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CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CURSO: Geografia DISCIPLINA: Mundo Contemporâneo I CONTEUDISTA: Gabriel Siqueira Corrêa AULA 1 – A construção de visões de mundo a partir da Geografia: META da aula: Apresentar ao estudante a importância da disciplina como forma de combater as representações eurocêntricas dominantes sobre as diferentes regiões do mundo. Objetivos: 1 – Que o estudante entenda a importância de refletir sobre as visões de mundo que possui, em especial sobre as regiões do sul geográfico; 2 – Identificar alguns elementos e conteúdos que constroem a trajetória do ensino de geografia sobre o mundo. PRÉ-REQUISITOS: - Dominar o conceito de região e sua leitura como ferramenta de análise da realidade Introdução Você já deve ter percebido durante seu ensino básico que a Geografia representa de forma geral uma disciplina que apresenta diversos espaços diferentes pelo mundo. Nesses espaços existem temas ou abordagens escolhidas para apresentar aspectos físicos e populacionais, além de questões vinculadas às transformações territoriais. Nessa apresentação você passa a conhecer parte de cada país, sua população e seus aspectos políticos e econômicos. De certa forma você acaba adquirindo uma visão sobre cada espaço, cuja representação vai sendo somada a um repertório de imagens e assuntos que você conhece. É diante deste cenário que podemos considerar que a ciência geográfica constrói visões de mundo e sobre o mundo, que ganham importância crucial ao tratarmos questões vinculadas a esta disciplina. Dessa forma, nesta primeira aula, foi adotado um caminho que busca a) Produzir reflexão sobre as visões de mundo; b) problematizar a nossa leitura no ensino de geografia em relação a estes temas; c) e apresentar algumas noções importantes no desenvolvimento do curso, como a ideia de eurocentrismo. 1 – Representações e visões de mundo: perspectivas iniciais. Quando falamos de mundo, ou melhor, do mundo, a imagem mais comum que se forma em nossas mentes é a do mapa-múndi. Esta imagem que na verdade é uma representação, se faz na forma da terra como sendo um conjunto de continentes divididos em países. Normalmente o formato desta imagem hegemônica da terra é o da projeção de Mercator (fig. 1), que traz uma noção de tamanho e centralidade que privilegia alguns países em detrimento de outros. Assim a imagem assimilada do planeta já o traz como sendo um conjunto de superfícies divididas na forma de países correspondentes a uma estrutura de poder com as fronteiras bem demarcadas e fixas. Fig 1- Mapa político do mundo. Retirado:de:http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/atlasescolar/mapas_pdf/mundo_pla nisferio_politico_a3.pdf Box explicativo: Diferenças entre projeções: Todos os mapas são representações gráficas e planas da superfície, porém, apresentam características diferentes conforme a técnica utilizada. Historicamente o mapa mais utilizado é retratado a partir da projeção de Mercator, que mantém alto índice de acerto entre a distância dos continentes, mas deforma a área. Apesar de ser muito utilizado no ensino de Geografia, ele contém em si um uso político, visto que nele o Hemisfério Norte aumenta significativamente, e a forma como é representado coloca a Europa no centro. Se distinguindo dessa projeção, a de Peters, ainda que não mantenha a forma, mantém a área do continente, sendo utilizado como forma de crítica ao Eurocentrismo, valorizando a dimensão dos continentes do Sul. Fonte:https://www.google.com.br/search?q=peters+e+mercator&source=lnms&tbm=isc h&sa=X&ved=0ahUKEwi60Mun2P3YAhWIk5AKHR6pAzkQ_AUICigB&biw=1360&bih= 588#imgrc=ve_KjGMdL9g6pM: Esta imagem, construída em nossas representações, nos leva a naturalizar a ideia de que o mundo é um conjunto de países e regiões, sem refletirmos criticamente sobre os processos históricos e espaciais de criação e difusão imposta desta forma de organização social, marcada por fronteiras fixas. Afinal você já se perguntou quais foram os processos que levaram a essa formação? Ou ainda, como foram decididos os limites territoriais de cada país? Um olhar mais atento a esse fato nos leva a observar que a consolidação de vários Estados-Nações pelo mundo, criados não só ocupando uma posição na estrutura de poder definida (de divisão do mercado internacional de trabalho), mas também uma divisão populacional que é étnico- racial, se deu através de um longo movimento histórico de violência e criação de desigualdades e estigmatizações sobre “os outros” da Europa, que com o tempo consolidou um repertório de representações moldando visões de mundo sobre cada uma das regiões. Uma pergunta que podemos fazer é se ao olhar este mapa somos capazes de traçar um conjunto de características sobre as regiões e as populações que a ocupam. Será que entre as respostas vão aparecer ideias como: “terroristas”, “extremistas”, “evoluídos”, “atrasados”, ou ainda “área de fome”, “continente das doenças”? A construção dessas visões, produzidas em diferentes momentos, não esta associada apenas a trajetórias individuais que cada um de nós adquire com o passar do tempo. As representações que evocamos estão presentes em um conjunto de símbolos compartilhados por todos, à medida que são difundidos por mecanismos coletivos. A origem desse repertório envolve um acervo de arquivo e imagens construídos através de jornais, novelas, filmes, romances, que apresentam uma dada realidade, que é frequentemente repetida, e incorporada ao senso comum. Um exemplo simples é o da região do Nordeste. Muitas vezes associa- se essa região a uma série de imagens e informações como “seca” e “pobreza”, “povo batalhador e sofrido”, ou até mesmo, no atual momento político vivido, uma leitura associada ao preconceito de origem, tratando a população como algo único, e não uma pluralidade. Esse conjunto de informações direcionam uma atitude e reduzem uma pluralidade regional a uma realidade, que passa a compor a geografia imaginária sobre este espaço e a população que o ocupa. Ela está presente não apenas em inúmeras novelas, mas também em outros programas que apresentam essa região ora como foco de problemas, ora como paraíso tropical com suas praias. BOX Multimídia: Entrevista com Durval Muniz de Albuequerque: autor da invenção do Nordeste O historiador Durval Muniz de Albuquerque escreveu em 1994 sua tese chamada a invenção do Nordeste que deu origem ao Livro do mesmo nome. Nesse livro o autor aborda as características mobilizadas na construção de uma leitura sobre o Nordeste, construída principalmente através de romances, novelas e filmes. No link abaixo é possível acessar a entrevista com o autor, em que ele conta um pouco mais sobre como ocorreu o que ele chamou de “invenção do Nordeste”. https://www.youtube.com/watch?v=t_Z_e-EK19Y Porém, essas visões não são construídas unicamente pelos jornais, internet, ou filmes. O acervo de imagens e discursos pode ser encontrado também em outros lugares, indo além das padronizações que vocês já devem ter percebido através de filmes lançados em escala mundial, ou novelas de alcance nacional que ditam uma leitura sobre os espaços. Estamos falando aqui sobre os materiais didáticos, distribuídos em todas as escolas da rede publica do Brasil, construindo um acervo de imagens e conteúdos sobre as mais diferentes regiões e realidades, não só do Brasil, mas também do mundo, reproduzindo certas ideologias geográficas (MORAES, 1991). Quanto ao conceito de ideologias geográficas vale uma leitura mais profunda, pois ele está associado aos debates que vamos fazer ao longo da disciplina. MORAES (1991, 2008) propõem uma forma interessante de olharmos a produção do pensamento geográfico. Ele expressa a geografia enquanto pensamento realizado através de representaçõesespaciais que pode ser enxergada em três níveis, o do “horizonte geográfico”, o do “pensamento geográfico”, o das “ideologias geográficas”. (MORAES, pág. 12, 2008) A primeira são as geografias espontâneas, os raciocínios que utilizamos a todo o momento a partir do espaço, as geografias do cotidiano, do senso comum, que não devem ser confundidas com as problematizações acerca do espaço. São aqueles raciocínios que você mobiliza ao pensar o caminho ao sair de casa, ao traçar uma viagem refletindo sobre lugares para ir, condições necessárias de acesso, entre outras coisas. Na leitura do autor, a geografia institucionalizada e de caráter acadêmico faz parte do pensamento geográfico. Porém, o pensamento geográfico não se reduz a geografia acadêmica. No pensamento geográfico é possível encontrar também outros conhecimentos sistematizados por viajantes, cientistas, literários, jornalistas que pensaram os lugares sob uma ótica espacial, ou seja, as sistematizações que apresentam de alguma forma a representação de determinado espaço. Isso se estende a um variado campo de discursos que dizem respeito sobre o espaço (descrevendo-o ou caracterizando sua população), atuando em inúmeras escalas (representações locais até as nacionais). Constitui um acerco histórico amplo, que forma visões de diferentes grupos, que como já indicamos “(...) emergem em diferentes contextos discursivos, na imprensa, na literatura, no pensamento político, na ensaística, na pesquisa científica etc.” (MORAES, 1991, pág. 32) A partir delas observam- se manifestações de determinadas visões que difundem valores positivos ou negativos sobre esse ou aquele espaço. Como indica Moraes “Enfim, vai sendo gestado um senso comum a respeito do espaço. Uma mentalidade acerca de seus temas. Um horizonte espacial, coletivo. (MORAES, 1991, pág. 32)”. A abordagem exposta como pensamento geográfico é importante e rica, visto que ela não é limitada a disciplina de geografia, mas coloca a imprensa, a literatura, o pensamento político ensaísta dentre outros, que criam e difundem visões de mundo e de Brasil, e ainda ajudam a entender as representações espaciais da sua época, que passam a constituir os lugares e suas histórias. Ao não limitarmos o pensamento geográfico a geografia acadêmica, estendemos o campo possível para se pensar geografia, não deixando de problematizar a vasta literatura sobre a formação do território, em que o simbólico e material são mutuamente constituídos. Essa abordagem tem sua importância ainda mais destacada no terceiro e último horizonte, as ideologias geográficas, um conjunto de discursos dentro do pensamento geográfico, porém, em uma classe mais restrita de discursos que tem como principal ponto de distinção, serem interligados por interesses políticos, principalmente aqueles que criavam/difundiam – e ainda criam/difundem – uma visão de determinado território e/ou grupo. Essas representações são dotadas de relações de poder, construindo verdadeiros modos de pensar/imaginar determinada área ou sujeito. Fala-se da vinculação com o sentido político aqui de forma essencial, pois ele vai percorrer vários campos do conhecimento, estabelecer projetos e inclusive inculcar valores e subjetividades. São invenções permanentes de sentidos e intenções, são ideologias justificadas por representações geográficas e políticas territoriais do Estado. Dessa forma, livros de literatura, informações jornalísticas ou acervos sobre o passado, podem ganhar uma dimensão política, ou tornarem-se ferramentas políticas, justificando ou estimulando intervenções. As ideologias geográficas também são apropriadas por populações que passam a se identificar sob-rótulos, e representações difundidas. Portanto essas ideologias são elementos ativos na formação, identificação e transformação do espaço, seja para a exploração ou para a liberdade. Segundo o autor supracitado a geografia acadêmica, poderia “constituir também um veículo específico de diferenciadas ideologias.” (MORAES, 2008, pág. 14). Diante isso, a pergunta que devemos fazer é: o ensino de geografia faz parte desse campo das ideologias geográficas? Nossas visões de mundo são influenciadas por leituras com intenções políticas? 2. Representações e ensino de Geografia Assim, cabe analisar como essas representações são construídas na geografia, principalmente no ensino básico, que pode ser um mecanismo de problematização ou legitimação do que é visto nos jornais, televisões e cinema. Infelizmente, no período mais recente é comum que os materiais didáticos apresentem uma leitura linear e natural da formação do mundo, que naturaliza uma visão sobre como a atual configuração de poder e de desigualdade foi formada em escala mundial. Isso pode ser visto ao lermos de forma mais atenta estes materiais em que é possível perceber a existência de uma determinada narrativa que tende a se repetir a partir de uma sequência de temas: primeiro há o feudalismo, depois as grandes navegações, e como conseqüência a chegada dos europeus a América. Prosseguindo nos conteúdos apresenta-se a criação de um sistema de colonização e uma divisão internacional do trabalho, marcada pela relação colônia e metrópole. Nesse caminho estrutura-se uma narrativa que parte do europeu para os outros espaços do mundo. Os habitantes que vivem na América são vistos e denominados de primitivos, sem religião, higiene e organização social. O contato com a África é apresentado já sob o prisma da relação econômica, e do vazio cultural, quando aparece. De qualquer forma, a leitura induz a pensarmos que ambos os continentes passam a servir unicamente como reserva de mão de obra escravizada e fonte de matéria prima, o que mobiliza a sua ocupação e expropriação. Não há formas de resistência, apenas invasão, e devido a uma dita superioridade, há o domínio quase total. Em relação a este domínio apresentado, é interessante notar como algumas justificativas que foram utilizadas em contextos passados parecem continuar povoando o imaginário e a própria leitura acadêmica acerca do tema, que o aceitam de forma natural. Resultando em uma dificuldade em seguir outros caminhos e conteúdos que não sejam os das sequências apresentadas. Essa naturalização acaba resultando na aceitação de teorias pseudocientíficas utilizadas para justificar esses processos de invasão. A mais comum é que a América e a África foram colonizadas devido à existência de “povos sem escrita e sem história”, sendo necessário um projeto civilizatório para os povos do sul geográfico. Outros falaram de “fardo do homem branco”, como uma missão que deve ser incorporada pelos europeus e estadunidenses. Mudam-se os tempos e essas terminologias são adaptadas, como as intervenções em povos “sem desenvolvimento”, “sem democracia”, ”sem cultura” etc. Os conteúdos ensinados atualmente parecem ter pouco poder frente aos materiais didáticos que naturalizam essa ideia, ao apresentarem a ocupação e expansão europeia de forma natural. BOXE EXPLICATIVO: O fardo do homem branco No final do século XIX, em 1899, o poeta inglês Rudiyard Kipling, publicou um controverso poema chamado “O fardo do homem branco”. Publicado dentro do contexto de interiorização da ocupação na África e Ásia pelos europeus, e da intensa ocupação Estadunidense nas Américas, o poema passava uma mensagem da importância e necessidade de levar a “civilização” a “povos sem cultura”, justificando a invasão e processos imperialistas, ocultando toda brutalidade que envolveu esse processo. Imagem que satiriza o poema: retirado de https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Fardo_do_Homem_Branco#/media/File:The_whit e_mans_burden.gif Essa leitura que se faz do mundo, traz uma noção em que as relações desenvolvidas na Europa eram avançadas, e representavam tudo que as outras populações deveriam ser. É construída uma narrativalinear que coloca a Europa como padrão, a norma, e o que se distingue da norma é incorreto, e deve ser ajustado. Isso acontece nas mais diversas dimensões da vida, na linguagem, cultura, valores, saberes, religiosidade etc. A Europa surge como um espaço, constituído por uma população avançada, desenvolvida, posicionada no centro político e cultural da civilização e do conhecimento. As estratégias e as práticas de desterritorialização e desigualdade produzidas, a partir da expansão primitiva do capital, como aborda o geógrafo David Harvey são silenciadas, colocadas como naturais, parte da consequência da relação superioridade/inferioridade. O crescimento da Europa parece autogerado nesse caminho, sem uma associação de interdependência com outros continentes. Assim a partir do século XV a Europa é o futuro, enquanto América e África são o passado que deve ser incorporado ao presente. Cria-se o ideário de que todos devem buscar alcançar o que existe na Europa. Esse sistema de conhecimentos e epistemologias se propõe a apagar as culturas e técnicas desenvolvidas em espaços não europeus. As diferenças entre a Europa e a “não Europa” são transformadas em assimetrias temporais – os outros são o passado, enquanto a Europa é o presente. As experiências sociais de diferentes populações, e a própria relação da sociedade com o espaço é chamada de primitiva, não desejável, descartável. Segundo o autor português Boaventura Santos essa é a lógica que tenta impor uma narrativa universal de história e geografia, uma visão eurocêntrica sobre o passado e o presente. Esse ideário eurocêntrico que toma conta da nossa forma de ver o mundo, e constitui a nossa geografia ensinada se configura como uma geopolítica do conhecimento. Assim é preciso um projeto de geografia que busque a descolonialidade em sua produção, possibilitando a reabertura para outros debates que pouco tem tido visibilidade na Geografia acadêmica brasileira, e menos ainda no ensino de Geografia. Ao contrário da descolonização, luta pautada pela independência das colônias em relação às metrópoles, a descolonialidade envolve tanto um processo pela libertação epistêmica, das ciências e conceitos europeus e estadunidenses que desconhecem, homogeneízam ou ignoram a realidade do sul geográfico. Espaços que tiveram nos últimos cinco séculos uma dinâmica muito particular em relação aos países de outros continentes, não podem ser vistos como complementos da história européia. Não podem ter suas realidades reduzidas a um punhado de definições, e a poucas imagens. Essas visões de mundo reducionistas reproduzidas no ensino devem ser vista como um problema da Geografia, pois homogeneízam uma série de grupos e práticas. Transforma espaços muito diferentes, em realidades similares. Edward Said traz uma importante contribuição nesse questionamento ao falar das geoculturas como forma de denominação que leva a homogeneização. Ele crítica os reducionismo e denominações unificadoras, como a existência de “uma” América, de “um” Ocidente, e no caso do seu estudo de “um” Oriente. A tendência de simplificar realidades através da invenção de identidades coletivas que representam indivíduos com práticas distintas deve ser combatida, através de informações mais precisas, a partir de falas localizadas, não restritas a uma única fonte. Em seu trabalho Said aprofunda um exemplo clássico dessa homogeneização, que tem espaço nos conteúdos ensinados pela Geografia. O autor constrói o conceito de Orientalismo, como a invenção do Oriente pelos europeus, um discurso que tem a força de criar “um outro” para a Europa. O oriente é o místico, o exotismo, o atraso, descrito em relatos e romances. Esses relatos e descrições ganham contornos de realidade, são explicados e ensinados, produzindo uma geografia imaginativa sobre o que é o Oriente. Este vira uma entidade geográfica, que evoca uma série de associações. O orientalismo é um sistema de conhecimento da Europa e posteriormente dos Estados Unidos, sobre o oriente. BOX VERBETE: Edward Saíd Imagem retirada de https://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Said Edward Waid Said foi um dos intelectuais palestinos mais importantes do século XX, tendo publicado diversos livros, dentre eles “O orientalismo”, um marco nos estudos pós- coloniais. Nascido em 1935 em Jerusalém, foi para os Estados Unidos terminar seu estudos, onde fez doutorado em Harvey. Em 1978 publicou O orientalismo, com uma análise profunda do discurso ocidental sobre o Oriente. Mesmo após quase 40 anos de publicação, este livro continua sendo um dos marcos para o debate sobre o Oriente no período atual. Em nossa disciplina, algumas dessas leituras também são marcantes, afinal, você já parou para pensar quais são as informações que você possui sobre as trajetórias políticas e econômicas de outros continentes e dos países que os compõe? Sobre as diferentes regiões do globo, você seria, por exemplo, capaz de citar o papel de alguns países africanos na economia global?Ou abordar a relação deles com o Brasil? Qual foi a última notícia sobre estes países que você teve acesso? Ou ainda, seria capaz de responder questões mais gerais, por exemplo, “como ocorreu à descolonização no continente africano?” “Qual o papel do Pan-Africanismo nesse processo?” Poderíamos fazer as mesmas perguntas quando falamos de Ásia, da região do Oriente Médio, e até mesmo da América Latina, que raramente aparece no currículo praticado. Apesar de sabermos pouco sobre essas realidades, temos um conjunto de noções gerais sobre cada uma dessas regiões, constituídos por estigmas fáceis de associar. Palavras como pobreza, guerra, fome, colonização, escravidão, extremismo, subdesenvolvimento, terceiro mundo, dentre tantas outras, fazem parte da nossa gramática que define ou caracteriza determinadas regiões do mundo. Diante disso, a primeira postura que deve ser adotada é questionar as narrativas compostas por características gerais que naturalizam a desigualdade nas posições de poder no mundo. Não basta entender que há conflitos acontecendo, é preciso entender quais são, o que os motiva, qual o papel deles na rede de poder, o que influencia na dinâmica mundial. Evitar cair em discursos rasos e fáceis, como “o Islã é uma religião de extremistas” que pouco diz sobre os espaços estudados, e a relação deles com as redes mundiais de poder. Da mesma forma é preciso entender os processos históricos e geográficos que deram origem a estes problemas. Atividade 1) Cite cinco países africanos e o papel de dois deles na economia global. _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ Resposta: O estudante pode citar diversos países africanos. Caso não os conheça, basta recorrer a um mapa para identificá-los. Entre os mais conhecidos, destacamos: África do Sul, Nigéria, Gana, Angola, Moçambique, Camarões, Costa do Marfim entre outros. Entre papeis exercidos por estes países temos: - A África do Sul possui um papel central na economia africana, somando quase 25% de toda renda do continente, e exportando diversas materiais primas e tendo um dos portos mais movimentados do mundo. Ademais tem participação direta nas relações globais, inclusive fazendo parte do BRICS, por sua influência no continente africano. - Apesar da crise a Nigéria é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, estando em 5º lugar entre os países membros da OPEP que mais produzem Petróleo, tendo alianças com países de todos os continentes. Comentários adicionais: Essa questão tinha como objetivofazer com que o estudante buscasse algumas referências sobre a África, partindo do princípio que somos pouco estimulados a conhecer a realidade dos países que constituem esse continente. 2) Pesquisa notícias vinculadas ao Oriente Médio e comente os resultados relacionando-os ao debate sobre visões de mundo apresentado no conteúdo anterior. _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ ____________________________________________________________ Resposta: O estudante pode fazer pesquisas na internet vinculadas a sites jornalísticos, ou procurar imagens vinculadas ao Oriente Médio. É provável que a maior parte das notícias encontradas estejam associadas a guerras, mortes, conflitos e religiosidade, demonstrando a necessidade de intervenção externa de países europeus e do próprio Estados Unidos e a falta de controle dos próprios países. Ademais, em muitas situações, é possível perceber que o Oriente Médio é trabalho como um todo, homogeneizado, de pouca diversidade, ainda que seus povos se diferenciem consideravelmente. É importante entender como esse repertório de notícias acaba por influenciar nossa leitura sobre o continente, fazendo com que nossas associações imediatas estejam ligadas a aspectos negativos. Comentários adicionais: A intenção com essa pergunta é fazer com que o estudante perceba como as representações que construímos sobre determinados espaços, são influenciadas por notícias amplamente reproduzidas pela mídia, inclusive a jornalista. No caso do Oriente Médio há um padrão de notícias que muitas vezes associam Oriente Médio a um espaço de guerra e terrorismo, sem abrir margem a outras narrativas e outras interpretações sobre este espaço. 3) Define o Orientalismo com suas palavras. _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ Na introdução do seu livro Said expõem diferentes significados sobre o Orientalismo. Segundo ele - “... tiveram uma longa tradição do que vou chamar Orientalismo, um modo de abordar o Oriente que tem como fundamento o lugar especial do Oriente na experiência ocidental européia. O Oriente não é apenas adjacente á Europa; é também o lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, a fonte de suas civilizações e línguas, seu rival cultural e uma de suas imagens mais profundas e mais recorrentes do Outro. Além disso, o Oriente ajudou a definir a Europa ( ou o Ocidente) com sua imagem, ideia, personalidade, experiência contrastantes. Mas nada nesse Oriente é meramente imaginativo. O Oriente é uma parte integrante da civilização e da cultura material européia. O Orientalismo expressa e representa essa parte em termos culturais e mesmo ideológicos, num modo de discurso baseado em instituições, vocabulário, erudição, imagens, doutrinas, burocracias e estilos coloniais.” (SAID, p. 27-28) 2) “o Orientalismo é um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica feita entre o “Oriente” e (na maior parte do tempo) o “Ocidente”.” (SAÍD, pag. 29) 3) “Neste ponto chego ao terceiro significado de Orientalismo, cuja definição é mais histórica e material que a dos outros dois. Tomando o final do século XVIII como ponto de partida aproximado, o Orientalismo pode ser discutido e analisado como a instituição autorizada a lidar com o Oriente – fazendo e corroborando afirmações a seu respeito, descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o, governando-o: em suma, o Orientalismo como um estilo ocidental para dominar, reestruturas e ter autoridade sobre o Oriente.” (SAÍD, pág. 29) O que SAÍD aponta é que o orientalismo é, sobretudo, uma maneira autorizada de falar sobre o Oriente, de vinculação diretamente eurocêntrica, e mais recentemente com um forte investimento de estudos estadunidenses. Estes apresentam valores generalizados, perpetuando estereótipos baseados em sistemas de representações. Estes sistemas demonstram como ao longo dos últimos séculos diversos grupos falaram sobre o Oriente e foram progressivamente construindo um conjunto de ideias sobre ele, se apoderando e o desfigurando, aplicando imaginários próprios para pensarem e descreverem esse espaço. Imaginários que partiram de interesses políticos e sociais que o Ocidente tinha com o Oriente desde o período do imperialismo. Dessa forma, o Orientalismo, para Saíd, é a maior narrativa da história, contando com investimento de estudos políticos, literários, econômicos, construídos por governos e intelectuais franceses e ingleses, e consolidados, cada vez mais, por autores norte-americanos. Comentários: Para um aprofundamento do tema, é sugerido que além da leitura do livro, os estudantes procurem resenhas e vídeos do próprio Edward Saíd sobre o tema. Entender o Orientalismo é também entender como as representações são construídas e podem permanecer por tanto tempo mesmo sem estarem apoiadas em bases científicas rigorosas. E, sobretudo, entender que os sistemas de representação são construídos a partir de interesses políticos e sociais, e não podem ser entendidos foram destes. A partir do poema responda as duas questões abaixo: O Fardo do Homem Branco Tomai o fardo do Homem Branco - Envia teus melhores filhos Vão, condenem seus filhos ao exílio Para servirem aos seus cativos; Para esperar, com arreios Com agitadores e selváticos Seus cativos, servos obstinados, Metade demônio, metade criança. Tomai o fardo do Homem Branco - Continua pacientemente Encubra-se o terror ameaçador E veja o espetáculo do orgulho; Pela fala suave e simples Explicando centenas de vezes Procura outro lucro E outro ganho do trabalho. Tomai o fardo do Homem Branco - As guerras selvagens pela paz - Encha a boca dos Famintos, E proclama, das doenças, o cessar; E quando seu objetivo estiver perto (O fim que todos procuram) Olha a indolência e loucura pagã Levando sua esperança ao chão. Tomai o fardo do Homem Branco - Sem a mão-de-ferro dos reis, Mas, sim, servir e limpar - A história dos comuns. As portas que não deves entrar As estradas que não deves passar Vá, construa-as com a sua vida E marque-as com a sua morte. Tomai o fardo do homem branco - E colha sua antiga recompensa - A culpa de que farias melhor O ódio daqueles que você guarda O grito dos reféns que você ouve (Ah, devagar!) em direção à luz: "Porque nos trouxeste da servidão Nossa amada noite no Egito?" Tomai o fardo do homem branco - Vós, não tenteis impedir - Não clamem alto pela Liberdade Para esconderem sua fadiga Porque tudo que desejem ou sussurrem, Porque serão levados ou farão, Os povos silenciosos e calados Seu Deus e tu, medirão. Tomai o fardo do Homem Branco! Acabaram-se seus dias de criança O louro suave e ofertado O louvor fácil e glorioso Venha agora, procura sua virilidade Através de todos os anos ingratos, Frios, afiados com a sabedoria amada O julgamento de sua nobreza. Rudyard Kipling 4) Quais são as representações associadas ao “outro” do homem branco expressas no texto? _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta: Entre os temos associados ao “outro” do homembranco, os estudantes podem citar: selvagens (termo citado mais de uma vez); primitivos (associados à ideia de crianças e infância, como atrasada) e demoníacos (pela falta de conhecimento, e religiosidade dita pagã); famintos, doentes, indolentes e ainda povos desprovidos de paz, com necessidades básicas de conhecimentos medicinais para resolução das doenças. 5) Faça uma pesquisa sobre o poema, e diga em que contexto ele foi utilizado nos Estados Unidos. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ O estudante pode identificar dois contextos relacionados ao uso do poema: - O contexto mais geral em que o poema foi escrito, em 1894 e publicado cinco anos depois era referente à corrida imperialista, posterior à conferência de Berlim e os avanços estadunidenses sobre a América. O fardo do homem branco, escrito pelo inglês Kipling, foi uma corroboração ao Imperialismo, trazendo todo um imaginário sobre os grupos a serem colonizados, e associando o imperialismo a missão civilizatória e o progresso. Dessa forma justificava-se a ocupação e anexação de outros territórios, que teriam, na verdade, um fundo missionário e de ajuda aos “povos selvagens”. - O poema foi utilizado durante processo imperialista americano, principalmente de anexação das Filipinas e outras áreas na região da América Central. Naquele momento, não era só o Império britânico que teria o “dever” de levar “povos atrasados” ao progresso, mas isso também seria feito em Washington. Assim, o “Fardo do homem branco” virou material de inspiração, justificação e legitimação do processo imperialista americano. Comentários adicionais É importante notar uma associação ao fardo do homem branco com o orientalismo. Na década passada os EUA invadiram o Iraque sem a anuência da ONU, usando como justificativa a necessidade de ajudar os iraquianos contra a um chefe de governo opressor, na defesa da democracia e na perseguição a supostas armas nucleares. Após passarem mais de uma década ocupando o Iraque, nenhuma arma foi encontrada, e depois da saída dos americanos do país, a crise continuou, deixando o Iraque com uma estrutura econômica e social abalada. Da mesma forma, há constantes ameaças para invasão de outras áreas, principalmente do Oriente Médio, sob a justificativa da defesa da democracia. Mas o que se vê, é que há um interesse econômico por trás dessas intervenções, que trazem pouco, ou até mesmo nenhum benefício para população. 6) Explique com suas palavras o que é ideologia geográfica: _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta: O aluno deve apresentar elementos que estão presentes no texto e indiquem a criação de representações sobre dados espaços a partir de um discurso político. Abaixo segue o trecho deste material que explicita essa ideia. “Um conjunto de discursos dentro do pensamento geográfico, porém, em uma classe mais restrita de discursos que tem como principal ponto de distinção, serem interligados por interesses políticos, principalmente aqueles que criavam/difundiam – e ainda criam/difundem – uma visão de determinado território e/ou grupo. Essas representações são dotadas de relações de poder, construindo verdadeiros modos de pensar/imaginar determinada área ou sujeito. Fala-se da vinculação com o sentido político aqui de forma essencial, pois ele vai percorrer vários campos do conhecimento, estabelecer projetos e inclusive inculcar valores e subjetividades. São invenções permanentes de sentidos e intenções, são ideologias justificadas por representações geográficas e políticas territoriais do Estado.” 3 – Eurocentrismo e o ensino de Geografia Na abordagem inicial, falamos um pouco da narrativa européia e sua reprodução na leitura da Geografia. Essa breve exposição traz exemplos sobre conteúdos, ao mostrar como a geografia que se ensina parte de uma base eurocêntrica. Mas por mais que já tenha sido exposto aqui os significados do eurocentrismo, como é possível defini-lo de forma mais objetiva, bem como as lógicas que ele opera? Podemos definir o eurocentrismo como uma visão de mundo que situa a Europa em seu centro, definindo a sua experiência, saberes, formas de conhecimento, e estruturas societais como corretas e ideais, transformando tudo que é diferente em inferior. O eurocentrismo enquanto projeto cognitivo atuou junto ao processo de expansão européia sobre o mundo, no período da colonização e imperialismo, transformando a perspectiva dos dominados sob seu poder. Dessa forma o eurocentrismo passou a ser não apenas a perspectiva dos europeus, mas também a perspectiva dos que foram educados sob sua hegemonia, como indica Anibal Quijano (2006). É preciso entender que o debate sobre o eurocentrismo não visa descaracterizar ou subalternizar o papel dos avanços científicos ocorridos na Europa, mas apenas refletir que grande parte dessas conquistas não foram autogeradas, mas construídas a partir de processos de acúmulo desiguais de poder, sendo os contextos favoráveis fruto dos processos de colonialismo e imperialismo. É preciso perceber que existem outras formas de conhecer o mundo, bem como outras óticas de abordagens construídas a partir de cada lugar. Mas retomando ao eurocentrismo, quais são as lógicas que aparecem nesse discurso? Como o eurocentrismo é construído no campo das ideias e das práticas? Podemos citar aqui alguns exemplos, como: transformação das diferenças em hierarquias sejam elas linguísticas, étnico-raciais, culturais, religiosas; a transformação de uma história regional em uma história universal, que coloca a narrativa dos europeus no centro do que é ensinado, e relega as outras a escalas locais; a criação de homogeneizações e reducionismos, que agrupam indivíduos diversos sob rótulos como “africanos”, “americanos”, “asiáticos”, sempre definidos em comparação ao “europeu”; projeção de um valor estético de beleza e ideário a ser seguido; a criação de binarismos e separação como razão – emoção, moderno-tradicional, civilizado-primitivo, misticismo-científico; a formação de uma linha que coloca experiências simultâneas em uma sequência linear da história, ou seja, cria estágios de desenvolvimento, que culminam na Europa, articulando diferenças culturais em hierarquias cronológicas segundo Edgardo Lander (2006). O cientista social peruano, Anibal Quijano indica que o Eurocentrismo se baseia em dois mitos fundadores principais. Nesse sentido cabe a leitura de um pequeno trecho do seu texto: Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. (...) “De acordo com essa perspectiva, a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiência e produtos exclusivamente europeus. Desse ponto de vista, as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou, melhor dizendo, a Europa Ocidental, e o restante do mundo, foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-Europa. Mesmo assim, a ˙única categoria com a devida honra de ser reconhecida como o Outro da Europa ou “Ocidente”, foi “Oriente”. Não os “Índios” da América, tampouco os “negros” da África. Estes eram simplesmente “primitivos”. Sob essa codificação das relações entre europeu/não europeu, raça é, sem dúvida, a categoria básica.Essa perspectiva binária, dualista, de conhecimento, peculiar ao eurocentrismo, impôs-se como mundialmente hegemônica no mesmo fluxo da expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo. Não seria possível explicar de outro modo, satisfatoriamente em todo caso, a elaboração do eurocentrismo como perspectiva hegemônica de conhecimento, da versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais mitos fundacionais: um, a ideia-imagem da história da civilização humana como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa. E dois, outorgar sentido ás diferenças entre Europa e não-Europa como diferenças de natureza (racial) e não de história do poder. Ambos os mitos podem ser reconhecidos, inequivocamente, no fundamento do evolucionismo e do dualismo, dois dos elementos nucleares do eurocentrismo. (QUIJANO, 2006, p. 111, grifos meus)”. A leitura do texto mostra como a criação de uma autoimagem e a naturalização das diferenças e hierarquias foram bases para a criação de uma perspectiva eurocêntrica. Livro: A colonialidade do saber Eurocentrismo e ciências sociais Para um aprofundamento sobre o debate vinculado ao Eurocentrismo indicamos a leitura do livro “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latino-americanas”, organizado por Edgardo Lander, com textos de autores de várias partes da América Latina, e apresentação do Geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves. Segue breve trecho da apresentação O livro é resultado de reflexões sobre como o eurocentrismo tem influenciado na interpretação de realidades latino-americanas, a partir de diferentes focos e campos disciplinares. É leitura fundamental para quem deseja entender melhor quais os discursos e conceitos que fundamental e legitimam uma narrativa eurocêntrica nas ciências sociais. Mas como essas perspectivas passam a constituir o ensino de Geografia? Primeiro cabe lembrar que a Geografia como ciência, nasce associada a aspectos imperialistas, representados em muitos casos pelas sociedades geográficas. Estas tiveram um importante papel no século XIX. Já o ensino de Geografia esteve muito associado à criação de uma identidade nacional, como trabalhou Yves Lacoste no livro “A geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra.”. No Brasil, os conteúdos a serem ensinados foram muito baseados na geografia francesa, inseridas nos livros didáticos pelo francês Delgado de Carvalho. Ainda que estes conteúdos tenham mudado ao longo dos últimos 70 anos, muito da estrutura ainda permanece A narrativa linear descrita no tópico anterior ilustra bem isso. Apesar dos debates sobre “como ensinar”, sugerindo outros métodos e novas abordagens no ensino, a reflexão “o que ensinar” em algumas situações tem sido deixada em segundo plano. O resultado é que em muitas situações estes conteúdos são regulados pelo que está contido nos livros didáticos, que pouco mudam sua estrutura curricular de um para o outro, e são distribuídos em todo Brasil a partir do Programa Nacional de Livros Didáticos. Em uma rápida comparação entre livros, é possível notar que a sequência de conteúdos é muito próxima, e apesar de mudanças nos últimos anos, devido à inserção da lei 10.639 e da revisão sobre a imagem das mulheres nos livros. Assim o “marcos zeros”, ou seja, momentos em que os temas ou conteúdos são iniciados, quase sempre estão associados ao protagonismo europeu, e acabam reproduzindo reducionismos e estigmas sobre outras realidades. Assim pouco discutimos os marcos espaciais e formas de organização que não estejam relacionados aos Estados Unidos ou Europa. Como já foram indicadas anteriormente, essas noções motivam a construção dessa disciplina voltada para a compreensão das diferentes espacialidades expressas nas regiões localizadas no Sul geográfico, em uma abordagem que não se restrinja a estigmas, e apresente as interligações e transformações espaciais de realidades a partir de uma ótica diferente da eurocêntrica. Atividade 7) Com suas palavras, e a partir do texto indicada, defina o Eurocentrismo, apresentando suas lógicas, e indique suas implicações para o ensino de Geografia _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Sugestões de resposta: Nessa resposta o estudante tem que relacionar o eurocentrismo a: - Visão de mundo que institui a Europa como centro do mundo, definindo seus saberes, experiências, formas de conhecimento e estrutura social como correta; - Projeto epistêmico-político que se expandiu durante o processo de colonização; - Constituído por alguns sistemas como: transformação de diferença em hierarquia, transformação de uma história regional em uma história universal, apagando histórias locais de outros povos, criação de homogeneizações e reducionismos (tal qual o orientalismo), projeção de valores que associam branquitude a superioridade, formação de binarismos como primitivo-civilizado, moderno-tradicional e ainda a criação de uma linha do tempo, que coloca a Europa no topo do progresso social, político e econômico. - Entre as consequências para o ensino: marcos zeros associados na maioria dos casos a uma abordagem que sempre parte da Europa, como no processo de expansão das grandes navegações, revoluções industriais, entrada na África e na Ásia, entre outros; homogeneização das experiências africanas e Asiáticas, dando pouco espaço a estes debates, principalmente a temas que não estão associados a intervenções europeias; frágil debate construído sobre a América Latina vista quase sempre em associação ao seu processo de colonização ou ao imperialismo estadunidense. 8) O cientista social peruano, Anibal Quijano indica que o Eurocentrismo se baseia em dois mitos fundadores principais. Apresente-os, explicando o papel de cada um deles. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Cabe ao estudante apresentar os dois aspectos presentes no quadro da página 22: 1) “a ideia-imagem da história da civilização humana como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa”. Ou seja, a construção de uma teoria da civilização em que, quem estivesse fora dos moldes impostos viraria primitivo, e dessa forma não seria capaz de se autogovernar. Ademais, também transmite a concepção de que com a influência dos europeus os primitivos chegariam a um estado evoluído. Esse processo justifica a missão civilizatória. 2) “E dois, outorgar sentido ás diferenças entre Europa e não-Europa como diferenças de natureza (racial) e não de história do poder.” Aqui é abordada a construção da diferença de base racial, em que a ideia de superior e inferior seria definida por uma teoria racial, e não de desigualdade de acesso a mecanismos de poder. Sobre a explicação temos que “ambos os mitos podem ser reconhecidos, inequivocamente, no fundamento do evolucionismo e do dualismo, dois dos elementos nucleares do eurocentrismo.” (QUIJANO, 2006, p. 111,). 4) Conclusão Os conceitos apresentados durante esta aula podem ser utilizados para entender como o ensino de Geografia não deve ser visto como um conjunto de conteúdos neutros sobre o mundo. A ideia de Orientalismo e Eurocentrismo ajudam a entender como o ensino de Geografia deve ser visto como um repertóriode representações influenciado por leituras históricas e políticas, que mobilizam uma gama de imagens sobre os mais distintos espaços. Ter consciência desse processo é fundamental para pensar outras imagens e conteúdos sobre os diferentes espaços do mundo, combatendo estigmas fáceis de serem ensinados, quando abordamos realidades referentes aos países Africanos e Americanos. Atividade Final: A partir da leitura da aula, apresente no mínimo quatro regiões e/ou países que apresentam estereótipos e estigmas. Escolha um deles para pesquisar mais a fundo, buscando a origem desses estigmas. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta comentada: O estudante deve ser capaz de identificar alguns países ou regiões em que há um conjunto de informações que estabelecem uma verdade única sobre essas realidades. Abaixo vamos indicar alguns desses espaços: -As regiões brasileiras que são vistas a partir de um imaginário que define características gerais para espaços tão distintos como: nordeste, região de seca e sofrimento; Amazônia região de lagos, povos ribeirinhos, sem urbanização, e muitas vezes dita como atrasada; região Sudeste, urbanizada e verticalizada, com altos índices de violência; Sul, avançado, população branca, composta por imigrantes. A região Centro-Oeste normalmente ocupa pouco espaço nos materiais didáticos, mas é interessante notar como ela aparece sempre como uma área de vazio demográfico. A origem desses estigmas está associado ao quadro histórico de cada região, bem como os diferentes investimentos feito no século XX, cabe ao estudante buscar informações a fundo sobre cada uma delas. Ao longo do texto é citado o livro “A invenção do Nordeste”, que dá pistas sobre essa região. Ademais podemos procurar o livro “Amazônia, Amazônias” de autoria do professor Carlos Walter Porto-Gonçalves, que aborda os estigmas e homogeneizações feitas sobre essa região. 5) Resumo Esta aula tinha como objetivo apresentar ao estudante uma série de informações fundamentais para a compreensão do que envolve o ensino de Geografia quando abordamos o debate contemporâneo representando diferentes países. No primeiro tópico discutimos algumas ideias associadas à construção de visões de mundo, e como os conteúdos da Geografia fazem parte de um repertório de representações sobre o espaço, ensinadas e legitimadas dentro da sala de aula. Para isso entramos no conceito de ideologias geográficas, mostrando como algumas dessas representações são influenciadas por discursos políticos que tiveram usos históricos, e fazem parte de um conjunto de notícias, imagens e escritos sobre os espaços. No segundo tópico, apresentamos um debate associado a que repertório de representações aparece no ensino de Geografia. Para tal, recuperamos alguns conteúdos ensinados quando falamos de mundo na Geografia, indicando como muitos desses conteúdos apresentam estigmatizações, ou partem de uma ideia já pronta sobre o outro. Para compreender um pouco melhor a origem dessas representações, o terceiro tópico problematizou a ideia de eurocentrismo, apresentando algumas definições, e lógicas de funcionamento dessa matriz de pensamento, trazendo relações com os tópicos anteriores. As atividades e exercícios podem ajudar vocês a exercitarem os conteúdos aprendidos, trazendo reflexões que vão estar presentes durante toda a etapa de andamento do curso. Ao longo dessa aula alguns textos foram citados, e são fundamentais para os estudos. Abaixo seguem os links com as indicações de leituras. SANTOS, Boaventura de Sousa, "Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes", Revista Crítica de Ciências Sociais, 2007 Disponível em: http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/147_Para%20alem%20do%20pensamento %20abissal_RCCS78.pdf LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. IN:___A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino- americanas. Buenos Aires-Clascso, 2005; MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade IN: LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino-americanas. Buenos Aires- Clascso, 2005; - PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. “Apresentação”. In: Lander, Edgardo (Org.) A Colonialidade do saber: Eurocentrismo e Ciências sociais – Perspectivas latino- americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. IN IN:LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino-americanas. Buenos Aires-Clascso, 2005; Os quatro textos estão disponíveis em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lander/pt/lander.html Sugestões de vídeos Apresentação de Boaventura dos Santos sobre as epistemologias do sul https://www.youtube.com/watch?v=q75xWUBI8aY Vídeo sobre o Orientalismo com falas de Edward Said https://www.youtube.com/watch?v=W5R2uOoj9K8 Bibliografia LACOSTE, Yves. A geografia isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Papirus, 2007 LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. IN:___A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino- americanas. Buenos Aires-Clascso, 2005; MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade IN: LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino-americanas. Buenos Aires- Clascso, 2005; - MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas: espaço, cultura e política no Brasil . Editora Hucitec, São Paulo, 1991 ___ Território e história no Brasil São Paulo, Annablume, 2008. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. “Apresentação”. In: Lander, Edgardo (Org.) A Colonialidade do saber: Eurocentrismo e Ciências sociais – Perspectivas latino- americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. IN LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino-americanas. Buenos Aires-Clascso, 2005; SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do Ocidente – São Paulo: Companhia das Letras, 2007. SANTOS, Boaventura de Souza. O fim das descobertas imperiais. In OLIVEIRA, I. B.; SGARBI, P. (Orgs.) Redes culturais: diversidade e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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