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CAPÍTULO VII MECANISMOS CELULARES DE REPARAÇÃO A PRESERVAÇÃO DA INFORMAÇÃO GENÉTICA O papel biológico desempenhado pelas moléculas de DNA exige que elas possuam duas propriedades fundamentais: autorreplicação e preservação da informação genética. Para que o conteúdo informacional do DNA seja preservado e corretamente transmitido, de geração em geração, é indispensável que haja fidelidade na replicação semiconservativa e que existam mecanismos capazes de reparar modificações estruturais produzidas no material genético por agentes físicos ou químicos do meio ambiente. Erros na replicação semiconservativa podem ocorrer espontaneamente, mas, ao final da replicação, são bastante raros (1 em 109-1011 bases incorporadas) dada a existência de mecanismos capazes de impedí-los ou corrigí-los. Durante a formação das novas cadeias polinucleotídicas, além das diferenças de afinidade das bases nitrogenadas [formação preferencial de pares entre adenina e timina (A:T) ou entre citosina e guanina (C:G)] (Figura VII-1), a atuação seletiva da DNA polimerase e sua capacidade exonucleolítica (“editorial”) que, agindo no sentido 3’→5’, elimina nucleotídeos incorretamente inseridos, evita grande parte dos erros de emparelhamento. Em E. coli, a DNA polimerase III (Pol III), responsável pela replicação semiconservativa é uma enzima constituída de 10 proteínas (subunidades) diferentes e cada célula contém de 10 a 20 moléculas, que polimerizam de 500 a 1.000 nucleotídeos por segundo. Esta polimerase erra 1 em 104-105 bases incorporadas. A atividade de “revisão editorial” (exonuclease 3'→5') encontra-se na subunidade epsilon (ε), codificada pelo gene dnaQ (mutD) (Figura VII-2) e após sua ação (Figura VII-3) o número de bases erradas passa para cerca de 1 em 107 bases incorporadas. (a) Emparelhamento correto (b) Emparelhamento incorreto 1 em 104 bases Figura VII-1 – Emparelhamento correto e incorreto das bases nitrogenadas do DNA VII-2 Figura VII-2 - Estruturas da DNA polimerase durante a polimerização e da editoração P = Polimerização; E = Editoração (exonucleolítica) E = subunidade εεεε = Exo 3’ → 5’ ( mutD = dnaQ) POLIMERIZAÇÃO EDITORAÇÃO Adaptado de: Fita molde DNA neossintetizado Figura VII-3 - Correção de erros de emparelhamento pela subunidade ε da DNA polimerase Incorporação de G no lugar de A A subunidade ε excisa G através da atividade 3’→ 5’ exonuclease A síntese prossegue com a incorporação correta de A Em células humanas a polimerização é mais lenta (em torno de 50 nucleotídeos por segundo) e o complexo de replicação é composto pelas DNA polimerases alfa (Polαααα), delta (Polδδδδ) e épsilon (Polεεεε), sendo que a atividade de “revisão editorial” encontra-se nas duas últimas. Os erros das DNA polimerases humanas são semelhantes aos de E. coli e, considerando o tamanho do genoma humano (cerca de 3x109 pares de nucleotídeos), um erro em 107 pode gerar milhares de erros de emparelhamento durante a duplicação do DNA. Além dos erros normais das polimerases outros ocorrem por incorporação de nucleotídeos lesados [8- oxo-GTP (GO) pode parear com adenina] ou por nucleotídeos normais em oposição a bases lesadas [timina pode parear com O6-metilguanina (O6MeG)]. Em sequências repetitivas ocorre deslizamento das polimerases e aparecimento de deleções e inserções. Finalmente as células bacterianas assim como as eucarióticas possuem polimerases especializadas nas quais a fidelidade de replicação é baixa e, portanto, cometem muitos erros. As representantes destas polimerases em E. coli são as DNA polimerases II, IV e V e em eucariotos estão incluídas as polimerases da VII-3 família X [polimerases beta (β) e lambda (λ)] e as da família Y [polimerases eta (η), iota (ι) e kappa (κ)]. Estas polimerases não têm a “função editorial” e erram muito (1 em 104 para as da família X e 1 em 10 para as da Y). Correção de erros de emparelhamento em longos fragmentos (Mismatch Repair – MMR) Após a replicação, os erros que escaparam da “edição” das DNA polimerases necessitan ser corrigidos por meio de enzimas capazes de remover bases nitrogenadas incorretamente incorporadas à cadeia ou de degradar segmentos nos quais tenham ocorrido erros, ou ainda, eliminar bases alteradas ou lesadas; para tal, é indispensável a distinção entre as hélices neossintetizadas e as preexistentes, o que depende dos diferentes graus de metilação existentes entre elas. Em E. coli, na hélice neossintetizada a adenina das milhares de sequências 5’GATC3’ não está metilada. Na hélice parental a adenina está metilada na posição N6 (N6MeA) pela DNA-adenina metilase (32 kDa), produto do gene dam. Quando persistem erros de emparelhamento, após a replicação, algumas enzimas entram em ação; as proteínas MutS e MutL reconhecem os erros de emparelhamento e a proteína MutH corta o DNA no sitio 5’ de G de uma das sequências 5’GATC3’ não metiladas adjacentes. Posteriormente a DNA helicase II, produto do gene uvrD (mutU, recL, uvrE), em conjunto com proteínas que se ligam à hélice simples (SSB) abrem o fragmento e as exonucleases digerem o DNA. A PolIII sintetiza de novo, conforme mostrado na Figura VII-4. Figura VII-4 – Correção de erros de emparelhamento em grandes fragmentos (MMR) E. coli Embora a eficiência do reparo de alguns erros dependa da sequência, em E. coli o único erro para o qual a correção é muito difícil é o par C:C, e o par mais facilmente corrigido é o G:T. Além dos erros de emparelhamento o sistema também repara deleções ou inserções de até quatro nucleotídeos, originadas pelo deslizamento da DNA polimerase, normalmente em sequências repetitivas. A reparação é iniciada pela ligação do homodímero de MutS (95 kDa) ao erro, seguida da ligação de MutL (68 kDa), também na forma de homodímero, dependente da hidrólise de ATP. A ligação deste complexo, principalmente MutL, leva à ativação de uma endonuclease GATC latente, associada à proteína MutH (25 kDa), a qual incisa a ligação 5’ da guanina na sequência GATC não metilada. O sítio GATC pode dirigir a correção de um erro distante de até 1 kb, mas o sinal é muito reduzido quando a distância ultrapassa 2 kb. A combinação MutSLH parece “sentir” a presença do erro e da não-metilação, acreditando-se que para isto se forme uma estrutura alfa (α), que talvez seja a ativadora de MutH. A reação é estritamente exonucleolítica, iniciando-se no corte em GATC e prosseguindo através do erro até cerca de 100 bases após. A função exonucleolítica é bidirecional; no sentido 5’→3’ é feita pela exonuclease RecJ ou pela exonuclease VII (produto do gene xseA) e no sentido 3’→5’ é feita pela exonuclease I (produto do gene sbcB), pela exonuclease VII ou pela exonuclease X. Como essas exonucleases só agem em hélice simples é necessário que a helicase II (produto do gene uvrD), seja utilizada para desenrolar o DNA e permitir a entrada das exonucleases. VII-4 A última etapa é o preenchimento da lacuna, especificamente pela PolIII, uma vez que outras polimerases não são capazes de substituí-la, sugerindo uma ligação entre o sistema de reparação e o de replicação do DNA. A DNA ligase termina o reparo, unindo o DNA neossintetizado ao preexistente. Cepas bacterianas contendo mutações no gene dam que produzam a enzima em quantidades maiores que o normal ou não a produzam são hipermutáveis, uma vez que, neste caso, a diferenciação entre as hélices pela proteína MutH é dificultada. A correção depende da modificação da adenina na sequência GATC. O DNA sem modificação é reparado, mas não especifica a hélice o que pode acarretar mutagênese ou quebras duplas pela ação de MutH. O DNA modificado nas duas hélices não é reparado pelo MMR. A incisão por MutH ocorre a 3’ ou 5’ do erro e a quebra simples serve de sinal para dirigir a excisão posterior. Assim, uma quebra previamente existente, não necessariamente no GATC, pode contribuir para o processo, independente de MutH e GATC,já que o complexo MutSL é suficiente para ativar a excisão. MutSL ativam a ação da DNA helicase II na quebra e há preferência da excisão na direção do erro, coordenada também por MutSL. A porção da hélice incisada é destacada pela helicase e hidrolisada pelas exonucleases. O complexo γ da DNA polimerase III, que funciona como um carreador coloca o “β-clamp” na hélice. O β-clamp funciona como um fator de processividade da DNA polimerase III, mas também interage fisicamente com MutS. O mesmo ocorre com o homólogo eucariotico do β-clamp, o PCNA (Proliferating Cell Nuclear Antigen) e o fator de replicação C (RFC- homólogo do comprexo γ), que têm importantes papéis na regulação da excisão no MMR humano. A inativação do MMR eleva a mutagênese espontânea entre 50 e 1000 vezes além de permitir a recombinação ilegitima entre sequências quase homólogas. Os mutantes deficientes em Dam também são hipersensíveis à morte pelo agente alquilante N-metil-N’- nitro-N-nitrosoguanidina (MNNG). Entretanto, os mutantes duplos dam mutL e dam mutS não são mais sensíveis que a cepa selvagem, o que implica MutS e MutL no aumento de morte associada à deficiência de metilação. Por outro lado, a mutagênese é semelhante nas cepas selvagens e nos mutantes dam e dam mutL, mostrando a separação entre efeitos letais e mutagênicos. Estas observações conduziram à sugestão de que as lesões O6MeG produzidas por MNNG podem provocar a resposta do reparo por erros de emparelhamento, devido à formação dos pares O6MeG:T e O6MeG:C. Como o sistema só repara erros na hélice filha, ele não repara a base metilada na hélice mãe (lesão), já que, neste caso, seria um reparo abortivo que poderia resultar em letalidade, devido à síntese inútil do DNA. Em células humanas, diversos genes codificam para proteínas semelhantes à MutS e MutL e a sua não funcionalidade está relacionada ao aparecimento de alguns cânceres esporádicos e a praticamente 100% dos cânceres de cólon hereditários HNPCC (Hereditary Non Polyposis Colorectal Cancer) (Figuras VII-5 e VII-6). Câncer de Cólon DEFICIÊNCIA EM MMR HNPCC – SINDROME DE LYNCH Figura VII-5 - Exemplo da câncer de cólon VII-5 HNPCC Figura VII-6 – Exemplos de câncer de cólon Aparentemente, em células humanas a correção de erros de emparelhamento funciona de maneira semelhante ao descrito para E. coli. Em extratos de células humanas já foi verificado que a correção é realizada de maneira similar e, aparentemente, também ocorre a excisão bidirecional. Os principais alvos do MMR humano são erros de emparelhamento, tais como: G:T, G:G, A:C e C:C, entretanto, as proteínas do MMR também se ligam a lesões, tais como: O6MeG, ligada a C ou T, ligações cruzadas GpG de cisplatina, fotoprodutos da radiação UVC, etc. Em células humanas foram identificados genes que participam na correção dos erros de emparelhamento: MSH2 (MSH = MutS Homolog), MSH3 e MSH6 que codificam proteínas homólogas à MutS bacteriana e MLH1(MLH = MutL Homolog), MLH3, e PMS2 (PMS=Post-Meiotic Segregation), que especificam diferentes homólogos da MutL bacteriana. As proteínas MSH2 e MSH6 [GTBP (G:T Binding Protein) ou p160] formam um heterodímero que é ativo na correção de erros de emparelhamento e foi designado MutSαααα. MSH2 também forma complexo com MSH3 gerando MutSββββ. Dependendo do par, os heterodímeros reconhecem diferentes substratos. MutSαααα reconhece erros de emparelhamento de bases e pequenas deleções/inserções enquanto MutSββββ somente reconhece deleções/inserções preferencialmente grandes e, para uma ligação eficiente de MutSαααα ao erro há necessidade de fosforilação. A proteína MLH1 também forma heterodímeros com PMS2, PMS1 e MLH3 para formar MutLαααα, MutLββββ e MutLγ. Enquanto MutLαααα contribui com MutSαααα/ββββ para o MMR, MutLγ parece participar no reparo de inserções/deleções e processos associados com a recombinação meiótica. A função de MutLββββ ainda não está esclarecida (Figura VII-7). Em células humanas o reconhecimento dos erros depende de MutSαααα e MutLαααα e a especificidade da correção é similar à de bactérias. Aparentemente PCNA, conduzido por RFC, liga-se a MutSαααα e MutSββββ e conduz o complexo para o erro. Quando o erro é encontrado PCNA libera-se do complexo. Algumas evidências indicam que MutSαααα é direcionada à forquilha de replicação para se ligar a PCNA localizada no DNA replicado e então transferida de PCNA para o DNA após encontrar o erro. O sistema corrige tanto troca de bases como pequenas deleções e inserções de até quatro nucleotídeos. A reação é dependente de ATP e é acompanhada por síntese de reparo partindo da incisão e atravessando o erro (Figura VII-8). Uma simples incisão em até 1 kb de distância do erro pode dirigir o reparo, entretanto, a eficiência vai diminuindo com a distância entre 100 e 1000 bases e independe do corte em 3’ou em 5’. Assim como em E. coli, a excisão parece ser bidirecional e as lacunas geradas começam na incisão e vão até 90 a 170 nucleotídeos após o erro. Como a excisão é igual para erros de emparelhamento ou inserção de 2 nucleotídeos acredita-se que o mecanismo seja o mesmo. A sinalização para distinguir a hélice filha não está clara em mamíferos. Verificou-se que não é metilação em sequências específicas como em E. coli. O sinal parece ser a permanência de proteínas associadas à hélice mãe durante a replicação ou a presença de quebras simples na hélice filha que VII-6 ocorrem durante a replicação ou ainda o PCNA que ao parar na forquilha funcionaria como um sinal de hélice. Figura VII-7 – MMR em humanos ERRO hMUTSα ENCONTRA O ERRO ENCONTRA A POLIMERASE E PÁRA A SÍNTESE EXO I DEGRADA O DNA POLIMERIZAÇÃO Figura VII-8 – Esquema da correção de erros de emparelhamento (MMR) em humanos A exonuclease I humana é, possivelmente, a responsável pela digestão (5’→→→→ 3’) da fita contendo o erro. Não se conhece a exonuclease responsável pela digestão da fita na direção 3’→→→→ 5’, embora haja sugestões de que as funções editoriais das Polδδδδ e Polεεεε seriam as responsáveis por esta digestão. Além disto, nenhuma helicase foi ainda detectada para este sistema em células humanas. Aparentemente a EXO1 é a única diretamente implicada no MMR, sendo também a única que interage com MutSα e MutLα de eucariotos. A quantidade de DNA degradado pelo complexo MutSα-EXO1 é controlada pela proteína de replicação A (RPA), que se liga e protege o DNA em hélica simples que é gerado pela exonuclease. Isto acarreta a hidrólise de aproximadamente 250 nucleotídeos por vez, o que resulta em muitos ciclos de degradação até que não haja mais erros presentes. Recentemente foi detectado que MutLα possui uma atividade exonuclease latente localizada na subunidade PMS2 e que é ativada por MutSα, PCNA e RFC dependendo de ATP. Esta atividade introduz quebras simples na hélice descontínua, independente de onde se encontre a descontinuidade. VII-7 Portanto, MutLα consegue gerar pontos para a hidrólise 5’→→→→ 3’, mesmo que a descontinuidade esteja a 3’ do erro. Após a excisão nucleolítica do erro a síntese de reparação é feita pela DNA polimerase δδδδ junto com PCNA. A etapa final é a ligação pela DNA ligase I. O tratamento de células com agentes alquilantes tais como MNNG conduz à translocação de MSH2 e MSH6 para o núcleo, conduzindo ao aumento da atividade de ligação de MutSαααα aos erros de emparelhamento, entretanto, ainda não se mostrou inequivocamente a indução do MMR, tanto em bactérias como em eucariotos. A primeira evidência da existência deste mecanismo em células humanas veio de estudos com uma cultura celular hipermutável, que era deficiente na correção dos erros. Esta cultura foi isolada in vitro pela sua capacidade de sobreviver em presença de lesões no DNA, pela exposição a agentes alquilantes, que normalmente matariam as células. A partir destes experimentos a seleção, in vitro, para resistência a MNNG ou metil nitroso uréia (MNU) conduziuà identificação de diversas linhagens celulares de mamíferos tolerantes a metilação. Tanto em bactérias como em células humanas a resistência adquirida contra o efeito letal de agentes metilantes, a qual não pode ser atribuída ao aumento do reparo das lesões, é definida como tolerância a metilação. A linhagem melhor caracterizada é a MT1 (MT = Methylation Tolerance), derivada de células humanas linfoblastóides TK6, após uma única etapa de seleção para resistência a MNNG. Esta linhagem, embora seja centenas de vezes mais resistente a MNNG que a parental, em alguns casos é mais sensível à mutagênese do MNNG. Portanto MT1 tolera adutos citotóxicos. Células MT1 também exibem um defeito de pontos de checagem (PC) do ciclo celular após tratamento com MNNG e são hipermutáveis em ausência de MNNG. A mutagênese espontânea é elevada 60 vezes nas células MT1, sendo em sua maior parte do tipo transversões, transições A→G e inserções ou deleções de um nucleotídeo. Baseado nos fenótipos de MT1 e de bactérias deficientes no reparo de erros de emparelhamento foi sugerido que os defeitos de reparo podem conferir tolerância a agentes alquilantes em células de mamíferos, assim como ocorre em bactérias. Células MT1 são deficientes em atividade MutSαααα e têm mutações em ambos os alelos do gene que codifica a subunidade MSH6. MT1 exibe um defeito de checagem no estágio G2 do ciclo celular. Observações similares foram feitas em células de camundongos com o gene MSH2 nocauteado. Correção de erros de emparelhamento em pequenos fragmentos (VSP = Very Short Patch) Outras sequências metiladas existem no DNA, tais como a (CC(A/T)GG), metilada pela DNA-citosina metilase (Dcm), na segunda citosina, na posição C5. Esta metilação em E. coli protege o DNA contra enzimas de restrição enquanto em células de mamíferos ela suprime a transcrição, acarretando o bloqueio de alguns genes. Em condições de baixa de 5-metil citosina (C5MeC) há um aumento da formação de tumores, sugerindo a localização destas sequências possivelmente em promotores de oncogenes. A desaminação da C5MeC acarreta a formação do par T:G. O sistema VSP corrige eficientemente T nos erros T:G que ocorrem naquelas sequências. Os sítios de reconhecimento de Dcm são pontos hipermutáveis devido à desaminação espontânea da C5MeC do par G: C5MeC, um evento que conduz ao par T:G. O sistema VSP utiliza dois genes de reparação de erros de emparelhamento, mutS e mutL mas não os genes mutH e uvrD. Adicionalmente, são necessários os produtos dos genes vsr e polA. O gene vsr está localizado antes do dcm e fazendo parte da mesma unidade transcricional. Em heteroduplexes nas quais as sequências GATC estão metiladas, representando DNA replicado, o sistema VSP entra em ação (Figura VII-9). quando o DNA está em replicação e a hélice filha não está metilada, age o sistema MutSLH. O produto do gene vsr é uma proteína de 18 kDa constituindo uma endonuclease de correção de erros hélice-específica. Ela reconhece o par T:G no contexto CT(A/T)GG e NT(A/T)GG e faz incisões do lado 5’da timina produzindo terminais 5’PO4 e 3’OH. Aparentemente a PolI (que é requerida para o VSP) remove a timina com sua atividade exonucleolítica 5’→3’ e faz a síntese de reparo de pequenos fragmentos (entre 10 e 20 nucleotídeos) como é sua característica. MutS e MutL provavelmente agem estimulando ou regulando a endonuclease Vsr, já que em células contendo plasmídeos multicópia com o gene vsr, MutS e MutL são dispensáveis no reparo VSP. Além disto, a proteína MutL interage fisica e funcionalmente in vitro com a Vsr, assim como com MutS. VII-8 ATP DNA pol I (5’→→→→ 3’ EXONUCLEASE) 5-METIL CITOSINADESAMINAÇÃO DA DNA CITOSINA METILASE CTAGG GGTCC CH3 GATC CTAG CH3 CH3 5’ 5’ 3’ 3’ GATC CTAG CH3 CH3 5’ 5’ 3’ 3’ GATC CTAG CH3 CH3 T G GATC CTAG CH3 CH3 MutS MutS MutL MutL Vsr GATC GGTCC CTAG CH3 CH3 CH3 5’ 3’ 5’ 3’ GATC CTAG CH3 CH3 GATC CTAG CH3 CCAGG GGTCC CH3 CH3 CH3 5’ 3’ 5’ 3’ GATC CTAG CH3 CH3 GATC CTAG CH3 CCAGG GGTCC CH3 CH3 CH3 5’ 5’3’ 3’GATC CTAG CH3 CH3 Figura VII-9 – Esquema do mecanismo de correção de erros de emparelhamento em pequenos fragmentos (Very Short Patch Repair) em E. coli Uma vez terminado o reparo, a proteína Dcm metila novamente a citosina. Neste caso, o reparo pode ser considerado como uma reparação por excisão de nucleotídeos dirigida por MutS e MutL. Em células humanas, a reparação de G:T para G:C foi demonstrada em extratos nucleares de células HeLa (HeLa – Henrietta Lacks – Câncer cervical que a matou em 1951). A análise dos intermediários da reação indica que o reparo envolve a troca de um simples nucleotídeo e, a DNA Polββββ, é a responsável pelo fechamento da lacuna. Atividades enzimáticas capazes de incisar as ligações fosfodiéster imediatamente a 5’e 3’da timina errada foram identificadas em extratos de células humanas. Uma vez que a timina é liberada como uma base livre, foi sugerido que uma Timina-DNA Glicosilase (TDG) gere um sítio intermediário abásico, que serve de substrato para as incisões. A enzima (55 kDa) foi isolada de células HeLa e é uma timina-DNA glicosilase específica para erros, que é capaz de remover T do par G:T, sem atividade AP liase ou AP endonuclease associada. Em verdade a enzima reconhece o T pareado com G e não com A, uma verdadeira interação com a base oposta ao erro. O par G:T é originado da desaminação de C5MeC nas sequências CpG. Esta enzima também pode remover U dos pares G:U que podem surgir de desaminações de citosina em regiões ricas em G:C. Neste caso este erro poderia ser corrigido pelo sistema de reparação de bases, o que também ocorre quando o uracil entra erradamente na molécula de DNA. Após a retirada da timina a TDG permanece no local impedindo a ação da AP endonuclease APE1. TDG então é sumolada, o complexo se desfaz e assim o sitio AP serve de substrato para a AP-Endonuclease I (APE1). Após a ação de APE1 o processo ocorre como um reparo por excisão de bases (ver adiante). No par G:T, também pode atuar a proteína MBD4 (Methyl Binding Domain), que compete com a TDG. TDG é degradada por sumo, mas MBD4 permanece, porém inativa (Figura VII-10). Correção de erros por MutY (metil independente) O erro G:A ocorre muito frequentemente durante a polimerização, entretanto, na ausência de MutSLH o número de mutantes com este erro não é muito elevado, devido à existência de outros sistemas; assim, a proteína MutY retira A do par G:A e também participa da reparação da lesão oxidativa 8-oxoguanina (8-oxoG = GO), em conjunto com as proteínas MutT e MutM como será visto adiante. Este sistema libera pequenos fragmentos e é independente de MutSLH, hidrólise de ATP ou metilação. Os erros G:A são corrigidos para G:C. O reparo requer a função do gene mutY (micA) e da PolI, a qual libera e, em seguida, incorpora entre 10 e 20 nucleotídeos. A proteína MutY funciona como uma DNA glicosilase com uma atividade 3’AP liase associada, removendo especificamente A dos pares errados G:A e C:A com uma eficiência 20 vezes maior para o par G:A. VII-9 MMR EM PEQUENOS FRAGMENTOS (HUMANOS) Figura VII-10 – Mecanismo de correção de erros de emparelhamento em pequenos fragmentos Em células humanas, recentemente foi purificada uma enzima, que cliva especificamente erros A:G e A:C. A MYH interage com PCNA e é dirigida à forquilha com o erro na hélice neossintetizada, evitando que o G ou C seja retirado e cause a mutagênese. Ela faz simultaneamente incisões na primeira ligação fosfodiéster 3’ e 5’ do erro no lado com A e não no lado com G, uma ação muito similar à da proteína MutY de E. coli. Erros de emparelhamento e recombinação genética Normalmente, a frequência de recombinação genética entre E. coli vs S. typhimurium (recombinação homeóloga) é da ordem de 10-6 para um dado caráter (ex., xyl ou met), comparada com a recombinação entre E. coli vs E.coli (recombinação homóloga), que é de 10-1. Em mutantes mutSLH a frequência aumenta cerca de 1.000 vezes quando a divergência de nucleotídeos é de cerca de 20% (E. coli vs S. typhimurium), sendo os mutantes mutS e mutL os mais eficazes em deixar a recombinação ocorrer. A indução do sistema SOS estimula a recombinação homeóloga através da superprodução da proteína RecA. Já que a proteína RecA é capaz de deixar mais de 30% de erros de emparelhamento na recombinação, o efeito cumulativo de deficiência de correção de erros de emparelhamento e indução do sistema SOS leva a taxa de recombinação homeóloga a aproximar-se da homóloga. Trocas entre sequências divergentes em somente 3% são dramaticamente inibidas por MutS, um efeito que pode ser significativamente aumentado por MutL. Como estas proteínas não interferem na recombinação homóloga o maior efeito é bloquear a migração dos cruzamentos das hélices de DNA durante as trocas homeólogas, não deixando a recombinação ocorrer, formando uma verdadeira barreira entre as espécies. Barreiras genéticas entre bactérias Embora a transferência de material durante a conjugação seja altamente eficiente, a frequência de recombinação entre E. coli vs S. typhimurium é muito baixa, aproximadamente 105 vezes menor que entre as mesmas espécies. Durante a conjugação Hfr x F- (Figura VII-11) o DNA entra na célula receptora como uma hélice simples com a fita líder 5’. Na célula F- a fita complementar é sintetizada, gerando a dupla hélice. As pontas da dupla hélice são substrato para a enzima RecBCD, que com sua ação helicase e exonuclease digere a dupla hélice até encontrar uma sequência chi (χ) (5’GCTGGTGG3’). A sequência χ altera a enzima baixando a afinidade de RecD com o heterodímero RecBC. Com a perda de RecD o complexo RecBC fica deficiente em exonuclease, mas proficiente em helicase, produzindo hélices simples de DNA. A proteína RecA forma um polímero na hélice simples e catalisa a VII-10 procura por sequências idênticas no DNA em hélice dupla. A troca de hélices mediada por RecA requer um mínimo de identidade para processamento. Ponte de protoplasma Figura VII-11 – Conjugação bacteriana Durante a conjugação interespécies o número de segmentos com o mínimo de identidade é limitado pelo grau de divergência entre os DNAs dos conjugantes, diminuindo a velocidade da recombinação mediada por RecA. Consequentemente, o complexo entre RecA e DNA em hélice simples permanece mais tempo no cruzamento interespécies que no cruzamento intraespécies, resultando na ativação da função coproteásica de RecA e desrepressão do regulon SOS. Como resultado aumenta a quantidade das proteínas RecA e RuvAB o que estimula a recombinação entre as espécies. Assim, o SOS age como um regulador positivo indutível da recombinação interespécies. Entretanto, a indução do sistema SOS não afeta a atividade de correção de erros de emparelhamento em grandes fragmentos (MMR), que é um poderoso inibidor da recombinação entre sequências divergentes e, a ligação das proteínas MutS e MutL bloqueia a troca de hélices promovida por RecA, reduzindo a frequência de recombinação interespécies (Figura VII-12). DNA doador DNA idêntico 10-1 recombinantes DNA divergente Indução do SOS 10-6 recombinantes 10-3 recombinantes Alta expressão de recA e ruvAB MutSL+ MutSL — χχχχ = (5’GCTGGTGG3’) RuvABC Figura VII-12 – Esquema do modelo proposto para a manutenção da barreira genética entre bactérias (papel das proteínas MutS e MutL) VII-11 Reparação de deleções e inserções As repetições de dinucleotídeos e trinucleotídeos que ocorrem frequentemente no DNA de eucariotos e mais raramente em procariotos, representam um problema potencial durante a replicação, provocando deslizamento entre as hélices e conduzindo a deleções e inserções. A frequência de deleções e inserções num fragmento de dinucleotídeos repetitivos (AC)20 é aumentada cerca de 10 vezes em cepas de E. coli mutL e mutS, o que não ocorre em mutantes recA. Este fato correlaciona-se com a detecção de instabilidade em repetições de dinucleotídeos em células humanas deficientes no reparo de erros de emparelhamento. Por outro lado, repetições de trinucleotídeos (CTG)180 são mais estáveis nos mutantes mutH, mutL ou mutS, sugerindo a participação do sistema MMR na promoção das deleções e inserções. Entretanto, a estabilidade das repetições de trinucleotideos (CGG)80 não é afetada pela reparação de erros de emparelhamento em E. coli. Em células humanas ainda não foi reportada instabilidade de repetições de trinucleotídeos em células mutantes, deficientes na reparação de erros de emparelhamento. A instabilidade de micro-satélites é um biomarcador para a perda de MMR em células tumorais já que o MMR é o maior guardião contra a instabilidade de micro-satélites. Estes micro-satélites são replicados inacuradamente, levando a frequentes deslizamentos da DNA polimerase e ineficienmte correção. A perda do MMR diminui apoptose, aumenta a sobrevivência celular e resulta em resistência a quimioterapia, portanto, a falha de MMR contribui para o crescimento seletivo destas células durante a carcinogênese, explicando parcialmente o aumento da suscetibilidade a cânceres tecido específicos associados a defeitos em genes MMR. A atuação conjugada dos processos acima descritos faz com que a probabilidade de ocorrência e (ou) persistência de um erro de emparelhamento seja bastante reduzida, da ordem de grandeza de l0-10, ou seja, de um nucleotídeo indevidamente inserido para cada 1010 nucleotídeos. Na polimerização normal os erros são da ordem de 10-4; após a “revisão editorial” passam para 10-7 e após a ação das proteínas Mut são da ordem de 10- 10 . Uma base nitrogenada incorporada erroneamente acarreta alteração do conteúdo informacional, transmissível às gerações subsequentes, constituindo a mutagênese direta. REPARAÇÃO DE LESÕES (ASPECTOS GERAIS) Agentes químicos também podem provocar erros de emparelhamento, causando modificações estruturais nas bases nitrogenadas e alterando sua capacidade de formação correta de pares. Isto ocorre, por exemplo, após tratamento com certos agentes alquilantes, como MNNG, capaz de inserir, por exemplo, grupamentos metil no O6 da guanina, de forma que esta passa a se emparelhar com a timina, e não mais com a citosina. Diversos agentes físicos ou químicos do meio ambiente promovem modificações estruturais na molécula de DNA, englobadas sob a designação genérica de lesões, cuja persistência representa um obstáculo à manutenção dos processos bioquímicos intracelulares. Assim, é fácil entender a importância dos mecanismos enzimáticos que atuam restaurando a integridade do genoma ou criando vias que permitam à célula “tolerar” as lesões, isto é, manter suas funções mesmo sem a eliminação dos danos provocados no DNA. A não funcionalidade dos mecanismos de reparação conduz à inativação celular após o tratamento com o agente físico ou químico ou, eventualmente, à modificação do patrimônio genético, isto é, ao surgimento de mutações. Mas nem sempre os mecanismos de reparação atuam corretamente, em alguns casos eles podem promover o desaparecimento da lesão, com alteração do conteúdo informacional, o que caracteriza a mutagênese indireta. Estas diferentes possibilidades encontram-se esquematicamente representadas na Figura VII-13. Os mecanismos de reparação do DNA são, em geral, dependentes dos produtos de diversos genes e se caracterizam por possuírem várias etapas, possibilitando vias alternativas, muitas vezes coexistentes e competitivas. REVERSÃO DIRETA DAS LESÕES Alguns tipos de lesões podem ser revertidos diretamente, mediante a ação de uma única enzima, que desfaz a lesão produzida, restaurando a integridade da molécula de DNA. Como exemplos de mecanismos deste tipo de reparação podem ser citados: a ligação direta de quebras simples, a fotorreativação enzimática e a remoção de grupamentosalquil. Outro mecanismo enzimático é a remoção de dois fosfatos da lesão 8-oxo – dGTP, formando 8-oxo-dGMP, que não é incorporada ao DNA (ver adiante). VII-12 DNA Tratamentos com agentes físicos ou químicos DNA LESADO Reparação CORRETA Reparação AUSENTE ou MAL-SUCEDIDA Reparação INCORRETA DNA RESTAURADO (Preservação da informação biológica) PERDA DE ATIVIDADE BIOLÓGICA DNA MUTADO (Evolução) Figura VII-13 - Atuação dos mecanismos de reparação na eliminação das lesões, na preservação do conteúdo informacional e na mutagênese Além destes mecanismos enzimáticos, algumas lesões, como os dímeros de pirimidinas podem ser revertidos diretamente pela radiação ultravioleta, como é o caso da fotorreversão. Reparo de quebras simples pela ligação direta Na maior parte das vezes a reparação das quebras produzidas no DNA pelas radiações X, γ e outros agentes requer o sistema recombinacional. Além disto, os grupamentos deixados normalmente requerem processamento para limpeza das pontas antes da polimerização. Em E. coli, e possivelmente em outros organismos, algumas das quebras simples produzidas podem ser reparadas diretamente pela ação da DNA ligase. A enzima de E. coli requer NAD e Mg2+ como cofatores e, como todas as DNA ligases, requer pontas livres no sítio da quebra e a presença de 3’OH e 5’PO4. Assim, uma quebra simples com estas características, produzida por agentes lesivos, está sujeita ao reparo pela ligação direta (Figura VII-14). P O O —O— O OH 5’ 3’ 5’ 3’ + DNA ligase + NAD (E. coli) ou + ATP (T4) P O O— OO5’ 3’ 5’ 3’ + AMP + NMN ou PPi Figura VII-14 - Esquema do modelo proposto para ligação direta de quebras simples no DNA de E. coli VII-13 Fotorreativação Entre os fotoprodutos formados pelas radiações UV germicidas (UV-C), os dímeros de pirimidinas (CPD = Ciclobutane Pyrimidine Dimer) são os mais frequentes, sendo os maiores responsáveis pela inativação celular. A fotorreativação consiste na eliminação de CPDs formados no DNA pelo UV-C, mediante exposição das células às radiações UV de comprimentos de onda superiores a 300 nm ou à luz visível. O processo, esquematicamente representado na Figura VII-15, é mediado pela enzima de fotorreativação ou fotoliase, que tem a propriedade de combinar-se, mesmo em ausência de luz, com DNA contendo dímeros de pirimidinas. Quando o complexo enzima-substrato é iluminado, ele se dissocia, sendo liberados o DNA reparado e a enzima, esta podendo atuar em outros sítios nos quais ainda existam dímeros. Existem entre 10 e 20 moléculas por célula bacteriana e a fotoliase (49 kDa) age rompendo a ligação ciclobutano entre a duas pirimidinas, numa velocidade de 5 dímeros /molécula/min e, em E. coli é codificada pelo gene phr. Para estas células os comprimentos de onda mais eficientes para promover a fotorreativação situam-se entre 340 e 390 nm. FiguraVII-15 - Esquema representativo da fotorreativação enzimática DNA nativo DNA com dímero Fotoliase liga-se ao dímero Absorção de luz (> 300 nm) Reparação e liberação da enzima Recentemente foi detectado que a fotoliase de plantas também é capaz de desfazer a ligação do fotoproduto 6-4 (6-4PP = 6-4 Pirimidina Pirimidona). A fotoliase contém dois cromóforos FADH2 ou FADH- (1,5-dihidroflavina adenina dinucleotídeo) e folato MTHF [5,10-metenoetiltetrahidrofolil (poliglutamato)] ou deazaflavina (8-HDH). O folato absorve a maioria dos fótons e é chamado de “antena” da fotoliase. O folato, ao receber um fóton, passa ao estado tripleto e desativa-se transferindo a energia para o FADH-. O FADH- excitado (singleto) transfere um elétron para o dímero. Através de um rearranjo eletrônico há quebra do anel ciclobutano, gerando pirimidina e pirimidina ânion o qual transfere o elétron para o FADHo, regenerando o FADH2 (Figura VII-16A). A fotorreativação permite não somente o aumento da viabilidade celular após exposição ao UV-C, germicida, mas também a redução da mutagênese fotoinduzida. O processo, em E. coli parece ser altamente específico para dímeros de pirimidinas, mas, a fotoliase talvez desempenhe outros papéis na célula, entre os quais o favorecimento de outros mecanismos de reparação. A ligação da fotoliase aos dímeros torna estas lesões mais acessíveis ao complexo UvrABC, aumentando a eficiência da reparação por excisão de nucleotídeos (ver adiante). Foi mostrado que a FADH2 purificada da fotoliase de E. coli catalisa a monomerização de dímeros de uracil em poli-U in vitro, mas com uma eficiência 1.000 vezes menor que a de dímeros de uracil do DNA. A fotorreativação já foi descrita em diversos sistemas biológicos: micoplasmas, bactérias, leveduras, moscas, sapos, diversas plantas e mamíferos não placentários, mas não em mamíferos superiores. Em S. cerevisiae o gene PHR1 localiza-se no cromossomo 15 e codifica uma proteína de 66,2 kDa. Este gene complementa mutantes phr de E. coli deficientes em fotorreativação e vice versa. Diferentemente de E. coli, em células da levedura existem muitas moléculas de fotoliase (entre 250 a 300 em condições constitutivas). VII-14 Curiosamente o gene PHR1 tem a sua transcrição aumentada quando as células são submetidas à radiação UV-C ou a diversos agentes químicos que interagem com o DNA embora a fotoliase não esteja envolvida na reparação de lesões químicas. A fotorreativação é muito importante em plantas, que estão constantemente expostas ao sol. Em estudos com A. thaliana foi verificado que a fotorreativação é altamente eficiente para reparar dímeros e lesões 6-4PP e que mutantes uvr2-1 necrosam quando expostos a baixas doses de UV-C. O mesmo fenômeno de sensibilidade foi verificado no arroz Norin I (economicamente o mais importante no Japão) cujas sementes são deficientes em fotorreativação de dímeros. A fotoliase que repara lesões 6-4PP foi inicialmente detectada em D. melanogaster. Posteriormente foi também detectada em plantas (A. thaliana) e alguns vertebrados (X. laevis e D. rerio). O mecanismo proposto para a ação destas fotoliases é o mesmo utilizado pelas que reparam os dímeros e, além disto, ambas utilizam FAD para a transferência dos elétrons para a lesão. A ligação do 6-4PP à fotoliase induz o rearranjo e um anel oxetano é formado com o auxilio de dois resíduos His na fotoliase. Uma vez sendo formado o radical na lesão a ligação entre as pirimidinas é quebrada e um elétron é transferido de volta para o cofator catalítico (Figura VII-16B). Figura VII-16 – Fotorreativação do dímero (A) e do fotoproduto 6-4 (B) dímero TT fotoproduto 6-4 TT intermediário oxetane Alguns estudos sugeriram a existência de proteínas filogeneticamente correlacionadas à fotoliase em células de mamíferos e outros mostraram perda de dímeros, dependentemente de luz, em células em cultura e em pele humana intacta, entretanto, estes estudos não foram confirmados. Muitos estudos falharam na tentativa de mostrar fotorreativação em organismos mais avançados que os não-placentários (marsupiais); portanto, acredita-se que ela não exista em seres humanos. Em células humanas foram detectadas proteínas similares às fotoliases, os “criptocromos”, porém não relacionadas ao reparo de lesões, mas sim à regulação do ritmo circadiano. Estas proteínas pertencem à família dos receptores de luz azul que em plantas seriam responsáveis pela floração em resposta à luz (CRY2). Já foram clonados os genes hCRY1 e hCRY2 em humanos e mCRY1 e mCRY2 em camundongos. CRY1 e CRY2 são expressos em diversos tecidos tais como: fígado, testículos, cérebro (nunca expostos à luz) e retina. O gene mCRY2 é altamente expresso na retina e mCRY1 no núcleo supraquiasmático, que agem como fotorreceptores do ritmo circadiano em mamíferos. Aparentemente os genes CRY1 e CRY2 têm papéis antagônicos, uma vez que o período circadiano é diminuído em camundongos cry1-/- e aumentado em camundongos cry2-/-. Estes genes revelam uma modificação evolucionária muito interessante,uma vez que uma enzima de reparação de DNA parece ter se transformado em uma proteína com funções completamente diferentes. Quando uma dose de radiação UV-C suficiente para causar eritema é aplicada em seres humanos a aplicação tópica de fotoliase de A. nidulans incorporada a lipossomas acarreta significativa redução do número de dímeros de pirimidinas nas células da pele e também evita a imunossupressão induzida por UV-B. Foi também demonstrado que a expressão do gene da fotoliase de marsupiais em camundongos VII-15 repara eficientemente os dímeros e reduz os efeitos da irradiação na pele (eritema, hiperplasia, apoptose). A expressão de fotoliases de dímeros em células XP-A humanas reduz substancialmente a mutagênese e aumenta a sobrevivência ao UV-C. Os dímeros são os maiores alvos para eventos mutagênicos e formação de mutações nas vias do gene p53 na formação de células epidémicas pré-neoplásicas. Portanto, a eliminação preferencial de dímeros dos keratinócitos basais reduz drasticamente a indução de câncer de pele pelo UV. Fotorreversão A reversão de dímeros de pirimidinas pode também ser obtida por outros processos, independentes da fotoliase. Ela ocorre, por exemplo, mediante exposição das células, previamente irradiadas com UV germicida, a comprimentos de onda situados entre 200 e 300 nm (235nm favorece a fotomonomerização e 280 nm favorece a dimerização), uma vez que a união de duas pirimidinas é uma reação reversível e que cada comprimento de onda, ainda que com diferentes eficiências, pode promover tanto a dimerização como a monomerização; a desdimerização devida unicamente à exposição ao UV-C constitui a fotorreversão direta. Proteínas ricas em triptofano, como a codificada pelo gene 32 do fago T4, e mesmo oligopeptídeos ricos neste aminoácido, podem, quando expostos a comprimentos de onda de 334 nm, adquirir a capacidade de promover a monomerização de timinas dimerizadas, o que parece ser consequência da transferência de elétrons do anel do triptofano para os dímeros; este fenômeno constitui a fotorreversão sensibilizada. Reversão direta de alquilações Transferência de grupamentos alquil Quando células são tratadas com agentes alquilantes tais como MNU ou MNNG, seu DNA é alquilado nas mais diversas posições. Em alguns casos, estas lesões podem ser reparadas diretamente, pela remoção dos grupamentos alquil. As metilações que ocorrem no oxigênio exocíclico das bases são diretamente removidas, sendo O6MeG a mais abundante (6 a 8% das metilações totais) e O4MeT a de menor importância (< 0,4%). A metilação da ligação fosfotriéster é da ordem de 17%. (Na Figura VII-17 estão representados os diferentes sítios de metilação com as respectivas ocorrências). Pareamento C:G no DNA Pareamento T:A no DNA Fosfato na cadeia fosfodiester Figura VII-17 - Principais sítios de alquilação no DNA Em E. coli existem duas enzimas que reparam o DNA por transferência direta do grupamento alquil; as proteínas Ada e Ogt (O6-Metilguanina - DNA Metiltransferases) codificadas pelos genes ada e ogt respectivamente. A proteína Ada (39 kDa) remove grupamentos metil das posições O6 da guanina, O4 da timina e da ligação fosfotriéster enquanto a Ogt só consegue removê-los das posições O6 da guanina e O4 da timina. A VII-16 remoção dos grupamentos alquil das bases acarreta a inativação das proteínas (enzima “suicida”), entretanto, no caso da remoção do metil da ligação fosfotriéster, a proteína Ada sofre uma mudança conformacional, tornando-se um ativador de seu próprio gene, conduzindo à síntese de milhares de moléculas de Ada. A proteína Ogt (19 kDa) é constitutiva, não tendo sido detectada nenhuma ativação por qualquer tratamento. Foi mostrado que os mutantes ada e ogt são propensos a acumular mutações espontaneamente, mostrando a existência de alquilações espontâneas provenientes provavelmente do cloreto de metila, que é abundante na atmosfera, com uma estimativa anual de emissão de 5 x106 toneladas, a maior parte de fontes naturais e de fontes endógenas como a S-adenosil metionina e outros doadores intracelulares. Apesar da semelhança quanto à sua atuação, recentemente foi verificado que aparentemente Ada prefere O6MeG e Ogt prefere O4MeT. Uma vez que as enzimas são capazes de remover diversos grupamentos alquil, há proposta de denominá-las O6-alquilguanina-DNA alquiltransferases I e II (O6-AgtI e O6AgtII). A proteína Ada, produto do gene ada remove grupamentos alquil inseridos nas posições O6 da guanina, O4 da timina com sua parte C terminal de 19 kDa (C-Ada19) e da ligação fosfotriéster, com sua parte N germinal de 20 kDa (N-Ada20) transferindo-os para uma cisteína constituinte da proteína, o que justifica a sua inativação durante o processo (Figura VII-18). Uma vez que a metilação da guanina na posição O6 conduz, durante a replicação semiconservativa do DNA, a erros de emparelhamento, torna-se fácil entender os efeitos mutagênicos deste tipo de lesão e a importância da reparação adaptativa na redução da mutagênese. Em células de E. coli não adaptadas existem entre 20 e 60 moléculas desta enzima, cuja concentração pode ser multiplicada por 100 ou 200 em consequência do tratamento indutor. Figura VII-18 – Mecanismo de ação da proteína Ada metil fosfotriéster O6 metilguanina Quando a transferência é feita da O6-metil guanina ou da O4-metil timina o metil é capturado pela cisteína 321 do sítio ativo C terminal (Pro-Cys-His-Arg-Val/Ile) e a enzima é inativada, entretanto quando o metil é retirado do fosfotriéster ele é capturado pela cisteína 38 (do N terminal) a enzima transforma-se em um ativador do seu próprio gene, conduzindo à síntese de milhares de moléculas da proteína Ada. Quando da metilação de cys 38, que é irreversível, Ada transforma-se na ativadora da transcrição dos genes da resposta adaptativa, ada-alkB, alkA e aidB (Figura VII-19), uma vez que, neste caso, a mudança conformacional de Ada aumenta a capacidade de ligação aos promotores destes genes, facilitando a ligação da RNA polimerase. A transformação da proteína Ada conduz à desrepressão de outro gene, o alkA, que codifica a síntese da 3-metil adenina DNA glicosilase II (AlkA) que remove bases metiladas em diferentes posições (N3 e N7 da guanina, O2 da citosina, N3 e N7 da adenina e O2 da timina, entre outras). Na Figura VII-20 está representado esquematicamente o processo da resposta adaptativa para agentes alquilantes. VII-17 Metilfosfotriester Fosfato Ativação da transcrição GuaninaO6-metilguanina Figura VII-19 - Inativação e ativação da proteína Ada em bactérias Figura VII-20 – Mecanismo da resposta adaptativa para agentes alquilantes Não induzido Baixo nível de reparo Sinal indutor Ativação da transcrição Indução Aumento da reparação Em células não adaptadas a proteína AlkA atua juntamente com a Tag, mas a quantidade desta não se altera durante a adaptação; em células adaptadas, a quantidade de AlkA é multiplicada por 20, e esta enzima passa a ter um papel importante na eliminação de bases alteradas. A proteína Ada também regula outros genes tais como o alkB e o aidB. O papel da proteína AlkB é o reparo de N1MeA e N3MeC em DNA em hélice simples. Por outro lado, o papel da proteína AidB ainda não está bem estabelecido. Aparentemente ela inativa agentes alquilantes antes que eles causem as lesões, não participando do reparo das lesões. Após a metilação do N-terminal Ada reconhece as regiões promotoras do regulon ada e recruta a RNA polimerase para iniciar a ativação dos genes de resistência a metilação. Assim, Ada é um quimiosensor de metilação em E. coli. A atividade O6-AGT em leveduras é expressa em um nível de 150 moléculas por célula na fase exponencial de crescimento e indetectável na fase estacionária. Em S. cerevisiae o gene clonado MGT1 é capaz de complementar o duplo mutante ada ogt de E. coli. Mutantes deletados em MGT1 são sensíveis à mortee mutagênese por tratamento com agentes alquilantes. Adicionalmente mutantes mgt1 têm a mutagênese espontânea aumentada, sugerindo a existência de alquilação endógena em S. cerevisiae. O gene MGT1 mapeia VII-18 no cromossoma IV e os transcritos não são aumentados por tratamento com agentes alquilantes. Tanto em leveduras como em mamíferos a sequência (Pro-Cys-His-Arg-Val/Ile) que contém a Cys 321 é conservada. Em células humanas, a O6-Metilguanina-DNA Metiltransferase (O6-MGMT), ainda conhecida como Atase, AGT e AGAT, também é uma enzima suicida que repara o DNA transferindo o grupamento metil da O6MeG no DNA para um resíduo cisteína (145) da enzima em uma reação irreversível (Figura VII-21). (MGMT) (145) Figura VII-21 – Remoção de grupamentos alquil em humanos ativa inativa metiltransferase O6 metilguanina guanina A transferência do grupamento alquil, inativa e transforma a enzima em alvo para ubiquitinação e degradação por proteases. Ela repara também O6 etilguanina e O6 butilguanina assim como O4 metiltimina com uma eficiência mais baixa. Estas lesões são produzidas por agentes alquilantes (MNNG, MNU, etc., contidos em alimentos, cigarros, etc.). Em condições fisiológicas o DNA é metilado por metilantes naturais como a S-adenosilmetionina. A O6MGMT foi detectada em todas as espécies. A enzima humana é uma proteína monomérica de 24 kDa. Ela é semelhante à Ogt bacteriana e também só tem função de metil transferase para O6MeG e O4MeT, com uma preferência 10.000 vezes maior para O6MeG. Ela não tem a função de retirar grupos alquil das ligações fosfotriéster e também não tem a função regulatória parecida com a proteína Ada de bactérias, embora seja induzida por estresse genotóxico. O gene da O6-MGMT humana está localizado no cromossomo 10 e tem 6 exons e mais de 170 kb e a proteína tem regiões de extensa homologia com as bacterianas, entretanto, não há muita homologia de sequência e o cDNA humano não hibridiza com o DNA genômico de E. coli. A proteína humana é uma enzima simples, sem cofator, com uma cisteína ativa na sequência contexto PCHRV/I (Pro-Cys-His-Arg-Val/Ile), que é conservada em todas as O6MGMTs. O sítio ativo é escondido (latente = críptico) só se tornando acessível após modificação conformacional induzida pelo contato com o DNA. Os efeitos citotóxicos, mutagênicos e tumorigênicos da O6MeG são diminuídos pela ação da enzima O6-MGMT. Não são conhecidos mutantes humanos para o gene da O6-MGMT, entretanto cerca de 20% dos tumores humanos são sensíveis a MNNG e não possuem atividade O6-MGMT detectável sendo denominados fenotipicamente Mer- (Methylation repair minus). Similarmente, a transformação de células humanas com vírus tumorais causa um fenótipo deficiente em O6-MGMT, denominado Mex- (Methylation excision minus). Embora não sejam mutadas no gene O6-MGMT, a introdução do gene bacteriano ou humano em células Mer- ou Mex- restaura a resistência a MNNG, o que indica uma relação de causa e efeito entre a falta de atividade de O6MTMG e a sensibilidade a agentes alquilantes. VII-19 Após exposição a agentes alquilantes as células humanas podem adquirir resistência à morte e lesões cromossômicas, mas não à mutagênese. Este fenótipo é denominado tolerância à metilação e envolve uma deficiência no reparo de erros de emparelhamento. Durante a replicação do DNA contendo O6-MeG há alta probabilidade da incorporação de timina na frente da base alquilada. Tanto C como T em frente a O6-MeG são reconhecidas como bases erradas e serão excisadas pelo sistema MMR, que só age na hélice filha. Portanto, o reparo de O6-MeG é fútil e perigoso, pois se o MMR continua a excisão as bases colocadas em frente à base alquilada podem gerar quebras no DNA, aumentando a morte celular. A O6-MGMT, logicamente, tem um papel importante na prevenção do câncer. Em um grande número de cânceres, a mutação oncogênica resultou de uma transição G:C para A:T, a qual pode ter resultado de uma alquilação de G. Em verdade, a superexpressão de O6-MGMT protege camundongos transgênicos de cânceres induzidos por agentes alquilantes. Em um caso, a expressão de O6-MGMT humana em camundongos transgênicos protegeu-os contra o linfoma de timo, induzido por MNU. Em outro caso, a expressão do gene ada de E. coli em camundongos transgênicos protegeu os animais contra câncer de fígado induzido por dimetil ou dietilnitrosamina. A ocorrência de tumores cerebrais em ratos jovens tratados com etil nitrosuréia é correlacionada com a persistência da O6 alquil guanina no cérebro. Similarmente, o tratamento crônico com MNU especificamente resulta em tumores neurais em animais experimentais e é acompanhado por progressiva acumulação de O6MeG no cérebro sem a concomitante acumulação em outros tecidos. Os efeitos citotóxicos das lesões alquilantes podem ser usados no tratamento de câncer. Clinicamente são usadas nitrosouréias e agentes cloroetilantes tais como carmustina (BCNU), entretanto o aumento da produção de O6-MGMT é uma das causas da resistência a estas terapias. Portanto, a inibição de O6-MGMT pode aumentar a eficiência dos tratamentos. O meio mais simples para inibir a enzima é alquilar a sua cisteína ativa. Por algum tempo a O6MeG como base livre foi o único substrato usado, entretanto, a O6BuG se mostrou mais efetiva que a forma metilada. A pré-incubação de linhagens celulares de câncer com esta pequena molécula aumenta a sensibilidade ao tratamento com agentes tipo CNU. Ensaios clínicos de fase I de O6BuG e BCNU estabeleceram a dose máxima tolerável. O estudo também mostrou que O6BuG é rapidamente convertida a 8-oxo-O6BuG, que também é um bom inativador de O6-MGMT in vivo. Estudo de fase II com doses de 120 mg/m2 de O6BuG não produziram regressão de tumor em pacientes com glioma maligno resistente a nitrosouréia, embora alguns pacientes exibissem estabilidade da doença por 18 semanas com o tratamento. Portanto, mais estudos são necessários. Ainda não foi detectada doença humana associada com a mutação no gene O6-MGMT. O fenótipo Mer- parece ser o efeito e não a causa da transformação maligna. Em células humanas o gene da O6MGMT foi o primeiro que mostrou ser indutível por estresses genotóxicos e por glicocorticóides, conduzindo à resposta adaptativa das células aos efeitos citotóxicos e mutagênicos de agentes alquilantes simples. A expressão de O6MGMT é regulada pela metilação do gene e do promotor. A metilação do promotor provoca a inibição e a metilação do gene resulta no aumento da expressão da proteína. A metilação também está envolvida na resistência adquirida por células de melanoma contra drogas anticâncer contendo cloroetila. Em células eucarióticas ainda não se detectou a reparação das metilações nas ligações fosfotriéster. Transferência de grupamentos alquil por AlkB As metilações podem ocorrer em 14 sítios diferentes no DNA (ver Figura VII-17), 12 dos quais são reparados por Ada, AlkA e AlkB. As metilações mais abundantes são N7MeG (70%) e N3MeA (10%). Alguns agentes alquilantes, tais como: CH3Cl, CH3I e CH3Br, geram metilações em RNA e DNA em hélice simples (N1MeA e N3MeC), uma vez que estes sítios estão protegidos na dupla hélice. AlkB é uma dioxigenase α-cetoglutarato-Fe(II) dependente, que utiliza um intermediário ferro-oxo para hidroxilar N1MeA e N3MeC no DNA. Estes intermediários hidroxilados são instáveis e se decompõem, gerando formaldeído e regenerando a base íntegra. No caso de N1etilAdenina é liberado acetaldeído, numa verdadeira demetilação oxidativa (Figura VII-22). In vitro, AlkB repara DNA em hélice simples assim como DNA em hélice dupla (preparado por anelamento após a metilação). VII-20 Além disto, AlkB também é capaz de retirar o N1metil de dATP, impedindo a incorporação do precursor metilado durante a síntese de DNA. Figura VII-22 – Mecanismo de ação da proteína AlkB O primeiro gene humano descrito como homólogo ao alkB de E. colifoi o ABH1. Entretanto, os resultados obtidos não foram confirmados, embora este gene possua 18,5% de identidade com alkB e possivelmente tenha uma função relacionada. Posteriormente ABH2 e ABH3 (também conhecido como DEPC-1), foram descritos e mostraram complementar a mutação alkB de E. coli. ABH2 está localizado no cromossomo 12 e é composto de 4 exons e AHB3 está no cromossomo 11, sendo composto de 10 exons. As proteínas AHB2 e AHB3 são do grupo da superfamília das dioxigenases cetoglutarato Fe(II)- dependentes, contendo a sequência contexto de ligação do Fe(II). As duas proteínas retiram metil de N1MeA e N2MeC e ABH2 é mais ativa em N1MeA e ABH3 em N3MeC no DNA. Em contraste com AlkB as proteínas humanas têm muito pouca afinidade por N1-etilA. As proteínas AlkB e ABH3 preferem DNA em hélice simples e RNA, enquanto ABH2 prefere DNA em hélice simples e dupla, por isto AlkB e ABH3 reparam eficientemente RNA, entretanto, a preferência das duas proteínas humanas por DNA é o dobro daquela observada para RNA. Como as metilações N1MeA e N3MeA são geradas em DNA em hélice simples, foi sugerido que AlkB e os homólogos devam funcionar nas forquilhas de replicação e nos sítios de transcrição. Em verdade, os mutantes alkB de E. coli são muito mais sensíveis a agentes alquilantes em fase exponencial do que na estacionária de crescimento e ABH2, mas não ABH3, colocaliza com PCNA nos “foci” de replicação. Além disto, alkB também está associado com a replicação em organismos como C. crescentus, aumentado sua expressão durante a fase S, junto com outros genes requeridos para a síntese de DNA. Ainda não se demonstrou a indução dos genes humanos pelos tratamentos com agentes metilantes de hélices simples DNA. REPARAÇÃO POR EXCISÃO Aspectos gerais O isolamento de mutantes de E. coli B denominados Bs-1 e Bs-2, bastante sensíveis às radiações UV-C, levou, há mais de quatro décadas, à proposição da existência de um mecanismo de reparação independente da iluminação e que, nestes mutantes, seria deficiente. Por esta razão, este mecanismo foi inicialmente VII-21 denominado de reparação no escuro (“dark repair”), sendo hoje conhecido como reparação por excisão ou reparação por excisão-ressíntese. Este tipo de reparação, provavelmente o mais importante mecanismo de eliminação de lesões foto, radio ou quimioinduzidas, admite várias vias alternativas, que podem ser agrupados em: a) remoção da base nitrogenada lesada, seguida da inserção de uma base idêntica, não lesada por uma “insertase”. Em células humanas foi detectada atividade insertase, mas, o gene não foi detectado e o mecanismo é obscuro; b) remoção da base nitrogenada lesada, gerando um sítio apurínico ou apirimidínico, capaz de ser reconhecido por uma endonuclease, que produz uma quebra na cadeia polinucleotídica, seguindo-se a eliminação do fragmento, ressíntese e ligação; c) excisão de um fragmento relativamente curto da cadeia contendo a lesão, seguida de ressíntese e ligação; d) excisão de um longo fragmento de cadeia, formado por mais de 1.500 nucleotídeos, seguida de ressíntese e ligação. REPARAÇÃO POR EXCISÃO DE BASES (BER) O material genético é constantemente exposto a agentes físicos e químicos que induzem grande variedade de modificações no DNA. Para evitar que esses agentes causem mutações ou morte celular os organismos desenvolveram diversos mecanismos para prevenir e reparar as lesões. Uma grande variedade de lesões é reparada por um sistema em múltiplas etapas, denominado reparação por excisão de bases, composto das seguintes etapas: a) liberação da base lesada ou mal emparelhada por uma DNA glicosilase específica; b) incisão da cadeia açúcar fosfato no sitio abásico resultante, por uma liase ou por uma endonuclease; c) remoção do terminal criado; d) síntese de reparo e e) ligação do DNA neossintetizado ao preexistente. O sistema de excisão de bases é o principal sistema para a reparação de bases modificadas, sítios com perda de bases, quebras simples e pequenas lacunas no DNA. DNA glicosilases Bases nitrogenadas lesadas pelo tratamento com agentes físicos ou químicos podem ser removidas pela atuação de N-glicosilases, capazes de romper a ligação entre a base e a desoxirribose. Muitas DNA glicosilases reconhecem somente uma forma particular da lesão da base e a maioria das DNA glicosilases é altamente específica para bases com uma lesão específica. Elas são proteínas pequenas, com menos de 30 kDa e o aparecimento de bases livres após tratamento do DNA com agentes genotóxicos é a maior demonstração da atividade das DNA glicosilases. Isto normalmente é feito por análise cromatográfica seja da mistura inteira da incubação do DNA marcado radioativamente seja da fração contendo oligo ou mononucleotídeos solúveis em ácido ou álcool. As DNA glicosilases podem ser monofuncionais, removendo a base e deixando um sítio AP ou bifuncionais devido a terem associada uma atividade liase que cliva o DNA no lado 3’ do sitio abásico. Uracil-DNA glicosilases (UDGs) Família 1 - Uracil-DNA glicosilase (Ung) É uma enzima codificada em E. coli pelo gene ung, constituindo-se de um polipetídeo de 26 kDa que remove moléculas de uracil incorporadas ao DNA pela DNA polimerase, que incorpora erradamente uma molécula de uracil para cada 1.000 a 10.000 timinas. O uracil também pode ser formado no DNA em consequência da desaminação da citosina, fenômeno este que ocorre com elevada frequência pela ação de agentes físicos ou químicos. Portanto, Ung tem um papel relevante em evitar a mutagênese espontânea C:G → T:A. Algumas formas de vida usam o uracil no DNA (bacteriófagos PBS1 e PBS2 de Bacillus subtilis). Estas cepas, entretanto, possuem Ung e, em verdade, logo após a infecção o gene ugi do fago (inibidor da Ung) é expresso, permitindo a replicação do vírus. VII-22 A Ung utiliza DNA em hélice dupla ou simples contendo deoxiuridina. A enzima retira o uracil e “engloba-o” no seu sítio ativo, o que limita as lesões reparáveis. Entretanto, além do uracil, foi mostrado que ela também é capaz de reconhecer 5-fluoruracil e 5-hidroxiuracil. A enzima é capaz de remover 800 resíduos de uracil por minuto e cada célula tem cerca de 300 moléculas (Figura VII-23). Figura VII-23 – Mecanismo de ação da Uracil-DNA glicosilase (Ung) Em células de mamíferos existem duas formas do mesmo gene, designadas UNG2 no núcleo e UNG1 na mitocôndria. A proteína UNG nuclear co-localiza com fatores de replicação: proteína de replicação A (RPA) e antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) nos sítios da replicação. A principal função de UNG em células de mamíferos é remover U quando ele é incorporado em frente a A durante a replicação, tendo também um pequeno papel na remoção de U em frente a G por desaminação da citosina fora da replicação. Estas proteínas existem em bactérias, leveduras, mamíferos, plantas e em alguns virus, mas não em insetos. Interessantemente, alguns vírus, incluindo HSV1, HSV2 e varicela zoster, codificam sua própria uracil-DNA glicosilase, indicando a importância desta enzima para sua manutenção. Não existe doença humana conhecida associada com defeito em UNG. Família 2 – UDGs (Timina-DNA glicosilases - TDG) As TDG de eucariotos foram inicialmente descritas pela capacidade de retirar timina dos pares G:T. Elas também são capazes de retirar uracil mas somente dos pares G:U. As bactérias possuem homólogos estruturais designados Mug (mismatch-specific uracil-DNA glycosylase). As TDG e Mug existem em mamíferos, insetos e outros eucariotos (S. pombe). Estas glicosilases possuem um mecanismo de reconhecimento das lesões diferente da família 1, o que permite a elas excisar uracil e timina em frente à guanina. Além disto, elas também podem remover a base alquilada 3,N4-etenocitosina oposta a G e 1,N2-etenoguanina oposta a C, sendo talvez a reparação de adutos de eteno o papel mais importante paraestas enzimas. Família 3 – 5-Hidroximetiluracil-DNA glicosilase (somente em eucariotos) O 5-hidroximetiluracil é formado pela oxidação do grupamento metil da timina ou pela desaminação da 5-hidroximetilcitosina. Ele é detectado em urina de ratos e de humanos e é usado como medida da formação de lesões oxidativas no DNA nestes organismos. Esta lesão é removida por uma glicosilase específica presente em todos os vertebrados, mas não em procariotos, provavelmente porque os procariotos não têm muitos resíduos 5-metilcitosina. A enzima age igualmente em DNA em hélice simples como em dupla, em contraste com a uracil-DNA glicosilase, que prefere DNA em hélice simples e outras glicosilases que preferem DNA em hélice dupla. A enzima purificada foi designa SMUG (single- VII-23 stranded specific monofunctional uracil-DNA glycosylase). Posteriormente foi verificado que ela prefere DNA dupla hélice (700 vezes mais que hélice simples). Alem do 5-hidroximetiluracil SMUG pode remover 5-formiluracil e 5-hidroxiuracil do DNA. Família 4 – UDGs de Archaea e algumas bactérias Bactérias termofilicas vivem em altas temperaturas, uma condição na qual as desaminações são muito frequentes, gerando pares G:U e G:T, pela desaminação de citosina e 5-metilcitosina respectivamente. Estes organismos possuem uma família de DNA glicosilases denominada TmUDG. Estas enzimas detectadas em diversos membros de Archaea hipertermofilicos, possuem centros ferro-enxofre estruturais e parecem agir de maneira homóloga à proteína UNG de mamíferos na forquilha de replicação. Proteínas MBD4 de mamíferos Estas proteínas contêm um domínio (MDB = methyl-binding domain) que se liga a DNA rico em sequências 5-Me-CpG. A proteína MDB4 tem uma atividade que remove T e U mal emparelhados com G com alta especificidade para as sequências CpG metiladas. Além da ação glicosilase MDB4 também tem ação liase. Ela compete com a TDG na remoção de timinas do par G:T. Além de sua atuação nas ilhas CpG a proteína também remove timina de erros com O6- metilguanina. Deficiência em DNA glicosilases A deficiência de ung aumenta os níveis de mutagênese, principalmente GC → AT em E. coli. Em leveduras a deficiência de UNG não aumenta muito a mutagênese e em mamíferos a deficiência em UNG causa pré-disposição para malignidade nas células β e alterações do sistema imune. Camundongos Ung-/- são férteis e não mostram defeitos no desenvolvimento. Entretanto as células são parcialmente deficientes na remoção de U incorporado erroneamente. No primeiro ano de vida os camundongos são normais, mas, após 18 meses, eles morrem mais que o controle e começam a aparecer muitos linfomas de células β. Isto representa o primeiro exemplo de aumento de malignidade espontânea em camundongos como resultado da deficiência de uma DNA glicosilase. Camundongos nocaute para MBD4 apresentam três vezes mais mutações C→ G nos sítios CpG. Quando cruzados com camundongos com um dos alelos mutados em Apc (adenomatoous polyposis coli) o resultante manifesta formação acelerada de tumores no trato gastrointestinal e mutações CpG → TpG no gene Apc. Embora a inativação de MBD4 por si não aumente a susceptibilidade para câncer em camundongos há alteração do espectro de mutações em genes supressores, modulando, portanto, a pré-disposição para cancerização. 3 metil adenina DNA glicosilases (bactérias) / N-metilpurina-DNA glicosilase (humanos) Quando do tratamento das células com agentes alquilantes, diversas posições nas bases são alquiladas e não são reconhecidas pelas proteínas Ada e Ogt. Entre as bases alquiladas, a 3-metil-adenina é a lesão mais crítica uma vez que interfere com a replicação, conduzindo à letalidade. Em E. coli, duas proteínas são responsáveis pela eliminação destas bases, as enzimas TagA e AlkA (3- metil-adenina DNA glicosilase I e II), codificadas pelos genes tagA e alkA, respectivamente. A proteína TagA (21 kDa) é capaz de reparar diversas bases além da 3-meA. Ela também catalisa a excisão de 3-metilguanina e 3-etiladenina. A proteína AlkA (31 kDa), além de remover 3-meA é capaz de catalisar a eliminação de pelo menos mais 20 produtos de metilação, tais como: 3-metilguanina, 7-metilpurinas, 7 e 3-etilpurinas, O2- metilpirimidinas, 5-hidroximetiluracil, N1-carboxietiladenina, N7-carboxietilguanina, etc. Em células de E. coli não adaptadas AlkA é responsável pela retirada de 5 a 10% da 3-meA, entretanto em células adaptadas ela é responsável por 50 a 70% da atividade total. Em S. cerevisiae o gene MAG1 codifica a metil adenina DNA glicosilase Mag1 que à semelhança de AlkA remove 3-metilpurinas, 7-metilpurinas, etenoadenina e O2-metilpirimidinas. VII-24 Em células humanas só foi detectada uma N-metil purina-DNA glicosilase (MPG), que é uma proteína de 33 kDa. A enzima de mamíferos é funcionalmente homóloga à AlkA de E. coli com relação à especificidade de substrato, entretanto ela não tem homologia de sequência com Tag nem com AlkA, portanto, o nome N-metil purina-DNA glicosilase é preferido para a enzima humana. Entretanto, o nome não define completamente o espectro de substratos. A enzima remove também a lesão 8-oxoG (GO), hipoxantina e 1,N6-eteno adenina da mesma maneira que 3-MeA. Os mutantes de E. coli são extremamente sensíveis aos efeitos mutagênicos e letais dos agentes alquilantes, entretanto, em mamíferos não foi detectada nenhuma doença associada com a deficiência de MPG. DNA glicosilases com atividade AP liase associada Em reações in vitro foi detectada uma associação de eliminação das bases com concomitante quebra das ligações fosfodiéster. Foi mostrado que as incisões ocorrem por β-eliminação no lado 3’ do sítio AP e foi mostrado também que esta β-eliminação em sítios AP pode ser facilitada por algumas proteínas básicas, não se sabendo, entretanto, se elas são verdadeiras enzimas, uma vez que, a quebra por endonucleases envolve uma molécula de água, ou seja, são endonucleases hidrolíticas. Isto gerou controvérsias acerca das “verdadeiras” AP endonucleases e sua distinção entre proteínas que provocam quebras espúrias no DNA. Química e estrutura dos sítios AP Os sítios AP existem no DNA como uma mistura de equilíbrio contendo cadeia aberta α, β-aldeído insaturado, α e β-hemiacetal e cadeia aberta α, β-hidrato insaturado. Os aldeídos abertos constituem somente 1% dos sítios AP, mas são os mais reativos. Os sítios AP podem reagir quimicamente levando à quebra da cadeia na ausência de proteínas. ββββ-eliminação – Ocorre de duas maneiras: um próton é transferido do grupo CH2 da desoxirribose α para o grupo carbonil do carbono 1 ou uma base de Schiff é formada entre uma amina e o grupo C1 carbonil da cadeia aberta do aldeído. Ambas as reações são seguidas de β-eliminação que deixa 3’ α,β-aldeído insaturado, 4-hidroxi-2-pentenal e 5’PO4, sendo este o mais relevante mecanismo de clivagem nos sítios AP. δδδδ-eliminação – Em certas condições o aldeído insaturado 3’ pode sofrer uma reação adicional de delta eliminação, resultado da liberação de 4-hidroxi-pent-2,4-dienal deixando uma lacuna de um nucleotídeo e terminais 3’PO4 e 5’PO4. Rearranjo – Em condições alcalinas o aldeído 3’α, β insaturado pode rearranjar-se formando um 3’–2- oxociclopent-1-enil terminal. Todas as DNA glicosilases que podem hidrolisar as ligações fosfodiéster no sítio da perda da base o fazem por β-eliminação. Portanto, foi sugerido que estas e outras proteínas que facilitam a β-eliminação nos sítios AP devem ser designadas como AP liases e não AP endonucleases. Na Figura VII-24 estão representadas as reações descritas acima. MutY-DNA-glicosilase (no contexto da lesão GO) – Sistema GO A MutY-DNA glicosilase é uma glicosilase de 36 kDa que catalisa a remoção de adenina, independentemente do estado de metilação do DNA. É codificada pelo gene mutY. Células deficientes em MutY são hipermutáveis, gerando transversõesG:C → T:A. O gene foi clonado e gera um polipeptídeo de 39,1 kDa cuja sequência apresenta homologia com a endonuclease III, produto do gene nth de E. coli. A proteína MutY purificada é capaz de remover adenina do DNA contendo A:G ou A:C e tem associada uma atividade 3’AP liase. A proteína evita a mutagênese potencial das lesões GO (G:C→ T:A) que escapam do reparo da Fpg/MutM, já que esta não reconhece eficientemente GO em frente a A. Deve ser notado, entretanto, que os mutantes mutY somente conduzem ao aumento de mutações espontâneas G:C → T:A presumivelmente porque as MutSLH eliminam C:A e possivelmente G:A, tornando o VII-25 papel de MutY redundante. A MutY é a única glicosilase que funciona na correção de erros de emparelhamento de bases normais. OH O 3’ 5’ \ OH OOH O 3’ 5’ \ \ 5’ \ 3’ ~OH 3’ \ 5’ \ \ 3’ \ 5’ OH O OH ~OH 5’ \ / 3’ \ 3’ \ 5’ 3’ \ 5’ \ DNA glicosilase ou Perda espôntanea de base ββββ,δδδδ Eliminação*ββββ Eliminação* Hidrólise AP-endonuclease (classe II) Figura VII-24 - Mecanismos de incisão de sítios AP no DNA Sistema GO A lesão GO pode parear tanto com C como com A, de modo que o sistema GO está envolvido com a atenuação dos efeitos mutagênicos desses erros de emparelhamento. A observação de que tanto mutantes fpg/mutM como mutY têm aumento da frequência de transversões G:C → T:A levou à conclusão que eles devem participar de um reparo comum. Em verdade, havia sido mostrado que a proteína MutY é capaz de catalisar a remoção de A do par A:GO, um substrato que pode aparecer na replicação se existirem lesões GO no DNA. Além disto, a proteína MutY permanece ligada ao DNA após a retirada da A do par A:GO, possivelmente protegendo o sítio GO contra o ataque da Fpg, evitando quebras duplas. A superexpressão do gene fpg/mutM corrige completamente o fenótipo mutante mutY. E o duplo mutante mutY mutM tem uma taxa de mutagênese espontânea que é 20 vezes maior que a soma das taxas dos dois mutantes isoladamente. Coletivamente estas observações levaram ao modelo de reparação das lesões GO (Figura VII-25). VII-26 Replicação Replicação Dano oxidativo Replicação Reparo Reparo e Figura VII-25 - Esquema do modelo proposto para eliminação de 8-oxoG do DNA de E. coli: A) 8-oxoG; B) atividade das enzimas MutY e MutM (Fpg) C) atividade fosfatase de MutT Se as lesões GO forem removidas pela MutM antes da replicação, o reparo é efetuado pelo sistema de excisão de bases normal. Se a lesão GO não é eliminada antes da replicação e a replicação for acurada, entrará citosina e a Fpg terá outra oportunidade de eliminar a lesão. Entretanto a replicação pode levar à formação do par A:GO. A excisão de A pela MutY pode iniciar o processo de excisão da hélice não lesada, o que pode conduzir à formação do par C:GO, que é, outra vez, sujeito à ação da MutM. Após a remoção da A pela MutY, o ataque a GO pela Fpg é bloqueado pela ligação de MutY ao DNA. Resta saber como o sistema de excisão de bases consegue contornar este obstáculo e colocar a base certa. Um terceiro elemento no sistema GO é o gene mutT, cujo produto não é uma DNA glicosilase. A inativação de mutT causa um aumento de até 10.000 vezes na mutagênese espontânea gerando transversões A:T → C:G. A proteína codificada por mutT é pequena (15 kDa), tem uma fraca atividade GTPase trifosfatase, mas é cerca de 1.000 vezes mais ativa sobre a 8-oxo-dGTP (8-oxo-7,8-dihidro-2’-dGTP), originada da oxidação de dGTP. Sua ação gera 8-oxo-GMP que não é incorporada ao DNA. A inativação de mutT leva à formação de A:GO durante a replicação e, neste caso, a proteína MutY conduz à mutagênese A:T → G:C. Em verdade foi verificado que o duplo mutante mutT mutY é menos mutável espontaneamente que o simples mutante mutT. Evidentemente a deficiência em proteínas MutY, MutT e MutM acarreta alta taxa de mutagênese espontânea, devida simplesmente à respiração celular. O genoma de D. radiodurans codifica múltiplos homólogos de MutT, entretanto o eucarioto S. cerevisiae, não codifica nem MutT nem MutY. Em seres humanos genes semelhantes a mutY, mutT e fpg/mutM já foram detectados e a não funcionalidade do gene fpg/mutM humano é detectada na maioria dos cânceres de pulmão. Em células humanas o sistema GO atua de maneira semelhante ao descrito para E. coli, evitando que GO (que pareia igualmente com A e C) conduza às transversões mutagênicas GC→→→→TA e AT→→→→CG. Além disto, o sistema GO em humanos envolve outros sistemas de reparação tais como BER, MMR e NER, como pode ser visto na Figura VII-26. A proteína MTH1 (MTH = MutT Homolog) é capaz de degradar 8-oxo-dGTP assim como 8-oxo- dATP e 2 hidroxi-dATP, gerando monofosfatos, que não são incorporados ao DNA. A localização de MTH1 é ubíqua, sendo encontrada no núcleo, citosol e mitocôndrias, existindo 3 ou 4 variantes (MTHa- d) nas células. Em camundongos Mth-/-, aumenta muito a quantidade de tumores espontâneos, embora as transversões AT→CG não sejam observadas nesses camundongos. Entretanto as transversões GC→TA aparecem em maior número, assim como inserções/deleções de 1 base em microssatélites de mononucleotídeos. VII-27 Replicação MMR 8-Oxoguanina A C T T G G T G A A C G DNA pol 8-oxo-dGMP MTH1 A C T Go G C T G A A C G A C T AP G G T G A A C G OGG2 GO BER DNA reparado MMR A C T Go G G T G A A C G A C T Go G G T G A AP C G A C T T G G T G A A C G BER A MUTAÇÃO A C T Go G C T G A C C G A C T G G C T G A C C G Lesão oxidativa A C T AP G C T G A C C G A C T G G C T G A C C G NEIL1 OGG1 GO OU BER DNA reparado TCR GGR RAR Figura VII.12 - Reparo de lesões GO em mamíferos Replicação MMR 8-Oxoguanina A C T T G G T G A A C G DNA pol 8-oxo-dGMP MTH1 A C T Go G C T G A A C G A C T AP G G T G A A C G OGG2 GO BER DNA reparado MMR A C T Go G G T G A A C G A C T Go G G T G A AP C G A C T T G G T G A A C G BER A MUTAÇÃO A C T Go G C T G A C C G A C T G G C T G A C C G Lesão oxidativa A C T AP G C T G A C C G A C T G G C T G A C C G NEIL1 OGG1 GO OU BER DNA reparado TCR GGR RAR Replicação MMR 8-Oxoguanina A C T T G G T G A A C G DNA pol 8-oxo-dGMP MTH1 A C T Go G C T G A A C G A C T AP G G T G A A C G OGG2 GO BER DNA reparado MMR A C T Go G G T G A A C G A C T Go G G T G A AP C G A C T T G G T G A A C G BER A MUTAÇÃO A C T Go G C T G A C C G A C T G G C T G A C C G Lesão oxidativa A C T AP G C T G A C C G A C T G G C T G A C C G NEIL1 OGG1 GO OU BER DNA reparado TCR GGR RAR Replicação MMR 8-Oxoguanina A C T T G G T G A A C G DNA pol 8-oxo-dGMP MTH1 A C T Go G C T G A A C G A C T AP G G T G A A C G OGG2 GO BER DNA reparado MMR 8-Oxoguanina8-Oxoguanina A C T T G G T G A A C G A C T T G G T G A A C GT G A A C G DNA polDNA pol 8-oxo-dGMP MTH1MTH1 A C T Go G C T G A A C G A C T Go G C A C
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