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METODOLOGIA E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA Me. Paula Denari GUIA DA DISCIPLINA 1 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância METODOLOGIA E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA Objetivo Desenvolver saberes e fazeres pertinentes à docência da Língua Portuguesa para as séries iniciais. Discutir o ensino de Língua Materna. Refletir sobre as falhas da gramática normativa e sua inconsistência teórica; propor soluções mais coerentes para o ensino de Língua Materna. Apresentar as Teorias de aquisição da linguagem. Refletir sobre o desenvolvimento da linguagem na criança: fonológico, lexical, sintático e pragmático. Analisar as múltiplas linguagens como recursos didáticos: linguagem não verbal, jogos, brinquedos, atividades lúdicas, teatro, coro falado e jornal falado. Observar criticamente os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Língua Portuguesa. Introdução Discutir Conteúdos e Métodos de Língua Portuguesa é mais do que pensar como a criança apreende uma língua, mas como a criança se comunica nos primeiros meses de vida, já que estamos falando em língua materna. Esta é uma reflexão abordada por inúmeros teóricos até os dias de hoje. Além disso, se o aluno já chega ao ambiente escolar provido de uma linguagem adquira no âmbito social, qual seria, então, o papel da escola? Que “língua” é essa que ele aprende na sala de aula tão diferente daquela produzida pelos falantes com os quais convive? É esse o objetivo da nossa disciplina refletir sobre esses aspectos tão controversos a respeito do ensino da Língua Portuguesa. Para isso, dividimos nossa disciplina em nove temas: 1. Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem 2. Conceituando Língua e Linguagem (tipos de linguagem) 3. Norma e Gramática – As contribuições da Linguística 4. As variantes linguísticas, o certo e o errado 5. O texto na produção de sentido 6. PCN: o que determinam os Parâmetros e a BNCC 7. O que ensinar na escola? 8. As múltiplas linguagens como recursos didáticos: linguagem não verbal, jogos, brinquedos, atividades lúdicas. 9. Possibilidade de avaliação da linguagem: leitura e escrita. 2 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM “A aquisição da linguagem é, provavelmente, o mais impressionante empreendimento que o ser humano realiza durante a infância” (Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997 p. 44). 1.1. Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem O processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem é apesar de rápido, muito complexo. A criança, por meio das interações sociais, adquire e desenvolve a sua língua materna. Para este processo, ela percorre um caminho individual, delineado pela interação com os outros. Os estudos acerca da aquisição da linguagem buscam desvendar como uma criança adquire a linguagem desde os primeiros momentos em que emite sons para se comunicar, porém ainda há muito a ser pesquisado, já que este é um campo complexo ao confluir para diferentes especificidades: biológicas, psicológicas, sociais e linguísticas. As pesquisas iniciais sobre aquisição da linguagem começaram a ser realizadas em 1876. Elas tinham como objetivo observar o surgimento e o desenvolvimento da linguagem nas crianças, para isso, baseavam-se em registros elaborados por linguistas da fala espontânea dos próprios filhos. Nesses diários, registrava-se tudo o que as crianças faziam com relação à linguagem. Como os pesquisadores não sabiam ainda ao certo o que estavam procurando, a pesquisa tinha um caráter meramente descritivo. Entre 1926 e 1957, cresceram as pesquisas sobre aquisição da linguagem, já que a abordagem do corpus mudou e os estudos passaram a ser baseados na observação sistemática de vários sujeitos, objetivando descrever o que é o comportamento comum em aquisição da linguagem. No entanto, a observação do coletivo foi valorizada em detrimento do individual e perdiam-se dados importantes. Na década de 60 a 80, os estudos de Chomsky causaram uma revolução, já que para ele a capacidade de falar é inata ao ser humano [detalharemos a frente essa concepção]. O linguista começou a estudar as crianças em grupos reduzidos. Foi a época em que surgiram muitos bancos de dados com falas de crianças em fase de aquisição gravados em áudio ou vídeo. Esse material era transcrito, para depois ser estudado. 3 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1.2. Os teóricos em aquisição da linguagem • Burrhus Frederic SKINNER: A palavra chave da teoria de Skinner é comportamento (visão teórica behaviorista). Ele e seus seguidores assumiam que a aprendizagem de uma língua ocorre pela exposição ao meio e em decorrência da imitação e do reforço. Para ele, o ser humano aprende por condicionamento, assim como qualquer outro animal. Skinner sustenta que o aprendizado da linguagem não era, em princípio, diferente do aprendizado de quaisquer outros comportamentos humanos. No entanto, o que seus críticos vão questionar é: se uma criança adquire uma língua por imitação, como se explicaria o fato de formar frases ou palavras que nunca ouviu? Skinner tinha uma posição ambientalista, totalmente contrária a Chomsky. Em sala de aula, por exemplo, a repetição mecânica deveria ser incentivada, pois esta levaria à memorização e assim ao aprendizado. Assim como, os comportamentos são obtidos punindo o comportamento não desejado e reforçado ou incentivado o comportamento desejado com um estímulo, repetido até que ele se torne automático, (como fazemos com nossos animais de estimação!) Resumindo, na sala de aula, a repetição mecânica deve ser incentivada, pois esta leva à memorização e assim ao aprendizado. O ensino é obtido quando o que precisa ser ensinado pode ser colocado sob condições de controle e sob comportamentos observáveis. Dessa forma, segundo Skinner, a aprendizagem concentra-se na aquisição de novos comportamentos. De acordo com a teoria, os alunos recebem passivamente o conhecimento do professor. Cabe a ele criar ou modificar comportamentos para que o aluno faça aquilo que deseja. • A partir do final da década de 50, os estudos de Noam CHOMSKY no campo da sintaxe impulsionam os trabalhos em aquisição da linguagem, com base na posição assumida de que a linguagem é inata em condições normais. Para o pesquisador, a linguagem é uma dotação genética do ser humano. Segundo a teoria inatista, o ser humano vem "equipado" com uma Gramática Universal e parâmetros que deverão ser marcados ou fixados. Como se o cérebro tivesse várias partes, muitas gramáticas “desativadas”. A partir do momento em que o falante nascesse no Brasil e ouvisse nosso idioma, por exemplo, certas estruturas características do Português Brasileiro seriam ativadas, gerando a gramática de sua língua nativa. A criança nasce pré-programada para adquirir a 4 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância linguagem e é capaz de, a partir da exposição à fala, construir suas hipóteses sobre a língua a que está imersa. • A visão cognitivista construtivista, de Jean PIAGET1, entende a aquisição da linguagem como dependente do desenvolvimento da inteligência da criança. Piaget ressalta que o indivíduo aprende do individual para o coletivo, assim, é fundamental a relação do sujeito com ambiente. De acordo com a sua teoria, a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são processos oriundos do desenvolvimento do raciocínio na criança e ocorre na função simbólica. O sujeito constrói estruturas na experiência com o mundo físico, ao interagir e ao reagir biologicamente com ele. • Lev VYGOTSKY considera os fatores sociais, comunicativos e culturais para a aquisição da linguagem (visão interacionistasocial). Segundo ele, a interação social e a troca comunicativa são pré-requisitos básicos para a aquisição da linguagem. Além disso, o pensamento e a fala têm origens diferentes, não sendo a fala uma simples continuação do pensamento. Para ele, é na interação existente entre o meio e a criança que se dão os processos de aquisição da linguagem. • Nos últimos anos, as pesquisas na área conexionista (McClelland e Rumelhart, 1986) surgiram com o objetivo de descobrir como se dá, no cérebro/mente, a aquisição da linguagem. O conexionismo propõe que a aquisição tem como base a formação de unidades neuroniais de pensamento. Dessa forma, adquirir conhecimento ou adquirir uma língua implica o estabelecimento de novas conexões neuroniais. 1.3. Desenvolvimento da Linguagem Como dito, se a criança viver em condições normais, o estímulo linguístico dado a ela pela comunidade em que se encontra inserida, vai levá-la a adquirir a linguagem. Já o desenvolvimento da linguagem corresponde às alterações quantitativas e qualitativas que ocorrem durante o conhecimento da língua pela criança. Isso ocorre entre o seu nascimento 1 Você, provave lmente, já es tudou a teor i a de P iaget e Vygotsky em out ras d isc ip l inas , já que e les são impor tantes teó r icos da Educação. Por es te mot i vo , não i remos nos pro longar em desenvo lv er seus es tudos . Impor ta -nos aqu i suas re l ações com a aqu is i ção da l i nguagem. 5 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância e a entrada no 1.º ciclo de escolaridade. O conhecimento que a criança possui da língua antes do 1.º ciclo escolar, caracteriza-se por ser: • Intuitivo; • Subconsciente; • Assistemático; • Socialmente marcado. O desenvolvimento da linguagem divide-se em duas fases, sendo elas o período pré- linguístico e o período linguístico. O período pré-linguístico corresponde geralmente ao primeiro ano de vida da criança e durante este período a criança inicia as vocalizações (choro, riso, palreio e lalação) e desenvolve as capacidades de discriminação (permitem diferenciar os sons da fala). No período linguístico, inicia-se a pronúncia das primeiras palavras pela criança. 6 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância http://selmamcarvalho.blogspot.com.br/2014/03/desenvolvimento-da-linguagem-da-crianca.html De acordo com Aimard (1986), as diversas componentes da língua (função, forma e significado) são apreendidas ao mesmo tempo, logo, é importante os educadores e professores conhecerem os diversos domínios linguísticos que são adquiridos pelas crianças, os quais estão intimamente interligados. São eles: fonológico, lexical e semântico, morfossintático e discursivo-pragmático. • Desenvolvimento fonológico: para que a criança comece a falar, necessita de passar por um processo progressivo de aquisição dos sons da fala, designado por desenvolvimento fonológico, o qual integra a capacidade para distinguir sons e para produzir todos os sons da língua materna. • Desenvolvimento lexical e semântico: processo que se prolonga ao longo de toda a vida do sujeito, corresponde à aquisição do vocabulário. • Desenvolvimento morfossintático: tão importantes como as palavras são as regras que permitem a sua organização em frases, assim, as crianças compreendem a organizam das palavras na sentença. 7 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância • Desenvolvimento discursivo-pragmático: capacidade de conhecer as regras reguladoras do uso dessa língua em contexto social, pois só assim conseguirá expressar o que pretende e interagir socialmente. Com o desenvolvimento da criança, suas conversações tornam-se cada vez mais sofisticadas. A escola é, portanto, primordial para que as crianças de meios socialmente mais desfavorecidos adquiram regras pragmáticas que lhes permitam no futuro adequar a sua comunicação a diversas situações. Assista ao Vídeo da Universidade Técnológica Federal do Paraná sobre a teoria de Noam Chomsky: [https://www.youtube.com/watch?v=8D4dcO8J6hc] Acesso – 22/02/2018. O desenvolvimento da linguagem é ainda mais impressionante quando consideramos a natureza do que é aprendido. Pode parecer que as crianças precisem apenas lembrar-se do que ouviram e repeti-lo em algum momento posterior. Mas, como mostrou Chomsky há tempos atrás, se essa fosse a essência da aprendizagem da linguagem não seríamos comunicadores bem- sucedidos. A comunicação verbal requer produtividade, isto é, a capacidade de criar um número infinito de enunciados que nunca ouvimos antes. Essa inesgotável capacidade de inovar exige que alguns aspectos do conhecimento linguístico sejam abstratos. Em última instância, as “regras” de combinação de palavras não podem ser regras para determinadas palavras, e sim regras para classes de palavras, tais como substantivos, verbos ou preposições. Desde que disponha desses esquemas abstratos, o falante pode preencher os “espaços” de uma frase com as palavras que melhor traduzam a mensagem do momento. FONTE: Enciclopédia Criança https://www.youtube.com/watch?v=8D4dcO8J6hc 8 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. CONCEITUANDO LÍNGUA E LINGUAGEM (TIPOS DE LINGUAGEM) 2.1. A diferença entre língua e linguagem A comunicação humana ocorre de diferentes formas, seja por sinais, códigos linguísticos, escrita ou por forma oral. Utilizamos da nossa língua, linguagem ou fala para passarmos informação, contudo às vezes nos confundimos ao tentar entender a diferença e os conceitos, por isso é importante estudá-los para que possamos entender como cada um funciona e contribui para a nossa comunicação diária. A língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. Ela surge em sociedade, e todos os grupos humanos desenvolvem sistemas com esse fim. As línguas podem se manifestar de forma oral ou gestual, como a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Linguagem é a capacidade dos seres humanos para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como a música e a dança. É a expressão do pensamento, sendo que a língua é uma forma de linguagem, como também a linguagem corporal, música, pintura, símbolos. Por outro lado, linguagem não é um tipo de língua. Seu conceito é muito mais amplo. A expressão oral, por exemplo, é considerada uma das formas mais importantes de comunicação humana. De acordo com Perini (2010), chamamos “língua” um sistema programado em nosso cérebro que estabelece uma relação entre imagens mentais que formam nossa compreensão do mundo e um código que as representa. “Os seres humanos utilizam um grande número de tais sistemas (“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se assemelham em muitos outros.”. Para ele, a língua é complexa e inata. O que chamamos uma “língua” é, assim, uma das realizações históricas da capacidade humana para a linguagem. E cada língua é profundamente enraizada na cultura que serve – por exemplo, não creio que em tibetano ou em amárico haja expressões exatamente paralelas a pisar na bola ou mãe de santo. Já houve (não sei se ainda há) quem sustentasse que a língua que uma pessoa fala condiciona sua maneira de ver o mundo (a chamada “hipótese de Sapir-Whorf”). Suspeito que há um grão de verdade nessa hipótese, mas do modo como é geralmente enunciada ela exagera a importância da língua nos nossos processos cognitivos. (PERINE, 2010, p. 03) 9 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Já para Saussure (1969), a língua é um sistema de signos,a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo: não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido. 2.2. Tipos de linguagem Se já entendemos a linguagem como capacidade que possuímos de expressar nossos pensamentos, ideias e sentimentos, podemos perceber que ela está relacionada ao processo comunicativo. Se há comunicação, algum tipo de linguagem foi utilizada. Sinais, símbolos, sons e gestos são alguns exemplos de linguagem do nosso dia a dia. Por exemplo, ao nos depararmos com uma placa como esta, qualquer indivíduo, em plena habilidade cognitiva, consegue decodificá-la. As diversas linguagens podem ser agrupadas em: • Linguagem verbal: aquela que se utiliza de palavras escritas ou faladas no processo comunicativo. • Linguagem não verbal: é aquela que utiliza outros métodos de comunicação, que não são as palavras. Dentre elas, estão a linguagem de sinais, as placas e sinais de trânsito, a linguagem corporal, uma figura, a expressão facial, um gesto, etc. 10 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância (ENEM, 2013) • Linguagem mista: é o uso simultâneo da linguagem verbal e da linguagem não verbal, usando palavras escritas e figuras ao mesmo tempo. As histórias em quadrinhos, as charges e os outdoors são um exemplo deste tipo de linguagem. (GLAUCO) Quando usamos o termo TIPOS DE LINGUAGEM podemos nos referir a categorizações diferentes. Na aula, os tipos de linguagem trabalhados foram a diferença entre o verbal e o não verbal. No entanto, há linguagem FORMAL e INFORMAL, linguagem CONOTATIVA e DENOTATIVA, entre outros. Por isso, quando for estudar materiais extras, verifique corretamente o conteúdo. 11 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. NORMA E GRAMÁTICA – AS CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA Quando vamos produzir um texto para um vestibular ou concurso público, muitas vezes nos deparamos com expressões como NORMA CULTA ou NORMA PADRÃO. Tais termos são utilizados como sinônimos quando, na verdade, tem sentidos bem diferentes. De acordo com Faraco (2008), “norma culta se tornou moeda corrente para, em primeiro lugar, resolver a maldição que caiu sobre a palavra gramática.”. Essa maldição a que Faraco refere-se é a crítica que se iniciou na década de 60 às fragilidades conceituais da gramática e ao crescimento dos estudos linguísticos no país. Tal crítica saiu dos muros da academia e chegou às escolas, assim, o ensino do português mais voltado ao estudo das regras e nomenclaturas, começou a ser questionado, ou seja, passou a ser politicamente incorreto o ensino da gramática. O problema é que este discurso de fato não atingiu a prática pedagógica e o termo gramática ficou para sempre rotulado, sendo seu significado depreciado. Para substituí-lo criou-se o termo norma culta, este soava menos permeado de regras, porém era atribuído aos mesmos conteúdos. Como brinca Faraco (2008), quem seria a Sra. Dona Norma Culta que proíbe, exige, condena? Difícil personificá-la em alguém tão rancoroso. O resultado é que se desenvolveu uma situação em que a imprecisão de sentido mistura norma culta com norma gramatical. No entanto, a palavra “norma” entre suas inúmeras acepções pode ser entendida como aquilo que é normal, comum ou normativo. Dessa forma, um olhar atento sobre as produções dos falantes mostra que estamos inseridos em um universo linguístico bastante heterogêneo, cada um com sua organização própria, sua norma. Dentre essas normas, qual seria A CULTA? De acordo com Stella Maris Bortoni- Ricardo (2005), o melhor instrumento para identificar os falares dos brasileiros é distribuir as inúmeras variedades em três grupos: rural-urbano, oralidade-letramento e monitoração estilística. 12 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Adotando o modelo dos três continua, podemos caracterizar estas variedades como aquelas que se distribuem no entrecruzamento do polo urbano (no eixo-rural urbano) com o polo do letramento (no eixo oralidade-letramento). No eixo da monitoração estilística, essas variedades conhecem, como todas as demais, diferentes estilos, desde os menos até os mais monitorados. (FARACO, 2008, p. 44) Encontramos essa variedade nos meios de comunicação de massa, muito por uma imposição econômica e social. Vamos discutir mais sobre essa variante nas próximas aulas. Neste momento, é importante que se entenda que a chamada norma culta se identifica, portanto, com a linguagem urbana comum, aquela produzida por falantes cultos. Esses falantes seriam, de acordo com o projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta), os falantes urbanos, com escolaridade superior completa e em situações monitoras (falas não espontâneas.). Ou seja, a produzida por uma parcela muito pequena da população: a elite altamente letrada. Cabe-nos aqui uma reflexão: Determinar como “correto” o falar das classes econômicas dominantes não é uma forma de opressão? Ao falarmos sobre variação linguística, vamos retomar esse questionamento. Essa tal norma culta, para os falantes, seria melhor que as demais e se confunde com a própria língua. O que não se percebe é que qualquer língua é heterogênea. Já norma padrão caracteriza-se, como o nome diz, a uma padronização. Essa padronização nos remete à história. Desde a criação da primeira gramática por Antonio Nebrija, em 1492, buscou-se estabelecer, por imposições normativas, um padrão de língua capaz de atenuar a diversidade linguística, principalmente nos países colonizados. Ou seja, criou-se uma norma padrão. Aqui no Brasil, não se optou pela norma culta (comum aos falantes brasileiros), a elite letrada conservadora do século XIX queria fixar como padrão o modelo lusitano. Para eles, era preciso viver em um país branco e europeu. Para isso, combatiam-se os fenômenos linguísticos identificados como “português de preto”, entendido como degeneração da língua. (FARACO, 2009). O objetivo não era criar um Estado unificado, mas combater o português popular, produzido nas ruas, um português misturado à língua indígena e africana. 13 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O resultado é que o brasileiro nunca aceitou essa padronização na fala. A sonoridade brasileira não se encaixava ao excesso de lusitanismo e, até hoje, frases como “entregar- lhe-ei os óculos”, são somente encontradas nos livros de literatura romântica. Resumindo, enquanto a norma culta é a expressão de um determinado segmento da sociedade, ou seja, parte da língua viva e, por este motivo é descritiva; a norma padrão é abstrata, serve de referência para uniformização da língua, é, pois, prescritiva. A partir do Modernismo e da resistência de alguns gramáticos, no final do século XX, houve uma flexibilização. Produziu-se a norma gramatical, um meio termo entre a norma padrão e a norma culta. É importante você, professor, conhecer essa história da nossa gramática e entender que muitas vezes questões linguísticas são imposições econômicas e preconceituosas. A normatização gramatical da língua portuguesa começou no século XVI, quando ocorreu o Renascimento em Portugal. Desde os primórdios até então, o português era utilizado livremente e os falantes tinham muita liberdade na escrita. Em 1536, o padre Fernão de Oliveira publica a primeira gramática da língua portuguesa, a "Gramática da Lingoagem Portugueza". No Brasil, segundo o prof. Antônio Martins de Araújo (UFRJ), a primeira gramática brasileira da língua portuguesa é o Compêndio da Grammatica Portugueza, do padre Antônio da Costa Duarte, cuja edição é de 1829. 14 Metodologiade Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. AS VARIANTES LINGUÍSTICAS, O CERTO E O ERRADO Antigamente (Carlos Drummond de Andrade) "Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio." Antes de começarmos a refletir sobre o ensino do certo e errado na Língua Portuguesa é importante compreender que a Linguística, ciência que primeiro se ocupou em verificar a língua em uso, foi institucionalizada em 1962 nas academias. E foi a partir daí que se começou a atribuir aos linguistas o papel de formuladores de uma nova política para o ensino do português. O problema é que para eles, mais importante do que a correção é a situação comunicativa. Não é incomum serem acusados de aceitarem de tudo na língua. O que não é verdade. Para um linguista, não adianta corrigir o equívoco, mas avaliar o cenário em que tal equívoco ocorre. Afinal, só é possível falar em certo e errado se observarmos a língua sob um único prisma: a norma culta. Para alguns falantes é tão absoluto que esta é a única forma válida que são capazes de afirmar que o brasileiro não sabe falar o português!!!! Para eles, as normas estão acima do uso. Essa visão purista não admite a adequação linguística, somente a regra. O que para a linguística é um absurdo. Como se supõe que para os linguistas “tudo vale na língua”, supõe-se também que eles são contrários ao ensino das variedades ditas cultas. Não há, em seus textos, nenhuma afirmação nesse sentido. Ainda assim, são acusados de esquerditas de meia-pataca porque (supostamente) idealizam tudo o que é popular e preconizam que os ignorantes continuem a sê-lo, cf. revista Veja de 07/11/01, p. 112 (FARACO, 2009, p. 168) No entanto, o que os linguistas almejam é que os alunos tenham acesso à modalidade culta da língua, mas não menosprezem as formas populares ou inúmeras variantes existentes. Afinal, toda língua possui variações, sendo que a maioria ocorre no tempo (variação histórica) e no espaço (variação regional). 15 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Há três fenômenos relacionados às variações linguísticas: 1) Em sociedades complexas coexistem variedades linguísticas usadas por diferentes grupos sociais, culturais e linguísticos. Essas diferenças tendem a serem maiores na língua falada que na língua escrita; 2) Pessoas que fazem parte de um mesmo grupo social expressam-se de forma diferente de acordo com a situação. 3) Há falares de grupos específicos, como os jargões profissionais usados por médicos, policiais, profissionais de informática entre outros. Eles possuem um léxico característico. Já os jovens, grupos marginalizados e Apesar de reconhecer todas essas variantes, estamos muito atrasados na construção de uma pedagogia da variação linguística. No ambiente escolar, não sabemos como proceder. A variação linguística é trabalhada como um conteúdo estanque no 6º do Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio. Parece que, assim, atende-se aos Parâmetros Curriculares, os quais já abordam essa temática. Outro problema são os livros didáticos que apresentam as variantes de forma quase anedótica. Ao citarem o português rural, muitos trazem uma tirinha de Chico Bento, um personagem estereotipado que não reflete o real falar rural. A variante acaba sendo vista como algo só existente por determinada parcela da população rural. O aluno não percebe a variação como parte do Português Brasileiro e não vê o potencial estilístico e retórico delas. Pior não se vê como um falante multiestilístico, produtor de falares diversos, todos eles igualmente aceitáveis. Quantas vezes você já ouviu questionamentos sobre lugares do Brasil em se fala mais “corretamente” o português? Se entendemos a pluralidade da nossa língua, essa pergunta passa a ser absurda, pois todas as variações fazem parte da mesma língua. Novamente, voltamos às questões econômicas. Quando pressupomos que o Sudeste é o “detentor do verdadeiro português”, baseamo-nos em um critério econômico, já que os meios de comunicação de massa produziam essencialmente o falar dessa região. Há algum tempo, era inimaginável um apresentador de telejornal com sotaque nordestino. Via-se nesse sotaque a representação de algo menor, pobre, ruim. A variação do Nordeste sofreu um estigma muito forte. 16 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância É papel da escola garantir não somente o acesso às variedades cultas da língua, mas garantir ao aluno a ampliação do seu letramento. Essa deveria ser a meta do ensino da língua materna, ou melhor, do ensino de maneira global. Já que a competência leitora é fundamental em todas as disciplinas. De que adiante falarmos em um mundo globalizado se ainda repetimos em sala de aula os mesmos textos literários? Se ainda excluímos cordéis, rap, cultura quilombola? Sobre essa questão, falaremos nas próximas aulas. 17 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. O TEXTO NA PRODUÇÃO DE SENTIDO Por que escrevo? Você já se perguntou sobre a importância do texto na vida em sociedade, por que produzimos textos? Antes de tudo, é preciso compreender o conceito de texto. Este já foi concebido como unidade linguística superior à frase e, no campo da pragmática, expressão do pensamento. Também há conceitos relacionados ao aspecto comunicativo. Assim, o texto passa a ser visto como resultado de nossa atividade de interação com o outro e, portanto, compreende processos mentais conscientes e criativos. Para que o texto seja processado, envolvemos três grandes sistemas: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. (HINEMANN & VIEHWEGER, 1991). Pelo linguístico, compreendemos o sistema gramatical e lexical. O enciclopédico, refere-se ao conhecimento de mundo dos interlocutores e o interacional sobre o processo de comunicação. Ou seja, produzir um texto é muito mais do que trabalhar palavras, mas articular pensamentos e compreender pessoas. Por esta razão, um dos aspectos mais intrigantes e, ao mesmo tempo, fascinantes, no estudo da neuropsicologia, é como ocorreu o processo de adaptação que culminou no acervo, guarda e reprodução do conhecimento historicamente acumulado, através das linguagens oral e escrita. (BOTELHO,2001). Afinal, se os textos são expressões de ideias, pensamentos, também é por meio deles que disseminamos saberes e culturas. Quando falamos em texto, instantaneamente refletimos sobre hábito leitor. Afinal, não há produção textual, seja ela oral ou escrita, sem um interlocutor. Por outro lado, é preciso que se entenda que, segundo Marcuschi (2003), “a produção textual não é uma simples atividade de codificação e a leitura não é um processo de mera decodificação”. Tanto que por muitos anos questionou-se de quem seria a responsabilidade por um processo não bem-sucedido na leitura de um texto: do autor, do texto ou do leitor. Diferentes correntes da hermenêutica já se confrontaram e as mais contemporâneas têm sacrificado o leitor. 18 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Assim, uma interação textual tem maiores chances de ser efetiva se o leitor for proficiente. E por que estamos trabalhando tais questões em nossa aula? Porque para nós, em uma sociedade em que a língua ocorre por textos, não podemos imaginar que o ensino ocorra de outra forma. Só faz sentido o aluno aprender o adjetivo, por exemplo, quando compreender as diferenças, as qualidades,quando conseguir ler o mundo e descrevê-lo com suas minúcias. No entanto, apesar de terem surgido inúmeras propostas de ensino centrado no texto, muitas delas ficam na teoria sem alcançar a prática pedagógica. Para os docentes, essas teorias não dão conta das necessidades dos alunos, o resultado é que o professor prefere continuar com o ensino tradicional, com isso, quem “perde” é o aluno que continua a achar as aulas de língua uma sucessão de regras. Mesmo quando os textos são utilizados em sala de aula, o foco são os exercícios de interpretação. Algumas vezes são utilizados como pretextos para o ensino gramatical, mas não de uma língua em uso. Novamente sentenças são pinçadas para um estudo determinado. O texto é visto como um grupo de frases reunidas e não como um todo único. As atividades que utilizam textos em aula não incentivam o prazer pela escrita e nem pela leitura. No entanto, é necessário trabalhar com essa prática de maneira natural em sala, o aluno precisa se acostumar com o exercício da leitura e da escrita, pois, dessa forma, torna-se um sujeito atuante na sociedade, exprimindo sua opinião e exercitando sua capacidade discursiva de acordo com a situação que lhe é proposta, pois cada texto exige uma linguagem diferente. Escrever nem sempre é uma tarefa fácil, enfrentar o papel em branco assusta e ela se torna ainda mais complexa com a falta de prática, por esta razão, cabe ao ambiente escolar trabalhar o texto de forma desafiadora, mas prazerosa. E inserir a gramática neste contexto textual, compreendendo o todo do qual faz parte. 19 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Se a leitura não é decodificação de palavras, assim como escrita não é reprodução desses códigos, as duas devem ser construídas juntas, para que o aluno possa apreendê- las respeitando as muitas etapas deste processo. Para desenvolver a competência linguística, ou a “tal da gramática”, o aluno deve ser apresentado à língua em diversas situações, é preciso entender que o estudo da nossa língua vai muito além de normas gramaticais. Para isso, é necessário trabalhar com textos para que o aluno chegue à compreensão do uso da língua. Durante esse trabalho é necessário que o professor compreenda que o ensino da língua portuguesa deve ser voltado tanto para a comunicação entre as pessoas quanto para o estudo dos elementos linguísticos envolvidos na constituição do texto, mas, para que isso aconteça, o professor deve incentivar produções que alcancem essa comunicação. Segundo Dionísio (2010), A linguagem só é compreendida se tivermos acesso aos seus elementos constitutivos: participantes, lugar, tempo, propósito comunicativo (conversar, explicar, responder, elogiar, dizer verdades ou mentiras, agradar, criticar, etc.) e às diferentes semiologias que entram em jogo na sua produção. (DIONISIO, 2010, p. 181) Para ela, o aluno desenvolve melhor sua produção se compreender esses elementos, assim entende que sua atividade é interativa, e que, mais importante do escrever "certo", deve ser escrever algo compreensível para seu leitor e, nesse momento, entram as normas. Saber gramática não é o suficiente para uma atuação verbal eficaz. De fato, um dos maiores equívocos consiste em se acreditar que o conhecimento da gramática é suficiente para se conseguir ler e escrever com sucesso os mais diferentes gêneros de texto, conforme as exigências da escrita formal e socialmente prestigiada. (ANTUNES, 2007, p.53) Mesmo nas séries iniciais, o ensino deve ter por foco os sentidos que o texto apresenta e que devem servir para estabelecer comunicação entre os interlocutores. Devemos compreender que a melhor forma de sairmos do grande abismo do ensino da língua materna é trabalhar diretamente com a língua em uso, ou seja, através de textos. Quando ele torna-se objeto de estudo, o aluno entende os mecanismos que norteiam sua língua. 20 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No entanto, esse trabalho por meio de textos exige prática, escrita, leitura e reescrita. Por outro lado, faz com que o aluno escreva e leia de forma sempre mais sofisticada, ou seja, que ele alcance a norma culta de sua língua. Leia a uma interessante reportagem publicada na Revista Nova Escola sobre “O ensino da língua e a metodologia”. Além de discutir a importância do texto no ensino, ele subsidia nossas próximas aulas. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/303/o-que-ensinar-em-lingua- portuguesa acesso em 22/02/2018. https://novaescola.org.br/conteudo/303/o-que-ensinar-em-lingua-portuguesa https://novaescola.org.br/conteudo/303/o-que-ensinar-em-lingua-portuguesa 21 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. PCN: O QUE DETERMINAM OS PARÂMETROS E A BNCC Como veremos na próxima aula, desde o início da década de 80, o ensino de Língua Portuguesa na escola tem sido um dos principais focos no que se refere a melhoraria da qualidade da educação do país. Essa situação acentua-se no fim da primeira série e na quinta série, em que o índice de repetência é maior. No primeiro, por dificuldade em alfabetizar; no segundo, por não conseguir garantir o uso eficaz da linguagem. Tal cenário aponta para a necessidade da reestruturação do ensino de Língua Portuguesa, com o objetivo de encontrar formas de garantir, de fato, a aprendizagem da leitura e da escrita. Os Parâmetros Curriculares Nacionais — PCN — vêm apresentar propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do aluno diante da sua língua e que mostram as variedades e pluralidade de uso inerentes a qualquer idioma. Os PCN são referências para os Ensinos Fundamental e Médio de todo o país. O objetivo dos PCN é garantir a todas as crianças e jovens brasileiros, mesmo em locais com condições socioeconômicas desfavoráveis, o direito de usufruir de conhecimentos necessários para o exercício da cidadania. Não possuem caráter de obrigatoriedade e, portanto, pressupõe-se que serão adaptados às peculiaridades locais. Já a BNCC, Base Nacional Curricular Comum, é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE) Os PCN de Língua Portuguesa para o ensino fundamental dividem-se em duas partes. Na primeira há a apresentação da área de língua portuguesa, em que se discutem questões sobre a natureza da linguagem, o ensino dessa disciplina (objetivos e conteúdo) e a relação texto oral-escrito com a gramática. Na segunda, aparecem os objetivos e conteúdos específicos no terceiro e no quarto ciclos, divididos em prática de escuta de textos orais / leitura de textos escritos, prática de produção de textos orais e escritos e prática de análise linguística. 22 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Na primeira parte, a língua portuguesa é apresentada como uma área em mudança, saindo de uma época de para um questionamento de regras e comportamentos linguísticos. No que se costuma chamar de “ensino descontextualizado de metalinguagem” (p. 18), o texto é usado (quando o é) como pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua, descontextualizados e fora da realidade do aluno, mostrando uma “teoria gramatical inconsistente” (id.). Já em uma perspectiva mais crítica de ensino de língua, apresenta-se a leitura e a produção de textos como a base para a formação do aluno, mostrando que a línguanão é homogênea, mas um somatório de possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Assim, o texto é visto como unidade de ensino e a diversidade de gêneros deve ser privilegiada na escola. “Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva” (p. 23). Os textos produzidos pelos alunos, de acordo com os PCN, devem ser materiais de apoio para os professores, uma vez que poderiam ser analisadas e usadas em sala para mostrar aos alunos que eles são produtores de textos e que a gramática não é algo tão abstrato. Na segunda parte, ressalta-se domínio da expressão oral e escritas em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical (p. 49). Um aspecto importante presente no documento é que não se pode mais empregar somente o nível mais formal de fala para todas as situações. A escola precisa se livrar da ideia – enfatiza o documento – de que a fala “correta” é a que se aproxima da escrita. A prática de produção de textos orais e escritos e a prática de análise linguística formariam um tripé em cima do qual sustenta-se o ensino de língua portuguesa, funcionando como um bloco na formação dos alunos. Uma das críticas que são feitas aos PCN refere-se à necessidade de professores atualizados para que as propostas sejam aplicadas em sala de aula. O professor na prática em sala de aula não consegue aplicar o que pregam os Parâmetros. Novamente, velhas práticas se perpetuam nas salas e aula. 23 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2016) surge como resultado de uma discussão sobre a necessidade de um currículo comum para o país e propõe, para cada área do conhecimento, os conteúdos que devem compor os currículos das escolas. Desse modo, levando em consideração a área de Linguagens e a disciplina de Língua Portuguesa, podemos perceber que o texto se transforma no centro das atividades de linguagem a serem desenvolvidas, entre eles, o texto multimodal e o multissemiótico. Textos utilizados pelos alunos, mas que raramente encontravam espaço no ambiente escolar. A Base propõe um trabalho com a língua não apenas como um código a ser decifrado nem como um mero sistema de regras gramaticais, mas como uma das formas de manifestação da linguagem. Com isso, a finalidade do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, de acordo com a Base, é permitir o desenvolvimento crítico e reflexivo da criança e do adolescente como agentes da linguagem, capazes de usar a língua (falada e escrita) e as diferentes linguagens em diversificadas atividades humanas. Nessa perspectiva, a BNCC visa também contemplar a cultura digital imbricada na questão dos multiletramentos. A partir disso, são estabelecidos quatro eixos organizadores correspondentes às práticas de linguagem já apresentadas em documentos oficiais anteriores como os PCNs: Oralidade, Leitura/escuta, Produção de textos e Análise linguística/semiótica. Apesar de estarem divididos em eixos, essas práticas de linguagem não aprecem dissociadas, ao contrário, o que se percebe é que a Análise linguística/semiótica perpassa todas as outras práticas. Assim, o que vemos é um diálogo entre os PCNs e a Base. 24 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. O QUE ENSINAR NA ESCOLA? Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. Paulo Freire Um pouco de história - Até os anos 1970, o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa ocorria em dois estágios: o primeiro ia até a criança ser alfabetizada, aprendendo o sistema de escrita; o seguinte, após esse conhecimento básico adquirido, quando seria convidada a produzir textos, perceber as normas gramaticais e ler produções clássicas. Por muitos anos, acreditou-se que a linguagem era expressão do pensamento, logo, ler e escrever bem eram uma consequência do pensar. Assim, à escola, restava a discussão sobre as características normativas da língua. Nos primeiros anos de estudo da língua portuguesa, o aluno deveria aprender a escrever. Para isso, havia dois métodos de alfabetização: os sintéticos e os analíticos. No sintético, apresentavam-se pequenas partes das palavras, como as letras e as sílabas, para, então, formar sentenças. No analítico, o contrário, partia-se de frases e palavras, decompostas em sílabas ou letras. Na escrita, os alunos deveriam reproduzir modelos de textos e esmerar-se no desenho perfeito das letras. Para identificar uma leitura de qualidade, o estudante tinha que reproduzir o que o autor “quis dizer”, sem ir além em possíveis sentidos. Quando os alunos dominavam a primeira etapa de aprendizagem, estavam aptos para a seguinte. Uma transformação nos conceitos mudou as práticas pedagógicas durante os anos 70. A linguagem deixou de ser entendida como a expressão do pensamento para ser vista como um instrumento de comunicação. Conceitos como interlocutor e mensagem começaram a ser difundidos, além do ensino dos gêneros de textos. Apesar disso, seguia- se um padrão preestabelecido, e qualquer anormalidade seria um ruído. Já no final do século XIX, Mikhail Bakhtin apresentou a tese que vigora até hoje, de que a linguagem é um enunciado discursivo. A relação interpessoal, o contexto de produção 25 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de quem o produz passaram a ser peças-chave. A linguagem não era mais entendida como uma representação da realidade, mas o resultado das intenções do falante e o impacto produzido no receptor. Em consequência disso, nas salas de aula, o aluno passou a ser visto como sujeito ativo e atuante. Tais ideais nos lembram das concepções de aprendizagem socioconstrutivistas de Piaget, que consideram o conhecimento como sendo elaborado pelo sujeito, e não só transmitido pelo professor. Na década de 80, o ensino passa a ser considerado como um processo contínuo e não como uma sucessão de etapas. Para que a aprendizagem ocorra, o aluno precisa ser desafiado em conteúdos com dificuldades progressivas. Desse modo, desenvolve competências e habilidades diferentes ao longo dos anos. No Ensino Fundamental, por exemplo, as situações didáticas centralizam-se na leitura e produção de textos orais e escritos, mesmo quando o aluno ainda não compreende o sistema. A reflexão sobre o sistema de sua língua é apenas uma parte desse aprendizado. Nesta época, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky apresentaram resultados de suas pesquisas sobre a alfabetização, mostrando que o aluno constrói hipóteses sobre a escrita e também aprende ao reorganizar os dados que têm em sua mente Da teoria à realidade atual – Apesar dos inúmeros avanços nas teorias pedagógicas, ainda hoje, questionamos a qualidade do ensino da língua materna nas escolas. Mais do que isso, questionamos as diretrizes seguidas pela grande maioria das instituições de ensino, norteadas pelos livros didáticos que engessam o ensino e segmentam a língua em “partes”. “Hoje é dia de estudar o substantivo! ”, para isso conceitua-se, “o substantivo dá nome aos seres”. E neste momento já começao problema: o que é um ser? Como explicar ao aluno de cinco anos, o que é “ser” se nem a Filosofia deu conta de conturbada designação. O ensino calcado na memorização e categorização de determinados elementos linguísticos, ou seja, no aspecto normativo ignora a competência linguística já adquirida pelo aluno antes mesmo dele sentar-se nos bancos escolares e faz com que muitos comecem a ter ojeriza da própria língua materna. Hoje, espera-se do aluno que ele seja capaz de classificar enunciados estanques quanto à sua morfologia e sintaxe e não 26 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância centramos os estudos no que seria essencial aos meninos: sua competência escritora e leitora. Devemos ser criteriosos com a seleção de conteúdos ministrados nesta fase inicial do aprendizado da língua portuguesa. É necessário trabalhar com práticas de leitura e escrita realmente pertinentes, que desenvolvam no aluno noções teóricas e saberes que o habilite a se comunicar em qualquer nível de linguagem, inclusive e principalmente o nível culto. O ensino de português deve compreender um progressivo aprofundamento das habilidades recém-adquiridas de leitura e escrita, através de leituras selecionadas. Assim, espera-se, ampliar a habilidade de leitura, ou seja, a decodificação do texto escrito, assim como a “leitura do mundo” e prepará-los para serem agentes na sociedade. O que vemos, ao contrário, é que a escola ignora o que deveria ser a sua função primordial: formar cidadãos críticos, atuando com isso, na promoção da cultura, socializando-a nas suas diferentes faces. Instrumentalizando educando-os para refletirem sobre suas realidades. Paulo Freire considera que o docente não deve se limitar ao ensinamento dos conteúdos, mas, sobretudo, ensinar a pensar, pois “pensar é não estarmos demasiado certos de nossas certezas”. (FREIRE, 1996, p. 28). As professoras primárias têm em suas mãos alunos recém-alfabetizados, ávidos para descobrir e “ler” o mundo em todas as suas faces. Para tanto, devemos instigar sua curiosidade com diferentes tipos de leitura: jornais, clássicos, quadrinhos, fotografias, obras de arte. E, a partir daí, instrumentalizar a escrita, sempre associada à prática leitora. Para o aluno ler, produzir textos e ter a oralidade desenvolvida, assim como possuir as capacidades sugeridas pelos PCN, é imprescindível que o trabalho com a Língua Portuguesa no ensino fundamental ofereça um processo de ensino e aprendizagem mais sistematizado, consciente e aprofundado a partir de atividades reflexivas, dinâmicas, interativas e motivadoras. O trabalho com gêneros do cotidiano é um caminho, já que insere o aluno como ser social: telefonema, carta, bilhete, reportagem, bula de remédio, aula expositiva, receita culinária, lista de compras, horóscopo, piada, mensagem de celular, dentre outros. Os pequenos têm habilidades para se apropriar de muitos gêneros. 27 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Resta ao professor, antes de preencher semanários e “dar conta do livro didático”, conhecer os meninos que estão sentados a sua frente. Mostrar a eles as possibilidades mágicas e infinitas da leitura. Situá-los como participantes desse mundo por meio da escrita autônoma e criativa, desde os gêneros mais adequados a suas idades, até o reconto de histórias clássicas. Fazer deles leitores e escritores da nossa língua. Há uma frase que diz “O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler.” (Mark Twain), você já pensou em quantos livros leu este mês? Se gaguejou na resposta repense sua prática pedagógica. Como criará hábito leitor em seus alunos se não tem esta prática. É inconcebível um professor que não seja leitor. Ler é cidadania. Comece agora mesmo. Não é preciso apropriar-se dos clássicos da humanidade, leia por prazer, leia para aprender, leia para se informar. Para ajudá-lo nesta caminhada, assista ao vídeo Nova Escola - Emilia Ferreiro - Leitura e escrita na Educação Infantil. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0YY7D5p97w4 acesso 22/02/2018. https://www.youtube.com/watch?v=0YY7D5p97w4 28 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8. AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS COMO RECURSOS DIDÁTICOS: LINGUAGEM NÃO VERBAL, JOGOS, BRINQUEDOS, ATIVIDADES LÚDICAS Um, dois, feijão com arroz, Três, quatro, feijão no prato, Cinco, seis, feijão inglês, Sete, oito, comer biscoitos, Nove, dez, comer pastéis. A atividade lúdica, representada por jogos e brincadeiras, pode desenvolver o aprendizado da criança dentro da sala de aula: o lúdico se apresenta como uma ferramenta de ensino eficiente para o desempenho e desenvolvimento integral dos alunos. O próprio Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) garante que a criança tenha acesso às múltiplas linguagens de acordo com suas necessidades sociais. Logo, o brincar deve fazer parte do cotidiano escolar e, principalmente, inserido nas práticas pedagógicas. Os jogos e as brincadeiras estão presentes em todas as fases da vida dos seres humanos. É possível imaginar nossa vida sem o lúdico? Como seria triste, não? O lúdico acrescenta um ingrediente indispensável no relacionamento entre as pessoas: a criatividade. O jogo é reconhecido como meio de fornecer à criança um ambiente agradável, motivador e planejado de aprendizagem, pois trabalha o desempenho dentro e fora da sala de aula. O jogo na escola apresenta benefício a toda criança, já que na atividade lúdica, o que importa não é apenas o produto da atividade que dela resulta, mas a própria ação, momentos de fantasia que são transformados em realidade, momentos de percepção, de conhecimentos, de conflitos e descobertas. O jogo permite também o surgimento da afetividade cujo território é o dos sentimentos. Uma relação educativa que pressupõe o conhecimento de sentimentos próprios e alheios que requerem do educador uma atenção mais profunda e um interesse em querer conhecer mais e conviver com o aluno; o envolvimento afetivo, como também o cognitivo de todo o processo de criatividade que envolve o sujeito-ser-criança (ALMEIDA, 2006). 29 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância É por todos estes motivos que a ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão, mas como um aprendizado. Nas atividades lúdicas encontramos diferentes linguagens. Como relacionar, então, essas múltiplas linguagens ao ensino da língua materna? Se, como Barcellos (2007) acreditamos que cabe a nós levar o aluno a ler nas entrelinhas, a integrar o conteúdo e os fatos sociais, a perceber em um texto que as linguagens assumem funções e a aproximar os conhecimentos sistematizados dos já internalizados pelos aprendizes, logo, a presença de linguagens diferentes em sala de aula é fator primordial para esse aprendizado de fato ocorra. Para ele, a linguagem verbal foi a única modalidade explorada pela escola ao longo do tempo e, a partir das tecnologias, os aspectos não-verbal e paraverbal devem compor um quadro mais abrangente do texto como “elemento básico com que devemos trabalhar no processo de construção do conhecimento (...)” (BARCELLOS, 2007, p. 2). Para Vygotsky, a escrita começa com os gestos, é o signo visual inicial que contém a escritura da criança. Para ele, “ os gestos são a escrita no ar, e os signos escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados”.(VYGOTSKY, 1988, p. 142). Os rabiscos que as crianças costumam fazer relacionam-se mais a gestos do que a desenhos, pois “Quando ela tem de desenharo ato de pular, sua mão começa a fazer os movimentos indicados do pular; o que acaba aparecendo no papel” (id). Com a tecnologia, por que não brincar com palavras? Não mostrar o pular realmente pulando! Vygotsky afirma ainda que os jogos unem gestos e linguagem escrita. É através dos objetos que a criança consegue estabelecer símbolos e assim chegar aos signos, os pequenos precisam dessa associação. “O mais importante é a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar, com eles, um gesto representativo. ” (VYGOTSKY, 1998, p. 143). Para uma criança qualquer objeto pode ser usado para brincar, lápis viram super-heróis e lençol, uma cabana. O papel do professor é o passo seguinte: A criança precisa fazer uma descoberta básica – a de que se pode desenhar, além de coisas também fala. Foi essa descoberta, e somente ela, que levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases; a mesma descoberta conduz as crianças à escrita literal. Do ponto de vista pedagógico, essa transição deve ser propiciada pelo deslocamento da atividade da criança do desenhar coisas para o desenhar a fala. (Vygotsky, 1998, p. 153) 30 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O desenvolvimento da linguagem escrita, segundo Vygotsky (1998) se dá pelo deslocamento do desenho de coisas, para o desenho de palavras. Na verdade, o segredo do ensino da linguagem escrita é preparar para organizar adequadamente essa transição de maneira natural. Unindo-se a Vygotsky, temos as pesquisas no ramo Linguística e da Pedagogia, que colocam em pauta o uso da pluralidade de registros da linguagem como ferramentas didáticas junto com o brincar, para apoiar o fazer docente. Cartuns, Charges, Cinema, Cordéis, Histórias em Quadrinhos, Jogos, Jornais, Redes Sociais, Teatro, Tirinhas etc. Essas são apenas algumas linguagens, que podem (e devem) subsidiar o trabalho docente. Quando falamos de múltiplas linguagens, queremos ainda enfatizar o cinema, a televisão, os jornais, as revistas, os livros, o teatro, as histórias infantis, pois são linguagens que servem de apoio ao processo ensino/aprendizagem. Você sabe quais as músicas preferidas de seus alunos? Qual o repertório cinematográfico que trazem de casa? Cabe ao professor, preparar aulas que incluam esses recursos como auxiliares significativos ao seu ofício. A brincadeira, a arte e a literatura, mediadas pelo corpo que se move, que comunica o que não é dito com palavras, também são linguagens diferenciadas que a criança usa para internalizar o mundo a que ela pertence e exteriorizar a sua percepção da realidade. São formas muito singulares de experimentação, de vivências, de sensações e de apropriação da cultura que também permitem o contato com as emoções, o estreitamento das relações sociais e das negociações e o partilhar da vida em grupo (PLETSCH, 2005, p. 3). O trabalho pedagógico envolvendo múltiplas linguagens, no âmbito da Educação Infantil, traz consigo possibilidades riquíssimas de temáticas a serem abordadas nas rotinas educacionais, articulando os conteúdos dos componentes curriculares e abordagens ancoradas na ludicidade. Percebemos, portanto, que o lúdico nas séries iniciais é fundamental para o processo ensino aprendizagem; a utilização de jogos na sala de aula desperta o interesse e aguça a criatividade do aluno. No entanto, infelizmente, os professores ainda fazem pouco uso desse recurso em suas aulas, por não acreditarem que o mesmo auxilia no processo e na facilitação da aprendizagem de maneira significativa ou por seguirem um modelo de ensino 31 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância que não acredita que a criança deva brincar na escola, mas ser sufocador por tarefas enfadonhas e repetitivas. Na internet encontramos muito material que nos ajudam a preparar aulas mais lúdicas. A Revista Nova Escola, por exemplo, desenvolveu uma série de reportagens sobre brincadeiras regionais. Você pode conhecer as peculiaridades do nosso país e ter excelente material pedagógico. Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=rpw_FnrI3RQ acesso 22/02/2018. https://www.youtube.com/watch?v=rpw_FnrI3RQ 32 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 9. POSSIBILIDADE DE AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM: LEITURA E ESCRITA . Como já vimos, a aquisição da língua materna é natural aos seres humanos e acontece de forma rápida, espontânea e natural, inconscientemente. Assim, qualquer criança sem problemas neurológicos graves, aprende a usar uma língua, basta estar exposta aos dados de sua comunidade linguística. Depois dessas discussões e reflexões sobre aprendizagem da língua materna. Cabe-nos agora refletir: Como avaliar aprendizagens em leitura e escrita nas séries iniciais? Se vemos aprendizagem como processo, como aferir, mensurar, avaliar o conhecimento adquirido pelo meu aluno? Antes de tudo é preciso entender que o professor de língua materna, segundo Duarte (1998), deve possuir o domínio da língua padrão, fluência de leitura, nível adequado de maestria na expressão escrita e no conhecimento explícito. Ou seja, nada justifica um professor, seja de que série for, que não tenha PLENO CONHECIMENTO da sua língua materna. E não adianta elencar inúmeras desculpas para os desvios cometidos. É nossa responsabilidade buscar o conhecimento contínuo. O autor destaca, ainda, a necessidade de formação científico-pedagógica que lhe possibilite identificar, por meio dos critérios de diagnóstico relevantes, o nível de desenvolvimento atingido pelos alunos em cada uma das competências escolarizadas para intervir educativamente de modo a promover seu crescimento linguístico harmonioso e pleno. Logo, o conhecimento do professor não é de mero falante, mas de um cientista da linguagem que é capaz de refletir sobre as variantes produzidas por seus alunos. Isto posto, e imaginando o professor com essas competências, voltamos ao nosso questionamento, como avaliar o conhecimento adquirido pelo aluno? Encontramos aí um grande paradoxo, já que mesmo as escolas com métodos construtivistas ainda possuem um sistema de avaliação muito tradicional. São provas que envolvem saberes linguísticos desligados das práticas sociais de leitura e escrita. Uma das primeiras reflexões que temos é como avaliar leitura e escrita nos diferentes estágios da criança se muitas vezes o professor não tem acesso ao material produzido pelo 33 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância aluno nas séries anteriores? E, pior, se as atividades propostas não têm qualquer elo? Novamente, se minha concepção de aprendizagem é de processo, é preciso ter em mente que o início não é exatamente no momento em que os pequenos nos são apresentados. E o final também não é o último dia do ano letivo. Essas crianças vão continuar uma caminhada escolar e é preciso dar instrumentos aos outros profissionais para ela progredir, respeitando os seus conhecimentos. Para isso, é fundamental que as atividades de avaliação respeitem o estágio em que essa criança se encontra, mas tenham uma lógica pedagógica em todos os anos, uma linearidade. Um exemplo é que para verificar como o aluno avança em suas práticas de escrita e leitura, não é de muita utilidade uma situação em que ele escreva ou leia palavras no primeiro ano, orações no segundo e textos no terceiro. O que nos interessa é ver como leem e escrevem palavras e textos ao longo de todo o ciclo, e nossa intenção é estabelecer certos padrões que nos permitam fixar expectativas específicas de conquista para cada ano. Para que os sistemas de avaliação sejam coerentes com o ensino comoprocesso, ela precisa ser planejada com critério e envolver todo o corpo docente. Estabelecer as atividades que serão avaliadas, identificar os objetivos dessas atividades e as expectativas. Deve-se partir do nível inicial de cada criança e não se fixar expectativas mínimas de conquista por ano, mas isso acontece por acréscimo. Consideramos que, se não houver nenhuma questão adversa, nenhuma criança pode nem deve terminar o ano como começou, por isso, esperamos que todas as crianças terminem o primeiro ano com uma escrita que se relaciona de maneira sistemática com a sonoridade (silábica), que todas terminem o segundo com escrita alfabética e que o terceiro ano seja destinado a explorar questões ortográficas. Por outro lado, se a criança já começa o primeiro ano com domínio da sonoridade, qual será minha intervenção? Nenhuma? Ele não aprenderá nada? Não podemos esquecer qual o meu papel como professor: promover o crescimento linguístico desse aluno. Ele nunca poderá ficar estanque. Da mesma forma, o processo de aprendizagem da leitura estará sujeito a ritmos e características diferentes. Portanto, trata-se de um processo que começa em um momento distinto para cada um e que não termina jamais, mesmo que existam, no sistema educacional, metas com relação à leitura para os diversos momentos. 34 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Alliende e Condemarín (1987) explicam que a leitura compreende etapas que não devem ser confundidas com a totalidade do processo. A primeira é a decodificação, capacidade de decifrar o código de uma mensagem e captar seu significado. Em seguida, temos a compreensão, capacidade de entender a mensagem. Por isso, não basta entender o código, quando a criança já concebe o sistema de escrita como alfabético e já aprendeu as regras mais básicas de correspondência letra-som, ela ainda tem muito o que aprender. Aprender a ler significa dominar progressivamente textos cada vez mais complexos, captando seu significado. Carraher (1985) analisou os erros de ortografia cometidos em ditado e redações por crianças brasileiras de 2º à 5º ano. Aproximadamente 90% dos erros puderam ser classificados em sete categorias. Elas indicam que a maioria dos erros não é aleatória. Foram obtidas as seguintes classes de erros: • Transcrição da fala: ‘istrela’; • Por supercorreção: ‘ágoa’; • Por desconsiderar as regras contextuais: ‘rrolha’; • Por ausência de nasalização: ‘oça’; • Ligados à origem da palavra: ‘imitasão’; • Por troca de letras: ‘blástico’; • Nas sílabas de estrutura complexa: ‘coelio’. Esses resultados, segundo a autora, nos mostra que é preciso ensinar a ortografia tendo em mente que a criança adquire um sistema de escrita e não aprende simplesmente a escrever as palavras que copia na escola. O professor precisa considerar que os erros de transcrição da fala serão maiores de acordo com a divergência entre a variedade linguística usada pela criança e a língua padrão ideal. Como a língua escrita só será apresentada à criança pela leitura, o melhor plano para o desenvolvimento de uma boa ortografia não é a correção exagerada, nem a cópia sem compreensão, mas a leitura. Assim, depois de uma avaliação, qual o procedimento? Novamente vem a questão pedagógica. A avaliação deve ter sempre um objetivo, ao perceber que este não foi atingido, qual a sua intervenção como professor? Principalmente no que se refere à 35 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância aquisição de leitura e escrita, a partir do instante em que eu percebo que o meu aluno não avança, quais as medidas? Claramente, cada escola possui suas orientações, algumas possuem reforço, outras contam com orientador, pede-se a intervenção dos pais, entre outras. O importante é que como professor, cabe a você apontar que há um problema e buscar apoio da equipe se a solução não for possível na sala de aula. Afinal, não podemos nos esquecer de que as dificuldades de aprendizagem na escrita podem estar associadas, ainda, a problemas emocionais. É importante tentar compreender qual o problema para pensar em uma intervenção. Resumindo, em um universo educacional ideal, todo professor deveria conhecer seu aluno na totalidade, ter para cada um deles expectativas diferentes de aprendizado de leitura e escrita. Desenvolver suas habilidades de acordo com as aptidões e fazê-los seres competentes com relação a sua língua materna. Suzana Herculano-Houzel é neurocientista reconhecida pelos seus estudos sobre a mente humana. Neste vídeo, ela discorre sobre a leitura e a cultura no desenvolvimento cerebral. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?feature=share&v=dLWiwD_YhUM&app =desktop Acesso 22/02/2018. https://www.youtube.com/watch?feature=share&v=dLWiwD_YhUM&app https://www.youtube.com/watch?feature=share&v=dLWiwD_YhUM&app 36 Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa Universidade Santa Cecília - Educação a Distância AIMARD, P. (1986). A Linguagem da Criança. Brasil: Artes médicas. ALMEIDA, A. Ludicidade como Instrumento Pedagógico. Disponível em: http://www.cdof.com.br ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática, por um ensino sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007 ANTUNES, Irandé. Aula de português encontro & interação. São Paulo: Parábola. Editorial, 2003. BARCELLOS, R. S. As múltiplas linguagens e a construção do conhecimento. In: CONGRESSO DE LETRAS DA UERJ, 4., 2007, São Gonçalo, RJ. Anais eletrônicos. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/cluerj- sg/anais/iv/completos/oficina/Renata%20da%20Silva%20de%20Barcellos.pdf> acesso em 22/02/2018. BERNARDO & NAUJORKS. Texto: objeto de ensino para o aprendizado de língua portuguesa. UFRGS INSTITUTO DE LETRAS. FARACO, Carlos Alberto. Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo, Parábola Editorial. 2008 PERINI, Mário A. Sobre língua, linguagem e linguística: uma entrevista com Mário A. Perini. ReVEL. Vol. 8, n. 14, 2010. PARÂMETROS curriculares nacionais – terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad de A. Chelini José P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix; USP, 1969. SOUSA, Ana Carolina de (2012). A linguagem oral na Educação Pré-Escolar – uma ferramenta para crescer, comunicando. Dissertação de Mestrado. Instituto Politécnico de Porto Alegre VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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