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METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Elys Regina Zils Indaial - 2020 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx XXX p.; il. ISBN XXXXXXXXXXXXX ISBN Digital XXXXXXXXXXXXX 1.Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx CDD XXXX.XXX Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA ..................................................................7 CAPÍTULO 2 O TEXTO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ....................61 CAPÍTULO 3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A REFLEXÃO E A PRÁTICA ............................................................................... 119 APRESENTAÇÃO É com grande satisfação que queremos dar as boas-vindas a você nesta disciplina. Tirar um tempo para os estudos muitas vezes não é fácil e significa abrir mão de outras atividades. Por isso, gostaríamos de dar os parabéns pelo esforço em buscar mais este aperfeiçoamento na sua formação. O professor de língua portuguesa e literatura é agente essencial para a mudança social, pois pode contribuir para a formação de cidadãos conscientes dos seus papéis e capazes de promover transformações em seus contextos sociais. À vista disso, ser professor exige aprimoramento constante e formação de qualidade. Nesta direção, a disciplina de Metodologia do ensino de língua portuguesa apresentará assuntos que acreditamos fomentar a reflexão, além de contribuir para uma prática pedagógica consciente e comprometida com a formação de cidadãos críticos e aptos a exercerem sua cidadania. Pensando sobre as questões que envolvem o ensino de língua portuguesa, no primeiro capítulo deste livro, vamos propor uma conversa sobre o contínuo entre fala e escrita. Afinal, o domínio das linguagens oral e escrita é fundamental para o papel da cidadania. Mesmo que, contemporaneamente, já pareça ser consenso nas escolas o dever de respeitar o aluno como ele é, assim como sua forma de expressão que provém do convívio em sua comunidade, ainda é presente a não valorização da realidade linguística-social dos alunos. Desse modo, para uma boa prática pedagógica quanto ao ensino da língua portuguesa, é necessário compreender alguns aspectos que envolvem a natureza da modalidade oral e escrita da língua. Cabe aos professores ensinar o seu uso adequado nas diferentes situações comunicativas, por isso nos aprofundaremos na dicotomia entre língua falada e língua escrita e refletiremos sobre as variações linguísticas que encontramos em nosso país. Nesse sentido, o segundo capítulo trata de tipos e gêneros textuais, a fim de promover aos alunos o contato com os diferentes gêneros textuais para que possam utilizar as linguagens escrita e oral com competência em diferentes situações de comunicação, visto que esse domínio é fundamental para a plena participação social do sujeito. Assim, exploraremos algumas de suas possibilidades no processo de ensino-aprendizagem de língua materna com sugestões para aplicação em sala de aula neste e no próximo capítulo. Posteriormente, é necessário refletirmos sobre a avaliação dos textos. Assim, no terceiro capítulo, veremos algumas concepções de avaliação aplicadas ao ensino-aprendizagem na atualidade, além de alguns instrumentos e critérios de avaliação da produção textual nos Ensinos Fundamental e Médio. Neste capítulo, buscaremos contribuir com a prática docente que muitas vezes se apresenta como um desafio, principalmente quando falamos em textos e diante da heterogeneidade das nossas salas de aula. Com esse percurso, esperamos contribuir para ampliar seu horizonte de conhe cimento teórico e temos certeza que você encontrará seu próprio caminho a partir do material fornecido. Seja crítico durante os seus estudos e busque relacionar os temas aqui expostos com suas vivências pessoais e docentes. Aproveite esta oportunidade para aperfeiçoar ainda mais o seu desempenho profissional! Bons estudos! Prof.ª. Elys Regina Zils CAPÍTULO 1 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Entender brevemente a trajetória da disciplina de língua portuguesa na educação brasileira. � Refletir sobre a (não) dicotomia da modalidade falada e escrita da língua. � Refletir sobre a modalidade falada e escrita da língua e o ensino. � Compreender o fenômeno da comunicação humana e suas variações linguísticas. 8 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa 9 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Caro acadêmico, seja bem-vindo ao primeiro capítulo do livro da disciplina de Metodologia do ensino de língua portuguesa! Aqui, a discussão terá como objetivo conversar e marcar nossa posição com relação ao ensino de língua pelo viés histórico-cultural, bem como tratar da educação linguística como potência para ampliar a capacidade de interpretar e problematizar a realidade, contribuindo para o desenvolvimento dos indivíduos por intermédio da linguagem. Podemos afirmar sem receio que a pedagogia tradicional esteve presente nas escolas, predominantemente até o século passado. As aulas eram baseadas na memorização dos conteúdos, que nem sempre faziam sentido para o aluno. O professor transmitia o conhecimento e o aluno devia receber esse conhecimento e respeitar a autoridade do professor. No século XX, essa pedagogia foi criticada, dando espaço para o escolanovismo. Esse movimento trazia uma nova compreensão das necessidades da infância, com o lema “aprender a aprender”, questionando a passividade na qual a criança devia permanecer na escola tradicional. O aluno passa para o centro do processo educativo. Contudo, a ineficiência com relação às questões sociais e os altos custos condenaram o escolanovismo à ruína. Por outro lado, surge a Escola Tecnicista, com propósitos de instrumentalização técnica dos sujeitos. Na escola tradicional, o professor era o centro no processo educativo, depois, na Escola Nova, o aluno passa a ser o centro, e, agora, na Pedagogia Tecnicista, nem um nem outro, o processo ganha o papel principal, o que resultou em professores preenchendo vários formulários e fichas e na fragmentação das ações pedagógicas. Esse trajeto histórico é importante para lembrarmos que o trabalho com educação nunca é neutro, mas fruto de ideologias. Portanto, ao nos propormos refletir sobre uma posição e, inclusive, nos posicionarmos em uma concepção de formação humana, é importante reflexionar também historicamente. Essa recuperação histórica da língua portuguesa nos permitirá rever os aspectos privilegiados em cada momento, contribuindo para entendermos o estatuto atual da disciplina. Nessa mesma direção, pensar o ensino formal de língua portuguesa envolve como concebemos o sujeito e a língua que ensinaremos. Essa compreensão 10 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa reverbera comoo docente planejará suas ações de ensino. A partir da perspectiva do materialismo histórico-dialético, o desenvolvimento humano acontece nas relações entre os indivíduos e suas realidades, tendo a linguagem papel fundamental nesse processo. Nos dedicaremos a essa discussão no subcapítulo “Por uma escola transformadora”. Na sequência, estudaremos sobre as modalidades falada e escrita da língua. Antes de iniciarmos, precisamos esclarecer que quando utilizamos “fala” e “escrita”, nos referimos sob o ponto de vista de aspectos de organização linguística, da fala em sua realização oral e da escrita em suas formas de textualização. Assim como ao falarmos em “língua falada” e “língua escrita” nos referimos apenas a dois modos de representação da mesma língua, e não de duas línguas distintas. Dada a introdução, estamos prontos para mergulhar neste capítulo. Vamos lá! 2 BREVE PANORAMA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL Para nossa reflexão sobre o ensino de língua portuguesa, inicialmente conversaremos sobre o panorama geral do ensino formal dessa disciplina, para que assim possamos compreender algumas questões que subsidiam o ensino de nossa língua materna. Não é viável abranger todos os fatos dessa trajetória, muito menos em uma breve contextualização, como estamos fazendo aqui, tendo em vista sua complexidade e multiplicidade de fatores envolvidos. No entanto, nossa proposta é oferecer subsídios para as reflexões que se seguirão. Desse modo, identificaremos algumas mudanças de paradigmas que ocorreram no ensino de língua portuguesa e a influência dos estudos linguísticos. Do século XVIII até meados do século XX, o ensino de língua portuguesa se destina ao ensino de regras gramaticais e pouca atenção era dada à escrita. Vamos rememorar essa trajetória? 11 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 1 O que significa ensinar língua portuguesa? O que se ensina? Pense a respeito. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. Podemos dizer que assim como nossas sociedades, o contexto educacional também sofre constantes mudanças. Estamos tão familiarizados com o ensino de língua portuguesa que nos surpreendemos ao pensar como foi tardia sua inclusão no currículo escolar. Desse modo, temos que partir nossa conversa sobre o ensino de língua portuguesa nas escolas desde o período de colonização. Os jesuítas pregavam em latim e o português era ensinado nos processos de alfabetização como veículo para o latim, que era a língua oficial para os estudos. Como afirma Soares (2002), no Brasil colonial, a importância do português é minimizada, não tendo grande valor de intercâmbio social. Cabe lembrarmos que, nesse período, três línguas conviviam no Brasil: o português do colonizador; a língua geral, que recobria as línguas indígenas; e o latim, do ensino dos jesuítas. Também podemos acrescentar as diversas línguas africanas trazidas pelos escravos. Diante deste cenário, já podemos combinar que nossa língua é resultado da diversidade de nosso país, concorda? No período da chegada dos primeiros europeus, existiam cerca de 1175 línguas faladas por cerca de cinco milhões de índios no Brasil, e isso era um obstáculo para o “trabalho” do colonizador. Assim, as línguas gerais foram institucionalizadas para o trato com o índio e utilizadas no Brasil durante os séculos XVI e XVII. 12 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Portanto, durante os dois primeiros séculos, a língua portuguesa não fez parte do currículo. Podemos considerar que a falta de interesse pela língua portuguesa se deve ao fato de as poucas pessoas escolarizadas na época pertencerem às camadas mais privilegiadas, que tinham como interesse manter o modelo vigente. Somente com a Reforma dos Estudos, implantada pelo Marquês de Pombal no século XVIII, que o ensino passou por mudanças. A língua portuguesa tornou-se obrigatória e a gramática da língua portuguesa foi inserida no currículo escolar brasileiro, ainda que permanecesse sendo estudada junto da gramática e da literatura latinas. Não podemos dizer que foi um processo harmônico, mas ele contribuiu “significativamente para a consolidação da língua portuguesa no Brasil e para sua inclusão e valorização na escola” (SOARES, 2002, p. 160). Para entender melhor o ensino da língua neste período, a história interna e externa da língua em seu contexto sociocultural, recomendamos a seguinte leitura: FÁVERO, L. L. As concepções linguísticas no século XVIII: a gramática portuguesa. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996. Desde a reforma pombalina até fins do século XIX, os estudos da língua ocorriam nas aulas de retórica e gramática. Como aponta Soares (2002, p. 161), de uma forma mais genérica, “esses dois conteúdos prevaleceram do século XVI até o século XIX, na área de estudos da língua”. O acesso ao estudo ocorria apenas para um grupo seleto de estudantes, membros da elite. A gramática do português se desligou de sua relação com o latim, ganhando autonomia somente no século XX. Também contribuíram para isso as numerosas gramáticas brasileiras que surgiram a partir do século XIX. Lembrando que se postulava uma gramática única, pois acreditava-se em uma modalidade única de português, ignorando suas variações. Como a clientela continuava sendo a elite, a disciplina mantinha a tradição da gramática junto à retórica e à poética. Assim, os manuais didáticos traziam coletâneas de textos e gramáticas a fim de preservar o bom gosto literário e o purismo linguístico (SOARES, 2002). 13 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 O cargo de professor de português foi criado no país somente em 1871, por decreto imperial, podendo ser considerado o marco oficial do ensino da língua vernácula (SOARES, 2002). Como afirma Soares (2002), a disciplina de português continuou a estudar a gramática da língua portuguesa e a analisar textos de autores consagrados, ou seja, a disciplina gramática continuou para a aprendizagem sobre o sistema da língua. A retórica e a poética ganharam nova roupagem conforme perderam destaque e o falar bem não era mais exigência social (assumindo caráter de estudos estilísticos, como conhecemos hoje, a fim de promover o escrever bem). Encontramos esse cenário até as primeiras décadas do século XX. Faz-se mister aqui lembrarmos que as aulas de língua portuguesa sofreram até então influências de fatores externos, políticos e de seu público, a elite privilegiada. Também destacamos que a concepção de linguagem desse momento provém da vertente estruturalista, na qual predomina uma visão da língua como sistema estável que sustentava a tradição da gramática, porém, como explica Geraldi (1997, p. 118), “só línguas mortas são retratáveis num corpus fechado de regras”. Estamos falando do final do século XIX e início do século XX, quando se destaca a figura de Ferdinand de Saussure. Nesse sistema normativo, cuja concepção de língua fora adotada nas escolas, apenas a variedade de língua da norma padrão é considerada correta. Para se aprofundar mais, leia o capítulo “O português na escola: história de uma disciplina curricular”, de Magda Soares (2002). Está no livro Linguística da Norma, de Bagno. BAGNO, M. (org). Linguística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002. Se a clientela do ensino de língua portuguesa se mantinha a mesma até então, isso passa a mudar nas décadas de 1950 e 1960 com as transformações sociais e a abertura das escolaspara todas as classes sociais. Ainda que esse 14 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa movimento de democratização das escolas brasileiras, segundo Geraldi (2006, p. 43), seja falso, ele “trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas”. Assim, transformou o perfil dos alunos, trazendo heterogeneidade para as salas de aulas, mas não para as concepções de ensino. Nesse momento, a escola não consegue atender adequadamente a nova clientela, visto que a variante linguística usada por essa nova parcela da população estudantil era diferente da exigida nos bancos escolares. Foi um período de crise da educação e fracasso escolar. Os alunos tinham grande dificuldade na comunicação escrita, situação comprovada pelos indicadores com altos índices de repetência nas séries iniciais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, como também nos vestibulares e exames. Esse cenário inspirou estudos, conforme veremos a seguir. Nesse período, segundo Soares (2002, p. 167), “o número de alunos do Ensino Médio quase triplicou, e duplicou no ensino primário”. O que propiciou a necessidade de um recrutamento mais amplo de professores e mais rápido em resposta à demanda. Essa realidade levou à depreciação da função docente, ao rebaixamento salarial e às precárias condições de trabalho. Os professores formados às pressas encontravam um grande leque de variedades da língua e experiências para as quais não estavam preparados. Uma das estratégias adotadas para facilitar o trabalho dos professores foi a utilização do livro didático, que tirou do docente a tarefa individual de preparar todas as suas aulas e os respectivos exercícios. A partir dessa época, gramática e texto passam a ser apresentados em um único manual, contudo, a gramática mantém a sua primazia. Por outro lado, a concepção normativa de língua em vigor passa a ser questionada. A década de 1960 trouxe novas alterações para o ensino de língua portuguesa. Com a instauração do Regime Civil-Militar, em 1964, a educação passa a servir aos objetivos militares. A língua passa a ser considerada instrumento de sua ideologia. Em 1971, é criada a Lei nº 5.692, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que decretou várias mudanças curriculares. O latim é eliminado completamente. A denominação da disciplina é alterada para “comunicação e expressão”, nas séries iniciais, e “comunicação em língua portuguesa”, nas séries finais, já no segundo grau é “língua portuguesa e literatura”. Os objetivos do ensino são pragmáticos e utilitários, ou seja, visa-se o desenvolvimento do uso da língua (SOARES, 2002). Predomina uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação, influenciada por teorias comportamentalistas e comunicacionais. Desse modo, ao admitir a língua como instrumento de comunicação entre emissor e receptor, ela se torna finalidade e não parte integrante do processo comunicativo. 15 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Os livros didáticos da época são testemunhas dessa mudança no ensino de língua portuguesa. A gramática tem seu papel minimizado, sendo polemicamente questionada, e os textos já não são escolhidos priorizando a relevância literária, mas, a aproximação aos usos da língua nas práticas sociais. “Pela primeira vez aparecem em livros didáticos de língua portuguesa exercícios de desenvolvimento da linguagem oral em seus usos cotidianos” (SOARES, 2002, p. 170). Para saber mais sobre o livro didático de português nos anos 1960 e 1970, leia o capítulo correspondente no livro de José Carlos de Azeredo. AZEREDO, J. C. A linguística, o texto e o ensino da língua. São Paulo: Parábola, 2018. A produção escrita ganha maior atenção nas escolas desse período, sobretudo, pela publicação do Decreto Federal nº 79.298, de 24 de fevereiro de 1977, que estabeleceu a inclusão obrigatória de prova ou questão de redação em língua portuguesa no concurso vestibular das instituições federais e particulares. Neste período, os estudos da língua portuguesa no currículo das escolas ganham importância, principalmente a produção escrita, visando aos exames de admissão. Será que essa dinâmica não predomina até os dias atuais, quando reforçamos a exigência de uma boa redação apenas para os vestibulares? Em 1980, com a redemocratização do país e a ruptura do pensamento mecanicista, a disciplina recupera a denominação de Português, nos Ensinos Fundamental e Médio, por reivindicações da área educacional, em medida do Conselho Federal de Educação. 16 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Neste momento, destacamos a figura de Vygotsky e sua teoria do desenvolvimento humano, que contesta o reducionismo das teorias empiristas e tecnicistas. Ele concebia o ser humano como ser biológico e socio-histórico, ou seja, sua teoria do desenvolvimento intelectual entende o ser humano como construído nas relações sociais através da linguagem. A corrente pedagógica que se originou de sua teoria é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Para saber mais, recomendamos a leitura de: VYGOTSKY, L. V. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Em consonância a esse contexto, temos as contribuições das ciências linguísticas ao ensino de português. As novas teorias, inseridas nos currículos dos professores a partir dos anos 1960, chegam à escola e ao campo do ensino de língua materna. Os princípios da sociolinguística apoiam a visão da linguagem como constitutiva dos sujeitos no processo de interação social. Ainda que incipientes, surgem tentativas de valorizar a heterogeneidade linguística nas escolas e amenizar o chamado “preconceito linguístico” e a exclusão dos alunos provenientes de diferentes classes sociais e variantes linguísticas. Assim, a sociolinguística alerta a escola para as diferenças entre as variedades linguísticas efetivamente faladas por seus alunos e a variedade que se pretende ensinar nas aulas de português, a variedade chamada de “padrão culto”. Questiona-se, assim, a finalidade social da disciplina de língua portuguesa. Nesse cenário, aumenta-se a preocupação com o papel do professor e, consequentemente, as publicações científicas referentes às mudanças nas concepções de linguagem nas práticas pedagógicas escolares. Podemos citar como exemplo as publicações de Magda Soares, autora referência para nossa conversa até aqui, com Linguagem e escola: uma perspectiva social, de 1986; O texto não é pretexto, de Marisa Lajolo, de 1982; O texto na sala de aula, de Geraldi, de 1984, entre vários outros. 17 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Com o desenvolvimento dos estudos de descrição da língua portuguesa, escrita e falada, novas concepções da gramática do português surgem em oposição à concepção prescritiva em vigor. Essas novas concepções trazem outras visões sobre o papel e a função da gramática no ensino de português, reflexões sobre uma gramática com fins didáticos no sentido de uma gramática da língua escrita quanto uma gramática da língua falada (SOARES, 2002). Faz-se necessário também mencionar a figura do educador Paulo Freire (1921-1997), pois suas ideias influenciaram as mudanças ocorridas. Freire aborda uma nova concepção de educação com base na realidade do aluno e denuncia a educação bancária, criticando o modelo no qual o professor é o centro do processo educacional e responsável por depositar o conteúdo em seus alunos. Dentre os vários livros publicados por Paulo Freire, gostaríamos de destacar a obra Pedagogia do oprimido, de 1968. O livro é muito popular e se você ainda não leu, recomendamos a leitura. Caro acadêmico, você provavelmente estava em sala de aula durante a década de 1990 como aluno ou quem sabe mesmo como docente. Com certeza vivenciou o professor em pé diantedos alunos, criando uma barreira entre ele e os educandos, em uma visão tradicionalista, o ensino de língua portuguesa ainda apoiado na memorização de regras, que muitas vezes não faziam sentido aos alunos. Para as avaliações bastava decorar o mais fielmente possível as regras gramaticais dos livros, regras essas que eram estudadas descontextualizadas, certo? Parece que os ideais dos educadores da década de 1980 não conseguiram sobrepujar o crescimento acelerado da economia capitalista. Contudo, na década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI, ainda existe uma visão tradicionalista no ensino de língua portuguesa, a educação já não se 18 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa volta para a relação sociedade e escola, abandonando discussões importantes que estiveram presentes nos anos 1980. Como assinala Campos (2003, p. 84), a década de 1990 foi de reformas educacionais “e suas diferentes dimensões – gestão, financiamento, currículos e avaliação –, a educação foi ‘revista’ pelo Estado de modo a adequar-se aos imperativos economicistas que orientaram as políticas públicas”. Para Freitas (2002, p. 142), os anos 1990 foram a “Década da Educação”, com o aprofundamento das políticas, a educação e a formação de professores ganham importância estratégica para a realização das reformas educativas, particularmente a partir de 1995, com o governo Fernando Henrique Cardoso. As políticas educacionais elegem os conteúdos escolares do ponto de vista das competências e habilidades a serem desenvolvidas na escola. Como exemplos dessas políticas, podemos citar: Educação para Todos, Plano Decenal, Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação básica, para a educação superior, para a educação infantil, educação de jovens e adultos, educação profissional e tecnológica, avaliação do SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica -, Exame Nacional de Cursos (Provão), ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio -, descentralização, FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -, Lei da Autonomia Universitária, novos parâmetros para as IES, são medidas que objetivam adequar o Brasil à nova ordem, bases para a reforma educativa que tem na avaliação a chave mestra que abre caminho para todas as políticas: de formação, de financiamento, de descentralização e gestão de recursos (FREITAS, 2002, p. 142). Para saber mais sobre algumas dessas políticas, acesse os links a seguir: SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, criado em 1990, com o qual o Governo Federal passa a conhecer a qualidade da educação básica brasileira. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb/ historico. ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, criado em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Disponível em: 19 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791. Exame Nacional de Cursos (Provão) possuiu oito edições, de 1996 a 2003, com a função de avaliar os cursos de graduação e classificar as instituições de Ensino Superior. Resultados do Exame Nacional de Cursos: http://inep.gov.br/educacao-superior/exame- nacional-de-cursos/relatorios. FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, atende toda a educação básica, da creche ao Ensino Médio, vigorou de 1997 a 2006 e foi substituído pelo FUNDEB (2007-2020). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/fundeb. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96), legislação que regulamenta o sistema educacional (público ou privado) do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Que tal rever esses documentos e analisar o que dizem sobre o ensino de língua portuguesa? A disciplina de língua portuguesa é questionada sobre suas finalidades sociais, trazendo discussões sobre o uso da linguagem, ressaltando a importância de práticas de leitura, produção textual e análise linguística a partir de uma perspectiva interacionista (consideram-se textos orais e escritos). Destacam-se as ideias do filósofo da linguagem russo Mikhail M. Bakhtin (1895-1975) e o Círculo de Bakhtin (além de Bakhtin, o grupo tinha a participação de vários intelectuais). Para eles, a linguagem deveria ser compreendida na sua realização concreta, nas diferentes esferas de comunicação, ou seja, enquanto fenômeno compartilhado, dialógico e social. Encontramos essa perspectiva social do estudo da linguagem nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1997, 1998 e 1999. Os PCN norteiam as práticas com a linguagem nos currículos escolares do país. Neste momento, o texto é apontado como unidade de ensino e os gêneros como objetos de ensino em língua portuguesa. 20 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Os PCN podem ser facilmente encontrados. Parâmetros Curriculares Nacionais 1ª a 4ª Séries: http://portal.mec.gov.br/par/195- secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12640- parametros-curriculares-nacionais-1o-a-4o-series. Parâmetros Curriculares Nacionais 5ª a 8ª Séries: http://portal. mec.gov.br/busca-geral/195-secretarias-112877938/seb-educacao- basica-2007048997/12657-parametros-curriculares-nacionais-5o-a- 8o-series. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: http://portal. mec.gov.br/conaes-comissao-nacional-de-avaliacao-da-educacao- superior/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica- 2007048997/12598-publicacoes-sp-265002211. Essa metodologia é referência também para as atividades da Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro, criada em 2002. O programa tem como objetivo contribuir para a melhoria do ensino de leitura e escrita nas escolas. Para saber mais, acesse: https://www.escrevendoofuturo.org.br/programa. Recentemente, tivemos a criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), iniciada em 2017 e finalizada em 2018, com a homologação para o Ensino Médio também. Esse documento mantém vários princípios dos PCN, como a centralidade do texto e dos gêneros textuais. As habilidades de escrita aparecem integradas às práticas linguísticas, como as de leitura e as de análise linguística/semiótica. A gramática volta à cena, mas de modo contextualizado, ou seja, o ensino de língua portuguesa deve ser contextualizado e destaca-se o uso social da língua. Acrescentaram-se também atualizações, como a presença de texto de multimodais, advindos das tecnologias. A BNCC explicita o que deve ser abordado a cada ano e as habilidades a serem trabalhadas estão agrupadas em quatro diferentes práticas de linguagem: Leitura, Produção de Textos, Oralidade e Análise Linguística/Semiótica. Para saber mais sobre a BNCC, leia: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_ EF_110518_versaofinal_site.pdf. Essa leitura é fundamental para quem pretende estar em sala de aula nos próximos anos. 21 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Para finalizarmos, gostaríamos de ressaltar o papel dos estudos linguísticos nesse panorama. Como vimos, na década de 1960, esses estudos passam a modificar as concepções de língua no Brasil e nas escolas: [...] a língua não se confunde com as frases que as pessoas usam, nem com o comportamento verbal que observamos no dia a dia; é, ao contrário, uma abstração, um conhecimento socializado que todos os falantes de uma comunidade compartilham, uma espécie de código que os habilita a se comunicarem entre si. Há uma estrutura linguística a revelar sempre que as pessoas se comunicam através da linguagem, e isso vale para as grandes línguas de cultura e para as línguas politicamente menos importantes (por exemplo as que são faladas nas sociedades primitivas), para os comportamentos linguísticos queseguem o padrão culto e para aqueles que a sociedade discrimina como incultos ou vulgares (ILARI, s.d. p. 6). Assim, a Linguística levou para a escola a visão de que a língua é algo vivo e dinâmico, com variações, fruto de várias questões, como aspectos sociais, econômicos, geográficos. Sentiu-se a necessidade de repensar as práticas escolares e a forma de ensinar língua portuguesa. Com isso, a velha prática do ensino gramatical foi criticada pela linguística. Entre outras coisas, lembrou-se que os verdadeiros objetos linguísticos com que lidamos no do dia a dia são sempre textos, nunca sentenças isoladas, e observou-se (com razão) que as gramáticas têm muito pouco a dizer sobre esses objetos; mostrou-se que os gramáticos descrevem uma língua sem existência real; e apareceram vários livros que, desde o título, caracterizavam o ensino gramatical como uma forma de opressão ou minimizavam seu interesse pedagógico: um título de intenções polêmicas, como o do livro de Celso Luft, ‘Língua e liberdade’ seria absolutamente impensável algumas décadas antes (ILARI, s.d., p. 8). Ao se conceber a produção da língua sob a dimensão social, destacam-se os estudos da sociolinguística e a necessidade de entender a linguagem e seu contexto. A prática dos professores devia incorporar uma concepção social da linguagem, de valorização do sujeito do discurso e da heterogeneidade linguística dos indivíduos nos mais diferentes contextos. O estruturalismo expulsou o sujeito da língua, enfatizando o sistema. “A língua tem um funcionamento que independe do falante, independe do indivíduo; é social. [...] é um sistema social” (MARCUSCHI, 2008, p. 70). O sujeito se constitui na relação com o outro, não é a única fonte de sentido, pois está inscrito na história e na língua. 22 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Essa visão ainda encontra relutância e o ensino muitas vezes se dá por meio de regras gramaticais descontextualizadas. 1 Que tal pesquisar as principais correntes linguísticas do último século e seus princípios básicos? Como sugestão de leitura, indicamos o artigo “As principais correntes teóricas da linguística e os estudos gramaticais”, que apresenta as principais correntes linguísticas de modo sucinto. Disponível em: http:// www.letramagna.com/17_1.pdf. A pesquisa pode ser realizada em diferentes materiais, existem vários manuais de linguística interessantíssimos. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. Você conhece a proposta curricular do seu estado? E do seu município? É pertinente que você investigue a construção dessas propostas para sua atuação docente. 3 DICOTOMIA ENTRE A LÍNGUA FALADA E A LÍNGUA ESCRITA Depois desse breve panorama histórico sobre a disciplina de língua portuguesa no Brasil, falaremos sobre a dicotomia entre as modalidades falada e escrita da língua, porém, antes de mais nada, temos que pensar na nossa concepção de língua. 23 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 [...] no ensino de Português, o que se ensina é o produto de uma visão, entre outras coisas, do fenômeno da língua e do papel de seu ensino numa determinada sociedade. É a alteração do ponto de vista sobre esses e outros fenômenos que pode, em parte, explicar as mudanças que vem sofrendo o ensino de Português ao longo de sua história, e que se expressam na alteração de seu nome: Gramática Nacional, Língua Pátria ou Idioma Nacional, Comunicação e Expressão, Português. É também a alteração desses pontos de vista – ou, particularmente, a competição entre eles – que pode explicar, em certa medida, as polêmicas e as verdadeiras lutas que com frequência se travam para a definição de seu objeto e objetivos: a gramática? A leitura e a escrita? A língua oral? O processo de enunciação de textos orais e escritos? O domínio de uma língua considerada lógica e correta em si mesma? O domínio de uma variedade linguística prestigiada socialmente? Dependendo das respostas que forem dadas a essas questões, diferentes práticas ensinarão diferentes objetos, com diferentes objetivos. Todas essas práticas, no entanto, poderão ser identificadas pela mesma designação: “Português” (BATISTA, 2001, p. 3-4). 1 Você, como professor de língua portuguesa, já parou para pensar na sua concepção de língua? Depois, pesquise qual a concepção de língua presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. As modalidades falada e escrita da língua foram examinadas como opostas por muito tempo, predominando a supremacia da escrita. Essa visão atribui à escrita valores cognitivos intrínsecos no uso da língua, não considerando-as como práticas sociais, porém, a partir dos anos 1980, estudos demonstram que se pode 24 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa conceber oralidade e escrita como atividades complementares no contexto das práticas sociais e culturais (MARCUSCHI, 2010). Veremos essa questão com detalhamento. Conforme explica Marcuschi (2010), a primeira tendência entre os linguistas é a análise das relações entre as duas modalidades de uso da língua, fala e escrita, se dedicando a essa aparente dicotomia. De um lado temos os linguistas de visão mais restrita, tal como vista pelos gramáticos, originando o prescritivismo de uma única norma linguística tida como padrão, a conhecida norma culta. Entre seus representantes, temos: Labov (1972), Halliday (1985, em uma primeira fase) e Ochs (1979). Por outro lado, temos autores, como Chafe (1982; 1984; 1985), Tannen (1982; 1985), Gumperz (1982), Biber (1986; 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday e Hasan (1989), que concebem as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo tipológico ou de realidade cognitiva e social (MARCUSCHI, 2010). Falaremos inicialmente sobre a visão dicotômica estrita. Em geral, sua análise se volta para o código e permanece na imanência do fato linguístico. Dela surge a dicotomia entre língua falada e língua escrita em dois blocos distintos. “A escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 9). Nesse aspecto, podemos citar vários exemplos, como o princípio de que a fala é historicamente anterior à escrita, como: Ambas [fala e escrita] apresentam distinções porque diferem nos seus modos de aquisição; nas suas condições de produção, transmissão e recepção, nos meios através dos quais os elementos de estrutura são organizados. No texto falado, a seleção lexical se efetiva por meio de construções mais informais, já que se trata de um texto produzido espontaneamente. Por outro lado, no texto escrito o interlocutor dispõe de tempo para planejamento e construção do texto, tendo, portanto, a possibilidade de fazer escolhas mais sutis e também podendo editorá-lo (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 113). Pode-se dizer, [assim] que a escrita é um processo mais abrangente, que implica os atos de pensar e planejar, ao contrárioda fala, que é proferida mais prontamente; é mais imediata, não havendo tempo para planejamento, o que faz com que, na fala, a repetição do mesmo item lexical seja uma exigência como forma de facilitar o processamento da informação pelo ouvinte (LIMA, s.d., s.p.). Para completar a distinção entre a modalidade falada e escrita da língua, vejamos o quadro: 25 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS PARA A DICOTOMIA ENTRE A LÍNGUA FALADA E A LÍNGUA ESCRITA Fala Escrita Interação síncrona face a face Interação a distância (espaço-temporal) Não planejada Planejada Criação coletiva Criação individual Impossibilidade de apagamento Possibilidade de revisão Acesso imediato às reações do interlocutor Sem possibilidade de acesso imediato Pouco elaborada Elaborada Poucas normalizações Muitas normalizações Predominância de frases curtas, simples Predominância de frases complexas Menor densidade lexical Maior densidade lexical FONTE: Adaptado de Fávero, Andrade e Aquino (2000) e Koch (1997) Você, caro acadêmico, com base em seus conhecimentos e experiências, concorda com a separação desses dois blocos? Por quê? Essas distinções continuam em vigor, no entendimento de muitas pessoas como em algumas teorias, fruto de uma observação fundada na natureza das condições empíricas de uso da língua (como planejamento e verbalização). Descartam-se características dos textos produzidos ou com os usos discursivos. Essa visão é muito difundida em manuais escolares, dando origem à maioria das gramáticas pedagógicas, com separação entre forma e conteúdo, entre língua e uso, tornando a língua um sistema de regras (MARCUSCHI, 2010). O teórico Luiz Antônio Marcuschi nos dá uma orientação sobre essa dicotomia, a partir de uma visão do que seria língua, vejamos: [...] um fenômeno heterogêneo (com múltiplas formas de manifestação), variável (dinâmico, suscetível a mudanças), histórico social (fruto de práticas sociais e históricas), indeterminado sob ponto de vista semântico e sintático (submetido às condições de produção) e que se manifesta em situações de uso concretas como texto ou discurso (MARCUSCHI, 2010, p. 43). A partir dessa explanação, vê-se a língua desde uma perspectiva de uso e não de sistema. Para o teórico, não se pode observar satisfatoriamente as semelhanças e diferenças entre fala e escrita sem considerar os seus usos na 26 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa vida cotidiana, quer dizer, é preciso pensar nos usos que são feitos do código e não apenas no código em si. Assim, nota-se que as diferenças entre fala e escrita são graduais e não rigorosamente dicotômicas. As semelhanças entre ambas as modalidades são mais enfáticas que as diferenças, tanto em aspectos linguísticos quanto sociocomunicativos. Com isso, Marcuschi (2010 p. 13) propõe não só uma mudança de perspectiva, mas “a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais”. A perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de não levar em consideração que muitas das diferenças apontadas são características da própria língua e não existe traço distintivo para delimitar características exclusivas da fala ou da escrita. Elucidaremos melhor essas questões! A fala, seja por sua espontaneidade ou por sua falta de planejamento prévio em algumas circunstâncias, é comumente considerada o lugar do erro gramatical e da informalidade em contraponto com a escrita, que é vista como exemplo de formalidade, da norma culta e do uso “correto” da língua. Essa visão é rejeitada se pensarmos que existem falas que se aproximam da escrita informal, assim como há escritas que se aproximam da fala formal. Exemplos disso seriam os bilhetes e os textos da internet, que apresentam repetições, gírias, ou seja, elementos da língua falada. Também podemos citar debates, programas televisivos e discursos que apresentam uma fala com características que damos à chamada linguagem formal. Assim, essas características vão depender do contexto em que ocorrem as situações de comunicação (KOCH, 1997). Outro lugar comum é pensar que a língua falada é transitória e a língua escrita seria permanente. Com o advento do processador de texto isso não é bem verdade. A relativa estabilidade de um registro escrito tradicional cai se pensarmos em um texto na tela do computador que pode ser editado várias vezes. O conceito de texto escrito é uma entre as várias transformações advindas das tecnologias (STUBBS, 2002). Considerar que a língua falada, por ser mais espontânea, não segue regras também é um grande equívoco. Assim como na escrita, a fala apresenta normas para que a comunicação se estabeleça. A diferença está que na fala usamos outras ferramentas, como a entonação, a mímica, os gestos, e na escrita podemos pensar nas fontes das letras, tamanho, cores e até mesmo símbolos e elementos iconográficos para alcançar a expressão desejada (MARCUSCHI, 2010). 27 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Outra questão que podemos mencionar é que a língua escrita não necessariamente se limita a distância temporal, pois temos vários exemplos hoje em dia de comunicações escritas síncronas, ou seja, em tempo real, pela internet, como os bate-papos. Nessas conversas, inclusive, temos um modo de comunicação com características da oralidade e da escrita, constituindo-se um gênero comunicativo misto. Assim, características atribuídas à fala, como simultaneidade temporal, são tecnologicamente estendidas (MARCUSCHI, 2010). Você consegue pensar em outros exemplos em que essa fronteira entre língua falada e língua escrita se dissolve? A fala, como manifestação da prática oral, é adquirida nas relações sociais e dialógicas que se instauram desde o nascimento do bebê. Saber usar uma língua natural é uma forma de socialização e de inserção cultural. Por outro lado, a escrita, enquanto manifestação formal do letramento em sua faceta institucional, é aprendida somente na escola, o que leva ao seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável (MARCUSCHI, 2010). Lembramos também que todos os povos possuem tradição oral, porém, nem sempre todos eles possuem tradição escrita, mas esses fatores não tornam a oralidade mais importante ou a escrita mais prestigiosa. Podemos pensar, por exemplo, que mesmo a escrita tendo surgido tardiamente, em relação ao surgimento da oralidade, ela está em quase todas as nossas práticas sociais. Marcuschi (2010) lembra, inclusive, que mesmo os analfabetos, em sociedades com escrita, estão sob influência de práticas de letramento. Não nos aprofundaremos na questão do letramento, pois esse conteúdo será visto em outro momento do seu curso. 28 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Desse modo, a escrita é encontrada em vários contextos sociais da vida cotidiana, em paralelo com a oralidade. Por exemplo, na escola, no dia a dia, na família, na vida profissional, na atividade intelectual. Em cada um desses contextos o grau de relevância entre oralidade e escrita é variado e diverso. O importante é percebermos que ambas são práticas sociais de uso da língua, em um contínuo socio-histórico de práticas. A única diferença entre fala e escrita está no meio que é utilizado. A escrita se apresenta como grafia sobre papel, alguma tela, ou qualquer superfície nesse sentido, e a fala é a materialização do som (MARCUSCHI, 2010). Dessa reflexão, surgem os gêneros textuais e as formas comunicativas. Veremos esse tema no segundo capítulo deste livro. Assim, sob uma perspectiva sociointeracionista, de acordo com Marcuschi (2010, p. 33), podemos dizer que “tanto a fala como a escrita apresentam: dialogicidade; usos estratégicos; funções interacionais; envolvimento; negociação; situacionalidade; coerência;dinamicidade”. “O certo é que diariamente operamos com a língua em condições e contextos os mais variados e, quando devidamente letrados, passamos do oral para o escrito ou do escrito para o oral com naturalidade” (MARCUSCHI, 2010, p. 10). Segundo Marcuschi (2001), tanto a modalidade falada e a escrita são práticas e usos da língua com características próprias, sim, mas não são suficientemente diferentes para caracterizar uma dicotomia. Tanto a modalidade falada e a escrita permitem “a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante” (MARCUSCHI, 2010, p. 17). Contudo, essa perspectiva não dicotômica e a ideia do contínuo entre oralidade e escrita não garantem a superação do mito da supremacia social da escrita sobre a oralidade, porém não há razão para desprestigiar uma ou outra. Tanto a modalidade falada e a escrita da língua têm papel importante na sociedade (MARCUSCHI, 2010). 4 POR UMA ESCOLA TRANSFORMADORA Pierre Bourdieu (1930-2001) foi um sociólogo francês que estudou o papel 29 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 da linguagem na estrutura social e sistematicamente apontou as relações entre língua e as condições sociais de sua utilização nas situações de interação verbal. Para ele, as condições sociais concretas de instauração da comunicação são fatores determinantes do uso da linguagem. Com isso, ele desloca o foco da análise da caracterização da linguagem para a caracterização das condições sociais em que ela ocorre (SOARES, 2001). Para Bourdieu, uma relação de comunicação linguística é uma relação de força simbólica, determinada pela estrutura do grupo social que se comunica. Nesse sentido, essas relações explicam os motivos pelos quais determinados falantes ou determinados produtos linguísticos ganham mais valor que outros. Essa metáfora da economia das trocas linguísticas de Bourdieu é interessante para compreendermos os problemas de linguagem que ocorrem no ambiente escolar em sociedades com acesso das classes populares à educação formal, em decorrência da democratização do ensino como vimos, em que uma estrutura social de divisão de classes ocupa o mesmo espaço. Assim, as relações de força materiais, forças simbólicas e forças linguísticas invadem e atuam com intensidade nas escolas (SOARES, 2001). A aquisição do capital cultural e do capital linguístico pode acontecer por familiarização, pela convivência ou por um processo formal e intencional realizado na escola. A escola é uma instância social a serviço do mercado cultural e linguístico dominante, a ela é delegada a função de ensinar a linguagem “legítima”, porém, o rendimento da comunicação pedagógica é baixo quando envolve camadas populares, resultando no fracasso escolar. Então, falamos em crise no ensino da língua materna, crise denunciada nos meios educacionais e intelectuais desde os anos 1970 no Brasil. Dessa forma, a escola colabora com a perpetuação da divisão de classes, provavelmente pelo uso da linguagem “legítima” e a exigência de seu uso na comunicação pedagógica, fracassando em levar às camadas populares a aquisição dos bens simbólicos que constituem o capital cultural e simbólico (SOARES, 2001). Os alunos pertencentes às camadas populares adquirem por familiarização uma linguagem “não legítima”, assim eles não dominam a linguagem da escola, nem para compreender nem para se expressar. Como afirma Bourdieu, em seu livro “Escrito de Educação”, a não posse desse capital é uma das principais causas do fracasso escolar entre os alunos das classes populares. A escola supõe que todos os alunos têm domínio prévio dessa linguagem e se concentra apenas na transformação do domínio prático em domínio consciente e reflexivo (SOARES, 2001). Tal modelo de ensino, pressupondo domínio prático da língua “legítima”, só pode dar bons resultados para aqueles que já possuem familiaridade com essa língua. 30 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Atividades de ensino na escola, como estudo da gramática da língua “legítima”, leitura de textos na língua “legítima”, correção oral e escrita dos alunos, são atividades típicas que apenas levam ao reconhecimento da língua “legítima”, ou seja, a escola “dá é a capacidade de identificar, reconhecer certa linguagem como “legítima”; o que ela não dá é o conhecimento dessa linguagem” (SOARES, 2001, p. 63), este último entendido como a capacidade de produzir e consumir essa língua. Assim, a escola apenas ensina a reconhecer a língua “legítima”, ampliando a distância entre a linguagem dos alunos e essa língua, perpetuando a estrutura social, a discriminação, a desigualdade e a marginalização (SOARES, 2001). Então você deve estar se perguntando, o que a escola pode fazer? Soares (2001) segue sua reflexão e propõe um caminho que ela chama de “escola transformadora”. A escola comprometida com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas dá os instrumentos necessários para conquistar condições de participação cultural, política e de reivindicação social. Entre os instrumentos para isso, está o domínio do dialeto de prestígio, ou seja, uma escola transformadora aproxima-se da proposta do bidialetalismo, sugerida pela teoria das diferenças linguísticas. Trata-se de identificar as diferenças entre o dialeto de prestígio e os dialetos populares, fazendo com que os alunos adquiram o domínio do dialeto de prestígio, para que esse se acrescente ao seu dialeto, mas sem substituí-lo. Essa proposta traz o respeito aos dialetos populares e a sua aceitação, acrescentando o dialeto de prestígio à aprendizagem (SOARES, 2001). Bidialetalismo: esse termo designa a situação linguística em que os falantes utilizam, alternativamente, segundo as situações, dois dialetos sociais diferentes. O termo foi criado por analogia ao bilinguismo (SOARES, 2001). Vimos até agora que a língua é muito mais do que um conjunto de regras, que ela, como prática social, pode ser dividida em dois modos, como atividade oral e como atividade escrita. Nos aprofundaremos nessas duas modalidades nos próximos subcapítulos pensando no ensino. 31 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 4.1 A LÍNGUA FALADA E O ENSINO Neste subcapítulo, apresentaremos uma noção de língua falada enquanto uma modalidade da língua. Como vimos, entre a fala e a escrita não existe uma relação completamente dicotômica e estanque, mas, uma relação de dinamismo da língua e seu funcionamento. Podemos afirmar que até a década de 1980, existiram poucos estudos sobre a relação entre língua falada e língua escrita, cada estudioso se dedicava apenas a uma dessas modalidades. Ainda, os que se dedicavam à língua falada o faziam sob o viés das regras da escrita. Por isso, diante de tantas contradições, queremos frisar que entre a língua falada e a escrita não existe uma divisória clara, mas, mesmo assim, trabalharemos com cada uma separadamente nos próximos subcapítulos, apenas para facilitar a organização das nossas observações. Com relação à diferença de abordagem de textos falados e escritos em sala de aula, atualmente já existem vários estudos, porém pouco se tem aplicado no ambiente escolar, priorizando a língua escrita e a norma padrão, o que gera o fracasso no processo de ensino-aprendizagem da língua. Especificamente sobre a preocupação dos educadores com o desenvolvimento da oralidade, ainda que relativamente recente, ela já faz parte dos conteúdos programáticos. O fato de estudos linguísticos dedicarem atenção à língua falada tem contribuído para legitimar a importância dela. Para saber mais sobre a natureza do texto falado, leia o capítulo “especificidade do texto falado”, de Koch, em Gramática do português culto falado no Brasil, organizado por AtalibaTeixeira de Castilho. Unicamp, 2008. O livro Análise de textos orais, de Dino Preti (org.) também é interessante por tratar de marcadores conversacionais e outras características da língua com base em exemplos. PRETI, D. Análise de textos orais. 4. ed. São Paulo: FFLCH/ USP, 1999. Professores de língua materna podem estar se perguntando, deve-se/pode- se ensinar fala em sala de aula? Sim, estamos fazendo um convite justamente para isso, para que você amplie o leque de atenção. Não se trata de ensinar a falar, mas mostrar aos alunos a variedade de usos da fala, dando consciência 32 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa de que a língua não é homogênea, monolítica, trabalhando nos níveis coloquiais, formais, falado e escrito, tornando os alunos “poliglotas” dentro da própria língua (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000), pois: [...] não se acredita mais que a função da escola deve concentrar-se apenas no ensino da língua escrita, a pretexto de que o aluno já aprendeu a língua falada em casa. Ora, se essa disciplina se concentrasse mais na reflexão sobre a língua que falamos, deixando de lado a reprodução de esquemas classificatórios, logo se descobriria a importância da língua falada, [até] mesmo para a aquisição da língua escrita (CASTILHO, 1998 apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 12). Antes mesmo dos alunos serem submetidos ao processo de alfabetização nas escolas, eles já convivem com símbolos, propagandas, cartazes, placas, avisos, jornais etc., que contribuem para o processo de letramento. De acordo com Marcuschi (2010, p. 25), “letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita”. Assim, o aluno já está familiarizado com a língua e inclusive com certos gêneros textuais. Já pensou em organizar com seus alunos uma rádio em sala de aula? Não exige muitos equipamentos tecnológicos e os alunos ficam animados em participar. Esse tipo de atividade gera reflexão sobre que variedade linguística usar, como organizar a fala pública. Os alunos podem inclusive entrevistar outros alunos. Outra proposta semelhante são os podcasts, que estão ganhando mais adeptos a cada dia. O fato de que todos os alunos vão para a escola já com certo domínio da língua não pode ser motivo para não trabalhar a oralidade em sala de aula, pois ninguém domina a própria língua em toda a complexidade de suas formas e extensões de uso. Em nível de aprendizagem, o aluno domina unidades e estruturas que são funcionais no âmbito de suas experiências de vida, social e cultural. A proposta é ampliar e diversificar o universo de experiências mentais, culturais e sociais do aprendiz (AZEREDO, 2018). Nesse aspecto, o professor também precisa ter consciência de que o ensino não pode partir do nada e que focar o ensino apenas na língua escrita 33 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 é insuficiente. Desse modo, a escola não vai ensinar a língua, mas os usos da língua em diferentes condições. Os alunos devem ser levados a refletir sobre a língua e os seus usos em múltiplas situações. Nesse contexto, os PCN corroboram, evidenciando que precisamos ter como objetivo educacional mais amplo o respeito à diversidade linguística, além de promover um ensino verdadeiramente mais democrático: A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da interação comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido (BRASIL, 1998, p. 32). Corroborando com os PCN, devemos ter consciência de que a oralidade tem papel fundamental no ensino de língua e, enquanto professores, devemos nos preocupar com a adequação às diferentes situações comunicativas. Desse modo, o ensino da oralidade não é trabalhado isoladamente, mas mantém relações com a escrita, pois ambas possuem relações mútuas e intercambiáveis. Para ilustrar, analisaremos alguns aspectos da linguagem com o exemplo a seguir: O rato e o canário Homem com fome, o que é comum; sem comida para satisfazer sua fome, o que também não é raro. Aparência modesta, mas digna; barba por fazer; cara de necessidade. Levava uma sacola. Passou pelo restaurante também simpático modesto, com qualquer coisa de simpático – a cor das paredes, talvez – e entrou. Foi direto ao gerente, no caixa: — Desculpe... se lhe disser que há cinco dias eu não como propriamente, só estarei falando verdade. Mas o senhor não vai acreditar. — Por que não? 34 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa — Sinto que é compreensivo. — Também já passei dias sem levar um bocado à boca, e sei que não é nada divertido. — Então eu queria lhe pedir... Não precisou explicar. O gerente chamou o garçom. — Sirva alguma coisa a esse senhor. Por conta da casa. E voltou-se para o recém-chegado: — Hoje é o meu dia de ajudar o próximo. Aniversário da minha santa mãezinha, que Deus a tenha. O homem sentou-se, comeu lentamente, saboreando o prato simples que uma senhora desconhecida e falecida lhe despachava do céu. [Fim da primeira parte] Acabando, voltou ao caixa: — Claro que não posso te pagar, o amigo sabe. Mas agradecer de coração, isso eu posso. — De nada, ora essa. — Mas não vou embora sem lhe provar de alguma maneira minha gratidão. Tenho aqui uma curiosidade, que o senhor vai apreciar. Tirou da sacola um piano minúsculo e um ratinho, e disse a este: — Toque, Evaristo. Evaristo não se fez de rogado, e executou um trecho de Für Elise com bastante sensibilidade. — É fantástico! — exclamou o gerente. — Nunca vi coisa igual. — Tem mais. O senhor ainda não viu o meu canarinho. Surgiu da sacola um canário-da-terra, dócil à convocação. — Aquela modinha, Sizenando. Com acompanhamento de piano por Evaristo, Sizenando atacou É a Ti Flor do Céu, arrancando discreta lágrima do gerente. — Que beleza! Mas o senhor, não leve a mal eu perguntar, com esse tesouro nas mãos, precisa viver desse jeito? — Ah, meu amigo, não posso, não devo explorar esses inocentes. Como é que iria mercantilizar os dons do Evaristo e do Siza, que considero meus filhos, de tanto que eu gosto deles? Diante do gerente boquiaberto, o homem retirou-se com a sacola e seu conteúdo. Foi andando pela rua. [Fim da segunda parte] De repente estacou, preocupado. — Eu não devia ter feito isso com um cara tão generoso, que me matou a fome. Voltou ao restaurante, onde o gerente o recebeu com surpresa: — Esqueceu alguma coisa? Não vai me dizer que, cinco minutos 35 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 depois, está novamente com o estômago vazio? Ou pensou melhor, e quer me vender os dois artistazinhos e mais o pianito? — Nada disso. Vim por uma questão de consciência. — Como disse? — Questão de consciência. O senhor foi tão legal comigo... — E daí? — Daí que eu não tinha o direito de fazer o que fiz. — E que fez o amigo senão me regalar com o seu par de artistas que me fizeram subir água aos olhos? — Por isso mesmo. O senhor se comoveu com a audição, mas não é justo que continue iludido num ponto fundamental. — Cada vez percebo menos. Desembuche, homem! — O seguinte. Eu enganei o senhor. O Siza não canta coisa nenhuma, é um canário bobo, faz aquela figuração toda, mas quem canta mesmo é o Evaristo, que é ventríloquo! Este caso me foi contado por um amigo merecedorde crédito, mas fico na dúvida se não será criação de algum escritor, adaptada ao modo de ser carioca. Neste caso, que o autor me perdoe o avanço em sua obra. FONTE: ANDRADE, C. D. de. O rato e o canário. In: ANDRADE, C. D. de. Boca de luar. Rio de Janeiro: Record. 1984, p. 96-99. Seguindo a explicação de Azeredo (2018), dividimos o texto em três partes, como você deve ter percebido na leitura. Isso facilitará nosso entendimento. O primeiro parágrafo do texto apresenta alguns dados caracterizadores do fato que é narrado: o cenário, o personagem principal e a fome. Então ele entra no restaurante, se dirige ao gerente e comunica que está com fome. Em vez de chegar pedindo um prato de comida, o personagem leva o gerente a sentir pena dele (desculpe... se lhe disser que há cinco dias eu não como propriamente, só estarei falando a verdade). Com isso temos uma característica fundamental da comunicação humana, a possibilidade de empregar formas diferentes de expressão para falar a mesma coisa (AZEREDO, 2018). Segundo Azeredo (2018), ao fazer uma escolha por uma forma de expressão entre as alternativas possíveis, fazemos uma escolha por uma imagem. Nossas escolham indicam como seremos percebidos pelo nosso interlocutor e modelam o evento comunicativo. 36 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Mesmo o personagem tendo o trunfo do canário e do ratinho, ele começa se mostrando humilde e submisso. Vendo que está conseguindo atenção, recorre ao poder da sedução da linguagem e elogia o gerente (sinto que o senhor é compreensivo), é cauteloso na solicitação (em vez de dizer eu quero, diz eu queria). O gerente, que não demonstra querer se livrar logo do pedinte, sendo inclusive receptivo, dá a ordem (sirva alguma coisa a esse senhor. Por conta da casa), pois seu papel de gerente lhe dá autoridade para isso (AZEREDO, 2018). A segunda parte do texto é quando o homem decide retribuir a generosidade do gerente. Entram em cena o canário e o ratinho. O homem, que antes era um simples faminto, agora faz coisas que deixam o seu benfeitor maravilhado (é fantástico!) e então passa a controlar a situação. Se compararmos as frases ditas por ambos, veremos que os papéis se invertem. A linguagem do gerente é cheia de exclamação e entusiasmo. O homem, dono da situação, dá ordem e faz promessas (toca, Evaristo) (AZEREDO, 2018). Na cena final, na rua dizendo para si mesmo que não devia ter feito isso com um cara generoso, o homem revela-se arrependido, voltando à atitude humilde, mas agora é diferente, existe um conflito entre o que o homem quer dizer e o que o gerente está disposto a compreender. A comunicação fica impossível. O leitor percebe que tem algum truque sendo armado, mas a explicação contraria qualquer previsão, do leitor e do gerente. A atitude aparentemente de arrependimento que o homem teve foi apenas para aumentar a surpresa do desfecho (AZEREDO, 2018). Com essas três cenas queremos retratar como a linguagem participa dos acontecimentos sociais e como age enquanto termômetro das relações humanas. Demonstramos que a mudança de papéis na história tem efeito imediato no modo como o personagem se expressa (AZEREDO, 2018). Trata-se de perceber que as realizações estilísticas não são aleatórias, mas se adaptam às situações comunicativas. Assista também ao vídeo “Quando se trata de português falado, não existe certo e errado”, com o linguista Ataliba Teixeira de Castilho, da Unicamp, que fala sobre as transformações do português falado no Brasil. Disponível em: h t tps : / /www.you tube .com/watch?v=NxQmBBgPrp8& feature=youtu.be. 37 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 A palavra é uma forma de construir significado e para tal aprendizado é preciso ir além da sua utilidade como simples instrumento de comunicação. Devemos tratar a palavra como objeto de observação, de reflexão e de análise. Nesse sentido, cabe ao professor levar ao aluno a percepção de que a palavra desempenha múltiplos papéis em nossa vida e que os horizontes de nossas experiências simbólicas se ampliam conforme ampliam nossos recursos de expressão (AZEREDO, 2018). Para Bakhtin, as interações verbais estão relacionadas às interações sociais mais amplas. A enunciação ganha sentido no contexto social apenas. Com isso, soma-se ao estudo do enunciado o aspecto social e contextual. Segundo Bakhtin (1990), a língua não pode ser vista como um conjunto de regras abstratas. “A língua, como um sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e de seu ensino” (BAKHTIN, 1990, p. 108). O filósofo da linguagem propõe uma abordagem de língua e linguagem como sinônimas, colocando em dialogia o contexto social, a língua e as interações verbais com a consciência humana. Para ele, “não é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (BAKHTIN, 1990, p. 112). Assim, a língua é o veículo que faz com que o sujeito receba a ideologia da sua comunidade e também possa atuar sobre ela. FONTE: BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1990. Você, como professor e mediador do conhecimento, deve compreender que pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para outros registros, sejam orais ou escritos. Essa é justamente uma sugestão de atividade, o professor pode começar com textos orais dos próprios alunos, trabalhar esses textos e, na sequência, propor atividades escritas com base nos temas da atividade oral. Assim, trata-se de trabalhar integralmente as várias possibilidades de uso da língua, a produção oral, a produção escrita, a leitura e a interpretação. 38 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Essa proposta é interessantíssima, não só porque pode ir além de simplesmente valorizar apenas a modalidade escrita da língua, mas por envolver processos cognitivos como a interpretação. Parte-se da valorização da fala, trabalha-se a interpretação e, por último, a escrita. Ademais, essas atividades “devem contribuir para se perceber que o trabalho com a língua, quando realizado nesta perspectiva, é um bom ponto de partida não só para uma melhor compreensão da oralidade na sua relação com a escrita, mas para um melhor tratamento da oralidade em si mesma” (MARCUSCHI, 2010, p. 121). Este aspecto tem a ver com o tratamento dado à língua, principalmente nos exercícios propostos aos alunos em sala de aula. Com isso, o professor poderá inclusive conhecer melhor as produções escritas de seus alunos, como aprimorá- las preservando a sua expressividade (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000). Marcuschi aborda essa passagem da língua falada para a língua escrita em um processo que ele chama de retextualização. Veremos esse conteúdo mais adiante. Trataremos do conceito de texto no próximo capítulo, mas cabe mencionarmos aqui que tanto o texto escrito como o texto falado possibilitam estudos e análises que têm a língua como recurso, com base na oralidade. A partir do texto, pode-se trabalhar: a) as questões do desenvolvimento histórico da língua; b) a língua em seu funcionamento autêntico e não simulado; c) as relações entre as diversas variantes linguísticas; d) as relações entre fala e escrita no uso real da língua; e) a organização fonológica da língua; f) os problemas morfológicos em seus vários níveis; g) o funcionamento e a definição de categorias gramaticais; h) os padrões e a organização de estruturas sintáticas; i) a organização do léxico e a exploração do vocabulário; j) o funcionamento dos processos semânticos da língua; k) a organização das intenções e os processos pragmáticos; l) as estratégias de redação e questões de estilo; m) a progressão temática e a organização tópica; n) a questão da leitura e dacompreensão; o) o treinamento do raciocínio e da argumentação; p) o estudo dos gêneros textuais; q) o treinamento da ampliação, redução e resumo de texto; r) o estudo da pontuação e da ortografia; e s) os problemas residuais da alfabetização (MARCUSCHI, 2008, p. 51-52). 39 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Além de vários outros aspectos que podem ser trabalhados em sala de aula, pois existe grande potencialidade exploratória. 4.1.1 Variedade linguística A língua falada é inerente ao ser humano. Se é através da língua que o homem evolui, ela também é socialmente moldada, desta forma, reflete a organização da sociedade, faz parte da nossa identidade e da nossa cultura. Como expõe Marcuschi (2008), falar não é simplesmente se comunicar, falar é agir, sobre si, sobre os outros e sobre o mundo. Falar é produzir sentidos, produzir identidades e experiências. Após um período de aquisição que vai até os seis anos de idade, a criança já sabe usar a sua língua de acordo com suas necessidades comunicativas regulares e cotidianas, ou seja, a criança aprendeu aquilo com o que tem familiaridade. Você pode aprofundar sua leitura sobre a variedade linguística com a leitura de: BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. Toda língua natural, essa que a criança aprende em casa, apresenta variações, quer dizer, uma diversidade de usos que correspondem a uma diversidade de modos de expressão, de características gramaticais e de vocabulário. Existem variações de pronúncia (como mulher, mulé, muié), reduções morfológicas (pro, pra, tô, tá), de gênero dos nomes (duzentos gramas ou duzentas gramas), de expressão de intensidade (roupa limpa, limpíssima, limpinha), nas construções (ele chegará, ele vai chegar) etc. Todas essas diferenças são normais em qualquer língua natural (AZEREDO, 2018). Lembrando que variações socioletais, regionalismos, gírias, entre outros aspectos pontuais podem ser questões de estilos do usuário e não necessariamente marcas da língua falada. 40 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Veja uma sugestão de atividade para abordar as diferenças dialetais na língua portuguesa com as Tirinhas do Chico Bento. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula. html?aula=19746. A primeira lição que devemos tirar dessas diferenças é que se elas existem, elas são funcionais, servindo inclusive de manifestação de identidade entre seus usuários. “Compreender a diferença, ser capaz de analisá-la e saber lidar com ela nas relações interpessoais é um grande passo para uma bem-sucedida política de ensino na língua materna” (AZEREDO, 2018, p. 123). Uma pedagogia baseada na depreciação linguística e sociocultural do aprendiz gera insegurança e silêncio. Uma dica de atividade é disponibilizar a notícia de jornal publicada no Diário de Pernambuco em 21 de agosto de 1819 e pedir aos alunos que a analisem e que busquem uma notícia de jornal contemporânea para comparar. Segue notícia: FURTARÃO O ANELÃO No dia 3 do prezente mez, na guarda principal, perdeo-se, ou furtarão do dedo de um dos indivíduos, quando dormia, que estava de guarda no mesmo lugar um anelão de ouro, todo lavrado, e com dous corações unidos dentro do círculo posto no lugar em qáele bota firma: pede se a quem for oferecido que não o compre; pois pretende-se proceder contra a pessoa em cujo se achar. Assegura- se ao Snr. que está de deposse do dito anelão, que se o restituir se lhe guardará segredo da graça, ou antes da fraqueza, em que cahio. A pessoa que trocar o referido anelão nesta Typ. receberá 4$rs de gratificação. FONTE: MARCUSCHI, 2008, p. 52. Essa atividade contribui para a análise de formas linguísticas em desuso, no gênero e estilo jornalístico, além de provar como a língua não é estanque, variando ao longo do tempo, tanto falada como escrita (MARCUSCHI, 2008). 41 A VISÃO (NÃO) DICOTÔMICA ENTRE MODALIDADE FALADA E ESCRITA DA LÍNGUA Capítulo 1 Como vimos, até os anos 1960, as concepções didáticas impunham certa homogeneidade e universalidade no ensino de língua portuguesa, porém isso foi sendo colocado em xeque e desde os últimos 40 anos esforços vêm sendo realizados para uma formação do professor que seja capaz de atuar com um público de tão variada formação linguística e sociocultural. Infelizmente, ainda são tímidos os avanços e temos um longo caminho pela frente (AZEREDO, 2018). No nosso país, encontramos diversas variações linguísticas que refletem as heranças culturais e a identidade do nosso povo. Essas variações, de modo geral, podem ser geográficas (diatópicas) ou sociais (diastráticas). Para Mussalin e Bentes (2006, p. 34): A variação geográfica ou diatópica está relacionada às diferenças linguísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes de origens geográficas distintas. A variação social ou diastrática, por sua vez, relaciona-se a um conjunto de fatores e que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala. A variação geográfica fica evidente quando ouvimos falantes de diferentes regiões do Brasil, por exemplo, um falante gaúcho e um falante da região do Nordeste. Lógico que não podemos generalizar que todos os falantes de uma região falam igual, mas com o intuito de ilustrar e situar geograficamente, estamos fazendo-o. Assim, para exemplificar, ainda podemos pensar no substantivo aipim, como é conhecido em algumas regiões do Sul do Brasil, macaxeira, no Nordeste, e temos ainda mandioca, em regiões do Sudeste. 1 Como exercício de conscientização, que tal buscar alguns exemplos da variedade linguística no Brasil? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. 42 Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa Além disso, fatores individuais são responsáveis pela diversidade da língua, assim, temos que pensar em aspectos sociais, como os fatores de classe social, idade e gênero como determinantes no processo da fala. Por isso, a sociolinguística tem papel tão importante no entendimento desse fenômeno linguístico que é a nossa fala. Então, se formos pensar na quantidade de pessoas e no tamanho do Brasil, é completamente normal que exista grande variação linguística. Pensar em um monolinguismo é um dos mitos mais graves do preconceito linguístico, como já apontou Bagno (2015). 1 Vamos pensar um pouco sobre a variação diafásica. Leia o texto a seguir: Gerente – Boa tarde. Em que eu posso ajudá-lo? Cliente – Estou interessado em financiamento para compra de veículo. Gerente – Nós dispomos de várias modalidades de crédito. O senhor é nosso cliente? Cliente – Sou Júlio César Fontoura, também sou funcionário do banco. Gerente – Julinho, é você, cara? Aqui é a Helena! Cê tá em Brasília? Pensei que você inda tivesse na agência de Uberlândia! Passa aqui pra gente conversar com calma. FONTE: BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna. São Paulo: Parábola, 2004. Na representação escrita da conversa telefônica entre a gerente do banco e o cliente, observa-se que a maneira de falar da gerente foi alterada de repente devido: a) À adequação de sua fala à conversa com um amigo, caracterizada pela informalidade. b) À iniciativa do cliente em se apresentar como funcionário do banco. c) Ao fato de ambos terem nascido em Uberlândia (Minas Gerais). d) À intimidade forçada pelo cliente ao fornecer seu nome completo.
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