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FERNANDA PEÇANHA CARVALHO REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES DE ESPANHOL A RESPEITO DA LEI FEDERAL Nº 11.161 E DO ENSINO DA LÍNGUA APÓS SUA PROMULGAÇÃO Belo Horizonte Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais 2015 FERNANDA PEÇANHA CARVALHO REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES DE ESPANHOL A RESPEITO DA LEI FEDERAL Nº 11.161 E DO ENSINO DA LÍNGUA APÓS SUA PROMULGAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- -Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada. Área de Concentração: Linguística Aplicada Linha de Pesquisa: 3A - Ensino/Aprendizagem de Línguas Estrangeiras Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maralice de Souza Neves Belo Horizonte Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais 2015 Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG Carvalho, Fernanda Peçanha. C331r Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação [manuscrito] / Fernanda Peçanha Carvalho. – 2015. 185 f., enc. : il., tabs. Orientadora: Maralice de Souza Neves. Área de concentração: Linguística Aplicada. Linha de Pesquisa: Ensino/Aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras. Bibliografia: f. 166-173. Anexos: f. 174-185. 1. Brasil. [Lei n. 1.161, de 5 de agosto de 2005] – Teses. 2. Língua espanhola – Estudo e ensino – Teses. 3. Professores de espanhol – Formação – Teses. 3. Análise do discurso – Teses. I. Neves, Maralice de Souza. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. III. Título. CDD: 460.7 Dedico este trabalho À minha querida e amada mãe, Lusia Peçanha, por incentivar a educação e o conhecimento em cada sutil gesto, e às minhas maravilhosas irmãs, Paula e Roberta, incentivadoras e companheiras nesta e em tantas outras caminhadas. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus e ao Divino Espírito Santo por sempre abençoar minha saúde e inteligência ao longo de minha trajetória acadêmica. PAI, obrigada por iluminar minha mente em todos os momentos de desafio e avaliação. À Nossa Senhora Aparecida pelas bênçãos e proteção. Agradeço à minha tão amada mãe, por incentivar a educação em cada gesto de cuidado. Por sentar-se à humilde mesa, construída por meu avó Sebastião, comigo e minhas irmãs na infância e nos ensinar o para casa e a colorir os desenhos do cabeçalho; por tão pacientemente nos dizer em cada dia de aula, de prova: "Capriche, filha! Que o Divino Espírito Santo te ilumine! ". Obrigada, mãe, por rezar e cuidar tanto de mim com um amor imensurável. Eu te amo! Agradeço às minhas maravilhosas irmãs, Paula e Roberta. É uma bênção tê- las ao meu lado, sempre motivando e acreditando que a educação é o melhor caminho possível para o crescimento. Obrigada pelos "silêncios" e por compreenderem minhas chatices. Agradeço à minha tão querida e acolhedora orientadora, Professora Maralice. Obrigada por acreditar em mim, por confiar que eu seria capaz, por me acolher em seu grupo e me dar a oportunidade de inserção no universo do discurso e da psicanálise e por contribuir diretamente para meu crescimento profissional. A você meu respeito e o mais sincero agradecimento. À minha família pelo carinho, pelo respeito e pela compreensão em momentos em que não pude estar presente. Agradecimento especial à minha afilhada Marjane pelo amor e companheirismo. Agradecimento especial aos meus amigos e colegas de pesquisa, de vida e de trabalho, Ana Raquel Leão, Cristiane Rocha, Danúbia Françoise, Hermínia Lima, Kátia Honório, Laís Patrocínio, Leonardo Kildare, Luciano Neves, Luiz Henrique Oliveira, Marilene Oliveira, Natália Leite, Paula Conti, Rejane Brito, Renata Nascimento, Rosana Toledo, Rosiane Ferreira, Simone Novaes, Valdeni Reis, Vanderlice Sól e tantos outros especiais. Aos amigos e colegas do COLTEC pelo incentivo e pela energia positiva. Agradeço especialmente à amiga Cristiane Rocha pela leitura tão carinhosa desta dissertação. À minha monitora Aline Roberta pelo suporte fundamental ao longo de dois anos de mestrado. Sem sua ajuda, a tarefa teria sido ainda mais complexa. Agradeço a todos os colegas professores com os quais trabalhei, ao longo destes dezesseis anos de magistério. Aprendi muito com cada um de vocês. Aos meus alunos e ex-alunos, que são inspiradores deste trabalho. Obrigada por contribuírem para meu crescimento como pessoa e profissional. Agradeço aos colegas de profissão, professores de Língua Espanhola, que colaboraram para que esta pesquisa fosse possível. Agradeço a todos os meus professores, que tanto me ensinaram e despertaram em mim o desejo pelo magistério. Agradeço especialmente às minhas professoras da educação infantil, Tia Eliana, Tia Helenice, Tia Lúcia, Tia Marilda e Tia Sandra, por motivarem os primeiros passos da vida escolar e mobilizarem o amor pela instituição escola. Aos funcionários Osmar, Maria de Lourdes, Graça e Débora, do POSLIN, pela atenção sempre a mim dedicada, e à Universidade Federal de Minas Gerais por ter me proporcionado a trajetória no ensino superior. Agradecimento especial aos professores Antonio Ferreira da Silva Júnior, Elzimar Goettenauer de Marins Costa e Vanderlice dos Santos Andrade Sól por terem aceitado prontamente o convite para compor a banca examinadora desta dissertação. RESUMO A "Lei do espanhol", oficialmente Lei Nº 11.161/2005, foi promulgada em agosto do ano de 2005 e determina que o ensino da língua espanhola seja de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, devendo ser implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio. Entendemos a Lei como acontecimento discursivo singular de um arquivo que mobiliza inúmeros discursos e desdobramentos referentes ao processo de ensino de língua espanhola no Brasil. Nesta pesquisa de mestrado, inserida na Linguística Aplicada, dividimos nossas análises em segmentos. No segmento dos dizeres oficiais, nossos objetivos específicos foram problematizar o discurso da Lei e identificar as representações sobre o sujeito-professor, bem como as concepções de ensino de espanhol como língua estrangeira (E/LE) implícitas na forma como determina a oferta da disciplina e estabelece as formas como essa oferta pode ser feita no contexto de uma política neoliberal. No segmento dos dizeres dos professores, discutimos os efeitos de sentido contidos nos dizeres dos sujeitos-professores que nos levaram a depreender representações acerca da Lei Nº 11.161/2005 e seus impactos, sobre o ensino e a valorização da disciplina E/LE nas escolas. Também fomentamos discussões a respeito do impacto das políticas públicas, especialmente da Lei Nº 11.161/2005, e seus efeitos de sentido na constituição identitária do professor de língua espanhola. O percurso teórico-metodológico foi desenvolvido a partir do corpus de pesquisa constituído por dizeres de cinco professores de espanhol de Belo Horizonte e região metropolitana e do texto integral da Lei Nº 11.161/2005. Nosso aporte teórico está ancorado na Análise de Discurso franco-brasileira que parte dos estudos pecheutianos em interface com a psicanálise lacaniana. Empregamos como dispositivo de análise dosfatos linguísticos de nosso corpus a interpretação (ORLANDI, 2012), as ressonâncias discursivas (SERRANI-INFANTE, 1998), as noções de intra e interdiscurso (PÊCHEUX, 1974), algumas modalidades da heterogeneidade enunciativa (AUTHIER- REVUZ, 1998, 2004) e noções tomadas da psicanálise. Dialogamos também com conceitos referentes aos estudos culturais sobre globalização e pós-modernidade. Operamos com a noção de acontecimento (PÊCHEUX, 2008) e com os conceitos foucaultianos de arquivo e de dispositivo do poder (FOUCAULT, 1969, 1981). Ao tratar a lei como acontecimento, acionamos a noção de arquivo de Foucault, desenvolvida na fase arqueológica até os anos 70, noção que nos permite considerar os discursos como acontecimentos. Desse modo, através dos gestos de interpretação, problematizamos e ratificamos nossa hipótese de que há, no discurso dos professores de espanhol entrevistados, representações de que a Lei Nº 11.161/2005 não traz repercussões significativas para fomentar e fortalecer o ensino da língua em escolas de Belo Horizonte e região metropolitana. Nossa investigação, a partir da análise do corpus, permitiu o gesto de interpretação de que a Lei é representada como um mecanismo de poder faltoso, incompleto, promotor de (i)mobilizações no espaço escolar, gerando tensões, conflitos de poder e promovendo impactos negativos no ensino na medida em que reduz a oferta do E/LE, ao mesmo tempo em que possibilita a oferta de mais uma LE em escolas da região metropolitana da capital mineira, ainda que a oferta se dê de forma marginalizada e conflituosa. PALAVRAS-CHAVE: Língua Espanhola; Lei Nº 11.161/2005; Representações; Análise de Discurso; Professores E/LE. ABSTRACT The “Spanish Law”, law No. 11.161/2005, introduced in August, 2005, determines that the Spanish language teaching shall be compulsory at schools and an optional enrollment for students. The language shall be gradually implemented in the curriculum of high schools. The law is understood as a singular discursive event of an archive that mobilizes numerous speeches and developments concerning the Spanish language learning process in Brazil. In this master’s research, in the scope of Applied Linguistics, the analyses are divided into segments. In the segment of official sayings, the specific goals were to question the discourse of law and identify the representations about the individual-teacher, as well as conceptions of the Spanish as a foreing language (S/FL) teaching implicit in the way the offer of the discipline is determined and to establish the means in which this provision can be made in the context of the neoliberal policy. In the segment of the teacher's sayings, we discuss the effects of meanings in the sayings of individuals/teachers that led us to infer representations regarding the Law No. 11.161/2005 and its impact on the teaching and enhancement of S/FL in schools. We also foster a discussion concerning the impact of public policies, specially law No. 11.161/2005 and its meaning effects on the construction of identity of the Spanish teacher. The theoretical and methodological approach was developed from the corpus research for sayings of five Spanish teachers of Belo Horizonte and the metropolitan area and the full text of Law No. 11.161/2005. Our theoretical background is based on the Franco-Brazilian Discourse Analysis from Pêcheux’s studies interfaced with Lacanian psychoanalysis. We employed the interpretation (ORLANDI, 2012) as the apparatus for the analysis of linguistic evidence of our corpus, the discursive resonances (SERRANI-INFANTE, 1998), the concepts of intra and interdiscourse (PÊCHEUX, 1974), some modalities of enunciative heterogeneity (AUTHIER-REVUZ, 1998, 2004), and notions of psychoanalysis. We also set a dialogue with concepts related to cultural studies on globalization and post-modernity. We reinforced the notion of event (PÊCHEUX, 2008) and with Foucault's concepts of archive and power apparatus (Foucault, 1969, 1981). By treating the law as an event, we discussed the notion of archive by Foucault developed in the archaeological phase until the 1970s which is a concept that allows us to consider discourses as events. Thus, through the gestures of interpretation, we question and reaffirm our hypothesis that there is, in the discourse of Spanish teachers interviewed, representations that the law No. 11.161/2005 does not exert a significant impact to foster and strengthen the teaching of languages in schools of Belo Horizonte and metropolitan area. Our research from the corpus analysis enabled the interpretation that the law is represented as a faulty power mechanism, incomplete, promoter of (i)mobilization at schools, creating tensions, power struggles, and promoting negative impacts on education reducing the offer of S/FL, while enabling the offer of another FL in schools of the metropolitan region of Belo Horizonte, even though this offer is done in a marginalized and confrontational way. KEY WORDS: Spanish Language; Law No. 11.161/2005; Representations; Discourse Analysis; Spanish Teacher. RESUMEN La "Ley del español", oficialmente Ley Nº 11.161/2005, fue promulgada en agosto del año 2005 y determina que la enseñanza de la lengua española sea obligatoriamente ofrecida por la escuela y de matrícula facultativa para los estudiantes, y debe ser implementada a lo largo de cinco años, en la currícula de la enseñanza secundaria. Comprendemos la Ley como acontecimiento discursivo singular de un archivo que moviliza innumerables discursos y desdoblamientos referentes al proceso de enseñanza de la lengua española en Brasil. En esta investigación, insertada en el área de la Lingüística Aplicada, dividimos nuestros análisis en seguimientos. En el seguimiento de las afirmaciones oficiales, nuestros objetivos específicos fueron problematizar el discurso de la Ley e identificar las representaciones sobre el sujeto-profesor así como las concepciones de enseñanza de español como lengua extranjera (E/LE) implícitas en la manera en que se determina la oferta de la disciplina y se establecen las formas en que esa oferta puede ser hecha dentro del contexto de una política neoliberal. En el seguimiento de las afirmaciones de los profesores, discutimos los efectos del sentido, contenidos en los dichos de los sujetos-profesores que nos permitieron identificar representaciones sobre la Ley Nº 11.161/2005 y sus impactos, sobre la enseñanza y la valoración de la asignatura E/LE en las escuelas. También fomentamos discusiones sobre el impacto de las políticas públicas, especialmente de la Ley Nº 11.161/2005 y sus efectos de sentido en la constitución identitária del profesor de lengua española. El recorrido teórico- metodológico fue desarrollado a partir del corpus de investigación constituido por testimonios de cinco profesores de español de Belo Horizonte y la región metropolitana y del texto integral de la Ley Nº 11.161/2005. Nuestro aporte teórico está basado en la corriente francesa del análisis del discurso, especialmente en los estudios de su principal exponente, Michel Pêcheux, en interfaz con el psicoanálisis lacaniano. Utilizamos como herramientas para el análisis de las producciones lingüísticas de nuestro corpus, la interpretación (ORLANDI, 2012), las resonancias discursivas (SERRANI-INFANTE, 1998), las nociones de intra e interdiscurso (PÊCHEUX, 1974), algunas modalidades da heterogeneidad enunciativa (AUTHIER-REVUZ, 1998, 2004) y nociones del psicoanálisis. Dialogamos también con los conceptos de globalización y postmodernidad de los estudios culturales. Para llevar a cabo nuestra investigación, empleamos la noción de acontecimiento (PÊCHEUX, 2008), y los conceptos de archivo y dispositivo del poder de Foucault (1969, 1981). Para el abordaje de la Ley como acontecimiento, accionamos la noción de archivo de Foucault, desarrollada en la fase arqueológica hasta los años 70, conceptoque nos permite considerar los discursos como acontecimientos. De ese modo, a través de los gestos de interpretación, problematizamos y ratificamos nuestra hipótesis de que hay, en el discurso de los profesores de español entrevistados, representaciones de la Ley Nº 11.161/2005 como una resolución que no trae repercusiones significativas para fomentar y fortalecer la enseñanza de la lengua española en las escuelas de Belo Horizonte y de la región metropolitana. Nuestra investigación, a partir del análisis del corpus, nos permitió interpretar que la Ley es representada como un mecanismo de poder en falta, incompleto, promotor de (in)movilizaciones en el espacio escolar, que genera tensiones, conflictos de poder y promueve impactos negativos en la enseñanza en la medida en que disminuye la oferta del E/LE, a la vez que posibilita la oferta de más de una LE en escuelas de la región metropolitana de la capital mineira, aunque dicha oferta ocurra de forma marginada y conflictiva. PALABRAS CLAVE: Lengua Española; Ley Nº 11.161/2005; Representaciones; Análisis de Discurso; Profesores de E/LE. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AD – Análise do Discurso CEEs – Conselhos Estaduais de Educação FALE – Faculdade de Letras FAE – Faculdade de Educação LA – Linguística Aplicada LI – Língua Inglesa LE – Língua Estrangeira E/LE – Espanhol como Língua Estrangeira MEC – Ministério da Educação MG – Minas Gerais OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio POSLIN – Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos RD – Recorte Discursivo TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de Pesquisa UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais PLs – Projetos de Lei LISTA DE QUADROS E TABELAS QUADRO 1 – Perfil dos sujeitos-professores de espanhol................................................. 90 QUADRO 2 – Modalidades e figuras do aporte teórico-analítico de Authier-Revuz (2004) e (1998) .....................................................................................................95 QUADRO 3 – Síntese das representações sobre escola privada e escola pública..........124 QUADRO 4 – Recorrência do pronome você.......................................................................... 126 QUADRO 5 – Síntese das representações sobre escola privada e escola pública..........130 QUADRO 6 – Heterogeneidade marcada pela voz do outro aluno....................................134 QUADRO 7 – Língua espanhola e mercado.............................................................................157 FIGURA 1 – Síntese das representações sobre o ensino de E/LE nas escolas privadas e nas escolas públicas..............................................................................................141 FIGURA 2 – Significantes sobre o valor da língua espanhola no currículo.....................153 FIGURA 3 – Campo semântico sobre o valor do E/LE no currículo..................................154 FIGURA 4 – Síntese das representações pesquisadas...........................................................161 LEGENDA DE SÍMBOLOS DAS TRANSCRIÇÕES As normas para a transcrição das entrevistas estão baseadas em SÓL (2014). SINAIS OCORRÊNCIAS P Pesquisadora / Pausa curta e hesitações /// Pausa longa e hesitações [inc.] Incompreensível (( )) Comentários da pesquisadora (...) ou [...] Supressão de determinado trecho da fala do professor MAIÚSCULAS Entonação enfática “ ” Citações literais, reprodução de discurso direto ou leitura de textos X Suspensão de um nome próprio (nome de pessoas ou instituições) : : ou ::: Alongamento de vogal ou consoante Negrito Trechos analisados SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................. 16 Perguntas de pesquisa ............................................................................................................................ 20 Hipótese de pesquisa ............................................................................................................................... 20 Objetivos de pesquisa.............................................................................................................................21 Organização da dissertação .................................................................................................................... 21 CAPÍTULO I – PERCURSO HISTÓRICO E A LEI Nº 11.161/2005 ............................................ 23 1.1. PERCURSO HISTÓRICO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ........................................ 24 1.2. LEI Nº 11.161 DE 05 DE AGOSTO DE 2005: MATERIALIDADE, TEXTUALIDADE E DISCURSIVIDADE................................................................................................................................29 CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................49 2.1. LINGUÍSTICA APLICADA E ANÁLISE DE DISCURSO FRANCESA............................50 2.1.1. O sujeito no atravessamento da análise de discurso francesa e da psicanálise...........52 2.1.2. Intradiscurso, interdiscurso e o pré-construído................................................................54 2.1.3. Esquecimentos............................................................................................................................56 2.1.4. Acontecimento...........................................................................................................................57 2.1.5. Heterogeneidade enunciativa: atravessamento de outras vozes....................................59 2.2. REPRESENTAÇÕES, IDENTIFICAÇÕES IMAGINÁRIAS, IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE....................................................................................................................................61 2.2.1. Representações: arrolando algumas noções........................................................................61 2.2.2.Identidade e identificações......................................................................................................64 2.2.3.Subjetividade...............................................................................................................................66 2.3. NOÇÕES PSICANALÍTICAS......................................................................................................67 2.3.1. Real-simbólico-imaginário.....................................................................................................68 2.3.2. Gozo.............................................................................................................................................69 2.3.3. Angústia......................................................................................................................................71 2.3.4. Desejo...........................................................................................................................................72 2.3.5. Transferência, transmissão e repetição................................................................................73 2.3.6. Pulsão...........................................................................................................................................75 2.3.7. Denegação...................................................................................................................................78 2.4. NOÇÕES FOUCAULTIANAS.....................................................................................................79 2.5.ESTUDOS CULTURAIS: NEOLIBERALISMO, GLOBALIZAÇÃO E PÓS- MODERNIDADE.....................................................................................................................................81CAPÍTULO III – PERCURSO METODOLÓGICO ............................ ..................................................85 3.1. TRAJETÓRIA DE PESQUISA: CONSTITUIÇÃO DO CORPUS.........................................86 3.1.1. Instrumento de coleta dos fatos linguísticos.......................................................................87 3.1.3. Os sujeitos de pesquisa e as condições de produção.........................................................88 3.2. DISPOSITIVO DE ANÁLISE........................................................................................................91 3.2.1. O papel da interpretação...........................................................................................................91 3.2.2. Ressonâncias discursivas.........................................................................................................92 3.2.3. Inter e intradiscurso..................................................................................................................93 3.2.4. Modalidades da heterogeneidade enunciativa...................................................................93 3.2.5. Retomando algumas noções psicanalíticas.........................................................................96 CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS DIZERES DOS PROFESSORES..........................................97 4.1. DISCURSO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E LEGISLAÇÃO: FORMAS DE PODER E RESISTÊNCIAS.......................................................................................................................................98 4.1.2 Os dizeres dos professores......................................................................................................102 4.2. REPRESENTAÇÕES ACERCA DA LEI Nº 11.161/2005......................................................102 4.3. REPRESENTAÇÕES SOBRE O IMPACTO DA LEI Nº 11.161/2005................................109 4.3.1. Algumas considerações sobre as representações acerca da Lei 11.161/2005 e de seus impactos para a prática profissional..................................................................................................119 4.4. REPRESENTAÇÕES SOBRE ENSINO DE ESPANHOL/LE..............................................121 4.4.1. Considerações acerca das representações sobre ensino de E/LE.................................142 4.5. REPRESENTAÇÕES DA LÍNGUA ESPANHOLA COMO VALOR...............................143 4.5.1. VALORIZAÇÃO DA DISCIPLINA E/LE PARA O PROFESSOR NA DIMENSÃO DO ESPAÇO ESCOLAR......................................................................................................................144 4.5.2. VALOR DA DISCIPLINA E/LE PARA O CURRÍCULO...............................................150 4.5.3. REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O VALOR DA LÍNGUA ESPANHOLA PARA OS ESTUDANTES........................................................................................155 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................................159 REFERÊNCIAS................... .. .....................................................................................................................166 ANEXOS .. .....................................................................................................................................................174 ANEXO I. Instruções e perguntas de pesquisa para entrevista semiestruturada................174 ANEXO II. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.........................................................175 ANEXO III. Decreto-lei N. 4.244 - de 9 de abril de 1942............................................................176 ANEXO IV. Orientação DEMP/SEM/SB nº 01/2009....................................................................179 ANEXO V. Parecer Nº 1125/2009......................................................................................................181 ANEXO VI. Resolução SEE Nº 2.742, de 22 de janeiro de 2015................................................185 INDRODUÇÃO EL SUR TAMBIÉN EXISTE Mario Benedetti Con su ritual de acero sus grandes chimeneas sus sabios clandestinos su canto de sirenas sus cielos de neón sus ventas navideñas su culto de dios padre y de las charreteras con sus llaves del reino el norte es el que ordena pero aquí abajo abajo el hambre disponible recurre al fruto amargo de lo que otros deciden mientras el tiempo pasa y pasan los desfiles y se hacen otras cosas que el norte no prohíbe con su esperanza dura el sur también existe con sus predicadores sus gases que envenenan su escuela de chicago sus dueños de la tierra con sus trapos de lujo y su pobre osamenta sus defensas gastadas sus gastos de defensa con sus gesta invasora el norte es el que ordena pero aquí abajo abajo cada uno en su escondite hay hombres y mujeres que saben a qué asirse aprovechando el sol y también los eclipses apartando lo inútil y usando lo que sirve con su fe veterana el Sur también existe con su corno francés y su academia sueca su salsa americana y sus llaves inglesas con todos su misiles y sus enciclopedias su guerra de galaxias y su saña opulenta con todos sus laureles el norte es el que ordena pero aquí abajo abajo cerca de las raíces es donde la memoria ningún recuerdo omite y hay quienes se desmueren y hay quienes se desviven y así entre todos logran lo que era un imposible que todo el mundo sepa que el Sur también existe. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 17 Um dos principais fatores que contribuem para a motivação e o desenvolvimento deste estudo de mestrado se relaciona à minha experiência docente como professora efetiva de Língua Espanhola na rede pública de ensino e, refletindo a partir desse lugar, afirmo que a legislação a respeito do ensino da língua espanhola no Brasil tem sido um elemento constitutivo da minha atuação profissional. Portanto, compartilho com um grande número de professores muitos dos efeitos dos desdobramentos produzidos pela Lei Nº 11.161/20051. Acreditamos que esta pesquisa será relevante para os estudos linguísticos, em especial no âmbito da Linguística Aplicada (LA), por oferecer alguns gestos de interpretação sobre a Lei e sobre o ensino da Língua Espanhola que contribuam para a compreensão desses efeitos na atuação profissional dos colegas professores dessa língua. O interesse por investigar um tema relativo não somente à área de LA, mas mais amplamente ao campo da educação, também está relacionado à minha trajetória como estudante. Fui uma estudante que vivenciei, ao longo de toda a educação básica e também do ensino superior, a realidade da escola pública brasileira e, consequentemente, vivenciei os desdobramentos de diferentes políticas públicas educacionais. Em um desdobramento dessa experiência, também me constituí professora. Portanto, este trabalho de pesquisa objetiva identificar e problematizar as representações do professor, concebido como sujeito histórico-discursivo, compreendendo que “não se trata nem de pessoa física, nem de um sujeito empírico, mas de um sujeito histórico e ideológico, constituído pelas formações simbólicas e imaginárias," conforme ressalta Eckert-Hoff (2008, p.23). Analisaremos as representações que emergem no discurso do sujeito- professor de língua espanhola após a promulgação da Lei Nº 11.161/2005, porque acreditamos ser relevante problematizar os efeitos causados por essa promulgação. Buscaremos depreender, no segmento dos dizeres oficiais, as representações sobre o sujeito-professor e sobre as concepções de ensino de E/LE implícitas na forma como a Lei determina a ofertada disciplina e problematizar a legislação. No segmento dos dizeres dos professores nosso foco foi analisar representações acerca da Lei Nº ¹ BRASIL. Lei nº 11.161 de 5 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Publicada no Diário Oficial da União nº 151, em 8 de agosto de 2005, s. 1, p. 1. Determina a oferta obrigatória do espanhol pela escola e de matrícula facultativa por parte do aluno do ensino médio, facultando a oferta ao ensino fundamental (de 6º. ao 9º. ano), tanto para a rede pública como para a rede privada de todo país. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 18 11.161/2005 e seus impactos, a respeito do ensino e da valorização2 da Língua Espanhola nas escolas, bem como o impacto das políticas públicas, especialmente da Lei Nº 11.161/2005, e seus efeitos de sentido na constituição identitária do professor de E/LE. A pesquisa contemplará, em seu referencial teórico, os estudos discursivos pecheutianos em interface com a psicanálise lacaniana. Esta última pode nos oferecer compreensão no que tange às formas de subjetivação do sujeito não só em relação ao legado discursivo que o constitui em sujeito, mas também naquilo que determina a sua singularidade. As noções foucaultianas e conceitos dos estudos culturais sobre pós- modernidade também contribuem como baliza teórica para este estudo. As opções epistemológicas visam a favorecer a natureza interpretativa do trabalho em busca de problematizações propostas pelas perguntas e hipótese de pesquisa. A análise dos efeitos de sentido será desenvolvida a partir dos dizeres de cinco participantes da pesquisa – obtidos através de uma entrevista semiestruturada –, docentes de espanhol de escolas públicas e privadas da cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, caracterizando o segmento de dizeres dos professores. Em nosso corpus, também teremos o texto integral da Lei Nº 11.161/2005. Faremos uma análise da materialidade linguística da legislação citada com vistas a problematizar a representação do professor, da língua e das circunstâncias, ou seja, das condições de produção desse discurso, caracterizando o segmento de dizeres oficiais. Destacamos que a noção de sujeito abordada em nossa pesquisa é a de sujeito-efeito de linguagem, constituído pelos efeitos do inconsciente e das condições de produção históricas que lhe retiram o domínio do seu dizer, sujeito que não tem o controle sobre os efeitos de sentido que seu dizer produz, sujeito da falta, portanto, em um espaço de identificações permanentes, no qual os sentidos do que ele diz pode deslizar, pois a falta não para de mobilizar a produção de significantes, conforme afirma Teixeira (2005), a partir de Pêcheux (2012) e Authier-Revuz (1998). Acreditamos que a pesquisa desenvolvida nesta dissertação, na linha de investigação intitulada Ensino-Aprendizagem de Línguas Estrangeiras, tem relevância para a produção científica na área de Linguística Aplicada, portanto objetiva não somente ampliar os estudos discursivos relativos ao ensino da língua espanhola, como também contribuir para a visibilidade dessa LE como disciplina escolar. 2 Empregamos o significante valor com base no conceito subjetivo de valor, que para Lalande (1996, p. 1188) refere-se à "característica das coisas que consiste em serem elas mais ou menos estimadas ou desejadas por um sujeito ou, mais comumente, por um grupo de sujeitos determinados." Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 19 A proposta visa ainda a ampliar o pequeno número de pesquisas na área da Linguística Aplicada voltadas para o ensino-aprendizagem da língua espanhola, especificamente. De acordo com Paraquett (2012), ao fazer um levantamento dos artigos publicados na Revista Brasileira de Linguística Aplicada (RBLA), dos 130 artigos publicados nos 14 números até 2008, apenas 3 foram dedicados ao espanhol (ELE), o que corresponde a 2,3%, contra 60% para o inglês (ILE) e 46,2% para o português (PLE), sempre como línguas estrangeiras. Ampliando o levantamento realizado por Paraquett (2012), verificamos que, nas edições de 2013 e 2014 da Revista Brasileira de Linguística Aplicada (RBLA), nos 4 números do volume 13 e nos 3 números do volume 14, buscando, via plataforma scielo.br pela palavra espanhol no sumário de cada edição, identificamos que foram publicados somente 3 artigos referentes ao ensino de espanhol. Assim como os artigos publicados nesse periódico de grande projeção, ou outros artigos publicados em diversos veículos de referência, o número de pesquisas desenvolvidas na área do espanhol ainda é pequeno na LA. Cabe ressaltar também que são poucas ou inexistentes as dissertações e teses que tomam a questão do ensino da língua espanhola na Educação Básica desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (POSLIN) da Faculdade de Letras da UFMG, lacuna que pretendemos diminuir com este trabalho. De acordo com uma revisão bibliográfica realizada no site do POSLIN, no ano de 2013, dentre as 37 teses defendidas apenas 2 apresentaram estudos sobre o espanhol, e 35 foram as dissertações encontradas; dentre elas, apenas uma aborda a língua espanhola, embora não verse sobre seu ensino.3 No ano de 2014, 36 foram as teses defendidas, das quais apenas uma contemplava o espanhol. Das 29 dissertações produzidas, somente um trabalho abordava a língua a língua espanhola, entretanto na área de Linguística Teórica e Descritiva. Assim, consideramos que esta pesquisa seja bastante representativa para os trabalhos de pós-graduação, em especial o Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFMG, na medida em que aborda uma temática da atualidade, a Lei Nº 11.161/2005. Consideramos que a Análise de Discurso nos permite projetar a voz dos professores de E/LE em Minas Gerais, mais especificamente na região metropolitana da 3 É importante mencionar, porém, que há programas de pós-graduação de outras universidades brasileiras com uma maior produção na área, como os programas da USP, UNICAMP e UFRJ. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 20 capital, com o fim de problematizar as representações sobre a legislação, a política linguística brasileira e o ensino-aprendizagem de E/LE na pós-modernidade. Vislumbrando o papel político do professor-pesquisador, objetivamos ressaltar os efeitos da existência de uma legislação específica para o ensino de espanhol como língua estrangeira e fomentar a discussão sobre a implementação da Lei em espaços onde esta ainda não tenha sido implementada. Desejamos ainda contribuir para que o que foi estabelecido pela legislação seja cumprido, articular as problemáticas envolvidas no processo, dar visibilidade à voz dos professores de E/LE que vivenciam, em sua prática cotidiana, os reflexos da legislação. Objetivamos promover, junto aos professores e aos docentes em formação, uma reflexão sobre a política linguística em tempos de globalização e a sua apropriação pelo discurso pedagógico, uma vez que, assujeitados à ideologia neoliberal, somos desejosos de que esse ensino alcance um espaço de excelência e visibilidade na realidade escolar brasileira. Após o exposto, apresentaremos na sequência as perguntas de pesquisa e a hipótese que orientarão o objetivo geral e os específicos. PERGUNTAS DE PESQUISA 1. Quais são as representações acerca da Lei 11.161/2005, sobre seus impactos e os efeitos de sentido produzidospelo discurso da Lei nos dizeres dos sujeitos-professores de E/LE? 2. Quais são as representações imaginárias dos professores a respeito do ensino e do valor conferido à disciplina Língua Espanhola no universo escolar após a promulgação da Lei? HIPÓTESE DE PESQUISA Há, no discurso dos professores de espanhol, representações de que a Lei Nº 11.161/2005 não traz repercussões significativas para fomentar e fortalecer o ensino da língua em escolas de Belo Horizonte e região metropolitana. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 21 OBJETIVOS DE PESQUISA Objetivo geral • Investigar as representações dos sujeitos-professores de E/LE sobre a Lei 11.161/2005 e seus efeitos de sentido no processo de ensino da Língua Espanhola e na constituição subjetiva do professor. Objetivos específicos • Problematizar a materialidade discursiva do texto da Lei Nº 11.161/2005 e identificar as representações contidas no texto da Lei sobre o sujeito-professor; • Examinar, no discurso da Lei, as concepções de ensino de E/LE implícitas na forma como esta determina a oferta da disciplina e estabelece as formas como essa oferta pode ser feita no contexto de uma política neoliberal; • Discutir os efeitos de sentido contidos nos dizeres dos sujeitos-professores que nos levam a depreender representações sobre a Lei Nº 11.161/2005 e seus impactos, sobre o ensino e sobre a valorização da disciplina; • Fomentar discussões a respeito do impacto das políticas públicas, especialmente da Lei Nº 11.161/2005 e seus efeitos de sentido na constituição identitária do professor de língua espanhola. Esta dissertação está desenhada em introdução e cinco capítulos. Nesta introdução abordamos a motivação para a realização da pesquisa, a trajetória acadêmica desta pesquisadora, a formulação do problema e sinalizamos o referencial teórico que contempla os estudos discursivos pecheutianos em interface com a psicanálise lacaniana, bem como o diálogo com noções foucaultianas e dos estudos culturais, a justificativa, a hipótese, as perguntas de pesquisa e os objetivos. No capítulo I, desenvolvemos o percurso histórico, a formulação do problema empreendendo gestos de interpretação acerca do texto da Lei 11.161/2005. No capítulo II, apresentamos o aporte teórico em que se ancora a pesquisa, sublinhamos no capítulo III, a trajetória metodológica empregada no trabalho e explanamos, detalhadamente, a metodologia empregada na análise do corpus. O capítulo IV traz os gestos de interpretação empreendidos a partir dos recortes discursivos do corpus. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 22 Finalizamos a pesquisa com o capítulo V, no qual apresentamos nossas considerações finais. Na sequência, temos as referências e os anexos, com o roteiro da entrevista semiestruturada, o Termo de Consentimento para a entrevista, o Decreto N. 4.244/1942, também conhecido como Lei Orgânica do Ensino Secundário que versa, dentre outros aspectos, sobre as disciplinas pertinentes ao ensino dos cursos clássico e científico, a Orientação DEMP/SEM/SB nº 01/2009 e o Parecer Nº 1125/2009, que orientam sobre a inclusão da Língua Espanhola nos currículos plenos do ensino médio em Minas Gerais e a Resolução SEE Nº 2.742, de 22 de janeiro de 2015. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 23 CAPÍTULO I PERCURSO HISTÓRICO E A LEI Nº 11.161/2005 UTOPÍA por Eduardo Galeano Ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos más. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine nunca la voy a alcanzar. ¿Para qué sirve la utopía? Sirve para eso: para caminar. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 24 1.1. PERCURSO HISTÓRICO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA Ao iniciarmos as reflexões e problematizações para o desenvolvimento desta pesquisa de mestrado, é de fundamental relevância abordarmos a memória, o arquivo, a história, a rede interdiscursiva que envolve a política linguística brasileira, em especial, o funcionamento das determinações legais voltadas para o ensino de espanhol como língua estrangeira. Acreditamos que tal trajetória poderá proporcionar insumos para a compreensão das condições de produção do processo de elaboração da Lei Nº 11.161/2005 e de seus desdobramentos. Ateremo-nos à memória dos enunciados oficiais relativos às políticas linguísticas e educacionais que contribuíram para implementação da disciplina Língua Espanhola na escola de Educação Básica brasileira e seu percurso até o acontecimento da Lei Nº 11.161, de 05 de agosto de 2005. Entretanto, a título de delinearmos as condições macro de produção dos discursos que analisaremos, ressaltamos que há várias vozes "não oficiais" (de docentes, estudantes, associações, jornalistas, etc.) que circulam na mídia, em manifestações e em outros contextos sociais que participaram e participam do tenso processo de forças da história do ensino e da aprendizagem das línguas estrangeiras no Brasil, especialmente do complexo percurso do ensino do E/LE, que, em algum momento, permearão nosso texto. De acordo com Daher (2006), a história do ensino de LE no Brasil é anterior ao Brasil Império, iniciando-se no período colonial com o ensino do grego e do latim, línguas estrangeiras clássicas. A educação imperial implicou em novas necessidades educacionais e, em 1892, ocorreu a reforma educacional de Fernando Lobo, que reduziu a carga horária das LEs, causando o quase desaparecimento do grego. O italiano passou a ser facultativo e as línguas alemã e inglesa passaram a ser as mais estudadas. No Estado do Rio de Janeiro, em 1827, o Collegio Inglez tinha em sua grade curricular o E/LE. "Essa é a menção mais antiga de que se tem notícia acerca da presença do espanhol em uma instituição escolar brasileira, nunca antes publicada", de acordo com Freitas (2011). No mesmo Estado, é inaugurado o Colégio Pedro II em 1837, que, em 1919, com a aprovação do Professor Antenor Nascentes para ocupar a cátedra da disciplina, protagoniza a referência mais difundida relativa ao ensino do espanhol no Brasil na escola básica. A partir da década de 20 do século passado, várias reformas pedagógicas ocorrem no Brasil, e em 1942, com a Reforma Capanema, temos a primeira legislação Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 25 educacional em que a língua espanhola surge como obrigatória no cenário escolar, conforme expõe Daher (2006), La enseñanza del español se incorpora al currículo obligatorio de las escuelas brasileñas en 1942 (9 de abril de 1942, Decreto-Lei nº 4244), con la Reforma Capanema, cuando entra a formar parte de los programas oficiales al lado del francés y del inglés, que hacía ya mucho tiempo que se enseñaban en el país. En la época de su inclusión, el español entra en la escena educativa brasileña en el momento en que se retira de los currículos el alemán, en función de reformulaciones que vinculan la enseñanza a la cuestión nacionalista. Según Picanço (2003, p. 33), en aquel momento el español “era identificado como la lengua de autores consagrados, como Cervantes, Bécquer y Lope de Vega” y, fue incorporándose gradualmente a la mayoría de las escuelas secundarias. La aportación cultural es el aspecto más importante de esaenseñanza en su origen, así como una concepción de la lengua que tiene en la norma lingüística, en lo correcto y en lo incorrecto, las bases de su comprensión4 (DAHER, 2006, p. 7). A legislação supracitada incluía a língua espanhola no currículo obrigatório do ensino médio baseada em um movimento nacionalista e com uma representação do espanhol como língua da cultura literária. Celada (2002) afirma que o espanhol para alguns brasileiros era representado como língua auxiliar ou instrumental para acessar os grandes autores e não era efetivamente a essa língua que algum saber era atribuído; ela era concebida como uma "língua ponte". Rodrigues (2012, p. 77) destaca o Decreto de 1942, que se encontra no anexo III, como "texto legal que ocupa um lugar fundacional de uma memória discursiva do arquivo jurídico e legislativo brasileiro sobre o ensino do espanhol". A autora aponta ainda que as identificações entre a língua espanhola e o desejo de aproximação do Brasil com países hispano-falantes é um argumento que aparece com regularidade nos textos que compõem esse arquivo. Verifica-se que o Decreto ampliou os estudos da língua portuguesa e contribuiu para a ampliação da oferta de línguas estrangeiras, o francês, o inglês e o espanhol, no currículo da Educação Básica. Entretanto, em 1961, ocorre um processo de maior sistematização das normas para a educação em todo o país. É então sancionada, pelo presidente João 4 O ensino do espanhol se incorpora ao currículo obrigatório das escolas brasileiras em 1942 (9 de abril de 1942, Decreto-lei Nº 4244), com a Reforma Capanema, quando passa a fazer parte dos programas oficiais ao lado do francês e do inglês, que há muito tempo eram ensinados no país. Na época de sua inclusão, o espanhol entra no cenário educacional brasileiro no momento em que se retira dos currículos o alemão, em função de reformulações que vinculam o ensino à questão nacionalista. Segundo Picanço (2003, p. 33), naquele momento o espanhol "era identificado como a língua de autores consagrados, como Cervantes, Bécquer e Lope de Vega" e, foi se incorporando gradualmente à maioria das escolas secundárias. O aporte cultural é o aspecto mais importante na origem do ensino do espanhol, bem como uma concepção de língua que tem em sua norma linguística, no correto e no incorreto, as bases de sua compreensão. (tradução nossa) Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 26 Goulart, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB de 1961), legislação que regulamentava a educação formal em todas as escolas brasileiras. A partir da LDB de 1961 são criados o Conselho Federal de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação, que determinariam disciplinas a serem cursadas como obrigatórias e facultativas nos estabelecimentos escolares. De acordo com Rodrigues (2012), a referida legislação supervaloriza o ensino da língua nacional e exclui as línguas estrangeiras da grade de disciplinas obrigatórias, indo de encontro ao Decreto de 1942, que valorizou a presença das LEs. A autora aponta o artigo 40 como possibilidade para inserção das LEs nas escolas. Nesse artigo, era permitida à escola a escolha de até duas disciplinas optativas. Tal processo implica na perda de espaço do espanhol e favorece a consolidação do ensino de língua inglesa e francesa no ensino regular. Rodrigues (2012) nomeia o apagamento das LEs na textualidade da LDB de 1961 como processo de desoficialização das línguas estrangeiras por parte das instâncias governamentais: [...] a textualidade da LDB de 1961 opera um apagamento sobre as línguas estrangeiras que habitavam o espaço escolar até aquele momento por meio da exclusão absoluta desse sintagma na materialidade da lei. [...] esse gesto aponta para um processo de desoficialização das disciplinas de línguas estrangeiras por parte das instâncias governamentais que regulamentam os currículos das escolas brasileiras (RODRIGUES, 2012, p. 88). O processo de desoficialização das LEs, causado pelo apagamento e pelo silenciamento sobre quais LEs seriam contempladas pela Lei, tem efeitos e consequências que se desdobram até os dias atuais. Temos como exemplo o efeito imaginário de que as LEs podem ser tratadas como componente extracurricular, oferecido fora da grade, levando o seu ensino à terceirização e desvinculando as LEs das demais disciplinas escolares. Gradativamente, esse efeito contribuiu para a desvalorização da disciplina e para o seu fracasso, especialmente na escola pública, conforme aponta Rodrigues (2012). No governo militar, foi sancionada a Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, LDB de 1971, pelo General Garrastazu Médici. Essa legislação faz menção, de forma indeterminada, às LEs, elemento que contribui para o processo de desoficialização das LEs na escola, conforme indica a pesquisadora Fernanda Castelano Rodrigues. Após esse processo iniciado com a LDB de 1961, a Resolução de 1976 lança luz às LEs e altera o efeito imaginário dos textos legais anteriores. Na materialidade dessa resolução, está expresso que o estudo de língua estrangeira moderna passa a ser obrigatório para o 2º Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 27 grau, terminologia empregada na época. Tal medida leva a um processo de identificação da disciplina LE associada, quase unicamente, ao ensino da língua inglesa. De acordo com Eres Fernández (2000), nas décadas de 1960, 1970 e início dos anos 1980, o pouco interesse pelo estudo do espanhol gerou uma série de dificuldades que persistiram por um bom período. Dentre essas dificuldades, estão o número reduzido de professores que faziam licenciatura em E/LE, a não manutenção dos cursos de licenciatura pelas universidades e a escassez de materiais didáticos disponíveis. Somente em 1996, com a promulgação da LDB Nº 9394/96, legislação sancionada em um governo neoliberal com forte relação entre educação e trabalho e que prevê a obrigatoriedade do ensino de uma LE a partir da 5ª série (atualmente 6º ano), vê-se um aumento do interesse pelo espanhol em âmbito nacional. A lei descentraliza a escolha da LE a ser estudada para os Conselhos Estaduais de Educação (CEEs), órgãos que avaliam as especificidades de demanda em cada região do Brasil. Destacamos que a ampliação do interesse pela língua espanhola no contexto mencionado se deve também às relações econômicas estabelecidas entre o Brasil e outros países hispano-americanos, relações capitalistas entre Brasil e Espanha, às razões políticas e culturais, bem como à produção científica e acadêmica, aos eventos científicos e também às atividades desenvolvidas pela Asesoría Lingüística de la Consejería de Educación de la Embajada de España. Inicia-se, na década de 1990, no Brasil, um momento de grande interesse pelo espanhol. Nesse período, há a abertura do mercado de trabalho para professores em centros de ensino (cursos livres) e em escolas regulares com a implementação da disciplina. O público vê a importância do idioma e o mercado começa a valorizar o conhecimento da língua, como ressalta Eres Fernández (2000): El boom del español en Brasil se manifiesta con la implantación de un gran número de centros de enseñanza que ofrecen cursos de español, a la vez que las escuelas regulares de enseñanza básica también empiezan a incluir el castellano entre las asignaturas — opcionales u obligatorias. Nos vemos, ahora, frente a una situación muy distinta de la que hemos vivido en la década de los setenta, por ejemplo. Ahora tenemos un público que empieza a darse cuenta de la necesidad de aprender el idioma: ya no basta ser capaz de comunicarse en un lenguajeque pretende ser español pero presenta un sinfín de interferencias del portugués, sino que la comunicación debe efectuarse en buen castellano. El mundo laboral empieza a valorar tal conocimiento y la creciente demanda por cursos de español incrementa la correspondiente oferta. Se abre, pues, el mercado de trabajo para los profesores de español5 (ERES FERNÁNDEZ, 2000, p. 65-66). 5 O "boom" do espanhol no Brasil ocorre com a implantação de um grande número de cursos de língua que oferecem cursos de espanhol, ao mesmo tempo em que as escolas regulares de ensino básico começam a Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 28 Outro acontecimento muito significativo para o “boom” da língua espanhola no Brasil, na década de 1990 e consequentemente seu auge e prestígio no século XXI, foi a criação do MERCOSUL no ano de 1991. De acordo com o discurso oficial brasileiro, os países da América do Sul, Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção, com vistas a criar o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O objetivo primordial do Tratado de Assunção é a integração dos quatro Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes. Em 2012, o MERCOSUL passou pela primeira ampliação desde sua criação, com o ingresso definitivo da Venezuela. No mesmo ano, foi assinado o Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL [...]. São Estados Associados do Mercosul o Chile (desde 1996), o Peru (desde 2003), a Colômbia, o Equador (desde 2004), a Guiana e o Suriname (ambos desde 2013). (‹http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul›. Acesso em 18/06/2014) O Mercado Comum do Sul promove uma interconexão entre um número significativo de países, conforme apresentados na citação, especialmente no âmbito econômico. A partir de então, com a presença de grandes empresas espanholas e uma relação socioeconômica mais aprofundada com a cultura hispânica, surge uma maior demanda por professores capacitados para atender o crescente número de pessoas interessadas no estudo do idioma. Nesse contexto histórico, apresenta-se com forte impacto uma ordem econômica mundial, a globalização, regime mundial que impacta o sistema econômico, a política, a cultura e a sociedade, incidindo no sistema de representação dos sujeitos, de acordo com Hall (2011). Ainda tecendo um breve percurso sobre a história da língua espanhola no Brasil, chegamos ao ano de 2005, mais especificamente em 05 de agosto de 2005, data em que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulga a Lei Federal Nº 11.161/2005, proposta em um projeto de lei pelo deputado Átila Lira. Após a elaboração de uma síntese histórica das legislações mais relevantes sobre as políticas educacionais e linguísticas brasileiras, com foco no ensino da língua espanhola, objetivamos desenvolver, na próxima seção desta dissertação, uma análise incluir o castelhano entre as disciplinas - optativas ou obrigatórias. Nós nos deparamos agora com uma situação muito diferente da que vivemos na década de 70, por exemplo. Agora temos um público que começa a entender a necessidade de aprender o idioma: já não é suficiente ser capaz de se comunicar em uma linguagem que pretende ser espanhol, mas que apresenta inúmeras interferências do português, e sim que a comunicação deve acontecer em bom castelhano. O mundo do trabalho começa a valorizar o conhecimento e a crescente demanda por cursos de espanhol alimenta a correspondente oferta. Abre-se, então, o mercado de trabalho para os professores de espanhol. (tradução nossa) Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 29 dos aspectos textuais e discursivos da Lei 11.161/2005. Também vislumbramos observar como o interdiscurso, ou seja, o conjunto do que já foi dito, a memória discursiva, dos discursos oficiais são, embora “esquecidos”6, articulados e revisados na Lei em questão. 1.2. LEI Nº 11.161, DE 05 DE AGOSTO DE 2005: MATERIALIDADE, TEXTUALIDADE E DISCURSIVIDADE Discorremos, na seção anterior, sobre o percurso dos enunciados oficiais relativos às políticas linguísticas e educacionais no Brasil, contemplando o período colonial até o século XXI. O documento foco de análise nesta seção é a Lei Nº 11.161/2005, sancionada no ano de 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Objetivamos sinalizar como, na materialidade da Lei, o interdiscurso é textualizado e discursivizado, assim, discutindo a noção de arquivo de Foucault, que nos permite considerar os discursos como acontecimentos e desenvolvendo a conceituação da Lei como um acontecimento discursivo (PÊCHEUX, [1988]2008) singular de um arquivo. De acordo com Pêcheux, o acontecimento se refere a um discurso que rompe com a estrutura vigente e instaura outros sentidos a partir dele. A legislação federal tem por objetivo estabelecer normatizações em âmbito nacional. Em nosso caso, trataremos de uma lei inserida na temática da Política Linguística para a Educação Básica. Toda legislação antes de tornar-se uma lei efetivamente é elaborada como um projeto de lei (PL). No caso específico da Lei Federal Nº 11.161/2005, o PL foi elaborado pelo deputado Átila Lira. Tal projeto constitui o "arquivo legislativo", conforme aponta Rodrigues (2012). É importante destacarmos o levantamento feito pela autora a respeito dos projetos de lei anteriormente apresentados à Câmara dos Deputados e ao Senado que versavam sobre a implementação do ensino da língua espanhola nas escolas brasileiras. Dezenove PLs foram apresentados à Câmara e sete ao Senado. Vejamos as tabelas elaboradas pela autora com os dados fundamentais de cada PL: 6 Exporemos o conceito de interdiscurso e dos esquecimentos de Pêcheux mais adiante, nesta dissertação. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 30 Fonte: RODRIGUES, 2010, p. 174-175. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da lei federal nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 31 Fonte: RODRIGUES, 2010, p. 176-177. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 32 A ilustração do levantamento feito por Rodrigues (2012) mostra os PLs apresentados na Câmara dos Deputados, alguns mais plurais, como os projetos 447/1983, 2195/1989 e 3811/1989, que apresentam outras LEs além do espanhol e outros quinze projetos mais exclusivos sobre o ensino do espanhol. Nosso objetivo, ao ilustrarmos este capítulocom os PLs, que não são propriamente o foco da nossa análise, é o de mostrar como os dizeres desses documentos foram derivando em outros sentidos que coadunaram na textualidade da Lei 11.161/2005. Destacamos também a insistência na obrigatoriedade do ensino da língua espanhola presente no PL 667, do deputado Manoel Junior, com data posterior (09/04/2007) à promulgação da Lei 11.161, sancionada no ano de 2005. Após a apresentação dos PLs apresentados à Câmara dos Deputados, a autora traz os sete projetos apresentados ao Senado, dois dos quais foram apresentados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e um pelo atual prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, conforme vemos abaixo. Fonte: RODRIGUES, 2010, p. 179. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 33 Conforme pode ser evidenciado nas tabelas organizadas por Rodrigues (2010), uma série de tentativas de definir a presença das LEs e, particularmente do E/LE no currículo brasileiro, contribuiu para se criar uma memória discursiva na qual está inserida a legislação foco da nossa análise. De acordo com a autora, os PLs apresentados à Câmara ou ao Senado são relevantes devido a sua relação direta com as LDBs. Estas últimas transformaram as rotinas da memória discursiva do arquivo jurídico e também afetaram o arquivo legislativo sobre as LEs ao mencionar de forma indeterminada as LEs, conforme apresentamos. Após conhecermos os PLs que fazem parte do arquivo legislativo no levantamento de RODRIGUES (2010), especialmente sobre o E/LE, apresentamos o texto integral da Lei Nº 11.161, de 05 de agosto de 2005, conforme publicado no site do Governo Federal: Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 11.161, DE 5 DE AGOSTO DE 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio. § 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco anos, a partir da implantação desta Lei. § 2o É facultada a inclusão da língua espanhola nos currículos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a séries. Art. 2o A oferta da língua espanhola pelas redes públicas de ensino deverá ser feita no horário regular de aula dos alunos. Art. 3o Os sistemas públicos de ensino implantarão Centros de Ensino de Língua Estrangeira, cuja programação incluirá, necessariamente, a oferta de língua espanhola. Art. 4o A rede privada poderá tornar disponível esta oferta por meio de diferentes estratégias que incluam desde aulas convencionais no horário normal dos alunos até a matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua Moderna. Art. 5o Os Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal emitirão as normas necessárias à execução desta Lei, de acordo com as condições e peculiaridades de cada unidade federada. Art. 6o A União, no âmbito da política nacional de educação, estimulará e apoiará os sistemas estaduais e do Distrito Federal na execução desta Lei. Art. 7o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. Brasília, 5 de agosto de 2005; 184o da Independência e 117o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad Fonte: BRASIL. Lei Nº 11.161, de 05 de agosto de 2005. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.161-2005?OpenDocument Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 34 Abordamos o enunciado da Lei no que tange à sua discursividade. De acordo com Pêcheux ([1988]2008), é preciso olhar o discurso como estrutura, mas também como acontecimento e pensar no equívoco da língua, pensar que o real da língua tem um furo. Em nossos gestos de interpretação, buscamos pontos de deriva possíveis porque, uma vez sujeito ao equívoco, um enunciado pode sempre derivar para outro. Os esquecimentos permitem essas derivas de sentido. Na análise da Lei 11.161, verificamos que o esquecimento nº 2 dá ao sujeito a ilusão de que tudo o que diz tem apenas um significado. De acordo com o que observamos das textualidades decorrentes da legislação, o sujeito se esquece de que são os outros do discurso que determinam seu dizer e ele não tem controle dos efeitos de sentido causados por seu dizer, de acordo com Eckert-Hoff (2002). Conforme podemos observar na materialidade linguística, em seu artigo primeiro, a Lei determina que Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio (BRASIL. Lei Nº 11.161, de 05 de agosto de 2005). Acionando a relação que a materialidade desse dizer tem com o interdiscurso, ou seja, com algo que já foi dito em algum momento da história, em algum lugar (PÊCHEUX, [1988]2008), compreendemos que, para conseguir a aprovação da Lei Nº 11.161/2005 no Congresso Nacional, o deputado Átila Lira adotou uma estratégia discursiva de ir ao encontro dos preceitos da LDB Nº 9394/96, na medida em que não propõe que a língua espanhola seja uma disciplina obrigatória, mas sim sua oferta. Portanto, esse gesto abre um lugar de entrada na legislação vigente. Conforme analisa Rodrigues (2010), o uso de modalizações na materialidade linguística e a manobra na redação produziram efeitos de sentido que permitiram a aprovação da referida Lei. Considerando essas especificações que a LDB de 1996 impunha, o deputado Átila Lira apresentou ao Congresso Nacional, em 2000, um projeto de lei (PL) com certas modalizações que o tornavam “aprovável”, ou seja, se constituía numa proposta de inclusão da língua espanhola nos currículos de ensino médio que preservava o espírito da LDB – ao não declarar o ensino obrigatório do espanhol, mas sim “oferta obrigatória com matrícula optativa” – e, ao mesmo tempo, produzia a determinação da presença obrigatória dessa língua estrangeira particular no espaço de todos os estabelecimentos escolares de nível médio do país. Foi essa verdadeira manobra na redação da proposição apresentada pelo deputado Lira no PL que possibilitou sua aprovação (RODRIGUES, 2010, p. 19-20). Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 35 É de se esperar que esses efeitos se desdobrem em outros, o que nos permite o gesto de interpretação da Lei como um acontecimento discursivo singular de um arquivo. Desse modo, de acordo com Pêcheux ([1988]2008), o acontecimento se refere a um discurso que rompe com a estrutura vigente e instaura outros sentidos a partir dele. A referida Lei é a segunda legislação que possibilita que o espanhol apareça como disciplina de oferta obrigatória. É importante também destacar que a Lei 11.161/2005 é a primeira lei que apresenta exclusivamente a língua espanhola como foco da legislação, o que reforça nossa concepção da lei como acontecimento discursivo singular7, "ponto de encontro de uma atualidade e uma memória" (PÊCHEUX, 2008, p. 17), que faz eco e que remete a um conteúdo sócio-político da história da política linguística brasileira. Esse acontecimento rompe com os já-ditos dessa história, conforme podemos verificar nos PLs levantados por Rodrigues (2012), que,em geral, dispõem sobre a obrigatoriedade de inclusão da língua trazendo, na materialidade linguística, significantes como "ensino obrigatório", "torna obrigatório o ensino de espanhol", "faculta o ensino da língua espanhola", "obrigatoriedade da implantação da língua espanhola", "obrigando o ensino"; na medida em que define qual língua estrangeira — língua espanhola—, deverá ter oferta obrigatória. Ao tratar a Lei como acontecimento, acionamos a noção de arquivo de Foucault, desenvolvida na fase arqueológica até os anos 70, noção que nos permite considerar os discursos como acontecimentos. O que o autor propõe chamar de arquivo são os sistemas de enunciados (acontecimentos e coisas). Foucault descreve sua definição de arquivo afirmando que o arquivo é, [...] de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares. [...] O arquivo é o que, na própria raiz do enunciado-acontecimento e no corpo em que se dá, define, desde o início o sistema de sua enunciabilidade. [...] é o que define o modo de atualidade do enunciado-coisa; é o sistema de seu funcionamento.[...] é o que diferencia os discursos em sua existência múltipla e os especifica em sua duração própria. É o sistema geral da formação e da transformação dos enunciados (FOUCAULT, [1969]2013, p. 158-159)8. Nesse período, o conceito de arquivo em Foucault remete ao "conjunto de discursos efetivamente pronunciados numa dada época e que continuam a existir através da história" (REVEL, 2005, p. 18). Assim a Lei 11.161, como um acontecimento 7 O termo singular é empregado aqui em sua acepção de único, exclusivo. 8 Grifos do autor. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 36 discursivo singular de um arquivo, traz na materialidade de seu discurso, nas suas regras, no seu funcionamento, o objetivo de assegurar, nas práticas, a constituição de um poder. Esse poder, ao se transformar ao longo da história, possibilitou o surgimento de outros discursos que produziu uma explosão de sentidos. Desse modo, vemos como a análise de elementos linguísticos da legislação com a presença de sintagmas que indicam o caráter injuntivo da Lei: será, deverá, implementarão, emitirão, estimulará, apoiará, expressos por verbos no futuro, sinalizam a perspectiva de efetiva implementação da Lei pelas escolas e objetivam assegurar que a implementação ocorrerá. O advérbio gradativamente, empregado no artigo primeiro, indica o modo como a disciplina Língua Espanhola deverá ser inserida nos currículos plenos do ensino médio, ou seja, em todas as séries até o ano de 2010. Esse modo gradativo é que dará margem às diversas interpretações, conforme veremos em nosso corpus de entrevistas. O que depreendemos do corpus coletado, da observação da realidade escolar expressa nos dizeres dos sujeitos-professores de E/LE da escola básica, analisados no capítulo IV, é que na prática da implementação da Lei, o sistema de enunciabilidade do arquivo desdobrou-se em interpretações com os mais diversos (des)interesses. Conforme afirma Costa Val (2004), essa diversidade de interpretações acontece porque cada texto pode ser textualizado de maneiras diferentes por diferentes ouvintes ou leitores, e a textualidade pode ser definida como um princípio geral que faz parte do conhecimento textual dos falantes e que os leva a aplicar a todas as produções linguísticas um conjunto de fatores capazes de textualizar essas produções. De acordo com Orlandi ([1999]2007), há pontos de subjetivação ao longo de toda a textualidade. Depreendemos da lei 11.161 que o processo de textualização da passagem "gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio", do artigo primeiro, associado ao" § 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco anos, a partir da implantação desta Lei", em alguns contextos do âmbito escolar, foi entendido como oferta da disciplina em uma série apenas do EM, implementação em alguns casos iniciada gradativamente, a partir do ano de 2010, prazo final estipulado para a conclusão da implementação da Lei. Em pesquisa realizada no ano de 2010, os professores Eduardo Amaral (FALE-UFMG) e Elizabeth Guzzo (FAE-UFMG) realizaram um levantamento de dados sobre a implantação do espanhol nas escolas de ensino médio do Estado, através de um questionário eletrônico e em papel, com professores de 25 municípios de Minas Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 37 Gerais. Eles recolheram dados relativos a 51 escolas, das quais 27 são escolas estaduais e 24 privadas. Os pesquisadores, que na época atuavam no corpo diretivo da Associação de Professores de espanhol de Minas Gerais (APEMG), tinham como objetivo verificar a realidade do ensino de E/LE e contribuir para intervenções nos órgãos e instituições responsáveis pela implantação da Lei. Para compreensão da realidade de implementação, os autores recorreram à enunciabilidade de outros documentos legais, como o Parecer Nº 1125/20099, do Conselho Estadual de Educação de MG, e da Orientação DEMP/SEM/SB Nº 01/200910, documentos posteriores à Lei 11.161/2005, que ecoavam um discurso com "um foco no imediatismo e no fazer 'de qualquer jeito', ou seja, apenas para cumprir o prazo da Lei Federal" (AMARAL e ALMEIDA, 2010, p.320). A produção de pareceres e orientações que objetivam elucidar e regulamentar alguns pontos da Lei de acordo com cada região são legitimados na redação da legislação, entretanto, dão margem à pluralidade de sentidos a ela atribuídos. Vejamos especificamente o artigo quinto: Art. 5o Os Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal emitirão as normas necessárias à execução desta Lei, de acordo com as condições e peculiaridades de cada unidade federada (BRASIL. Lei Nº 11.161, de 05 de agosto de 2005). Podemos verificar que, nesse artigo, é permitida aos CEE a emissão de normas e orientações necessárias à execução da Lei, que no caso do Estado de Minas Gerais, trouxeram desdobramentos negativos, no período de 2009 e 2010, conforme afirmam Amaral e Almeida (2010). No Parecer Nº 1125/2009 do Conselho Estadual de Educação de MG, ao responder à questão 2, "Há obrigatoriedade do oferecimento da língua espanhola em todas as séries do Ensino Médio?", formulada pelo Presidente das Escolas Particulares, o parecerista responde negativamente e argumenta o seguinte: 9 O documento encontra-se anexo. 10 A Orientação é um documento emitido pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, da Subsecretaria de desenvolvimento da Educação Básica, da Superintendência de Ensino Médio e Profissional e da Diretoria de Ensino Médio e Profissional, que tem por objetivo orientar a inclusão da Língua Espanhola nos currículos plenos do ensino médio como disciplina de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, considerando o que dispõe a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005. O documento encontra-se anexo. Fernanda Peçanha Carvalho Representações dos professores de espanhol a respeito da Lei Federal Nº 11.161 e do ensino da língua após sua promulgação 38 Não. A exigência é de que conste a língua espanhola no currículo da escola. O número de vezes em que irá comparecer no ensino médio é determinado pela proposta pedagógica de cada estabelecimento de ensino. (Parecer Nº 1125/2009 do CEE/MG -grifos nossos). Essa posição do CEE de MG sobre a não exigência da presença da disciplina Língua Espanhola em todas as séries do ensino médio veio a exercer efeito negativo quanto à implementação