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EMOÇÕES VALQUÍRIA DE OLIVEIRA BORGES 2 Emoções O ponto de partida desta leitura é conferir a letra da música Paciência, de Carlos Eduardo Carneiro de Albuquerque Falcão e Oswaldo Lenine Macedo Pimentel e refletir sobre ela. Paciência Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma Até quando o corpo pede um pouco mais de alma A vida não para Enquanto o tempo acelera e pede pressa Eu me recuso faço hora vou na valsa A vida tão rara Enquanto todo mundo espera a cura do mal E a loucura finge que isso tudo é normal Eu finjo ter paciência E o mundo vai girando cada vez mais veloz A gente espera do mundo e o mundo espera de nós Um pouco mais de paciência Será que é o tempo que lhe falta pra perceber Será que temos esse tempo pra perder E quem quer saber A vida é tão rara, tão rara Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma Até quando o corpo pede um pouco mais de alma Eu sei, a vida não para A vida não para não A vida não para não Fonte: LyricFind Compositores: Carlos Eduardo Carneiro De Albuquerque Falcão / Oswaldo Lenine Macedo Pimentel Letra de Paciência © Universal Music Publishing Group 3 Paciência Você já esteve num cenário em que tudo que você menos queria era ter calma ou paciência? Muitas vezes, queremos extravasar, falar alto, bater a porta do carro, xingar o motorista que cortou nossa frente, discutir com o colega de trabalho, entre outras situações. O universo parece estar conspirando contra nós e tudo fica cada vez mais caótico. A letra da música nos diz exatamente isso: Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, Até quando o corpo pede um pouco mais de alma, A vida não para! A vida não para! Parece que não temos tempo para sentir todas as emoções que a própria vida, o próprio cotidiano nos impõe, e esse mesmo cotidiano não nos permite sentir. E acabamos na situação do: Eu finjo ter paciência E o mundo vai girando cada vez mais veloz, A gente espera do mundo e o mundo espera de nós Um pouco mais de paciência. 4 Emoções Daí, pergunto: podemos falar alto, xingar as pessoas, gritar com as crianças ou discutir fervorosamente com um colega de trabalho? Tecnicamente, sim, podemos. O problema será todas as consequências que essas ações nos trarão. E aí, Lenine nos traz outra reflexão na penúltima estrofe: Será que é o tempo que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara, tão rara. Estamos sendo engolidos pelas emoções do dia a dia, sem tempo para perceber e, ainda, uma provocação no verso: Será que temos esse tempo pra perder? Como se sentir e/ou expressar algo fosse uma perda de tempo. E o mais assustador é que, às vezes, esquecemos de que... A vida é tão rara, tão rara! 5 Que tal agora falar sobre as emoções? Tratar das habilidades socioemocionais com nossos estudantes perpassa um olhar profundo sobre nossas emoções. Como desenvolver tais habilidades no outro sem que sejam primeiramente desenvolvidas em quem vai desenvolver? Assim, convido você a iniciar essa jornada já separando sua bebida preferida, papel, caneta, um lugar bem confortável e vamos conversar com a pessoa que deve ser uma das mais importantes para você: Você mesmo! Antes de trabalharmos com as habilidades emocionais, é preciso entender um pouquinho de emoções. Eric Berne, psiquiatra canadense, em 1958 criou um método psicológico chamado “análise transacional”. Para ter acesso à biografia de Eric Berne, acesse o acervo digital desta Unidade Curricular (Curso). Segundo a International Transactional Analysis Association, a análise transacional ensina a reconhecer o estado de ego que está operando no início da transação e qual estado de ego do interlocutor responde, de modo que é possível intervir interrompendo uma conversa desgastante e desenvolvendo a qualidade e eficácia da comunicação. Segundo Eric Berne, são cinco as emoções básicas do ser humano: Raiva MedoAlegria Tristeza Afeto Essas emoções são inatas, todos sentimos e fazem parte da natureza humana para sobrevivência. São primitivas e garantiram a sobrevivência da espécie. Compreenda mais sobre cada uma delas. Identifique-se 6 Emoções 7 Raiva Para o homem primitivo, sentir raiva garantia sucesso no combate. Não dá para ir à caça alegre e saltitante, pois uma possível distração poderia torná-lo a própria caça. A raiva nos dá concentração e vigor. Como não existe uma emoção chamada coragem, a raiva nos dá esse impulso para vencer as batalhas. É essencial para sobrevivência. Medo O medo resulta em proteção e segurança. Para o homem primitivo, sentir medo também lhe garantia sobrevivência. Quando percebia que o combate estava perdido, recuava e se preparava para outro que pudesse dar conta. O medo nos ensina o respeito ao limite, precisa ser eliminado ou superado quando é ou se torna patológico. Talvez, mais tarde, voltasse a sentir raiva e lutaria com mais afinco. Tristeza A tristeza geralmente vem de frustração pela derrota, por não ter conseguido a caça pretendida ou a conquista do par desejado. Para o homem primitivo, essa emoção trouxe também evolução e aprendizado: trazia uma possível estratégia para obter sucesso na próxima caçada. Alegria Comemorar as alegrias por suas vitórias, seus feitos e suas realizações fazia parte também das emoções sentidas por nossos ancestrais. Os efeitos da alegria são impulsos fortalecedores da energia geral. Sendo a alegria uma emoção contagiante, há tendência à aproximação física, toques, abraços afagos. A alegria dava o vigor necessário para próxima caçada. Afeto Afeto é o estado do amor em todas as suas versões de amor maternal, paternal, filial, fraternal e romântico. Ele expande a alma a engrandecendo, tem relação também com prazer, sexo e amor, induzindo-nos a uma aproximação física tão grande que permite ou traz proteção e reprodução. A emoção que garante a perpetuação da espécie, a sobrevivência e o aconchego na volta das batalhas perdidas ou vencidas. Bem, é a partir dessas cinco emoções que nascem os sentimentos. E, como desafio pessoal, convido você a fazer uma lista de alguns sentimentos gerados a partir das emoções descritas. Tenho certeza de que você terá uma lista de sentimentos identificados. Talvez no início não seja tão fácil assim. Por isso aqui vão algumas dicas: Percebeu relação dessas características com o seu dia a dia? Então, onde ficam os sentimentos, já que delimitamos as emoções como apenas cinco naturais? Comece devagar, vá se perguntando e se identificando em situações do dia a dia: por que fiquei com raiva? Em qual situação aconteceu? Quais foram as reações advindas dessa emoção? Que tal perguntar para alguém próximo a você sobre suas reações diante das emoções que vimos até aqui? Esse momento serve para você se identificar como ser humano emocional, e essa jornada interior o ajudará também a conhecer seus estudantes e/ou equipes com quem você trabalha. Gerencie-se Agora que você conseguiu iniciar o processo de identificação das suas emoções, você vai entender um pouquinho de como elas se formam. Nosso cérebro é programado para gerenciar criaturas emocionais. O grande problema é que a maioria de nós não teve a oportunidade de desenvolver a inteligência emocional. Perceba em você o fato de, muitas vezes, experimentar primeiro uma resposta emocional diante de um fato. Isso significa que são nossas Acredite: identificar os sentimentos faz parte da nossa evolução, tão importante para o autoconhecimento. emoções primárias as motivadoras comportamentais em nossas vidas. Nosso cérebro ainda acha que estamos necessitando sobreviver – o que não é errado –, mas ele nos remete a reações dos homens das cavernas. Algumas experiências resultam em emoções facilmente identificadas; em outros momentos, as emoções podem parecer até inexistentes. Confira na imagem a seguir o caminho que elas seguem em nosso cérebro: Coluna vertebral (caminho incialda inteligência emocional) Eu penso racinalmente (Nessa direção) Sistema límbico (local da emoção) Figura 01: Caminho das emoções no cérebro Fonte: Adaptada de Bradberry (2007, p. 22) 10 Emoções Recebemos os estímulos externos com fatos do cotidiano através do sistema nervoso central, ligados a todos os nossos sentidos, conforme é possível observar nas setas da figura. Existem várias teorias sobre o comportamento humano e sobre como as emoções são formadas em nosso cérebro. Aqui, vamos abordar apenas a teoria do cérebro trino, elaborada pelo neurocientista Paul MacLean, em 1970, que aponta uma divisão do cérebro em três partes: reptiliano (final da coluna vertebral), em que o estímulo (fato, ocorrência corriqueira) caminha pela coluna vertebral, passa pelo sistema límbico e este assegura que os sentimentos sejam atuantes em cada faceta do nosso comportamento. Porém, se deixarmos apenas nossas emoções tomarem conta do momento, sem levarmos essas informações ao campo do neocórtex (parte exterior do cérebro), certamente seremos atropelados pelo calor das emoções. O nome “neocórtex” significa “novo córtex” ou “córtex mais recente”. É a denominação que recebem todas as áreas mais evoluídas do córtex e é responsável pela diferenciação do homem/primata dos demais animais. Segundo MacLean, é apenas pela presença do neocórtex que o homem consegue desenvolver o pensamento abstrato e ter a capacidade de gerar invenções. Isso significa que precisamos levar esses estímulos até o neocórtex, para que possamos agir de forma racional sobre o fato. Assim, estaremos no caminho mais seguro para atingir a inteligência emocional. Necortéx Límbico Reptiliano Figura 02: Cérebro trino de MacLean Fonte: Adaptada de Hanson (2012, p. 39) 11 Na prática, ao recebermos um estímulo, precisamos aprender a gerenciar nossas emoções, trazendo-as para o lado racional da situação. É extremamente importante identificarmos nossas emoções, saber exatamente o que estamos sentindo e o porquê desses sentimentos. Quanto mais conseguimos identificá-las, mais chances de sucesso teremos no controle das nossas reações diante dos fatos cotidianos. Isso não quer dizer que o sistema límbico seja inútil ou problemático. Pelo contrário: é ele quem controla nossas emoções e nossos comportamentos, ativando uma reação do sistema nervoso simpático quando estamos sob estresse. É uma forma instintiva e psicológica de nos proteger do perigo. O sistema límbico age no sentido de luta ou fuga. O detalhe é que essa luta ou fuga servia muito bem para nossos ancestrais. Hoje, nossa “luta” acaba sendo com o colega de trabalho, com o cônjuge, com os amigos e, por vezes, por não sabermos como lidar com essa explosão de sentimentos, partimos para a fuga dentro de nós mesmos, escondendo nossas emoções. Geralmente, o que nos afeta e o que afeta as pessoas ao nosso redor são as reações que temos diante das ocorrências, dessas “lutas” do dia a dia. 12 Emoções Retomando a música “Paciência”. Você lembra que foi mencionado sobre xingar a pessoa no trânsito? O xingamento é uma reação que possivelmente desencadeará uma série de outras reações e sensações. A rapidez com que retornamos ao nosso estado de calma medirá nosso nível de inteligência emocional. Podemos retomar aqui o trecho da música: Será que temos esse tempo pra perder? Será mesmo que é uma perda de tempo parar, refletir, observar e responder? E quem quer saber? As pessoas envolvidas no seu dia a dia são importantes, elas merecem saber que você se importa com as possíveis respostas que dará. A vida é tão rara, tão rara Sim, a vida é tão rara! Precisamos cultivar bons relacionamentos e aprender a gerenciar nossas emoções. Uma dica muito interessante sobre as emoções é aplicar o PROR – pare, reflita, observe e responda. Escutou ou vivenciou algo que o sistema límbico iden- tificou como “luta”? Tente levar essa informação para o neocórtex e aplique a técnica do PROR, ou seja: Primeiro Pare, depois Reflita, Observe suas emoções e só depois Responda. Fonte: Adaptado de Conquer (2020) Espia só! 13 Agora, vamos nos permitir olhar para nossos estudantes, para as pessoas ao nosso redor. Assim como nós temos e sentimos todas essas emoções e reações, nossos estudantes, amigos, familiares e todos ao nosso redor também sentem. Como sabiamente o último verso da música “Paciência” nos diz: “A vida não para”. Ou seja, na sala de aula, no trânsito, na reunião familiar, sempre haverá situações em que seremos colocados à prova para aplicarmos nossa inteligência emocional. E nem sempre é uma tarefa fácil. Por isso, a seguir, confira algumas dicas de respiração e mindfulness para que você se permita olhar para seus sentimentos e emoções, assim como para as emoções dos que estão ao seu redor. Diante das mais diversas situações desafiadoras do dia a dia, use essas dicas e veja como sua qualidade de vida e dos seus relacionamentos melhorarão. Respiração Parece irrelevante, mas a maneira como respiramos demonstra nosso estado emocional. Por isso, a dica é pare e respire. A inspiração e a expiração consciente têm o poder de oxigenar o cérebro, fazendo com que nosso nível de cortisol diminua (hormônio responsável pelo estresse). Isso significa que o simples fato de inspirar e expirar calmamente pode evitar uma discussão, uma palavra mais ríspida, ou provocar um desafeto posterior. Permita-se 14 Emoções Mindfulness A técnica originalmente foi desenvolvida pelo médico e docente Jon Kabat-Zinn e trata- se de basicamente viver o tempo presente, que significa estar plenamente consciente do momento presente, ou seja, atenção plena ao momento. São atividades que conectam ação e pensamento. Praticar a atenção plena nos tira do piloto automático e nos ajudará a não termos reações impensadas, também evitando discussões desnecessárias. É possível usar a técnica para evitar sofrimento antecipado sobre algum evento. Durante as aulas de oratória nas turmas de adolescentes, jovens e adultos, faço exercícios de respiração para acal- mar a mente, momentos antes das apresentações. Os resultados são incríveis. Por isso, a dica é: acalme seus estudantes sobre possíveis medos em relação a avaliações ou situações da vida co- tidiana que os deixem ansiosos. Prestar atenção nos sons, na respiração, treinar a observação atenta dos objetos nos ambientes ajuda o cérebro a se acalmar e trazer a centrali- dade para as emoções. Para saber mais sobre essa técnica, vá ao Acervo Digital da Unidade Curricular (Curso). Espia só! Espia só! Durante as aulas de oratória nas turmas de adolescentes, jovens e adultos, faço exercícios de respiração para acal- mar a mente, momentos antes das apresentações. Os resultados são incríveis. 15 Dar nomes aos monstros Pode parecer filosofia de autoajuda, mas dar nomes ao que sentimos no momento já traz clareza sobre o que pensamos e sobre as nossas reações diante das adversidades da vida. Daniel J. Siegel, docente de psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia (UCLA), quando nós conseguimos nomear aquilo que estamos sentindo, conseguimos ter clareza do que está acontecendo em nosso cérebro, e essa identificação nos dá poder para mudar essa reação. Segundo Daniel J. Siegel, é olhar para aquele fervor em nós e dizer: raiva saia daqui eu não preciso de você nesse momento. E isso não tem nada a ver com negação, pelo contrário. É justamente a aceitação e o entendimento do que está se sentindo que nos dá o controle, e ainda ir além, entender o porquê de estar sentindo o que sentimos. (SIEGEL, 2015). Por isso, a dica é, no momento em que você ou seu es- tudante estiverem passando por algum tipo de situação e que precise de clareza sobre os sentimentos envolvidos, não hesite em pegar papel e caneta e escrever sobre o que você sente. Para saber mais sobre “dar nome aos monstros”, leia o livro O cérebro da criança, de Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson,publicado pela Editora nVersos. Espia só! 16 Emoções Chegamos ao final deste estudo sobre as Emoções e, como no início, deixamos aqui uma Composição de Paulo Novaes e Rubel, “Deixa a luz entrar”: Quando a ansiedade nos sufoca demais, Fica tão difícil ver o tempo passar. Vejo os pensamentos congelados no ar, Como numa estrada que não tem pra onde chegar, Nessas horas é preciso respirar. Fecha os olhos e esqueça onde está, Deixa o grito do silêncio falar, ouça, ouça, Abra as portas e as janelas do ar, Deixe a luz do sentimento entrar, dentro, dentro. Essa letra parece que foi feita exatamente sobre tudo que conversamos até agora. E, assim, convido você, caro leitor, a: Deixar a luz entrar, dentro, dentro… Essa luz é o amor, a paixão pelo processo incrível de ensino-aprendizagem que certamente você tem. Só quem ama verdadeiramente a educação e tem paixão pela transformação de vidas por meio do conhecimento pode transpor as barreiras físicas e emocionais que temos enfrentado ao longo dos anos. Certamente, estamos aqui porque queremos inspirar pessoas para transformar o mundo. Uma provocação final? 17 Você verdadeiramente ama aquilo que você faz? REFERÊNCIAS ABREU, Paula. Buda dançando numa boate. São Paulo: Buzz, 2019. BERNE, Eric. Análise Transacional Centrada na Pessoa. São Paulo: Editora Ágora, 1985. BRADBERRY, Travis. Desenvolva sua Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. GOLEMAN, Daniel. FOCO: atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. GONÇALVES, Robson. Triúno. Neurobussnes e qualidade de vida. São Paulo: Clube dos Autores, 2014. HANSON, Rick. O cérebro de Buda: neurociência prática para a felicidade. São Paulo: Alaúde Editorial, 2012. KABAT-ZINN, Jon. Atenção plena para iniciantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2017. ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. 4. ed. São Paulo: Ágora, 2006. SIEGEL, Daniel J.; BRYSON, Tina Payne. O cérebro é a criança. São Paulo: nVersos, 2015.
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