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ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! PROFESSOR Dr. Renan Pavini Estética e Filosofia da Arte https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10642 NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula Renata dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e Planejamento Educacional Tania C. Yoshie Fukushima Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de Tecnologia Educacional Marcio Alexandre Wecker Gerência de Produção Digital Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Edison Rodrigo Valim Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. PAVINI, Renan. Estética e Filosofia da Arte. Renan Pavini. Maringá - PR.: UniCesumar, 2021. 176 p. “Graduação - EaD”. 1. Estética 2. Filosofia 3. Arte. CDD - 22 ed. 701 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-65-5615-615-6 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Coordenador(a) de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Dario Mercado Design Educacional Giovana Vieira Cardoso Revisão Textual Cindy Mayumi Okamoto Luca Ilustração Geison Odlevati Ferreira Fotos Shutterstock FICHA CATALOGRÁFICA A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade, ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria- mente para que nossa educação à distância continue como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre quatro pilares que consolidam a visão abrangente do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o profissional, o emocional e o espiritual. A nossa missão é a de “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- mando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor- tante para o cumprimento integral desta missão: o coletivo. São os nossos professores e equipe que produzem a cada dia uma inovação, uma transforma- ção na forma de pensar e de aprender. É assim que fazemos juntos um novo conhecimento diariamente. São mais de 800 títulos de livros didáticos como este produzidos anualmente, com a distribuição de mais de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos- sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700 polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina, Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre os 10 maiores grupos educacionais do país. Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima história da jornada do conhecimento. Mário Quin- tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu- nidade de fazer a sua mudança! Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa missão, que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. DR. RENAN PAVINI Olá! Meu nome é Renan Pavini. Nesta breve apresenta- ção, contarei um pouco a minha trajetória e explicarei os motivos que me levaram a ser professor de filosofia e a pesquisar a filosofia estética. Sempre gostei de desenhos. Recordo-me desse fato desde quando minha memória consegue retroceder no curso dos eventos. Meu pai, co- lecionador de histórias em quadrinhos, fez-me ter contato desde a mais tenra idade com essas histórias fantásticas. Logo que via um lápis, dispunha-me a desenhar. O tempo foi passando e, quando cheguei à adolescência, ingressei em um grupo de teatro. Assim, encontrei outra arte que amava e me dava grande potencial plástico e crítico. Ao mesmo tempo, minha irmã cursava Ciências Sociais e, dentre as disciplinas que ela menos gostava (acredite ou não) era Filosofia. Quando ela chegava da universidade, deixava os textos de filosofia espalhados, sem lhes dar o devido valor. Nessa época, tinha 14 ou 15 anos e adorava ler esses livros esquecidos e desprezados. Um dia, sobre a cama, estava um livro que acabou deci- dindo o curso dos eventos. Era um livro de 600 páginas chamado a “História da loucura”, de Michel Foucault. Nele, https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8800 não só se explicava como se deu o nascimento da psiquia- tria em solo europeu, mas também era explicitada a rela- ção da arte com a loucura. Essa temática, desde sempre, fascinou-me. Assim, aos 17 anos, decidi cursar Filosofia, começando a minha trajetória acadêmica. Em 2009, formei-me em Filosofia. Em 2010, fiz a minha especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea e, em 2011, concluí o meu mestrado em Estudos Lite- rários, todos pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Em 2019, defendi a minha tese sobre a arte e a psiquiatria na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Curitiba, recebendo o título de doutor. Depois, realizei um pós-doutorado na UEL, concluindo-o em janeiro de 2021. Desde 2012, trabalho como professor universitário e já ministrei aulas na Universidade Estadual de Maringá (UEM), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e na Universidade Estadual de Londrina (UEL), na qual, atualmente, sou professor e pesquisador. Meu currículo completo pode ser conferido em: https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9601 A vida imita a arte? Ou a arte imita a vida? Nesse jargão, aparentemente trivial, são encontradas as questões iniciais e essenciais para pensarmos nas problemáticas re- lacionadas à arte: a relação entre a arte e a vida, a questão da mimesis (imitação ou cópia) e a hipótese se a arte deve ser a expressão da vida e da realidade ou se ela deve ser simplesmente ficcional. De modo geral, as páginas que seguem tratarão, seja diretamente, seja indiretamente, desses tópicos. A esses, somam-se outros de suma importância, tais como: qual é a finalidade de uma obra de arte? Qual é o seu valor? Você já deve ter enfrentado, em uma conversa com um amigo ou com qualquer pessoa, as questões relativas ao que seria uma obra de arte com ou sem valor, uma música ruim ou boa e uma pintura bela ou feia. Como se posicionar diante de tais questões? O estudo da estética ou da filosofia da arte, em um plano geral, lança luz sobre as ques- tões levantadas. Inicialmente, podemos afirmar que o problema da arte ou artístico sempre se fez presente em nossa civilização. Junto com a ciência, a religião e a reflexão filosófica, a arte é constituinte da história e da identidade de um povo. Graças a ela, temos acesso às culturas que são, atualmente, distantes. Por isso, assim como disse Hegel em seus “Cursos de estética”, se você deseja conhecer a cultura grega, conheça a sua arte. O mesmo não valeria para as outras culturas e povos? O que nossa arte atual diz sobre a nossa própria identidade cultural? Por isso, o presente livro propõe um passeio sobre alguns temas e alguns filósofos que se dedicaram a fazer uma reflexão sobre a arte, desde os poemas de Homero e a sua concepção da arte como vida, até a contemporaneidade,em que a arte se tornou um mero produto mercadológico. Entrementes, outros temas emergem (em seus cami- nhos e desvios), a fim de acrescentar e proporcionar a compreensão do processo de formação de nossa cultura. Diante disso, convido-lhe a participar e a se aventurar nas páginas que se seguem. Vamos lá? ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 A ESTÉTICA NA ÉPOCA CLÁSSICA 9 43 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 ESTÉTICA MODERNA E A CRÍTICA DO GOSTO 73 ESTÉTICA DO ROMANTISMO E DO IDEALISMO ALEMÃO 3 4 107 A VISÃO FILOSÓFICA DA ARTE TRÁGICA 5 137 INDÚSTRIA CULTURA E ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA 1A Estética na Época Clássica Dr. Renan Pavini Na presente unidade, trabalharemos o conceito de beleza para a cul- tura grega. Foi a partir dele que a cultura helênica moldou a sua forma de vida e de formação, e guiou o agir humano. Assim como veremos, Homero trabalhou a beleza a partir do corpo, incluindo a coragem, a força e a destreza. Já Platão compreendeu que a beleza só podia ser alcançada pela razão. Aristóteles, por sua vez, a pensou dentro da peça teatral trágica, por meio da justa medida, da mimese e da catarse. Por fim, Plotino acreditava que só se poderia chegar ao belo se nos purifi- carmos de nosso lado sensível. Embora, em um plano geral, a ideia de beleza na Grécia Antiga esteja ligada às noções de harmonia, proporção e simetria, os filósofos, em seus diferentes pensamentos, trouxeram e deram importância diversa a esse conceito tão fundamental para o entendimento de toda e qualquer cultura. Bons estudos UNIDADE 1 10 Suponha que, andando pelas ruas de sua cidade com mais dois amigos, vocês se deparem com um ato heroico. Uma criança estava correndo perigo ao atra- vessar a rua, visto que um carro vinha ao seu encontro em alta velocidade. No entanto, naquele momento, um jovem rapidamente salta em direção à criança, salvando-a do atropelamento. Logo, uma multidão se aglomera em torno do feito. Seu primeiro amigo comenta que nunca tinha visto algo tão belo, ao passo que o outro retruca: “belo não, um ato de verdadeira bondade”. Diante dessas duas observações, se o ocorrido foi um ato belo ou bom, como você resolveria essa possível encruzilhada? O estudo do belo clássico não é apenas um dado histórico. Quando acessamos a estética clássica, abre-se não só um mundo novo, cultural e histórico do qual nós somos herdeiros, mas também há uma diferença que nos ajuda a pensar em nossa atualidade e em nossos problemas contemporâneos. O pensamento grego em relação à arte não se concentrava, assim como é atualmente, no entendimento de que a arte estava restrita aos objetos, como um quadro, um romance ou uma escultura exposta em um museu e feita por artis- tas especializados. A arte se confundia com a vida do povo grego. Toda a vida do indivíduo deveria ser formada e caracterizada como uma obra de arte. Mais precisamente, os antigos tomavam a vida, em suas dimensões mortal e passageira, como uma obra de arte. Diante da divergência entre os antigos e a nossa sociedade atual, no que con- cerne à arte e ao belo, podemos compreender que, atualmente, a arte bela é um produto da obra feita por um artista específico, enquanto, entre os gregos, a obra não se restringia a um quadro ou a uma escultura, mas se relacionava com toda a dimensão da vida. A figura apresentada a seguir, denominada Achilles dying, retrata os momen- tos finais da vida do grande herói grego Aquiles, que lutou na guerra de Tróia, narrada por Homero. A lenda diz que Tétis, mãe de Aquiles, teria mergulhado o seu filho, logo em seu nascimento, nas águas do rio Estige, o que tornou o seu corpo invulnerável. No entanto, ela o teria segurado pelo calcanhar e, em razão disso, esse seria o seu único ponto fraco, pois não teria sido banhado. Ao obser- var a escultura de Aquiles, como você pode defini-la? Quais seriam as principais características que a tornam bela ou não? UNICESUMAR 11 Todos nós, quando emitimos um juízo sobre algo, necessariamente partimos de conceitos prévios que carregamos, seja conscientemente, seja inconscientemente. Esses conceitos nos chegam por intermédio de nossa cultura, do senso comum, da escola, da política, das relações sociais, da família, do círculo de amizades, da ciência, da arte, da religião e da filosofia, por exemplo. Diante disso, sempre que emitimos um juízo, independentemente de sua na- tureza, estamos respaldados em uma determinada visão de mundo. Por isso, é importante saber o que nos leva a pensar como pensamos e a julgar como julga- mos. Nesse contexto, faça uma reflexão que busque descobrir o local de partida utilizado para responder se a escultura Achilles dying é bela ou feia. Tente defi- nir os pressupostos que você considerou para caracterizá-la da forma como fez. Anote as suas observações no diário de bordo a seguir. Descrição da Imagem: Fna figura, é exposta a estátua Achilles dying (Aquiles morrendo). Ela foi criada em Berlim, em 1884, por Ernst Herter e retrata os momentos finais do grande herói homérico. Na imagem, é possível observar o herói sentado e há uma flecha perfurando o seu calcanhar. Ele tenta retirá-la com a mão. Figura 1 – Achilles dying, de 1884 UNIDADE 1 12 A palavra estética é a tradução do grego αισθητική ou aesthesis, que significa “experiência”, “sensibilidade”, “apreensão” ou “capacidade de conhecer pelos sen- tidos” (visão, audição, paladar, olfato e tato). Enquanto uma disciplina filosófica que se refere à arte, a estética foi utilizada pela primeira vez pelo filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), em torno de 1750. Esse estudioso pretendia fundar a estética como uma ciência das sensações, buscando, assim, a perfeição do conhecimento sensível. Portanto, podemos afirmar que, entre os gregos, a estética, enquanto uma disciplina filosófica que cuida da arte, ainda não existia. Isso não significa que a Antiguidade Clássica não se ocupou da arte ou dos estudos sobre a beleza. Ao contrário, Platão, em alguns de seus diálogos, e Aristóteles, em sua obra Poética, teorizaram a arte no campo filosófico sob a forma de poética. DIÁRIO DE BORDO UNICESUMAR 13 Já poética é a tradução do grego ποίησις ou poíesis, que significa “fabricação”. Em outras palavras, a poética é o estudo filosófico das obras de artes realizadas pelos seres humanos. Por sua vez, a arte é proveniente do la- tim ars, que tem o seu correspondente grego τέχνη ou techne,que significa “técnica”. Podemos caracterizar, des- sa forma, a arte, em seu sentido clássico, enquanto uma técnica, ou seja, uma atividade humana que se submete a determinadas regras estabelecidas para a realização de algo. Nesse sentido, quando falamos de arte, estamos nos referindo a uma ciência, a um instrumento, a um ofício que não tem relação com o acaso, mas é construído a partir de um conjunto de regras específicas que o ho- mem utiliza em uma determinada atividade. É importante ressaltar que a arte, para a cultura gre- ga clássica, não se restringe ao campo dos objetos das obras de artes realizadas pelo engenho humano, mas a qualquer atividade humana que seja construída a partir de determinadas regras e saberes que podem ser trans- mitidos. Alguns exemplos incluem a arte política, a arte bélica, a arte retórica, a arte médica, a arte gastronômica e a arte poética. Assim como você pode notar, esta se relaciona com as obras de arte propriamente ditas, cujo ponto central de sua problematização é compreender como a arte poética se liga ao belo. Assim, é a partir da beleza que pensaremos na arte poética na Antiguidade Clássica. Além disso, respalda- remos os nossos estudos em quatro autores principais: Homero, Platão, Aristóteles e Plotino. Entretanto, fique atento(a): assim como veremos, isso não significa que esses quatro autores, por tratarem do belo, compreen- dem e definem a arte poética e o belo da mesma forma ou com as mesmas características. Ao contrário, todos trazem pensamentos distintos em relação à arte poética. UNIDADE 1 14 Agora, exploraremos Homero e uma vida de beleza. Você já deve ter ouvido alguém falar de Homero, poético épico da Antiguidade Grega que teria vivido, aproximadamente, no século IX a.C. ou VIII a.C. e a quem se atribui a autoria dos poemas Ilíada e Odisseia. Geofrey Kirk (1985, p. 1, tradução nossa), em Ilíada: um comentário, sustenta que “o mundo antigo não conhece nada de definitivo sobre a vida e a personalidade de Homero”. A essa constatação, acrescenta-se a observação feita por Joachim Latacz (1998), que explica que não há o mínimo de documentação sobre a vida de Homero para saber algo sobre ele. Não podemos afirmar nada sobre a vida de Homero com certeza, mas isso não significa que não podemos ter acesso ao conteúdo dos textos atribuídos a ele, assim como é o caso das duas maiores obras da cultura grega: Ilíada e Odisseia. São nelas que encontramos, pela primeira vez, a racionalização da mitologia grega e dos deuses do Monte Olimpo, os quais carregam características antropomór- ficas. Também são nelas que recuperamos as ideias de formação, de educação, de ética, de virtude e de beleza que são próprias da cultura grega arcaica. Em suma, Figura 2 - Busto de Homero em bronze Descrição da Imagem: na figura, é exposto o busto de Homero. Ele está localizado no porto da Ilha de Los, lugar em que, provavelmente, está enterrado. Homero e uma vida de beleza UNICESUMAR 15 podemos dizer que a Ilíada e a Odisseia compõem o testemunho mais remoto da cultura aristocrática helênica que chegou ao conhecimento do povo antigo, primeiramente, pela via oral, cantado pelos aedos (poetas). No entanto, em um segundo momento, foi colocado em versos. Além disso, não podemos falar de beleza ou sobre o belo em Homero de for- ma autônoma, isto é, dissociada de outros valores que a compõem. Falar de beleza é, na Ilíada e na Odisseia, falar de ética, de virtude e de formação do homem grego, embora, não necessariamente de moral. O termo inicial para entendermos a forma como podemos caracterizar a beleza em Homero é a noção de ἀρετή ou areté, que, embora não tenhamos, na língua portuguesa, um equivalente exato, pode ser traduzida pelo termo “virtude”. Contudo, a virtude não é entendida em seu uso moral, no qual o indivíduo só é virtuoso se estiver em conformidade com o bem, mas se trata da virtude que expressa o alto ideal cavalheiresco, um comportamento singular e/ou o heroísmo guerreiro. O termo areté, para Homero, remete não só à excelência humana, mas tam- bém à superioridade dos seres que não são humanos. Nesse contexto, quando nos referimos à areté, não estamos tratando exclusivamente dos feitos heroicos de alguns homens, como Aquiles, Ájax ou Ulisses, mas também abrangemos a força dos deuses ou a rapidez, por exemplo, de um cavalo de raça. Nesse sentido, podemos afirmar que, naquela época, existia um senso de unidade: aquilo que caracterizava a virtude do homem não era exclusivo dele, mas também pertencia ao domínio de seres que não eram humanos, como os animais e os deuses. Werner Jaeger (2013, p. 24) sustenta que “a areté é o atributo próprio da nobreza. Os gregos sempre consideraram a destreza e a força incomuns como base indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e areté estavam in- separavelmente unidos”. Essa relação entre areté e nobreza se encontra na própria raiz da palavra que deu origem ao termo “aristocracia”. Todavia, precisamos ter cui- dado ao entendermos as palavras “nobreza” e “aristocracia” nesse contexto, assim como devemos nos atentar ao sujeito nobre e aristocrático: todos esses vocábulos não se vinculam, pelo menos não especificamente, à riqueza material. Assim, “are- té”, “nobreza” e “senhorio”, nos tempos remotos, referem-se à força, à destreza, ao heroísmo e à coragem dos guerreiros. Tudo isso está distante do sentido moral que, a partir da filosofia socrático-platônica, estará ligada ao termo virtude. UNIDADE 1 16 Diante da noção de areté, onde se encontra a beleza? A significação da pa- lavra areté se torna indistinguível do seu sentido poético para a construção da beleza humana. Para estabelecermos essa relação, apresentaremos um exemplo conhecido: o personagem Aquiles. Na Ilíada, Aquiles é o maior herói da Guerra de Tróia. Ele é o rei dos mirmidões, adorado e temido por todos. Sua bravura, coragem e honra o tornam determinado e digno de areté. Por isso, Aquiles não é só belo devido aos seus atributos físicos, mas é belo porque detém a mais elevada areté e, consequentemente, diante de seus conterrâneos, é aquele que se apresenta, reconhecidamente, como o mais honrado, altivo, corajoso e temível. Aquiles não tem todos esses atributos porque os deuses lhe outorgaram, mas pelos êxitos que constantemente alcança em cada vitória, luta, decisão e movimento. Existe um trabalho ético de forjar a própria vida de forma aristocrática, isto é, viver de maneira plástica, nobre, guerreira e, portanto, bela. Para ser nobre, não basta vencer o adversário fisicamente, mas é preciso comprovar a areté conquistada por meio do contínuo exercício das qualidades naturais. Assim, os heróis épicos realizavam esse esforço durante toda a vida, a fim de superar os seus pares por intermédio da luta. Nesse contexto, é coerente a existência dos Jogos Olímpicos na Grécia: é necessário provar a sua areté até mesmo em épocas de paz, isto é, é preciso propor competições entre os seus pares para que eles possam competir e exercitar as suas qualidades quando não estão em guerra contra um inimigo em comum. Agora, exporemos dois exemplos que sugerem que a ética do guerreiro homé- rico é indissociável de uma vida plástica e bela. A primeira, que encontramos no canto XVIII da Ilíada, narra um evento logo após Heitor, príncipe de Tróia, matar Pátroclo, grande amigo de Aquiles e que havia vestido a sua armadura para se passar pelo herói. Aquiles se recusava a ir à guerra em razão de sua discordância e de sua ira contra Agamenon, rei dos gregos. Os gregos estavam perdendo a guerra e, então, Pátroclo veste a armadura de Aquiles para inspirar o exército grego. No entanto, Heitor, o maior guerreiro de Tróia, mata Pátroclo no campo de batalha, uma vez que acreditava que era Aquiles. Quando o rei dos mirmidões descobre a morte de seu amigo, deseja vingá-lo. Ao saber disso, sua mãe vem ao encontro do herói para ter uma conversa: UNICESUMAR 17 Outro exemplo que podemos acrescentarnão se encontra no texto da Ilíada, mas em sua adaptação cinematográfica, o filme Tróia. Aquiles, indeciso em relação ao partir, ou não, com os gregos para a guerra, consulta a sua mãe, Tétis, que profetiza: “ Se você ficar em Larissa, encontrará a paz. Encontrará uma mulher maravilhosa, e terá filhos e filhas, que também terão filhos e filhas. E todos eles o amarão e se lembrarão de seu nome. Mas quando seus filhos estiverem mortos, e os filhos deles depois, seu nome será esquecido... Se você for para Tróia, a glória será sua. Eles escreverão estórias sobre suas vitórias por milhares de anos! E o mundo se lembrará de seu nome. Mas se você for para Tróia, jamais voltará… pois sua glória anda de mãos dadas com o seu destino. E eu nunca mais o verei novamente (VIEIRA, 2017, on-line). Nas duas passagens apresentadas, encontramos algo em comum: é necessário que o herói busque a glória mesmo diante da morte. A honra é o troféu da areté e só é ad- quirida a partir da ética que o indivíduo coloca sobre si mesmo em busca da nobreza, de forjar a si mesmo. É por isso que Aristóteles defende que apenas a mais elevada areté é capaz de “fazer sua a beleza”. Aspirar a beleza, nesse contexto, significa ser can- Aquiles: - “Sim, minha mãe, responde gemebundo; Mas que prazer terei, se é morto aquele Que eu tanto como a vida apreciava? Heitor, ao trucidá-lo, da armadura O despojou, pasmoso dom celeste Feito a Peleu, no dia em que os Supremos No toro de um mortal te colocaram. Oh! Também com mortal fosse ele unido, E entre as marinhas déias habitasse! Não te causara dor imensa um �lho, Que não hás-de rever no lar paterno. Nem respirar o peito me consente No meio de homens, sem que a lança minha A alma arranque de Heitor, vingue a Pátroclo.” “Ah!” – torna Tétis alagada em pranto – “Que dizes, �lho meu? Se Heitor sucumbe, Tens iminente o fado.” — “Pois morramos, diz soluçando Aquiles (HOMERO, 2008, p. 342-343). UNIDADE 1 18 Na mitologia grega dos deuses do Monte Olimpo, todos os homens são predestinados, isto é, têm um destino definido a ser percorrido. Apesar disso, um homem tocado pelos deuses, como um Aquiles ou um Ájax, deve, em vida, provar o seu valor. Isso significa que eles já nasceram virtuosos, mas isso não basta, visto que os seus conterrâneos devem presenciar a sua superioridade. Portanto, Aquiles já nasceu com areté, mas, caso ainda queira ser um homem virtuoso, honrado e eternizado pelo canto dos aedos (poetas), deve provar o seu valor de forma constante, a fim de realizar o seu destino. Fonte: o autor EXPLORANDO IDEIAS tado pelo aedos e ter as suas façanhas eternizadas pelos poetas. É a beleza da vida que Aquiles construiu que merece ser cantada pelos séculos posteriores. Portanto, entre a vida do homem comum e a morte de um guerreiro corajoso, a beleza se encontra na morte ou nessa vida de areté que, por ser bela, merece ser eternizada pelo canto. Também é importante ressaltarmos que a ética ainda não tem um sentido moralizante. Em outras palavras, as decisões dos guerreiros homéricos não giram em torno do bem e do mal, mas buscam uma vida digna e valorosa a partir dos valores cavalheirescos em detrimento de uma vida trivial e comum. Somente uma vida digna é merecedora de areté e, desse modo, é dotada de beleza. Platão e a imitação Se podemos falar de estética platônica, devemos nos reportar à Platão e à imi- tação. É inevitável não começarmos os nossos estudos a partir da emblemática passagem que se encontra no livro III de A república, em que Platão expulsa os poetas da cidade idealizada por ele: “ Se chegasse à nossa cidade um homem aparentemente capaz, devida à sua arte, de tomar todas as formas e imitar todas as coisas, ansioso por se exibir juntamente com os seus poemas, prosternávamo-nos diante dele, como de um ser sagrado, maravilhoso, encantador, mas dir-lhe-íamos que na nossa cidade não há homens dessa espécie, nem sequer é lícito que existam, e mandá-lo-íamos embora para outra cidade, depois de lhe termos derramado mirra sobre a cabeça UNICESUMAR 19 e de o termos coroado de grinaldas. Mas, para nós, ficaríamos com um poeta e um narrador de histórias mais austero e menos aprazível, tendo em conta a sua utilidade, a fim de que ele imite para nós a fala do homem de bem e se exprima segundo aqueles modelos que de início regulamos (PLATÃO, 2014, p. 398a-b). A passagem apresentada está no centro do debate sobre a arte em Platão (428/427 a.C. a 348-347 a.C.), já que nos expõe três considerações preciosas: A partir das três considerações expostas, é visível a presença de um distancia- mento da forma como Homero compreendeu a beleza. Para Platão, a beleza está indissociada do bem e, portanto, afasta-se daquela ética cavalheiresca presente nos poemas homéricos. Existe, no pensamento platônico, um tripé que demarca a sua filosofia: a íntima relação entre a verdade, o bom e o belo. É em vista da afinidade entre esses três conceitos que Nietzsche (1992, p. 83) defende que “o princípio estético”, em Platão, é o de que “tudo deve ser consciente para ser belo”, ao passo que, para Sócrates, mestre de Platão, o análogo a essa afirmação seria de que “tudo deve ser consciente para ser bom” (NIETZSCHE, 1992, p. 83). Assim, há três conceitos inseparáveis no pensamento platônico: ����������������������������� ������� Vamos, agora, aprofundar os nossos estudos voltados ao pensamento de Platão e esclarecer o momento em que a arte encontra o seu lugar. Para entendermos melhor a expulsão dos poetas da cidade, precisamos ter em mente que essa repro- vação da poesia feita pelo filósofo ateniense marca uma passagem histórica entre UNIDADE 1 20 Descrição da Imagem: na figura, há a divisão do conhecimento para Platão. É no mundo inteligível que se encontram as ideias perfeitas e imutáveis alcançadas pelo conhecimento racional. Por outro lado, no mundo sensível, estão as formas imperfeitas, mutáveis e temporais Figura 3 – Divisão do conhecimento para Platão a arte homérica, fundamento da cultura grega e caracterizada sobretudo pela sua abordagem mitológica, e o período da filosofia, em que é preciso imperar, acima de tudo, a razão. Diante disso, Platão busca ressignificar os valores da cultura grega a partir da racionalidade filosófica em detrimento do ordenamento do mundo. Para isso, faz uso da mitologia dos deuses, assim como encontra em Homero. Desse modo, a reprovação de Platão está ligada ao centro da “metafísica” platônica, a qual tem como principal traço o desprestígio do sensível e da sensação, em contraste com a exaltação da razão e do inteligível, incluindo a valorização do noético e o desprezo pelo estético enquanto a capacidade de conhecer pelos sentidos. A arte, para Platão, não pode ser da ordem do sensível e do corpo, mas precisa estar vinculada à ordem do inteligível e subordinada à razão. No livro VI de A re- pública, essa posição é clara, quando Platão escreve que “existe o belo em si, e o bom em si, e, do mesmo modo, relativamente a todas as coisas que então postulávamos como múltiplas, e, inversamente, postulávamos que a cada uma corresponde a uma ideia, que é única, e chamamos-lhes a sua essência” (PLATÃO, 2014, p. 507b). ������ ����������� Tudo é �xo, tudo é perfeito, mundo inteligível. ������������� Tudo é mutável, tudo é imperfeito, mundo sensível ���������� ������������� ��������� ������ ������������ ������������� ��� ��� UNICESUMAR 21 Nesse contexto, a arte que não trata da essência das coisas ganha a desaprovação definitiva de Platão, em detrimento do argumento de que ela se encontra a três pontos afastada da verdade em uma escala trina, assim como o filósofo expôs no livro X de a Repúbli- ca. A verdade, no pensamento platônico, está apenas no plano inteligível, ou seja, no mundo das ideias que temos acesso pela razão, enquanto as coisas sensíveis quese encontram no mundo (os objetos e tudo aqui- lo que podemos conhecer pelos sentidos) estão a um ponto afastados da verdade. Eles são cópias imperfei- tas de suas ideias, já que são da ordem do transitório, da mudança, do perene e, portanto, do imperfeito. Como exercício, imagine uma cadeira. Em nos- so cotidiano, no mundo sensível, físico, há várias cadeiras de diferentes formas, modelos e cores. Esse fato, segundo Platão, permite-nos afirmar que esses objetos (uma cadeira de escritório, de sala de aula ou de madeira, por exemplo) podem ser chamados pelo mesmo nome: cadeiras. Isso se deve, porque to- dos pertencem à ideia perfeita de cadeira. Por isso, quando olhamos o mundo sensível, analisamos vá- rios objetos diferentes e que ganham o mesmo nome: cadeira. Contudo, todos são imperfeitos, já que a per- feição só é localizada no mundo inteligível, na ideia, na essência e em si. O problema se agrava no domínio da arte. Quan- do um marceneiro fabrica uma cadeira, ele tem con- tato direito com a ideia de cadeira, tendo em vista que parte do ideal de cadeira e o materializa no objeto que está a confeccionar. Certamente, para Platão, o objeto “cadeira” já é imperfeito, uma vez que não é a ideia em si, por mais que participe dela. O pintor, por sua vez, não tem contato direto com a ideia de cadeira, mas com o objeto confeccionado pelo mar- UNIDADE 1 22 ceneiro. Portanto, quando ele pinta uma cadeira em um quadro, ele não entra em contato com a sua ideia, mas apenas com o objeto sensível e imperfeito feito pelo marceneiro. Nesse sentido, para Platão, a arte se encontra a três pontos distantes da verdade, pois ela seria a cópia da cópia. Essa condição desfavorável da mimese também se encontra na sofística, arte da retórica. Em seu livro, que leva justamente o nome Sofista, Platão assevera que a atividade do sofista não passa de uma brincadeira, visto que ele acredita que sabe de tudo e crê que ensina tudo. Platão faz essa crítica ao sofista, ao aproximá-lo da crítica da mimese artística empregada em A república, já que compreende que a arte pode produzir todas as coisas, tendo em vista que não passa de mera aparência, um fantasma, assim como lemos no livro X. Logo, percebemos que o problema da arte em Platão se dá devido ao fato de ela estar ligada à aparência e à ficção, e não à ordem da verdade. Em razão disso, a arte é condenada, assim como a retórica. Esta, segundo o filósofo ateniense, não se preocupa com a verdade ou com a mentira, mas apenas com o convencer os seus interlocutores por meio de discursos floridos. Ora, trata-se justamente do oposto que Platão projeta para o discurso filosófico, já que a busca pela verdade é o primeiro objetivo de sua investigação. É por isso que, no âmbito da arte, de acordo com o pensamento platônico, é preciso problematizar, acima de tudo, o conceito de imitação. Temos que ter em mente que, em A república, é somente a arte mimética que é rejeitada, e não a arte como um todo, assim como diz Platão (2014, p. 595): “a de não aceitar a poesia de caráter mimético” dentro de sua cidade. Neste momento, é cabível a apresentação de uma ressalva: o termo mimese, em A república, de maneira deliberada pelo filósofo, aparece de forma dúbia. Isso significa que Platão apresenta dois sentidos para uma mesma palavra: um se dá em tom depreciativo, enquanto o outro acontece em tom positivo. Nós já conhe- cemos o aspecto negativo, que se refere ao momento em que o pintor se afasta da verdade para copiar objetos sensíveis. Agora, apresentarmos o tom positivo, que se encontra no campo da pedagogia. UNICESUMAR 23 Platão acredita que os homens se instruem, inicialmente, a partir da imitação das formas com que tomam contato, sobretudo na cultura na qual nascem. A pe- dagogia, que pode ser entendida em seu sentido mais rigoroso como a condução das crianças, é uma importante questão para Platão, já que é por meio dela que os indivíduos são educados e ela é educada por eles. Em outras palavras, a educação serve de modelo para a imitação dos outros e os imita. A criança é moldada em seu caráter pela imitação daquilo que ela ouve, sente e vê. Assim, o pedagogo da cidade ideal deve moldar as almas das crianças e dos jovens para serem cidadãos, ou seja, o objetivo dessa modelagem é o homem belo e bom. Além disso, a duplicidade que se refere à existência de uma mimese positiva e uma negativa também é compreendida como uma oposição entre uma arte feita pela imitação e uma arte feita pelo simulacro. Jacques Rancière (1940 -), filósofo francês contemporâneo, trabalha esse contraste em seu livro A partilha do sen- sível. Ao redigir que a arte platônica é um regime ético das imagens, afirma que toda a imagem da arte em Platão coloca uma dupla questão. A formação do caráter de uma criança, pela via estética, é análoga aos processos de gravura e de escultura. As expressões utilizadas por Platão são “imprimir o caráter na alma” e “moldar a alma”, assim como fazem os escultores e os gravuristas. Descrição de imagem: a figura mostra a feição de Jacques Rancière. Ao lado direito, há algumas frases reflexivas. São elas: qual é a sua origem? Ao investigarmos a origem, chegaremos à verdade. Qual é a sua finalidade? Para onde essa imagem pretende nos levar? Figura 4 - Jacques Rancière - Fonte: Crock (2017, on-line). Qual é a sua origem? Ao investigarmos a origem, chegaremos à verdade. Qual é a sua �nalidade? Para onde essa imagem pretende nos levar? UNIDADE 1 24 Diante disso, Rancière nos leva ao centro do debate estético presente em Platão: a arte deve trabalhar com a verdade e precisamos nos perguntar qual é a sua utilidade dentro da polis, ou seja, na cidade. “Existem artes verdadeiras, isto é, saberes fundados na imitação de um modelo com fins definidos, e simulacros de arte que imitam a simples aparência” (RANCIÈRE, 2009, p. 28). Essa oposição mimética entre arte (lembre-se de que “arte”, em grego, significa “técnica”) e simulacro aparece de forma muito clara no livro III de A república, no qual Platão critica a imitação que se enraíza pelo erro ou pela mentira. Desse modo, trabalha uma oposição entre a narrativa simples, que expressa todo o discurso ver- dadeiro e útil (um exemplo é quando você narra um evento que aconteceu de forma clara, descritiva e objetiva), e a mimese (inclui a tragédia, a comédia e a epopeia) enquanto uma imitação mentirosa, pois cria a ficção e não narra as verdades dos fatos, mas os floreia, romantiza e, portanto, não é útil para a cidade. Já sabemos que é no livro X de A república que Platão relaciona de forma mais clara a imitação com a aparência, ao colocá-la a três pontos afastada da verdade. Também é nessa obra que o filósofo retoma a aproximação entre a arte poética e a arte retórica, uma vez que tanto os sofistas quanto os poetas imitadores acreditam que podem falar sobre tudo sem entender nada de verdade, pois não carregam a técnica para tal. Por isso, Platão observa que o sofista e o artista se alinham à mentira, por não conhecerem a coisa da qual falam e por tratarem de múlti- plas coisas e objetos por meio de simulacros. Assim, há um problema comum entre o sofista e o artista: ambos falam em simula- cro na medida em que usam a mimese para tratar de qualquer assunto que não dominam ou não conhecem verdadeiramente. No simu- lacro, de maneira negativa, está evidenciado o proble- ma da verdade, uma vez que o poeta imitador, ao se afastar dela, também se afasta da capacidade UNICESUMAR 25 Platão faz uma oposição entre um discurso verdadeiro (filosófico, científico), que tem fundamento na verdade, e um discurso mentiro- so, que se baseia na mera opinião e nas paixões. Em que isso poderia contribuir para analisarmos o nosso atual problema relacionado às Fake News, tão comum nas redes sociais? PENSANDO JUNTOS de ser útil e bom à cidade, seja para o seu bom funcionamento, seja para a educação das crianças e de jovens. Tanto o artista quanto o sofistaestão aproximados dessa mentira que pode di- zer sobre tudo. Além disso, suas atividades não são específicas e eles não detêm a técnica, a arte ou o ofício de um determinado conhecimento, isto é, a sua ideia: portanto, devem ser expulsos da cidade. Para esclarecermos ainda mais o conteúdo apresentado, Platão trabalha a existência do que chamou de “imitador irô- nico” a partir de uma dupla definição: 1. É aquele que utiliza argumentos breves para confundir o seu interlocutor. 2. É aquele que pratica a ironia com longos discursos para convencer multidões. Platão (1972) afirma que essa arte retórica é fundamentada apenas na opinião, e não em um conhecimento científico. Em razão disso, cria simulacros, mentiras. Portanto, o sofista é aquele que produz imagens a partir de uma mera opinião (δόξα ou doxa em grego) do sujeito e de sua imaginação. Ora, devemos considerar que essa arte da opinião está ligada ao mundo dos homens, que é cotidiano e físico, em oposição à arte relacionada a um plano superior, lógico e formal, funda- mentado pelas ideias e pela razão. A ilusão se relaciona, por- tanto, àquele indivíduo que profere discursos ou que elabora imagens sem fundamento, unicamente vinculadas à paixão (πάθος ou páthos, em grego) pessoal. UNIDADE 1 26 Para Platão, tanto os artistas quantos os sofistas se afastam da verdade ideal jus- tamente por submergirem nas dimensões humanas da paixão e da opinião. Por isso, podemos definir a opinião como a manifestação a partir de si próprio, sem qualquer embasamento. Ainda, é o indivíduo que transforma em imagens ou em discursos aquilo que integra apenas a dimensão humana, sem se voltar para a dimensão do inteligível ou do metafísico (da ideia). Portanto, não faz uso da razão ou de um fundamento científico-filosófico. A expulsão dos poetas da cidade não ocorre simplesmente porque eles não seriam úteis para a sociedade, mas porque eles incitam a discórdia e a contradição, ao instituírem mentiras, quando, na verdade, deveriam buscar a verdade, que é o objetivo da ciência e da filosofia. O sofista e o artista são produtores de imagens que imitam o mundo sensível e, por isso, tornam-se transgressores à razão, às leis da cidade e à verdade. Em consequência disso, podem subverter a ordem estabelecida e promover a arte entendida como perigosa. A arte, como técnica, não é feita pelos artistas. Que tipo de arte seria essa? Trata-se de uma arte específica e que criaria, por meio de imagens, ou não, um regime baseado na ideia e na verdade. Não só, mas seria destinada ao bem co- mum da comunidade. A arte deve formar o indivíduo, e não subvertê-lo, como é o caso do poeta imitador. Diante disso, não é difícil perceber que um artesão, para Platão, não detém o conhecimento sobre as coisas do mundo (das paixões humanas), mas da técnica e, por meio dela, é capaz de transmitir conhecimento. O saber técnico não pode ser simplesmente caracterizado, de acordo com o filósofo ateniense, como um saber empírico das coisas, mas precisa ser definido enquanto um saber baseado na razão (no λόγος ou logos em grego). Em outras palavras, o indivíduo que detém o saber técnico é aquele que tem a ideia (o conceito, a razão) como fundamento e a técnica para concretizar e transmitir essa ideia. Em suma, o verdadeiro saber é aquele que parte da ideia (do mundo inteli- gível) e, por meio da técnica, transmite essa ideia racionalmente. Nesse contexto, técnica e imitação são colocadas de lados opostos, já que a primeira está ligada ao conhecimento, ao fundamento epistemológico e à ideia, enquanto a segunda é apenas uma atividade de mera aparência, pois não se baseia no saber, mas na UNICESUMAR 27 Descrição da Imagem:na figura, é exposto o quadro A escola de Atenas, uma das obras mais famosas de Rafael, que a pintou entre os anos de 1509 e 1510. Nela, são representados Platão e Aristóteles no centro da academia. Platão aponta o dedo para cima, fazendo referência ao mundo das ideias e à metafísica, marca de seu pensamento. Já Aristóteles está com a palma da mão aberta, em referência ao mundo empírico e ao seu entorno, assinalando o seu pensamento filosófico. opinião e nas paixões. A arte boa, para Platão, está ligada à sua verdade (o que inclui a origem e as ideias inteligíveis) e se destina ao bem da cidade por meio da técnica, que visa representar o ser verdadeiro das imagens sem demarcar uma representação ambígua ou contraditória, própria das paixões. Imagens devem estar relacionadas à sua origem, ao seu teor metafísico, à sua destinação e ao bem comum e social. É nesse sentido que podemos entender que Platão operou a sua filosofia na comunhão entre a verdade, a beleza e o bem. Figura 5 - A escola de Atenas UNIDADE 1 28 Aristóteles e a tragédia Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) é o primeiro autor que apresenta uma definição de poética. Ela está em um tratado que apresenta um método normativo, prescritivo e, em alguns aspectos, descritivo para aquilo que compõe o poema mimético. O que é poética para Aristóteles? Eis uma questão inicial que servirá como fio condutor para a nossa explanação sobre o livro a Poética do filósofo estagirita. A Poética é considerada por muitos um tratado lacunar, ou seja, que teria chegado até nós apenas em partes e que, na maioria das vezes, aparenta-se mais com notas, a fim de auxiliar o autor para uma exposição oral. Isso não impediu, entretanto, que a Poética se tornasse um tratado fundamental e que exerceu forte influência no Ocidente, tanto para o gênero de produção literária quanto para a definição de poética. Peter Szondi (2004, p. 23, grifo do autor), intelectual con- temporâneo, explica que “a poética moderna baseia-se essencialmente na obra de Aristóteles; sua história é a história da recepção da sua obra. E tal história pode ser compreendida como adoção, ampliação e sistematização da Poética”. Com essas palavras, podemos ter uma dimensão da importância da obra aristotélica para uma compreensão histórica da arte. Aristóteles carrega preocupações diferentes de Platão. Enquanto Platão está preocupado com as questões ética e moral da arte, isto é, volta os seus estudos a fim de compreender como a arte pode formar um cidadão belo e bom, o filósofo estagirita se preocupa em ensinar como se deve compor ou produzir um poema mimético, mais especificamente, a tragédia grega, a partir de determinados crité- rios normativos. Ora, isso nos permite dizer que a obra Poética é, antes de tudo, “a possibilidade de compreender a utilização artística de uma noção estética como a mimese” (PINHEIRO, 2015, p. 8). Isso significa que Aristóteles se concentra na questão teórica relacionada ao que seria uma poética mimética, incluindo a sua definição, o que a distingue das demais, as partes que a compõem, os elementos a constituem, a hierarquização entre as suas partes, o modo como é produzida, como os atores devem se com- portar, como se dá a disposição dos objetos em um cenário e o seu tempo ideal de duração. Embora Aristóteles também trate do poema épico e da comédia, a Poética é, essencialmente, um tratado sobre o poema trágico. UNICESUMAR 29 Assim, quando lemos a Poética de Aristóteles, constatamos que o filósofo considera a tragédia a mais alta manifestação da arte em seu tempo. Por que ele a considera a maior entre todas as artes? Porque a tragédia é um conjunto de outras artes, isto é, funciona e envolve outros campos artísticos para se realizar, como a música, a poesia e a cena teatral. Entretanto, dentre todos esses campos, Aristóteles define que a composição do enredo pelo poeta trágico é a parte mais essencial da tragédia, pois é somente a partir do enredo que temos a constituição dos personagens, da elocução, do espetáculo visual, do canto, dentre outros. Assim como era comum no pensamento clássico, Aristóteles entende a poéti- ca como um procedimento mimético. Portanto, de acordo com o filósofo, “a ação de mimetizar se constitui nos homens desde a infância,e eles se distinguem das outras criaturas porque são os mais miméticos e porque recorrem à mimese para efetuar suas primeiras formas de aprendizagem, e todos se comprazem com as mimeses realizadas” (ARISTÓTELES, 2005, p. 1448b). Observe que, assim como era para Platão, Aristóteles também sustenta que a mimese carrega o seu caráter pedagógico. Todavia, diverge de seu mestre, pois Aristóteles não reprova a mimese de maneira geral, assim como fez Platão, uma vez que, para este, a mimese só valeria a pena se estivesse relacionada com o bem, o belo e a verdade. Ora, Aristóteles pensa na mimese não subordinada à ética, mas destaca o seu caráter puramente artístico ou, em outras palavras, “ele quer determinar o campo de atuação do que se poderia se chamar de ‘mimético’, quer saber quais são essas artes, como funcionam, quais os seus limites e relações mútuas” (PINHEIRO, 2015, p. 15). UNIDADE 1 30 Rancière (2009), ao comentar a Poética de Aristóteles, assevera que o princípio mimético não é um princípio normativo que impõe que a arte faça cópias pareci- das de seus modelos, mas, diferentemente da concepção platônica, é um princípio pragmático que isola certas artes particulares para que sejam executadas coisas específicas, ou seja, imitações. Desse modo, podemos sustentar que Aristóteles pensa na arte poética como uma arte específica e que se difere das demais no sen- tido grego do termo. Contudo, qual é a função da arte poética, já que ela não tem uma finalidade ética, assim como pensava Platão? Primeiramente, é importante ressaltarmos que, para Aristóteles, a verdadeira atividade do poeta não é descrever o que, de fato, ocorreu, assim como o faz na história, mas expor o que, a partir dos eventos e dos fatos do mundo, poderia ter ocorrido ou o que poderá acontecer: “ A tarefa do poeta não é a de dizer o que de fato ocorreu, mas o que é possível e poderia ter ocorrido segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, o historiador e o poeta diferem entre si não por descreverem os eventos em versos ou em prosa, mas por- que um se refere aos eventos que de fato ocorreram, enquanto o outro aos que poderiam ter ocorrido. Eis por que a poesia é mais filosófica e mais nobre do que a história: a poesia se refere, de prefe- rência, ao universal; a história, ao particular (ARISTÓTELES, 2015, p. 1451a35-1451b). Na citação apresentada, note a diferença entre: Essa distinção é essencial para Aristóteles, já que o filósofo entende que a produ- ção mimética não se confunde com fatos ou eventos particulares da vida humana. Todavia, a poesia mimética deve gerar a possibilidade, a verossimilhança ou a probabilidade. De maneira diferente da história, a poética é criação e, enquanto tal, é mais filosófica, uma vez que entra no território do não ocorrido, enquanto a história deve descrever os fatos assim como ocorreram. “Ora, as coisas que não ocorreram, nós ainda não acreditamos que sejam possíveis; as que ocorreram, é evidente que são possíveis, pois não teriam acontecido se fossem impossíveis” (ARISTÓTELES, 2015, p. 1451b). ������������������� UNICESUMAR 31 Para o Aristóteles, a poesia mimética é fruto do engenho humano e, por con- seguinte, pode tratar de coisas que não estão dadas ou completar aquilo que falta na natureza, imitando o que ela tem de mais essencial: a capacidade de criar. Em outras palavras, o poeta é aquele que imita o poder da natureza, ou seja, o seu poder de criação. Sendo um criador, o homem não copia os objetos criados pela natureza, somente copia o poder da natureza de criar. É desse modo que o homem consegue criar algo que não está dado naturalmente. Em suma, Aristóteles retira o eixo historicista da poética, ao afirmar o caráter necessário e verossímil da poesia, e ao destacar a presença de um τελος (uma finalidade) para a ação representada. Dessa forma, Aristóteles não remete a uma verdade essencial (metafísica) em relação à poesia. Apesar disso, o filósofo não deixa de submeter o regime poético à mimese, que permite agrupar, separar, delimitar, normalizar as artes específicas a serem consideradas boas e ruins, belas ou feitas. Temos, então, um juízo estético cuja mimese “tem por finalidade não apenas a ação conduzida a seu termo, mas também os acontecimentos que suscitam pavor e compaixão (ARISTÓTELES, 2015, p. 1452a). Alcançada essa finalidade, “segue-se que os enredos desse tipo são necessariamente os mais belos” (ARISTÓTELES, 2015, p. 1452a). Note que a finalidade da arte poética é justamente causar pavor e compaixão. Estamos trabalhando uma das teses mais conhecidas de Aristóteles, a catarse, que nada mais é do que o ato final em que todos os elementos da tragédia se encontram incluídos, gerando pavor e compaixão. Assim, para provocar esses sentimentos no espectador, é necessário encenar e seguir uma rigorosa ordenação técnica: ter começo, meio e fim; um acontecimento deve levar ao outro; o mito (isto é, o en- redo) deve produzir uma transformação brusca nessa ordem de acontecimentos. Para entendermos como uma tragédia gera a catarse em seus espectadores, lembremo-nos da história de Édipo, do tragediógrafo Sófocles. A narrativa conta que os pais de Édipo, Laio e Jocasta, sabendo da profecia do oráculo, que afirmou que o filho mataria seu pai e desposaria a sua mãe, abandonam o recém-nascido para morrer entre Tebas, sua cidade, e Corinto. Todavia, um pastor encontra a criança e o entrega ao rei de Corinto, que o cria. Ao saber da profecia que abatia a sua vida, Édipo foge de Corinto para se distanciar dos pais adotivos, pois acredita ser os seus pais biológicos, tentando fugir de seu destino. Édipo parte para Tebas, onde realiza a profecia que lhe foi prescrita. Ora, ao tentar fugir de seu destino, Édipo estava, na verdade, a cumpri-lo, isto é, estava agindo de modo contrário ao que acreditava agir. É essa mudança que pertence à UNIDADE 1 32 mimese trágica. Quando é revelada a Édipo essa mudança de ação, tanto o perso- nagem quanto a plateia sabem de algo que não sabiam e, então, a catarse se mani- festa. A dramatização dos eventos desenvolvidos pela tragédia, incluindo o fato de Édipo ter matado o seu pai e desposado a sua mãe, é absorvida pelos espectadores por meio dos sentimentos de pavor e compaixão, os quais devem ser purificados. Por isso, a catarse deve ser entendida como o momento em que a plateia é “purificada” ou há uma “descarga emocional”. É somente assim que a tragédia alcança o seu objetivo. Nas palavras de Aristóteles (2015, p. 1449b), “mimese que se efetua por meio de ações dramatizadas e não por meio de uma narração, e que, em função da compaixão e do pavor, realiza a catarse de tais emoções”. Observe que a catarse só pode ser realizada se a narrativa trágica produzir uma reviravolta de ações e gerar comoção emocional, que é o maior momento da tragédia, caso ela atenda aos critérios de proporção, simetria, justa medida e ordem. Isso gera a beleza da obra poética. UNICESUMAR 33 Plotino e o belo Por que os corpos parecem belos à nossa vista? Por que belas melodias agradam aos nossos ouvidos? Por qual razão as questões ligadas à nossa alma são belas? Será que existe uma única beleza que atribuímos a tudo ou será que a beleza da alma é diversa da bela do corpo? Plotino (205 d.C. - 270 d.C.), pensador neopla- tônico, dedica a parte seis de sua primeira Enéada ao belo, buscando responder a essas questões. Inspirado por Platão, também acredita na superioridade da alma, assim como podemos ler: “ Abandonado a sensação em seu plano inferior, devemos ascender à contemplação dessas belezas mais elevadas que escapam ao âmbito da percepção sensitiva: as que a alma intui e expressa sem órgão algum. Porém, assim como são incapazes de falar sobre as belezas sensíveis os que não as viram ou não as perceberam como belas – é o que acontece aos que nasceram cegos – da mesma maneira ninguém é capaz de falar sobre os belos hábitos, a não ser aquele que acolheu em si suabeleza, a das ciências e a das outras coisas semelhantes (PLOTINO, 2012, p. 52). Perceba que Plotino estabelece uma subordinação da contemplação sensível à contemplação da alma. Vejamos como isso ocorre no pensamento do filósofo. Plotino acredita no belo em si, isto é, na beleza como uma qualidade do objeto, e não como uma qualidade de quem o contempla. Se Aristóteles afirma que a be- leza do objeto depende da harmonia das partes em relação ao todo, assim como estudamos em relação à tragédia, Plotino acrescentaria que todas as partes são belas, já que o belo não pode ser composto pelo feio. Apresentemos um exemplo: imagine uma pintura de uma passagem. Nela, a composição, a harmonia, as cores, a profundidade, o ordenamento das formas, tudo isso gera a sua beleza final, que é composta. Entretanto, essa beleza composta só pode ser bela, segundo Ploti- no, porque, em cada uma das partes da pintura, já encontramos o belo. Não é somente o composto que é belo, mas também o simples, o singular, as partes que o compõem. “Se o todo é belo as partes também o serão, porque a beleza não é algo que resulta da agregação de elementos físicos, senão que compenetra todas as partes” (PLOTINO, 2012, p. 49). UNIDADE 1 34 A beleza, para Plotino, não se encontra simplesmente formada pela harmonia ou pela simetria. De uma maneira mais exata, se podemos ter acesso à beleza sen- sível de cada objeto, é porque este já o traz, em si, o belo, uma vez que a beleza das coisas está em comunhão com o divino, com o uno, com a ideia. Nesse sentido, o autor define o feio como aquilo que é privado de receber a participação da forma ou da ideia exemplar. São exemplos: a desordem, a injustiça e os desejos incontro- lados. Ora, é justamente pelo fato de determinado objeto participar da ideia que esse objeto se liga ao todo e, portanto, à beleza e ao bem. “A formosura simples da cor provém de uma forma e da presença de uma luz incorpórea (exemplar da ideia), que domina a obscuridade da matéria” (PLOTINO, 2012, p. 51). Agora, voltamos à subordinação da contemplação sensível à contemplação da alma. A contemplação sensível nada mais é do que a submissão do sensível à ação dominadora das ideias. Em outras palavras, só podemos considerar os objetos como belos porque a nossa alma intui a ideia perfeita a que cada objeto pertence. O mesmo processo se passa com conceitos de justiça ou de virtude. Só podemos falar que a justiça e a virtude são belas, visto que intuímos nesses conceitos a ideia de beleza por meio da nossa alma. Para entendermos melhor a ideia apresentada, precisamos compreender que Plotino tem em mente a ideia de beleza primeira, isto é, a beleza da qual todas derivam. Para alcançar esse belo inteligível, é preciso, para o autor, que haja o desprendimento das coisas sensíveis, a fim de que nos voltemos para as coisas interiores. Plotino está a sugerir que o ser humano, para contemplar o belo ver- dadeiro, deve passar por um processo de purificação. As belezas corporais compreendem apenas a imagem do belo, mas não o belo em si, já que ele encontra a sua morada apenas em nosso interior. Plotino argu- menta que precisamos passar por um processo de conversão, que nada mais é do que um treinamento do olhar, para que encontremos o belo para além das coisas sensíveis que se apresentam aos nossos olhos ou ouvidos. Por isso, essa conversão tem como escopo despertar no homem uma faculdade esquecida, aquilo que o autor chama misticamente de “olho interior”. O que seria esse “olho interior”? Seria o despertar, a fim de que a alma con- temple, inicialmente, as obras de arte bela e, posteriormente, a alma dos homens que praticam essas obras belas, as almas boas. Nesse momento, Plotino (2012, p. 57) liga a beleza à bondade, ao sustentar o seguinte: “como se pode ver essa bele- za da alma boa? Volta-te a ti mesmo se tu não vês todavia a beleza em ti”. Nesse UNICESUMAR 35 contexto, o belo alcança toda a sua superioridade em relação à beleza sensível, pois, para atingirmos a beleza primeira, precisamos nos afastar de tudo o que for relacionado à materialidade e focarmos em nossa própria interioridade. Segundo Plotino (2012), para contemplarmos alguma coisa verdadeiramente, devemos nos tornar a própria coisa. O filósofo sustenta que um olho só pode ver realmente o sol quando se torna semelhante ao próprio sol, ao passo que nenhu- ma alma veria o belo sem ser bela. Se existe alguma relação entre beleza e bondade em Plotino, não podemos sustentar que esses dois conceitos são a mesma coisa, já que “o que está além da beleza chamamos a natureza do bem” (PLOTINO, 2012, p. 58). Em outras palavras, o belo é o lugar das ideias, enquanto o bem é a fonte e o princípio de todas as ideias. Portanto, para Plotino, o belo está contido no bem. UNIDADE 1 36 OLHAR CONCEITUAL Belo/Beleza Areté/ Virtude guerreira HOMERO Verdade/Bem PLATÃO Mimese/Catarse ARISTÓTELES Puri�cação/ Belo em si PLOTINO No infográfico apresentado, você encontra os quatro autores estudados nesta primei- ra unidade e que tratam da beleza de formas distintas. Perceba que, para Homero, a beleza se relaciona com a virtude guerreira, a areté. Já para Platão, o belo está indissociável da verdade e do bem. Para Aristóteles, uma obra bela é aquela que, sendo bem ordenada, consegue despertar, por meio da mimese poética, a catarse no espectador. Por fim, em Plotino, só podemos alcançar o belo em si por intermédio de um processo de purificação de nós mesmos. UNICESUMAR 37 Agora que você já sabe o que os gregos clássicos pensavam sobre a beleza e a arte, propomos um exercício: você se lembra de nossa problematização, em que uma jovem salvou uma criança de um atropelamento? Seus dois amigos começaram a discutir se a ação heroica da jovem foi um ato de bondade ou de beleza. Agora, diante dos autores estudados nesta unidade, como você defenderia a sua opinião para os seus amigos? Haveria apenas uma possível resposta? Faça um breve texto que explique o modo como você expressaria a sua opinião sobre o ocorrido a partir da discussão iniciada por seus amigos. Lembre-se de que um amigo disse que o fato de a jovem salvar a criança foi um “ato belo”, ao passo que o outro disse que foi um “ato bom”. NOVAS DESCOBERTAS Um filme que referenciamos em nossa primeira unidade foi Tróia. Embora ele não nos traga a personificação dos deuses, assim como acontece no texto Ilíada, de Homero, ele apresenta uma boa narrati- va sobre o ideal cavalheiresco. Ao assisti-lo, note como Aquiles (Brad Pitt), personagem principal, preocupa-se com a sua honra e com a sua ética guerreira. Isso o tornou respeitável entre todos, o rei dos mirmidões e belo. É importante ter em mente que a ética guerreira não é pautada em um ideal moral, mas moldada para que o indivíduo se torne respeitável, confiável e temido. Nesse sentido, podemos afirmar que Aquiles é a personificação do ideário de beleza e de ética homérica que, com o início da filosofia socrática-platônica, pouco a pouco, desaparecerá. Neste podcast, explicaremos a beleza na época clássica, in- cluindo alguns autores, como Homero, Platão, Aristóteles e Plotino. Constataremos que, por mais que encontremos, no pensamento desses autores, o conceito de beleza, ele está longe de ser unânime e compreendido de forma universal. Venha escutar o que temos a dizer sobre a beleza na Gré- cia Antiga, a fim de que entendamos um pouco mais essa cultura que, de alguma forma, ainda somos herdeiros. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8801 38 1. Em Homero, não encontramos o fundamento de uma moral, embora saibamos o conceito de areté, que tem o seu correspondente, em português, como “virtude”. Foi por meio desse conceito que houve, na Grécia Arcaica, a formação do homem grego. Sobre a virtude homérica, assinale a alternativa correta: a) O conceito de virtude remete a uma ação boa ou má. b) A virtude representa um ideal ético em que o indivíduo se impõepara moldar a sua própria vida e, então, atingir a beleza. c) A virtude é uma ação exclusivamente humana que pode ser caracterizada pelo heroísmo frente ao inimigo. d) A virtude é uma das qualidades do homem guerreiro, incluindo a força e a co- ragem para atingir os seus objetos pessoais, independentemente de sua honra. e) A virtude, em a Ilíada, é um ideal inalcançável. Nós só a encontramos nas obras de arte. 2. Platão, em seu livro III da República, apresenta a emblemática passagem da expulsão dos poetas da cidade. Nela, o filósofo sustenta que, se um poeta imitador chegasse à cidade, o receberiam bem, mas logo o mandariam embora, pois ele não tem serventia para a cidade ideal elaborada pelo filósofo. Diante da passagem apresentada no enunciado, assinale a alternativa que indica o motivo pelo qual Platão desqualifica a expressão mimética: a) a) A desqualificação da mimese se deve ao fato de que ela não consegue expressar o verdadeiro sentimento humano. b) Platão percebe que, por meio da mimese, não se educaria o ser humano para a vida, caso haja respaldo apenas em valores metafísicos. c) A problemática de Platão em relação à mimese se deve ao fato de que ele não permite que a arte tenha autonomia e liberdade para criar. d) A mimese, sendo apenas cópia da cópia, é um mero entretenimento e não carrega qualquer dano ou benefício. e) A mimese dos poetas não se fundamenta na verdade (origem) e, consequente- mente, não se destina ao bem (finalidade). 3. Ao chegar ao livro X de a República, Platão, de forma mais detalhada, retoma a sua crítica à arte. Todavia, é notável, em seu pensamento, uma aproximação dessa des- qualificação do poeta com a do sofista. 39 Sobre o modo como a crítica platônica pode aproximar a arte mimética da arte retórica, analise as afirmativas a seguir: I - O sofista é aquele que usa o discurso florido e romanceado, mas diz a verdade sobre as coisas, enquanto o poético apenas imita as coisas do mundo sensível e não representa a verdade sobre elas. II - A aproximação se dá porque o poeta cria ficções, enquanto o sofista floreia o discurso verdadeiro. III - Tanto o sofista quanto o poeta mimético acreditam que podem falar sobre to- das as coisas, embora não tenham conhecimento da verdade delas. Portanto, propagam apenas mentiras. IV - O sofista e o poeta mimético acreditam que podem falar sobre todas as coisas, mas, diferentemente do poeta, o sofista teria o seu lugar na cidade platônica. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) IV, apenas. e) I, II e III, apenas. 4. No livro a Poética, Aristóteles estabelece uma diferença entre a poesia mimética e a história. Segundo o autor, as diferenças entre esses dois saberes podem ser encontradas em: a) A história deve narrar os fatos assim como eles ocorreram, enquanto a poesia mimética deve representar o que é verossímil, possível e provável. b) A poesia mimética e a história contam os fatos assim como eles ocorreram. To- davia, a história conta o ocorrido descritivamente, enquanto a poesia mimética o representa a partir de elementos persuasivos. c) A poesia e a história fazem referência ao passado, mas um a faz de maneira fic- cional, enquanto a outra faz de maneira real. d) Enquanto a poesia projeta o futuro, a história se volta para o passado. Contudo, ambas são uma interpretação não fidedigna dos acontecimentos. e) O saber histórico é superior ao poético, já que a história narra aquilo que real- mente aconteceu, ou seja, os fatos, enquanto a poesia demonstra o que poderia acontecer, o que é possível, mas ainda não é verdadeiro. 40 5. Aristóteles compreende que a tragédia deve gerar a catarse no espectador, ou seja, pa- vor e compaixão. Assim, na Poética, é defendido que a “mimese que se efetua por meio de ações dramatizadas e não por meio de uma narração, e que, em função da com- paixão e do pavor, realiza a catarse de tais emoções” (ARISTÓTELES, 2015, p. 1449b). Sobre a catarse aristotélica, assinale a alternativa correta: a) Para a catarse se manifestar e causar a purificação das emoções no espectador, é preciso que o mito (enredo) traga uma reviravolta na mimese trágica. b) A catarse gera a compaixão e o pavor, já que o espectador, devido ao coro, conhe- ce os eventos trágicos que ocorrerão na ordem dos acontecimentos. Portanto, está preparado para o fim trágico do herói. c) A manifestação da catarse se dá com a manifestação dos deuses no palco. d) A catarse é um elemento necessário e incluso na mimese poética. e) A catarse, ao gerar compaixão e pavor, faz o espectador ascender à verdade metafísica. 6. Em seu tratado Sobre o belo, Plotino afirma que as belezas corporais são meras ima- gens do belo, mas o belo em si é apenas acessível em nosso interior. Para termos esse acesso, teríamos que passar pelos processos de conversão e de purificação. De acordo com o pensamento plotiniano, o que são os processos de conversão e purificação? a) Um olhar subjetivo. O sujeito deve olhar para os seus desejos e paixões pessoais e, então, purificar-se do mundo objetivo. b) Um treinamento rigoroso. Nele, o homem deve ter acesso aos conhecimentos técnico e empírico sobre as coisas. c) Uma espécie de treinamento do olhar, a fim de que consigamos olhar para além das coisas sensíveis. Trata-se de um olho interior. d) Um esforço místico para encontrar o seu eu espiritual como a verdade única do mundo. e) Um modo de vida e conhecimento interiores, para despertar o lado trágico da existência. 7. Agora que você conhece os principais autores que tratam da beleza na Grécia, é visível que o problema estético, na Antiguidade Clássica, gira em torno do conceito de belo. 41 Descrição da Imagem:a figura representa um mapa mental. Para tanto, traz o conceito de beleza ao centro e cada autor estudado nesta unidade define a beleza de forma distinta uns dos outros. Figura 6 - Mapa mental sobre a beleza na época clássica ������ ����������� ������� ������� ����� ����� Cada autor define e compreende o belo de maneira diferente, assim como vimos em Homero, Platão, Aristóteles e Plotino. Essas definições contribuem não só para enten- dermos a beleza dentro de uma obra de arte, mas para entendermos a própria vida do indivíduo. Além disso, contribuem para que compreendamos uma cultura, uma época e uma sociedade. Diante disso, produziremos um mapa mental que ligará cada autor aos seus respectivos conceitos. No entanto, antes disso, completemos a tabela a seguir, preenchendo-a com os conceitos de seus respectivos autores. Considere os seguintes conceitos: Purificação e belo em si Virtude/areté Catarse e mimese Ideia e bem Cada conceito se vincula a um dos autores estudados. Para tanto, relacione os seus nomes aos seus respectivos conceitos, tendo em mente que esse é o caminho per- corrido por cada estudioso para alcançar a beleza. 2Estética Moderna e a Crítica do Gosto Dr. Renan Pavini Na presente unidade, trabalharemos a crítica do gosto a partir do século XVIII e entenderemos como a estética, na modernidade, faz-se objeto de reflexão filosófica com pretensões de universalidade a partir de três autores: Baumgarten, Hume e Kant. Em Baumgarten, você verá como a estética se torna uma “ciência da sensibilidade”. Em Hume, você perceberá como o estu- dioso busca encontrar um padrão de gosto para julgar o objeto estético. Por fim, em Kant, você compreenderá de como o juízo estético é caracterizado como um “prazer desinteressado”. Depois de percorrermos esse caminho, compreenderemos que os três autores trabalham a noção de estética de maneira diferente, mas é evidente que eles buscam abandonar a ideia de gosto, que está situada na esfera particular do sujeito, para adquirirem a ideia de juízo estético universal 44 UNIDADE 2 Suponha que você está ao redor de uma mesa de um restaurante com amigos e amigas. Um de vocês começa a falar sobre música e acredita que pode determinar que a música clássica é superioràs outras, uma vez que a considera como aquela que tem o real valor artístico, a única de bom gosto. Outro colega, por sua vez, pensa que ele está precipitado, pois, de todos os ritmos musicais que conhece, o único que o agrada é o bom e velho rock and roll. Mozart, por exemplo, não lhe agrada aos sentidos. A discussão continua e vários colegas expõem opiniões divergentes. Os ânimos se exaltam e, por fim, um levanta a voz e fala categorica- mente: gosto não se discute! O que você acha da observação de seu último colega? Você concorda com ele ou não? Gosto se discute? A noção de “gosto”, presente nas discussões estéticas desde o Renascimento (século XVI), influenciará grande parte do pensamento do século XVIII, em conjunto com outras noções, como de belo e de gênio. Essa noção vinha, me- taforicamente, da arte gastronômica e da culinária, ou seja, da maneira como apreciamos o sabor dos alimentos pelo paladar. Todavia, ela também tinha um sentido social, visto que indicava a habilidade de alguns indivíduos de apreciarem ou opinarem acerca do que, dentro de uma área restrita, como a arte, a ciência, a moral, a política, a filosofia ou a religião, consideravam como detentor de gosto. Eles eram caracterizados como críticos do gosto ou, assim como você já deve conhecer, como aqueles que tinham “bom gosto”. O século XVIII herdou e con- tinuou a explorar essa noção de gosto tanto no contexto da vida em sociedade quanto nos contextos estético e filosófico. Diante disso, ficou conhecido como o “século do gosto” e o “século da crítica”. Quando é aproximada a noção de juízo estético do gosto gastronômico, assim como era comum antes de a estética ser considerada uma disciplina filosófica, certamente, o juízo emitido sobre uma obra de arte é caracterizado como re- lativista. Em que sentido? Sempre que eu como um prato de comida, ele pode, ou não, ser-me agradável. Em outras palavras, o juízo emitido sobre o gosto da comida (se ela é saborosa ou não) é relativa ao sujeito e depende de quem a come. Ora, o mesmo processo é aplicado a uma obra de arte. Quando eu entro em contato com uma música (ou com um quadro, um romance, uma escultura), posso não gostar dela. Isso depende da relação que eu tenho com a música e do meu gosto musical. Todavia, você deve saber que, na estética moderna, existe um grande esforço em buscar uma opinião comum (universal) entre os indivíduos a partir de um juízo crítico. UNICESUMAR 45 Descrição da Imagem: a figura retrata alguns estudantes (crianças) dentro de um museu. Eles estão tendo contato com as mais variadas obras de arte, desde quadros abstratos até esculturas clássicas. Figura 1 - Alunos no museu Diante do conteúdo exposto, relembre algum gosto divergente que você já teve em relação a algum colega. Pode ser uma música, um desenho, um filme ou um livro, por exemplo, que você tenha gostado e o seu amigo não (ou vice-versa). O que você levaria em consideração para defender a sua posição em detrimento da problemática instaurada? Suponha, agora, que você seja um(a) professor(a) que fará um passeio com os seus alunos por um museu. Assim como é de se esperar, eles se deparam com obras de todos os tipos e de todos os “gostos”. Considere que alguns estão em frente a um quadro e emitem opiniões (boas e ruins) sobre a referida obra de arte. Diante dessa situação, faça uma reflexão de como você, enquanto professor(a), deveria auxiliá-los: existe algum conhecimento que possa fundamentar as nos- sas opiniões sobre a arte ou simplesmente cada um detém um gosto particular? Anote as suas observações no diário de bordo. NOVAS DESCOBERTAS Para ter uma melhor experiência e acessar diversas obras de arte, faça um passeio virtual por um dos maiores museus do mundo, o Louvre, localizado em Paris, na França. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9082 46 UNIDADE 2 A modernidade inaugura a estética enquanto uma disciplina filosófica e autô- noma. Até então, os assuntos e os temas estéticos eram tratados a partir de três tradições distintas, embora isso não signifique que eles não se cruzavam: ������������������������������������������ �����as ideias de perfeição, ordem, harmonia, simetria e regularidade eram necessárias para se chegar ao belo, uma herança das tradições platônica e neoplatônica que foi retomada no século XV. ����� ������� ������������ �������� �������refere-se aos sentimentos dos indivíduos e aos seus modos de sentir. ��������������� �����volta-se às produções artísticas e aos seus processos de criação, por exemplo, em uma clara continuidade aos preceitos normativos inaugurados pela Poética, de Aristóteles, que tiveram grande in�uência a partir do Renascimento. UNICESUMAR 47 Descrição da Imagem: na figura, é apresentada a obra O Homem Vitruvia- no, um dos desenhos mais conhecidos de Leonardo da Vinci e um dos mais fa- mosos da história da arte. Nela, o autor faz o seu de- senho a partir de estudos anatômicos (por meio da dissecação de cadáveres), a fim de corrigir as propor- ções presentes no estudo do arquiteto Vitrúvio. Leo- nardo da Vinci também se inspirou na matemática euclidiana e nos estudos de outro arquiteto, Alber- ti. O Homem Vitruviano é uma obra que representa com maestria a conjugação entre a arte e a ciência.. Figura 2 – O Homem Vitruviano Foi com Baumgarten, todavia, que foi elaborada uma disciplina completamente autônoma de outros saberes filosóficos, incluindo a metafísica, a ética e a lógica. Essa disciplina foi chamada de “Estética” pelo autor. Ao fazer isso, Baumgarten não só conseguiu condensar as três tradições que se encontravam separadas até então, mas deixou em destaque a relevância das faculdades sensíveis humanas, as quais eram depreciadas em favor das faculdades racionais ou intelectuais. A partir de Baumgarten, foi aberto um caminho para uma reflexão mais sistemática e profunda sobre a arte, o gosto, o gênio e a criação, o que gerou uma crítica ao juízo de gosto. Baumgarten e a Ciência do Conhecimento Sensitivo 48 UNIDADE 2 Assim como você já sabe, Baumgarten inaugura o sen- tido moderno da palavra “estética”. Em 1750, em seu livro Estética: a lógica da arte e do poema, o autor busca determinar o que é o objeto dessa ciência do conhecimento sensitivo e, ao mesmo tempo, deseja diferenciar a noção de estética de outras definições e ramos da filosofia, como a metafísica, a política, a ética e a epistemologia. Em uma parte de seu livro, Baumgarten (1993, p. 95) sustenta que a estética “é a ciência do conhecimento sensitivo”. Desse modo, o filósofo pretende se distanciar das visões desacredita- das da estética, uma vez que essa seria, até então, não simplesmente uma temática inferior, mas também não merecedora de reflexão filosófica. Até a chegada de Baumgarten, a arte estava filiada a duas tradições: a platônica, que acreditava no belo em si e deveria guiar o homem para o alcance de sua beleza moral em detrimento da esfera sensível; e a aristotélica, em que o belo estava relacionado a um conjunto de preceitos e nor- mas para se manifestar, assim como estudamos na Unidade 1. Em decorrência dessas duas tradições, o belo foi separado do intelecto. Não só, mas foi condenado ao descrédito por sua parte sensível e pelas reflexões filosóficas voltadas às questões metafísicas, morais e religiosas. Todos esses âmbitos o excluíram de suas preocupações. Esse panorama, contudo, começa a mudar com a advento do Renascimento, momento em que há uma forte ligação entre o belo artístico e o belo natural, que trazia os caracteres universais de beleza. Todavia, foi somente com Baumgarten, em sua obra Estética, que a reflexão filosófica se volta para o belo, fato que tornou a estética uma disciplina filosófica. Baumgarten se preocupou em tratar o belo em sua UNICESUMAR 49 Qual é, então, o objetivo de Baumgarten? O estudioso busca conferir um papel relevante à estética dentro da reflexão filosófica. Tenta fundá-la como uma ciência da
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