan, cavaleiro sem cabeça, monta um cavalo com olhos flamejantes. Carrega a cabeça embaixo do braço e quando para de cavalgar, um ser humano morre” (Mitologia Celta). “Existiam dezoito infernos distribuídos por dez tribunais de justiça. O chefe do inferno era Yen-Lo Wang, justo e bondoso. Ele registrava os bons e maus atos dos humanos na Terra, dando-lhe sentenças justas para os maus e recompensando os bons e os arrependidos” (Mitologia Chinesa). 5 Texto extraído do link: https://www.revide.com.br/editorias/capa/o-mito-psicanalise-e-bola/ 36 “A Yggdrasil é a árvore que simboliza o eixo do mundo e fica localizada no centro do universo. Em suas frutas estão guardadas todas as respostas para as grandes questões da humanidade, e por isto, ela é sempre protegida e somente os deuses tem permissão para tocá-las. Suas folhas tem o poder de trazer os mortos à vida e seus frutos podem curar qualquer doença” (Mitologia Nórdica). A mitologia se constitui como um conjunto de mitos. A palavra mito vem do grego e significa ‘narrativa contada’. Os mesmos procuram explicar os acontecimentos da vida através do sobrenatural, representando explicações sobre a origem do mundo e do homem, possuindo também símbolos com diversos significados de como determinadas civilizações entendem e interpretam a existência. Para ser caracterizado como um mito, a narração deve envolver acontecimentos supostos e relativos a épocas primordiais que ocorreram antes do surgimento dos homens (deuses) ou dos primeiros homens (ancestrais). Contudo, seu foco está na mediação daquilo que é profano e daquilo que é sagrado apresentando acontecimentos fabulosos que deem sentido para o mundo. Eles podem tentar explicar a origem do universo, o desenvolvimento de instituições políticas ou as razões dos rituais. Muitas vezes descrevem façanhas de deuses, seres sobrenaturais ou heróis que podem executar proezas extraordinárias. O mito está sempre se referindo à realidade, desta forma é considerado como uma história sagrada e verdadeira. Em seus relatos sobrenaturais, a manifestação dos poderes sagrados desses seres mitológicos acaba se tornando modelo de todas as atividades humanas significativas. Quando rejeitado ou questionado, o mito se converte em fábula ou ficção. Considera-se que em sociedades tribais os mitos são vivos, pois cumprem sua função de dar sentido ao mundo. 37 Fonte: demonstre.com O mito tem função importante e essencial na forma de organização do cotidiano dessas culturas, em que todas as atividades, tais como nascimento, casamento, guerra, comércio e morte, são ritualizadas e mitologizadas para que ganhem sentido. Dentre os aspectos culturais associados aos mitos estão as tradições de um povo. É possível encontrar em meio aos processos interacionais de um grupo social organizado vivências de fundo coletivo que transmite seu modo de organização subjetiva, seus padrões de interação, os processos de vinculação intersubjetiva e a forma como cada indivíduo poderá ser visto dentro de cada formação social. Na constituição da cultura, o mito contribui para o desenvolvimento individual e coletivo. As ações estruturantes existentes nestas narrativas possuem a capacidade de gerarem padrões de comportamento que garantam a evolução psicossocial, infundindo socialmente referências de um padrão mais adequado de comportamento, como por exemplo, um herói mitológico, que possui a função de reportar o indivíduo para o comportamento adequado, introduzindo ou corrigindo o indivíduo na perspectiva de sua totalidade. Considera-se, assim, o mito como um modelo, possibilitando ao indivíduo rever seus comportamentos, de certa forma não apropriados, e remodelar suas posturas. 38 Vários antropólogos se dedicaram ao estudo dos mitos, buscando diferenciar mitos de histórias. Contudo, a história pode exercer as mesmas funções do mito e, algumas vezes, esses dois tipos de narrativas podem se confundir. Há diversos olhares acerca dos mitos. Para Frazer são formas de antigos pensamentos científicos ou religiosos. Malinowski considerava o mito como uma explicação para a ordem social. Segundo Mircea Eliade, são fenômenos religiosos que buscam retornar o homem ao ato original da criação. Por sua vez, Lévi-Strauss coloca a importância do mito em sua estrutura, não ao seu conteúdo, já que através dessa estrutura é possível observar os processos mentais universais. Os mitos perpassam por toda a Psicanálise. Desde Freud, a mitologia grega representa o grande repositório em que se podem buscar modelos para organizar descrições teóricas ou mesmo modelos que sustentem imagisticamente hipóteses que permitam articulações com fenômenos clínicos, assegurando, ao mesmo tempo, constructos para investigações metapsicológicas. Pode-se dizer que Freud reorientou a interpretação dos mitos. Mais do que uma recordação ancestral de situações culturais e históricas ou elaborações fantasiosas sobre fatos reais, dentro das ideiais psicanalíticas freudianas, os mitos configuram-se como uma expressão simbólica dos sentimentos e das atitudes inconscientes de um povo, correspondendo aos sonhos na vida do indivíduo. Na perspectiva junguiana, a mitologia é fundamental para olhar mais profundamente o ser humano, uma vez que, o mito expressa estórias simbólicas que transmitem imagens significativas em que é possível identificar as verdades dos homens de todos os tempos. Na Psicologia Analítica de Jung vislumbra-se uma conexão universal entre os homens que se constrói como uma herança psicológica (inconsciente coletivo) ao longo da evolução humana. Ou seja, o inconsciente coletivo permite compreender a universalidade de símbolos e mitos, pois estes se revelam em todas as culturas e épocas de modo idêntico. 39 Fonte: pt.quizur.com Dessa forma, consegue-se afirmar que aquilo que é comum à humanidade está revelado nos mitos. Em conclusão, quando analisamos a riqueza simbólica do mito quando o mesmo corresponde a um comportamento pode-se ampliar conteúdos afetivos, bem como repertórios comportamentais. A simbologia e os personagens mitológicos facilitam o envolvimento do indivíduo em outros parâmetros de comportamento em que o mesmo é capaz de reformular suas ações numa perspectiva mais adequada e aceita socialmente. Além disso, antropologicamente percebe-se que muitos mitos da sociedade moderna e contemporânea encontram raízes paralelas com as sociedades antigas, como por exemplo, os heróis contemporâneos da indústria cinematográfica (Super- Homem, Mulher Maravilha, Thor, etc) que se assemelham aos heróis das mitologias arcaicas ao passarem por provações para alcançar um objetivo heroico. Em suma, o mito é o nada que representa tudo.6 6 Texto extraído do link: http://mundodapsi.com/mitologia-psicologia-importancia-dos-mitos/40 41 BIBLIOGRAFIA ÁVILA, Lazslo Antonio. Psicanálise e mitologia grega. Pulsional Revista de Psicanálise, XIV/XV, n. 152/153. 2001. AZEVEDO, Ana Vicentini de.Mito e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. São Paulo: Ediouro, 1965. CABRAL, A.; NICK, E. Dicionário Técnico de Psicologia. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio. In: Obras completas. 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