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METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Elys Regina Zils Indaial - 2020 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx XXX p.; il. ISBN XXXXXXXXXXXXX ISBN Digital XXXXXXXXXXXXX 1.Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx CDD XXXX.XXX Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA ..................................................................7 CAPÍTULO 2 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ....................61 CAPÍTULO 3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA ............................................................................... 119 APRESENTAÇÃO É com grande satisfação que queremos dar as boas-vindas a você nesta disciplina. Tirar um tempo para os estudos muitas vezes não é fácil e significa abrir mão de outras atividades. Por isso, gostaríamos de dar os parabéns pelo esforço em buscar mais este aperfeiçoamento na sua formação. O professor de língua portuguesa e literatura é agente essencial para a mudança social, pois pode contribuir para a formação de cidadãos conscientes dos seus papéis e capazes de promover transformações em seus contextos sociais. À vista disso, ser professor exige aprimoramento constante e formação de qualidade. Nesta direção, a disciplina de Metodologia do ensino de língua portuguesa apresentará assuntos que acreditamos fomentar a reflexão, além de contribuir para uma prática pedagógica consciente e comprometida com a formação de cidadãos críticos e aptos a exercerem sua cidadania. Pensando sobre as questões que envolvem o ensino de língua portuguesa, no primeiro capítulo deste livro, vamos propor uma conversa sobre o contínuo entre fala e escrita. Afinal, o domínio das linguagens oral e escrita é fundamental para o papel da cidadania. Mesmo que, contemporaneamente, já pareça ser consenso nas escolas o dever de respeitar o aluno como ele é, assim como sua forma de expressão que provém do convívio em sua comunidade, ainda é presente a não valorização da realidade linguística-social dos alunos. Desse modo, para uma boa prática pedagógica quanto ao ensino da língua portuguesa, é necessário compreender alguns aspectos que envolvem a natureza da modalidade oral e escrita da língua. Cabe aos professores ensinar o seu uso adequado nas diferentes situações comunicativas, por isso nos aprofundaremos na dicotomia entre língua falada e língua escrita e refletiremos sobre as variações linguísticas que encontramos em nosso país. Nesse sentido, o segundo capítulo trata de tipos e gêneros textuais, a fim de promover aos alunos o contato com os diferentes gêneros textuais para que possam utilizar as linguagens escrita e oral com competência em diferentes situações de comunicação, visto que esse domínio é fundamental para a plena participação social do sujeito. Assim, exploraremos algumas de suas possibilidades no processo de ensino-aprendizagem de língua materna com sugestões para aplicação em sala de aula neste e no próximo capítulo. Posteriormente, é necessário refletirmos sobre a avaliação dos textos. Assim, no terceiro capítulo, veremos algumas concepções de avaliação aplicadas ao ensino-aprendizagem na atualidade, além de alguns instrumentos e critérios de avaliação da produção textual nos Ensinos Fundamental e Médio. Neste capítulo, buscaremos contribuir com a prática docente que muitas vezes se apresenta como um desafio, principalmente quando falamos em textos e diante da heterogeneidade das nossas salas de aula. Com esse percurso, esperamos contribuir para ampliar seu horizonte de conhe cimento teórico e temos certeza que você encontrará seu próprio caminho a partir do material fornecido. Seja crítico durante os seus estudos e busque relacionar os temas aqui expostos com suas vivências pessoais e docentes. Aproveite esta oportunidade para aperfeiçoar ainda mais o seu desempenho profissional! Bons estudos! Prof.ª. Elys Regina Zils CAPÍTULO 1 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Entender brevemente a trajetória da disciplina de língua portuguesa na educação brasileira. � Refletir sobre a (não) dicotomia da modalidade falada e escrita da língua. � Refletir sobre a modalidade falada e escrita da língua e o ensino. � Compreender o fenômeno da comunicação humana e suas variações linguísticas. 8 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 9 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Caro acadêmico, seja bem-vindo ao primeiro capítulo do livro da disciplina de Metodologia do ensino de língua portuguesa! Aqui, a discussão terá como objetivo conversar e marcar nossa posição com relação ao ensino de língua pelo viés histórico-cultural, bem como tratar da educação linguística como potência para ampliar a capacidade de interpretar e problematizar a realidade, contribuindo para o desenvolvimento dos indivíduos por intermédio da linguagem. Podemos afirmar sem receio que a pedagogia tradicional esteve presente nas escolas, predominantemente até o século passado. As aulas eram baseadas na memorização dos conteúdos, que nem sempre faziam sentido para o aluno. O professor transmitia o conhecimento e o aluno devia receber esse conhecimento e respeitar a autoridade do professor. No século XX, essa pedagogia foi criticada, dando espaço para o escolanovismo. Esse movimento trazia uma nova compreensão das necessidades da infância, com o lema “aprender a aprender”, questionando a passividade na qual a criança devia permanecer na escola tradicional. O aluno passa para o centro do processo educativo. Contudo, a ineficiência com relação às questões sociais e os altos custos condenaram o escolanovismo à ruína. Por outro lado, surge a Escola Tecnicista, com propósitos de instrumentalização técnica dos sujeitos. Na escola tradicional, o professor era o centro no processo educativo, depois, na Escola Nova, o aluno passa a ser o centro, e, agora, na Pedagogia Tecnicista, nem um nem outro, o processo ganha o papel principal, o que resultou em professores preenchendo vários formulários e fichas e na fragmentação das ações pedagógicas. Esse trajeto histórico é importante para lembrarmos que o trabalho com educação nunca é neutro, mas fruto de ideologias. Portanto, ao nos propormos refletir sobre uma posição e, inclusive, nos posicionarmos em uma concepção de formação humana, é importante reflexionar também historicamente. Essa recuperação histórica da língua portuguesa nos permitirá rever os aspectos privilegiados em cada momento, contribuindo para entendermos o estatuto atual da disciplina. Nessa mesma direção, pensar o ensino formal de língua portuguesa envolve como concebemos o sujeito e a língua que ensinaremos. Essa compreensão 10 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa reverbera comoo docente planejará suas ações de ensino. A partir da perspectiva do materialismo histórico-dialético, o desenvolvimento humano acontece nas relações entre os indivíduos e suas realidades, tendo a linguagem papel fundamental nesse processo. Nos dedicaremos a essa discussão no subcapítulo “Por uma escola transformadora”. Na sequência, estudaremos sobre as modalidades falada e escrita da língua. Antes de iniciarmos, precisamos esclarecer que quando utilizamos “fala” e “escrita”, nos referimos sob o ponto de vista de aspectos de organização linguística, da fala em sua realização oral e da escrita em suas formas de textualização. Assim como ao falarmos em “língua falada” e “língua escrita” nos referimos apenas a dois modos de representação da mesma língua, e não de duas línguas distintas. Dada a introdução, estamos prontos para mergulhar neste capítulo. Vamos lá! 2 BREVE PANORAMA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL Para nossa reflexão sobre o ensino de língua portuguesa, inicialmente conversaremos sobre o panorama geral do ensino formal dessa disciplina, para que assim possamos compreender algumas questões que subsidiam o ensino de nossa língua materna. Não é viável abranger todos os fatos dessa trajetória, muito menos em uma breve contextualização, como estamos fazendo aqui, tendo em vista sua complexidade e multiplicidade de fatores envolvidos. No entanto, nossa proposta é oferecer subsídios para as reflexões que se seguirão. Desse modo, identificaremos algumas mudanças de paradigmas que ocorreram no ensino de língua portuguesa e a influência dos estudos linguísticos. Do século XVIII até meados do século XX, o ensino de língua portuguesa se destina ao ensino de regras gramaticais e pouca atenção era dada à escrita. Vamos rememorar essa trajetória? 11 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 1 O que significa ensinar língua portuguesa? O que se ensina? Pense a respeito. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. Podemos dizer que assim como nossas sociedades, o contexto educacional também sofre constantes mudanças. Estamos tão familiarizados com o ensino de língua portuguesa que nos surpreendemos ao pensar como foi tardia sua inclusão no currículo escolar. Desse modo, temos que partir nossa conversa sobre o ensino de língua portuguesa nas escolas desde o período de colonização. Os jesuítas pregavam em latim e o português era ensinado nos processos de alfabetização como veículo para o latim, que era a língua oficial para os estudos. Como afirma Soares (2002), no Brasil colonial, a importância do português é minimizada, não tendo grande valor de intercâmbio social. Cabe lembrarmos que, nesse período, três línguas conviviam no Brasil: o português do colonizador; a língua geral, que recobria as línguas indígenas; e o latim, do ensino dos jesuítas. Também podemos acrescentar as diversas línguas africanas trazidas pelos escravos. Diante deste cenário, já podemos combinar que nossa língua é resultado da diversidade de nosso país, concorda? No período da chegada dos primeiros europeus, existiam cerca de 1175 línguas faladas por cerca de cinco milhões de índios no Brasil, e isso era um obstáculo para o “trabalho” do colonizador. Assim, as línguas gerais foram institucionalizadas para o trato com o índio e utilizadas no Brasil durante os séculos XVI e XVII. 12 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Portanto, durante os dois primeiros séculos, a língua portuguesa não fez parte do currículo. Podemos considerar que a falta de interesse pela língua portuguesa se deve ao fato de as poucas pessoas escolarizadas na época pertencerem às camadas mais privilegiadas, que tinham como interesse manter o modelo vigente. Somente com a Reforma dos Estudos, implantada pelo Marquês de Pombal no século XVIII, que o ensino passou por mudanças. A língua portuguesa tornou-se obrigatória e a gramática da língua portuguesa foi inserida no currículo escolar brasileiro, ainda que permanecesse sendo estudada junto da gramática e da literatura latinas. Não podemos dizer que foi um processo harmônico, mas ele contribuiu “significativamente para a consolidação da língua portuguesa no Brasil e para sua inclusão e valorização na escola” (SOARES, 2002, p. 160). Para entender melhor o ensino da língua neste período, a história interna e externa da língua em seu contexto sociocultural, recomendamos a seguinte leitura: FÁVERO, L. L. As concepções linguísticas no século XVIII: a gramática portuguesa. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996. Desde a reforma pombalina até fins do século XIX, os estudos da língua ocorriam nas aulas de retórica e gramática. Como aponta Soares (2002, p. 161), de uma forma mais genérica, “esses dois conteúdos prevaleceram do século XVI até o século XIX, na área de estudos da língua”. O acesso ao estudo ocorria apenas para um grupo seleto de estudantes, membros da elite. A gramática do português se desligou de sua relação com o latim, ganhando autonomia somente no século XX. Também contribuíram para isso as numerosas gramáticas brasileiras que surgiram a partir do século XIX. Lembrando que se postulava uma gramática única, pois acreditava-se em uma modalidade única de português, ignorando suas variações. Como a clientela continuava sendo a elite, a disciplina mantinha a tradição da gramática junto à retórica e à poética. Assim, os manuais didáticos traziam coletâneas de textos e gramáticas a fim de preservar o bom gosto literário e o purismo linguístico (SOARES, 2002). 13 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 O cargo de professor de português foi criado no país somente em 1871, por decreto imperial, podendo ser considerado o marco oficial do ensino da língua vernácula (SOARES, 2002). Como afirma Soares (2002), a disciplina de português continuou a estudar a gramática da língua portuguesa e a analisar textos de autores consagrados, ou seja, a disciplina gramática continuou para a aprendizagem sobre o sistema da língua. A retórica e a poética ganharam nova roupagem conforme perderam destaque e o falar bem não era mais exigência social (assumindo caráter de estudos estilísticos, como conhecemos hoje, a fim de promover o escrever bem). Encontramos esse cenário até as primeiras décadas do século XX. Faz-se mister aqui lembrarmos que as aulas de língua portuguesa sofreram até então influências de fatores externos, políticos e de seu público, a elite privilegiada. Também destacamos que a concepção de linguagem desse momento provém da vertente estruturalista, na qual predomina uma visão da língua como sistema estável que sustentava a tradição da gramática, porém, como explica Geraldi (1997, p. 118), “só línguas mortas são retratáveis num corpus fechado de regras”. Estamos falando do final do século XIX e início do século XX, quando se destaca a figura de Ferdinand de Saussure. Nesse sistema normativo, cuja concepção de língua fora adotada nas escolas, apenas a variedade de língua da norma padrão é considerada correta. Para se aprofundar mais, leia o capítulo “O português na escola: história de uma disciplina curricular”, de Magda Soares (2002). Está no livro Linguística da Norma, de Bagno. BAGNO, M. (org). Linguística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002. Se a clientela do ensino de língua portuguesa se mantinha a mesma até então, isso passa a mudar nas décadas de 1950 e 1960 com as transformações sociais e a abertura das escolaspara todas as classes sociais. Ainda que esse 14 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa movimento de democratização das escolas brasileiras, segundo Geraldi (2006, p. 43), seja falso, ele “trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas”. Assim, transformou o perfil dos alunos, trazendo heterogeneidade para as salas de aulas, mas não para as concepções de ensino. Nesse momento, a escola não consegue atender adequadamente a nova clientela, visto que a variante linguística usada por essa nova parcela da população estudantil era diferente da exigida nos bancos escolares. Foi um período de crise da educação e fracasso escolar. Os alunos tinham grande dificuldade na comunicação escrita, situação comprovada pelos indicadores com altos índices de repetência nas séries iniciais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, como também nos vestibulares e exames. Esse cenário inspirou estudos, conforme veremos a seguir. Nesse período, segundo Soares (2002, p. 167), “o número de alunos do Ensino Médio quase triplicou, e duplicou no ensino primário”. O que propiciou a necessidade de um recrutamento mais amplo de professores e mais rápido em resposta à demanda. Essa realidade levou à depreciação da função docente, ao rebaixamento salarial e às precárias condições de trabalho. Os professores formados às pressas encontravam um grande leque de variedades da língua e experiências para as quais não estavam preparados. Uma das estratégias adotadas para facilitar o trabalho dos professores foi a utilização do livro didático, que tirou do docente a tarefa individual de preparar todas as suas aulas e os respectivos exercícios. A partir dessa época, gramática e texto passam a ser apresentados em um único manual, contudo, a gramática mantém a sua primazia. Por outro lado, a concepção normativa de língua em vigor passa a ser questionada. A década de 1960 trouxe novas alterações para o ensino de língua portuguesa. Com a instauração do Regime Civil-Militar, em 1964, a educação passa a servir aos objetivos militares. A língua passa a ser considerada instrumento de sua ideologia. Em 1971, é criada a Lei nº 5.692, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que decretou várias mudanças curriculares. O latim é eliminado completamente. A denominação da disciplina é alterada para “comunicação e expressão”, nas séries iniciais, e “comunicação em língua portuguesa”, nas séries finais, já no segundo grau é “língua portuguesa e literatura”. Os objetivos do ensino são pragmáticos e utilitários, ou seja, visa-se o desenvolvimento do uso da língua (SOARES, 2002). Predomina uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação, influenciada por teorias comportamentalistas e comunicacionais. Desse modo, ao admitir a língua como instrumento de comunicação entre emissor e receptor, ela se torna finalidade e não parte integrante do processo comunicativo. 15 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Os livros didáticos da época são testemunhas dessa mudança no ensino de língua portuguesa. A gramática tem seu papel minimizado, sendo polemicamente questionada, e os textos já não são escolhidos priorizando a relevância literária, mas, a aproximação aos usos da língua nas práticas sociais. “Pela primeira vez aparecem em livros didáticos de língua portuguesa exercícios de desenvolvimento da linguagem oral em seus usos cotidianos” (SOARES, 2002, p. 170). Para saber mais sobre o livro didático de português nos anos 1960 e 1970, leia o capítulo correspondente no livro de José Carlos de Azeredo. AZEREDO, J. C. A linguística, o texto e o ensino da língua. São Paulo: Parábola, 2018. A produção escrita ganha maior atenção nas escolas desse período, sobretudo, pela publicação do Decreto Federal nº 79.298, de 24 de fevereiro de 1977, que estabeleceu a inclusão obrigatória de prova ou questão de redação em língua portuguesa no concurso vestibular das instituições federais e particulares. Neste período, os estudos da língua portuguesa no currículo das escolas ganham importância, principalmente a produção escrita, visando aos exames de admissão. Será que essa dinâmica não predomina até os dias atuais, quando reforçamos a exigência de uma boa redação apenas para os vestibulares? Em 1980, com a redemocratização do país e a ruptura do pensamento mecanicista, a disciplina recupera a denominação de Português, nos Ensinos Fundamental e Médio, por reivindicações da área educacional, em medida do Conselho Federal de Educação. 16 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Neste momento, destacamos a figura de Vygotsky e sua teoria do desenvolvimento humano, que contesta o reducionismo das teorias empiristas e tecnicistas. Ele concebia o ser humano como ser biológico e socio-histórico, ou seja, sua teoria do desenvolvimento intelectual entende o ser humano como construído nas relações sociais através da linguagem. A corrente pedagógica que se originou de sua teoria é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Para saber mais, recomendamos a leitura de: VYGOTSKY, L. V. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Em consonância a esse contexto, temos as contribuições das ciências linguísticas ao ensino de português. As novas teorias, inseridas nos currículos dos professores a partir dos anos 1960, chegam à escola e ao campo do ensino de língua materna. Os princípios da sociolinguística apoiam a visão da linguagem como constitutiva dos sujeitos no processo de interação social. Ainda que incipientes, surgem tentativas de valorizar a heterogeneidade linguística nas escolas e amenizar o chamado “preconceito linguístico” e a exclusão dos alunos provenientes de diferentes classes sociais e variantes linguísticas. Assim, a sociolinguística alerta a escola para as diferenças entre as variedades linguísticas efetivamente faladas por seus alunos e a variedade que se pretende ensinar nas aulas de português, a variedade chamada de “padrão culto”. Questiona-se, assim, a finalidade social da disciplina de língua portuguesa. Nesse cenário, aumenta-se a preocupação com o papel do professor e, consequentemente, as publicações científicas referentes às mudanças nas concepções de linguagem nas práticas pedagógicas escolares. Podemos citar como exemplo as publicações de Magda Soares, autora referência para nossa conversa até aqui, com Linguagem e escola: uma perspectiva social, de 1986; O texto não é pretexto, de Marisa Lajolo, de 1982; O texto na sala de aula, de Geraldi, de 1984, entre vários outros. 17 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Com o desenvolvimento dos estudos de descrição da língua portuguesa, escrita e falada, novas concepções da gramática do português surgem em oposição à concepção prescritiva em vigor. Essas novas concepções trazem outras visões sobre o papel e a função da gramática no ensino de português, reflexões sobre uma gramática com fins didáticos no sentido de uma gramática da língua escrita quanto uma gramática da língua falada (SOARES, 2002). Faz-se necessário também mencionar a figura do educador Paulo Freire (1921-1997), pois suas ideias influenciaram as mudanças ocorridas. Freire aborda uma nova concepção de educação com base na realidade do aluno e denuncia a educação bancária, criticando o modelo no qual o professor é o centro do processo educacional e responsável por depositar o conteúdo em seus alunos. Dentre os vários livros publicados por Paulo Freire, gostaríamos de destacar a obra Pedagogia do oprimido, de 1968. O livro é muito popular e se você ainda não leu, recomendamos a leitura. Caro acadêmico, você provavelmente estava em sala de aula durante a década de 1990 como aluno ou quem sabe mesmo como docente. Com certeza vivenciou o professor em pé diantedos alunos, criando uma barreira entre ele e os educandos, em uma visão tradicionalista, o ensino de língua portuguesa ainda apoiado na memorização de regras, que muitas vezes não faziam sentido aos alunos. Para as avaliações bastava decorar o mais fielmente possível as regras gramaticais dos livros, regras essas que eram estudadas descontextualizadas, certo? Parece que os ideais dos educadores da década de 1980 não conseguiram sobrepujar o crescimento acelerado da economia capitalista. Contudo, na década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI, ainda existe uma visão tradicionalista no ensino de língua portuguesa, a educação já não se 18 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa volta para a relação sociedade e escola, abandonando discussões importantes que estiveram presentes nos anos 1980. Como assinala Campos (2003, p. 84), a década de 1990 foi de reformas educacionais “e suas diferentes dimensões – gestão, financiamento, currículos e avaliação –, a educação foi ‘revista’ pelo Estado de modo a adequar-se aos imperativos economicistas que orientaram as políticas públicas”. Para Freitas (2002, p. 142), os anos 1990 foram a “Década da Educação”, com o aprofundamento das políticas, a educação e a formação de professores ganham importância estratégica para a realização das reformas educativas, particularmente a partir de 1995, com o governo Fernando Henrique Cardoso. As políticas educacionais elegem os conteúdos escolares do ponto de vista das competências e habilidades a serem desenvolvidas na escola. Como exemplos dessas políticas, podemos citar: Educação para Todos, Plano Decenal, Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação básica, para a educação superior, para a educação infantil, educação de jovens e adultos, educação profissional e tecnológica, avaliação do SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica -, Exame Nacional de Cursos (Provão), ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio -, descentralização, FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -, Lei da Autonomia Universitária, novos parâmetros para as IES, são medidas que objetivam adequar o Brasil à nova ordem, bases para a reforma educativa que tem na avaliação a chave mestra que abre caminho para todas as políticas: de formação, de financiamento, de descentralização e gestão de recursos (FREITAS, 2002, p. 142). Para saber mais sobre algumas dessas políticas, acesse os links a seguir: SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, criado em 1990, com o qual o Governo Federal passa a conhecer a qualidade da educação básica brasileira. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb/ historico. ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, criado em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Disponível em: 19 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791. Exame Nacional de Cursos (Provão) possuiu oito edições, de 1996 a 2003, com a função de avaliar os cursos de graduação e classificar as instituições de Ensino Superior. Resultados do Exame Nacional de Cursos: http://inep.gov.br/educacao-superior/exame- nacional-de-cursos/relatorios. FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, atende toda a educação básica, da creche ao Ensino Médio, vigorou de 1997 a 2006 e foi substituído pelo FUNDEB (2007-2020). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/fundeb. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96), legislação que regulamenta o sistema educacional (público ou privado) do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Que tal rever esses documentos e analisar o que dizem sobre o ensino de língua portuguesa? A disciplina de língua portuguesa é questionada sobre suas finalidades sociais, trazendo discussões sobre o uso da linguagem, ressaltando a importância de práticas de leitura, produção textual e análise linguística a partir de uma perspectiva interacionista (consideram-se textos orais e escritos). Destacam-se as ideias do filósofo da linguagem russo Mikhail M. Bakhtin (1895-1975) e o Círculo de Bakhtin (além de Bakhtin, o grupo tinha a participação de vários intelectuais). Para eles, a linguagem deveria ser compreendida na sua realização concreta, nas diferentes esferas de comunicação, ou seja, enquanto fenômeno compartilhado, dialógico e social. Encontramos essa perspectiva social do estudo da linguagem nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1997, 1998 e 1999. Os PCN norteiam as práticas com a linguagem nos currículos escolares do país. Neste momento, o texto é apontado como unidade de ensino e os gêneros como objetos de ensino em língua portuguesa. 20 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Os PCN podem ser facilmente encontrados. Parâmetros Curriculares Nacionais 1ª a 4ª Séries: http://portal.mec.gov.br/par/195- secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12640- parametros-curriculares-nacionais-1o-a-4o-series. Parâmetros Curriculares Nacionais 5ª a 8ª Séries: http://portal. mec.gov.br/busca-geral/195-secretarias-112877938/seb-educacao- basica-2007048997/12657-parametros-curriculares-nacionais-5o-a- 8o-series. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: http://portal. mec.gov.br/conaes-comissao-nacional-de-avaliacao-da-educacao- superior/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica- 2007048997/12598-publicacoes-sp-265002211. Essa metodologia é referência também para as atividades da Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro, criada em 2002. O programa tem como objetivo contribuir para a melhoria do ensino de leitura e escrita nas escolas. Para saber mais, acesse: https://www.escrevendoofuturo.org.br/programa. Recentemente, tivemos a criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), iniciada em 2017 e finalizada em 2018, com a homologação para o Ensino Médio também. Esse documento mantém vários princípios dos PCN, como a centralidade do texto e dos gêneros textuais. As habilidades de escrita aparecem integradas às práticas linguísticas, como as de leitura e as de análise linguística/semiótica. A gramática volta à cena, mas de modo contextualizado, ou seja, o ensino de língua portuguesa deve ser contextualizado e destaca-se o uso social da língua. Acrescentaram-se também atualizações, como a presença de texto de multimodais, advindos das tecnologias. A BNCC explicita o que deve ser abordado a cada ano e as habilidades a serem trabalhadas estão agrupadas em quatro diferentes práticas de linguagem: Leitura, Produção de Textos, Oralidade e Análise Linguística/Semiótica. Para saber mais sobre a BNCC, leia: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_ EF_110518_versaofinal_site.pdf. Essa leitura é fundamental para quem pretende estar em sala de aula nos próximos anos. 21 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Para finalizarmos, gostaríamos de ressaltar o papel dos estudos linguísticos nesse panorama. Como vimos, na década de 1960, esses estudos passam a modificar as concepções de língua no Brasil e nas escolas: [...] a língua não se confunde com as frases que as pessoas usam, nem com o comportamento verbal que observamos no dia a dia; é, ao contrário, uma abstração, um conhecimento socializado que todos os falantes de uma comunidade compartilham, uma espécie de código que os habilita a se comunicarem entre si. Há uma estrutura linguística a revelar sempre que as pessoas se comunicam através da linguagem, e isso vale para as grandes línguas de cultura e para as línguas politicamente menos importantes (por exemplo as que são faladas nas sociedades primitivas), para os comportamentos linguísticos queseguem o padrão culto e para aqueles que a sociedade discrimina como incultos ou vulgares (ILARI, s.d. p. 6). Assim, a Linguística levou para a escola a visão de que a língua é algo vivo e dinâmico, com variações, fruto de várias questões, como aspectos sociais, econômicos, geográficos. Sentiu-se a necessidade de repensar as práticas escolares e a forma de ensinar língua portuguesa. Com isso, a velha prática do ensino gramatical foi criticada pela linguística. Entre outras coisas, lembrou-se que os verdadeiros objetos linguísticos com que lidamos no do dia a dia são sempre textos, nunca sentenças isoladas, e observou-se (com razão) que as gramáticas têm muito pouco a dizer sobre esses objetos; mostrou-se que os gramáticos descrevem uma língua sem existência real; e apareceram vários livros que, desde o título, caracterizavam o ensino gramatical como uma forma de opressão ou minimizavam seu interesse pedagógico: um título de intenções polêmicas, como o do livro de Celso Luft, ‘Língua e liberdade’ seria absolutamente impensável algumas décadas antes (ILARI, s.d., p. 8). Ao se conceber a produção da língua sob a dimensão social, destacam-se os estudos da sociolinguística e a necessidade de entender a linguagem e seu contexto. A prática dos professores devia incorporar uma concepção social da linguagem, de valorização do sujeito do discurso e da heterogeneidade linguística dos indivíduos nos mais diferentes contextos. O estruturalismo expulsou o sujeito da língua, enfatizando o sistema. “A língua tem um funcionamento que independe do falante, independe do indivíduo; é social. [...] é um sistema social” (MARCUSCHI, 2008, p. 70). O sujeito se constitui na relação com o outro, não é a única fonte de sentido, pois está inscrito na história e na língua. 22 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Essa visão ainda encontra relutância e o ensino muitas vezes se dá por meio de regras gramaticais descontextualizadas. 1 Que tal pesquisar as principais correntes linguísticas do último século e seus princípios básicos? Como sugestão de leitura, indicamos o artigo “As principais correntes teóricas da linguística e os estudos gramaticais”, que apresenta as principais correntes linguísticas de modo sucinto. Disponível em: http:// www.letramagna.com/17_1.pdf. A pesquisa pode ser realizada em diferentes materiais, existem vários manuais de linguística interessantíssimos. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. Você conhece a proposta curricular do seu estado? E do seu município? É pertinente que você investigue a construção dessas propostas para sua atuação docente. 3 DICOTOMIA ENTRE A LÍNGUA FALADA E A LÍNGUA ESCRITA Depois desse breve panorama histórico sobre a disciplina de língua portuguesa no Brasil, falaremos sobre a dicotomia entre as modalidades falada e escrita da língua, porém, antes de mais nada, temos que pensar na nossa concepção de língua. 23 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 [...] no ensino de Português, o que se ensina é o produto de uma visão, entre outras coisas, do fenômeno da língua e do papel de seu ensino numa determinada sociedade. É a alteração do ponto de vista sobre esses e outros fenômenos que pode, em parte, explicar as mudanças que vem sofrendo o ensino de Português ao longo de sua história, e que se expressam na alteração de seu nome: Gramática Nacional, Língua Pátria ou Idioma Nacional, Comunicação e Expressão, Português. É também a alteração desses pontos de vista – ou, particularmente, a competição entre eles – que pode explicar, em certa medida, as polêmicas e as verdadeiras lutas que com frequência se travam para a definição de seu objeto e objetivos: a gramática? A leitura e a escrita? A língua oral? O processo de enunciação de textos orais e escritos? O domínio de uma língua considerada lógica e correta em si mesma? O domínio de uma variedade linguística prestigiada socialmente? Dependendo das respostas que forem dadas a essas questões, diferentes práticas ensinarão diferentes objetos, com diferentes objetivos. Todas essas práticas, no entanto, poderão ser identificadas pela mesma designação: “Português” (BATISTA, 2001, p. 3-4). 1 Você, como professor de língua portuguesa, já parou para pensar na sua concepção de língua? Depois, pesquise qual a concepção de língua presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. As modalidades falada e escrita da língua foram examinadas como opostas por muito tempo, predominando a supremacia da escrita. Essa visão atribui à escrita valores cognitivos intrínsecos no uso da língua, não considerando-as como práticas sociais, porém, a partir dos anos 1980, estudos demonstram que se pode 24 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa conceber oralidade e escrita como atividades complementares no contexto das práticas sociais e culturais (MARCUSCHI, 2010). Veremos essa questão com detalhamento. Conforme explica Marcuschi (2010), a primeira tendência entre os linguistas é a análise das relações entre as duas modalidades de uso da língua, fala e escrita, se dedicando a essa aparente dicotomia. De um lado temos os linguistas de visão mais restrita, tal como vista pelos gramáticos, originando o prescritivismo de uma única norma linguística tida como padrão, a conhecida norma culta. Entre seus representantes, temos: Labov (1972), Halliday (1985, em uma primeira fase) e Ochs (1979). Por outro lado, temos autores, como Chafe (1982; 1984; 1985), Tannen (1982; 1985), Gumperz (1982), Biber (1986; 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday e Hasan (1989), que concebem as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo tipológico ou de realidade cognitiva e social (MARCUSCHI, 2010). Falaremos inicialmente sobre a visão dicotômica estrita. Em geral, sua análise se volta para o código e permanece na imanência do fato linguístico. Dela surge a dicotomia entre língua falada e língua escrita em dois blocos distintos. “A escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 9). Nesse aspecto, podemos citar vários exemplos, como o princípio de que a fala é historicamente anterior à escrita, como: Ambas [fala e escrita] apresentam distinções porque diferem nos seus modos de aquisição; nas suas condições de produção, transmissão e recepção, nos meios através dos quais os elementos de estrutura são organizados. No texto falado, a seleção lexical se efetiva por meio de construções mais informais, já que se trata de um texto produzido espontaneamente. Por outro lado, no texto escrito o interlocutor dispõe de tempo para planejamento e construção do texto, tendo, portanto, a possibilidade de fazer escolhas mais sutis e também podendo editorá-lo (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 113). Pode-se dizer, [assim] que a escrita é um processo mais abrangente, que implica os atos de pensar e planejar, ao contrárioda fala, que é proferida mais prontamente; é mais imediata, não havendo tempo para planejamento, o que faz com que, na fala, a repetição do mesmo item lexical seja uma exigência como forma de facilitar o processamento da informação pelo ouvinte (LIMA, s.d., s.p.). Para completar a distinção entre a modalidade falada e escrita da língua, vejamos o quadro: 25 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS PARA A DICOTOMIA ENTRE A LÍNGUA FALADA E A LÍNGUA ESCRITA Fala Escrita Interação síncrona face a face Interação a distância (espaço-temporal) Não planejada Planejada Criação coletiva Criação individual Impossibilidade de apagamento Possibilidade de revisão Acesso imediato às reações do interlocutor Sem possibilidade de acesso imediato Pouco elaborada Elaborada Poucas normalizações Muitas normalizações Predominância de frases curtas, simples Predominância de frases complexas Menor densidade lexical Maior densidade lexical FONTE: Adaptado de Fávero, Andrade e Aquino (2000) e Koch (1997) Você, caro acadêmico, com base em seus conhecimentos e experiências, concorda com a separação desses dois blocos? Por quê? Essas distinções continuam em vigor, no entendimento de muitas pessoas como em algumas teorias, fruto de uma observação fundada na natureza das condições empíricas de uso da língua (como planejamento e verbalização). Descartam-se características dos textos produzidos ou com os usos discursivos. Essa visão é muito difundida em manuais escolares, dando origem à maioria das gramáticas pedagógicas, com separação entre forma e conteúdo, entre língua e uso, tornando a língua um sistema de regras (MARCUSCHI, 2010). O teórico Luiz Antônio Marcuschi nos dá uma orientação sobre essa dicotomia, a partir de uma visão do que seria língua, vejamos: [...] um fenômeno heterogêneo (com múltiplas formas de manifestação), variável (dinâmico, suscetível a mudanças), histórico social (fruto de práticas sociais e históricas), indeterminado sob ponto de vista semântico e sintático (submetido às condições de produção) e que se manifesta em situações de uso concretas como texto ou discurso (MARCUSCHI, 2010, p. 43). A partir dessa explanação, vê-se a língua desde uma perspectiva de uso e não de sistema. Para o teórico, não se pode observar satisfatoriamente as semelhanças e diferenças entre fala e escrita sem considerar os seus usos na 26 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa vida cotidiana, quer dizer, é preciso pensar nos usos que são feitos do código e não apenas no código em si. Assim, nota-se que as diferenças entre fala e escrita são graduais e não rigorosamente dicotômicas. As semelhanças entre ambas as modalidades são mais enfáticas que as diferenças, tanto em aspectos linguísticos quanto sociocomunicativos. Com isso, Marcuschi (2010 p. 13) propõe não só uma mudança de perspectiva, mas “a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais”. A perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de não levar em consideração que muitas das diferenças apontadas são características da própria língua e não existe traço distintivo para delimitar características exclusivas da fala ou da escrita. Elucidaremos melhor essas questões! A fala, seja por sua espontaneidade ou por sua falta de planejamento prévio em algumas circunstâncias, é comumente considerada o lugar do erro gramatical e da informalidade em contraponto com a escrita, que é vista como exemplo de formalidade, da norma culta e do uso “correto” da língua. Essa visão é rejeitada se pensarmos que existem falas que se aproximam da escrita informal, assim como há escritas que se aproximam da fala formal. Exemplos disso seriam os bilhetes e os textos da internet, que apresentam repetições, gírias, ou seja, elementos da língua falada. Também podemos citar debates, programas televisivos e discursos que apresentam uma fala com características que damos à chamada linguagem formal. Assim, essas características vão depender do contexto em que ocorrem as situações de comunicação (KOCH, 1997). Outro lugar comum é pensar que a língua falada é transitória e a língua escrita seria permanente. Com o advento do processador de texto isso não é bem verdade. A relativa estabilidade de um registro escrito tradicional cai se pensarmos em um texto na tela do computador que pode ser editado várias vezes. O conceito de texto escrito é uma entre as várias transformações advindas das tecnologias (STUBBS, 2002). Considerar que a língua falada, por ser mais espontânea, não segue regras também é um grande equívoco. Assim como na escrita, a fala apresenta normas para que a comunicação se estabeleça. A diferença está que na fala usamos outras ferramentas, como a entonação, a mímica, os gestos, e na escrita podemos pensar nas fontes das letras, tamanho, cores e até mesmo símbolos e elementos iconográficos para alcançar a expressão desejada (MARCUSCHI, 2010). 27 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Outra questão que podemos mencionar é que a língua escrita não necessariamente se limita a distância temporal, pois temos vários exemplos hoje em dia de comunicações escritas síncronas, ou seja, em tempo real, pela internet, como os bate-papos. Nessas conversas, inclusive, temos um modo de comunicação com características da oralidade e da escrita, constituindo-se um gênero comunicativo misto. Assim, características atribuídas à fala, como simultaneidade temporal, são tecnologicamente estendidas (MARCUSCHI, 2010). Você consegue pensar em outros exemplos em que essa fronteira entre língua falada e língua escrita se dissolve? A fala, como manifestação da prática oral, é adquirida nas relações sociais e dialógicas que se instauram desde o nascimento do bebê. Saber usar uma língua natural é uma forma de socialização e de inserção cultural. Por outro lado, a escrita, enquanto manifestação formal do letramento em sua faceta institucional, é aprendida somente na escola, o que leva ao seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável (MARCUSCHI, 2010). Lembramos também que todos os povos possuem tradição oral, porém, nem sempre todos eles possuem tradição escrita, mas esses fatores não tornam a oralidade mais importante ou a escrita mais prestigiosa. Podemos pensar, por exemplo, que mesmo a escrita tendo surgido tardiamente, em relação ao surgimento da oralidade, ela está em quase todas as nossas práticas sociais. Marcuschi (2010) lembra, inclusive, que mesmo os analfabetos, em sociedades com escrita, estão sob influência de práticas de letramento. Não nos aprofundaremos na questão do letramento, pois esse conteúdo será visto em outro momento do seu curso. 28 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Desse modo, a escrita é encontrada em vários contextos sociais da vida cotidiana, em paralelo com a oralidade. Por exemplo, na escola, no dia a dia, na família, na vida profissional, na atividade intelectual. Em cada um desses contextos o grau de relevância entre oralidade e escrita é variado e diverso. O importante é percebermos que ambas são práticas sociais de uso da língua, em um contínuo socio-histórico de práticas. A única diferença entre fala e escrita está no meio que é utilizado. A escrita se apresenta como grafia sobre papel, alguma tela, ou qualquer superfície nesse sentido, e a fala é a materialização do som (MARCUSCHI, 2010). Dessa reflexão, surgem os gêneros textuais e as formas comunicativas. Veremos esse tema no segundo capítulo deste livro. Assim, sob uma perspectiva sociointeracionista, de acordo com Marcuschi (2010, p. 33), podemos dizer que “tanto a fala como a escrita apresentam: dialogicidade; usos estratégicos; funções interacionais; envolvimento; negociação; situacionalidade; coerência;dinamicidade”. “O certo é que diariamente operamos com a língua em condições e contextos os mais variados e, quando devidamente letrados, passamos do oral para o escrito ou do escrito para o oral com naturalidade” (MARCUSCHI, 2010, p. 10). Segundo Marcuschi (2001), tanto a modalidade falada e a escrita são práticas e usos da língua com características próprias, sim, mas não são suficientemente diferentes para caracterizar uma dicotomia. Tanto a modalidade falada e a escrita permitem “a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante” (MARCUSCHI, 2010, p. 17). Contudo, essa perspectiva não dicotômica e a ideia do contínuo entre oralidade e escrita não garantem a superação do mito da supremacia social da escrita sobre a oralidade, porém não há razão para desprestigiar uma ou outra. Tanto a modalidade falada e a escrita da língua têm papel importante na sociedade (MARCUSCHI, 2010). 4 POR UMA ESCOLA TRANSFORMADORA Pierre Bourdieu (1930-2001) foi um sociólogo francês que estudou o papel 29 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 da linguagem na estrutura social e sistematicamente apontou as relações entre língua e as condições sociais de sua utilização nas situações de interação verbal. Para ele, as condições sociais concretas de instauração da comunicação são fatores determinantes do uso da linguagem. Com isso, ele desloca o foco da análise da caracterização da linguagem para a caracterização das condições sociais em que ela ocorre (SOARES, 2001). Para Bourdieu, uma relação de comunicação linguística é uma relação de força simbólica, determinada pela estrutura do grupo social que se comunica. Nesse sentido, essas relações explicam os motivos pelos quais determinados falantes ou determinados produtos linguísticos ganham mais valor que outros. Essa metáfora da economia das trocas linguísticas de Bourdieu é interessante para compreendermos os problemas de linguagem que ocorrem no ambiente escolar em sociedades com acesso das classes populares à educação formal, em decorrência da democratização do ensino como vimos, em que uma estrutura social de divisão de classes ocupa o mesmo espaço. Assim, as relações de força materiais, forças simbólicas e forças linguísticas invadem e atuam com intensidade nas escolas (SOARES, 2001). A aquisição do capital cultural e do capital linguístico pode acontecer por familiarização, pela convivência ou por um processo formal e intencional realizado na escola. A escola é uma instância social a serviço do mercado cultural e linguístico dominante, a ela é delegada a função de ensinar a linguagem “legítima”, porém, o rendimento da comunicação pedagógica é baixo quando envolve camadas populares, resultando no fracasso escolar. Então, falamos em crise no ensino da língua materna, crise denunciada nos meios educacionais e intelectuais desde os anos 1970 no Brasil. Dessa forma, a escola colabora com a perpetuação da divisão de classes, provavelmente pelo uso da linguagem “legítima” e a exigência de seu uso na comunicação pedagógica, fracassando em levar às camadas populares a aquisição dos bens simbólicos que constituem o capital cultural e simbólico (SOARES, 2001). Os alunos pertencentes às camadas populares adquirem por familiarização uma linguagem “não legítima”, assim eles não dominam a linguagem da escola, nem para compreender nem para se expressar. Como afirma Bourdieu, em seu livro “Escrito de Educação”, a não posse desse capital é uma das principais causas do fracasso escolar entre os alunos das classes populares. A escola supõe que todos os alunos têm domínio prévio dessa linguagem e se concentra apenas na transformação do domínio prático em domínio consciente e reflexivo (SOARES, 2001). Tal modelo de ensino, pressupondo domínio prático da língua “legítima”, só pode dar bons resultados para aqueles que já possuem familiaridade com essa língua. 30 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Atividades de ensino na escola, como estudo da gramática da língua “legítima”, leitura de textos na língua “legítima”, correção oral e escrita dos alunos, são atividades típicas que apenas levam ao reconhecimento da língua “legítima”, ou seja, a escola “dá é a capacidade de identificar, reconhecer certa linguagem como “legítima”; o que ela não dá é o conhecimento dessa linguagem” (SOARES, 2001, p. 63), este último entendido como a capacidade de produzir e consumir essa língua. Assim, a escola apenas ensina a reconhecer a língua “legítima”, ampliando a distância entre a linguagem dos alunos e essa língua, perpetuando a estrutura social, a discriminação, a desigualdade e a marginalização (SOARES, 2001). Então você deve estar se perguntando, o que a escola pode fazer? Soares (2001) segue sua reflexão e propõe um caminho que ela chama de “escola transformadora”. A escola comprometida com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas dá os instrumentos necessários para conquistar condições de participação cultural, política e de reivindicação social. Entre os instrumentos para isso, está o domínio do dialeto de prestígio, ou seja, uma escola transformadora aproxima-se da proposta do bidialetalismo, sugerida pela teoria das diferenças linguísticas. Trata-se de identificar as diferenças entre o dialeto de prestígio e os dialetos populares, fazendo com que os alunos adquiram o domínio do dialeto de prestígio, para que esse se acrescente ao seu dialeto, mas sem substituí-lo. Essa proposta traz o respeito aos dialetos populares e a sua aceitação, acrescentando o dialeto de prestígio à aprendizagem (SOARES, 2001). Bidialetalismo: esse termo designa a situação linguística em que os falantes utilizam, alternativamente, segundo as situações, dois dialetos sociais diferentes. O termo foi criado por analogia ao bilinguismo (SOARES, 2001). Vimos até agora que a língua é muito mais do que um conjunto de regras, que ela, como prática social, pode ser dividida em dois modos, como atividade oral e como atividade escrita. Nos aprofundaremos nessas duas modalidades nos próximos subcapítulos pensando no ensino. 31 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 4.1 A LÍNGUA FALADA E O ENSINO Neste subcapítulo, apresentaremos uma noção de língua falada enquanto uma modalidade da língua. Como vimos, entre a fala e a escrita não existe uma relação completamente dicotômica e estanque, mas, uma relação de dinamismo da língua e seu funcionamento. Podemos afirmar que até a década de 1980, existiram poucos estudos sobre a relação entre língua falada e língua escrita, cada estudioso se dedicava apenas a uma dessas modalidades. Ainda, os que se dedicavam à língua falada o faziam sob o viés das regras da escrita. Por isso, diante de tantas contradições, queremos frisar que entre a língua falada e a escrita não existe uma divisória clara, mas, mesmo assim, trabalharemos com cada uma separadamente nos próximos subcapítulos, apenas para facilitar a organização das nossas observações. Com relação à diferença de abordagem de textos falados e escritos em sala de aula, atualmente já existem vários estudos, porém pouco se tem aplicado no ambiente escolar, priorizando a língua escrita e a norma padrão, o que gera o fracasso no processo de ensino-aprendizagem da língua. Especificamente sobre a preocupação dos educadores com o desenvolvimento da oralidade, ainda que relativamente recente, ela já faz parte dos conteúdos programáticos. O fato de estudos linguísticos dedicarem atenção à língua falada tem contribuído para legitimar a importância dela. Para saber mais sobre a natureza do texto falado, leia o capítulo “especificidade do texto falado”, de Koch, em Gramática do português culto falado no Brasil, organizado por AtalibaTeixeira de Castilho. Unicamp, 2008. O livro Análise de textos orais, de Dino Preti (org.) também é interessante por tratar de marcadores conversacionais e outras características da língua com base em exemplos. PRETI, D. Análise de textos orais. 4. ed. São Paulo: FFLCH/ USP, 1999. Professores de língua materna podem estar se perguntando, deve-se/pode- se ensinar fala em sala de aula? Sim, estamos fazendo um convite justamente para isso, para que você amplie o leque de atenção. Não se trata de ensinar a falar, mas mostrar aos alunos a variedade de usos da fala, dando consciência 32 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa de que a língua não é homogênea, monolítica, trabalhando nos níveis coloquiais, formais, falado e escrito, tornando os alunos “poliglotas” dentro da própria língua (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000), pois: [...] não se acredita mais que a função da escola deve concentrar-se apenas no ensino da língua escrita, a pretexto de que o aluno já aprendeu a língua falada em casa. Ora, se essa disciplina se concentrasse mais na reflexão sobre a língua que falamos, deixando de lado a reprodução de esquemas classificatórios, logo se descobriria a importância da língua falada, [até] mesmo para a aquisição da língua escrita (CASTILHO, 1998 apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 12). Antes mesmo dos alunos serem submetidos ao processo de alfabetização nas escolas, eles já convivem com símbolos, propagandas, cartazes, placas, avisos, jornais etc., que contribuem para o processo de letramento. De acordo com Marcuschi (2010, p. 25), “letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita”. Assim, o aluno já está familiarizado com a língua e inclusive com certos gêneros textuais. Já pensou em organizar com seus alunos uma rádio em sala de aula? Não exige muitos equipamentos tecnológicos e os alunos ficam animados em participar. Esse tipo de atividade gera reflexão sobre que variedade linguística usar, como organizar a fala pública. Os alunos podem inclusive entrevistar outros alunos. Outra proposta semelhante são os podcasts, que estão ganhando mais adeptos a cada dia. O fato de que todos os alunos vão para a escola já com certo domínio da língua não pode ser motivo para não trabalhar a oralidade em sala de aula, pois ninguém domina a própria língua em toda a complexidade de suas formas e extensões de uso. Em nível de aprendizagem, o aluno domina unidades e estruturas que são funcionais no âmbito de suas experiências de vida, social e cultural. A proposta é ampliar e diversificar o universo de experiências mentais, culturais e sociais do aprendiz (AZEREDO, 2018). Nesse aspecto, o professor também precisa ter consciência de que o ensino não pode partir do nada e que focar o ensino apenas na língua escrita 33 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 é insuficiente. Desse modo, a escola não vai ensinar a língua, mas os usos da língua em diferentes condições. Os alunos devem ser levados a refletir sobre a língua e os seus usos em múltiplas situações. Nesse contexto, os PCN corroboram, evidenciando que precisamos ter como objetivo educacional mais amplo o respeito à diversidade linguística, além de promover um ensino verdadeiramente mais democrático: A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da interação comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido (BRASIL, 1998, p. 32). Corroborando com os PCN, devemos ter consciência de que a oralidade tem papel fundamental no ensino de língua e, enquanto professores, devemos nos preocupar com a adequação às diferentes situações comunicativas. Desse modo, o ensino da oralidade não é trabalhado isoladamente, mas mantém relações com a escrita, pois ambas possuem relações mútuas e intercambiáveis. Para ilustrar, analisaremos alguns aspectos da linguagem com o exemplo a seguir: O rato e o canário Homem com fome, o que é comum; sem comida para satisfazer sua fome, o que também não é raro. Aparência modesta, mas digna; barba por fazer; cara de necessidade. Levava uma sacola. Passou pelo restaurante também simpático modesto, com qualquer coisa de simpático – a cor das paredes, talvez – e entrou. Foi direto ao gerente, no caixa: — Desculpe... se lhe disser que há cinco dias eu não como propriamente, só estarei falando verdade. Mas o senhor não vai acreditar. — Por que não? 34 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa — Sinto que é compreensivo. — Também já passei dias sem levar um bocado à boca, e sei que não é nada divertido. — Então eu queria lhe pedir... Não precisou explicar. O gerente chamou o garçom. — Sirva alguma coisa a esse senhor. Por conta da casa. E voltou-se para o recém-chegado: — Hoje é o meu dia de ajudar o próximo. Aniversário da minha santa mãezinha, que Deus a tenha. O homem sentou-se, comeu lentamente, saboreando o prato simples que uma senhora desconhecida e falecida lhe despachava do céu. [Fim da primeira parte] Acabando, voltou ao caixa: — Claro que não posso te pagar, o amigo sabe. Mas agradecer de coração, isso eu posso. — De nada, ora essa. — Mas não vou embora sem lhe provar de alguma maneira minha gratidão. Tenho aqui uma curiosidade, que o senhor vai apreciar. Tirou da sacola um piano minúsculo e um ratinho, e disse a este: — Toque, Evaristo. Evaristo não se fez de rogado, e executou um trecho de Für Elise com bastante sensibilidade. — É fantástico! — exclamou o gerente. — Nunca vi coisa igual. — Tem mais. O senhor ainda não viu o meu canarinho. Surgiu da sacola um canário-da-terra, dócil à convocação. — Aquela modinha, Sizenando. Com acompanhamento de piano por Evaristo, Sizenando atacou É a Ti Flor do Céu, arrancando discreta lágrima do gerente. — Que beleza! Mas o senhor, não leve a mal eu perguntar, com esse tesouro nas mãos, precisa viver desse jeito? — Ah, meu amigo, não posso, não devo explorar esses inocentes. Como é que iria mercantilizar os dons do Evaristo e do Siza, que considero meus filhos, de tanto que eu gosto deles? Diante do gerente boquiaberto, o homem retirou-se com a sacola e seu conteúdo. Foi andando pela rua. [Fim da segunda parte] De repente estacou, preocupado. — Eu não devia ter feito isso com um cara tão generoso, que me matou a fome. Voltou ao restaurante, onde o gerente o recebeu com surpresa: — Esqueceu alguma coisa? Não vai me dizer que, cinco minutos 35 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 depois, está novamente com o estômago vazio? Ou pensou melhor, e quer me vender os dois artistazinhos e mais o pianito? — Nada disso. Vim por uma questão de consciência. — Como disse? — Questão de consciência. O senhor foi tão legal comigo... — E daí? — Daí que eu não tinha o direito de fazer o que fiz. — E que fez o amigo senão me regalar com o seu par de artistas que me fizeram subir água aos olhos? — Por isso mesmo. O senhor se comoveu com a audição, mas não é justo que continue iludido num ponto fundamental. — Cada vez percebo menos. Desembuche, homem! — O seguinte. Eu enganei o senhor. O Siza não canta coisa nenhuma, é um canário bobo, faz aquela figuração toda, mas quem canta mesmo é o Evaristo, que é ventríloquo! Este caso me foi contado por um amigo merecedorde crédito, mas fico na dúvida se não será criação de algum escritor, adaptada ao modo de ser carioca. Neste caso, que o autor me perdoe o avanço em sua obra. FONTE: ANDRADE, C. D. de. O rato e o canário. In: ANDRADE, C. D. de. Boca de luar. Rio de Janeiro: Record. 1984, p. 96-99. Seguindo a explicação de Azeredo (2018), dividimos o texto em três partes, como você deve ter percebido na leitura. Isso facilitará nosso entendimento. O primeiro parágrafo do texto apresenta alguns dados caracterizadores do fato que é narrado: o cenário, o personagem principal e a fome. Então ele entra no restaurante, se dirige ao gerente e comunica que está com fome. Em vez de chegar pedindo um prato de comida, o personagem leva o gerente a sentir pena dele (desculpe... se lhe disser que há cinco dias eu não como propriamente, só estarei falando a verdade). Com isso temos uma característica fundamental da comunicação humana, a possibilidade de empregar formas diferentes de expressão para falar a mesma coisa (AZEREDO, 2018). Segundo Azeredo (2018), ao fazer uma escolha por uma forma de expressão entre as alternativas possíveis, fazemos uma escolha por uma imagem. Nossas escolham indicam como seremos percebidos pelo nosso interlocutor e modelam o evento comunicativo. 36 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Mesmo o personagem tendo o trunfo do canário e do ratinho, ele começa se mostrando humilde e submisso. Vendo que está conseguindo atenção, recorre ao poder da sedução da linguagem e elogia o gerente (sinto que o senhor é compreensivo), é cauteloso na solicitação (em vez de dizer eu quero, diz eu queria). O gerente, que não demonstra querer se livrar logo do pedinte, sendo inclusive receptivo, dá a ordem (sirva alguma coisa a esse senhor. Por conta da casa), pois seu papel de gerente lhe dá autoridade para isso (AZEREDO, 2018). A segunda parte do texto é quando o homem decide retribuir a generosidade do gerente. Entram em cena o canário e o ratinho. O homem, que antes era um simples faminto, agora faz coisas que deixam o seu benfeitor maravilhado (é fantástico!) e então passa a controlar a situação. Se compararmos as frases ditas por ambos, veremos que os papéis se invertem. A linguagem do gerente é cheia de exclamação e entusiasmo. O homem, dono da situação, dá ordem e faz promessas (toca, Evaristo) (AZEREDO, 2018). Na cena final, na rua dizendo para si mesmo que não devia ter feito isso com um cara generoso, o homem revela-se arrependido, voltando à atitude humilde, mas agora é diferente, existe um conflito entre o que o homem quer dizer e o que o gerente está disposto a compreender. A comunicação fica impossível. O leitor percebe que tem algum truque sendo armado, mas a explicação contraria qualquer previsão, do leitor e do gerente. A atitude aparentemente de arrependimento que o homem teve foi apenas para aumentar a surpresa do desfecho (AZEREDO, 2018). Com essas três cenas queremos retratar como a linguagem participa dos acontecimentos sociais e como age enquanto termômetro das relações humanas. Demonstramos que a mudança de papéis na história tem efeito imediato no modo como o personagem se expressa (AZEREDO, 2018). Trata-se de perceber que as realizações estilísticas não são aleatórias, mas se adaptam às situações comunicativas. Assista também ao vídeo “Quando se trata de português falado, não existe certo e errado”, com o linguista Ataliba Teixeira de Castilho, da Unicamp, que fala sobre as transformações do português falado no Brasil. Disponível em: h t tps : / /www.you tube .com/watch?v=NxQmBBgPrp8& feature=youtu.be. 37 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 A palavra é uma forma de construir significado e para tal aprendizado é preciso ir além da sua utilidade como simples instrumento de comunicação. Devemos tratar a palavra como objeto de observação, de reflexão e de análise. Nesse sentido, cabe ao professor levar ao aluno a percepção de que a palavra desempenha múltiplos papéis em nossa vida e que os horizontes de nossas experiências simbólicas se ampliam conforme ampliam nossos recursos de expressão (AZEREDO, 2018). Para Bakhtin, as interações verbais estão relacionadas às interações sociais mais amplas. A enunciação ganha sentido no contexto social apenas. Com isso, soma-se ao estudo do enunciado o aspecto social e contextual. Segundo Bakhtin (1990), a língua não pode ser vista como um conjunto de regras abstratas. “A língua, como um sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e de seu ensino” (BAKHTIN, 1990, p. 108). O filósofo da linguagem propõe uma abordagem de língua e linguagem como sinônimas, colocando em dialogia o contexto social, a língua e as interações verbais com a consciência humana. Para ele, “não é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (BAKHTIN, 1990, p. 112). Assim, a língua é o veículo que faz com que o sujeito receba a ideologia da sua comunidade e também possa atuar sobre ela. FONTE: BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1990. Você, como professor e mediador do conhecimento, deve compreender que pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para outros registros, sejam orais ou escritos. Essa é justamente uma sugestão de atividade, o professor pode começar com textos orais dos próprios alunos, trabalhar esses textos e, na sequência, propor atividades escritas com base nos temas da atividade oral. Assim, trata-se de trabalhar integralmente as várias possibilidades de uso da língua, a produção oral, a produção escrita, a leitura e a interpretação. 38 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Essa proposta é interessantíssima, não só porque pode ir além de simplesmente valorizar apenas a modalidade escrita da língua, mas por envolver processos cognitivos como a interpretação. Parte-se da valorização da fala, trabalha-se a interpretação e, por último, a escrita. Ademais, essas atividades “devem contribuir para se perceber que o trabalho com a língua, quando realizado nesta perspectiva, é um bom ponto de partida não só para uma melhor compreensão da oralidade na sua relação com a escrita, mas para um melhor tratamento da oralidade em si mesma” (MARCUSCHI, 2010, p. 121). Este aspecto tem a ver com o tratamento dado à língua, principalmente nos exercícios propostos aos alunos em sala de aula. Com isso, o professor poderá inclusive conhecer melhor as produções escritas de seus alunos, como aprimorá- las preservando a sua expressividade (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000). Marcuschi aborda essa passagem da língua falada para a língua escrita em um processo que ele chama de retextualização. Veremos esse conteúdo mais adiante. Trataremos do conceito de texto no próximo capítulo, mas cabe mencionarmos aqui que tanto o texto escrito como o texto falado possibilitam estudos e análises que têm a língua como recurso, com base na oralidade. A partir do texto, pode-se trabalhar: a) as questões do desenvolvimento histórico da língua; b) a língua em seu funcionamento autêntico e não simulado; c) as relações entre as diversas variantes linguísticas; d) as relações entre fala e escrita no uso real da língua; e) a organização fonológica da língua; f) os problemas morfológicos em seus vários níveis; g) o funcionamento e a definição de categorias gramaticais; h) os padrões e a organização de estruturas sintáticas; i) a organização do léxico e a exploração do vocabulário; j) o funcionamento dos processos semânticos da língua; k) a organização das intenções e os processos pragmáticos; l) as estratégias de redação e questões de estilo; m) a progressão temática e a organização tópica; n) a questão da leitura e dacompreensão; o) o treinamento do raciocínio e da argumentação; p) o estudo dos gêneros textuais; q) o treinamento da ampliação, redução e resumo de texto; r) o estudo da pontuação e da ortografia; e s) os problemas residuais da alfabetização (MARCUSCHI, 2008, p. 51-52). 39 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Além de vários outros aspectos que podem ser trabalhados em sala de aula, pois existe grande potencialidade exploratória. 4.1.1 Variedade linguística A língua falada é inerente ao ser humano. Se é através da língua que o homem evolui, ela também é socialmente moldada, desta forma, reflete a organização da sociedade, faz parte da nossa identidade e da nossa cultura. Como expõe Marcuschi (2008), falar não é simplesmente se comunicar, falar é agir, sobre si, sobre os outros e sobre o mundo. Falar é produzir sentidos, produzir identidades e experiências. Após um período de aquisição que vai até os seis anos de idade, a criança já sabe usar a sua língua de acordo com suas necessidades comunicativas regulares e cotidianas, ou seja, a criança aprendeu aquilo com o que tem familiaridade. Você pode aprofundar sua leitura sobre a variedade linguística com a leitura de: BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. Toda língua natural, essa que a criança aprende em casa, apresenta variações, quer dizer, uma diversidade de usos que correspondem a uma diversidade de modos de expressão, de características gramaticais e de vocabulário. Existem variações de pronúncia (como mulher, mulé, muié), reduções morfológicas (pro, pra, tô, tá), de gênero dos nomes (duzentos gramas ou duzentas gramas), de expressão de intensidade (roupa limpa, limpíssima, limpinha), nas construções (ele chegará, ele vai chegar) etc. Todas essas diferenças são normais em qualquer língua natural (AZEREDO, 2018). Lembrando que variações socioletais, regionalismos, gírias, entre outros aspectos pontuais podem ser questões de estilos do usuário e não necessariamente marcas da língua falada. 40 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Veja uma sugestão de atividade para abordar as diferenças dialetais na língua portuguesa com as Tirinhas do Chico Bento. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula. html?aula=19746. A primeira lição que devemos tirar dessas diferenças é que se elas existem, elas são funcionais, servindo inclusive de manifestação de identidade entre seus usuários. “Compreender a diferença, ser capaz de analisá-la e saber lidar com ela nas relações interpessoais é um grande passo para uma bem-sucedida política de ensino na língua materna” (AZEREDO, 2018, p. 123). Uma pedagogia baseada na depreciação linguística e sociocultural do aprendiz gera insegurança e silêncio. Uma dica de atividade é disponibilizar a notícia de jornal publicada no Diário de Pernambuco em 21 de agosto de 1819 e pedir aos alunos que a analisem e que busquem uma notícia de jornal contemporânea para comparar. Segue notícia: FURTARÃO O ANELÃO No dia 3 do prezente mez, na guarda principal, perdeo-se, ou furtarão do dedo de um dos indivíduos, quando dormia, que estava de guarda no mesmo lugar um anelão de ouro, todo lavrado, e com dous corações unidos dentro do círculo posto no lugar em qáele bota firma: pede se a quem for oferecido que não o compre; pois pretende-se proceder contra a pessoa em cujo se achar. Assegura- se ao Snr. que está de deposse do dito anelão, que se o restituir se lhe guardará segredo da graça, ou antes da fraqueza, em que cahio. A pessoa que trocar o referido anelão nesta Typ. receberá 4$rs de gratificação. FONTE: MARCUSCHI, 2008, p. 52. Essa atividade contribui para a análise de formas linguísticas em desuso, no gênero e estilo jornalístico, além de provar como a língua não é estanque, variando ao longo do tempo, tanto falada como escrita (MARCUSCHI, 2008). 41 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Como vimos, até os anos 1960, as concepções didáticas impunham certa homogeneidade e universalidade no ensino de língua portuguesa, porém isso foi sendo colocado em xeque e desde os últimos 40 anos esforços vêm sendo realizados para uma formação do professor que seja capaz de atuar com um público de tão variada formação linguística e sociocultural. Infelizmente, ainda são tímidos os avanços e temos um longo caminho pela frente (AZEREDO, 2018). No nosso país, encontramos diversas variações linguísticas que refletem as heranças culturais e a identidade do nosso povo. Essas variações, de modo geral, podem ser geográficas (diatópicas) ou sociais (diastráticas). Para Mussalin e Bentes (2006, p. 34): A variação geográfica ou diatópica está relacionada às diferenças linguísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes de origens geográficas distintas. A variação social ou diastrática, por sua vez, relaciona-se a um conjunto de fatores e que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala. A variação geográfica fica evidente quando ouvimos falantes de diferentes regiões do Brasil, por exemplo, um falante gaúcho e um falante da região do Nordeste. Lógico que não podemos generalizar que todos os falantes de uma região falam igual, mas com o intuito de ilustrar e situar geograficamente, estamos fazendo-o. Assim, para exemplificar, ainda podemos pensar no substantivo aipim, como é conhecido em algumas regiões do Sul do Brasil, macaxeira, no Nordeste, e temos ainda mandioca, em regiões do Sudeste. 1 Como exercício de conscientização, que tal buscar alguns exemplos da variedade linguística no Brasil? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. 42 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Além disso, fatores individuais são responsáveis pela diversidade da língua, assim, temos que pensar em aspectos sociais, como os fatores de classe social, idade e gênero como determinantes no processo da fala. Por isso, a sociolinguística tem papel tão importante no entendimento desse fenômeno linguístico que é a nossa fala. Então, se formos pensar na quantidade de pessoas e no tamanho do Brasil, é completamente normal que exista grande variação linguística. Pensar em um monolinguismo é um dos mitos mais graves do preconceito linguístico, como já apontou Bagno (2015). 1 Vamos pensar um pouco sobre a variação diafásica. Leia o texto a seguir: Gerente – Boa tarde. Em que eu posso ajudá-lo? Cliente – Estou interessado em financiamento para compra de veículo. Gerente – Nós dispomos de várias modalidades de crédito. O senhor é nosso cliente? Cliente – Sou Júlio César Fontoura, também sou funcionário do banco. Gerente – Julinho, é você, cara? Aqui é a Helena! Cê tá em Brasília? Pensei que você inda tivesse na agência de Uberlândia! Passa aqui pra gente conversar com calma. FONTE: BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna. São Paulo: Parábola, 2004. Na representação escrita da conversa telefônica entre a gerente do banco e o cliente, observa-se que a maneira de falar da gerente foi alterada de repente devido: a) À adequação de sua fala à conversa com um amigo, caracterizada pela informalidade. b) À iniciativa do cliente em se apresentar como funcionário do banco. c) Ao fato de ambos terem nascido em Uberlândia (Minas Gerais). d) À intimidade forçada pelo cliente ao fornecer seu nome completo.e) Ao seu interesse profissional em financiar o veículo de Júlio. FONTE: <http://portodalinguagem.com.br/questao-comentada- enem-usos-da-lingua-e-variacao-linguistica/>. Acesso em: 22 jan. 2020. 43 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Tratar das diferentes variações linguísticas em sala de aula pode ser mais rico a partir da linguagem do cinema ou das telenovelas, por exemplo, em que percebemos os diferentes modos de falar dos personagens. Essa fala também pode ser exagerada a fim de ridiculizar o personagem, como no caso de pessoas com pouca instrução ou de regiões onde o sotaque é mais carregado. Nesse sentido, cabe o trabalho de mostrar igualmente que a norma padrão tem sua importância, assim como as variações não padrão. Portanto, o conhecimento das diversas variantes linguísticas deve ser abordado para vencer o preconceito linguístico. Quantas línguas são faladas no Brasil? Essa é uma pergunta levantada no livro A língua de Eulália. Se você ainda não leu, leia! É uma novela com diálogos informativos sobre sociolinguística. BAGNO, M. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 16. ed. São Paulo: Contexto, 2008. Somando-se à discussão, não falamos tal como escrevemos, tampouco escrevemos como falamos. A crença de que a escrita é para textos mais formais e a fala necessariamente é mais coloquial também é um mito que já superamos, certo? Entretanto, a falta de consciência de alguns docentes de língua materna, sobre as especificidades da fala em contraposição à escrita, acarreta maiores dificuldades (SIMIONATO, 2012). Vejamos uma situação para ilustrar. Consideremos o contexto de uma criança analfabeta, usuária do dialeto não padrão no estilo coloquial. Na escola, ao ser alfabetizada, ela deverá redigir textos no dialeto padrão e em estilo formal. Para o caso dessa criança, aprender a escrita significará dominar outro dialeto, outro estilo, outra modalidade. Situação diferente do que para uma criança que já domina o dialeto padrão (SIMIONATO, 2012). Diante dessas diferenças e das dificuldades que ocorrem no processo de ensino de língua materna, nos deteremos em alguns traços linguísticos de tais diferenças. Vejamos o exemplo de um fragmento de redação no qual podemos perceber os desvios da ortografia oficial decorrentes da diferença de estilo (SIMIONATO, 2012). 44 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 1 Os leões são mais ‘caumos’ é que geralmente estão ‘dano’ crias. (MLR, redação de 5ª série). 2 Eu também acho mesmo eles sendo bem tratados eles devem viver muito ‘triste’, pois eles ‘vivem preso’. (CPO, redação de 5ª série). 3 Eles têm uma boca grande que dá para comer a carne inteira. (MF, redação de 5ª série). Há a presença de processos fonológicos que indicam estilo coloquial: o uso ‘dano’ em lugar de ‘dando’. No nível morfossintático, o uso de ‘triste’ em vez de tristes. A escolha lexical, levando a inserção de expressões populares, é outro indicador; o uso de ‘que dá para comer’ em vez de ‘capaz de comer’. Vejamos agora um fragmento em que os erros decorrem apenas de diferenças relativas à modalidade. No Zoológico de Belo Horizonte a última vez que eu fui lá tinha 2 leões machos e 2 fêmeas e 3 filhos. Eu também acho mesmo eles sendo bem tratados eles devem viver muito triste pois eles vivem preso [...] em um livro que eu tenho mostra em uma figura que tem o título de História da Humanidade mostra os homens das cavernas matando os leões com lanças. (CPO, redação de 5ª série). a) A presença de uma construção de tópico ‘a última vez’ em vez de ‘na última vez’ resulta da transposição para a escrita de recursos normais e adequados à fala. b) A retomada do cenário através do item ‘lá’, que seria útil na fala para recompor a sentença, torna-se uma redundância na escrita, já que os sinais gráficos, diferentemente dos sons, são perenes e, por isso, permitem a releitura e a recomposição. c) Outra retomada com o mesmo objetivo é a dos itens ‘eles’ e ‘mostra’. Veja que uma vírgula poderia sinalizar adequadamente as respectivas sentenças. FONTE: SIMIONATO, M. M. Teoria e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. Sistema Universidade Aberta do Brasil. Universidade Estadual do Centro-Oeste. Guarapuava: Unicentro, 2012. 45 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Por esse caminho, pensar no ensino baseado apenas na gramática, em regras e nomenclaturas, acaba por distanciar o ensino de língua portuguesa dos seus falantes. “O que a escola ensina não é a língua, mas a nomenclatura. As aulas de Língua Portuguesa costumam se caracterizar por ensinar o nome das coisas” (TERRA, 2008, p. 79). Esse ensino não reflete a riqueza e o dinamismo da língua. Nesse sentido, “a gramática normativa apresenta características semelhantes aos códigos de natureza ética ou moral, que nos impõem o que devemos ou não fazer, o que é permitido e o que é proibido” (TERRA, 2008, p. 53). Com isso, os alunos acreditam que jamais chegarão à fluência dessa língua. Não basta decorar um monte de regras e aprender práticas linguísticas que parecem mais de um idioma estrangeiro apenas para fazer a prova da disciplina. Muitas dessas regras não serão usadas pelos alunos. Por conseguinte, o que seria o mais importante, o uso social e a funcionalidade da língua, muitas vezes acaba não sendo uma finalidade do ensino. 1 Neste momento da nossa reflexão, gostaríamos que você, caro acadêmico, voltasse na BNCC e pesquisasse a postura do documento sobre as variedades linguísticas. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. Além do ensino descontextualizado de um monte de regras causar antipatia pela língua, não representa o modo como os falantes se expressam em sua maioria. “Dado o caráter estático da norma e o caráter dinâmico da fala, a distância entre ambas é em cada momento maior. A fala, por ser a realização concreta da língua, representando sua diversidade, evolui a cada instante, acompanhando as transformações da sociedade” (TERRA, 2008, p. 59). 46 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa No entanto, o que acontece muitas vezes é uma visão deturpada da escola em relação às variações linguísticas. Conforme sugere Bagno (2008, p. 16): É preciso evitar a prática distorcida de apresentar a variação como se ela existisse apenas nos meios rurais ou menos escolarizados, como se também não houvesse variação (e mudança) linguística entre os falantes urbanos, socialmente prestigiados e altamente escolarizados, inclusive nos gêneros escritos mais monitorados. Assim, precisamos vencer a intolerância que se apresenta nas aulas de português em relação a certas variações e em favor de outras. É imprescindível que os docentes tenham conhecimento de Linguística e Sociolinguística para não desprestigiar as variedades linguísticas que vão encontrar em sala de aula, saber reconhecer e valorizar essa diversidade linguística – o que também refletirá no aluno, que não se sentirá linguisticamente inferior. Essa mudança de concepção começa quando deixamos de ver a gramática como sagrada e olhamos para os sujeitos como praticantes da língua portuguesa. A escola é uma das entidades mais influentes na formação de uma pessoa, por isso o preconceito linguístico em sala de aula deve ser trabalhado a fim de conscientizar a todos que a língua está em constante mudança e buscar o desenvolvimento eficaz do uso da linguagem de acordo com as necessidades do ambientesocial. Nesse sentido, Bagno (2008, p. 16) defende que: Todos os aprendizes devem ter acesso às variedades linguísticas urbanas de prestígio, não porque sejam as únicas formas “certas” de falar e de escrever, mas porque constituem, com outros bens sociais, um direito do cidadão, de modo que ele possa se inserir plenamente na vida urbana contemporânea, ter acesso aos bens culturais mais valorizados e dispor dos mesmos recursos de expressão verbal (oral e escrita) dos membros das elites socioculturais e socioeconômicas. Reforçamos que todos têm o direito de aprender a norma padrão, mas também de ter sua variedade linguística respeitada. Para Bagno (2015, p. 80), inclusive, “seria mais justo e democrático explicar ao aluno que ele pode dizer ‘bulacha’ ou ‘bolacha’, mas que só pode escrever bolacha, porque é necessária uma ortografia única para toda a língua, para que todos possam ler e compreender o que está escrito”. Obviamente que se deve ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não podemos fazer isso criando uma língua falada “artificial”, reprovando as pronúncias das variedades do português no Brasil (BAGNO, 2015). Uma tarefa para o ensino de língua na escola é discutir os “valores sociais atribuídos a cada variante linguística”, chamando a atenção para a discriminação que existe a certas variantes e com isso conscientizar o aluno de que a produção escrita ou oral estará sempre sujeita a uma avaliação social. 47 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 O professor pode explicar, com base em teorias linguísticas conscientes, o funcionamento de formas linguísticas não padrão, mostrando as regras gramaticais que as organizam, provando que essas variedades também seguem uma lógica. Também é possível, por exemplo, mostrar formas não padrão na produção escrita dos alunos e pedir que eles traduzam para a norma padrão. Com isso geramos consciência e conhecimento de que outras opções são possíveis. Conforme Gagné (2002 apud BAGNO, 2002, p. 77): Não se poderá fazer a exigência de que tais formas sejam empregadas em todo lugar e a toda hora, seja em casa, na rua ou em aula. A escola deve respeitar a autonomia e a liberdade individual da escolha dos elementos linguísticos a utilizar em função dos parâmetros funcionais e situacionais da comunicação. Este respeito é necessário para favorecer na criança a utilização espontânea e então necessariamente voluntária dos elementos linguísticos conformes ao código apropriado em função das situações de comunicação e dos objetivos perseguidos. Nesse caminho, gostaríamos de compartilhar com você, caro acadêmico, os atos que Bagno (2015) sugere para subvertermos o preconceito linguístico. Primeiro, formando-nos e informando-nos. Segundo, fazendo uma crítica ativa de nossa prática diária em sala de aula. Terceiro, mesmo diante das cobranças, da escola e dos pais, mostrar que as ciências todas evoluem, inclusive a ciência da linguagem. Quarto, assumir uma nova postura, a partir das dez cisões descritas a seguir: 1. Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua, por isso ele sabe essa língua. 2. Aceitar a ideia de que não existe erro de português, existem diferenças de uso. 3. Não confundir erro de português com simples ortografia (ortografia é artificial/ a língua é natural). 4. Reconhecer que tudo o que a gramática tradicional chama de erro é, na verdade, um fenômeno que tem explicação científica. 5. Conscientizar-se de que toda língua muda e varia. 6. Dar-se conta de que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal. Ela simplesmente vai/evolui. 7. Respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a respeitá-la como ser humano. 8. A língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos. Nós somos a língua que falamos. 9. Se a língua está em tudo, o professor de português é o professor de tudo. 10. Ensinar bem é ensinar para o bem. É acrescentar e não suprimir (BAGNO, 2015, p. 199-202). 48 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Para se aprofundar mais nesses atos para um ensino de língua portuguesa não (ou menos) preconceituoso, leia: BAGNO. M. Preconceito linguístico. São Paulo: Parábola, 2015. Todos têm o direito de aprender a norma padrão, mas também de se sentir valorizados, de sentir que o modo deles de falar, que aprenderam na família e comunidade, é tão legítimo como os demais. 4.2 A LÍNGUA ESCRITA E O ENSINO Na seção anterior, tratamos do texto falado e observamos algumas questões relacionadas. Agora, abordaremos o texto escrito, algumas de suas características, mas sem esquecermos da modalidade falada. Como vimos, a modalidade escrita da língua pode apresentar características distintas da modalidade falada, e costuma vir com uma aura de prestígio maior, porém, nem por isso o ensino de língua escrita está envolto em menos polêmicas. Podemos partir da observação inicial de que o texto escrito é considerado por algumas comunidades mais importante do que o texto oral. A escrita é, sem dúvidas, um bem inestimável para as sociedades, para o avanço do conhecimento e sua propagação. Ela serve de registro permanente, utilizada para a transmissão da cultura e de saberes. Não podemos negar sua importância, porém é equivocado considerar a escrita superior à fala ou vice-versa. Elas são diferentes, assim, se formos compará-las temos que ter em mente qual aspecto estamos confrontando. Se formos pensar historicamente, a relação da sociedade com uma ou outra variou ao longo dos anos. O que podemos afirmar sem controvérsias é que, cronologicamente, a fala veio antes da escrita, mas isso não a coloca em posição de supremacia sobre o registro escrito. A supervalorização da escrita leva à supremacia dos grupos que a dominam, ou seja, ela pode se apresentar como uma forma de dominação e exclusão social, assumindo um papel privilegiado na sociedade. Precisamos pensar que não existem “sociedades letradas”, mas grupos letrados, pois as sociedades não são homogêneas (MARCUSCHI, 2010). 49 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 A crença de que o texto escrito é formal e o texto falado informal também não é totalmente verdade. A caracterização do texto em formal ou informal dependerá das escolhas de produção que fazemos ao elaborar o discurso e da situação que a envolve. Cada situação de interação é uma nova oportunidade de uso da língua com suas particularidades, afinal ela é um fenômeno sociocultural. A fala em seu uso cotidiano é mais livre e espontânea, porém também pode ser controlada e formal para um ministrante de palestra, por exemplo. Assim como a escrita, que costuma ser mais formal em ambientes acadêmicos e profissionais, pode ser mais independente em um e-mail para um amigo, por exemplo. Inclusive, podemos considerar que no cotidiano da maioria das pessoas o uso informal da escrita é superior ao formal. 1 Como estamos vendo, não podemos generalizar que a escrita é formal e a fala informal, certo? Pense em outros exemplos que comprovem que essa afirmação não é verdadeira. Considere o texto escrito e o texto falado. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________. Seguiremos nossa reflexão com outro tabu já conhecido dos professores de língua materna: “que importância tem o conhecimento gramatical na leitura e comentário do texto?” (AZEREDO, 2018, p. 17). Vejamos o trecho a seguir: O ensino tradicional de língua portuguesa investiu, erroneamente, no conhecimentoda descrição da língua supondo que a partir deste conhecimento cada um de nós melhoraria seu desempenho no uso da língua. Na verdade, a escola agiu mais ou menos como se para aprender a usar um interruptor ou uma tomada elétrica fosse necessário saber como a força da água se transforma em energia e esta em claridade na lâmpada que acendemos. Obviamente, há espaço para saber estas coisas todas e há aqueles que a elas se 50 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa dedicaram e as sabem. Se precisar de uma informação, posso consultá-los, mas o número de conhecimentos disponíveis na humanidade é imenso e muitas das tecnologias de que dispomos hoje nós sabemos usar, embora não saibamos como elas se produziram nem saibamos explicá-las. Ninguém mais é capaz de dominar o conhecimento global disponível, mas também não temos com as coisas uma relação mágica: sabemos que as coisas podem ser explicadas ou poderão ser explicadas um dia (há muito a saber sobre o mundo). Cada um de nós, em sua área profissional, tem conhecimentos e pode transmiti-los a outros, mas nenhum de nós imagina que todos queiram saber os conhecimentos que caracterizam a nossa profissão. É preciso saber usar eficientemente, e os conhecimentos suficientes para tanto lhe bastam. Ninguém precisa tornar-se especialista em tudo (GERALDI, 1996, p. 71). A partir dessa tese, podemos dizer que a análise gramatical é inútil ou desnecessária como estratégia de ensino. Ter o domínio teórico e analítico das coisas não nos dá um melhor proveito funcional. As pessoas aprendem a se comunicar sem jamais diferenciar como as palavras se combinam. Aprender a nomenclatura gramatical e os procedimentos de análise morfológica e sintática não é pré-requisito para um uso eficiente da língua. Assim como usar um interruptor de luz não exige conhecimento técnico, fazendo referência ao texto de Azeredo (2018). A comunicação entre as pessoas não é um ato mecânico, além disso: Muitos linguistas e educadores compartilham a tese de que a aprendizagem e a prática da análise gramatical não têm qualquer influência na ampliação e aperfeiçoamento da competência linguística do estudante; eles argumentam que a leitura e a escrita são habilidades que se adquirem sem necessidade de teorização, simplesmente com a prática (AZEREDO, 2018, p. 19). Somamos à discussão a questão de que o ensino de gramática normativa contribui para o mito de que português é difícil. Como declara Bagno (2015), essa afirmação é preconceituosa e fruto de um ensino que sempre se baseou na norma gramatical literária, que não corresponde à língua que usamos. Aprender a gramática não é fácil, mas conhecer a língua portuguesa para se comunicar todos conseguem. “O que existe, de um lado, em termos de representação ou imaginário linguístico, é uma norma padrão ideal, inatingível, e do outro lado, em termos de realidade linguística e social, a massa de variedades reais, concretas, como se encontram na sociedade” (BAGNO, 2004, p. 161). É comprovado que uma criança de sete anos já domina perfeitamente as regras gramaticais da sua língua materna. Ela é capaz de se comunicar com 51 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 eficiência, narrar fatos, se exprimir, demonstrar afetividade. O que ela não domina são irregularidades no uso das regras, algumas sofisticações que só com a leitura e o estudo virão (BAGNO, 2015). Por esse caminho, podemos dizer que os falantes possuem uma gramática internalizada, essa aprendida por todo falante pela experiência nas mais diversas situações comunicativas. Então esse conhecimento contrasta com um conjunto de regras gramaticais que devem ser decoradas e que ninguém usa. Por exemplo, um caso típico de ensino tradicional de regência verbal: a professora pode pedir ao aluno para copiar quinhentas vezes a frase “assisti ao filme”. Quando o aluno sair da sala de aula e conversar com o coleguinha, ele vai dizer “assisti o filme novo do Coringa”. Isso acontece porque a nossa gramática não sente a necessidade daquela preposição “a”, exigida pela literatura clássica, cem anos atrás (BAGNO, 2015). A imposição árdua dessa gramática sem justificativa na gramática intuitiva do falante também pode levar a outro extremo, como no caso das pessoas que usam indiscriminadamente a preposição “a” depois do verbo assistir, tão cobrado nas salas de aulas, porém essa cobrança leva a uma neurose extrema que o sujeito acaba colocando a preposição até quando não devia. Um exemplo é o caso de “o jogo foi assistido”. Como o verbo assistir pede uma preposição, ele não é transitivo direto, entretanto, segundo a gramática tradicional, só verbos transitivos diretos podem assumir a voz passiva. Assim, quem escreve “assisti ao jogo”, não poderia escrever “o jogo foi assistido”, mas isso acontece com frequência, basta ler alguns jornais (BAGNO, 2015). Segundo Sírio Possenti, em Por que (não) ensinar gramática na escola (1996), a regência de “assistir a” é um arcaísmo, uma forma sintática que já caiu em desuso, e continua sendo cobrada nas escolas pelo ensino tradicionalista, que se recusa a admitir a extinção desse e de outros muitos dinossauros linguísticos (BAGNO, 2015). Por essa e outras razões, Bagno (2015, p. 61) afirma que “tantas pessoas terminam seus estudos, depois de onze ou doze anos de Ensino Fundamental e Médio, sentindo-se incompetentes para redigir o que quer que seja”. No fundo, o mito de que “português é muito difícil” é mais um dos instrumentos de manutenção do status quo das classes sociais privilegiadas. Assim como da confusão gerada 52 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa na escola entre a língua propriamente dita e a codificação tradicional da língua, pois para a gramática normativa, saber português “é saber o que é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo ou saber distinguir um complemento nominal de um adjunto adnominal” (BAGNO, 2015, p. 63). O livro O texto na sala de aula traz reflexões de especialistas da USP, UNICAMP e Universidade Federal de Sergipe sobre fundamentos, práticas sobre leitura e produção de textos na sala de aula. Veja também: GERALDI, J. W. O texto na sala de aula: leitura & produção. 2. ed. Cascavel: Assoeste, 1984. Pareceu exagerado? Um exemplo menos intrincado, mas nem por isso menos triste, são as páginas e páginas que os alunos têm de conjugação verbal em todos os tempos e modos, sem que o aluno saiba de fato o que significa indicativo, subjuntivo ou mais-que-perfeito (GERALDI, 2006). A partir dessas constatações, podemos dizer que a maior parte do esforço gasto pelos professores e alunos serve para aprender a metalinguagem de análise da língua. Nesse contexto, chamamos a atenção que uma coisa é saber a língua, dominar as habilidades de uso da língua em situações de interação, outra coisa é analisar a língua dominando conceitos e metalinguagens, a partir dos quais se fala sobre a língua (GERALDI, 2006). Entre esses dois tipos de atividades, tradicionalmente prevaleceu o ensino da descrição linguística. Com isso, se aprende a exemplificar descrições previamente feitas pela gramática. Mais modernamente, essas descrições tradicionais foram substituídas pela descrição da teoria da comunicação, assim, agora, o aluno sabe o que é um emissor, receptor etc. Apenas se substituiu uma metalinguagem por outra (GERALDI, 2006). Essa é uma visão empobrecida da língua, reduzida a nomenclaturas confusas e exercícios mecânicos, práticas que se mostram inúteis no que se refere a munir o usuário da língua dos muitos recursos que o português oferece (BAGNO, 2015). 53 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Outro ponto que exige nossa reflexão, caro acadêmico, é o seguinte quadro: o fato de que a escrita deve seguir apenas uma das variações da língua portuguesa, a normaconsiderada padrão; adicionado à questão de que a língua escrita é adquirida através dos meios formais, a escola, com isso apresenta um caráter de prestígio e, de certo modo, uma orientação para a cultura dominante. Isso reflete em rejeição por parte de muitos alunos, causando relutância no que se refere à educação em geral e à cultura dominante (STUBBS, 2002). Assim, a adoção da gramática padrão pode ser considerada como um sintoma de que a escola pouco se importa com a análise da língua, mas, antes, transmitir uma ideologia linguística. Se consideramos as gramáticas arcaicas com definição de língua extremamente limitada, distante da experiência de vida dos alunos, mais do que ensinar língua, o que elas conseguem é aprofundar a consciência da própria incompetência, por arte dos alunos. Resulta disso o aumento do silêncio dos estudantes, pois na escola não conseguem aprender a variedade que é ensinada e ainda existe o preconceito que os impede de falar a sua variedade (GERALDI, 2006). Para finalizarmos, cabe a reflexão de que cada contexto de uso da escrita exige dela um papel diferente, fazendo surgir os gêneros textuais e as formas comunicativas. Afinal de contas, se a escrita é utilizada em diferentes contextos, trabalho, família, escola etc., ela terá papéis diferenciados, como sua própria elaboração se mostra de forma diferenciada. A competência comunicativa escrita envolve as habilidades de domínio da ortografia e regras gramaticais, e depende de outras condições, como o domínio discursivo (MARCUSCHI, 2008). Por isso, dedicaremos o próximo capítulo do livro para conversarmos sobre essas questões, abordando especificamente os gêneros textuais. 1 Agora que você já leu todo o primeiro capítulo desse livro, reflita sobre a seguinte tirinha. FONTE: <http://www.facom.ufu.br/~michele/LC/Linguagem%20Coloquial%20 e%20Culta%20-%20Aula%2008.pdf>. Acesso em: 30 out. 2019. 54 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa R.: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ________________________________________. 2 A seguir você encontrará um depoimento cheio de marcas da oralidade, supostamente falado por um malandro carioca, publicado no Correio da Manhã (Rio de Janeiro, 1979). Leia com atenção: — Seu doutor, o patuá é o seguinte: depois de um gelo da coitadinha resolvi esquiar e caçar uma outra cabrocha que preparasse a marmita e amarrotasse o meu linho de sabão. Quando bordejava pelas vias, abasteci a caveira, e troquei por centavos um embrulhador. Quando então vi as novas do embrulhador, plantado como um poste bem na quebrada da rua, veio uma paraqueda se abrindo. Eu dei a dica, ela bolou. Eu fiz a pista, colei. Solei, ela bronquiou. Eu chutei. Bronquiou mas foi na despistas porque, muito vivaldino, tinha se adernado e visto que o cargueiro estava lhe comboiando. Morando na jogada, o Zezinho aqui, ficou ao largo e viu quando o cargueiro jogou a amarração dando a maior sugesta na recortada. Manobrei e procurei engrupir o pagante, mas sem esperar recebi um cataplum no pé do ouvido. Aí, dei-lhe um bico com o pisante na altura da dobradiça, uma muquecada nos amortecedores e taquei os dois pés na caixa da mudança, pondo por terra. Ele se coçou, sacou a máquina e queimou duas espoletas. Papai muito rápido, virou pulga e fez a Dunquerque, pois vermelho não combinava com a cor do meu linho. Durante o boogie, uns e outros me disseram que o sueco era tira e que iria me fechar o paletó. Não tenho vocação pra presunto e corri. Peguei uma borracha grande e saltei no fim do carretel, bem vazio, da Lapa, precisamente às quinze para a cor de rosa. Como desde a matina não tinha engulido gordura, o ronco do meu pandeiro estava me sugerindo sarro. Entrei no china pau e pedi um boi à Mossoró com confeti de casamento e una barriguda bem morta. Engolia a gororoba e como o meu era nenhum, pedi ao caixa pra bota no pindura que depois eu ia esquentar aquela fria. la me pirá quando o sueco apareceu. Dizendo que eu era produto do mangue, foi direto ao médico legal pra me esculachar. Eu sou preto mas não sou o Gato Félix, me queimei e puxei a solingem. Fiz uma avenida na epiderme do moço. Ele virou logo América. Aproveitei a confusão pra me pirá, mas um dedo duro me apontou aos xipófagos e por isto estou aqui. Fonte: Marcuschi (2010). 55 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Sentiu dificuldades em compreender o texto? Realmente o texto pode ser difícil para quem não domina esse dialeto, não é dessa época ou dessa região. Ele apresenta uma das grandes diferenças entre a fala e a escrita: o léxico mais informal. Para facilitar a compreensão, pesquise as palavras e expressões que você não conhece. Depois reescreva o texto com base na sua pesquisa, aproximando esse depoimento da língua padrão. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ____________________________________________________ . 56 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Chegamos ao final do primeiro capítulo do nosso livro Metodologia do ensino de língua portuguesa. Nele você refletiu sobre algumas questões fundamentais para o seu exercício como docente de língua portuguesa. Iniciamos nossa conversa com um pouquinho de história para relembrarmos toda a complexidade que envolve o ensino desta disciplina no Brasil e os impactos dos estudos linguísticos. Para que possamos ser profissionais nessa área, acreditamos ser importante conhecermos um pouco das origens de nossa disciplina. Na sequência, nos aprofundamos na dicotomia entre língua falada e língua escrita. Vimos vários pontos que, com base em características linguísticas e de uso, nos fizeram perceber que fala e escrita estão mais próximas do que postulavam os estudos que pregam a divisão dicotômica. Não existe fronteira clara entre uma ou outra, mas uma relação de gradação. Assim, conscientes de que entre as modalidades falada e escrita da língua não existe dicotomia, mas uma relação de contínuo, seguimos a conversa defendendo uma concepção interativa de linguagem, de valorização do sujeito do discurso e da heterogeneidade linguística dos alunos. Afinal, pensar o ensino de língua portuguesa envolve como concebemos o sujeito e a língua. Reforçamos que o modo de falar do nosso aluno representa sua identidade, de onde ele vem, sua cultura e por isso a escola não pode simplesmente discriminar sua variação linguística. O aluno não deve se sentir linguisticamente inferior. Ao encontro dessa visão, nosso objetivo é mostrarcomo a língua portuguesa é rica, com usos variados que cumprem a função comunicativa. Com isso não queremos dizer que vale tudo na língua, mas que as práticas discursivas em suas variedades também possuem um sistema de regras e de modo algum queremos abolir o ensino da norma culta. Nessa direção, acreditamos que o sujeito visto em sua completude não pode ser submetido a uma educação tradicional que não o valoriza. Assim como o aluno se adapta à escola, a escola também deve respeitar o sujeito aluno e a sua identidade, ou seja, a escola deve respeitar a variação linguística do aluno, mas também ensinar a língua padrão. A escola não ensina o aluno a falar, pois ele já vem com a sua língua, mas deve mostrar as diferentes variedades e usos da língua de acordo com a situação concreta de comunicação e seus respectivos interlocutores. 57 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Vimos que o ensino estruturalista baseado em gramáticas normativas foi questionado nas últimas décadas, pois não dava conta da heterogeneidade dos sujeitos. Contudo, com algumas exceções, o ensino de língua portuguesa não sofreu grandes transformações. Assim, temos um longo caminho pela frente rumo a uma educação emancipatória. Vislumbramos o ensino em uma perspectiva que permita ao sujeito refletir sobre si mesmo, sobre o seu contexto e incidir criticamente sobre ele, contribuindo para a transformação da sua realidade. Com isso, falamos em práticas pedagógicas que instrumentalizem o sujeito para a participação efetiva e autônoma na sociedade, desse modo, o ensino de língua portuguesa que concebe a língua como forma de interação exige uma metodologia do ensino renovadora. 58 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa REFERÊNCIAS AZEREDO, J. C. A linguística, o texto e o ensino da língua. São Paulo: Parábola, 2018. BAGNO, M. Preconceito linguístico. 56. ed. São Paulo: Parábola, 2015. BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz? São Paulo: Loyola, 2008. BAGNO, M. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2004. BAGNO, M. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In: BAGNO, M.; GAGNÉ, G.; STUBBS, M. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola: 2002. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1990. BATISTA, A. A. G. Aula de Português. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_ EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 1º nov. 2019. BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa: 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Decreto nº 79.298, de 24 de fevereiro de 1977. Altera o Decreto nº 68.908, de 13 de julho de 1971, e dá outras providências. CAMPOS, R. F. Do professor reflexivo ao professor competente: os caminhos da reforma da formação de professores no Brasil. In: MORAES, M. C.; PACHECO, J. A.; EVANGELISTA, O. (Org.). Formação de professores: perspectivas educacionais e curriculares. Portugal: Porto Editora, 2003. FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. FREITAS, H. C. L. de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate 59 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 entre projetos de formação. Educação & Sociedade, Revista Quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Campinas n. 80, v. 23, número especial, set. 2002. GERALDI, J. W. O texto na sala de aula: leitura e produção. 4. ed. São Paulo: Ática. 2006. GERALDI, J. W. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mercado de Letras, ALB, 1996. ILARI, R. Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna. Museu da língua portuguesa. Estação da Luz. s.d. Disponível em: http:// museudalinguaportuguesa.org.br/wp-content/uploads/2017/09/ENSINO-COMO- LINGUA-MATERNA.pdf. Acesso em: 22 out. 2019. KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997. LIMA, V. C. As marcas da oralidade na produção escrita do aluno. [s.d.]. Disponível em: https://www.filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF%2016. html. Acesso em: 30 out. 2019. LOPES, F. L. A política linguística na América Latina colonial e as línguas gerais. Actas del VIII Congreso de Linguística General, Madrid, 25-28 de junio de 2008. p. 1134-1141. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2010. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Contexto, 2006. SIMIONATO, M. M. Teoria e metodologia do ensino da Língua Portuguesa. Sistema Universidade Aberta do Brasil. Universidade Estadual do Centro-Oeste. Guarapuava: Unicentro, 2012. SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (org). Linguística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002. 60 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 2001. STUBBS, M. A língua na educação. In: BAGNO, M.; STUBBS, M.; GAGNÉ, G. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002. TERRA, E. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 2008. CAPÍTULO 2 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Analisar diferentes situações de comunicação. � Identificar gêneros e tipos textuais. � Reconhecer a importância dos gêneros textuais no ensino de língua portuguesa. � Elaborar práticas de ensino de língua portuguesa usando gêneros textuais. 62 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 63 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Como já conversamos no primeiro capítulo, adotamos uma perspectiva sociointeracionista da linguagem. O ensino de língua portuguesa nessa visão implica contribuir para ampliar a competência comunicativa dos nossos alunos. Para que eles atinjam a autonomia de linguagem que desejamos, devemos ter clareza sobre a nossa visão e postura com relação ao processo de ensino, a fim de facilitar as escolhas metodológicas, assim como conhecer certos conceitos e encaminhamentos. Neste capítulo, nos dedicaremos especificamente ao texto, destacando sua importância no processo de ensino e aprendizagem. Assim, citaremos os fatores de textualidade, o trabalho com gêneros textuais e alguns aspectos da produção textual. Os fatores de textualidade são um conjunto de características percebidas no texto que fazem com ele seja compreendido pelos interlocutores, ou seja, o sentido do texto se encontra na interação entre interlocutor, texto e autor. Esses fatores são básicos na compreensão e produção textual, mas também para o trabalho de correção e análise textual que o professor realiza. Como professor de língua portuguesa, o trabalho de correção das produções textuais dos alunos pode ser um momento de frustração, pois um dos grandes problemas que enfrentamos é a dificuldade que os alunos sentem em produzir textos no contexto de ensino. O que é necessário para que nossos alunos escrevam com qualidade? Tentaremos elucidar essa questão ao longo da nossa conversa. Boa leitura! 2 NOÇÃO DE TEXTO E TEXTUALIZAÇÃO Somos seres sociais, vivemos em comunidades, logo, estamos nos comunicando o tempo todo etal prática se dá por meio de textos. Esse processo de interação pode ocorrer por meio da linguagem oral ou escrita, quando nos munimos de todos os nossos conhecimentos linguísticos para a compreensão e produção textual. O que entendemos por texto? Veremos que texto é qualquer unidade de linguagem dotada de sentidos e com função comunicativa, considerando as especificidades de uso, época e aspectos culturais envolvidos no processo de 64 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa enunciação. Nos deteremos um pouco sobre essa entidade comunicativa, pois a reflexão acerca dos textos oral e escrito é extremamente relevante para que possamos tratar da produção textual na perspectiva sociodiscursiva. 2.1 CONCEITO DE TEXTO A comunicação linguística não acontece em unidades isoladas, como fonemas, morfemas ou palavras soltas, mas em unidades maiores, que são os chamados textos. O texto é o único material linguístico observável, quer dizer, existe aí um fenômeno linguístico de caráter enunciativo “que vai além da frase e constitui uma unidade de sentido. O texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2008, p. 71). Assim, o texto é entendido como um fenômeno e não apenas uma extensão da frase. Conforme Marcuschi (2010), o texto pode ser visto como um tecido estruturado, uma entidade de comunicação e um artefato de comunicação. Ele é um evento comunicativo em que confluem “ações linguísticas, sociais e cognitivas” (MARCUSCHI, 2008, p. 72). Pode-se dizer que ele é um artefato socio-histórico, um evento em forma de linguagem inserida em contextos comunicativos. Assim, em busca de maiores esclarecimentos, podemos dizer que o texto não é simplesmente um somatório de frases e palavras. O texto: É uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão (TRAVAGLIA, 1997, p. 67). Partindo dessas definições, compreendemos o texto como uma enunciação, escrita ou oral. É a Linguística do Texto (doravante LT), surgida na Europa nos meados dos anos 1960, que estuda a produção e a compreensão de textos orais e escritos. A LT transformou o modo de ver o texto partindo da premissa de que a língua não funciona em unidades isoladas, mas, sim, em unidades de sentido chamadas de texto, orais ou escritos. Como aponta Koch (2010, p. 11), o texto passa a ser “considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto”. 65 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Cavalcante (2011) discute que a LT já defendeu várias concepções de texto, das quais se destacam: o Artefato lógico do pensamento; a Decodificação das ideias, em que o texto é considerado fruto de um emissor que codifica a ideia para um receptor que a decodifica, através do domínio do código linguístico; e o Processo de interação, que entende o texto como um evento da interação social, considerando o contexto sociocomunicativo, histórico e cultural dos sujeitos envolvidos na construção dos sentidos. “Sob um ponto de vista mais técnico, a LT pode ser definida como o estudo das operações linguísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção e processamento de textos escritos ou orais em contextos naturais de uso” (MARCUSCHI, 2008, p. 73). Assim, se inicialmente a LT tinha uma análise limitada ao nível da frase, agora, o texto é estudado em uma perspectiva interacional, concebendo língua como interação social em determinado contexto. Como afirmam Fávero e Koch (1988, p. 11) a respeito da LT, “sua hipótese de trabalho consiste em tomar como unidade básica, ou seja, como objeto particular de investigação, não mais a palavra ou a frase, mas sim o texto, por serem os textos a forma de manifestação da linguagem”. A LT contemporânea constitui um marco nas novas vertentes da linguística moderna. Conforme Koch (2014), ela vê o texto como ato de comunicação num complexo universo de ações humanas e em um caráter interdisciplinar. O texto está envolto em vários aspectos multiculturais, envolvendo questões sociais, interacionais e cognitivas. Por ativar várias estratégias e conhecimentos linguísticos e não linguísticos, a LT tem grande importância para o ensino de língua e elaboração dos materiais didáticos que abordem a produção e a compreensão de textos (MARCUSCHI, 2008). Por esse caminho, o texto está construído em uma perspectiva de enunciação. Os processos de enunciação, na visão sociointerativa, não seguem regras fixas, mas se realizam na relação entre os indivíduos e a situação discursiva. Com isso, falantes e escritores devem entender que a produção textual não é uma atividade unilateral, precisamos ter em mente nossos interlocutores quando produzimos os textos. É na interação entre locutor e interlocutor que se dá o sentido do texto, pois 66 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa o sentido não está em si próprio, mas deve ser construído através dos elementos textuais fornecidos pelo locutor, com os conhecimentos do interlocutor (KOCH; ELIAS, 2010). Por isso, produzir um texto não é tão fácil. Ler tampouco é apenas decodificar o código. Esses processos são mais dinâmicos e complexos, envolvem, por exemplo, conhecimentos adquiridos pelo interlocutor, ou seja, os conhecimentos de mundo, como também os conhecimentos linguísticos, de domínio da língua, e interacionais de ambos, que correspondem aos saberes que nos permitem interagir por meio de determinadas formas de comunicação. Por conseguinte, precisamos considerar algumas normas, para que alcancemos a compreensão pretendida. 2.2 OS FATORES DE TEXTUALIDADE Com o aparecimento da LT, as interrogações sobre o texto e o que caracteriza um texto aumentaram. Temos que lembrar que para a LT, um texto pode ser escrito ou oral, logo: Centrar o ensino no texto é ocupar-se com o uso da língua. Trata-se de pensar a relação de ensino como o lugar de práticas de linguagem e a partir delas, com a capacidade de compreendê-las, não para descrevê-las como faz o gramático, mas para aumentar as possibilidades de uso exitoso da língua (GERALDI, 1996, p. 71). Diante disso, para produzir um bom texto, é importante saber utilizar os critérios de textualidade. Os estudiosos Beaugrande e Dressler (1981) apontam sete fatores ou padrões de textualidade: intertextualidade, intencionalidade, situacionalidade, informatividade, aceitabilidade, e destacamos a coesão e a coerência. Cabe lembrar que não podemos tratar esses fatores de forma categórica, pois eles são redundantes e se recobrem, tampouco nossa visão deve privilegiar o código ou a forma. Assim, não podemos ver nesses critérios uma receita de boa formação de texto, uma vez que o texto não se pauta pela formação como a frase, por exemplo. Na nossa compreensão, o texto vai além de um sistema formal, sendo a realização linguística de um evento comunicativo. Segundo Marcuschi (2008), a própria escolha por “critério de textualidade” e não “princípio” deve-se ao fato de não desejarmos que esses aspectos funcionem como leis linguísticas, pois não são exigência para que se tenha um texto. “Eles são muito mais critérios de acesso à construção de sentido do que princípios de boa formação textual” (MARCUSCHI, 2008, p. 97). 67 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Assim, é necessário analisar todos esses fatores que regem a produção textual, vendo o texto como um evento comunicativo que envolve ações linguísticas, sociais e cognitivas.Afinal, o sentido de texto só se completa com a participação do interlocutor (MARCUSCHI, 2008). São os critérios de textualidade os responsáveis pela efetividade do texto. O termo textualização ganhou destaque em oposição às concepções estruturalistas da noção de textualização e nos últimos anos tem ganhado destaque, na concepção de que o sentido não está na materialidade do texto e sim nas condições cognitivas e sociais relacionadas ao evento comunicativo. Desse modo, podemos afirmar que tais fatores acontecem em uma relação imbricada e estreita. Não existe dentro (cotextualidade) ou fora do texto (contextualidade), pois esses critérios não se manifestam nessa perspectiva de observação (MARCUSCHI, 2008). Veremos um esquema dos critérios gerais de textualidade: FIGURA 1 – CRITÉRIOS GERAIS DE TEXTUALIDADE FONTE: Marcuschi (2008, p. 96) 68 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Analisando o esquema, no topo temos os três grandes pilares da textualidade: um produtor (autor), um leitor (receptor) e um texto (o evento). Na sequência, temos dois lados para observar. Primeiro, o acesso cognitivo pelo aspecto linguístico representado pela cotextualidade (superfície do texto), que envolve conhecimentos linguísticos e regras do sistema (MARCUSCHI, 2008). Do outro lado, temos o acesso cognitivo pelo aspecto contextual (situacional, social, histórico, cognitivo, enciclopédico), que exige conhecimentos de mundo e sociointerativos. Na sequência, em terceiro nível, temos os critérios de textualização em dois conjuntos. Lembrando que os critérios de textualização aqui dispostos são contextuais, em uma noção de contexto que não distingue situação física e extratexto versus situação intratextual (MARCUSCHI, 2008). Continuando a conversa, o esquema mostrado propõe os sete critérios de textualidade que abordaremos nos processos de estudo e estruturação do texto. Reforçando que nem todos os critérios têm a mesma relevância, nem se distinguem tão claramente como iremos expô-los. Iniciaremos com os fatores semânticos-formais, o semântico relacionado à coerência, e o formal relacionado à coesão. Na sequência, com os fatores relacionados ao conhecimento de mundo (a informatividade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a intertextualidade e a intencionalidade). Vamos lá! 2.2.1 A coerência textual A coerência diz respeito à estrutura profunda do texto. Para Koch (2001, p. 45), a coerência se refere “ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentido”. Através desses elementos se constitui uma configuração veiculadora de sentidos, por isso, a coerência é fundamental ao texto (KOCH, 2001). Nesse seguimento, “diz- se que um texto é coerente quando há unidade de sentido entre as partes que o constituem. A base da coerência está centrada na continuidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelas expressões do texto” (SANTOS, 2013, p. 93-94). Val (1991, p. 5) acrescenta que a coerência “envolve não só aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende do partilhar de conhecimento entre os interlocutores”. Portanto, a coerência é resultado de uma construção feita pelos interlocutores com atuação integrada de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e interacional, logo, a coerência é ligada à coesão. A coerência existe em um texto quando ele apresenta sentido e enunciados ligados, de modo que proporcionem uma compreensão de modo coerente. 69 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 “Portanto, para haver coerência é preciso que haja a possibilidade de estabelecer no texto alguma forma de unidade ou relação entre seus elementos” (KOCH, 2014, p. 22). Podemos dizer que a coerência não está no texto em si, sendo estabelecida na interação. Quer dizer, o estabelecimento da coerência dependerá não só do texto, mas também do autor e sua capacidade de prever os conhecimentos do interlocutor sobre os processos de textualização, como do interlocutor e sua capacidade de interpretar o texto. Desse modo, a coerência corresponde ao ato de: Construir um texto, capaz de funcionar sociocomunicativamente num contexto específico, uma operação de natureza também lexical e gramatical. Quer dizer, não se pode escolher aleatoriamente as palavras nem arrumá-las de qualquer jeito; nem tampouco optar por qualquer sequência de frases (ANTUNES, 2009, p. 93). Assim, para a produção textual, é necessário conhecimento linguístico tanto do locutor como do interlocutor para a decodificação. Inclusive, mais do que isso, podemos dizer que para produção e leitura de um texto coerente, necessitamos de três tipos de conhecimentos: o conhecimento enciclopédico (memória semântica); o conhecimento linguístico, que abarca o conhecimento lexical e gramatical, responsáveis pela linearidade sequencial e referencial do texto; e o conhecimento sociointeracional, ligado à organização de interação (KOCH, 2014). Com isso, para uma produção textual coerente é preciso dominar regras gramaticais sim, mas o produtor também precisa ter conhecimento de mundo partilhado. Dessa forma, quando um autor produz um texto, ele precisa ter em mente os possíveis destinatários, afinal, ele quer ser compreendido, certo? Como estamos vendo, a coerência envolve vários itens e diferentes formas de construção. Nesse sentido, pensando nas implicações para o processo de ensino-aprendizagem em nossas aulas, é importante que o professor informe aos alunos sobre o gênero a ser trabalhado, afinal essa informação poderá guiar diferentes interpretações. Também é importante trabalhar os conhecimentos de mundo dos alunos relacionados ao tema. Isso pode acontecer com simples perguntas do professor dirigidas à turma antes e depois da leitura do texto. Assim, o professor poderá suprir o conhecimento que falta ou até mesmo propor atividades para isso, como pesquisas sobre o tema. Cabe lembrar que a coerência não está apenas contida no texto, mas se constrói na inter-relação autor-texto-leitor e em fatores linguísticos, cognitivos, pragmáticos, culturais e interacionais. 70 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Ao longo da nossa prática docente, provavelmente encontraremos textos que apresentaram inadequações com relação à coerência. Diante dessa situação, o professor deverá estar atento às chamadas metarregras, ferramentas que auxiliam na análise e avaliação das falhas na coerência de um texto. Segundo Val (1999), as metarregras são: • Continuidade: corresponde à retomada das ideias que acontecem no decorrer de um texto, ou seja, trata-se de processos de referenciação pela retomada de elementos que já apareceram no texto. A continuidade está relacionada com a coesão. • Progressão: consiste no acréscimo de informações novas, fazendo com que o sentido progrida, evolua. O autor precisa mostrar que tem o que dizer e desenvolver o texto com subtemas, mas sempre relacionando-os ao tema central, mantendo a unidade temática. • Não contradição: relaciona-se ao sentido do texto. O texto precisa fazer sentido ao interlocutor para que a comunicação se realize, assim, não deve se contradizer. O texto não pode negar o que acaba de afirmar. • A articulação: se refere a não contradição, pois as informações dentro do texto precisam estar ligadas entre si e fazer sentido. É o modo como o que está sendo dito no texto se relaciona entre si, para isso, às vezes, pode haver a necessidade de conectivos adequados. Esses aspectos podem ser usados para verificar a eficácia comunicativa e auxiliar o professor na avaliação da produção escrita. Podemos concluir que a coerência não é exatamente algo concreto, que pode ser apontado dentro do texto. Ela é subjetiva, vinda de elementos do cotexto e do contexto, além dos elementos linguísticos. Adiante, veremos outros fatores queinterferem na coerência, como: intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, intertextualidade e situacionalidade. Se você deseja se aprofundar no fenômeno da coerência e da coesão, além dos demais aspectos de textualidade, leia o livro: ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 71 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 2.2.2 A coesão textual A coesão textual se refere ao sistema formado por elementos linguísticos recuperáveis no texto que estabelecem uma ligação entre as palavras, frases e períodos. Para Koch (2010), a coesão textual é um sistema formado por elementos linguísticos presentes na superfície do texto, através de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentidos, tanto na modalidade oral como escrita. De acordo com a autora, os fatores de coesão são os mecanismos formais de uma língua, que permitem estabelecer uma ligação entre as palavras, frases e períodos, criando sentido. Como exemplo, podemos citar a “oposição ou contraste (mas); finalidade ou meta (para), consequência (foi assim que); localização temporal (até que); explicação ou justificativa (porque); adição de argumentos ou ideias (e)” (KOCH, 2010, p. 15). Desse modo, a coesão diz respeito à ligação coerente entre palavras e frases, através de recursos conectivos ou referências, para dar sentido global ao texto. Podemos entender como um conector, caso contrário, teríamos apenas um amontoado de palavras e frases. Por outro lado, a coesão explícita não é condição necessária para a textualidade, pois vemos o texto como uma sequência de atos enunciativos e não sequências de frases obrigatoriamente coesas de algum modo. Queremos dizer que um texto precisa ser inteligível, mas não precisa ser coeso para isso. Vejamos um exemplo: Fragmento do texto Menino, de Fernando Sabino (1978). Menino venha pra dentro, olhe o sereno! Vá lavar essa mão. Já escovou os dentes? Tome a bênção a seu pai. Já pra cama! Onde é que aprendeu isso, menino? Coisa mais feia. Tome modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência. De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desça daí, menino! Me prega cada susto... Pare com isso! Jogue isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem lhe ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você. Avise a seu pai que o jantar está na mesa. Você prometeu, tem de 72 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma você está tramando... Não ande descalço, já disse! Vá calçar o sapato. Já tomou o remédio? Tem de comer tudo: você acaba virando um palito. Quantas vezes já lhe disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! Seu pai está dormindo. Pare com essa correria dentro de casa, vá brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Peça licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder a sua irmã? Se não fizer, fica de castigo. Segure o garfo direito. Ponha a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu dou. Depois eu deixo. Depois eu levo. Depois eu conto. [...] FONTE: <http://www.cap2019.uerj.br/docs/cap2009-prova.pdf>. Acesso em: 7 jan. 2020. Como você deve ter observado, o texto é compreensível, mas ele não apresenta coesão, existem várias frases soltas, porém isso não é entrave para a compreensão. O exemplo comprova que a coesão superficial do texto não é fundamental para a textualidade. É o leitor que constrói o sentido. Nesse exemplo, há vários conhecimentos compartilhados entre o autor e os leitores que suprem a ausência de outros elementos, ainda que “para muitos, a coesão é o critério mais importante da textualidade [...] sabe-se que a coesão não é nem necessária nem suficiente, ou seja, sua presença não garante a textualidade e sua ausência não impede a textualidade” (MARCUSCHI, 2008, p. 104). Desse modo, o sentido aqui é deduzido a partir da coerência. Por outro lado, apenas a coesão também não garante a textualidade, como podemos perceber no exemplo a seguir. João vai à padaria. A padaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os mísseis são caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a Teoria da Relatividade, o espaço é curvo. A geometria riemanniana dá conta desse fenômeno (MARCUSCHI, 2008, p. 107). 73 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Independente de termos nesse exemplo enunciados bem formados com relativo sentido, eles juntos não formam uma unidade significativa. É uma sequência de enunciados com encadeamento entre as frases, porém sem efeito comunicativo. Como aponta Santos (2013, p. 93), “[...] o uso adequado de elementos coesivos atribui ao texto maior legibilidade, mostrando os tipos de relações estabelecidas entre os elementos linguísticos que o compõem”, criando relações coesivas. Para se aprofundar no assunto, uma dica de leitura sobre coesão e coerência é: FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991. Segundo Koch e Vilela (2001), na coesão existem duas modalidades indispensáveis para a produção de um texto, a saber: a coesão referencial (realizada por aspectos mais especificamente semânticos) e a conexão sequencial (realizada mais por elementos conectivos). A coesão referencial é usada em textos para recuperar ou fazer menção a elementos anteriormente mencionados. Assim, a coesão referencial é aquela em que um determinado elemento do texto se refere a outro do mesmo texto, não perdendo a linearidade. Quer dizer, a coesão referencial é “aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual. O primeiro constitui a forma referencial ou remissiva e o segundo é o elemento de referência ou referente textual” (KOCH; VILELA, 2001, p. 474). A coesão referencial pode ser anafórica, que se refere a um signo já expresso, ou catafórica, se vier após a forma referencial. Nesse aspecto, existem três tipos: a) pessoal (pronomes pessoais e possessivos); b) demonstrativa (pronomes demonstrativos e advérbios de lugar); c) comparativa (de modo indireto, através de similares). Para uma visão geral, Marcuschi (2008) propõe o seguinte esquema: 74 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa FIGURA 2 – FORMAS DE COESÃO REFERENCIAL FONTE: Marcuschi (2008, p. 109) Observe as estratégias de organização referencial dentro do texto apontadas na figura, elas se dividem em formas remissivas referenciais e formas remissivas não referenciais. As formas remissivas referenciais dizem respeito ao fato de uma forma remeter a outra e possibilitam indicações de sentido no nível da referência. Essas formas marcam o texto a partir do uso de expressões nominais como: nominalizações, expressões sinônimas ou quase sinônimas, nomes genéricos, hiperônimos, formas referenciais com lexema idêntico ao núcleo do sintagma nominal antecedente, formas referenciais cujo lexema é uma categorização da parte antecedente do texto, formas referenciais metalinguísticas e elipse (KOCH, 2010). As formas remissivas não referenciais se referem a formas que não têm autonomia referencial, ou seja, só se referem concretamente aos artigos e aos pronomes. Segundo Koch (2010, p. 33), elas “não fornecem ao leitor/ouvinte quaisquer instruções de sentido, mas apenas instruções de conexão (por ex., concordância de gênero e número). Tais formas podem correferir, ou seja, estabelecer uma relação de identidade referencial com o elemento remetido e até referir algo por analogia, associação etc. As formas remissivas não referenciais presas, segundo Koch (2010, p. 34), “são as formasque vêm relacionadas a um nome com o qual concordam em gênero e/ou número, antecedendo-o ao(s) possível(eis) modificador(es) de nome dentro do grupo nominal”. Os artigos, os pronomes adjetivos (demonstrativos, 75 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 possessivos, indefinidos, interrogativos) e os numerais cardinais e ordinais são exemplos de formas presas (KOCH, 2010). As formas remissivas não referenciais livres, segundo Koch (2010, p. 34), “são aquelas que não acompanham um nome dentro de um grupo nominal, mas que são utilizadas para fazer remissão, anafórica ou cataforicamente, a um ou mais constituintes do universo textual”. Quer dizer, essas formas assumem o papel de forma referencial. De modo geral, são denominadas de pronomes ou pró-formas. Elementos gramaticais podem assumir a função de formas remissivas não referenciais livres, exercendo a função desses pronomes, a saber: pronomes pessoais de 3ª pessoa: ele, ela, eles, elas; pronomes substantivos; numerais cardinais e ordinais; advérbios pronominais; expressões adverbiais; formas verbais remissivas (KOCH, 2010). A coesão sequencial se refere aos procedimentos linguísticos “por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos e mesmo sequências textuais), diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas, à medida que se faz o texto progredir” (KOCH, 2010, p. 49). Assim, essa coesão diz respeito às questões linguísticas que estão presentes em determinada sequência dentro do texto, e estabelecem relações semânticas, e também às pragmáticas, com o objetivo de possibilitar a progressão textual. A coesão sequencial pode ser parafrástica ou frástica. Vejamos o esquema a seguir para ilustrar melhor: FIGURA 3 – COESÃO SEQUENCIAL FONTE: Marcuschi (2008, p. 118) 76 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Conforme Koch (2010, p. 51), “tem-se coesão sequencial parafrástica quando, na progressão do texto, utilizam-se procedimentos de recorrência”, como: recorrência de conteúdos semânticos – paráfrase (isto é, ou seja, quer dizer, melhor dizendo, em síntese, em resumo,); recorrência de termos (repetição de termos); recorrência de estruturas – paralelismo sintático (mesma estrutura sintática, mas com itens lexicais diferentes); recorrência de recursos fonológicos (igualdade de metro, ritmo, assonâncias, aliterações) e recorrência de tempo e aspecto verbal (com indicação de que se trata da sequência de comentário ou de relato – Era uma vez). Já na coesão sequencial frástica, segundo Koch (2010, p. 55), “a progressão se faz por meio de sucessivos encadeamentos, assinalados por uma série de marcas linguísticas através das quais se estabelecem, entre os enunciados que compõem o texto, determinados tipos de relação”. Desse modo, os mecanismos de sequenciação frástica garantem a manutenção temática, o encadeamento e a progressão. Para se aprofundar nos critérios de coesão e coerência em ambientes escolares, leia: BASTOS, L. K. Coesão e coerência em narrativas escolares. São Paulo: Martins Fontes, 1998. A coesão por encadeamento pode ocorrer por meio de justaposição ou de conexão, sendo que a primeira se dá com ou sem uso de partículas sequenciadoras. Segundo Koch (2010, p. 60), “a justaposição sem partículas, particularmente no texto escrito, extrapola o âmbito da coesão textual [...], diz respeito ao modo como os componentes da superfície textual se encontram conectados entre si através de elementos linguísticos”. Se não tiver tais elementos, o leitor deverá construir a coerência do texto. “Nesses casos, o lugar do conector ou partícula é marcado, na escrita, por sinais de pontuação (vírgula, ponto e vírgula, dois pontos, ponto) e, na fala, pelas pausas” (KOCH, 2010, p. 60). O encadeamento por conexão acontece quando se utilizam conectores interfrásticos para estabelecer relações semânticas e/ou pragmáticas entre as partes do texto. De acordo com Koch (2010, p. 62), “trata-se de conjunções, advérbios sentenciais (também chamados de advérbios de texto) e outras palavras (expressões) de ligação que estabelecem, entre orações, enunciados ou partes do texto, diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas”. Assim, além 77 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 de conjunções, temos também as locuções conjuntivas, adverbiais e prepositivas com a finalidade de conectar enunciados (KOCH, 2004). Cabe refletirmos sobre os mecanismos de coesão para além das relações óbvias e pensarmos nas implicações para o processo de ensino-aprendizagem em nossas aulas. Costumeiramente, os livros didáticos reforçam essa prática em uma perspectiva que limita a coesão textual a pronomes e conjunções. Entretanto, como estamos vendo, os mecanismos de coesão são variados. O modo mais eficiente de trabalhar coesão em sala de aula é a partir da leitura e da produção de textos, chamar a atenção para que o aluno tenha a consciência das partes do texto e como se dão as retomadas dos referentes. 2.2.3 A intencionalidade Dando sequência aos nossos estudos, veremos agora os fatores mais pragmáticos, começando com a intencionalidade. Esse critério se relaciona com a intenção do autor do texto, afinal, ao produzirmos um texto, seja oral ou escrito, temos uma finalidade e determinadas intenções. Desse modo, a intencionalidade nos dá uma ideia sobre o que o autor e o texto pretendem tratar durante o enunciado. Segundo Koch e Travaglia (2010, p. 97): [...] o produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos ou propósitos, que vão desde a simples intenção de estabelecer ou manter o contato com o receptor até a de levá- lo a partilhar de suas opiniões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira. Assim, a intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados. Assim, a intencionalidade tem relação com o esforço do autor do texto em produzir um texto com coesão e coerência, mas também às intenções do interlocutor em ler ou ouvir aquele texto. Para Marcuschi (2008, p. 127), “é difícil identificar a intencionalidade porque não se sabe ao certo o que observar. Também não se sabe se ela se deve ao autor ou ao leitor, pois ambos têm intenções”. Como veremos, aqui podemos acrescentar o fator de aceitabilidade. 78 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Não existem textos neutros, nenhum texto é inocente, pois tem sempre uma intenção por trás. Com base nisso, há uma argumentatividade com a intenção de persuadir e convencer o interlocutor. Dessa forma, o texto deverá ser compatível com os objetivos do seu produtor (MARCUSCHI, 2008). Ao se trabalhar com o texto de outro autor, o professor pode levantar a interrogação para os alunos: Qual a intenção do texto? Nesse sentido, é interessante fazer os alunos pensarem em quais recursos linguísticos o texto utiliza para alcançar seus objetivos. Escrever um e-mail para um chefe e para um amigo, por exemplo, influenciará nas escolhas discursivas e linguísticas que serão usadas. 2.2.4 A aceitabilidade A aceitabilidade está vinculada à intencionalidade, pois o sucesso da intenção do autor dependerá também da disposição do interlocutor do texto. Essa disposição, segundo Beaugrande e Dressler (1981, p. 14), é descrita como: [...] atitude do receptor do texto de que o conjunto de ocorrências deva constituir um texto coeso e coerente que tenha algum uso e relevância para o receptor; por exemplo, adquirir conhecimento ou fornecer cooperação em um plano. Essa atitude é responsiva a fatores, como tipo de texto, cenário social ou cultural e a busca por metas. A aceitabilidade é fator de textualidade relacionada à atitude de recepção do texto pelo interlocutor, considerando-o como aceitável e relacionado com o nível de coesão e coerência esperado– se o texto é compreensível. Segundo Beaugrande e Dressler (1981, p. 13): Em certa medida, a coesão e a coerência podem, por si só, serem tomadas como metas operacionais sem cuja consecução outras metas discursivas podem ser bloqueadas. Contudo, os usuários de textos normalmente mostram tolerância com relação a produtos cujas condições de ocorrência tornam difícil manter coesão e coerência juntas [...], especialmente na conversação informal. Para a LT, esse critério não se limita às formas, pois um texto mesmo com falhas gramaticais pode ser aceitável se fizer sentido. 79 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 2.2.5 A informatividade Esse critério de textualidade refere-se às informações novas ou inesperadas transmitidas pelo texto. “A rigor, a informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou falta de expectativa, de conhecimento ou desconhecimento e mesmo incerteza do texto oferecido” (MARCUSCHI, 2008, p. 132). Nesse sentido, o texto deve trazer dados novos, mas o excesso de informação pode ser desmotivador para o leitor. Assim, o texto precisa trazer novidade na medida em que a informação seja compreensível e agregadora ao assunto principal. De acordo com Koch e Travaglia (2010, p. 88): É a informatividade, portanto, que vai determinar a seleção e o arranjo das alternativas de distribuição da informação no texto, de modo que o receptor possa calcular-lhe o sentido com maior ou menor facilidade, dependendo da intenção do produtor de construir um texto mais ou menos hermético, mais ou menos polissêmico, o que está, evidentemente, na dependência da situação comunicativa e do tipo de texto a ser produzido. A informatividade está relacionada com a construção da coerência do texto, atrelada a sua interpretação, assim, ela corresponde à informação apresentada no tópico discursivo e é responsável pelo que o texto quer transmitir. Por outro lado, Marcuschi (2008, p. 132) nos chama a atenção a um ponto importante: O certo é que ninguém produz textos para não dizer absolutamente nada. Contudo, não se pode confundir informação com conteúdo e sentido. A informação é um tipo de conteúdo apresentado ao leitor/ouvinte, mas não é algo óbvio. Perguntar pelos conteúdos de um texto não é o mesmo que perguntar pelas informações por ele trazidas. Quer dizer, o interlocutor não deve confundir informação com conteúdo. Por exemplo, dois textos podem apresentar o mesmo conteúdo, mas trazer informações diferentes. Nesse sentido, Beaugrande e Dressler (1981) trazem a noção de “probabilidade contextual” e propõem três níveis gerais de informatividade: • a informação em determinado contexto pode ser trivial de tão provável que apareça (podemos pensar em placas indicativas de banheiro feminino e masculino); • a informação também pode ser de menor probabilidade, mas ainda não ser novidade, é uma informação de fácil interpretação; • a informação pode ser improvável e com isso causar surpresa e até dificuldade de entendimento na leitura, o que também interferirá no interesse do leitor. 80 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Esse fator de textualidade se torna relevante ao produzirmos um texto, pois temos que pensar que nível de informatividade transmitiremos. Também é necessário ajustar tal aspecto de modo que o texto seja atraente e acessível para os interlocutores pretendidos. Assim, essas escolhas interferem na coerência do texto. 2.2.6 A situacionalidade A situacionalidade é a adequação da manifestação linguística a uma situação comunicativa (social, cultural etc.), ou seja, se refere aos fatores que tornam o texto pertinente para determinada situação de ocorrência. Nesse critério, Koch e Travaglia (2010, p. 85) afirmam que: É preciso, ao construir um texto, verificar o que é adequado àquela situação específica: grau de formalidade, variedade dialetal, tratamento a ser dado ao tema etc. O lugar e o momento da comunicação, bem como as imagens recíprocas que os interlocutores fazem uns dos outros, os papéis que desempenham, seus pontos de vista, o objetivo da comunicação, enfim, todos os dados situacionais vão influir tanto na produção do texto, como na sua compreensão. Portanto, a situação comunicativa interferirá no sentido do enunciado e sua recepção. Se pensarmos na produção de texto, esse critério de textualidade direciona o texto ao contexto de comunicação. Como afirma Marcuschi (2008, p. 128), “a situacionalidade não só serve para interpretar e relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a própria produção. A situacionalidade é um critério estratégico”. Desse modo, a adequação do texto afeta também a coesão. Pensaremos em uma situação de produção escrita de um anúncio, nosso texto precisará apresentar apenas a informação essencial se desejamos que ele seja facilmente lido, como em um outdoor, por exemplo. Se formos apresentar um produto em um vídeo no nosso canal do YouTube, nos detalharemos muito mais nas informações. A situacionalidade também é importante para o sentido que o interlocutor dará ao texto, principalmente se pensamos em palavras polissêmicas. Por outro lado, Marcuschi (2008) lembra que não existe produção de sentido sem contexto de uso, pois todo sentido é, de certa forma, situado. O autor também ressalta que não podemos confundir situacionalidade com contextualidade, ainda que o contexto seja importante na construção da situacionalidade, ele é diferente dela. A situacionalidade é uma forma particular de o texto se adequar ao contexto e aos interlocutores. Isso quer dizer que se o texto não apresentar os requisitos 81 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 de situacionalidade poderá não alcançar as interpretações desejáveis. Como aborda o autor, a situacionalidade não é um critério autônomo, na medida em que muitas vezes se torna aspecto de outros critérios, pode também ser um critério redundante quando visto isoladamente. O critério de situacionalidade pode ser trabalhado de modo evidente em poemas, principalmente pela polissemia das palavras desse gênero, ou mesmo em charges que jogam com os sentidos para alcançar o objetivo crítico e/ou engraçado. Lembrando que é importante aclarar aos alunos os objetivos da leitura, as informações sobre o texto, o contexto de produção e publicação etc. para guiar a interpretação. Maingueneau (1984 apud MARCUSCHI, 2008, p. 130) distingue entre intertextualidade e intertexto, dizendo que “o intertexto corresponde aos fragmentos discursivos e a intertextualidade seria o princípio geral que rege as formas em que isso ocorre, isto é, as regras do intertexto se manifestam e podem ser diversas na literatura, na ciência, na religião etc.”. 2.2.7 A intertextualidade Este critério de textualidade se refere à ligação de um texto com outros textos. A intertextualidade cria uma relação de interdependência de um texto para com outro, pois a utilização de um texto depende do conhecimento de outros textos anteriores, com ou sem mediação. Para Marcuschi (2008, p. 130), “pode- se dizer que a intertextualidade é uma propriedade constitutiva de qualquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um texto ou um grupo de textos determinados mantém com outros textos”, ou seja, não existem textos isolados, sem nenhuma relação intertextual, e é essa ligação que compreende a intertextualidade. 82 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Nesse entendimento, Koch e Travaglia (2010, p. 88) afirmam que a intertextualidade inclui “fatores relativos a conteúdo, fatores formais e fatores ligados a tipos textuais”. Para eles, os fatores relacionados ao conteúdo estão associados ao conhecimento de mundo. Por exemplo, matérias jornalísticas publicadas por vários dias consecutivos em que a nova matéria pressupõe conhecimento dos fatos tratados nas matérias anteriores sobre o tema. Os fatores formais se referemàs imitações de formas de textos ou estilos. Um exemplo seria o gênero paródia, no qual existe a imitação do texto parodiado, mas com novas características. Os fatores de intertextualidade tipológicos ocorrem com termos de retomada da estrutura ou aspectos linguísticos que caracterizam cada tipo de texto. Então, para que o texto seja devidamente compreendido, ele deve apresentar características típicas daquele gênero textual (KOCH; TRAVAGLIA, 2010). Nesse aspecto, inclusive “a intertextualidade é um fator importante para o estabelecimento dos tipos e gêneros de texto na medida em que os relaciona e os distingue” (MARCUSCHI, 2008, p. 130). Koch (2014, p. 532) observa a intertextualidade como “a relação de um texto com outros textos previamente existentes, isto é, efetivamente produzidos”. Como exemplo, pode-se pensar em partes de textos prévios dentro de um outro texto mais recente. Assim, a autora destaca três modalidades de intertextualidade, vejamos: • intertextualidade de forma e conteúdo: quando se utiliza, por exemplo, determinado gênero textual tal como a poesia em um outro contexto não poético, visando um efeito de sentido especial; • intertextualidade explícita: como no caso de citações, discursos diretos, resumos, resenhas; • intertextualidade com textos próprios, alheios ou genéricos: pode-se aludir a textos de própria autoria ou citar textos sem autoria específica, como os provérbios etc. (KOCH, 2014). É importante pensar a intertextualidade no ensino da produção escrita, pois em nossas práticas comunicativas sempre produzimos textos baseados em outros textos, de modo consciente ou inconsciente. Por isso é importante chamar a atenção para a intertextualidade, destacando que não se trata apenas de construir relações entre textos, mas do modo como um texto se constrói e se posiciona diante de outros aos quais faz remissão (KOCH; ELIAS, 2015). 83 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Conclui-se, assim, que a intertextualidade é mais do que um simples critério de textualidade, ela influencia na coerência textual e, ao tratar o texto em comunhão de discursos, contribui para a criação de interconexões e, consequentemente, a compreensão do sentido do texto (MARCUSCHI, 2008). 2.3 ESCRITA, PROGRESSÃO REFERENCIAL E PROGRESSÃO SEQUENCIAL Para a atividade de produção textual, escrita ou oral, presume-se que em seu desenvolvimento: Façamos constantemente referência a algo, alguém, fatos, eventos, sentimentos; mantenhamos em foco os referentes introduzidos por meio da operação de retomada; desfocalizemos referentes e os deixemos em stand-by, para que outros referentes sejam introduzidos no discurso (KOCH; ELIAS, 2015, p. 131). Nesse caminho, a referenciação é uma atividade discursiva que opera sobre o material linguístico que tem à disposição e faz escolhas significativas para representar estados de coisas condizentes com seu projeto de dizer. Assim, a referenciação e a progressão referencial, que é a retomada de referentes, consistem na construção e reconstrução de objetos do discurso (KOCH; ELIAS, 2015). Os referentes são objetos de discurso que vão sendo construídos e reconstruídos discursivamente durante a interação verbal. Os objetos de discurso são dinâmicos e constantemente ativados, reativados, transformados, desativados e recategorizados no discurso (KOCH, 2004). As formas de introdução de referentes textuais podem ser de ativação ancorada ou não ancorada. A não ancorada ocorre quando se introduz um objeto de discurso totalmente novo, pode ser, por exemplo, por meio de uma expressão nominal ou um objeto totalmente novo. Para ilustrar: a escola tem papel ativo na 84 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa formação da criança. O desenvolvimento do indivíduo depende [...]. Aqui indivíduo faz a ativação do referente não ancorado. Já a ancorada ocorre sempre que um objeto do discurso é introduzido no texto a partir de uma associação com elementos já presentes no cotexto ou contexto. A esse tipo de ativação constituem anáforas indiretas, já que não existe antecedente explícito, apenas um elemento que serve de âncora (KOCH; ELIAS, 2015). Vamos recordar a diferença entre as anáforas direta e indireta? Anáfora direta: podemos dizer que serve de substituto do elemento por ela retomado. Exemplo: Maria foi à feira. Ela comprou sala para o jantar. Nesse exemplo, o pronome ela retoma o referente Maria, estabelecendo uma relação correferencial que assegura a continuidade referencial. Anáfora indireta: são caracterizadas por não possuírem uma expressão antecedente para retomada, ou seja, ocorre uma ativação de novos referentes. Assim, ela se mune de um elemento do contexto ou contexto para servir de âncora. Exemplo: ontem visitei a escola da minha filha. A professora era só elogios. Mesmo a professora sendo um referente novo, ela está ancorada à escola. Nesse cenário, ocorre a ativação de um conhecimento de mundo para os elementos novos em um processo de referenciação implícita. Para proporcionar a continuidade de um texto devemos estabelecer um equilíbrio entre repetição (retroação) e progressão. Quer dizer, na escrita, remetemos a referentes que já foram antes apresentados, introduzidos na memória do interlocutor, e acrescentamos informações novas que passarão a constituir o suporte para outras informações. Assim, ocorre a progressão referencial, que pode ser realizada por vários elementos linguísticos, como: formas de valor pronominal (pessoais de 3ª pessoa, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos); numerais (cardinais, ordinais, multiplicativos, fracionários); certos advérbios locativos (aqui, lá, ali); elipses; formas nominais reiteradas; formas nominais sinônimas ou quase sinônimas; formas nominais hiperonímicas; nomes genéricos (KOCH; ELIAS, 2015). 85 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Como estamos vendo, a referenciação merece atenção no ensino pela sua função na elaboração dos textos, considerando seu papel na progressão textual e construção de sentido. Assim, a seleção das formas nominais referenciais deve receber especial atenção. No que tange à progressão sequencial, a sequenciação do texto escrito ocorre por meios linguísticos que permitem o avanço do texto e contribuem significativamente para a construção de sentido. Entre esses meios, podemos citar: as repetições, as paráfrases, os paralelismos e os recursos fonológicos (segmentais e suprassegmentais). 3 OS GÊNEROS TEXTUAIS EM UMA VISÃO ATUAL Como vimos no primeiro capítulo, a partir da década de 1980, os discursos sobre o ensino de LP almejavam mudanças e foi a partir da década de 1990 que esta nova perspectiva incidiu na elaboração didática e no aumento dos estudos sobre os gêneros do discurso no Brasil. Nesse cenário, destacamos as crescentes pesquisas a respeito dos gêneros do discurso pela LT, proporcionando uma compreensão dos fatores de textualidade com relação aos gêneros. Cabe destacar também o aumento do interesse pelos estudos do texto decorrente da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1997 pelo Ministério da Educação (MEC). Você perceberá que alguns pesquisadores falam em gêneros textuais e outros em gêneros do discurso. Usaremos as duas opções, pois a expressão “gêneros do discurso” está de acordo com a nossa concepção de produção social dos enunciados, remetendo a Bakhtin, já os PCN usam a expressão gênero textual, assim, adotaremos ambas as expressões. 86 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Ao abordar a noção de gêneros textuais, devemos rememorar alguns conceitos da teoria bakhtiniana. Os gêneros mantêm uma relação íntima com a noção de enunciado. Para Bakhtin (2003), o uso da língua se dá na forma de enunciados. Aprendemos a falar e a interagir por meio de enunciados e não por palavras ou orações isoladas. Nesse sentido, as condições deprodução caracterizarão a formação de enunciados, cada novo enunciado constitui-se em um novo acontecimento. O texto (oral, escrito, ou em diferentes formas semióticas) para ser um enunciado, segundo Bakhtin (2003), envolve locutor e interlocutor. São as condições de produção que determinam a formação dos enunciados em determinados tipos de enunciados, os gêneros do discurso. Podemos entender o texto como enunciado. Usaremos ambos os termos, texto e enunciado, mas com predominância por “texto”, em consonância com a opções de diferentes estudiosos da área, mas sempre tendo em mente a concepção de Bakhtin. Os gêneros do discurso constituem-se como formas típicas, relativamente estáveis e normativas para a construção dos enunciados. A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (BAKHTIN, 2003, p. 262). A construção dos enunciados e sua compreensão são resultados de certas condições sociais, desta maneira podemos afirmar que é o uso social que determina a existência do gênero textual, mas os gêneros textuais também determinam a construção dos enunciados. Segundo Bakhtin (2003, p. 286), “a concepção sobre a forma do conjunto do enunciado, isto é, sobre um determinado gênero do discurso, guia-nos no processo do nosso discurso”. Inclusive, tendo em mente as relações dos gêneros do discurso com os enunciados, percebe-se que as mudanças históricas dos estilos de linguagem estão relacionadas às mudanças dos gêneros do discurso. 87 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Partindo da formação histórica e das relações sociais, Bakhtin (2003) estabelece uma distinção entre gêneros primários (simples) e secundários (complexos), não é uma diferença funcional, mas para compreender a natureza dos enunciados e sua relação com o cotidiano social. Os gêneros primários realizam-se nas esferas cotidianas da vida, em comunicações discursivas imediatas, como um diálogo, uma carta, um diário pessoal, um bilhete etc. Já os gêneros secundários surgem nas condições de um convívio mais organizado em esferas sociais secundárias e em condições da comunicação cultural mais especializada e formalizada. As esferas secundárias podem ser: escolar (livro didático, prova); científica (palestra, artigo científico, resenha); jornalística (notícia, reportagem, crônica); artística (poema, conto, crônica). Desse modo, percebemos que os gêneros secundários se referem principalmente à forma escrita. Os gêneros secundários podem se apropriar e modificar vários gêneros textuais primários. Eles perdem sua relação com a sua realidade concreta, para se estabelecerem como acontecimentos secundários. Pensemos, por exemplo, em uma carta pessoal que seria do gênero primário, mas que inserida em um romance ou em um livro didático torna-se um gênero secundário (BAKHTIN, 2003). Essa divisão entre gênero primário e secundário não deve ser vista como uma divisão rígida, pois os dois grupos mantêm relações. Todas as esferas da atividade humana são mediadas pela linguagem e a constituição dos gêneros perpassa as interações sociais no interior das esferas sociais. Quer dizer, considera-se o processo de produção dos gêneros e não apenas o produto em suas propriedades formais. Assim, os enunciados representam as condições e as finalidades de cada esfera. Mesmo ciente de que a variedade dos gêneros discursivos é enorme e que em cada esfera encontramos um repertório de gêneros particulares não estáveis, Rodrigues (2001, p. 74) elabora um possível agrupamento dos gêneros seguindo os tipos e as variedades de comunicação social. Vejamos: a) gênero da esfera da produção: ordem de serviço, instrução de operação de máquinas, aviso, pauta jornalística etc.; b) gêneros da esfera dos negócios e da administração: contrato, ofício, memorando etc.; c) gêneros da esfera cotidiana: conversa familiar, conversa pública, diário íntimo, saudação etc.; d) gêneros da esfera artística: conto, romance, novela etc.; e) gêneros da esfera jurídica: petição, decretos etc.; f) gêneros da esfera científica: tese, artigo, ensaio, palestra etc.; g) gêneros da esfera da publicidade: anúncio, panfleto, folder 88 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa etc.; h) gêneros da esfera escolar: resumo, seminário, “texto didático” etc.; i) gêneros da esfera religiosa: sermão, encíclica, parábola etc.; j) gênero da esfera jornalística: entrevista, reportagem, notícia, editorial, artigo etc. Os gêneros se constituem, se concretizam e se modificam ao longo da história no interior das esferas sociais, gerando gêneros específicos para cada esfera. Conforme as esferas se ampliam e ganham complexidade, surgem novos gêneros. A partir dos conceitos de Bakhtin e do Círculo de Bakhtin, podemos entender os gêneros como processos e meios de apreender e significar a realidade. Seguindo o raciocínio exposto até agora, podemos dizer que o domínio dos gêneros textuais de diferentes esferas contribui para que o sujeito circule pelas diferentes esferas sociais na vida contemporânea. Conforme afirmado, os gêneros não são finitos e estáveis, pelo contrário, nos últimos dois séculos, com as novas tecnologias, especialmente as ligadas à comunicação, tem-se visto surgir inúmeros gêneros. Como adverte Marcuschi (2010), não é propriamente as tecnologias que originam os novos gêneros, mas a intensidade de uso dessas tecnologias que interfere nas atividades comunicativas. Tampouco esses novos gêneros são inovações, pois se ancoram em outros gêneros, como mencionado por Bakhtin (2003) sobre a assimilação de um gênero por outro. Como o e-mail, que é um gênero novo com antecedente nas cartas e nos bilhetes, por exemplo. Para um estudo aprofundado sobre os gêneros do discurso, indicamos a leitura do capítulo “Os gêneros do discurso”, na obra: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 89 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Marcuschi (2010, p. 2) chama a atenção para um aspecto central nesses novos gêneros emergentes, sua relação com o uso da linguagem. Eles, de certo modo, “possibilitam a redefinição de alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso, como a relação entre a oralidade e a escrita, desfazendo ainda mais as suas fronteiras”. Esses gêneros emergentes, frutos das diversas mídias do último século, também possuem certo hibridismo que “desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino de língua” (MARCUSCHI, 2010, p. 2). Além disso, nesses gêneros, ocorre uma maior integração entre diferentes semioses, como signos verbais, sons, imagens, movimento etc., por isso a linguagem tem se tornado mais plástica (MARCUSCHI, 2010). 1 Assim como surgem, os gêneros textuais podem desaparecer se o seu funcionamento deixar de fazer sentido, como no caso das inovações tecnológicas. Pensemos, por exemplo, na carta escrita em papel, enviada via correio e que demorava para chegar. Com o advento do gênero e-mail, ela sofreu uma drástica redução. Você consegue pensar em outros exemplos de gêneros que foram ou que estão perdendo espaço contemporaneamente pelo uso das tecnologias? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________. Produzimos textos em diferentes situações da vida e com diferentes intenções, afinal, essa é uma prática social. Nesse sentido, Marcuschi (2010) consolida as concepções bakhtinianas e afirma que os gênerosse caracterizam pelas suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais, muito mais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. Os gêneros textuais são “fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social” (MARCUSCHI, 2003, p. 19). Obviamente, a forma dos gêneros não deve ser desprezada, aliás, esses textos se realizam por meio de modelos que colaboram para a organização e a estabilização das atividades comunicativas no nosso dia a dia. Assim, podemos definir gêneros textuais como “formas relativamente 90 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa estáveis pelas quais a comunicação verbal se materializa nos diferentes contextos sociocomunicativos” (AZEREDO, 2018, p. 134). Os gêneros são diferentes tipos de textos, escritos e falados, que circulam na sociedade e que são reconhecidos pelas pessoas. Ademais, pode-se dizer que para o sucesso da interação entre os sujeitos, é preciso que eles “observem as regras e convenções vigentes nas práticas sociais de que participam. Esse conjunto de regras e convenções constitui o que chamamos de contrato sociocomunicativo” (AZEREDO, 2018, p. 135). Você pode fazer o exercício de reparar nos gêneros discursivos que fazem parte do seu dia a dia. Preste atenção nas situações comunicativas e nos seus gêneros textuais, então, reflita sobre quem são os sujeitos envolvidos, qual o motivo daquela situação sociocomunicativa e como ela é promovida por um texto. Como exemplo, podemos citar: bilhete, carta, romance, poema, sermão, conversa de telefone, notícia de jornal, reportagem, letra de música, contrato de aluguel etc. Esses textos possuem base material que permite sua circulação, a qual pode ser via: livro, jornal, dicionário, placa, catálogo, agenda, entre outros (ROJO; CORDEIRO, 2004). Por conseguinte, Marcuschi (2010) afirma que os gêneros podem ser determinados pelas suas formas, mas, na maioria das vezes, são determinados pela função, e em outras vezes pelo suporte ou ambiente em que ocorrem. Por exemplo, um mesmo texto pode ser materializado em um recado, um bilhete ou uma mensagem de aplicativo, nesse caso, é o suporte que determinará o gênero. A noção de suporte, para Marcuschi (2010), nos ajuda a compreender como se realiza a circulação social dos gêneros. Os suportes podem ser convencionais, com base na sua função de portarem ou fixarem textos (por exemplo, páginas da internet, jornal e livro didático) e podem ser incidentais, tendo em vista a sua eventualidade, uma vez que não são destinados para tal (como um poema tatuado no corpo humano). 91 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 1 Pesquise em algum livro didático (do Ensino Fundamental ou Médio), que você tenha acesso – seja das suas aulas, dos seus filhos ou em uma biblioteca –, uma proposta que trabalhe com gêneros textuais. Com base no que vimos até aqui, analise essa proposta refletindo sobre sua abordagem. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 1 Segundo Marcuschi (2003), o suporte de um gênero é uma superfície física com formato específico que fixa e mostra um texto e, atualmente, é pertinente lembrarmos também do suporte virtual. Refletindo sobre o suporte e os diferentes gêneros, na próxima vez que você andar pelas ruas da sua cidade, caro acadêmico, observe os outdoors. Depois escreva aqui que diferentes gêneros você encontrou neste mesmo suporte. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. Suponhamos o caso de um texto em uma revista científica que constitui o gênero denominado “artigo científico”, agora imaginemos esse texto publicado em um jornal qualquer, o que o tornaria um “artigo de divulgação científica”. Mesmo que existam distinções quanto aos dois gêneros, para a comunidade científica, eles não têm a mesma classificação na hierarquia de valores da produção acadêmica, ainda que possam ser o mesmo texto. Com esse exemplo, Marcuschi (2010) mostra que as expressões “mesmo texto” e “mesmo gênero” não são automaticamente equivalentes, pensando em suportes diferentes. O estudioso pede cautela ao considerarmos o predomínio de formas ou funções para a identificação de um gênero. 92 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Se pensarmos em um exemplo como uma carta em um livro didático, a carta não deixa de ser carta. Conforme Marcuschi (2010), o gênero carta, ou qualquer outro gênero que se enquadra no exemplo, não muda nos livros didáticos, mas pode sofrer modificações na funcionalidade, o estudioso chama esse processo de reversibilidade de funções. 1 Existe uma incontável variedade de gêneros textuais, aliás podemos encontrar uma grande variedade de gêneros no mesmo suporte. Por exemplo, observe em um jornal, impresso ou on-line, os vários exemplos de gêneros. Quantos você encontrou? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________. Isto posto, é importante diferenciarmos gêneros textuais e tipos textuais. Essa ralação muitas vezes gera confusão no ambiente escolar, possivelmente por se usar o termo gênero, tradicionalmente relacionado aos estudos literários, e tipo de texto confundido com gênero textual. Disso resulta que muitas propostas de produção textual que pretendiam trabalhar gêneros textuais, orais ou escritos, caíam nos tipos textuais. Distinguir entre gêneros e tipos textuais é fundamental para o trabalho com a produção e a compreensão textual (MARCUSCHI, 2010). As definições relacionadas a gêneros e tipos são mais operacionais do que estruturais e estão conforme a posição bakhtiniana (MARCUSCHI, 2008). Marcuschi (2010, p. 24) acrescenta que no tipo textual “predomina a identificação de sequências linguísticas típicas como norteadoras”. Nos gêneros textuais, predominam os “critérios de ação prática, circulação sociodiscursiva, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade. [...] Importante é perceber que os gêneros não são entidades formais, mas, sim, entidades comunicativas” (MARCUSCHI, 2010, p. 24). Com o intuito de simplificar, vejamos o quadro que ilustra as definições e contrasta as diferenças: 93 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 QUADRO 1 – DIFERENÇAS ENTRE TIPO TEXTUAL E GÊNERO TEXTUAL Definições Tipologia textual Gênero textual constructos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papovirtual, aulas virtuais etc. FONTE: Adaptado de Marcuschi (2010) Conforme Marcuschi (2010, p. 22), tipos textuais são “uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Os tipos textuais abrangem somente algumas categorias como: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Nesse sentido, como estamos vendo, os gêneros textuais são inúmeros, e, segundo Marcuschi (2010, p. 23), são “textos materializados que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”. As autoras Kaufman e Rodrigues aprofundam suas pesquisas sobre tipos textuais, assim como sua relação com os gêneros textuais. KAUFMAN, A. M.; RODRIGUEZ, M. H. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 94 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Marcuschi (2010) propõe uma matriz de critérios, a partir de estruturas linguísticas típicas dos enunciados que formam a base do texto. Vejamos no quadro as bases temáticas textuais típicas que dão origem aos tipos textuais: QUADRO 2 – TIPOS TEXTUAIS Bases temáti- cas Exemplos Traços linguísticos 1. Descritiva “Sobre a mesa havia milhares de vidros”. Este tipo de enunciado textual tem uma es- trutura simples com um verbo estático no pre- sente ou imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar. 2. Narrativa “Os passageiros ater- rissaram em Nova York no meio da noite”. Este tipo de enunciado textual tem um verbo de mudança no passado, um circunstancial de tempo e lugar. Por sua referência tempo- ral e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo de ação. 3. Expositiva (a) “Uma parte do cére- bro é o córtex”. (b) “O cérebro tem 10 milhões de neurônios”. Em (a) temos uma base textual denomina- da de exposição sintética pelo processo da composição. Aparece um sujeito, um predi- cado (no presente) e um complemento com um grupo nominal. Trata-se de um enunciado de identificação de fenômenos. Em (b) temos uma base textual denominada de exposição analítica pelo processo de decomposição. Também é uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou verbos como: “contém”, “consiste”, “compreende”) e um complemento que estabelece com o su- jeito uma relação parte-todo. Trata-se de um enunciado de ligação de fenômenos. 4. Argumenta- tivo “A obsessão com a du- rabilidade nas Artes não é permanente”. Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no presente e um complemento (que no caso é um adjetivo). Trata-se de um enuncia- do de atribuição de qualidade. 5. Injuntiva “Pare!”, “seja razoável!”. Vem representada por um verbo no impera- tivo. Estes são os enunciados incitadores à ação que podem sofrer certas modificações significativas na forma e assumir, por exem- plo, uma configuração mais longa, na qual o imperativo é substituído por um “deve”. Por exemplo: “Todos os brasileiros na idade de 18 anos do sexo masculino devem com- parecer ao exército para alistarem-se”. FONTE: Adaptado de Marcuschi (2010) 95 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Somando a essa explicação, Marcuschi (2010) acrescenta que um elemento característico de textos narrativos é a sequência temporal; em textos descritivos prevalecem as sequências de localização; em textos expositivos, as sequências analíticas ou explicitamente explicativas; em textos argumentativos, as sequências contrastivas explícitas; e os textos injuntivos se destacam pelas sequências imperativas. Portanto, os tipos textuais são definidos por seus traços linguísticos predominantes, ou seja, um tipo “é dado por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto”. [E os gêneros são uma forma] “comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem ser bastante heterogêneas, mas relacionadas entre si” (MARCUSCHI, 2010, p. 8). Por isso, quando nomeamos um texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não estamos nomeando o gênero, mas o “predomínio de um tipo de sequência de base” (MARCUSCHI, 2010, p. 8). Entendendo que os tipos textuais compõem os gêneros discursivos, apresentamos uma proposta de integração deles na produção de textos orais e escritos. QUADRO 3 – ASPECTOS TIPOLÓGICOS DOMÍNIOS SOCIAIS DE COMUNICAÇÃO CAPACIDADES DE LINGUAGEM DOMINANTES GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS (EXEMPLOS) Cultura literária ficcional NARRAR Mimeses da ação através da criação de intriga Fábula Lenda Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de suspense Novela fantástica Conto maravilhoso e parodiado Documentação e memorização de ações humanas RELATAR Representação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo. Relato de experiência vivida Relato de viagem Testemunho Notícia Reportagem Crônica esportiva Ensaio biográfico Curriculum vitae 96 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Discussão de problemas sociais controversos ARGUMENTAR Sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. Texto de opinião Diálogo argumentativo Carta do leitor Carta de reclamação Debate Discurso de defesa Discurso de acusação Transmissão e construção de saberes EXPOR Apresentação textual de diferentes formas dos saberes. Seminário Conferência Artigo ou verbete de enci- clopédia Entrevista de especialista Resumo de textos explicativos Relatório científico Relato de experiência científica Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES Regulação mútua de comportamentos. Receita Regulamento Regras de jogo Manual de instruções Instruções FONTE: Adaptado de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) Concluindo seu pensamento, Marcuschi (2010, p. 29) afirma que “ao dominar um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”. Com essa distinção, podemos compreender de forma mais clara os componentes de textos orais e escritos, melhorando nossa atuação como docentes no que se refere a uma maior compreensão dos alunos referente à produção de textos em diferentes situações comunicativas. 3.1 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO Caro acadêmico, se você tem tido contato com a sala de aula nos últimos tempos, percebeu a entrada dos gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa, 97 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 certo? Depois da publicação dos PCN e com os estudos dos gêneros textuais no campo da LT, os gêneros textuais ganharam destaque no ambiente escolar. Esse é um motivo de alegria, pois um conhecimento maior dos gêneros textuais é importante para a produção e compreensão textual, indicando uma maior compreensão da estrutura comunicativa social. Nesse sentido, não basta trabalhar com gêneros textuais nas escolas, se não o fazemos em uma perspectiva sociocomunicativa. A proposta, então, é priorizar o trabalho com textos de modo significativo, promovendo a interação com o real. Historicamente, o texto é empregado com destaque nas práticas realizadas nas escolas brasileiras, seja como objeto de leitura vozeada, na qual o aluno deveria ler o mais próximo possível da leitura do professor; como modelo de imitação estilística para o aluno produzir outros textos; e como objeto de fixação de sentidos, predominando a interpretação do professor ou do crítico (GERALDI, 1996). Assim, o texto era visto como um objeto pronto e estanque. Ao analisarem o percurso do texto na sala de aula, Rojo e Cordeiro (2004) afirmam que práticas antigas continuam sendo trabalhadas, mas com nova roupagem, tomando o texto como objeto de uso e não de ensino, ou seja, como suporte para outras atividades, como leitura e redação. Mesmo diante das orientações das políticas educacionais, de avanços da LT e de muitos professores alegarem que ensinam de acordocom tais pressupostos, nem sempre encontramos mudanças significativas em sala de aula. Para Antunes (2002, p. 67), na escola, “continuou-se a fazer mais ou menos o que se fazia antes. Só que agora, as palavras e as frases estudadas já não eram trazidas ao acaso, mas retiradas de textos”. Quer dizer, o texto continua sendo apenas pretexto para o professor trabalhar tópicos gramaticais como antes, isso demonstra que superar a tradição nos estudos gramaticais não é fácil. Essas práticas têm se mostrado ineficientes e simplórias frente à heterogeneidade de textos existentes nas esferas sociais, assim, ao tratar o texto como sistema fechado e apenas como estrutura linguística, o professor desconsidera-o como enunciado em seu aspecto social de interação. Tal situação levou a um redirecionamento do trabalho com o texto, trazendo uma perspectiva de ensino da linguagem de natureza reflexiva: “trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as propriedades formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos” (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 11). Cabe ressaltarmos que trabalhar com gêneros textuais não exclui os estudos gramaticais. Como aponta Furlanetto (2011, p. 45), o trabalho pedagógico na perspectiva dos gêneros deve atentar para duas dimensões de funcionamento da linguagem: “o que se pode chamar gramática em sentido amplo (incorporando 98 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa formas linguísticas e notações da escrita) e o discurso, que pressupõe eventos de linguagem, ou seja, o uso em contextos específicos”. Com isso, a estudiosa evidencia que as duas dimensões devem ser tratadas em sala de aula, pois ambas se complementam e são necessárias para o ensino e a aprendizagem de língua portuguesa. Diante de tal cenário, Antunes (2002, p. 71) elenca alguns benefícios de se ensinar adotando uma abordagem com base nos gêneros textuais, favorecendo: a) a apreensão dos “fatos linguísticos-comunicativos” e não o estudo de “fatos gramaticais”, difusos, virtuais, descontextualizados, objetivados por determinações de um “programa” previamente fixado e ordenado desde as propriedades imanentes do sistema linguístico; b) a apreensão de estratégias e procedimentos para promover- se a adequação e eficácia dos textos, ou o ensino da língua com o objetivo explícito e determinado de ampliar-se a competência dos sujeitos para produzirem e compreenderem textos (orais e escritos) adequados e relevantes; c) a consideração de como esses procedimentos e essas estratégias refletem-se na superfície do texto, pelo que não se pode, inconsequentemente, empregar quaisquer palavras ou se adotar qualquer sequência textual; d) a correlação entre as operações de textualização e os aspectos pragmáticos da situação em que se realiza a atividade verbal; e) a ampliação de perspectivas na compreensão do fenômeno linguístico, superando-se, assim, os parâmetros demasiados estreitos e simplistas do “certo” e do “errado”, como indicativos da boa realização linguística. Podemos complementar essa perspectiva com a ideia de que o trabalho com gêneros textuais pode fornecer saberes e habilidades necessários para se comunicar com sucesso nas diferentes esferas sociais. Assim, uma abordagem baseada nos gêneros textuais: • enfatiza os propósitos comunicativos; • apresenta modelos típicos de organização textual e de organização linguística; • possibilita um planejamento curricular que agrupa textos com propósitos, organização e audiência similares; • proporciona aos aprendizes os saberes necessários para que eles possam organizar seus textos, seja no ambiente acadêmico, seja no ambiente profissional; • abrange o domínio da organização das unidades além dos limites gramaticais e lexicais, mas não as exclui do programa global; • desenvolve-se com base em um gênero, como o direcionamento global do programa, mas também inclui outros aspectos da língua, tais como gramática, funções, vocabulário e habilidades linguísticas e comunicativas 99 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 (PALTRIDGE, 2001 apud QUEIROZ; BESSA; JALES, 2015, s.p.). Acreditamos que esses princípios proporcionam aos alunos a compreensão do funcionamento dos gêneros textuais e seus propósitos comunicativos, seu contexto, organização, suporte. Com isso, se propõe ir além de simplesmente produzir um gênero com sucesso, espera-se desenvolver a capacidade de compreender as práticas comunicativas e que os alunos reflitam sobre suas escolhas, a fim de interagir com eficiência nos diferentes contextos (PALTRIDGE, 2001, apud QUEIROZ; BESSA; JALES, 2015). Podemos falar em contexto imediato e mediato. O primeiro envolve participantes, local e tempo da interação, além de objetivo da comunicação e meio de propagação. Já o segundo, seria o entorno sócio-histórico-cultural. Também podemos pensar no contexto sociocognitivo dos interlocutores, que abrange todos os tipos de conhecimentos dos sujeitos sociais (KOCH; ELIAS, 2015). Com frequência vemos vários gêneros sendo trabalhados em sala de aula como objetos de ensino, nesse sentido, podemos pensar na matéria/conteúdo das disciplinas escritas no quadro, a explicação oral dos professores, os seminários e debates, a própria prova, lista de frequência etc. Contudo, ao se trabalhar especificamente com os gêneros de modo consciente, se recorre aos livros didáticos e seus recortes de clássicos da literatura e/ou os tipos textuais em um contexto em que, como afirma Marcuschi (2008), os livros ainda estão distantes de como gostaríamos que fossem. As inadequações estão presentes, inclusive, em livros didáticos aprovados pelo MEC. Igualmente, o trabalho com gêneros discursivos corre o risco de reduzir os gêneros textuais ao conteúdo em si. Produzir qualquer gênero que for apenas como atividade escolar para o professor avaliar, acaba com sua função interacional. Ao invés de apenas passar as características do gênero em uma atividade mecanicista e estruturalista, o professor pode trabalhar de modo mais amplo e crítico. É pertinente tratar do gênero a partir do seu contexto de origem, analisar o seu suporte, entender sua aplicabilidade e funcionalidade. Deve-se perceber o formato do texto, sua variação linguística, seus propósitos e intenções. Ao se trabalhar com gêneros, deve-se ter sempre em mente a competência 100 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa sociocomunicativa e a ideia de que: O domínio dos recursos de encadeamento das informações e ideias no interior do texto, a escolha do vocabulário, o domínio dos mecanismos gramaticais da língua – como flexões verbais e nominais e combinações sintáticas diversas – e o emprego dos sinais de pontuação pertinentes constituem habilidades que só se adquirem através dos textos encarados como gêneros integrados nas respectivas situações comunicativas. Por essa razão, a aprendizagem da língua implica a percepção da funcionalidade dos textos, e esta funcionalidade está intimamente associada aos diferentes gêneros a que eles pertencem (AZEREDO, 2018, p. 135-136). Propor uma atividade de produção de texto na qual os alunos deverão argumentar e se posicionar também requer nossa atenção. Não podemos exigir que eles exponham suas opiniões em um gênero que não dominam, sobre um tema distante de suas realidades. Um aluno do qual nunca se pediu nenhuma opinião, não começará a se manifestar argumentativamente sobre a política global do dia para noite só porque o professor ensinou determinado gênero textual. O trabalho com gêneros deve colocar os alunos na posição de sujeitos da comunicação e estimular sua competência sociocomunicativa e crítica. É um processo gradual no qual precisamos refletir sobre a funcionalidade do aprendizado. Em língua portuguesa, seja no Ensino Fundamental ou Médio, produzir textos é uma atividadedelicada e bastante solicitada, porém, essa prática recai costumeiramente sobre o texto escrito, ignorando a oralidade. Conforme nossa conversa, é preciso enfatizar a produção de textos tanto orais como escritos. Marcuschi (2008, p. 53) adverte: “[...] ao se enfatizar o ensino da escrita não se deve ignorar a fala, pois, a escrita reproduz a seu modo e com regras próprias, o processo interacional da conversação, da narrativa oral e do monólogo, para citar alguns”. Essa também é a ideia central dos PCN. O documento propõe projetos que envolvam planejamento e realização de pesquisas, além da resolução de problemas com a exposição oral dos resultados. Também encontramos propostas de atividades, como entrevistas, notícias, relatos, seminários, poemas etc. A BNCC reforça a importância da oralidade e no eixo correspondente traz situações de práticas de linguagem oral com ou sem contato face a face: [...] como aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos, entre outras. Envolve também a oralização de textos em 101 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 situações socialmente significativas e interações e discussões envolvendo temáticas e outras dimensões linguísticas do trabalho nos diferentes campos de atuação (BRASIL, 2017, p. 78-79). Por que não aproveitar aquele tema que já está na roda entre os próprios alunos em vez de apenas solicitar que “prestem atenção” no tema do professor? Se os alunos estão empolgados contando uns para os outros sobre o filme que estreou no cinema, que tal aproveitar que eles já estão produzindo um texto oral e explorar o assunto? Pode-se desenvolver mais o tema oralmente, depois, partir para uma resenha ou sinopse do filme, dependendo do nível dos alunos, ou a escrita de um outro final para a história etc. De uma forma mais dinâmica, é possível partir da oralidade para a escrita. Como estamos vendo, com os estudos de Bakhtin o conceito de gênero se amplia para formas relativamente estáveis de enunciados e com constituição socio-histórica, certo? Assim, ao estudar o texto nessa concepção, investiga- se a organização e a circulação dos gêneros na sociedade. O professor deve manter-se em diálogo e atualização permanente sobre o trabalho com gêneros nas escolas. Com os gêneros, agregam-se elementos concretos para o ensino e aprendizagem que vise à potencialização das interações e à mobilidade do sujeito nas diferentes esferas sociais, ou seja: [...] trata-se de dar conta das demandas da vida, da cidadania e do trabalho numa sociedade globalizada e de alta circulação de comunicação e informação, sem perda da ética plural e democrática, por meio do fortalecimento das identidades e da tolerância às diferenças. Para tal, são requeridas uma visão situada de língua em uso, linguagem e texto e práticas didáticas plurais e multimodais, que as diferentes teorias de texto e de gêneros favorecem e possibilitam (ROJO, 2009, p. 91-92). Para Freedman (1994), o ensino escolar com base nos gêneros textuais exige análise dos gêneros que serão usados pelos alunos nos diferentes ambientes, como o profissional ou acadêmico. Destaca-se a importância da escolha dos gêneros de modo que os alunos associem esse aprendizado a sua atuação pessoal e profissional. Nesse caminho, Antunes (2002) sugere um modelo didático para o ensino de gêneros textuais. Ela indica uma seleção de itens e conteúdos que serão trabalhados em cada unidade do ano letivo, com base em determinado gênero, esse seria o objeto central para fala, escuta, escrita, leitura, análise e sistematização linguística. A autora lembra que essa seleção deve seguir os parâmetros sociais e culturais dos aprendizes. Com isso, se proporcionaria aos 102 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa alunos o estudo de diferentes gêneros. As sequências didáticas (SD) são ainda mais pertinentes para o trabalho com gêneros, pois garantem uma progressão gradual de acordo com o objetivo desejado. É importante atentar para a progressão das dificuldades linguísticas também. As SD podem ser guiadas por um tema ou um objetivo e proporcionar diferentes contatos com o gênero, através de vários textos sobre o mesmo tema (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). Ao planejar a SD é importante pensar em cada etapa (apresentação da situação, produção inicial, módulos) e no fechamento com a produção do gênero estudado. Você pode trabalhar com vários gêneros e aprofundar alguma estrutura textual ou reforçar o mesmo gênero para aprofundar alguns recursos linguísticos, por exemplo. Com essa proposta pode-se pensar em práticas didático-pedagógicas que contemplem uma grande heterogeneidade de textos da atividade humana para promover a proficiência dos alunos como consumidores e produtores dos gêneros textuais (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). Além disso, estudar um gênero em uma situação real de comunicação é envolver os alunos em uma atividade para dizer alguma coisa a alguém. Por exemplo, é o caso de uma carta ao editor, carta ao prefeito solicitando alguma melhoria, um debate com convidados sobre algum tema da atualidade, no qual os debatedores são os alunos. Esses são exemplos de situações de comunicação nas quais o aluno realmente se envolve e usa o gênero para se comunicar. A necessidade do uso torna o ensino-aprendizagem mais significativo e o aluno estudará a fim de se comunicar com qualidade (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). Que tal produzir um jornal com os alunos? O professor pode levar jornais reais para explicar o funcionamento, é possível começar com um gênero apenas, como a notícia, e depois partir para os demais gêneros presentes em um jornal de circulação local. Ao presenciar o uso social do gênero, a produção dele mantém um vínculo com sua função social, assim a aprendizagem torna-se mais completa e eficaz por manter relações com a comunicação real. Este é um exemplo de atividade em que o gênero não é só objeto de estudo, mas condição para que a comunicação ocorra (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). Também é interessante pensar o trabalho com gêneros que os alunos não dominam ou possuem produção ineficiente, em gêneros que os alunos dificilmente teriam acesso no cotidiano da comunidade, mas que podem ser necessários na vida profissional, por exemplo, favorecendo a aquisição de vocabulário, de linguagem técnica etc. (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). Independente da SD, é pertinente que sua conclusão se dê com o registro 103 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 dos conhecimentos adquiridos durante toda a sequência. É o caso de um registro simples sobre o gênero, um lembrete ou até de um glossário (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). A ortografia deve ser trabalhada na versão final da produção textual, após o aperfeiçoamento de outros níveis textuais. O professor pode agrupar os erros mais comuns de acordo com a tipologia para abordá-los melhor. Pode-se desenvolver a própria consciência de colaboração entre os alunos, propor que compartilhem os textos uns com os outros e explicar que essa é uma prática comum entre os profissionais da escrita. A releitura pode ser feita com o apoio de materiais, como dicionários, quadros de conjugação, manuais de ortografia etc. (DOLS; SCHNEUWLY, 2004). Está com dúvida de como organizar uma sequência didática? Temos certeza de que a leitura de “Como organizar sequências didáticas” ajudará. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/8247/como-organizar- sequencias-didaticas. Tem dúvidas sobre o trabalho com projetos didáticos? Leia “14 perguntas e respostas sobre projetos didáticos”, da Nova Escola. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/424/14-perguntas-e- respostas-sobre-projetos-didaticos.Como passo seguinte, pode-se pensar em trabalhar com projetos didáticos. O projeto ressignifica as práticas até então realizadas isoladamente ou como SD. Esse método é muito usado na educação atual, pois valoriza os conhecimentos e interesses dos alunos e o professor é o orientador. Assim, envolve os alunos em todas as etapas e busca a transformação dos envolvidos. O produto do projeto apresenta a função social de forma concreta para os alunos, que terão claramente para quem, o que e por que escreverem. 104 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Com as reflexões e as propostas que acabamos de ver, percebemos a importância do trabalho com os gêneros discursivos no processo de ensino e aprendizagem. Assim, os alunos podem analisar eventos linguísticos e produzir textos diversos, escritos ou orais, associando com suas práticas sociais, logo, o sentimento de produtividade será maior. Obviamente, o trabalho com gêneros em sala de aula poderia ser mais profundamente discutido, mas acreditamos que essas reflexões gerais servem de base para que o professor, com criatividade, tome seu rumo. 4 O TRABALHO COM O TEXTO EM SALA DE AULA Considerando o texto como evento comunicativo, em que convergem ações de aspectos linguístico, cognitivo e social, nossas práticas didático-pedagógicas em língua portuguesa devem levar em conta a heterogeneidade de discursos para tornar nossos alunos proficientes leitores e produtores de textos. “As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras” (BONDÍA, 2002, p. 21). Para se aprofundar na questão do texto, uma dica de leitura é: KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. Produzir textos é uma atividade muito solicitada nas aulas de língua portuguesa, esse é o nosso foco nesta conversa, mas não podemos deixar de mencionar a leitura. Convém destacar que a dita boa escrita tem como base a leitura. A falta de leitura é um problema tanto para a produção de textos escritos como orais, principalmente no final dos Ensinos Fundamental e Médio, ler é uma ação dinâmica, envolve compreensão do sentido do texto, lembrando que podemos ler imagens, pinturas, símbolos etc. A leitura vai muito além da simples decodificação de sinais gráficos. Para Antunes (2009, p. 67): A atividade da leitura completa a atividade da produção 105 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 escrita. É, por isso, uma atividade de interação entre sujeitos e supõe muito mais que a simples decodificação dos sinais gráficos. O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua participativamente, buscando recuperar, buscando interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidos pelo autor. A falta de leitura implica diretamente na dificuldade do aluno em produzir textos, pois ele não terá conhecimentos necessários para fazê-lo. Tais conhecimentos a que nos referimos é tanto da forma e das características do gênero solicitado, pois não há “modelos”, quanto do que ter o que dizer, afinal, quem escreve, precisa dizer algo. Conforme Antunes (2003, p. 45): A atividade da escrita é então uma atividade interativa de expressão, (ex.: ‘para fora’), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo interagir com ele. Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia para o êxito da atividade de escrever. Desse modo, podemos dizer que a leitura é essencial para o êxito da produção textual. Ao ser solicitado para escrever um texto, a preocupação do aluno, costumeiramente, recai sobre os sistemas linguísticos, ou seja, as normas gramaticais que virão no livro didático, para produzir um texto que o professor aprove. Nessa conjuntura, frisamos a necessidade de atenção à coesão e à coerência dos textos. A produção textual é mais do que um amontado de frases e palavras, devemos considerar várias normas que regem esse processo, por isso a primeira parte desse capítulo é tão importante. Somando a esse ponto de vista, Koch (2014, p. 30) acrescenta que: [...] para que uma manifestação linguística constitua um texto, é necessário que haja a intenção do produtor de apresentá-la – e a dos parceiros de aceitá-la como tal –, em uma situação de comunicação determinada. Pode, inclusive, acontecer que, em certas circunstâncias, se afrouxe ou elimine deliberadamente a coesão e/ou coerência semântica do texto com o objetivo de produzir efeitos específicos. Aliás, nunca é demais lembrar que a coerência não constitui uma propriedade ou qualidade do texto em si: um texto é coerente para alguém, em dada situação de comunicação específica. [...]. Este alguém, para construir a coerência, deverá levar em conta não só os elementos linguísticos que compõem o texto, mas também seu conhecimento enciclopédico, conhecimentos e imagens mútuas, crenças, convicções, atitudes, pressuposições, intenções explícitas ou veladas, situação comunicativa imediata, contexto sociocultural e assim por diante. Dessa forma, construir um texto é se preocupar também com sua constituição, sua estrutura e critérios textuais. Como comentamos, a prática até recentemente 106 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa era de escrever a famosa redação, o que já vem mudando, inclusive nos livros didáticos. Você sabe a diferença entre redação e produção textual? Para Nascimento (2004, p. 51-52): Redação é o ato de escrever sobre um determinado tema sugerido por alguém ou de livre escolha, seguindo sempre certa metodologia, em que as ideias são organizadas dentro de uma determinada lógica, tendo como objetivo a comunicação. [...] Já a produção de textos é uma atividade totalmente diferente. O texto pode ser feito e refeito várias vezes, dependendo da necessidade, após a análise e orientação de alguém entendido no assunto. Outro aspecto bastante importante da produção é que ela pode ser tanto oral quanto escrita, podendo, inclusive, ser realizada por um analfabeto (apenas no âmbito da oralidade). Essa definição retrata bem a realidade vivenciada por muitos alunos “antigamente” na escola. O professor simplesmente dava um tema e um tempo para os alunos escreverem. Essas redações são formas de avaliar o aluno, semelhante a concursos públicos, ENEM e vestibulares. Tal uso escolar do texto como pretexto para avaliar o ensino gramatical e estrutural contribui para que muitas produções avancem apresentando problemas linguísticos. Para saber mais sobre a produção de texto e os objetos de conhecimento, leia as orientações presentes na BNCC. BNCC Ensino Fundamental: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_ EF_110518_versaofinal_site.pdf. BNCC Ensino Médio: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/BNCC_ EnsinoMedio_embaixa_site_110518.pdf. A produção de texto na nova perspectiva se apresenta muito mais produtiva, pois prevê que os alunos sejam preparados para escreverem os textos. O professor questiona o que os alunos sabem sobre o tema, assim, existe uma discussão prévia que pode ser enriquecida pelo professor conforme diagnóstico. Na sequência, o professor solicita a produção textual, de acordo com um gênero estudado. Nessa proposta, também é oferecida ao aluno a oportunidade de refazer o texto. O professor deverá orientar essas adequações, sempre tendo em mente 107 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 os fatores de textualidade. A reescrita das produções favorece a compreensão dos alunos sobre as normas que o texto deve apresentar. Construir um texto é fazer uma reconstrução de mundo, desse modo, a produção de sentido requer extrema atenção nessa tarefa. Como lembra Koch (2014), o sentido do texto não se encontra nele, o sentido é construído a partir do próprio texto. Por isso é imprescindívellevar em conta o interlocutor durante a produção. Como essa questão é essencial, a exploraremos na próxima seção. Conceber práticas de ensino de produção textual a partir dos estudos sobre gênero textual e textualidade requer uma compreensão da linguagem como interativa e dialógica e, consequentemente, da produção textual como um processo, pois: [...] a atividade da escrita é, então, uma atividade interativa de expressão, (ex. = “para fora”) de manifestação das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagir com ele. Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia para o êxito da atividade de escrever. Não há conhecimento linguístico (lexical ou gramatical) que supra a deficiência do “não ter o que dizer”. As palavras são apenas a mediação, ou o material com que se faz a ponte entre quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem lê. Como mediação, elas se limitam a possibilitar a expressão do que é sabido, do que é pensado, do que é sentido. Se faltam as ideias, se falta a informação, vão faltar as palavras. Daí que nossa providência maior deve encher a cabeça de ideias, ampliar nosso repertório de informações e sensações. [...] Aí as palavras virão, e a crescente competência para a escrita vai ficando por conta da prática de cada dia, do exercício de cada evento, com as regras próprias de cada tipo e de cada gênero de texto (ANTUNES, 2003, p. 45-46). Esse pensamento fundamenta as reflexões de Gomes e Lima (2015) sobre pelo menos três fatores determinantes para a realização de uma produção textual. O primeiro é o gênero textual, dado que, conforme Marcuschi (2008), não se pode comunicar senão por meio de um gênero, e senão por meio de um texto oral ou escrito. Desse modo, como estamos estudando, antes de escrever, os alunos deverão conhecer o gênero sobre o qual vão escrever. O segundo fator são os tipos textuais que estruturam o gênero. Como vimos, a narração, a argumentação, a exposição, a descrição e a injunção se fazem presentes e dão forma ao gênero. Recorrer aos tipos “significa se utilizar de uma natureza linguística semelhante pela caracterização da sintaxe, dos tempos verbais utilizados, das relações lógicas, dos aspectos relacionados ao léxico e até o estilo subjacente ao texto” (GOMES; LIMA, 2015). Em gêneros 108 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa como a entrevista televisiva estão presentes todos os tipos textuais, mas podem prevalecer alguns em detrimento de outros, de acordo com as estratégias do entrevistador e do entrevistado. Em um conto ou romance teremos sequências narrativas, descritivas, expositivas. Assim, a predominância de um tipo não depende só do gênero, mas também de quem produz o texto, da intencionalidade e da situacionalidade (GOMES; LIMA, 2015). O terceiro fator a ser observado na produção, segundo Antunes (2003), é a informatividade. Esse fator de textualidade é fundamental, pois é preciso ter o que dizer na produção textual (GOMES; LIMA, 2015). 1 No início do capítulo vimos os setes fatores de textualidade e agora gostaríamos que você refletisse e explicasse por que esses fatores são importantes para a produção textual. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________. Ao propor trabalhos com textos em sala de aula é sempre pertinente lembrar que o aluno vem com seu modo de se expressar e sua cultura. Um exemplo de como isso pode interferir no ensino, principalmente no Ensino Fundamental, é a forte influência da fala na escrita, ou seja, o conhecimento linguístico-discursivo dos alunos se origina na interação com textos falados, em situações coloquiais, em sua maioria. Assim, é normal que o aluno transponha para o texto escrito os procedimentos que está habituado a utilizar na fala. Na escola, esse aluno precisará desenvolver suas habilidades para a comunicação escrita, porém isso se dará a partir dos conhecimentos já dominados da oralidade. Caberá ao professor perceber a melhor maneira de trabalhar com esse conhecimento prévio e acrescentar novas opções linguísticas, assim como olhar para o texto do aluno 109 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 com base nas condições de produção para poder analisar como a textualização foi feita e propor direções para a reescritura do texto, de modo a adequá-lo à situacionalidade e, lógico, esse processo pode levar anos a fio (KOCH, 2014). Discutiremos os processos de reescritura de textos em sala de aula no próximo capítulo. O livro Ler e Escrever, das autoras Ingedore Villaça Kock e Vanda Maria Elias (2015), apresenta várias características da fala que podem ser encontradas em textos escritos dos nossos alunos. Leitura imperdível! 4.1 A QUESTÃO DO INTERLOCUTOR Para produzirem textos eficientes, os alunos precisam saber o que querem dizer, para quem e qual gênero utilizarão. Por muito tempo, eles faziam as composições tradicionais das escolas e suas produções eram limitadas, resultando em falta de proficiência, não refletindo os textos que os alunos terão que escrever ao longo da vida. Conforme Geraldi (2011, p. 36), “não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas”. Se pensarmos em como a criança aprende, através da interação, fica evidente que o domínio da língua é resultado de práticas efetivas, significativas e contextualizadas. As propostas que serão apresentadas aqui devem ser vistas como forma de interação. Você provavelmente viveu a cena de o professor anunciando aos alunos para pegarem seus cadernos e canetas para escreverem uma composição sobre as férias, ressaltando o número mínimo de linhas e o cuidado com a ortografia, certo? Os temas propostos têm se repetido ao longo dos anos: minhas férias, dia das mães, minha pátria etc. Além desses temas serem desestimulantes, o aluno pensará que só se escreve sobre essas coisas (GERALDI, 2011). Para o professor não é menos frustrante, é só pensar na decepção de ver o aluno jogar na lixeira a redação para a qual ele tinha feito sugestões com tanta dedicação sem que o aluno sequer tenha lido. Por isso, devemos pensar em propostas que fujam de tais temas e do destino certo que se tornou a lata de lixo. Nesse aspecto, destacamos o tema deste subcapítulo, pois até então a produção 110 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa de texto era destinada ao professor (único leitor). Que graça tem escrever apenas para o professor avaliar? (GERALDI, 2011). Igualmente, devemos aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no cotidiano, levando o aluno a participar de forma eficiente das atividades sociais. Nesse sentido, notícias, receitas, mensagens, são ações que envolvem uma forma de texto com uma finalidade. Conhecer esses aspectos é fundamental para a construção da escrita. Na concepção interacional da língua, quem escreve e para quem se escreve são vistos como “atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 34). O texto é um evento comunicativo. Dando continuação ao raciocínio, a interação humana está envolta pelos processos de construir e dar sentido, o que envolve vários fatores, mas principalmente o contexto sociocomunicativo. Podemos considerar que a imagem do interlocutor é um componente essencial para o evento comunicativo. Os textos são escritos para serem lidos e compreendidos pelos seus destinatários. Justamente por essa condição interacional, devemos nos preocupar com o interlocutor. Escrever jánão é tarefa fácil, por isso os alunos precisam se sentir estimulados, vendo sentido na proposta. À vista disso, Geraldi (2011, p. 65) propõe que os textos escolares tenham outro destino além de apenas o professor, vejamos: Para os textos produzidos no sexto ano: a publicação, impressa, de uma antologia das histórias produzidas, em que constará tanto o nome do aluno que contou a história como o nome do autor do texto. No final do ano, portanto, os alunos terão produzido um livrinho, e este será o objetivo final da prática de produção de textos nesse ano. Para os textos produzidos no sétimo ano: organização, como no ano anterior, de uma antologia de textos no final do ano ou organização de um jornal mural da turma, em que serão afixados os textos produzidos para que todos os colegas possam lê-los. Para os textos produzidos no oitavo ano: organização de jornal impresso, da escola ou do ano, com circulação mensal, em que os melhores textos serão publicados. Os jornais poderão ser vendidos no interior da escola ou fora dela, para assim se tornarem financeiramente viáveis. Para os textos produzidos no nono ano: organização de antologia no final do ano e/ou remessa dos melhores textos para publicação no jornal da localidade (quando houver e desde que o professor consiga espaço para uma coluna de sua responsabilidade). Sabe-se que os jornais do interior publicam mais releases de órgãos governamentais do que 111 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 matérias produzidas em sua própria cidade. É fácil conseguir com tais jornais espaço para a publicação de textos produzidos na escola: aumenta sua venda, pois tanto os pais quanto os colegas vão procurar ler aquilo que o filho ou o amigo escreveu. É importante que tais propostas sejam do conhecimento dos alunos desde o início do ano letivo e não é porque uma temática foi trabalhada no ano anterior que não pode ser retomada. Para Geraldi (2011), um dos grandes problemas da produção de textos na escola é a questão do interlocutor. A linguagem tem caráter interlocutivo, a língua é meio privilegiado de interação. O interlocutor no processo de escrita pode ser preciso, definido, como em uma carta, uma petição; pode ser genérico para um determinado grupo social, como jornal; pode ser virtual, como em uma ficção literária, porém, a presença desse interlocutor é importante, ele interfere no discurso do locutor, nas escolhas de estratégias comunicativas, de variedade linguística, vocabulário etc., mas a maioria dos trabalhos sobre redação escolar ignora essa questão. Como escrever para ninguém ou sem saber para quem se fala? Escrever um texto para o professor avaliar é apenas cumprir uma tarefa (GERALDI, 2011). A ausência de interlocutor na produção escrita pode, inclusive, interferir na obtenção da coesão do texto. Segundo Possenti (1981 apud GERALDI, 2011), dependendo da imagem que o locutor tenha do interlocutor, ele usará um ou outro mecanismo coesivo, ou seja, a imagem que o aluno tem do seu interlocutor na produção de texto, comandará a decisão pelos mecanismos coesivos. Por exemplo, na escola, o aluno sabe que será julgado e avaliado. O professor é o remetente do texto, o principal pelo menos, talvez o único leitor do texto. Assim, o aluno escreve o que acha que o professor gostará, com base na visão e gosto do professor. Tudo em busca de uma boa nota. Ele, enquanto interlocutor, determina a própria imagem de língua do aluno (GERALDI, 2011). Nesse cenário, o aluno usa estratégias de preenchimento, em que ele se mune de um arcabouço de fragmentos de reflexões desarticuladas, como estratégia de transferência de regras de uso da oralidade à produção escrita. Marquesi (2011) afirma que o problema tem se agravado nos últimos anos, inclusive no Ensino Médio, pois os alunos ainda têm extrema dificuldade para escrever e então reproduzem, em sua escrita, frases, clichês ou trechos de textos lidos, sem fio condutor. Nessa tentativa de escrever dentro de uma linguagem que considera culta, pode-se observar exemplos como: [...] pois não queria ela que a garota se desse ilusões. 112 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa [...] porém ela não reclamava, pois sabia que não adiantaria, pois o homem sempre se afastava das encrencas. Nós jovens [...] nos deparamos com vários obstáculos, como por exemplo, o qual caminho a seguir (GERALDI, 2011, p. 121). Nesses exemplos, podemos perceber certas marcas características da concepção de linguagem formal dos alunos, como inversões sintáticas, conjunções raramente usadas na oralidade, substituição sistemática da palavra “que” por “qual” e um vocabulário estranho à linguagem usual dos alunos. A partir desses procedimentos, podem crer que o aluno tem a necessidade de “encher” espaço e de tornar culta sua redação, com os recursos que tem e a imagem de língua que construiu (GERALDI, 2011). Para se aprofundar nas questões do texto nas aulas de Língua Portuguesa, leia: GERALDI, J. W. Portos de passagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. Geraldi (2011) relata outros fatos da sua experiência como professor de redação. Em um curso, ele propôs aos alunos que escrevessem uma redação que começasse com a frase “à medida que caminhava pela rua, recordava-se de que...”. Nas redações que vieram, o professor encontrou várias vezes a conjunção “à medida que”, algumas inclusive com uso inadequado. Isso revela que os alunos usaram essa construção porque vinha do professor e por isso seria “culta e certa”. Outra situação que Geraldi (2011) aponta, foi quando colocou no quadro uma série de pares de conectivos e relatores, como “que/o qual, pois/porque, para/ para que, e outras palavras pouco usadas na oralidade, mas recorrentes nas redações (ego, trajar, adentrar). Então ele perguntou para os alunos quais eles usavam no cotidiano. Em apenas um dos pares (para/para que) escolheram uma opção que coincidisse com a mais usada nas redações, talvez pela dificuldade com o subjuntivo. Na sequência, o professor perguntou então por que usavam outra palavra na redação e as respostas iam de encontro ao mesmo ponto: “Pra redação ficar mais bonita. Pra mostrar pro professor que a gente sabe. Pra redação ficar menos vulgar/mais rica/diferente do que a gente fala” (GERALDI, 2011, p. 122). 113 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Uma aluna mencionou que no rascunho escrevia “que” e ao passar a limpo substituía por “o qual”. Também teve a que dissesse que era para enfeitar a redação e outra que revelou preocupação com o número de linhas. “Há, assim, um procedimento linguístico, em certa medida consciente, que o estudante utiliza na redação, determinado pelas imagens que cria do interlocutor e da língua culta” (GERALDI, 2011, p. 122-123). Com essa imagem de língua, não percebemos apenas a instrução que o aluno recebeu, mas a própria imagem que o aluno cria do seu interlocutor (escola e professor) que determina a criação de língua e, consequentemente, as escolhas de procedimentos linguísticos. Como o interlocutor tem caráter valorativo, o aluno sente a necessidade de mostrar que sabe, e com isso nega a sua capacidade linguística oral e cria uma imagem de língua apoiada na imagem do interlocutor que tem, ou seja, nas relações sociais, as quais têm marcas de autoridade, padrão culto etc. (GERALDI, 2011). Com isso, concluímos que a identidade do interlocutor terá grande influência na elaboração do texto. A questão é mais do que estilização ou apropriação de linguagem, mas aplicação de modelos preestabelecidos por valores sociais privilegiados. Isso resulta na imposição do interlocutor sobre o locutor e, consequentemente, no apagamento do próprio papel do sujeito (GERALDI, 2011). 1 Com base no que vimos até agora, explique sobre as implicações teórico-metodológicas da visão sociodiscursiva de texto nas práticas em sala de aula. R.: ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________. 114 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Chegamos ao final do nosso segundo capítulo! Como vimos, o texto é o lugar e o meio de interação e aqui ele foi nosso objeto de estudo. Concebemos o texto como ação social compartilhada na construção de sentido, assim, sua construção requer atenção a vários fatores. As práticas de ensino de produção textual, segundo as concepções de textualidade, requerem que concebamos o texto não como um produto acabado, mas como um processo construído a partir de interlocutores reais em situações concretas de comunicação. Buscamos discutir o papel dos gêneros discursivos, dentro da visão bakhtiniana, no ensino e aprendizagem, comprometido com os usos sociais da linguagem. Compreender a produção textual, seja oral ou escrita, nos diferentes gêneros em uso na sociedade é tarefa fundamental para a ampliação da competência comunicativa dos alunos. As atividades com gêneros deverão destacar a funcionalidade desses textos e valorizar os sujeitos envolvidos na interação. Os gêneros textuais permitem diversas práticas de linguagem, atuando como suporte para atividades de comunicação. A comparação entre os diferentes gêneros e tipos textuais fornece material para que os alunos construam seu conhecimento sobre os modelos para que possam aplicar na própria comunicação de modo eficiente. Os conteúdos relacionados à gramática e variedade padrão mantêm sua importância nessas aulas, mas também outras variedades sociolinguísticas devem ser contempladas, objetivando o desenvolvimento das competências sociocomunicativas. Visamos a um aluno que produza seus textos com eficiência, a partir das contribuições e estudos sobre o gênero textual e a textualidade, que também tenha uma visão crítica sobre o discurso do outro. A atividade de produção textual vista como evento comunicativo recupera elementos linguísticos, mas também uma conjugação de fatores. As sugestões e as competências listadas nesse capítulo estão longe de esgotar o assunto, mas acreditamos que servem de base para a transformação das aulas de língua portuguesa. Almejamos que a visão sociointeracionista adotada aqui atue em sala de aula, possibilitando uma transformação social, na qual o aluno possa desempenhar seu papel como participante ativo e crítico da sociedade. 115 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 REFERÊNCIAS ANTUNES, I. C. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. ANTUNES, I. C. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ANTUNES, I. C. Língua, gêneros textuais e ensino: considerações teóricas e implicações pedagógicas. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 65-76, jan./ jun. 2002. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/ viewFile/10369/9638. Acesso em: 28 jan. 2020. AZEREDO, J. C. A linguística, o texto e o ensino da língua. São Paulo: Parábola, 2018. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. 4. ed. 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Intencionalidade e aceitabilidade. In: KOCH, I. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. 22. ed. São Paulo: Contexto, 2010. KOCH, I. V.; VILELA, M. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: constituição e práticas sociodiscursivas. São Paulo: Cortez, 2010. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividade de retextualização. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MARQUESI, S. C. Escrita e reescrita de textos no Ensino Médio. In: ELIAS, V. M. da S. (Org.). Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: Contexto, 2011. NASCIMENTO, C. V. do. Prática de leitura e produção textual: uma abordagem dinâmica. Monografia (Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Língua Portuguesa). Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande: UEPB, 2004. QUEIROZ, M. 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Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997. VAL, M. da G. C. Repensando a textualidade. IV Fórum de Estudos Linguísticos. Faculdade de Letras. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 1999. VAL, M. da G. C. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. CAPÍTULO 3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Refletir sobre a importância da prática de análise textual considerando as diferentes normas linguísticas. � Compreender e discutir o desenvolvimento do processo da retextualização. � Entender a avaliação durante o processo de ensino-aprendizagem. � Conceber a avaliação de textos na heterogeneidade. � Refletir sobre a avaliação de textos e suas implicações. � Discutir as concepções de avaliação na atualidade. 120 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 121 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Caro acadêmico, seja bem-vindo ao terceiro capítulo do livro da disciplina Metodologia do ensino de língua portuguesa. Ao longo da nossa conversa até aqui, já podemos concluir que temos um grande desafio pela frente! Apesar de difícil, a tarefa do professor não é impossível e neste capítulo veremos mais estratégias e reflexões para auxiliar você. No intuito de aprofundarmos nossos conhecimentos sobre estratégias pedagógicas embasadas em conceitos atuais no que se refere ao ensino de língua materna e sob a perspectiva sociointeracionista, destacamos a importância da prática da análise linguística no contexto escolar. Essa estratégia é interessante para trabalhar questões discursivas que envolvem atividades de uso da língua e de recursos expressivos em produções textuais, com o objetivo de ampliar a competência discursiva. Conversaremos mais sobre o processo de produção textual neste capítulo, sob a perspectiva de teorias linguísticas modernas ao explorarmos o processo de retextualização. Nesse tema, destaca-se o estudioso Marcuschi ao abordar a retextualização de um texto oral para um texto escrito, conforme veremos. Essa prática também pode ser aplicada com diferentes gêneros discursivos, diferentes níveis linguísticos e etilos. Salientamos que a própria produção textual do aluno deve passar pelo processo de retextualização, assim ele deverá escrever, revisar e reescrever de modo que reflita sobre a sua produção textual e sua atuação enquanto sujeito discursivo. Com essa prática, caminha-se para a adequação textual às convenções sociais e à normatividade a partir de um processo dialógico. Neste processo, o professor deverá ler as produções e sugerir adequações gramaticais e ortográficas no que se refere aos fatores textuais, como vimos no capítulo anterior, mantendo assim a heterogeneidade das produções de seus alunos e estimulando a competência linguística. Em tal cenário, corrigir e avaliar as produções textuais dos alunos corresponde a mediar a escrita, a revisão e a reescrita. Por esse caminho, caímos na discussão sobre a avaliação, porém iremos além do que simplesmente teorizar a respeito do processo. Nossa proposta é refletir sobre a avaliação na heterogeneidade das salas de aulas e a partir de uma concepção discursiva da linguagem. Diante deste novo olhar para o ensino e a aprendizagem, mudanças de posturas por parte da comunidade escolar se mostram necessárias. Ao discutirmos sobre a avaliação escolar, aproveitamos 122 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa para levantar algumas questões acerca das intervenções docentes na produção textual dos alunos. Ótima leitura e uma excelente reflexão! 2 ANÁLISE LINGUÍSTICA: OPÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA O ensino de gramática, como vimos, por muito tempo foi um dos pilares mais fortes das aulas de língua portuguesa. A primeira referência para um outro caminho surge com a obra O texto na sala de aula, de João Wanderley Geraldi (1984), que traz reflexões de práticas sobre a língua em seu aspecto discursivo e funcional. Neste momento, já temos uma proposta que combina leitura, escrita e análise linguística (AL). Nas décadas seguintes, surgem outras publicações e as sugestões de trabalho com a AL são ampliadas, fortalecendo a proposta dessa prática em vez das tradicionais aulas de gramática. Conforme aponta Mendonça (2006, p. 199-200), a crítica às aulas de gramática está baseada em alguns pontos, como: a) os resultados insatisfatórios da ênfase nas aulas de gramática (parcialmente evidenciados em avaliações como ENEM e SAEB), ou seja, alunos cujas habilidades básicas de leitura e de escrita não foram potencializadas, já que essas ficam em segundo plano; b) a constatação, por meio de pesquisas, de que a gramática normativa, base do ensino de gramática na escola, apresenta inconsistências teóricas (por ex. a definição de sujeito e suas subclassificações, que misturam aleatoriamente critérios semânticos, sintáticos e até pragmáticos), além de não descrever adequadamente a norma padrão contemporânea. A crença de que o trabalho com a gramática tradicional corrobora com a melhora do desempenho linguístico do aluno reinou por muitos anos dentro das escolas. No entanto, podemos constatar que isso não tem sido atingido. Como afirma Geraldi (1996, p. 129-130), a sistematização dos conteúdos gramaticais: [...] não se dá, na prática de sala de aula, de forma tão sistemática. O simples manuseio de alguns livros didáticos, ou de materiais alternativos produzidos para substituí-los, nos mostra que a sequência em que são trabalhados tais conteúdos gramaticais dificilmente permitirá, ao final de oito anos de estudos, que o aluno tenha um quadro sinóptico de ao menos uma proposta gramatical. O conteúdo é distribuído, nas diferentes séries, de uma forma tão irracional que a uma lição 123 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 sobre o plural de substantivos compostos pode se seguir uma lição de análise sintática. Qual é, então, a sistematização que se oferece à reflexão prévia do estudante? Tratar-se-ia de uma sistematização a cada vez local? Por conta de quem ficaria, então, a construção de uma visão geral da teoria gramatical estudada? Por conta do estudante? Essa reorientação para o ensino de português já vem sendo semeada em publicações desde a década de 1980, quando encontramos propostas de práticas sociais significativas e integradas, com produções textuais relacionadas à AL e não a exercícios estruturais de gramática (normativa e descritiva). Entretanto, parece que existem modelos fixos que ainda se fazem presentes em sala de aula. Desse modo, ainda no terceiro milênio, encontramos práticas de ensino no Fundamental II e Ensino Médio que revelam uma mescla entre o modelo de aula tradicional, de ensinar gramática, com o avanço das novas práticas (MENDONÇA, 2006). Para aprofundar seus conhecimentos sobre a Análise Linguística, sua história e diferentes concepções envolvidas, leia: BEZERRA, M. A.; REINALDO, M. A. Análise linguística: afinal a que se refere? São Paulo: Cortez, 2013. A transição entre uma nova perspectiva e as formas tradicionaisde ensino é um processo conflituoso, pois não é fácil se desvencilhar de velhas práticas. Neste momento de dúvidas, algumas perguntas são pertinentes para nossa reflexão, como: qual o lugar da AL nesse cenário? Como trabalhar com a AL sem cair nas regras e nomenclaturas da gramática normativa? Devemos coordenar práticas de produção textual com a AL? Fazer AL é substituir nomenclaturas da gramática normativa por nomenclaturas linguísticas (coesão, coerência, anáfora etc.)? Vamos seguir nossa conversa e aclarar essas questões. Afinal do que se trata essa análise linguística? Neste material pedagógico adotamos uma visão sociointeracionista da linguagem, nos preocupando com a linguagem em uso. É sobre essa linguagem que a AL se dedica, possibilitando a reflexão sobre o domínio da língua em diferentes situações. Mendonça (2006), inclusive, chama nossa atenção para o fato de que novas palavras surgem com novas necessidades ou mesmo velhas palavras ganham novo sentido conforme emergem novos fatos. É nesse contexto que se insere a 124 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa AL, trazendo uma nova perspectiva sobre o sistema linguístico e sobre o uso da língua, no que se refere ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais e discursivos. Tendo como foco a língua em uso, Geraldi (1996) amplia a crítica ao ensino gramatical nas escolas, uma vez que não cabe aplicar análises cristalizadas das gramáticas normativas sem que os alunos tenham a prática desses fenômenos. Assim, essas análises são “[...] respostas dadas a perguntas que os alunos (enquanto falantes da língua) sequer formulam. Em consequência, tais respostas nada lhes dizem e os estudos gramaticais passam a ser ‘o que se tem para estudar’, sem saber bem para que apreendê-los” (GERALDI, 1996, p. 130). Na perspectiva sociointeracionista, a AL se constitui enquanto um dos três eixos básicos do ensino de língua portuguesa, junto à leitura e à produção de textos. A AL aparece como uma proposta “que teria como objetivo central refletir sobre elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco nos usos da linguagem” (MENDONÇA, 2006, p. 206). Para compreender melhor as diferenças básicas entre ensino de gramática e a AL, veja o seguinte quadro: QUADRO 1 – DIFERENCIAÇÃO ENTRE ENSINO DE GRAMÁTICA E PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA Ensino de gramática Prática de análise linguística Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível e invariável. Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita às interferências dos falantes. Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de gramática não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual. Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para a leitura e a produção de textos. Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) mais treinamento. Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades/regras). Privilégio das habilidades metalinguísticas. Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas. 125 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de ensino, abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fixa. Ênfase nos usos como objeto de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturas textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário. Centralidade da norma padrão. Centralidade dos efeitos de sentido. Ausência de relação com as especificidades dos gêneros, uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal. Fusão do trabalho com os gêneros, na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas. Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o período. Unidade privilegiada: o texto. Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação e classificação de unidades/ funções morfossintáticas e correção. Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação e efeitos de sentido. FONTE: Mendonça (2006, p. 207) Nesse quadro percebemos algumas diferenças entre o ensino tradicional voltado para as normas gramaticais e práticas de AL. A partir dessa análise, podemos afirmar que a AL tem como foco a reflexão sobre elementos e fenômenos linguísticos e estratégias discursivas na linguagem em uso. Ainda que não exclua a gramática, a proposta vai além e compreende aspectos textuais, discursivos e normativos para contribuir com o desenvolvimento das habilidades de leitura e escuta, de produção textual e análise e sistematização dos fenômenos linguísticos. Nesse segmento, Mendonça (2006, p. 208) destaca que no lugar da classificação e da identificação, a AL promove espaço à reflexão. A partir de atividades linguísticas (leitura/escuta e produção oral e escrita) e epilinguísticas (comparar, transformar, reinventar, enfim refletir sobre construções e estratégias linguísticas e discursivas), que familiarizam com o aluno com os fatos da língua, este pode chegar às atividades metalinguísticas, 126 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa quando a reflexão é voltada para a descrição, categorização e sistematização dos conhecimentos, utilizando nomenclaturas. Segundo Mendonça (2006), no Ensino Fundamental é preciso articular as atividades de Análise Linguística às de leitura e de escrita, evitando a sistematização de nomenclatura. No entanto, no Ensino Médio, essas habilidades devem ser ampliadas e as nomenclaturas precisam fazer parte do processo de ensino. Se o EFI deve se voltar essencialmente para a apropriação do sistema de escrita e para a ampliação das experiências de letramento dos alunos, com ênfase nas práticas de leitura e escrita, esse trabalho é ampliado no EFII, com acréscimo de outras habilidades e outros conceitos, estes devidamente nomeados. O EM, por sua vez, continua essa abordagem, mas o aluno deve, além de permanecer desenvolvendo habilidades de leitura e escrita, ter acesso sistemático às nomenclaturas técnicas, saberes culturalmente construídos e socialmente valorizados. Negar aos alunos esse conhecimento é um equívoco por várias razões (MENDONÇA, 2006, p. 218). Assim, a prática da análise linguística, tanto no Fundamental como no Ensino Médio, deve estar articulada com as práticas de linguagem em uso real. A proposta não é eliminar a gramática das aulas de língua portuguesa, pois ela tem o seu papel, mas possibilitar que tenhamos outra visão de acordo com os novos objetivos, assim, espera-se refletir sobre o que é linguagem. Inclusive, como já comentamos, assumir determinadas concepções interferirá na nossa postura em sala de aula. Nesse viés, a seleção de conteúdos não pode ter como referência os estudos gramaticais, pelo contrário, os conteúdos de análise linguística devem refletir as necessidades dos alunos, tanto na produção quanto na leitura e escuta de textos. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ao tomarmos um texto como objeto de ensino: [...] ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização preestabelecida. Os textos submetem-se às regularidades linguísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isto aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacionarem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibilidades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses conteúdos e não com todos (BRASIL, 1998, p. 78-79). 127A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Você encontrará mais informações sobre os conteúdos de modo bem explicitado nos PCN, disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seb/arquivos/pdf/portugues.pdf; e PCNEM: http://portal.mec.gov.br/ seb/arquivos/pdf/14_24.pdf. Na sequência, temos que salientar os procedimentos metodológicos, destacando na proposta de Análise Linguística tanto atividades epilinguísticas, que são voltadas para a reflexão sobre a língua e suas propriedades, como atividades metalinguísticas, de observação, descrição e categorização, para tratar os fenômenos linguísticos discursivos. Os PCN apontam alguns procedimentos metodológicos para a prática de análise linguística que são fundamentais para o planejamento do ensino, vejamos: • isolamento, entre os diversos componentes da expressão oral ou escrita, do fato linguístico a ser estudado, tomando como ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos: o ensino deve centrar-se na tarefa de instrumentalizar o aluno para o domínio cada vez maior da linguagem; • construção de um corpus que leve em conta a relevância, a simplicidade, bem como a quantidade dos dados, para que o aluno possa perceber o que é regular; • análise do corpus, promovendo o agrupamento dos dados a partir dos critérios construídos para apontar as regularidades observadas; • organização e registro das conclusões a que os alunos tenham chegado; • apresentação da metalinguagem, após diversas experiências de manipulação e exploração do aspecto selecionado, o que, além de apresentar a possibilidade de tratamento mais econômico para os fatos da língua, valida socialmente o conhecimento produzido. Para esta passagem, o professor precisa possibilitar ao aluno o acesso a diversos textos que abordem os conteúdos estudados; • exercitação sobre os conteúdos estudados, de modo a permitir que o aluno se aproprie efetivamente das descobertas realizadas; • reinvestimento dos diferentes conteúdos exercitados em atividades mais complexas, na prática de escuta e de leitura ou na prática de produção de textos orais e escritos (BRASIL, 1998, p. 79). 128 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Para a apropriação dos conhecimentos gramaticais e sua aplicação nas produções escritas, os PCN sugerem a refacção dos textos produzidos pelos alunos. Tomando como ponto de partida o texto elaborado pelo aprendiz, o professor pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às características estruturais dos diversos tipos textuais como também os aspectos gramaticais que possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade escrita da língua (BRASIL, 1998). Esse processo de reescrita permite ao aluno modificar/melhorar o seu texto e desenvolver uma atitude crítica. As práticas de AL proporcionarão ao aluno conhecimentos sobre a língua e o contato com novos recursos expressivos, então, ao longo do período escolar, ele terá adquirido uma variedade linguística diferente daquela adquirida em sua comunidade. Segundo com Geraldi (1997, p. 192-193): [...] além dos objetivos que tais atividades possam ter em si próprias, enquanto conhecimento que produzem sobre a língua, acrescente-se o fato de que elas podem servir e servem para uma outra finalidade: a do domínio de certos recursos expressivos que não fazem parte daqueles já usados pelos alunos. Toda reflexão feita deve estar no horizonte: o confronto entre diferentes formas de expressão e mesmo a aprendizagem de novas formas de expressão, incorporadas àquelas já dominadas pelos alunos, levam à produção e ao movimento de produção da variedade padrão contemporânea. Note-se, esta nova variedade não dispensa o conhecimento da variedade padrão anterior, mas faz deste conhecimento (que não precisa necessariamente ser total) uma condição na construção da nova variedade. Lembrando sempre que o aluno deve sentir a sua variedade linguística valorizada e a nova variedade adquirida deverá vir a somar, como mais uma opção para adequação às diferentes situações sociais. Precisamos ter cuidado com a discriminação linguística! Para saber mais sobre a Análise Linguística, as práticas de leitura e a produção textual nesse contexto, sugerimos a leitura do livro ‘Análise linguística nos gêneros textuais’: WACHOWICZ, T. C. Análise linguística nos gêneros textuais. Curitiba: InterSaberes, 2012. 129 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 2.1 O ENSINO DE GRAMÁTICA E A AL Mesmo diante das discussões realizadas até este momento, você deve estar se perguntando: e a gramática? Como ensinar gramática nesse contexto? Começaremos conversando sobre o nosso entendimento de gramática. De acordo com Antunes (2003), podemos partir do princípio de que todo falante tem domínio de regras de funcionamento da língua para a produção de enunciados e esses conhecimentos são compartilhados com os interlocutores. Para a autora, “não existe falante sem conhecimento de gramática” (ANTUNES, 2003, p. 86). Assim, afirma que todos têm uma gramática internalizada, isso não significa que os falantes sabem dizer o que é um complemento nominal, mas sim que conhecem as regras de uso para tornar o seu discurso inteligível. Por esse caminho, as regras gramaticais são as orientações de “[...] como usar as unidades da língua, de como combiná-las, para que se produzam determinados efeitos, em enunciados funcionalmente inteligíveis, contextualmente interpretáveis e adequados aos fins pretendidos na interação” (ANTUNES, 2003, p. 86). Então, podemos pensar em regras como as concordâncias nominais e verbais, o emprego dos pronomes, as flexões verbais, entre outros elementos que corroboram para que o enunciado seja compreendido na situação de comunicação. Por outro lado, o que vemos no ensino escolar são as questões metalinguísticas de definição e classificação das unidades da língua, nome de conjunções e classificação, diferentes tipos de oração, enfim, as nomenclaturas tradicionais das gramáticas normativas, mas que não são as regras de uso da língua. Então, a questão que Antunes (2003, p. 88) salienta não se refere a “ensinar ou não gramática, mas ponderar sobre o que ensinaremos, as regras (mais precisamente as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e escritos”. Cabe ao professor decidir o que ensinar e sob qual perspectiva. Quando for necessário ensinar questões metalinguísticas, essas devem ser relevantes e contextualizadas. Ensinar ou não nomenclaturas é uma questão polêmica nesse contexto, porém, como salienta Mendonça (2006), é uma falsa questão, pois as nomenclaturas técnicas fazem parte dos objetivos de ensino e são necessárias para a construção do conhecimento científico. Com isso, deve-se fazer uso da metalinguagem quando for necessário sim, uma vez que a “[...] escola valoriza não apenas o ‘saber’, mas o ‘saber dizer’, [resultado] de uma prática discursiva privilegiada”, cuja consequência é “[...] a maior capacidade para verbalizar o conhecimento e os processos envolvidos em uma tarefa” (KLEIMAN, 1995, p. 27). 130 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Mendonça (2006) advoga, inclusive, a favor do uso da metalinguagem, afirmando que seu uso pode ser econômico, no sentido de que possibilita referir aos fenômenos em diferentes situações englobados em um nome genérico. Como no caso do conceito de ambiguidade, pode servir para explicar qualquer situação de ambiguidade, partir para a análise de outros exemplos de ambiguidades e fazer generalizações sobre o fenômeno. Ainda, o conhecimento das nomenclaturas permitirá que os alunos manipulem manuais, gramáticas e dicionários. Soma-se a esses pontos, a necessidade de conhecimentos técnicos básicos para exames de seleção, como vestibulares e concursos públicos, tanto para compreender os enunciados como para as próprias questões. No quadro a seguir, pode-seperceber algumas diferenças de perspectivas de um mesmo fenômeno linguístico, segundo as aulas tradicionais de gramática e a proposta da AL. QUADRO 2 – PRODUÇÃO DE TEXTO: ENSINO DE GRAMÁTICA E ANÁLISE LINGUÍSTICA Ensino de gramática Objeto de ensino Estratégia mais usada Habilidade esperada Orações coordenadas e subordinadas - Exposição de períodos para identificação e classificação dos termos - Identificar e classificar as orações e os períodos Análise linguística Objeto de ensino Sugestão de estratégia Habilidade esperada Operadores argumentativos; organização estrutural das sentenças. - Leitura e comparação de textos. - Exercícios de reescrita de textos e de trechos de textos. - Perceber que as várias formas de estruturar períodos e de ligá- los por meio de operadores argumentativos (preposições, conjunções, alguns advérbios e expressões) podem mudar os sentidos do texto ou podem resultar em textos mais ou menos coesos e coerentes. - Ser capaz de escolher, entre as diversas possibilidades da língua, a que melhor atende à pretensão de sentido de quem escreve. - Saber consultar dicionários e gramáticas para ampliar o repertório de operadores argumentativos e conhecer suas nuances de sentido. FONTE: Mendonça (2006, p. 214) 131 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 No desenvolvimento de habilidades de produção de textos escritos ou orais, nos diferentes gêneros discursivos, a AL pode contribuir muito trazendo a reflexão sobre virtudes e lacunas percebidas, de natureza diversificada, superando a atitude de correção do professor sem o envolvimento do aluno. Esse tipo de atividade de produção de texto pode enfocar questões das seguintes ordens: Ortografia: erros de grafia em palavras que apresentam regularidade devido ao mesmo radical (ex. pesquisa/ pesquisador) e certas alterações relativas ao contexto silábico (coragem/corajoso). Morfossintática/normativa: problemas de concordância verbal comuns, por exemplo, com sujeito posposto, distante do verbo. Textual: problemas de coesão/coerência por ambiguidades indesejadas, organização sintática inadequada e/ou por mau uso de operadores argumentativos (preposições, conjunções e locuções conjuntivas; certos advérbios e adjuntos adverbiais, como assim, agora, logo depois) etc. Discursiva: uso inadequado de vocabulário em relação à orientação argumentativa do texto (referir-se a adolescentes infratores como “bandidos” num texto que argumente serem eles vítimas de causas sociais), inadequação do grau de formalidade ao gênero (formal ou informal demais) etc. (MENDONÇA, 2006, p. 215). A AL foca na produção de sentido, mas certos tópicos que se referem à dimensão normativa e sistêmica precisam ser trabalhados com frequência, como erros de grafia relacionados aos parônimos comuns (sessão/seção) que podem interferir na compreensão do texto, independente do gênero trabalhado. Em outros momentos, pode ser necessário enfocar certos recursos de coesão e coerência de textos em geral e não especificamente pertencente a um gênero, para trabalhar questões, como contradição, progressão tópica, uso de conectivos etc. que afetam a coerência do texto (MENDONÇA, 2006). Com o quadro a seguir, podemos ter uma ideia resumida das principais diferenças no tratamento da norma padrão no ensino de gramática e na prática de análise linguística. 132 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa QUADRO 3 – NORMA PADRÃO: ENSINO DE GRAMÁTICA E ANÁLISE LINGUÍSTICA Ensino de gramática Objeto de ensino Estratégia mais usada Competência esperada Sujeito e predicado Exposição de frases e períodos para identificação e classificação dos termos. Identificar e classificar os termos em orações e períodos. Concordância verbal Resolução de exercícios estruturais com frases e períodos para a escrita da forma verbal correta. Utilizar as formas verbais corretas em frases e períodos, geralmente preenchendo lacunas. Justificar a concordância, explicitando a regra prescrita pela gramática normativa. Análise Linguística Objeto de ensino Sugestão de estratégia Competência esperada Concordância verbal e referência Análise e comparação de textos, especialmente produções dos alunos, com posterior reescrita; consulta a gramáticas para compreender por que determinada concordância e faz de certa forma etc. Perceber a que termo o verbo se refere (qual é o sujeito), para efetuar a concordância de acordo com a norma padrão. Habituar-se a consultar gramáticas para sanar dúvidas nos casos menos comuns. Compreender as regras apresentadas para ser capaz de recorrer às gramáticas com autonomia em momentos de dúvida. FONTE: Mendonça (2006, p. 216) Percebemos com o Quadro 3 que os fenômenos até podem vir a ser os mesmos, mas o tratamento e os objetivos de ensino são diferentes nas aulas de gramática e na análise linguística, resultando em práticas pedagógicas diferentes. Nesse contexto, encontramos certo conflito de identidades docentes: o professor que assume publicamente que trabalha a partir do texto com a gramática contextualizada, mesmo podendo não saber bem por que, e o ensino que encontramos em sala de aula, no qual o professor mistura diferentes objetos de ensino (aspectos da gramática normativa, da gramática descritiva etc.) com várias abordagens metodológicas. No entanto, muitas vezes a afirmação de que se trabalha com a gramática contextualizada esconde o fato de que essa contextualização são frases retiradas de um texto, mas sem qualquer referência ao funcionamento do fenômeno gramatical na produção de sentidos dos discursos. “Em outras palavras, o texto é pretexto para ensinar gramática, tal e qual já se vinha fazendo” (MENDONÇA, 2006, p. 222). 133 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Cabe frisar que não existe ensino neutro, ao optarmos por uma corrente teórica, valores e crenças entram em jogo. Qualquer opção metodológica que faça é uma escolha política e uma interpretação da realidade, sejam elas conscientes ou não. 1 Após as reflexões sugeridas até aqui, sugerimos que você esboce um plano de aula, levando em consideração o trabalho com gêneros textuais, variação linguística e análise linguística. Procure elaborar atividades que envolvam leitura e produção textual. Uma sugestão de plano de aula seria: https://novaescola. org.br/plano-de-aula/3584/as-variedades-linguisticas-e-a- adequacao-de-contextos. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 2 Leia o poema Pronominais, de Oswald de Andrade, e descreva a oposição entre o português falado pelo povo e o português proposto pela gramática normativa. Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro. FONTE: ANDRADE, O. Poesias reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 134 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 3 PRATICANDO A RETEXTUALIZAÇÃO Nesta seção, discorreremos especificamente sobre o processo de retextualização, seu conceito e ideias que servirão de apoio para você desenvolver posteriormente atividades de retextualização em suas aulas. Você deve ter percebido que, ao longo deste material, estamos frisando bastante a produção textual, certo? Este tema tem sido alvo de muitas discussões atualmente, dada a importância da prática de produção textual em sala de aula e a preocupaçãoem habilitar o aluno como sujeito da sua própria escrita em diferentes contextos. Agora iremos além da produção textual, proporcionando ao aluno a reflexão sobre a sua prática por meio de propostas de reescrita. O assunto ganha relevância uma vez que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresenta a produção textual como um dos eixos fundamentais para o componente curricular de língua portuguesa, destacando o processo de reescrita, conforme podemos observar no seguinte recorte: (EF69LP07) Produzir textos em diferentes gêneros, considerando sua adequação ao contexto produção e circulação – os enunciadores envolvidos, os objetivos, o gênero, o suporte, a circulação –, ao modo (escrito ou oral; imagem estática ou em movimento etc.), à variedade linguística e/ou semiótica apropriada a esse contexto, à construção da textualidade relacionada às propriedades textuais e do gênero), utilizando estratégias de planejamento, elaboração, revisão, edição, reescrita/redesign e avaliação de textos, para, com a ajuda do professor e a colaboração dos colegas, corrigir e aprimorar as produções realizadas, fazendo cortes, acréscimos, reformulações, correções de concordância, ortografia, pontuação em textos e editando imagens, arquivos sonoros, fazendo cortes, acréscimos, ajustes, acrescentando/ alterando efeitos, ordenamentos etc. (BNCC, 2017, p. 142). Nesse contexto, destacamos a retextualização como uma estratégia bastante proveitosa para as aulas de língua portuguesa, tanto no Ensino Fundamental como no Médio, que vem ao encontro da visão sociointeracionista e da valorização da oralidade junto à escrita. Para começar, precisamos entender do que se trata o processo de retextualização. Diversos pesquisadores têm se dedicado a compreender o assunto, dos quais destacamos Travaglia (2003, p. 63), para quem retextualizar é como traduzir, porque o tradutor mobiliza: 135 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 [...] todos os elementos que conferem textualidade a um texto e que foram anteriormente acionados pelo produtor do texto original, com a diferença de que, manejando uma outra língua, o tradutor estará de certa forma manejando outros elementos, ou até os mesmos elementos em perspectivas diferentes. Outro autor que aborda a retextualização é Matencio (2003, p. 3-4), que a define como: [...] produção de um novo texto a partir de um ou mais textos- base, o que significa que o sujeito trabalha sobre as estratégias linguísticas, textuais e discursivas identificadas no texto-base para, então, projetá-las tendo em vista uma nova situação de interação, portanto um novo enquadre e um novo quadro de referências. Marcuschi, por sua vez, é referência fundamental para o assunto e para nossa conversa aqui. De acordo com o autor, a retextualização: [...] não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de retextualização. Trata-se de um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma séria de aspectos nem sempre bem compreendidos da relação oralidade-escrita (MARCUSCHI, 2010, p. 46). Para o autor, trata-se da transformação de um texto oral para um texto escrito, porém, ainda que seus estudos se centrem na retextualização entre essas duas modalidades da língua, aclaramos desde já que suas propostas também podem ser empregadas da escrita para a reescrita. Desse modo, podemos pensar a retextualização de um texto oral para um texto escrito, sim, mas também entre gêneros diferentes, diferentes níveis linguísticos e etilos, pois, a retextualização se refere à atividade de transformação textual através de interferências, ação que realizamos no cotidiano das interações humanas. É o caso, por exemplo, de quando repassamos uma informação a outrem, fazemos uma citação em um trabalho acadêmico, alguém escreve uma mensagem relatando o que ouviu/viu ou o aluno que anota por escrito a exposição do professor. Por isso, Marcuschi (2010, p. 49) afirma que “nossa produção linguística diária, se analisada com cuidado, pode ser tida como um encadeamento de reformulações, tal o imbricamento dos jogos linguísticos praticados nessa interdiscursividade e intertextualidade”. Nesse caminho, enquanto docentes, precisamos ter conhecimento para conduzir as atividades, pois elas envolvem vários fatores relacionados ao funcionamento da linguagem em seu uso. Nesse sentido, Marcuschi (2010) 136 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa destaca a atividade cognitiva da compreensão como elemento necessário para que a transformação textual ocorra. Ao lidar com materiais orais e escritos, Marcuschi (2010) faz uma distinção pertinente entre retextualização e transcrição. Segundo o autor, transcrever a fala é passar o texto sonoro para a forma gráfica, porém sem interferir na natureza do discurso no que se refere à linguagem e ao conteúdo. No caso da retextualização, existe uma maior interferência, com mais mudanças, especialmente na linguagem, como pontuação, eliminação de hesitações etc. Considerando fala e escrita, Marcuschi (2010) propõe o seguinte quadro com possibilidades de retextualização: QUADRO 4 – POSSIBILIDADES DE RETEXTUALIZAÇÃO Fala → Escrita (entrevista oral → entrevista impressa) Fala → Fala (conferência → tradução simultânea) Escrita → Fala (texto escrito → exposição oral) Escrita → Escrita (texto escrito → resumo escrito) FONTE: Marcuschi (2010, p. 48) Adiante, o autor alerta para algumas variáveis que intervêm na retextualização, as quais considera serem relevantes: Dependendo dos objetivos da retextualização e de sua finalidade, teremos uma grande diferença no nível de linguagem do texto, ou seja, numa retextualização não pode haver indiferenças aos objetivos ou propósitos. Um texto para publicação e um texto para anotação pessoal receberão tratamentos diferentes. Na relação entre o produtor do texto original e o transformador, quando o próprio autor retextualiza, as mudanças são mais drásticas, pois o autor despreza a transcrição da fala e redige um novo texto, mesmo não disfarçando por completo todas as marcas da oralidade. Quando é outra pessoa que retextualiza, ela terá mais “respeito” pelo original, modificará menos o conteúdo, embora possa interferir bastante na forma. A relação tipológica diz respeito à transformação de um gênero falado para o mesmo gênero escrito, como de uma narrativa oral para uma narrativa escrita, o que produz mudanças menos drásticas do que de um gênero para outro. Os processos de formulação típicos de cada modalidade tratam da questão das estratégias de produção textual vinculadas a cada modalidade. Por exemplo, quando escrevemos no computador, temos a possibilidade de rever o texto sem que essa revisão fique visível ao receptor – escrita neutralizada. Agora na fala, a única alternativa de neutralização é pela metalinguagem que traz a correção como parte integrante 137 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 do próprio texto oral. Essas características dos processos estratégicos da formulação na produção recebem soluções que não se correspondem quando se observa o resultado (MARCUSCHI, 2010, p. 54-55). Com base nessas quatro variáveis, pode-se dizer que os processos operacionais de retextualização são atividades conscientes, que seguem vários tipos de estratégias. Às vezes, algumas formas linguísticas são eliminadas e outras introduzidas, algumas são substituídas ou reordenadas. A reescrita envolve algumas estratégias de regularização linguística que costumam ser as primeiras alterações e têm relação com os fenômenos da norma linguística padrão, ou seja, são atividades elementares ligadas à “corretude intuitiva”. Na sequência há as operações que afetam as estruturas discursivas, o léxico, o estilo, a ordenação tópica, a argumentatividade e estãoligadas à reordenação cognitiva e à transformação propriamente dita da forma e da qualidade da expressão (MARCUSCHI, 2010). Podemos observar na figura a seguir uma sugestão de distribuição dos fenômenos a serem analisados nos processos de retextualização. FIGURA 1 – ASPECTOS ENVOLVIDOS NOS PROCESSOS DE RETEXTUALIZAÇÃO FONTE: Marcuschi (2010, p. 69) Como podemos observar, a figura prevê três subconjuntos diferenciados de operações: (1) Os blocos A e B dizem respeito a operações e processos de natureza linguística-textual-discursiva e se atêm às evidências empíricas, tais como as indicações, atuando de forma mais pontualizada no código, mas com repercussão direta no discurso, já que ambos são aqui inseparáveis. Certamente, trata-se de um conjunto amplo, pois a reordenação tópica, por exemplo, não se encontra no mesmo nível que a eliminação de hesitação. Assim, os blocos A e B recebem um modelo completo de operações que se distinguem de maneira muito acentuada, podendo ser distribuídas separadamente em (A) e (B). (2) O bloco C comporta operações de citação (tratamento dos turnos) e é desenvolvido separadamente tendo em vista que 138 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa envolve atividades especiais que não são tão corriqueiras como parecem. Ao se tratar os turnos como falas ou ao se reportar às falas como conteúdos, pode-se observar que para executar as operações envolvidas em (C), deve-se considerar incluídas as operações envolvidas em (A, B e D). (3) O bloco D sugere operações cognitivas e é o mais complexo e menos trabalhado, distribuindo-se ao longo de todas as demais operações, o que pede para esse bloco um modelo específico, já que para poder transformar um texto é necessário compreendê- lo ou pelo menos ter uma certa compreensão dele. De igual modo que dois falantes só interagem na suposição de uma certa compreensão mútua, um indivíduo só pode retextualizar na suposição de compreensão do texto de origem (MARCUSCHI, 2010, p. 69-70). Podemos pensar nessas questões em uma atividade de entrevista, em que as ações das colunas (A) e (B) se referem aos pequenos ajustes feitos às palavras do original, como completar uma sentença, substituir palavras da oralidade por palavras adequadas à língua escrita, reordenar a estrutura sintática ou eliminar vícios de linguagem. Já nos aspectos relacionados com a letra (C), pode-se, por exemplo, adaptar o texto para discurso indireto, eliminando as perguntas e fazendo pequenos ajustes (verbo, tempo, pessoa). Na letra (D) ocorre a retextualização propriamente dita. Neste momento, são feitas mudanças mais complexas e o sujeito interfere na informação, para isso ele necessita no mínimo de certa compreensão do texto do entrevistado. É preciso atenção para não distorcer a mensagem original. São vários os aspectos envolvidos nos processos de retextualização. Desse modo, é importante visualizarmos o fluxo a seguir para esclarecermos melhor o problema. FIGURA 2 – FLUXO DAS AÇÕES FONTE: Marcuschi (2010, p. 72) 139 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Conforme podemos observar, o fluxo vai da produção oral original, texto- base, até a produção escrita, texto final, passando inicialmente pela simples transcrição (texto transcodificado) e, num segundo momento, pela retextualização com transformações baseadas em operações mais complexas (por exemplo, a inserção de pontuação já é o início da retextualização). A fase chamada de texto final, como o nome indica, deverá conter o texto na sua versão final com as operações realizadas ao longo do percurso. Destacamos o problema da compreensão, pois ela repercute diretamente no texto final (MARCUSCHI, 2010). O autor também aponta que a passagem de um texto falado para a escrita tende a diminuir o volume e a extensão do primeiro, mas quando um texto falado é retextualizado para outro texto falado, a extensão tende a ficar maior. Isso se deve pelo fato de o próprio falante ir de uma atividade espontânea para uma atividade mais elaborada. Podemos exemplificar com o caso apresentado pelo autor, no qual foi realizada uma gravação secreta com um falante de classe média, na faixa dos 26 anos, após um acidente de carro. Ao ouvir a gravação, o falante solicitou para fazer outra gravação, pois acreditava que a primeira estava pouco condizente. Vejamos: QUADRO 5 – NARRATIVAS Narrativa espontânea Narrativa consciente E capotou. Quer dizer, a frente do carro dele pegou no primeiro carro; e o segundo ele ficou debruçadinho assim, saca? Que gracinha! Aí, né, chegaram: “Ô num sei que, num sei que lá, qué que houve?” Viraram o carro, né. “CÊ tá legal, aí? Ô tudo bem, tudo be. Que cara! Puto, que barbeiro”. Num sei o que. Aí: “Ô ajuda a desvirar o carro aí”. Desviraram o carro né, e tal e coisa, aí ele falou: “Pô, deixa eu vê se não afetou o motor, né”. Ligou o carro, o carro vruuuuuuum, pegou, e ele, tchibuuuuum, queimou o chão, pôs o pé no mundo, né. E foi embora. E o carro capotou. Capotou e foi em cima de mais dois carros que estavam do outro lado da rua, que, inclusive, amassou bastante. Certo? Aí, toda aquela confusão, começou a aglomerar gente ali. Todo mundo preocupado com o que tinha acontecido com ele. Perguntaram se ele estava bom. Falou que estava. Aí, ele viu o carro parado ali, falou: “Bom, vamos virar o carro aí, né, pra não atrapalhar o trânsito”. Pegaram, desviraram o carro. Como ele não tinha carta, ele não podia ficar lá e esperar a ocorrência, né, apesar de que, se fosse a ocorrência, o certo seria ele, mas sem carta ele estava errado. Então pegou, desvirou o carro e ele falou: “Bom deixa eu ver se o carro está funcionando, né, se não aconteceu nada com o motor, e tal”. E ele ligou o carro e o carro pegou. Então pra não ter que esperar a ocorrência ele foi embora. FONTE: Marcuschi (2010, p. 94-95) Ainda que os dois textos são produções originalmente faladas, podemos perceber nítidas diferenças entre ambos, certo? Na segunda narrativa houve 140 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa notável aumento do volume do texto. Existe uma mudança de registro, na qual a segunda produção se torna mais formal, com enunciados mais completos, e somem as expressões coloquiais, gírias, imitação onomatopaica etc. Percebe-se, inclusive, que o segundo texto se torna menos emotivo (MARCUSCHI, 2010). Com esse exemplo, também evidenciamos que dentro da própria fala existem diferentes estilos, do formal ao informal. Como falávamos no primeiro capítulo, as diferenças entre fala e escrita podem não ser tão evidentes, principalmente se pensarmos que acima de tudo são diferenças de estilo (MARCUSCHI, 2010). Utilizando tal tipo de atividade, pode-se avaliar o grau de consciência linguística e a noção das relações entre texto oral e texto escrito. Para se propor atividades de retextualização não é difícil obter dados, basta um gravador (aplicativos de celulares fazem isso muito bem). O importante é que os dados sejam autênticos e as tarefas claramente propostas (MARCUSCHI, 2010). Por exemplo, pode-se trabalhar com entrevistas gravadas para a posterior publicação escrita no jornal da escola, transformar essas entrevistas em uma notícia de jornal, em uma história em quadrinhos, enfim, é possível pensar em várias opções e o professor pode soltar a criatividade na proposta de atividades. Vamos ver o exemplo de uma entrevista e sua retextualização feita por alunas em um curso de Especialização. QUADRO 6 – EXEMPLO DE UMA ENTREVISTA E SUA RETEXTUALIZAÇÃO Entrevista original – Coletada pelo NELFE (Núcleo de Estudos Linguísticos da Fala e Escrita) Retextualização realizada por duas professoras com curso de Letras Completo F1 Depois da matemática o português talvez seja o maior problema dos alunos que terminam carregando pro resto das suas vidas uma certa briga com a gramática... sobre esse assunto eu vou conversar com a professora a.d. ela que é doutorandaem linguística... por que essa coisa da briga... que os alunos têm com a/o português? Em entrevista a uma emissora de televisão uma professora universitária, doutoranda em linguística, explica que o maior entrave entre o estudo da língua portuguesa nas escolas de 1º e 2º grau e os alunos está basicamente relacionado ao método como se trabalha a concepção da língua que é utilizada nestas instituições. 141 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 F2 Olha a meu ver... o principal entrave entre o estudo da língua portuguesa nas escolas de primeiro e segundo grau... e os alunos diz basicamente referência ao método como se trabalha...e também à concepção de língua que se é trabalhada... a língua portuguesa não é esse fenômeno éh::: homogêneo... estático... que é vinculado pela gramática normativa... e pela /infelizmente... pela maioria dos grandes professores de língua portuguesa mas observamos que a língua evolui... a língua muda... e a escola precisa mudar e evoluir pra trazer o aluno que já é um falante e um usuário da língua portuguesa... a se envolver com o estudo da língua portuguesa Afirma que a língua portuguesa não é este fenômeno homogêneo, estático, vinculado à gramática normativa pela maioria dos grandes professores de língua portuguesa. A língua evolui e a escola também precisa mudar e evoluir para fazer com que o aluno que é falante e usuário da língua portuguesa se envolva cada vez mais com o estudo da língua materna. F1 O português então não é uma língua difícil? F2 ... olha... se você parte do princípio... que a língua portuguesa não é só regras gramaticais... não se você se apaixona pela língua que você... já domina que você já fala ao chegar na escola se o teu professor cativa você a ler obras da literatura... obras da/dos meios de comunicação... se você tem acesso a revistas... éh::: o livro didático... a:: livros de literatura o mais formal... o elo difícil é porque a escola transforma como eu já disse as aulas de língua portuguesa em análises gramaticais. Mostra que se considerarmos que a língua portuguesa não é só regras, fica fácil então perceber que ela não é tão difícil. É preciso se apaixonar pela língua que já se domina e que já se fala desde quando se chega à escola. O professor tem o papel de cativar o aluno para que ele leia as obras literárias, dos meios de comunicação, revistas, livros didáticos e leituras mais formais. FONTE: Marcuschi (2010, p. 103-104) Nessa retextualização, optou-se por eliminar os turnos, o que dificulta a comparação entre texto-fonte e o texto-alvo. Como a retextualização foi realizada por pessoas que têm familiaridade com o tema, foram feitos acréscimos de informação, escolha de um léxico mais técnico e apropriado para o nível de formalidade desse tipo de atividade. São vários os tratamentos que podemos dar a entrevistas de acordo com a sua finalidade. Uma alternativa seria manter os turnos, o que preservaria uma maior fidelidade ao estilo do entrevistado, como também permaneceriam mais 142 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa informações e se acrescentaria uma entrada inicial (MARCUSCHI, 2010). Vamos ver mais um exemplo de retextualização. Na coluna à esquerda do quadro está a entrevista realizada com uma jovem de 17 anos, do Rio de Janeiro, e na coluna à direita a retextualização da entrevista feita por um professor universitário da área de Letras. QUADRO 7 – EXEMPLO DE RETEXTUALIZAÇÃO Narrativa da jovem Retextualização do professor F1 e:... Claire... agora pra terminar... eu quero que você... dê a sua opinião pra mim... ou sobre... amizade... namora... vocação... vestibular... F1 Claire, para terminar, dê sua opinião sobre amizade, namoro, vocação ou vestibular. F2 eh... eu vou falar sobre a minha família... sobre os meus pais... o que eu acho deles... como eles me tratam... bem... eu tenho uma família... pequena... ela é composta pelo meu pai... pela minha mãe... pelo meu irmão... eu tenho um irmão pequeno de ... de... dez anos... eh... o meu irmão não influencia em nada... a minha mãe é uma pessoa super legal... sabe? ela... é uma pessoa que conversa comigo... é minha amiga.... ela... me amostra sempre a realidade da vida... ela nunca... esconde nada de mim... né? Tenta ver o melhor pra mim... me amostra a vida como ela é... entendeu? o meu pai não... o meu pais já é uma pessoa... ah.. ele... já... é uma pessoa... ah...ele.... já.... é uma pessoa muito fechada... e triste... porque a juventude dele... a criação dele... foi uma coisa... foi uma coisa/ como é que eu vou dizer? eh... ele foi criado/ os pais dele por um clima de... autoritarismo... entende? meu avô era autoritário... ele não via a justiça... sabe? entendeu? ele foi criado no Norte... no interior... então aquelas pessoas do interior geralmente têm uma mente mais fecha- da.. entendeu? são uma pessoa tipo... entre as- pas... ignorantes... né? Entendeu? então é isso que o meu pai ( ) uma versão assim da vida... então é isso que ele passa pra mim... eu não acho certo... ele acha que... ele acha que a pes- soa tem que estudar... trabalhar... entendeu? ele não vê nada... ele não conversa comigo... ele não amostra os pontos de vista dele... a minha família... nesse ponto... eu acho que é errada... entendeu? porque eu acho que o meu pai... ele tinha que conversar mais comigo... ele tinha que amostrar mais os fatos... é isso que eu acho er- rado... às vezes eu fico revoltada com isso... ele sabe criticar... criticar... me criticar... me recrim- inar... dizer que eu estou errada... entendeu? é isso que eu acho da minha família... que eu acho que não é um exemplo... só isso... (total de 350 palavras) F2 F2 Vou contar a respeito de minha família, dizendo o que acho de meus pais e como me tratam. A família é pequena. Somos dois irmãos e os pais. Meu irmão tem 10 anos e não atrapalha. Minha mãe é boa e conver- samos como amigas. Minha mãe é alegre e mostra a vida como ela é. Meu pai é triste, fechado, e em sua juventude ele foi criado num clima autoritário de mente fechada. Meu pai não fala comigo, só pensa em tra- balhar e estudar. Não diz o que pensa sobre a vida. Eu creio que nossa família não é um bom exemplo. (total de 134 palavras) FONTE: Marcuschi (2010, p. 112-113) 143 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Neste texto, impressiona a drástica redução em termos linguísticos, mais de 60% do conteúdo, mas preservando boa parte das informações proposicionais. Esse é um exemplo instrutivo da aplicação de todos os quatro aspectos que devem ser contemplados em uma retextualização (idealização, reformulação, adaptação e compreensão). O exemplo revela domínio da escrita e noção verbal acentuada. Foram eliminadas as redundâncias e repetições, reduziram-se os pronomes e formas pronominais e, no interior do texto original, houve a reordenação de tópicos e redução das formas oracionais. Talvez não seja o melhor exemplo a ser seguido, mas é um exemplo bem-sucedido de retextualização (MARCUSCHI, 2010). Esse modelo pode ser aplicado não só para a retextualização da oralidade para o texto escrito, mas podemos estender a outros tipos de passagens, como de um gênero textual para outro, então é possível trabalhar a questão dos gêneros, de um texto escrito para outro texto escrito. Tal tipo de atividade pode ser desenvolvida em aulas de língua portuguesa apenas adaptando ao grau de dificuldade de cada turma e ano escolar. Vamos ver uma sugestão para o trabalho de retextualização em sala de aula a partir do texto escrito. Essa sugestão, elaborada por Marquesi (2011), contempla quatro etapas de trabalho para o Ensino Médio a partir da escrita e da reescrita, orientada pela retextualização. Partiu-se do texto (a), uma redação escrita por um aluno concluinte do Ensino Fundamental, para o SARESP, que recebeu conceito insuficientenos três critérios do sistema de avaliação, a saber: tema, gênero e coerência. O texto (b) é uma reescrita dessa redação realizada por um aluno do primeiro ano do Ensino Médio, sob a orientação de um professor no processo retextualização. Vamos ver! Primeira etapa: leitura e compreensão do texto a ser retextualizado Neste momento, o professor em conjunto com os estudantes: • lê a redação (a), que deverá ser retextualizada; • discute sua expansão com relação ao tema proposto; • por meio de um trabalho de desmontagem textual, levanta as ideias nela arroladas e a relação entre elas e o tema proposto; • discute a existência da justaposição de frases e a transposição de clichês ou de trechos de textos lidos. Segunda etapa: da compreensão para a reformulação Agora, a partir do trabalho realizado na primeira etapa, o professor pede a cada estudante que, individualmente: • estabeleça inferências, inversões e eliminações; 144 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa • pense no tema e em uma ideia central que queira defender; • proponha acréscimos, substituições e reordenações; • estabeleça um fio condutor para a reescrita do texto e proponha ideias que possam desenvolvê-lo. Como podemos notar, o trabalho desenvolvido nas etapas 1 e 2 leva em conta o princípio da coerência, tomando por base as meta-regras da repetição, da progressão, da relação e da não contradição. Terceira etapa: a reformulação Nesta etapa, o professor pede a cada estudante que pense em elementos ou expressões linguísticas que lhe permitam escrever seu texto com criatividade e criticidade. Quarta etapa: a retextualização Com base em todo o trabalho desenvolvido, o professor pede para que cada estudante escreva seu texto. Após concluir a escrita do texto, o aluno foi orientado, ainda, a ler o novo texto, analisando se a retextualização solucionou os problemas do texto (a) (MARQUESI, 2011). QUADRO 8 – REDAÇÃO (A) X REDAÇÃO (B) Redação (a) Redação (b) A escola dos meus sonhos A escola dos meus sonhos A escola pública tem vários pontos positivos e também vários pontos negativos. Sobre a educação temos ambos os dois pontos de vista, nem sempre todos os professores de uma escola pública são bons, alguns conseguem manter a ordem e o respeito dentro da sala de aula e conseguem passar seus conteúdos aos alunos, mas também têm alguns que não conseguem administrar uma sala de aula, não conseguem impor a ordem e o respeito perante os alunos. Infelizmente isso acontece nas boas e nas más escolas, mas, quando o aluno é esforçado e quer aprender, a convivência com o professor fica muito mais agradável. A escola dos meus sonhos é aquela que oferece aos alunos coisas importantes para eles. Em uma escola pública, existem coisas boas e ruins. Muitos aspectos contribuem para que uma escola seja boa ou ruim. Em uma escola boa, os professores conseguem manter a disciplina, dão conteúdos bem explicados, os alunos se interessam em aprender e os colegas têm amizade. Em uma escola ruim, acontece o contrário e o resultado é que os alunos não têm motivação para aprender. A escola dos meus sonhos é aquela que consegue fazer com que as coisas boas vençam as coisas ruins e que os alunos e professores formem um grupo para aprender. Se isto acontecer, as escolas serão muito mais proveitosas para os alunos e eles vão perceber quanto é importante aprender. FONTE: Marquesi (2011, p. 143) Ao compararmos os dois textos, (a) e (b), pode-se observar que o primeiro não possui um fio condutor em seu desenvolvimento e apresenta uma justaposição de ideias sem estabelecer conexão. Esses problemas foram resolvidos no 145 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 1 Vamos praticar com a retextualização de um depoimento? Apresentamos um fragmento do depoimento de uma testemunha em um inquérito policial (MARCUSCHI, 2010). Trata-se da fala de uma testemunha que estava presente em um crime. Do lado esquerdo do quadro, temos a transcrição do texto oral e a sua tarefa é retextualizar a informação na parte direita, refletindo com base em seus estudos. Tomada do depoimento (texto oral) Retextualização (texto escrito) Juiz _ mas o senhor tem certeza que ele num fez... que ele saiu com o senhor no ônibus e a morte dele aconteceu? Depoente _ aí num ...aí Juiz _ Ocorreu naquele momento... Depoente _ aí pode ser até...eu... Juiz _ ele sempre acompanhado pelo senhor hein? Depoente _ justamente. Juiz _ Hein? Depoente _ aí eu deixei ele na casa dele e eu parti pra minha. Juiz _ é... então o senhor tem certeza que não foi ele? Depoente _ tá vendo senhor? ...eu tenho tanta certeza que num foi ele que ele ficou em casa e como é que no outro dia... Juiz _ Depoente _ segundo texto, que apresenta coerência entre o título e as ideias da introdução, por meio da referenciação, como também respeito às meta-regras de coerência. No texto (b) foram realizadas inversões e inferências, acréscimos, substituições e reordenações, além disso, foi possível defender a ideia proposta através de um texto coerente. Este tipo de processo de retextualização proporciona um espaço privilegiado que possibilita ao professor levar o estudante a refletir sobre seu próprio texto e avançar no campo da análise (MARQUESI, 2011). Gostaríamos de concluir esta seção reforçando que o ensino de língua na perspectiva aqui adotada apresenta grande dinamismo e produtividade, pois “leva em conta de maneira sistemática o aspecto textual-discursivo e não apenas estruturas formais. Sua vantagem é a possibilidade de oferecer previsões e sugerir alternativas comparativamente” (MARCUSCHI, 2010, p. 122). 146 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 4 AVALIAR, E AGORA? Dando continuidade às nossas reflexões, um dos momentos mais delicados na aula de língua portuguesa, seja no Ensino Fundamental ou Médio, está relacionado às produções textuais dos alunos e sua avaliação. Já comentamos brevemente sobre algumas das dificuldades dos alunos no capítulo anterior, agora focaremos no professor, na avaliação e na análise dos textos. Como lembra Dias Sobrinho (2001, p. 35-36), mesmo antes da criação das escolas como conhecemos, já era comum o ato de avaliar com o intuito de selecionar: Antes mesmo da institucionalização das escolas, a avaliação já era praticada para fins de seleção social. Com efeito, a avaliação está ligada à questão de escolhas, e a seleção social é tão ‘naturalmente’ aderida a ela que passa como constituinte de sua essência [...]. Os chineses praticavam uma seleção de indivíduos para a guarda dos mandarins. Os gregos utilizavam mecanismos de seleção de indivíduos para o serviço público ateniense, séculos antes de Cristo. Nas nossas escolas como concebemos, não foi diferente, fazendo presente a noção de avaliação como seleção. Essa avaliação da aprendizagem esteve por muito tempo associada à necessidade de que precisavam “medir” os conhecimentos dos alunos. Ainda que avaliar e medir possam parecer conceitos próximos, eles não podem ser entendidos como sinônimos e no nosso contexto nos levam para caminhos diferentes. Assim, no ensino tradicional predominou a noção quantitativa para saber o que e quanto o aluno havia aprendido. Tal aprendizado era entendido como a repetição com exatidão dos conteúdos vistos em sala. Podemos denominar essa concepção de avaliação da aprendizagem como “classificatória” ou “tradicional”, pois busca classificar o aluno por dados quantitativos. Nessa perspectiva de avaliação, podemos citar as seguintes características: Seleção, classificação e hierarquia de saberes e de pessoas, marcas de um processo que faz das relações dialógicas, relações antagônicas. Processo que gera práticas que dificultam a expressão de múltiplos saberes, negando a diversidade e contribuindo para o silenciamento dos alunos e alunas – e por que não, de professores e professoras – portadores de conhecimentos e atuaçõesque não se enquadram nos limites predeterminados: a semelhança e o acerto (ESTEBAN, 2004, p. 15). 147 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Cabe ressaltar que a avaliação nessa perspectiva, ainda que não possa ser considerada a única responsável, está relacionada com problemas como a evasão escolar, pois ela mede, classifica e direciona o aluno para o sucesso ou não. Isso também está atrelado, como afirma Demo (2012, p. 1-2), a questões mais profundas, sendo que: Seria ingênuo pensar que a avaliação é apenas um processo técnico. Ela é também uma questão política. Avaliar pode se constituir num exercício autoritário de poder de julgar ou, ao contrário, pode se constituir num processo e num projeto em que o avaliador e avaliando buscam e sofrem uma mudança qualitativa. Ao se pensar sobre a avaliação na contemporaneidade, espera-se superar a finalidade de fornecer dados classificatórios e burocráticos para o sistema, que já se mostrou ineficaz no que se refere à potencialização da aprendizagem. Existem muitas críticas à avaliação apontando o que não fazer, mas qual seria a solução? Vasconcellos (2000) afirma que um dos limites em busca dessa solução está na própria prática em sala de aula. Ele acredita que na formação de professores existe um desenvolvimento de concepções teóricas adequadas da avaliação (como contínua, diagnóstica, abrangente, relacionada aos objetivos etc.). Imaginamos que você tenha visto tudo isso na sua graduação, certo? Quando se trata de concretizar uma nova prática de avaliação, a falta de clareza dá lugar às antigas formas de avaliar. 1 Você, caro acadêmico, recorda desses tipos de avaliação e os respetivos conceitos? Seria pertinente neste momento fazer uma breve pesquisa e recapitular os principais tipos de avaliação. Vamos lá! R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 148 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Então “o que é necessário para a transformação da realidade? Antes de mais nada, é necessário o querer mudar, o desejar, o compromisso efetivo, enfim a vontade política” (VASCONCELLOS, 2000, p. 19). Para a transformação da avaliação escolar, o autor acredita que precisamos atentar para não cairmos em duas posturas: o voluntarismo, ou seja, achar que tudo é uma questão de boa vontade, se cada um fizer sua parte, o problema simplesmente se resolve; e o determinismo, achar que não dá pra fazer nada, assim, enquanto o sistema não mudar não adianta fazer algo. Com essas posturas, ainda que diferentes, acabamos no imobilismo e nada acontece. Por conseguinte: Nossa opção é por um enfoque dialético, há necessidade de análise, para se saber as reais possibilidades de mudança, tendo-se em conta tanto as determinações da realidade quanto a força da ação consciente e voluntária da coletividade organizada. É o homem que faz a história, mas sob as condições que herdou e não que escolheu. Esta análise é muito importante para se saber o tamanho do problema; precisamos ganhar consciência de que nossa luta não é inglória, porém é contra um inimigo muito, mas muito grande, uma vez que estamos nos defrontando com um todo um quadro de organização da sociedade, que é ferreamente defendido pela classe dominante e seus cooptados. Se não tivermos esta compreensão, podemos não valorizar os pequenos passos possíveis de serem dados (VASCONCELLOS, 2000, p. 20). Os educadores em geral são afetados pelo problema da distância entre a teoria e a prática. Vasconcellos (2000) fala, inclusive, da “não tematização desta distância” que resulta na falta de instrumentos de intervenção na realidade. Para o enfrentamento dessa situação, devemos compreender o problema para transformá-lo. Precisamos buscar procedimentos metodológicos que possam nos ajudar. Assim, entendemos que uma metodologia na perspectiva dialética- libertadora precisa conter os seguintes aspectos: • Partir da prática: perceber onde estamos e a atual prática como desafio para a transformação. • Refletir sobre a prática: através da reflexão crítica e coletiva, buscar subsídios, procurar conhecer como funciona a prática na dimensão do saber onde estamos, compreender a realidade, para onde queremos ir (avaliar para quê?), e o que fazer, como atuar no sentido de sua transformação. • Transformar a prática: atuar de modo coletivo e organizado sobre a prática, buscando a transformação desejada (VASCONCELLOS, 2000). Nessa perspectiva, temos que buscar subsídios para alcançarmos a almejada mudança, a fim de considerar todo o processo de ensino-aprendizagem, auxiliando o aluno a superar as dificuldades de aprendizagem e promovendo 149 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 sua emancipação. Nesse sentido, Demo (2012, p. 13) propõe uma avaliação processual, mais dinâmica e com foco na autoria e autonomia do aluno. Caro acadêmico, com essa seção, gostaríamos de despertar a seguinte reflexão: Avaliar para quê? Reflita a respeito. Propor uma avaliação como prática de investigação prevê a interrogação constante, se tornando instrumento de transformação. Para Luckesi (2009, p. 33): A avaliação pode ser caracterizada como uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica uma tomada de posição a esse respeito, para aceitá-lo ou para transformá-lo. A definição mais comum adequada, encontrada nos manuais, estipula que a avaliação é um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade tendo em vista uma tomada de decisão. Assim, o conceito de avaliação para Luckesi (1998, p. 58) se torna: Uma apreciação qualitativa relevante do processo de ensino e aprendizagem que auxilia o professor a tomar decisões sobre o seu trabalho. Os dados relevantes se referem a várias manifestações das situações didáticas nas quais o professor e os alunos estão empenhados em atingir o objetivo do ensino. A apreciação qualitativa desses dados se dá através da análise de provas, exercícios, realizações de tarefas etc.; permite uma tomada de decisão para o que deve ser feito em seguida. Para o autor, a avaliação é necessária e deve acompanhar o processo de ensino e aprendizagem, mas seus resultados são tomados para constatação de progressos e dificuldades dos alunos para a tomada de decisões do professor do que deverá ser feito na sequência. A avaliação é sobre o trabalho do professor e do aluno. Nesse ponto de vista, para Libâneo (2017, p. 195), a avaliação é: Uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e aprendizagem. Através dela, os resultados que vão sendo obtidos no decorrer do trabalho conjunto do professor e dos alunos são comparados com os objetivos propostos, a fim de constatar progressos, dificuldades, e reorientar o trabalho para as correções necessárias. A avaliação é uma reflexão sobre o nível de qualidade do trabalho escolar 150 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa tanto do professor como dos alunos. Os dados coletados no decurso do processo de ensino, quantitativos ou qualitativos, são interpretados em relação a um padrão de desempenho e expressos em juízos de valor (muito bom, bom, satisfatório etc.) acerca do aproveitamento escolar. A avaliação é uma tarefa complexa que não se resume à realização de provas e atribuição de notas. A mensuração apenas proporcionadados que devem ser submetidos a uma apreciação qualitativa. A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnóstico e de controle em relação às quais se recorrem a instrumentos de verificação do rendimento escolar. Sobre a questão da nota como tradicionalmente é tratada nas salas de aulas, Vasconcellos (2000) nos chama a atenção para uma “pedagógica comportamentalista”, ou seja, baseada no esforço-recompensa ou prêmio-castigo. Assim, a nota se torna o prêmio ou o castigo, alienando a relação pedagógica, uma vez que tanto professor como aluno se tornam mais preocupados com a nota do que com a construção do conhecimento. Vejamos o esquema que ilustra perfeitamente essa situação: FIGURA 3 – NOTA COMO FATOR DE ALIENAÇÃO DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA FONTE: Vasconcellos (2000, p. 45) Ao propormos uma nova concepção de avaliação, também é necessária uma mudança de postura do professor. A proposta é deslocar o eixo de preocupação do professor do controle sobre o que foi transmitido para a aprendizagem dos alunos. Com isso, apresenta-se a interrogação sobre o processo de aprendizagem do educando, como o aluno aprende? Diante dessa reflexão, o trabalho do professor em sala de aula necessariamente muda, superam-se as metodologias passivas e conteúdos desvinculados das necessidades dos alunos (VASCONCELLOS, 2000). 151 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 1 Por que alguns educadores são tão resistentes às mudanças? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _________________________________________________. Em conformidade ao exposto, Libâneo (2017) destaca a avaliação como verificação em oposição a mera atribuição de nota de que falávamos. É importante entendermos que a avaliação não é apenas “medir”, mas deve ser um processo de diagnóstico da qualidade do ensino-aprendizagem, exigindo maior consciência do fazer pedagógico. Para o autor, a avaliação é um instrumento de verificação da qualificação dos resultados, com o intuito de verificar a correspondência desses com os objetivos almejados e então pensar as atividades pedagógicas posteriores. A avaliação diagnóstica é realizada no início, durante e no final das aulas ou unidades didáticas. No início, para sondar conhecimentos prévios e experiências dos alunos para a sequência da unidade didática. Durante o processo é feito o acompanhamento do progresso do aluno, corrigindo falhas, tirando dúvidas e estimulando os alunos a continuarem o trabalho. Essa avaliação é pertinente por fornecer ao professor informações sobre a condução da aula e se ele precisa fazer adequações. Por último, avaliar os resultados da aprendizagem ao final da unidade ou período letivo. Assim, a avaliação também cumpre o papel de realimentação do processo de ensino (LIBÂNEO, 2017). Corroborando com esse entendimento, Antunes (2003, p. 158) afirma que “pela avaliação deveria ficar evidente para o professor que coisas ele ainda precisa trazer para a sala de aula como matéria de análise, reflexão e estudo. O professor avalia o aluno para também, de certa forma, avaliar seu trabalho e projetar os jeitos de continuar”. 152 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa É importante sempre se manter atualizado sobre o que consta nos documentos oficiais da educação em vigor sobre o processo de avaliação. Dando continuidade, além da função diagnóstica, Libâneo (2017) afirma que a avaliação cumpre outras duas funções: a função pedagógico-didática, que se refere ao papel da avaliação no cumprimento dos objetivos gerais e específicos da educação escolar; e a função de controle, que “se refere aos meios e à frequência das verificações e da qualificação dos resultados escolares, possibilitando o diagnóstico das situações didáticas” (LIBÂNEO, 2017, p. 197). Ainda que essas funções possam ser vistas isoladamente, elas devem atuar juntas. Quando falamos em avaliação, um posicionamento fundamental provém dos objetivos da educação escolar. “A avaliação escolar está relacionada a uma concepção de homem, de sociedade (que tipo de homem e de sociedade queremos formar), ao Projeto Pedagógico da instituição” (VASCONCELLOS, 2000, p. 46). Novamente, chamamos para a reflexão sobre nossa concepção de sujeito e de língua, pois ela guiará você também nesta etapa. Segundo Libâneo (2017), podemos resumir as características da avaliação escolar como: • Reflete a unidade objetivos-conteúdos-métodos. • Possibilita a revisão do plano de ensino. • Ajuda a desenvolver as capacidades e habilidades dos alunos. • Volta-se para a atividade dos alunos durante o processo da atividade. • É objetiva, capaz de comprovar os conhecimentos assimilados pelos alunos. • Ajuda na autopercepção do professor, atuando como termômetro das suas atividades. 153 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 • Reflete os valores e expectativas do professor com relação aos alunos. • Atua como instrumento de verificação do rendimento escolar. 1 Por que a avaliação escolar deve ser um processo contínuo? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. Para Luckesi (2009), a avaliação deve ser praticada como um instrumento de atribuição da qualidade aos resultados da aprendizagem dos alunos e como uma forma de compreensão do estágio de aprendizagem em que o aluno está. Nesse sentido, ao avaliar, o autor propõe que o professor deverá: • coletar, analisar e sintetizar, da forma mais objetiva possível, as manifestações das condutas – cognitivas, afetivas, psicomotoras – dos educandos, produzindo uma configuração do efetivamente aprendido; • atribuir uma qualidade a essa configuração da aprendizagem, a partir de um padrão (nível de expectativa) preestabelecido e admitido como válido pela comunidade dos educadores e especialistas dos conteúdos que estejam sendo trabalhados; • a partir dessa qualificação, tomar uma decisão sobre as condutas docentes e discentes a serem seguidas, tendo em vista: o a reorientação imediata da aprendizagem, caso sua qualidade se mostre insatisfatória e caso o conteúdo, habilidade ou hábito, que esteja sendo ensinado e aprendido, seja efetivamente essencial para a formação do educando; o o encaminhamento dos educandos para passos subsequentes da aprendizagem, caso se considere que, qualitativamente, atingiram um nível satisfatório no que estava sendo trabalhado (LUCKESI, 2009, p. 95-96). 154 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Com essa explanação, Luckesi (2009) deixa claro que para ele o primeiro objetivo da avaliação escolar não deve ser a aprovação ou reprovação do aluno, mas o direcionamento e o redirecionamento da aprendizagem. Assim, de caráter diagnóstica, a avaliação se torna um instrumento dialético proporcionando o avanço e novos caminhos no ensino e aprendizagem. Nessa perspectiva, a avaliação formativa orientada para o diagnóstico é uma forma de olhar mais atentamente como o aluno constrói o conhecimento e assimrefletir sobre como oferecer subsídios para que esse aluno desenvolva suas competências. Cada aluno vai para a escola com uma bagagem de experiências vividas e características individuais, assim a forma de ensinar deve ser diversificada. Desse modo, essa avaliação também permite que os professores reorientem as ações no processo de ensino-aprendizagem. Por isso, temos que começar nos perguntando: o que os alunos já sabem sobre o que pretendemos ensinar? Quais são seus estilos de aprendizagem? O que são capazes de aprender? Cabe refletirmos aqui sobre os estilos de aprendizagem. Você já deve ter reparado que, nas salas de aulas, temos alunos que precisam ouvir para aprender, enquanto outros precisam visualizar para processar melhor as informações. Também há alunos cinestésicos que se munem dos movimentos para aprender. Desse modo, é interessante que o professor utilize múltiplas estratégias para alcançar os diferentes estilos de aprendizagem nas aulas e avaliações. A ação avaliativa deve ocorrer no contexto de uma educação libertadora e construtivista. Somando o aspecto dialógico e olhar atento, podemos falar em caráter libertador, que proporciona ao aluno a construção do conhecimento, de modo questionador e reflexivo. Nesse viés de avaliação emancipatória, o professor precisa ter em mente uma concepção de “erro construtivo” em que o conhecimento é construído em um processo no qual existem erros que serão superados. Assim, a avaliação se torna mediadora, desvinculada da caça aos acertos e erros, em um sentido investigativo e reflexivo. O professor supera, então, a correção tradicional, impositiva e coercitiva, para a análise e compreensão das manifestações dos alunos, seus erros e acertos (HOFFMANN, 2008). 155 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 O capítulo 8 do livro de Antoni Zabala apresenta uma importante leitura sobre a avaliação numa perspectiva de avaliação formativa. ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998. Nesse caminho, Fernandes (2005) propõe o que chama de avaliação formativa alternativa, baseada em princípios vindos do cognitivismo, do construtivismo, da Psicologia Social e das teorias socioculturais e sociocognitivas. Afirma que se trata de uma avaliação mais humanizada, situada nos contextos vividos por professores e alunos, o que a torna mais interativa e, consequentemente, mais integrada aos processos de ensino e de aprendizagem. Também se torna mais participativa e mais transparente. Ela é mais centrada na regulação e melhoria das aprendizagens, fazendo parte do processo pedagógico, com função principal de regular e melhorar a aprendizagem dos alunos. Assim, cabe ao professor o papel de contribuir para o desenvolvimento das competências metacognitivas e de autoavaliação dos alunos. O papel do professor é imprescindível e cabe a ele a responsabilidade na organização do ensino ao propor tarefas, definir seus objetivos educacionais e avaliativos e os ajustes necessários que devem ser feitos durante o caminho, além de manter um canal de comunicação sempre aberto e respeitoso (FERNANDES, 2005). Para o autor, a avaliação formativa alternativa “é uma construção social complexa, um processo eminentemente pedagógico, plenamente integrado no ensino e na aprendizagem, deliberado, interativo, cuja principal função é a de regular e de melhorar as aprendizagens dos alunos” (FERNANDES, 2005, p. 65). Assim, Libâneo (2017, p. 205-212) não descreve os tipos de avaliação, mas os meios mais comuns para que se verifique o rendimento escolar: • Prova escrita dissertativa: conjunto de questões ou temas que devem ser respondidos pelos alunos com suas próprias palavras (descrever semelhanças, comparar características, explicar, por que). • Prova escrita de questões objetivas: ao invés de respostas abertas, pede-se que o aluno escolha uma resposta entre alternativas possíveis. • Questões certo-errado (C ou E): o aluno escolhe a resposta entre duas ou mais alternativas. • Questões de lacunas (para completar): compostas de frases 156 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa incompletas, deixando um espaço em branco (lacuna) para ser preenchido com uma só resposta certa. Podem apresentar mais de um espaço em branco, no meio ou no final da afirmação. • Questões de correspondência: são elaboradas fazendo-se duas listas de termos ou frases. Na coluna da esquerda são colocados conceitos, nomes próprios ou frases, cada um com uma numeração. Na coluna da direita colocam-se as respostas fora de ordem que devem ser associadas à coluna da esquerda. • Questões de múltipla escolha: composta por uma pergunta, seguida de várias alternativas de respostas. Há três tipos: apenas uma alternativa correta; a resposta correta é a mais completa (nesse caso, algumas alternativas são parcialmente corretas); há mais de uma alternativa correta. • Questões do tipo teste de respostas curtas ou de evocação simples: alguns autores classificam como provas objetivas, também são respondidos na forma de dissertação, resolução de problemas ou simplesmente de recordação de respostas automatizadas. São os testes escolares comuns. • Questões de interpretação de texto: são perguntas feitas com base num trecho escrito ou numa frase. • Questões de ordenação: apresenta uma série de dados fora de forma e o aluno deve ordená-los na sequência correta. • Questões de identificação: questões para identificar partes, por exemplo, da flor, do corpo humano (num gráfico), localização de capitais ou acidentes geográficos. Ao elaborarmos questões, não o podemos fazer com cunho decorativo, cobrando regras, nomes, datas. Esse tipo de questão induz o aluno apenas a decorar e não a construir conhecimento de fato. Ao olhar para a avaliação, o professor deve refletir sobre o que é essencial na sua disciplina, o que é significativo para que o aluno aprenda (VASCONCELLOS, 2000). Essas questões que acabamos de ver são instrumentos de práticas de caráter formal e os mais comuns para verificar o rendimento escolar. Por outro lado, teríamos práticas menos formais e igualmente valorosas para a compreensão da aprendizagem. Entre os procedimentos auxiliares de avaliação mais informais, Libâneo (2017) destaca a observação e a entrevista. A observação “visa investigar, informalmente, as características individuais e grupais, tendo em vista identificar fatores que influenciam a aprendizagem e o estudo das matérias e, na medida do possível, modificá-los” (LIBÂNEO, 2017, p. 214). Entre esses fatores, o autor cita as condições prévias dos alunos, características socioculturais, linguagem do professor e dos estudantes, experiências familiares e sociais, percepção em relação à escola etc. A observação é sujeita à subjetividade do professor e por isso está factível a erros de percepção. Portanto, deve-se ter muito cuidado ao tirar conclusões, evitando julgamentos apressados e deduções com base em casos esporádicos. O professor precisa 157 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 ser criterioso e tirar conclusões apenas quando essas estiverem devidamente fundamentadas. Entre os itens que podem ser objeto de observação, Vasconcellos (2000, p. 70) destaca: Desenvolvimento intelectual: Presta atenção nas aulas e no trabalho independente. É persistente na realização das tarefas. Tem facilidade de assimilação das tarefas. Demonstra atitude positiva em relação ao estudo. Tem facilidade de expressão verbal. Lê e escreve corretamente. Tem pensamento criativo e independente. Relacionamento com os colegas e com o professor: Tem facilidade em fazer amizades. É leal e sincero com os outros. Respeita os colegas e o professor. Tem espírito de solidariedade e cooperação. Observa as normas coletivas de disciplina. Coopera com o professor e com os colegas nas tarefas. Desenvolvimentoafetivo: Tem interesses e disposição para o estudo. Resolve suas próprias dificuldades. É responsável em relação às tarefas de estudo. Controla suas emoções e seu nervosismo. Tem iniciativa. Faz uma imagem positiva de suas próprias possibilidades. É bem-humorado e alegre. É expansivo e espontâneo. Organização e hábitos pessoais: Mantém em ordem seus cadernos e materiais. Cuida da higiene pessoal (roupas, cabelos, unhas etc.). Tem presteza para iniciar as tarefas. Apresenta as tarefas no prazo solicitado. Tem boa postura do corpo. Tem boa disposição física e aparenta boa saúde. Tem hábitos de urbanidade e cortesia. A observação é um meio ideal para nos informarmos sobre o processo de aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. Essa observação sistemática deve se dar em diferentes atividades e é menos limitada que as avaliações tradicionais. Ela precisa acontecer em um ambiente amistoso, onde o aluno sinta confiança para mostrar o que sabe e o que não sabe sem receio. É preciso desenvolver um clima de colaboração e compromisso visando o objetivo comum. Chamamos a atenção aqui, pois muitas vezes o professor é visto como o juiz e errar é um crime. Nem sempre é possível realizar essa observação individualizada diante de grandes turmas de alunos. A entrevista, por sua vez, é uma técnica simples e direta para conhecer os 158 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa alunos. Ela deve ter sempre o objetivo de ampliar as capacidades do aluno para tratar um problema específico detectado na observação, como também sanar algumas dúvidas sobre determinadas atitudes e hábitos do estudante. O professor deve manter uma postura amigável e deixar o aluno à vontade, fazer perguntas simples e proporcionar espaços para que o aluno fale a maior parte do tempo (LIBÂNEO, 2017). Se você já está atuando ou tem contato com a sala de aula, seria interessante perguntar aos alunos qual a visão deles sobre a avaliação, para que ela serve, como é feita etc. Inclusive que sentimentos são despertados nos alunos nos momentos de avaliação. Por fim, dada a deformidade do processo de avaliação tradicional e o peso que o acompanha, para professores, pais e alunos, Vasconcellos (2000, p. 63) propõe a “paulatina diminuição da Avaliação classificatória”, com algumas práticas concretas, vamos ver: Não fazer “semana de provas”, no sentido de superar os calendários de prova, e as atividades que precisam de data para a realização ou entrega devem ter essas datas negociadas e não apenas marcadas. No dia da avaliação, o professor não deve mudar a sua postura como a de um fiscal ou mudar os alunos de lugar, ele deve propor a avaliação como outra atividade qualquer. Importante avaliar o aluno em diferentes oportunidades e diversificar as formas de avaliação e Tipos de questões (V ou F, palavras cruzadas, enumerar, associar, formar frases etc.), destacando a avaliação dissertativa que dá maior oportunidade para que o aluno se expresse. Importante contextualizar as questões, a partir do texto, da aplicação prática, com problemas com significado. É interessante também colocar questões a mais, dando assim a opção de escolha ao aluno, com esse recurso simples é possível promover uma maior individualização das avaliações. Ao invés de “prova”, usar o termo Atividade, assim ao invés de Folha de prova, teremos Folha de atividades, que também pode ser usada para outros trabalhos e pesquisas. Importante sempre deixar claro quais os critérios de avaliação adotados, pois o aluno deve saber o que será exigido dele. Não incentivar a competição entre os alunos, isto é, combater a concorrência pela não valorização da nota. Não se deve comparar alunos entre si. 159 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 Diversificar com avaliações em duplas ou grupos, com consulta e avaliações interdisciplinares, entre outras estratégias. Como vimos, criticar a avaliação não significa querer aboli-la da sala de aula, pois a avaliação tem seu papel de captar as dificuldades do aluno e, por meio dessa percepção, o professor pode ajudá-los. A proposta é que a avaliação faça parte do processo, como mais uma atividade contínua, em vez de apenas classificatória e de momentos de tensão para os alunos. 4.1 AVALIAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA, A QUESTÃO DO TEXTO Diante das reflexões e implicações apresentadas até aqui, podemos afirmar que a avaliação deve superar a simples função de indicação de erros e atribuição de notas para proporcionar ao aluno a consciência de seu percurso, seu desenvolvimento e apreensão das competências propostas. A avaliação deve indicar ao professor “as hipóteses que os alunos têm acerca do uso falado e escrito da língua, para que, quando necessário, eles reformulem essas hipóteses, sem a experiência amarga e desencorajadora de se sentirem incompetentes, ‘em erro’ e linguisticamente diminuídos” (ANTUNES, 2003, p. 159). O professor pode se apoiar nos resultados dos alunos, seja em leitura ou escrita, para selecionar o próximo objeto de estudo, a fim de ensinar o que os alunos ainda não sabem. Cabe ao professor converter os momentos de avaliação em oportunidades de reflexão e de pesquisa, ou seja, de ensino, aprendizagem e reorientação do saber já adquirido (ANTUNES, 2003). Para Antunes (2003), a avaliação nas aulas de língua portuguesa está muito centrada na “caça aos erros” nas produções textuais, como prova do que o aprendiz não conseguiu fazer. Isso “inibe a expressão do aluno e condiciona, de certa forma, o bloqueio com que, mais tarde, as pessoas encaram a prática social da escrita” (ANTUNES, 2003, p. 161). O professor está tão condicionado a buscar pelos erros e os “corrigir” que acaba ofuscando a leitura das coisas interessantes e dos progressos dos alunos. 160 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa A questão da caça ao erro do aluno é tão custosa que Vasconcellos (2000, p. 67) apresenta uma situação que vale a nossa reflexão neste momento. A professora, percebendo o desejo do aluno, avisa que não deve escrever muito, pois escrever muito significa ter muitos erros. O aluno entrega a redação em branco e pede nota máxima. A professora, por uma questão de coerência, é obrigada a dar, pois não havia nenhum erro... Para muitos professores, além de tudo, falta ainda uma noção mínima de proporcionalidade, de percentual. Reflita sobre esse paradoxo relacionando com sua postura em sala de aula! Para Antunes (2003), uma outra forma de “correção” preventiva que se poderia adotar nas aulas seria o contato do aluno com bons textos orais e escritos, em uma exposição ativa para que as produções discursivas atuem naturalmente como ativadoras da fluência e da adequação comunicativa. Vale lembrar que esses textos não devem se tornar modelos de excelência inatingíveis para quem está começando. Ainda que não seja função do professor diagnosticar, é ele que muitas vezes percebe alguns distúrbios, como dislexia, disgrafia, distúrbio de formulação e sintaxe. Por isso é pertinente ter o conhecimento sobre esse assunto e sugerir o encaminhamento a algum profissional especialista na área quando necessário. A revisão textual é uma sugestão de prática avaliação bem-sucedida para as aulas de língua portuguesa e que foge dessa “busca ao erro”. Ao concebermos a avaliação como exercício de aprendizagem, resulta como procedimento essencial a necessidade de discutir com o aluno “em que e por que” seu texto não está 161 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 adequado e encontrar com ele algumas alternativas de reconstrução. Com essa prática, incentiva-se o aluno a ser o primeiro revisor do seu texto e a praticar a refacção dele. Essa vivência oportuniza a experiência de perceber a versatilidade da língua (ANTUNES, 2003). A revisão do texto deve se tornar uma rotina escolar, “escreveu, vai revisar”. Com tal proposta, combate-sea ideia de que avaliação só serve para dar nota. A revisão pode ser feita, inclusive, em exercícios coletivos de análise, envolvendo o grupo, que discutirá o que pode ser alterado em função da finalidade do texto e dos leitores pretendidos. Com essa prática, o aluno se apropria de conhecimentos linguísticos em vários níveis durante o processo: “o sintático, o semântico, o lexical (a escolha adequada das palavras), o pragmático, o ortográfico, o da pontuação, o da paragrafação, o da apresentação formal do texto, sempre, é claro, tendo em conta os aspectos da situação em que o texto vai circular” (ANTUNES, 2003, p. 163). Nesse viés, considera-se fundamental a adequação do texto às especificidades do gênero textual. Essa proposta é uma importante ferramenta no desenvolvimento da autoria e da autonomia do aluno, além de uma postura crítica e autoavaliativa. Essa proposta está em sintonia com o sugerido pela BNCC e as habilidades previstas, como a EF69LP08: Revisar/editar o texto produzido – notícia, reportagem, resenha, artigo de opinião, dentre outros –, tendo em vista sua adequação ao contexto de produção, a mídia em questão, características do gênero, aspectos relativos à textualidade, a relação entre as diferentes semioses, a formatação e uso adequado das ferramentas de edição (de texto, foto, áudio e vídeo, dependendo do caso) e adequação à norma culta (BRASIL, 2017, p. 143). Assim, faz-se necessária uma reflexão sobre o que realmente é relevante para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. Quais as concepções de avaliação que temos? Quais os critérios de avaliação? O que devemos rever no texto? Conforme estamos vendo, alguns elementos podem ser mais relevantes na hora de revisar. Por exemplo, para Antunes (2003), nem todo desvio à norma padrão tem o mesmo peso para a qualidade global do texto. Já a falta de clareza, a imprecisão, a escolha indevida das unidades 162 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa lexicais e das unidades gramaticais, a desordenação na sequência das ideias, a desconexão entre os vários segmentos do texto e a irrelevância no que é dito são características mais significativas para a qualidade comunicativa do que alguns deslizes ortográficos. O que Antunes (2003) quer ressaltar é a necessidade de fazer o aluno perceber a importância do sentido do que ele diz e a clareza de seu texto como elementos prioritários. Para além do nível gramatical, os professores não podem negligenciar o texto na sua totalidade, as relações de coesão e coerência devem ser fundamentais. Para a construção da competência comunicativa do aluno, é necessária a intervenção do professor numa perspectiva formativa, fornecendo um feedback contínuo sobre o processo de ensino/aprendizagem e descobrindo novos caminhos durante o percurso. Lógico que isso tudo não quer dizer que a ortografia não deve ser ensinada, mas isso virá como consequência da própria coerência do texto. As normas ortográficas devem sim ser objeto de ensino e exercício dos alunos, mas sem desviar a atenção deles para outras habilidades fundamentais à interação. Para ilustrar, Antunes (2003) relata o caso de um exercício de redação sobre o tema “Meu amigo”. A criança começou escrevendo: “Meu amigo é muito amigável”. O que nos chama a atenção é que o único ajuste apontado pela professora foi a falta de acento na sílaba tônica da palavra “amigável”. Ora, além de indicar a questão ortográfica, a professora deveria fazer o aluno perceber que neste contexto a palavra “amigável” não ocorre. Seria interessante fazer um levantamento das situações em que realmente se usa essa palavra (contrato amigável, separação amigável etc.). Por isso, Antunes (2003, p. 165) pergunta “que tipo de competência esta professora está privilegiando? [...] A avaliação, como tudo o mais, é antes de tudo uma questão de concepção e não uma questão de técnica”. O professor deve descobrir a cada momento a maneira mais adequada para contribuir com o crescimento do seu aluno e promover a aquisição da competência comunicativa dele. Outro aspecto relevante nesta discussão são as escolhas inadequadas (os tais erros) que são “normais” dentro da perspectiva do desenvolvimento dos alunos, funcionando como indício das etapas dentro do processo, ou seja, existem habilidades e limitações em cada período escolar. É plenamente normal que em certas etapas escolares os alunos ainda demonstrem inabilidades para compor textos escritos, como apresentar dificuldade na escolha de palavras e dúvidas na grafia padronizada. Novamente, isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer texto, porém 163 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 não é razão para que os alunos se sintam diminuídos linguisticamente, devendo existir respeito frente ao texto apresentado. Esses pontos podem ser vistos como oportunidades para que o professor possa intervir e propor outras opções, de modo a estimular e orientar esse aluno em suas produções textuais. O professor deve valorizar a produção do seu aluno, colaborando para uma autoestima elevada disposta a continuar produzindo mesmo diante do risco da imperfeição (ANTUNES, 2003). Seria interessante fazer uma entrevista com professores de língua portuguesa de escolas da sua região para verificar como eles avaliam os alunos, quais instrumentos utilizam e as dificuldades encontradas. Como vimos no início do capítulo, a análise linguística tem muito para contribuir com a produção de textos e, consequentemente, com a avaliação. Tomando como ponto de partida o texto produzido pelo aluno, o professor pode trabalhar diferentes aspectos, como características estruturais dos gêneros discursivos e aspectos gramaticais visando o domínio de uso da língua. Então, nessas atividades, cabe ao professor a sensibilidade para os fatos linguísticos, sempre se perguntando: “o que me leva a corrigir esta ou aquela forma? O que me leva a sugerir mudanças no texto? Como fazê-lo sem discriminar a linguagem dos alunos? Sobre que aspecto devo insistir inicialmente? Como levar os alunos a saber avaliar a adequação do uso de uma forma ou de outra?” (BRASIL, 1998, p. 80). Para a revisão de textos, os PCN (1998, p. 80) fazem algumas sugestões: • Seleção de um dos textos produzidos pelos alunos, que seja representativo das dificuldades coletivas e apresente possibilidades para discussão dos aspectos priorizados e encaminhamento de soluções. • Apresentação do texto para leitura, transcrevendo-o na lousa, reproduzindo-o, usando papel, transparências ou a tela do computador. • Análise e discussão de problemas selecionados. Em função da complexidade da tarefa, não é possível explorar todos os aspectos a cada vez. Para que o aluno possa aprender com a experiência, é importante selecionar alguns, propondo questões que orientem o trabalho. A revisão exaustiva deve 164 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa ser reservada para situações em que a produção do texto esteja articulada a algum projeto que implique sua circulação. • Registro das respostas apresentadas pelos alunos às questões propostas e discussão das diferentes possibilidades em função de critérios de legitimidade e de eficácia comunicativa. Nesta etapa é importante assegurar que os alunos possam ter acesso a materiais de consulta (dicionários, gramáticas e outros textos), para aprofundamento dos temas tratados. • Reelaboração do texto, incorporando as alterações propostas. Destacam-se também alguns cuidados para as atividades de refacção de textos: • a atividade de discussão coletiva de textos produzidos pelos próprios alunos pressupõe que o professor tenha constituído vínculos de confiança com o grupo e um ambiente de acolhimento, de maneira a não provocar estigmas e constrangimentos; • se os objetivos da refacção não envolverem conteúdos ligados a aspectos ortográficos ou morfossintáticos, por exemplo,apresentar, corrigida, a versão para o trabalho, para facilitar a concentração dos alunos nos temas propostos; • se os objetivos da refacção envolverem conteúdos com os quais os alunos tenham pouca familiaridade, assinalar no texto escolhido as passagens problemáticas. Assim, os alunos, livres da tarefa de localizar as impropriedades, podem dedicar-se mais intensamente a pensar sobre alternativas para sua reformulação; • se a refacção pretende explorar aspectos morfossintáticos, o professor pode, em lugar de apresentar um texto completo, selecionar um conjunto de trechos de vários alunos para desenvolver com mais profundidade o assunto; • quando os alunos já tiverem realizado bom número de práticas de refacção coletiva, o professor pode, gradativamente, ampliar o grau de complexidade da tarefa, propondo sua realização em duplas, em pequenos grupos, encaminhando para a autocorreção; • ao encaminhar as atividades de refacção, o professor pode usar o trabalho em duplas ou em pequenos grupos, também como forma de organizar atividades em torno de dúvidas mais particulares: como em uma oficina, cada grupo trabalharia em torno de questões específicas (BRASIL, 1998, p. 81). Nessas sugestões e recomendações de cuidados que o professor deve atentar, encontramos importantes pontos para os encaminhamentos das atividades em sala de aula, como a proposta de se trabalhar com um problema por vez, com atividades buscando soluções e reescritas focadas nesse problema. Quando o professor for analisar o texto com o aluno, deve sim assinalar as passagens problemáticas ainda que não sejam o foco no momento. O documento também incentiva a atividade coletiva e gostaríamos de destacar 165 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 esse ponto, afinal devemos incentivar entre os alunos o caráter comunitário da aprendizagem, pois a colaboração entre todos é fato de crescimento mútuo e de responsabilidade social. “A aprendizagem escolar é uma tarefa coletiva e não uma apropriação privada de um conhecimento, simplesmente para aumentar o ‘preço’ do indivíduo no mercado de trabalho” (VASCONCELLOS, 2000, p. 81). Por outro lado, aproveitamos para reforçar que os momentos de revisão individual do texto pelo próprio aluno também são extremamente importantes, contribuindo para uma postura crítica e de revisão sobre sua escrita, mas que foram pouco explorados nessas sugestões. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O apartado se chama “algumas considerações” porque o material não se esgota aqui. Desejamos abrir portas para outras reflexões e para atuações docentes mais críticas e reflexivas. Temos certeza de que o percurso até aqui foi produtivo. Ser professor não é tarefa fácil, contudo, apesar das dificuldades inerentes à profissão, é preciso se manter atualizado, em constante formação e reflexão sobre sua própria atuação como docente. Iniciamos os estudos deste capítulo abordando a análise linguística, que trabalha com fenômenos linguísticos e estratégias discursivas. Ressaltamos nessa parte a importância do foco nos usos da linguagem, como estratégia para repensar o ensino de gramática. Almejamos superar as práticas que fazem uso da metalinguagem por ela mesma. Por esse caminho, chamamos atenção para o fato de que os alunos já dominam a própria língua e possuem uma gramática internalizada que lhes permite se comunicarem com sucesso em suas comunidades. Ao vermos o aluno como sujeito competente da linguagem verbal, além de respeitá-lo como tal, podemos aproveitar para ampliar o seu repertório discursivo. Corroborando com essa cena, o processo de retextualização se apresenta como sugestão de análise das relações entre oralidade e escrita e entre escrita e escrita. Inclusive, as atividades de operações de retextualização da fala para a escrita são indicadores da consciência da relação entre fala e escrita e da compreensão do texto e do domínio dos modelos globais de gêneros textuais. Todas as ideias que apresentamos ao longo deste material didático podem ser ampliadas e redimensionadas, visando à realidade particular de cada situação pedagógica, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. 166 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa As concepções modernas de educação e da linguística trazem consequências também para a concepção de avaliação. Com esses novos olhares, surgem novas práticas. A heterogeneidade que encontramos em sala de aula também deverá refletir nas práticas pedagógicas e nos instrumentos avaliativos. Ao concebermos uma avaliação reflexiva, crítica e emancipatória, sabemos que estamos diante de um longo caminho repleto de dúvidas, o que é plenamente normal. Também frisamos a necessidade de a avaliação atingir todo o processo educacional e social. Repensar a avaliação é questionar todo o processo de ensino/aprendizagem. A discussão está longe de se esgotar, mas acreditamos que a conversa que tivemos até aqui nos proporciona uma base interessante para outras reflexões e aprofundamentos, como também para a transformação gradual que vemos no horizonte da disciplina de língua portuguesa. Ótimos estudos e sucesso na sua caminhada! 167 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA Capítulo 3 REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. 8. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2017. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 1º fev. 2019. DEMO, P. Educação, Avaliação Qualitativa e Inovação – I. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2012. 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