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A relação entre homens e animais no mundo da Cinofilia: Uma análise antropológica.
Ivana Teixeira[endnoteRef:1] [1: Doutoranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desenvolve trabalho no campo dos estudos da promoção da saúde pública, principalmente saúde mental. Junto a este tema e com igual relevância, tem discutido a relação contemporânea entre humanos e animais. Pertence ao grupo de estudos Espelho Animal (http://espelhoanimal.wordpress.com) do Programa de Pós – Graduação em Antropologia Social da UFRGS, sob coordenação do professor Bernardo Lewgoy e participação de doutorandos, mestrandos e acadêmicos interessados na temática das relações entre humanos e animais. ] 
Considerações Iniciais
Este trabalho objetiva refletir em perspectiva antropológica as relações entre humanos e animais[endnoteRef:2], no âmbito dos circuitos e redes de criadores de cães de raça, considerando-a como o disparador de determinadas práticas que congregam noções sobre, “raça”, “pedigree” e “beleza canina”. Estas categorias são tomadas a priori como elaborações próprias do meio cinófilo[endnoteRef:3], que configura-se em uma rede de criação e circulação de animais, facilitada pelo circuito da comercialização de cães de raça. Não menos importante é considerar que a cinofilia, para além de um ramo de atividade econômica, é também um estilo de vida em que as relações humano-animal são estruturantes da prática. [2: Neste texto, adota-se a expressão “humano-animal”, na qual a palavra “animal” é empregada com significado de “demais animais”, sem excluir os humanos do reino animal. Na Zoologia, este ramo de estudos é denominado, Antrozoologia. ] [3: A Cinofilia refere-se a criação de caninos de raça pura. Para mais informações pode-se visitar o site da Confederação Brasileira de Cinofilia (http://www.cbkc.org).] 
Como problemática de fundo empírico, destaca-se a reelaboração das diferenças entre natureza e cultura expressas em diferentes práticas interespecíficas que caracterizam os sujeitos num mundo multifacetado pela agencia de diferentes espécies e de ambientes específicos. Para analisar as relações que constituem a cinofilia enquanto prática social reuniu-se um aparato de informações acerca do circuito da cinofilia e, observações de campo relativas aos Concursos de Beleza Canina[endnoteRef:4], eventos que reforçam os preceitos da cinofilia e também aproximam os participantes. Assim, este trabalho pretendente apontar e analisar novas éticas e sensibilidades nas relações entre humanos e animais. [4: Exposição de Beleza canina é um concurso onde os cães disputam o mérito de melhor raça e o que é mais esperado pelos participantes, é o título de melhor de todas as raças, chamado de Best in Show. A disputa consiste em apontar qual cão se enquadra nos padrões de beleza pré-estabelecidos através de um regulamento, avaliado pelo árbitro. Para mais informações ver: http://www.cbkc.org/regexposicao.htm.] 
Como horizonte analítico destaca-se a teoria ecológica de Tim Ingold (1995, 2002, 2011) como possibilidade de articulação entre ambiente, homem e demais organismos – o cão, no contexto da cinofilia. Essa abordagem fenomenológica das práticas sociais permitiu observar os diversos caminhos que os componentes do mundo natural figuram no imaginado cultural. Somado a essa perspectiva, as proposições de Viviana Zelizer (2005a e 2005b, 2009) nos ajudaram a pensar as relações afetiva e comercial, que permeiam a cinofilia, como condições fundantes e necessárias a esta prática social que tem sua expansão associada ao crescente mercado de animais de estimação. 
Assim, a onipresença dos animais no contexto social humano é questão que eclodiu como problema cultural e intelectual nas ultimas décadas e não se trata de uma definição unívoca, mas de um processo social que envolve diferentes historicidades, tensões e trajetórias politico‑sociais. No contexto ocidental a relação entre homem e demais animais é chamada de ‘domesticação’, um fato cultural cujas ressonâncias não são iguais para todos os animais nem para todas as sociedades, haja vista que cada situação concreta corresponderia a um “sistema domesticatório particular” (Digard, 1999:30).
No conjunto de ‘animais domesticados’ há diferentes relações e práticas sociais possíveis e emergentes entre as espécies. Um delas é a categoria chamada ‘animais domésticos’, que abarca aqueles que se prestam para relações muito próximas ao homem, como o cão. Essa capacidade de convivência tão próxima produz uma série de práticas, como a cinofilia, uma prática social que emergiu da relação entre Homo Sapiens e Canis Lupus Familiaris. 
O tema da cinofilia foi abordado pela antropóloga Samanta Oliveira (2006), na dissertação intitulada “Sobre homens e cães: um estudo antropológico sobre afetividade, consumo e distinção”. Para Oliveira (2006), o cão pode ser considerado como objeto simbólico de identificação e distinção social, ao levarmos em consideração: escolha do cão como o animal de estimação (em detrimento do gato, por exemplo) e a preferência por determinada raças em detrimento de outras. Na mesma direção de Kulick (2009), esta dissertação trata de considerar o animal como um marcador social. 
Além disso, outros fatores contributivos à relação homem-cão estão relacionados com a imitação de costumes de classe e ao facilitado comércio globalizado, pois permitiria que raças de diferentes locais adquirissem popularidade mundial. Por outro lado, o declínio nos registros de raças pode estar associado a movimentos em defesa dos animais e à negativa popularidade, como é o caso do Rottweiler e Pittbull. 
O debate em torno da noção de raça animal não data de ontem, mas aumentou com a democratização do fenômeno de animais de estimação no século XIX (Digard, 2003) e sua massificação no século XX: são mais numerosos, mais presentes, e as pessoas cada vez mais investem em comida animal, saúde, seguros, assistências em geral, concursos de beleza e, até mesmo, enterro ou clonagem tornaram-se um mercado voltado aos animais. Destas diversas práticas destaca-se aqui o contexto dos concursos de beleza canina, atividade cinófila por excelência, que são eventos realizados mensalmente para certificar os melhores ‘exemplares’ de raça pura. 
Foi possível neste trabalho, através da etnografia e do recurso a outros dominios de conhecimento, colocar a relação entre humanos e animais em perspectiva analítica, embora ainda se mantenha a fronteira entre as espécies. A partir da moldura interespecífica pretendi oferecer uma leitura dinâmica das relações, mostrando como transformações econômicas e sociais devem ser pensadas em associação com os vários aspectos que permeiam a zoologia de uma espécie. 
A Exposição de Beleza Canina
Minha entrada no circuito da cinofilia foi motivada por ocasião de uma visita à petshop Holywood, de propriedade de Marco, criador de cães da raça Shitzu, cuja atividade cinófila iniciou quando foi presenteado com um cão desta raça. Marco hoje é proprietário de um canil, da loja petshop e estudante do curso de Medicina Veterinária. Na ocasião, tomei conhecimento do vasto campo que me esperava: uma rede comercial que envolve desde compradores domésticos (que desejam um cão para companhia) até veterinários, criadores, empresas de ração canina, publicidade, produção dos eventos de beleza e, além disso, um estilo de vida calcado no apreço pelos cães.
A pesquisa de campo compreende alguns ambientes deste circuito. Visitei petshops e conversei com funcionários, proprietários e clientes. Acompanhei cinco Exposições de Beleza Canina, na cidade de Porto Alegre - RS, visitando o Kennel Clube do Rio Grande do Sul, dentre estas, dois jantares aos associados do clube onde tive oportunidade de conversar com o presidente do Kennel Clube e demais afiliados. 
Ao iniciar o percurso etnográfico, era consenso entre os informantes que eu deveria participar das “Exposições de Beleza Canina”. Afirmavam-me que não se tratavamde feiras para comercialização de filhotes (como acontece em parques ou shopping centers), mas, eventos onde participam criadores e seus cães de raça pura em prol de premiar os animais que melhor apresentem os caracteres das raças avaliadas em cada evento. Estes criadores são proprietários de canis registrados e regulados pelo Kennel Club do Rio Grande do Sul (doravante KCRGS), uma entidade local, administradora da atividade cinófila, vinculada a órgãos internacionais da cinofilia. 
Em busca de conhecer esses eventos dirigi-me ao Estádio Cinófilo Leyla Rebelo, localizado na região periférica da cidade de Porto Alegre, sede campestre do KCRGS e deparei-me num contexto onde todas as pessoas ali presentes estavam envolvidas com atividades voltadas aos animais (desfile, banho, secagem, alimentação, ou simplesmente conversando sobre eles) o que me permitiu concluir, ao longo dos eventos, que os concursos de beleza canina são frequentados quase que exclusivamente pelos envolvidos na atividade cinófila e que a relação interespecífica é, por assim dizer, protagonista. 
Estes eventos ocorrem, na grande maioria das vezes, nos finais de semana. Em cada evento acontecem várias exposições independentes e simultâneas (geralmente três ou quatro) no mesmo local. Distinguem-se facilmente duas grandes áreas dentro do estádio (que é próprio para esses eventos): uma destinada às pistas, onde ocorrem os julgamentos, e outra destinada aos ‘acampamentos’, onde os cães são preparados antes de ‘entrarem em pista’. Para cada exposição existe uma pista, um árbitro e um auxiliar. 
A pista consiste em uma área retangular, de aproximadamente 5x6 metros, delimitada por uma cerca de madeira de mais ou menos 40 cm de altura. É neste espaço que ocorre o julgamento. O árbitro é a pessoa que julga os cães, com base em padrões físicos e ‘comportamentais’ determinados para cada raça. O auxiliar de pista é o responsável por anotar os resultados dos julgamentos em uma planilha e também por coordenar a ordem de entrada dos cães para julgamento. Cada exposição é realizada em uma pista, sendo estas completamente independentes umas das outras. As pistas ficam lado a lado, separadas apenas pela cerca de madeira. 
Para diminuir a quantidade de cães e pessoas em transito, geralmente o julgamento é sequencial, ou seja, assim que os cães de uma mesma raça são julgados um uma pista - em uma exposição - eles seguem para a seguinte, onde são julgados novamente, e assim, sucessivamente. Quando terminam os julgamentos, apenas o cão vencedor da raça de cada uma das respectivas pistas poderá ser chamado novamente para a etapa seguinte, o julgamento do grupo. Este acontece após todas as raças terem sido julgadas. 
Nesse contexto, assistindo o transcorrer dos desfiles estava procurando informantes que primeiro, me explicassem o funcionamento do evento e segundo, que me relatassem como entraram no ramo da cinofilia. Foi desse modo que conduzi seis entrevistas com seis pessoas que regularmente participavam das competições e com o presidente do KCRGS. Utilizo-me, também, da história publicada no livro “Um anjo chamado Phanton” (GRAF & GRAF FILHO, 2010), relato da entrada no mundo cinófilo pelo casal Karin Graf e Aguinaldo Graf Filho, proprietários de um Dogue Alemão vencedor de vários concursos. 
O circuito da Cinofilia
A cinofilia é um ramo da economia, um estilo de vida e palco de inúmeras construções sociais afetivas, culturais e econômicas. Atualmente o Brasil conta com o registro de 102.365 cães ao ano e ocupa a 5ª posição no ranking mundial, perdendo apenas para o Japão em 1º lugar (523.530 registros), 2º lugar, França (159.772 registros), 3º lugar Itália (154.141 registros) e 4º lugar a Rússia (com 107.365 registros). No tocantes a eventos no campo da cinofilia, ou seja, as Exposições Internacionais de Cães, coordenadas pelo CBKC – Confederação Brasileira de Cinofilia, o Brasil ocupa o 1º lugar, com 51 exposições realizadas em 2011, seguido da França com 36 exposições, da Espanha com 26 e da Itália com 23. O Brasil alcança o 2º lugar em número de Canis ou Registros de Afixos (canis), com 2602 canis novos ao ano, perdendo apenas para o Japão que registra nada mais nada a menos que 14.096 canis novos ao ano. Em terceiro lugar no registro de Afixos está a República Tcheca com 1.309 registros ao ano. Esse dado é particularmente importante porque nos aponta para o crescimento exponencial deste ramo que chega à casa das 2.602 novas pessoas (canis) que ingressam na cinofilia criando cães de raça pura (Fédération Cynologique internationele, 2011).
As informações acima são provenientes da FCI – Fédération Cynologique Internationale, fundada em 1911, por iniciativa da França, Holanda, Bélgica, Áustria e Alemanha, como uma iniciativa para congregar clubes de Cinofilia que faziam parte da Europa continental. O seu objetivo é regular, organizar e associar entidades dos diferentes países membros que emitem seus próprios pedigrees e formam seus juízes (para os concursos de beleza, trabalho e jogos) e atualmente, reconhece 337 raças caninas sendo que cada uma delas é propriedade de um país específico, aquele que as registrou e que detém o “padrão da raça” [endnoteRef:5]. Em termos legais a FCI é uma ONG, arrecadadora de fundos para organizar um Calendário Internacional de Eventos segundo as propostas de seus ‘afiliados’ e emitir títulos promocionais aos cães, tudo por uma quantia considerável em dólares. Nesse sentido, a FCI e todas as instituições semelhantes a ela fornecem (como um aluguel) um “selo de reconhecimento mundial”, pois os clubes pertencentes carecem de uma referencia internacional como forma de cooptar associados. A FCI inclui alguns clubes localizados em países da Europa, América Latina, Ásia, África e Oceania. [5: O “Padrão da Raça” constitui-se de uma série de características a ser respeitado para se considerar um cão de determinada raça como tal. Em geral é o país de origem do cão que fornece esse estudo onde se fixam tais características e o pedigree, somente poderá ser fornecido se todas as características do animal estiverem em acordo com o Padrão da Raça. Através desta descrição detalhada do tipo ideal da raça se baseiam todos os juízes ao examinar os cães durante as exposições levadas a cabo nos países membros. ] 
Contudo, os maiores representantes da cinofilia mundial estão nos Estados Unidos, Inglaterra e Canadá. Nestes países há vários clubes nacionais que não são filiados á FCI, a exemplo dos EUA temos: AKC – American Kennel Club (considerado o maior do mundo), UKC – United Kennel Club e ARBRA – American Rare Breeds Association, como os maiores clubes dos EUA. Na Inglaterra o representante de maior expressão é o The Kannel Club, com mais de 250 mil registros por ano (http://www.thekennelclub.org.uk/item/1772) uma das entidades cinófilas de maior importância mundial e reconhece um número de raças menor que o FCI e o AKC (200, 337 e 308 raças, respectivamente). 
Nos Estados Unidos, o American Kennel Club, cuja fundação data do ano de 1884, possui o maior registro mundial de cães de raça pura segundo os relatórios do Clube. Intitula-se uma entidade sem fins lucrativos, dedicada à reprodução, exibição, estudo e avanço da raça pura de cães. O AKC regulamentou mais de vinte mil eventos de competições de cães, somente no ano de 2010, e ampara outros mais de seiscentos clubes membros na realização e regulação de tais eventos (AKC, Anual Report, 2010). Alguns dos objetivos do AKC são: defender a boa saúde canina, a propriedade responsável e servir à “fancy” de criadores, expositores, juízes, treinadores, delegados, donos de cães e outros entusiastas (AKC, Anual Report, 201, p. 05).
A entidade que regulamenta toda a cinofilia no Brasil é a Confederação Brasileira de Cinofilia do Rio de Janeiro, filiada à Federação Internacional de Cinofilia – FCI –, localizada na Bélgica. Foi o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que emitiu portaria Nº 27, em 23 de fevereiro de 2007, concedendo (desde 1965 a criação de animais é reguladapela lei, entretanto referia-se aos animais de pecuária) à Confederação Brasileira de Cinofilia – CBKC, autorização para efetuar, em todo território brasileiro, trabalhos de registro genealógico de animais de raças caninas. 
Esses dados oferecem um panorama da organizada atividade econômica que se configura a cinofilia, sendo as Exposições de Beleza alguns dos reguladores da prática, na medida em que controlam o padrão de cada raça. 
Estéticas compartilhadas 
Seguindo a perspectiva ecológica de Tim Ingold é possível compreender o campo de pesquisa em duas modalidades. Estas modalidades, evidentemente, estão relacionadas. A primeira delas diz respeito ao engajamento dos atores com o ambiente nos quais se encontram, o ambiente onde a atividade cinófila se realiza. A segunda, poderíamos pensar esse engajamento a partir da relação do homem com a outra espécie animal por ele manipulada e a relação econômico-produtiva ali estabelecida. 
Ao explorar o aspecto relacional da cinofilia como imanente a um engajamento caracterizado pelo movimento de “organismos-pessoas” (Ingold, 2000: 154) em um ambiente próprio, associo-me à ideia de “engajamento” (dwelling), desenvolvida por este antropólogo a partir da psicologia ecológica, para a qual a percepção sensorial se daria através da ação do ser num dado ambiente de modo que, na relação expressa entre handler[endnoteRef:6]e animal, parece bastante evidente este movimento de interação dos entes com o mundo. [6: Os handlers profissionais contratados pelos proprietários para adestrar o cão que irá concorrer à melhor raça no Concurso de Beleza canina. Dentro do espaço das competições, esses profissionais concentram-se no espaço do acampamento, atrás da pista principal, onde ficam os cães que irão competir acomodados em caixas de transporte ou em cercados. Este local conta com toda infraestrutura necessária para preparar os cães como: secadores, mesas, abrilhantadores de pêlo, escovas, pentes, entre outros. Os handler desfilam juntamente com o animal e a perf ormance fruto da interação entre homem e cão será responsável pelo sucesso do animal na competição. ] 
 Diante deste horizonte teórico a noção de pedigree será acionada, sobretudo, por ser em torno deste documento que a noção de ‘raça pura’ é oficializada, bem como, todo um aparato de práticas e regras para manutenção de padrões caninos. O pedigree é um certificado de registro (CR) de um animal doméstico, indicando as características físicas básicas padronizadas de acordo com a raça, variedade e pelagem (tipo e cor) mostrando os ascendentes do animal obrigatoriamente até a terceira geração. O documento também exerce a função de um título de propriedade (CBKC, 2004) sobre o animal e marca uma catergoria específica representando o “animal de raça pura” dentro dos padrões estabelecidos pelo Kennel Club. 
Para cada filhote será vinculado um número de registro, confirmando caso seus pais tenham sido campeões nos concursos de beleza canina, o que pode elevar o preço de um filhote a valores exorbitantes. A valorização de um filhote esta intimamente associada aos títulos conquistados por seus pais ou por ele, pois, as conquistas nos concursos de beleza serão homologadas no pedigree que servirá como fonte de consulta sempre que o proprietário desejar acasalar o cão, vender ou inscrever em novos concursos de beleza. A justificativa para tais procedimentos que controlam a venda destes cães, segundo os documentos do Kennel Club, apoia-se na eugenia como objetivo final: “só assim, o criador poderá evitar uma consanguinidade indesejada ou conseguir outras recomendadas” (Kennel Club, s/d).
Tal movimento em direção à ‘fabricação’ deste documento exige o engajamento de diversos profissionais e instituições, conforme expus anteriormente quando indiquei o circuito internacional da cinofilia. De um lado temos a manipulação das raças caninas sob o controle do CBKC, AKC ou UKC, pois o pedigree somente será concedido a animais de raça comprovadamente, ‘pura’. Por outro lado existem eventos, como os Concursos de Beleza Canina, onde os quesitos fundadores do pedigree são reafirmados, regulados e ‘negociados’, conduzindo os criadores a uma busca incessante pelo animal perfeito, aquele que se adequa a todas as exigências do certificado. 
Objetivamente, os caracteres físicos somados aos psicológicos são os elementos avaliados pelo juiz durante os concursos, embora tenham sido congregados na expressão: “beleza canina”. Esta é a denominação dos eventos-rituais que se prestam a manutenção das raças, as “exposição/concurso de beleza canina”, ambiente privilegiado pela etnografia deste trabalho. 
Nas palavras dos informantes, pode-se observar o quanto é pregnante a ideia de que uma estrutura fenotípica corresponderia à “beleza” do animal concorrente. 
Quando eu julgo no concurso de beleza... Pensa no Garota Verão!! Lá se avalia tanto de coxa, tanto de peito, é uma proporcionalidade... A altura, o peso... Essa proporcionalidade é uma conformação! Nos cães tem a ver também com a funcionalidade. Função de trabalho, a beleza seria a estrutura dele (Relato de Victor, 27 de julho de 2011).
A beleza é estrutural... O quanto tem entre as escápulas, tem que ter 34 dentes. O juiz apalpa os cachorros pra ver se não colocaram silicone. Também usam anabolizantes, ou fazem uma técnica de arrancar o pelo, com a mão... Isso se usa no Schnauzer para que a pelagem arrancada, renasça com o aspecto de arame, que é bem valorizado! (Entrevista de Paula, dia 06 de dezembro de 2011).
O termo “beleza” denota a construção de um tipo animal que será considerado ‘dentro‘ ou ‘fora’ do ‘padrão da raça’, pelo juiz avaliador. Para melhor organização dos desfiles os cães são divididos por Grupos[endnoteRef:7] de acordo com o tipo de trabalho ou função a que são destinados como pastoreio, guarda, companhia, entre outros; escolhidos os melhores de cada Grupo, serão julgados pelas raças de onde sairá o grande vencedor intitulado “Best in show”. [7: A CBKC reconhece que as raças estão divididas em 11 grupos contendo, cada um deles, as raças cujas funções de trabalho sejam semelhantes, por exemplo: O Grupo 1 - Pastores e boiadeiros (inclui as raças Border Collie, Collie, Pastor Alemão, Pastor Belga, entre outros); o Grupo 2 - Pinscher, Schnauzer, Molossos e Boiadeiros Suiços; (as raças Boiadeiro de Bernês, Boxer, Buldogue Inglês, Bullmastiff, Cane Corso Italiano, Doberman, Dogo Argentino, Dogue Alemão, Fila Brasileiro, Mastiff, Pinscher, entre outros); Grupo 3 – Terriers (American Pit Bull Terrier, Fox Terrier Pêlo Liso, Pêlo Duro, Yorkshire Terrier, etc). E assim os onze grupos categorizam a função de trabalho dos animais assim como desenham o tipo de temperamento ideal para a atividade a qual o cão se destina.] 
Para se obter o grande premio da temporada é necessário que o cão apresente uma estrutura física ideal, mas também, que seu temperamento (ou comportamento) seja condizente com o que foi previamente estabelecido para cada raça. O “temperamento”, portanto, é um dado bastante relevante se o considerarmos como um constructo social que determinará que os cães de guarda devam estar sempre alerta, que os cães de companhia devam manter-se calmos e emitir poucos latidos e, que os cães de caça tenham uma postura de precisão. Todas essas nuances em torno do “temperamento” são avaliadas enquanto o animal desfila pelo trajeto definido na pista e executa paradas previamente ensaiadas como seu ‘condutor’ humano, o handler. 
Em geral são os proprietários do cão concorrente que contratam os serviços deste profissional que deverá tratar a aparência e também adestrar o animal para que a coreografia do desfile seja impecável. Umas das práticas bastante comuns entre esses profissionais é ‘adotar’ temporariamente o cão a ser treinado para que convivam sob o mesmo teto, durante alguns meses, antes da temporada de concursos. A justificativa para tal vivência conjunta é que animal e handler necessitam conhecer-se, acostumar-se um com o outro para que no momento do desfile, homeme cão estejam em perfeita ‘sintonia’[endnoteRef:8]. [8: Essas informações foram registradas em caderno de campo dia 05 de novembro de 2011.] 
Portanto o que esta em jogo no concurso de beleza canina é menos o animal e mais a relação do cão com o seu respectivo humano, uma vez o animal jamais entrará sozinho no desfile, pois a figura humana que o acompanha é também parte do que ali está sendo avaliado, em fato, não somente o animal, mas o ‘organismo’ que se forma na união interespecífica. Percebe-se então, que a relação interespecífica é fulcral no ramo cinófilo, uma vez que todas as práticas ali envolvidas pressupõem a ação de “organismos-pessoas” (Ingold 2002), híbridos como a simbiótica combinação entre handler, animal e ambiente. 
Na perspectiva de Ingold torna-se indispensável considerarmos os atores como “organismos-pessoas”, pois, esta noção sugere, de antemão, a incorporação de experiências de vivência desencadeantes de um “nascer contínuo do mundo” (Ingold, 2011), em que os entes são incluídos no ambiente sendo suas habilidades e práticas influenciadas por ele e, ao mesmo tempo, modificando o contexto. Neste sentido, o engajamento é o modo pelo qual surgem individualidades, como: handlers, criadores, treinadores, veterinários, pet shops, canis, juízes e instituições que fazem da cinofilia um ramo específico da relação entre homens e cães. 
Para Ingold, a própria individualidade emerge dentro de um desenvolvimento do organismo em seu ambiente, no qual organismo e ambiente são biológicos e não eminentemente fruto de processo de socialização, conforme esquemas construídos na prática. Interessante perceber que a relação entre organismo e ambiente é uma propriedade emergente do processo de desenvolvimento da evolução, de modo que o desenvolvimento do organismo é também o desenvolvimento de um ambiente para o organismo, conforme pode-se observar na cinofilia através das práticas relativas aos concursos de beleza, manipulações genéticas em busca do “padrão da raça” e pedigree. 
É desde esta noção relacional que a Cinofilia parece se sustentar, não pela perspectiva construtivista - que qualificaria um mundo a ser construído primeiramente para depois possibilitar agência humana – mas sim, através de uma orientação analítica que se aproxima do que Ingold (2002) chamou de dwelling perspective. Embora Ingold estivesse se referindo aos “sistemas de tecnologia de suporte à aquisição de habilidades” (skillment) pelos povos pastoris do Ártico e, respeitando-se as especificidades imanentes àqueles contextos, é possível nos basearmos em seu pensamento para colocar em perspectiva a reprodução de relações que definem e modificam práticas específicas. 
Economia de afetos
A etnografia permitiu-me observar que a relação dos criadores com os animais parece ser fator determinante e antecessor à cinofilia como um ‘negócio’, emergindo da disposição humana de conviver com esta espécie de uma forma suficientemente envolvente a ponto de tornar-se uma ocupação profissional (Digard, 1999:36). Vejamos o que Leila, uma criadora de cães da raça Dachshund, afirma sobre os criadores cinófilos: 
Eu ainda não conheci um cinófilo que não tenha antes sido um apaixonado pelos cachorros. Tem aqueles tipos como os americanos que criam puramente pela raça e, se uma ninhada tiver um ou dois filhotes que não se enquadram no padrão, eles descartam, sacrificam. Aqui no Brasil eu não vi muitos desses, a maioria é como eu, aquele cinófilo que cria e participa de exposições, mas que fica com aqueles animais que não servem pra competir, ou que no máximo doam para alguém que vá cuidar bem. E tem aqueles que não competem, mas estão somente pela venda: vendem todos os filhotes. (Diário de campo dia 05 de novembro de 2011)
O relato de Iara, criadora de cães da raça Pastor Branco, destaca a supremacia da relação afetiva em detrimento dos custos de se participar do circuito, visto que a preparação do animal para o concurso é um processo longo e que demanda um significativo investimento financeiro:
É muito amor, sabe! Porque sai caro! Olha só: só para o handler tem que pagar quinhentos reais por mês para ele ir uma vez por semana no canil treinar o cachorro, depois cada vez que ele entra em pista é em média setenta reais. A inscrição para cada cão sai cento e vinte. Então tu vê! Sai caro! (Entrevista realizada em 21 de abril de 2011)
Em conversa com Marco, criador de cães da raça Llasa Apso e proprietário de um Petshop, mais uma vez a questão dos lucros que a atividade cinófila pode gerar são relativizadas em detrimento da relação afetiva que ali está presente. 
[...] quem entra no ramo da Cinofilia é porque se apaixona pelos cães, pois não dá dinheiro, só despesa. Tem gente que até vive sendo handler, mas não é uma coisa que enriqueça, faz porque gosta. (Diário de campo dia 18 de maio de 2011)
O informante Otávio, residente na cidade de Pelotas, me relata que a criação de cães é também uma satisfação pessoal cotidiana: 
uma vez ela me disse: - eu ou os cães! Eu falei: - pode arrumar as malas! Aí nos separamos. É assim, esses cachorros são tudo pra mim. Chego em casa exausto, depois de ter trabalhado e os cães me desestressam (Diário de campo, dia 26 de abril de 2011).
Esses excertos são um exemplo do que a maciça maioria dos informantes referiu: que a relação afetiva com os cães os levou à cinofilia. Foi vendo relevância no estabelecimento de laços pessoais e afetivos coabitando o mundo da cinofilia que considerei a economia cinófila, uma economia de afetos, pois, durante o trabalho etnográfico quando preocupava-me em tentar identificar motivos financeiros – visto que a cinofilia é tomada como uma atividade comercial pelo CBKC - para que as pessoas se mantivessem ligadas ao circuito, os entrevistados referiam o componente afetivo, repetidamente. 
Sendo assim é possível afirmar que estes circuitos, para além da questão monetária, servem como ponte estruturante e facilitadora na coexistência de relações e laços sociais entre humanos e animais, justamente porque seu sentido não se restringe ao plano discursivo ou cognitivo (o que nos levaria a considerar uma capacidade humana), mas à ligação direta com um ambiente. Essa simetrização é importante porque as práticas da cinofilia mostram uma via de mão dupla, cujos registros apontam para uma relação que ora é de dominação (do homem sobre o animal), ora de confiança (Ingold, 2000; Sautchuk, 2012). Assim, o conjunto de formas de consumo, eventos e mercados que dão conta da institucionalização, normatização e comodificação dessas práticas são constantemente reelaborados em torno desta interação. 
Através das contribuições de Viviana Zelizer, que critica a noção de que economia e mundo dos sentimentos seriam esferas separadas[endnoteRef:9], pode-se afirmar que a cinofilia parece estar calcada em um circuito de relações afetivas entre homem e animal. É necessário ponderar que o termo “circuito”, como destaca Zelizer (2005, p. 293), “não é simplesmente um novo nome fantasia para network, nem uma versão higienizada de “comunidade”, mas envolve uma rede com espaços sociais bem definidos”. [9: Zelizer dedica-se a criticar a noção de que a economia estaria em um registro separado do mundo dos sentimentos e intimidade. De acordo com a teoria das esferas separadas haveria dois domínios distintos que operam segundo diferentes princípios separando de um lado a racionalidade, eficiência e planejamento; e de outro lado solidariedade, sentimento e impulso. Na teoria dos mundos hostis, que reapareceu nas críticas contemporâneas da mercantilização, essas duas esferas podem entrar em contato uma com a outra, quando então, se contaminam. Essa ‘mistura’ corrompe tais esferas onde “a invasão do mundo sentimental pela racionalidade resseca aquele mundo destruindo a solidariedade" (ZELIZER, 2005 b; 2009). Por outro lado, a introdução do sentimento nas transações racionais produziria ineficiência e favoritismo. O que se pode perceber dessas duas teorias é que a economia esta pautada sobre uma perspectiva quedivide as relações sociais íntimas daquelas consideradas como transações econômicas, tornando moralmente contaminado o contato entre ambas. A conclusão da teoria é de que sistemas sociais bem organizados devem manter essas esferas separadas. Para saber mais a respeito consultar Zelizer (2005 a, 2005 b).] 
Essa ralação de afeto aparece claramente no livro “Um anjo chamado Phanton”, de autoria Karin e Aguinaldo Graf, casal que obteve largo sucesso com um cão da raça Dogue Alemão: 
 Os cães sempre estiveram presentes. Esse cão maravilhoso me ensinou a ser uma pessoa melhor. Ele não é simplesmente um belo e bem condicionado cão, que se tornou um grande campeão. Ele é muito mais, mas muito mais que isso. É o melhor companheiro, o amigo mais fiel, alegre, brincalhão, carinhoso, inteligente, obediente... Sua docilidade e delicadeza impressionam. Mas, o que o destaca da grande maioria dos cães, tornando-o um ser especial, é a sua alma, pura e bondosa. É certamente, um ser iluminado, um verdadeiro anjo. (GRAF, 2010, p. 272)
Desse modo, ainda que haja uma acirrada disputa nos Concursos de Beleza pelo Best in Show, a relação entre homem e animal, no contexto da cinofilia, parece sustentar-se ainda por relações interespecíficas baseadas na confiança e simetria, conforme aponta Zelizer (2009), ao afirmar que a economia não estaria num registro separado do mundo dos sentimentos e intimidade. 
Essa distinção nos permite concluir que a vida social se divide em duas esferas que operam conjuntamente elaborando, neste caso, uma economia cinófila através das relações interespecíficas íntimas e sentimentais num movimento dialético em que o cão estaria na posição de uma moeda simbólica de transações mediadas, como aponta Viviana Zelizer (2009). Por outro lado, no âmbito das transações econômicas, observa-se ampla movimentação financeira em nível macroeconômico, como o fluxo de dinheiro entre países e transações financeiras entre as pessoas envolvidas além de todo o comércio em torno deste circuito. 
Por esse sem número de relações que nascem matizadas de afeição aos cães e contribuem para o desenvolvimento de um circuito comercial cinófilo, observa-se que diferentes processos causais operam dentro da mesma economia, pois esta atividade, que conta com um caráter reconhecidamente econômico, está intimamente associada com a relação estabelecida entre o cão e o homem, constantemente referida, pelos informantes, em um registro de ordem sentimental. 
Considerações finais
Desde estas colocações destaco que o estudo da interação entre humanos e animais é prenhe nas investigações de interesse mais amplo nas ciências sociais como as dinâmicas de trocas culturais. Especialmente, a relação entre os organismos, consoante à perspectiva ecológica proposta por Tim Ingold, permite analisar de forma mais simétrica a construção social de práticas contemporâneas, tanto no que tange às sensibilidades projetadas nesta relação, quanto à exploração econômica dos animais. 
Mais do que isso, a proliferação de laços diferenciados em torno da relação humano-animal, tal como na cinofilia, e a consideração do ambiente no processo de construção social mostra-se uma ferramenta útil para a compreensão de situações etnográficas que envolvam associações interespecíficas particulares. 
No caso analisado percebeu-se que os laços pessoais e econômicos são constantemente reforçados em coexistência, isto é, parece não haver um abismo real existente entre transações monetárias e relações de afeto, já que os cães da cinofilia nascem da relação de seus donos, com os próprios animais e com outros criadores. 
Em termos monetários essa lógica da raça pura se concretiza através do registro do pedigree como uma condição sine qua non para que o circuito da cinofilia se mantenha. Nesse caso, o cão seria como uma moeda simbólica de transações mediadas, visto que os Concursos de Beleza canina atuam como uma espécie de ritual na manutenção da noção de raça, que é sustentada pelo pedigree, em que pese o fato de que o cão deva ser de raça e não, necessariamente de uma determinada raça. 
Enfim, as relações e interações entre humanos e animais não se configuraram como “periféricas” na vida social, mas sim, atravessam vários processos sociais contemporâneos a serem amplamente analisados pela antropologia que deve ocupar-se de análises acerca das relações entre humanos e não humanos em realidades urbanas e rurais contemporâneas. No caso da cinofilia, temos um exemplo de novas sensibilidades em práticas dantes impopulares, ocupando um amplo espectro da vida dos sujeitos envolvidos, influenciando significativamente seus estilos de vida e, na maioria das vezes, não oferecendo retorno financeiro. 
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