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Radiobiologia e Fotobiologia – Prof. Alvaro Leitão (IBCCF-UFRJ) CAPÍTULO III RADIOQUÍMICA DE ÁCIDOS NUCLEICOS IMPORTÂNCIA DAS LESÕES RADIOINDUZIDAS EM MACROMOLÉCULAS As alterações produzidas pelas radiações no DNA, no RNA ou nas proteínas podem se expressar por modificações de suas estruturas primárias (lesões nos nucleotídeos ou nos aminoácidos). Em outras situações estas alterações se processam nas estruturas secundária, terciária ou quaternária, exemplificadas pelo rompimento de pontes de hidrogênio ou de ligações de dissulfeto. A macromolécula irradiada pode também se quebrar (radiólise), gerando dois ou mais fragmentos, ou a radiação pode acarretar o aparecimento de sítios extremamente reativos, capazes de conduzir à associação de duas ou mais macromoléculas entre si ou ao estabelecimento de ligações intramoleculares. RADIOPRODUTOS DO DNA Os efeitos das radiações ionizantes em moléculas de DNA são bastante diversificados, a importância relativa de cada radioproduto dependendo de diversos fatores, tais como o tipo de radiação, as condições de irradiação (pH, temperatura, teor de oxigênio, presença de aceptores de radicais livres, etc.), as características do DNA (estrutura em hélice simples ou dupla, composição de bases nitrogenadas, associação com proteínas, etc.) e a possibilidade de reparação dos radioprodutos. De forma esquemática, os efeitos das radiações ionizantes no DNA, resumidos na Figura III.1 incluem: a) alterações estruturais das bases nitrogenadas e das desoxirriboses; b) eliminação de bases (geração de sítios apurínicos ou apirimidínicos); c) rompimento de pontes de hidrogênio entre as duas hélices; d) rotura de uma ou das duas cadeias; e) ligações cruzadas ("cross-linkings") entre moléculas de DNA e proteínas. É importante lembrar que muitos destes efeitos são consequências de alterações nas bases ou no açúcar; assim, por exemplo, o rompimento de pontes de hidrogênio pode ocorrer quando a base sofre uma modificação estrutural, como a saturação da ligação entre os carbonos 5 e 6 das pirimidinas e muitas quebras de cadeia polinucleotídica ocorrem em locais adjacentes às bases lesadas. Alguns destes efeitos decorrem da interação entre a radiação e o DNA (efeito direto), mas, em grande parte, eles são devidos ao ataque da macromolécula pelos radicais livres formados. A diversidade dos efeitos das radiações no DNA, a reduzida frequência de formação de lesões quando utilizadas baixas doses (exatamente as de maior importância biológica), a instabilidade e a ocorrência de reparação de alguns radioprodutos constituem obstáculos à sua identificação e, principalmente, à determinação de suas importâncias relativas. Os métodos utilizados para estes fins podem ser classificados em químicos, físico-químicos, óticos, enzimáticos e imunológicos. Os métodos químicos encontram exemplos na dosagem de peróxidos de bases nitrogenadas e na medida de glicóis de timina. Os métodos físico-químicos incluem a determinação do coeficiente de viscosidade, da mobilidade eletroforética, do coeficiente de sedimentação quando submetido à ultracentrifugação ou da eluição em colunas cromatográficas. Os métodos óticos permitem a obtenção de informações sobre a integridade das bases nitrogenadas (caracterizada pela manutenção do espectro de absorção) e das pontes de hidrogênio (detectada pelas curvas de fusão do DNA). Os métodos enzimáticos envolvem o emprego de enzimas capazes de utilizar, como substrato, moléculas de DNA que contenham determinados tipos de radiolesões. III-2 Os métodos imunológicos fundamentam-se na possibilidade de obter anticorpos específicos contra macromoléculas (proteínas, por exemplo) às quais tenha sido complexado um determinado tipo de radioproduto do DNA. Figura III.1 - Representação esquemática dos principais radioprodutos do DNA. RADIÓLISE DE BASES PÚRICAS E PIRIMIDÍNICAS Grande parte dos efeitos das radiações no DNA é consequência de lesões provocadas nas bases nitrogenadas, já que, lesões observáveis na cadeia polinucleotídica, como a sua rotura, podem ser provocadas por modificações ocorridas nas bases. Desta forma, muitas informações para a compreensão da radioquímica dos ácidos nucleicos podem ser obtidas por meio de experimentos nos quais soluções de bases nitrogenadas são irradiadas e, a seguir, analisados os radioprodutos gerados. A irradiação de purinas pode levar à abertura do anel imidazólico, pelo ataque de radicais livres (especialmente •OH) à ligação entre C-8 e N-9, como mostrado na Figura III.2, na qual pode ser vista a formação de 2,4-diamino 5-formamida 6- hidroxipirimidina, a partir da guanina. Irradiações de bases purínicas realizadas em presença de III-3 oxigênio podem levar à multiplicação do rendimento radioquímico por um fator de 2 ou 3, mas não parece ocorrer significativo acúmulo de peróxidos de purinas, uma vez que eles são bastante instáveis. As bases pirimidínicas possuem uma dupla ligação entre os carbonos 5 e 6, o que constitui um sítio particularmente favorável à adição de radicais livres (H•, •OH ou HO2•), como mostrado na Figura III.3. A saturação desta ligação acarreta diminuição da absorbância da preparação em 260 nm, permitindo o emprego de análises espectrofotométricas para a detecção do fenômeno. A formação de peróxidos é um efeito frequente das radiações ionizantes em soluções de timina, citosina ou uracil, especialmente na presença de oxigênio, sendo também consequência da saturação da dupla ligação entre os carbonos 5 e 6 pelos radicais livres. O hidroxi-hidroperóxido de uracil é bastante instável, mas o de timina se decompõe muito mais lentamente; na Figura III.4 pode ser vista a fórmula estrutural deste radioproduto. Figura III.2 - Radiólise da guanina. Figura III.3 - Saturação pelos radicais livres radioinduzidos da ligação entre os carbonos 5 e 6 em uma base pirimidínica. Figura III.4 - Fórmula estrutural do hidroxi-hidroperóxido de timina. A degradação de peróxidos de pirimidina pode levar à formação de pirimidina glicol ou deixar na cadeia polinucleotídica um resíduo, a uréia, como mostrado na Figura III.1. Timina glicol forma-se também pelo tratamento do DNA com agentes oxidantes, como o tetróxido de ósmio, e esta lesão pode ser detectada mediante o emprego de dosagens radioimunológicas. A irradiação do DNA pode acarretar a eliminação de bases nitrogenadas, gerando sítios apurínicos ou apirimidínicos (sítios AP), como mostrado na Figura III.1. Estes sítios podem se URACIL HIDROXI-URACIL III-4 originar do ataque da desoxirribose pelos radicais livres ou da interação destes com a própria base nitrogenada e são análogos aos produzidos pelo calor, pelos ácidos ou pela atuação de glicosilases. Os sítios AP não acarretam, diretamente, o rompimento da cadeia fosfodiéster, mas produzem fragilidade nas regiões onde são formados. Assim, o DNA pode se romper nos locais onde existem tais sítios, se incubado em pH alcalino. RADIOQUÍMICA DE CADEIAS POLINUCLEOTÍDICAS Introdução Além das alterações estruturais das bases nitrogenadas e da eliminação destas bases do DNA, as radiações podem provocar diversos efeitos em cadeias polinucleotídicas, entre os quais a quebra de pontes de hidrogênio, a rotura da cadeia fosfodiéster e as ligações cruzadas. Tais efeitos são observados quando da irradiação de preparações de DNA ou quando células íntegras são expostas à radiação e, posteriormente, o DNA é extraídoe analisado. Muitos destes efeitos são consequências de alterações estruturais nas bases nitrogenadas e eles também se correlacionam entre si; assim, o rompimento de algumas pontes de hidrogênio pode ocorrer em regiões nas quais a cadeia nucleotídica tenha sofrido roturas e as ligações cruzadas entre as moléculas de DNA se processam. Quebras de pontes de hidrogênio As primeiras evidências experimentais sobre roturas de pontes de hidrogênio no DNA induzidas pelas radiações ionizantes foram obtidas em medidas titrimétricas da quantidade de ácido necessária para desnaturar uma preparação de DNA. Informações mais precisas podem ser obtidas pela determinação da absorbância, em 260 nm, de uma preparação irradiada; é sabido que a absorbância do DNA, em hélice dupla é cerca de 30% inferior ao que seria previsto pela sua composição química, o que constitui o efeito hipercrômico. Logo, quando ocorrem rompimentos de pontes de hidrogênio, o coeficiente molar de extinção deve aumentar, embora, em muitos casos, este acréscimo pode ser "mascarado" pela radiólise das bases, fenômeno que leva à destruição de seus cromóforos. Estes dois processos antagônicos podem ser diferenciados por meio de medidas da absorbância em meio ácido e em meio neutro, como mostrado na Figura III.5; para tal, preparações de DNA são expostas a diferentes doses de radiação e, em seguida, medida a absorbância, em pH 2,5 e em pH 7. Pode-se constatar que, em condições ácidas, ocorre desnaturação de DNA e, consequentemente, hipercromicidade imediata; à medida que aumenta a dose aplicada, a absorbância diminui, em consequência da radiólise das bases. Em pH neutro, inicialmente a absorbância aumenta, por ocorrerem roturas de pontes de hidrogênio, para, a partir de um determinado valor, começar a decrescer, pois a radiólise das bases se torna mais importante que a quebra das pontes de hidrogênio. A quebra das pontes de hidrogênio do DNA pela radiação também pode ser avaliada por meio das chamadas curvas de fusão; quando uma preparação de DNA nativo é aquecida observa-se, a partir de uma determinada temperatura, dependente da composição do DNA, aumento da absorbância, que se eleva progressivamente, até atingir um valor máximo, a partir do qual fica estacionária. A temperatura que corresponde a um acréscimo da absorbância equivalente a 50% do valor máximo caracteriza a temperatura de fusão do DNA. A temperatura de fusão de uma preparação de DNA irradiado é inferior à do DNA não irradiado, como mostrado na Figura III.6. III-5 Figura III.5 - Variações radioinduzidas da absorbância de uma preparação de DNA, medida em pH 2,5 ou em pH 7. Figura III.6 - Curvas de fusão para DNA irradiado e não irradiado. Rotura de hélices A radiação pode produzir a quebra de uma das cadeias do DNA (rotura simples), ou das duas (rotura dupla), na qual ocorrem quebras em pontos diametralmente opostos, como mostrado na Figura III.7. É importante lembrar que uma molécula com uma rotura simples mantém sua estrutura em dupla hélice, graças à preservação das pontes de hidrogênio; já a rotura dupla leva à fragmentação da molécula em dois pedaços. A ultracentrifugação em gradientes é um dos métodos que permite analisar, inclusive quantitativamente, a formação de roturas no DNA. Para tal, são utilizados gradientes de sacarose, formados fazendo variar a quantidade de sacarose no tubo de centrifugação, de forma que ela seja máxima no fundo e mínima no topo, como mostrado na Figura III.8. Logo após a formação do gradiente, uma alíquota da preparação do DNA, previamente marcado com um precursor radioativo ( 14 C ou 3 H-timina ou timidina), é colocada na superfície do gradiente e a ultracentrifugação realizada por determinado tempo. Ao final, o fundo do tubo é perfurado e são coletadas frações, cada uma correspondendo a certo número de gotas (ou a certo volume). A análise de cada fração, por meio da medida de sua radioatividade, permite saber como o DNA se distribui no tubo, ou seja, permite verificar III-6 a existência de roturas, visto que fragmentos de moléculas aparecem em frações mais afastadas do fundo do tubo que as moléculas íntegras. Figura III.7 - Tipos de roturas do DNA. Figura III.8 - Representação esquemática da preparação de um gradiente para ultracentrifugação e da análise das frações após a sedimentação. Assim, a ultracentrifugação realizada em gradientes de sacarose, em pH neutro, permite detectar a formação de roturas duplas no DNA; para a determinação do número de quebras produzidas, basta comparar a massa molecular do DNA extraído de células irradiadas com o obtido de células não irradiadas, submetido à centrifugação nas mesmas condições. A análise de um gradiente de ultracentrifugação é bastante simples, existindo programas de computador, capazes de fornecer o número de quebras produzidas. Os perfís de sedimentação, em gradientes neutros de sacarose, do DNA extraído de células expostas à radiação e do DNA de células não irradiadas, podem ser vistos na Figura III.9. A determinação do número de roturas simples pode ser feita após o rompimento de todas as pontes de hidrogênio do DNA. Mas é importante observar que, nestas condições, é determinado o número total de roturas (soma das quebras simples e duplas) e não o de quebras simples isoladamente, este podendo ser obtido após subtração das quebras duplas, calculadas como descrito anteriormente e lembrando que uma rotura dupla dá origem a duas quebras simples. Uma das formas de romper todas as pontes de hidrogênio consiste na utilização de gradientes alcalinos de sacarose (pH próximo de 13), com metodologia análoga à que foi vista para os gradientes neutros. Mas este procedimento pode conduzir a erros, pois, como já foi referido, alguns tipos de radioprodutos podem acarretar fragilidade da cadeia polinucleotídica, de tal forma que esta se rompe quando tratada com álcalis; os sítios AP constituem um exemplo de zonas alcali-lábeis. Os perfís de III-7 sedimentação, em gradientes alcalinos de sacarose, do DNA obtido de células irradiadas ou não podem ser vistos na Figura III.10. Figura III.9 - Representação esquemática dos perfís de sedimentação, em gradientes neutros de sacarose, de DNA obtido de células irradiadas ou não. O artefato experimental gerado pelos sítios álcali-sensíveis pode ser eliminado pela adoção de outros métodos que conduzam ao rompimento das pontes de hidrogênio; este é o caso dos gradientes de formamida, para a preparação dos quais esta substância é acrescentada ao tampão no qual a sacarose é dissolvida, em pH neutro, o que permite o rompimento das pontes de hidrogênio. Figura III.10 - Representação esquemática dos perfís de sedimentação em gradientes alcalinos de sacarose, de DNA obtido de células irradiadas ou não. Roturas de cadeia polinucleotídica podem igualmente ser determinadas por meio de algumas técnicas cromatográficas, como a realizada em hidroxiapatita, ou pela eletroforese em gel de agarose, na qual a mobilidade de fragmentos de moléculas de DNA é maior que a das moléculas íntegras. Entretanto, a determinação do número de lesões, neste caso é muito difícil. A aplicação destas técnicas a células irradiadas (ou vírus) permite verificar que as roturas simples são bem mais frequentes que as duplas (cerca de 10 ou 20 vezes para radiações X ou ), mas, as primeiras podem ser reparadas por mecanismos enzimáticos intracelulares, enquanto as segundas só o são eventualmente. É claro que a frequência de ocorrência das roturas duplas deve depender danatureza da radiação utilizada; assim, radiações de elevada TLE, tais como as partículas , produzindo III-8 interações mais próximas, têm maior probabilidade de promover quebras nas duas hélices do DNA que radiações X ou .
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