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Isabela G. Campos 1 TUTORIA (UC XIV) SP-7 1) SOBRE O ABDOME AGUDO, ENTENDA: a) Definição. A expressão “abdome agudo” refere-se habitualmente ao sinal e sintoma de dor e hipersensibilidade na região abdominal, isto é, apresenta-se com dor abdominal súbita, espontânea, não traumática e intensa, caracteristicamente com evolução inferior a 24 horas. Essa manifestação clínica, em geral, requer tratamento cirúrgico de emergência. O quadro de abdome agudo requer diagnóstico rápido e específico, uma vez que diversas etiologias demandam intervenção cirúrgica urgente. Como frequentemente há um distúrbio intra- abdominal progressivo subjacente, o atraso indevido no diagnóstico e no tratamento pode afetar a evolução de maneira negativa. Ademais, pode ser dividido em síndromes, sendo cada uma delas caracterizada por diferentes formas de instalação e progressão a depender da sua etiologia. O que todas as etiologias têm em comum é a necessidade de definição diagnóstica imediata, para determinar a terapêutica adequada e necessidade de intervenção cirúrgica, reduzindo a morbidade e a mortalidade. ATENÇÃO: Muitas doenças, algumas das quais não são cirúrgicas ou nem mesmo abdominais, podem produzir dor abdominal aguda. Portanto, todo esforço deve ser feito para se ter o diagnóstico correto a fim de que o tratamento escolhido, em geral por laparoscopia ou laparotomia, seja apropriado. Apesar das melhoras nos estudos laboratoriais e imaginológicos, o exame físico e a história clínica continuam sendo os pilares na determinação do diagnóstico correto e do início da terapia adequada e em tempo hábil. Obs. A maioria das doenças cirúrgicas associadas a abdome agudo está relacionada com infecção, isquemia, obstrução ou perfuração de uma víscera. EXTRA -> Causa mais comum. O diagnóstico associado de abdome agudo varia conforme a idade e o sexo. As causas mais comuns de abdome agudo são infecção, isquemia, obstrução ou perfuração. Isabela G. Campos 2 B) Tipos/ causas (fisiopatologia). Os quadros de abdome agudo podem ser classificados em uma das seguintes síndromes: inflamatória, obstrutiva, perfurativa, vascular e hemorrágica. Por síndrome, entende-se um grupo de sinais e sintomas que evoluem em conjunto, provocados por um mesmo mecanismo e dependentes de causas diversas. Alguns autores, por exemplo, entendem que as perfurações do tubo digestivo estariam incluídas no grupo do abdome agudo inflamatório. I. Abdome Agudo INFLAMATÓRIO: O abdome agudo inflamatório pode ser definido como quadro de dor abdominal súbito e inesperado, originado de um processo inflamatório e/ou infeccioso localizado na cavidade abdominal, órgãos ou estruturas adjacentes. Costuma cursar com manifestações de peritonite e alterações de ritmo intestinal. Caracteriza- se por dor de início insidioso e intensidade progressiva. Sobre a peritonite: é uma inflamação da serosa que recobre as paredes internas e as vísceras abdominais, independente da causa, intensidade ou extensão. Pode ocorrer por infecção, substâncias químicas irritantes ou presença de corpos estranhos. Alguns sinais de peritonite são: sensibilidade abdominal, distensão/rigidez muscular, náuseas e vômitos. Pode ser causado por um processo agudo ou pela agudização de uma doença crônica Isabela G. Campos 3 Suas principais etiologias são: Apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite, doença inflamatória pélvica, abscessos intra-abdominais (Abscesso hepático, Abscesso diverticular, Abscesso do psoas), peritonites primárias e secundárias, Divertículo de Meckel. Obs. A síndrome inflamatória mais frequente é a apendicite aguda. Fisiopatologia A dor abdominal pode ser de origem somática ou visceral, referida ou irradiada, ou originada a partir de mediadores inflamatórios que estimulam as terminações nervosas resultando em dor localizada. Dor visceral: A dor visceral é geralmente descrita como profunda, mal delimitada ou difusa. É provocada por distensão, tração, isquemia e inflamação do peritônio visceral. O espasmo da musculatura lisa das estruturas tubulares intra-abdominais também causa dor. Fibras aferentes do sistema nervoso autônomo – principalmente do simpático – conduzem esses estímulos dolorosos; por exemplo, na dor periumbilical da fase inicial da apendicite aguda. Dor parietal: A dor parietal manifesta-se com maior intensidade do que a dor visceral e tem localização bem-definida, sendo sentida no local de irritação do peritônio parietal. Surge pelo estímulo doloroso do peritônio parietal que segue pelas fibras aferentes do sistema nervoso cerebrospinal localizadas nos seis últimos nervos intercostais. Como esses nervos são os responsáveis pela motricidade dos músculos abdominais, explica-se por que a irritação do peritônio parietal é seguida de contratura muscular; por exemplo, na dor em fossa ilíaca direita na apendicite aguda. Dor referida: A dor referida é percebida em local distante daquele onde se originou o estímulo. São exemplos dor no ombro decorrente de irritação do peritônio diafragmático homolateral (úlcera péptica perfurada), dor na bolsa escrotal provocada por cálculo ureteral homolateral e dor escapular direita na cólica biliar. A fisiopatologia baseia-se, sobretudo, na extensão do processo inflamatório/infeccioso ao peritônio e às modificações do funcionamento do trânsito intestinal. – Quando o processo inflamatório e/ou infeccioso atinge o peritônio visceral, ocorre paralisia da musculatura lisa envolvida, gerando Íleo paralítico: → Inervação pelas fibras autonômicas; → Distensão e contração viscerais; → Dor difusa e mal localizada. – Quando a inflamação se estende ao peritônio parietal ocorre contratura muscular abdominal localizada ou difusa: → Inervação ocorre pelas fibras somáticas cerebroespinais; → Dor localizada, contínua e intensa. Isabela G. Campos 4 Ao se instalar o processo de peritonite, a deterioração clínica do indivíduo pode ocorrer rapidamente e constitui-se um sinal de gravidade e mau prognóstico. A peritonite pode ser classificada da seguinte forma: – Fases iniciais → Transudativa e exsudativa: horas de evolução. – Fases tardias → Fibrinopurulenta e presença de abscesso: dias de evolução. Nas fases iniciais há ainda pouca atividade inflamatória com aumento da efusão peritoneal e quimiotaxia de células inflamatórias. Já nas fases tardias existe uma exuberante resposta inflamatória com formação de fibrina, aderências, pus, e, por fim, fibrose. II. Abdome Agudo OBSTRUTIVO: Síndrome caracterizada por sinais e sintomas de obstrução em TGI, como náuseas, vômitos, distensão abdominal, parada de eliminação de flatos e fezes. Tem caráter evolutivo e a dor costuma ser em cólica, geralmente periumbilical. Na síndrome obstrutiva, ocorre um tipo especial de dor visceral conhecida como dor espasmódica, caracterizada por surgir repentinamente, de modo intenso, difuso ou com predomínio na porção central do abdome, que aumenta até gradualmente desaparecer, retornando após um período de acalmia de duração variável. Esse tipo de dor é causado por espasmos da musculatura lisa dos segmentos intestinais proximais ao sítio da obstrução. Nas obstruções intestinais altas (proximais), as crises de dor são mais frequentes, assim como os vômitos, que são precoces e de aspecto entérico. Nas obstruções baixas (distais), as crises de dor são mais espaçadas, e os vômitos têm aspecto fecaloide. Pode apresentar causa mecânica, por obliteração parcial ou total do lúmen, ou funcional. Suas principais etiologias são: Aderências e bridas, hérnias, neoplasias, volvos, intussuscepções, estenoses inflamatórias, corpo estranho. Obs. No chamado “íleo biliar”, há obstrução intestinal determinada por cálculo biliar que migrou da vesícula biliar para o tubo digestivo por meio de uma fístula colecistoentérica (geralmente com o duodeno). Nessecaso, combinam-se os elementos inflamatório (colecistite) e obstrutivo. Fisiopatologia Independente da etiologia a interrupção do trânsito intestinal origina eventos que culminarão habitualmente com quadro obstrutivo. Isabela G. Campos 5 ▶ Obstrução do intestino delgado: o O intestino delgado possui função secretória e absortiva, sendo que 20% da água corporal total são provenientes desse processo. Interferências nessa dinâmica podem levar à depleção hidroeletrolítica significativa. o À jusante do ponto obstrutivo há absorção e eliminação de gás e fluidos pela mucosa intestinal, causando colapso desse segmento, já à montante haverá distensão devido ao acúmulo desses componentes. o O gás responsável pela distensão intestinal nos estágios iniciais da obstrução é composto majoritariamente pelo ar ingerido (70%), tendo o nitrogênio como principal componente cuja absorção é pequena → Com o tempo há aumento dos gases provenientes da fermentação pelas bactérias intestinais (hidrogênio, metano, amônia) o que aumenta sobremaneira a distensão além de reduzir a pressão parcial de nitrogênio favorecendo o deslocamento de fluidos isotônicos do compartimento celular para o lúmen intestinal. o Devido à estase do intestino delgado há supercrescimento bacteriano cuja fermentação resulta no odor fétido do conteúdo intestinal presente nos vômitos, evento frequente nessa condição. o A perda de sódio e água para o lúmen intestinal aumenta progressivamente enquanto a função absortiva permanece comprometida, ocasionando depleção do volume intravascular efetivo e acionamento de mecanismos mantenedores da volemia → redução da excreção urinária de sal e água resultando em oligúria e deslocamento de água do espaço extracelular para o intravascular. o Vômitos frequentes exacerbam o distúrbio hidroeletrolítico resultando em hipocalemia e hipovolemia graves, podendo levar ao óbito ou a complicações cirúrgicas. o A distensão progressiva do segmento acometido ocasiona aumento da pressão luminal comprometendo a drenagem venosa com aumento do influxo de água e eletrólitos para o lúmen, além de perda através da camada serosa para a superfície peritoneal. o Inicialmente pode haver aumento significativo da peristalse a fim de vencer o fator obstrutivo, evoluindo posteriormente para fadiga da musculatura lisa com parada dos movimentos intestinais. ▶ Obstrução do intestino grosso: o A competência da válvula ileocecal (VIC) determina o comportamento da obstrução no intestino grosso. o Em cerca de 20 a 30% dos pacientes a VIC torna-se incompetente o que consegue amenizar a pressão no interior do lúmen colônico através do refluxo do conteúdo desse para o íleo. o Existirá obstrução em “alça fechada” - entre a VIC e o ponto de obstrução – caso a válvula permaneça competente → Isso levará à dilatação progressiva do cólon com posterior comprometimento vascular, podendo gerar necrose e perfuração do segmento acometido. o O ceco é o local mais vulnerável à perfuração, uma vez que sua parede é mais delgada que a do cólon esquerdo → Quando o diâmetro cecal alcança 15cm há risco iminente de perfuração caso não seja realizada nenhuma manobra de descompressão. o Vólvulo intestinal, habitualmente o sigmoide, é uma importante causa de obstrução em alça fechada, uma vez que o segmento rotaciona sobre o mesentério, podendo levar a sofrimento vascular → pode ser primário (malformação congênita) ou secundário (rotação através de um estoma ou de uma aderência). Isabela G. Campos 6 ✓ Caso haja estrangulamento de alça intestinal por aderência ou por angulação pode haver comprometimento vascular grave secundário ao aumento da pressão na parede intestinal resultando em redução da drenagem venosa e mais tardiamente necrose por ausência do suprimentoarterial → Pode haver translocação bacteriana através da parede intestinal danificada gerando peritonite localizada ou difusa. ▶ Obstrução funcional: o Distúrbios metabólicos e/ou hidroeletrolíticos podem ocasionar obstrução intestinal sem fator mecânico existente, a exemplo de hipocalemia, uremia ou diabetes descompensado. o Outra condição descrita é a síndrome de Ogilvie na qual há pseudoobstrução intestinal com distensão colônica – ascendente e transverso – por disautonomia nervosa, sem fator mecânico. Pode levar a sofrimento vascular e isquemia intestinal. III. Abdome Agudo PERFURATIVO: A principal característica dessa síndrome clínica é a dor abdominal, não traumática, de início súbito. Diferentemente do abdome agudo inflamatório, ocorre por perfuração de uma víscera oca. A terceira síndrome abdominal aguda mais frequente. A evolução natural da síndrome se dá por inflamação química inicial com posterior invasão bacteriana, agravando o quadro. A síndrome perfurativa típica é aquela comumente vista na úlcera duodenal perfurada. A sequência de eventos observada nos casos não tratados é a seguinte: Dor da doença ulcerosa péptica, causando dor epigástrica leve/moderada e mal-localizada (dor visceral); Perfuração, provocando dor epigástrica intensa e bem-localizada (dor parietal); Descida da secreção gastroduodenal ao longo da goteira parietocólica direita até a fossa ilíaca direita; Irritação do peritônio parietal local, causando dor em flanco e fossa ilíaca direita (dor parietal). As perfurações podem ainda ser classificadas como altas ou baixas, tendo como referência o Ligamento de Treitz. Nas perfurações altas geralmente se inicia por uma peritonite química, por liberação de sucos digestivos, que culmina com proliferação bacteriana e posterior processo infeccioso. Nas perfurações baixas, é esperado início por peritonite infecciosa de região já colonizada com evolução para um quadro sistêmico, podendo manifestar sinais de septicemia. Suas principais etiologias são: Perfurações gastroduodenais (úlceras pépticas, tumores) e intestinais (diverticulite, tumores, sofrimento vascular, febre tifoide, Síndrome de Boerhaave. Isabela G. Campos 7 Fisiopatologia A perfuração pode ser decorrente de processos inflamatórios, como úlceras pépticas e doenças inflamatórias intestinais, processos neoplásicos, obstrutivos e infecciosos (como infecções por Salmonella tiphy, citomegalovírus, tuberculose intestinal etc). Inicialmente, com o extravasamento de secreção luminal na cavidade temos uma inflamação peritoneal de natureza química de intensidade variável, seguida de invasão bacteriana secundária e progressivo processo infeccioso, com repercussões locais e sistêmicas. As bactérias comumente encontradas são: Pseudomonas aeruginosa, Klebisiella sp, E. coli. o No estômago e duodeno, as úlceras agudas e crônicas são as etiologias mais comum. A perfuração nestes casos geralmente está associada a ingestão de álcool, corticoides e AINES. Outras causas importantes são neoplasias e corpos estranhos. o No intestino delgado, as perfurações proximais geram peritonite química inicialmente, já que há extravasamento de enzimas ativas, e as perfurações mais distais são acompanhadas de peritonite bacteriana. o No intestino grosso, a peritonite é bacteriana desde o início. Além disso, a perfuração no colón direito é mais grave que a do esquerdo, devido à alta virulência dos germes e pela consistência líquida das fezes. IV. Abdome Agudo VASCULAR: Síndrome clínica caracterizada por dor abdominal, não traumática, de início súbito ou intermitente, de intensidade variável, representado pela isquemia mesentérica ou intestinal resultante de um fornecimento inadequado de oxigênio para o intestino, que necessita de intervenção médica imediata por ser potencialmente fatal. Ou seja, é uma dor abdominal intensa de origem vascular, sendo uma urgência não-traumática grave por redução súbita do fluxo sanguíneo intestinal. Quando o quadro é mais arrastado, a intensidade pode se apresentar diminuída pela circulação colateral. A dor é difusae mal definida, apresentando desproporção entre a dor e o exame físico. Patologia mais comum em idosos, associado a aterosclerose. A isquemia mesentérica crônica é mais comum em mulheres. O abdome agudo de origem vascular tem apresentação variável. Nos casos de oclusão aguda da artéria mesentérica, como na embolia, a dor é intensa, súbita e difusa. Já na oclusão trombótica, a dor pode manifestar-se de modo menos abrupto, com progressiva distensão intestinal seguida de peritonite e choque séptico. Na ruptura de aneurisma de aorta abdominal, a dor é intensa e irradiada para a região lombar, acompanhada de sinais de hipovolemia (taquicardia, hipotensão, sudorese e choque). Suas principais etiologias são: Oclusões arteriais (trombose, embolia, vasculites) ou venosas (trombose) envolvendo os vasos mesentéricos, ruptura de aneurismas (aorta ou artérias viscerais). -> Exemplos: Doença de Buerger; Trombose/embolia mesentérica; Torção ovariana; Colite isquêmica; Torção testicular e; Hérnias estranguladas. Obs. Nos pacientes com falência cardiovascular acompanhada de baixo fluxo sanguíneo intestinal, pode ocorrer a chamada isquemia não oclusiva, com potencial lesão tecidual. Isabela G. Campos 8 Fisiopatologia A isquemia mesentérica pode ser aguda ou crônica, mesentérica (acomete o intestino delgado) ou colônica (acomete o intestino grosso). As três principais síndromes de isquemia intestinal são: 1. Isquemia colônica (70-75%) 2. Isquemia mesentérica aguda (20-25%) 3. Isquemia mesentérica crônica (5%) As regiões mais propensas à isquemia são as áreas pobres em circulação colateral, como a flexura esplênica e junção retossigmoide. A lesão intestinal se dá por dois mecanismos: 1. Hipoperfusão com hipóxia: o comprometimento da oferta de oxigênio se dá com uma redução do fluxo intestinal maior que 50%. 2. Reperfusão: devido a ação de espécie reativas do oxigênio. De uma forma geral, o intestino consegue compensar até 75% de hipoperfusão por até 12h sem dano substancial, pelo aumento da extração de oxigênio e circulação colateral. • Se houver manutenção da hipoperfusão, temos: vasoconstricção e redução do fluxo colateral • Em alguns casos, mesmo após restauração do fluxo a vasoconstricção é mantida. A sequência de eventos está resumida no fluxograma abaixo: V. Abdome Agudo HEMORRÁGICO: Causado pela presença de sangue em cavidade abdominal. São mais raros e geralmente acometem faixas etárias mais avançadas. No abdome agudo hemorrágico, as características da dor e o modo de instalação dos sinais de hipovolemia variam conforme a velocidade do sangramento. Ou seja, apresenta-se com dor intensa, com rigidez e sinais de hipovolemia, tais como hipotensão, taquicardia, palidez e sudorese. Como há sangramento, a depender do volume e a velocidade de instalação do quadro, pode haver prejuízo neurológico e a intervenção deve ser rápida. ATENÇÃO: Em mulheres, sempre investigar ciclo menstrual e possibilidade de gravidez. Suas principais etiologias são: Gravidez ectópica rota, ruptura de folículo ovariano com sangramento, ruptura hepática espontânea (fim da gestação ou puerpério). As rupturas de aneurismas de aorta ou artérias viscerais também podem figurar nessa classificação. -> Exemplos: Trauma de órgãos sólidos; Fístula ou ruptura de aneurisma arterial; Divertículo gastrointestinal com sangramento; Malformação arteriovenosa do trato gastrointestinal; Ulceração intestinal; Fístula aortoduodenal após o enxerto vascular Isabela G. Campos 9 aórtico; Pancreatite hemorrágica; Síndrome de Mallory-Weiss; Ruptura espontânea do baço. ATENÇÃO: Doenças extra-abdominais que simulam abdome agudo – Pneumonia basal, embolia pulmonar, infarto do miocárdio (parede diafragmática), pericardite, herpes-zóster, radiculite, distúrbios metabólicos e outros (cetoacidose diabética, porfiria, crises de anemia falciforme, hematoma de parede abdominal, insuficiência suprarrenal aguda). ▶ Causas NÃO CIRÚRGICAS de Abdome Agudo: Causas não cirúrgicas de abdome agudo podem ser divididas em três categorias: endócrinas e metabólicas, hematológicas e por toxinas ou drogas. Causas endócrinas e metabólicas incluem uremia, síndromes hiperglicêmicas, crises addisonianas, porfiria intermitente aguda, hiperlipoproteinemia aguda e febre hereditária do Mediterrâneo. Os distúrbios hematológicos são crises falcêmicas, leucemia aguda e outras discrasias sanguíneas. Condições ligadas a toxinas e substâncias que provocam abdome agudo incluem envenenamento por chumbo e outros metais pesados, abstinência de narcóticos e envenenamento por picada da aranha viúva-negra. C) Quadro clínico. A principal característica de um quadro de abdome agudo é a dor abdominal. A dor possui intensidade e localização variável de acordo com cada etiologia, como veremos durante o módulo. Isabela G. Campos 10 A. Abdome Agudo INFLAMATÓRIO: A dor abdominal é o sintoma preponderante no AAI, podendo ser decorrente de um processo recente, como na apendicite aguda, ou crônico agudizado tal qual nos casos de colecistite aguda por litíase biliar ou diverticulite por doença diverticular do cólon. Costuma ser progressiva e quando evolui com piora progressiva uma conduta cirúrgica é necessária na maioria das vezes. Náuseas e vômitos podem ocorrer na evolução do AAI, podendo ser resultado do quadro álgico intenso ou até mesmo de estase intestinal secundária à irritação do peritônio visceral. A febre é um sintoma comumente observado, podendo surgir já nas fases iniciais do processo, com temperaturas mais brandas, piorando com a evolução do quadro, sobretudo quando há processo supurativo instalado. Obstipação comumente ocorre secundária à paralisia das alças intestinais. Entretanto, diarreia pode estar presente, sobretudo em casos de abscessos pélvicos. OU SEJA, a dor é de início insidioso, com agravamento e localização com o tempo. O paciente apresenta sinais sistêmicos, tais como febre e taquicardia. B. Abdome Agudo OBSTRUTIVO: O quadro clínico é variável e depende de alguns fatores, como local e tempo da obstrução; presença de complicações, como sofrimento vascular e perfurações; grau de contaminação e status clínico do paciente. Habitualmente os pacientes com AAO apresentam dor abdominal de início súbito, evoluindo com náuseas, vômitos e parada de eliminação de gazes e fezes. A distensão abdominal comumente encontra-se disposta centralmente na obstrução do intestino delgado e em flancos ou em abdome superior nas obstruções baixas (“em moldura”). De forma didática, podem-se dividir os sinais e sintomas de acordo com o sítio da obstrução: Isabela G. Campos 11 Obstrução intestinal alta (Intestino delgado) A parada de eliminação de fezes e gases é um sinal que ocorre tardiamente durante a evolução da obstrução, uma vez que o conteúdo colônico é esvaziado normalmente nas fases iniciais. Os RHA podem estar aumentados inicialmente na tentativa de vencer o fator obstrutivo, a chamada peristalse de luta, apresentando aumento do timbre, conhecido caracteristicamente como som metálico, e gradualmente podem desaparecer devido à fadiga da musculatura lisa. Dor constante, de início súbito e com aumento da intensidade pode sugerir comprometimento vascular. Obstrução intestinal baixa (transição ileocecal e intestino grosso) Na obstrução do cólon, normalmente há parada de eliminação de fezes e flatos precocemente associada à distensão abdominal importante. A dilatação severa dos segmentos intestinais pode levar a comprometimento vascular com isquemia, necrose e perfuração. A perfuração ocorre principalmente em pacientes com VIC competente (75%), gerando obstrução em “alça fechada”, habitualmente na presença de tumores obstrutivos do cólon esquerdo ou sigmoide. C. Abdome Agudo PERFURATIVO: Para discutir a clínica de cada síndrome, precisamos nos ater sempre à classificaçãoprincipal, portanto, o sintoma invariável é a dor abdominal. A partir disso, as demais manifestações variam de acordo com local em que ocorreu a perfuração, o tempo decorrido entre o início do quadro e intervenção médica e o grau de distribuição dos líquidos extravasados. Lembrando que alguns pacientes, como idosos e imunosupressos podem ter o quadro mascarado. De um modo geral, temos: A clínica pode ser acompanhada de sinais de sepse, hipotensão ou choque a depender da gravidade do caso. O acúmulo de gás pode comprometer a musculatura diafragmática resultando em desconforto respiratório. A dor pode ser lombar, nos casos de perfurações retroperitoneais, ou irradiarem para os ombros nos casos de perfuração em abdome superior que irritam o diafragma. Abdome em tábua é Isabela G. Campos 12 uma contratura involuntária generalizada da parede abdominal por peritonte difusa. No exame físico podem encontrar também distensão abdominal e ausência de ruídos hidroaéreos. Lembrem sempre que os sinais e sintomas típicos ocorrem quando há peritônio livre – acometimento de toda cavidade abdominal com dor e peritonite generalizada. Avaliar SEMPRE: se a peritonite é química ou bacteriana, nível da perfuração e presença de comprometimento sistêmico. OU SEJA, o paciente apresenta dor súbita, de forte intensidade, com difusão rápida para todo o abdome; sinais de sepse, hipotensão ou choque frequentemente estão presentes; no exame do abdome há sinais evidentes de peritonite, ausência de macicez hepática (sinal de Jobert) e de ruídos hidroaéreos. D. Abdome Agudo VASCULAR: Agora falaremos sobre as manifestações de um quadro de abdome agudo isquêmico. As formas de apresentação e gravidade dependem dos fatores a seguir: Pode variar desde um quadro súbito (infartos) a quadros de angina abdominal crônica, além de apresentar sintomas variáveis como: Sangramentos podem ocorrem na isquemia mesentérica crônica e na isquemia colônica, mas o principal sintoma presença em todos os casos é a dor abdominal. No abdome agudo isquêmico, a principal característica da dor abdominal é a desproporção entre a intensidade referida e o exame físico. A tríade da isquemia mesentérica crônica consiste em: Nesse caso, a dor abdominal é bastante variável: Isabela G. Campos 13 OU SEJA, sintomas inespecíficos, náuseas, vômitos, diarreia, distensão abdominal e constipação. É o tipo de abdome mais difícil de diagnosticar e tratar. E. Abdome Agudo HEMORRÁGICO: Dor intensa, com rigidez e dor a descompressão; há sinais de hipovolemia, tais como hipotensão, taquicardia, palidez e sudorese. Em mulheres, ciclo menstrual e possibilidade de gravidez. D) Diagnóstico (anamnese, exame físico, exames complementares). Anamnese A anamnese identifica os seguintes aspectos: − Características principais da dor – Localização, irradiação, intensidade, tipo, modo de início e evolução, fatores desencadeantes, agravantes e atenuantes, correlação com outras manifestações; − Sintomas gastrintestinais – Anorexia, náuseas, vômitos, evacuações, gases; − Doenças associadas ou pregressas; − Medicamentos em uso – Corticoides, anticoagulantes, imunossupressores, analgésicos, anti- inflamatórios e antibióticos exigem especial atenção; − Antecedentes ginecológicos – Leucorreia, alterações menstruais, métodos contraceptivos, doenças prévias, etc.; − Sintomas urinários – Disúria, polaciúria, eliminação de cálculos. A correlação da dor abdominal com outras manifestações pode direcionar o diagnóstico. o Sobre a dor abdominal: A dor é o sintoma mais comum e predominante no quadro de abdome agudo. A avaliação cuidadosa de local, intensidade, forma de instalação e de progressão, além do caráter da dor, sugere uma lista preliminar de possíveis diagnósticos. A. Localização da dor A localização da dor serve apenas como guia geral para o diagnóstico; descrições “típicas” representam apenas dois terços dos casos. A variabilidade decorre de padrões atípicos de dor, deslocamento da intensidade máxima para longe do sítio primário, ou doença avançada ou grave. Em pacientes que se apresentam com peritonite difusa, a dor generalizada pode obscurecer totalmente o evento desencadeante. A dor restrita ao quadrante superior pode ser avaliada anatomicamente em razão dos quadros agudos afetando órgãos subjacentes. Isabela G. Campos 14 Devido às complexas redes de nervos sensitivos viscerais e parietais da região abdominal, a dor não tem localização tão precisa no abdome quanto nos membros. A sensibilidade visceral é mediada principalmente por fibras aferentes tipo C localizadas nas paredes das vísceras ocas e nas cápsulas dos órgãos sólidos. Diferentemente da dor cutânea, a dor visceral é desencadeada por distensão, inflamação ou isquemia estimulando os neurônios receptores, ou por envolvimento direto (p. ex., infiltração maligna) dos nervos sensitivos. A dor visceral é uma sensação percebida em nível central, geralmente com instalação lenta, de caráter surdo, mal localizada e prolongada. A dor pode ser causada por aumento da tensão da parede ou por distensão luminal ou contração potente da musculatura lisa (cólica), produzindo dor difusa e localizada profundamente. Na maioria das vezes, a dor visceral é referida à linha média em razão da inervação sensitiva bilateral da medula espinal. Como as diferentes estruturas viscerais estão associadas a níveis sensitivos distintos na coluna vertebral, a dor visceral pode ser referida às regiões epigástrica, periumbilical, abdominal inferior ou dos flancos, dependendo do órgão envolvido. Por outro lado, a dor parietal é mediada por fibras nervosas dos tipos C e A-δ, esta última responsável pela transmissão de sensação dolorosa mais aguda e mais bem localizada. A irritação direta do peritônio parietal somaticamente inervado por pus, bile, urina ou secreções gastrintestinais leva à dor mais precisamente localizada. A dor parietal é mais facilmente localizada que a visceral porque as fibras somáticas aferentes são dirigidas somente a um dos lados do sistema nervoso. A distribuição cutânea da dor parietal corresponde às áreas T6 a L1. A dor parietal abdominal é convencionalmente descrita como ocorrendo em um dos quatro quadrantes ou na área epigástrica ou central do abdome. A dor abdominal pode ser referida ou estar deslocada para locais distantes dos órgãos principalmente afetados. A expressão “dor referida” denota sensações nocivas (em geral, cutâneas) percebidas em local distante daquele do estímulo primário intenso. A distorção da percepção central de dor é explicada pela confluência de fibras nervosas aferentes de áreas díspares no interior do corno posterior da medula espinal. Por exemplo, a dor por irritação subdiafragmática por ar, líquido peritoneal, sangue ou lesão de massa pode ser referida ao ombro mediada pelo nervo da C4 (frênico). A dor também pode ser referida ao ombro por lesões supradiafragmáticas, como pleurisia ou pneumonia de lobo inferior. Embora mais frequentemente percebida na região escapular direita, a dor biliar referida pode ser confundida com angina de peito, caso seja percebida na face anterior do tórax ou na área do ombro esquerdo. A disseminação ou o deslocamento da dor ocorre em paralelo ao curso da doença subjacente. O local da dor à instalação do sintoma deve ser diferenciado do local à apresentação do paciente. A cronologia da dor pode ser tão importante quanto a própria localização. Classicamente iniciada no epigástrio ou na região periumbilical, a dor visceral inicial da apendicite aguda desloca-se para se tornar uma dor parietal mais aguda e localizada no quadrante inferior direito quando o peritônio Isabela G. Campos 15 suprajacente se torna diretamente inflamado. Na úlcera péptica perfurada, a dor quase sempre inicia no epigástrio, mas à medida que o extravasamento do conteúdo gástrico escorre pela goteira paracólica, a dorpode descer para o quadrante inferior direito. B. Forma de instalação e progressão da dor A forma de instalação da dor reflete a natureza e a gravidade do processo subjacente. A instalação pode ser explosiva (em segundos), rapidamente progressiva (ao longo de 1-2 horas) ou gradual (ao longo de várias horas). Uma dor súbita, excruciante e generalizada sugere catástrofe intra-abdominal, como víscera perfurada ou ruptura de aneurisma, gravidez ectópica ou abscesso. Sinais sistêmicos acompanhantes (taquicardia, sudorese, taquipneia, choque) logo suplantam os distúrbios abdominais e enfatizam a necessidade de reanimação rápida e laparotomia. Um quadro clínico menos drástico é o de dor constante e leve que se torna intensamente concentrada em uma região bem-definida ao longo de 1 a 2 horas. O quadro é mais característico de colecistite, pancreatite aguda, intestino estrangulado, infarto mesentérico, cólica renal ou ureteral e obstrução proximal de intestino delgado. Por fim, alguns pacientes apresentam, inicialmente, desconforto abdominal leve – às vezes, apenas vago – que está presente de maneira transitória e difusa em todo o abdome. Nesses casos, é possível que não esteja claro se esses pacientes apresentam, de fato, abdome agudo ou se o quadro deve ser acompanhado clinicamente em vez de cirurgicamente. No início, sintomas gastrintestinais associados são raros, e não há sintomas sistêmicos. Finalmente, a dor e os achados abdominais tornam-se mais evidentes, constantes e localizados em áreas menores. Essa instalação gradual conduzindo a uma dor mais localizada pode refletir doença de evolução lenta ou esforços de defesa do organismo para impedir um processo agudo. Nessa categoria ampla, estão os quadros de apendicite aguda (especialmente com o apêndice em posição retrocecal), hérnias encarceradas, obstruções distais de intestino delgado ou grosso, doença ulcerosa péptica não complicada, perfurações de parede de víscera (muitas vezes, de natureza maligna), algumas doenças urogenitais e ginecológicas, e formas mais leves do grupo de doenças de instalação rápida mencionado no primeiro parágrafo. C. Caráter da dor A natureza, a intensidade e a periodicidade da dor fornecem pistas úteis sobre a doença subjacente. A dor pode ser contínua ou intermitente. A dor constante é mais comum e frequentemente indica um processo que causa inflamação do peritônio. A dor pode ter intensidade constante ou flutuante, mas estará sempre presente. A dor constante, aguda e superficial causada por irritação peritoneal é típica de úlcera perfurada ou de ruptura de apêndice, cisto ovariano ou gravidez ectópica. A dor intermitente tipo cólica pode ocorrer por períodos curtos ou longos, mas é pontuada por intervalos livres de dor e é característica de obstrução de víscera oca. Em geral, a dor em aperto crescente da obstrução de intestino delgado (e, ocasionalmente, da fase inicial da pancreatite) é intermitente, vaga, profundamente localizada e, no início, aumenta de maneira gradual, mas evoluindo para se tornar mais aguda, sem remissão e mais bem localizada. Diferentemente da dor inquietante, mas suportável, associada à obstrução intestinal, a dor causada por lesões obstruindo condutos menores (ductos biliares, tubas uterinas, ureteres) logo se torna insuportavelmente intensa. Os intervalos livres de dor refletem a intermitência das contrações da musculatura lisa. No sentido estrito, a denominação “cólica biliar” é equivocada porque a dor biliar não sofre remissão, já que os ductos biliares não possuem movimentos peristálticos. Isabela G. Campos 16 Para qualificar o tipo de sensação dolorosa do paciente, são utilizados determinados descritores que podem ser característicos de certas doenças. O “dolorimento” da dor ulcerosa, a dor em “facada que suspende a respiração” da pancreatite aguda e do infarto mesentérico, a dor em “aperto” da obstrução intestinal e a dor “dilacerante” do aneurisma roto da aorta continuam sendo descrições adequadas. Apesar do uso desses termos descritivos, a qualidade da dor visceral não é um indicador confiável de sua causa. A intensidade da dor mantém relação com a gravidade da lesão. A dor agonizante denota doença grave ou avançada. A dor em cólica geralmente é rapidamente aliviada por analgésicos. A dor isquêmica por intestino estrangulado ou por trombose mesentérica é apenas ligeiramente mitigada até mesmo por opioides. A dor abdominal inespecífica geralmente é leve, mas também é possível haver dor leve em quadros de úlcera perfurada que se tornou localizada e de pancreatite aguda leve. Ocasionalmente, um paciente negará dor, mas relatará queixa vaga de plenitude abdominal com a sensação de que poderia ser aliviada com a evacuação dos intestinos. Essa sensação visceral (sinal de bloqueio dos gases) é causada por íleo reflexo induzido por lesão inflamatória contida na cavidade peritoneal, como na apendicite retrocecal. Episódios passados de dor e fatores que agravam ou aliviam a dor devem ser observados. A dor causada por peritonite localizada, especialmente quando afeta órgãos do abdome superior, tende a ser agravada por movimentos ou pela respiração profunda. A localização, o caráter e a intensidade da dor em relação à duração de sua instalação e a presença de sintomas sistêmicos ajudam a distinguir os quadros cirúrgicos rapidamente progressivos (p. ex., isquemia intestinal) de outras causas mais indolentes ou de tratamento clínico (p. ex., ruptura de cisto ovariano) e permitem o diagnóstico diferencial. Exame Físico Isabela G. Campos 17 O exame físico envolve a avaliação do estado geral, sinais vitais, abdome (inspeção, ausculta, palpação e percussão), exame ginecológico, toque retal e tórax (inspeção, percussão, ausculta pulmonar e cardíaca). Antes da percussão e da palpação, deve-se realizar a ausculta abdominal e avaliar a reação do paciente ao tossir (dor intensa é indicativa de peritonite). A palpação deve ser iniciada de forma bem suave e no local mais distante daquele referido como o mais doloroso. Durante a palpação – e particularmente nas manobras de descompressão súbita –, deve-se conversar com o paciente para distraí-lo, evitando a defesa voluntária. A inspeção e a palpação devem pesquisar sinais de hérnias nas regiões inguinocrurais e na parede abdominal (cicatrizes cirúrgicas e umbilical, epigástrio e linha de Spiegel). Manobras especiais para pesquisar os sinais do psoas e do obturador podem auxiliar no diagnóstico de processos inflamatórios adjacentes a esses músculos. O toque retal é especialmente útil quando há suspeita de obstrução intestinal ou processo inflamatório na região pélvica, podendo detectar tumores, fecalomas, estenoses, compressões extrínsecas e abaulamentos quentes e dolorosos sugestivos de abscesso. A inspeção das fezes na luva também permite detectar a presença de sangue, muco ou pus. O exame ginecológico é indispensável nas pacientes com sintomas sugestivos de problemas ginecológicos e para o diagnóstico diferencial entre anexite e apendicite aguda. Dor intensa à mobilização da cérvice uterina e à palpação bimanual dos anexos é indicativa de doença inflamatória pélvica. o Sobre o Exame do abdome agudo: (a) Inspeção – O abdome deve ser minuciosamente inspecionado antes da palpação. Deve-se procurar por cicatrizes, hérnias, evidências de traumatismo, estigmas de doença hepática, massas evidentes, distensão e sinais de peritonite. Um abdome tenso e distendido com cicatriz antiga sugere a presença e a causa (aderências) de obstrução de intestino delgado. Um abdome escafoide e contraído é encontrado em casos de úlcera perfurada; em pacientes magros, é possível identificar peristalse visível em caso de obstrução intestinal avançada; e em casos de íleo paralítico inicial ou de trombose mesentérica, observa-se plenitude pastosa e mole. (b) Ausculta – A ausculta do abdome também deve preceder à palpação. Ondas peristálticas sincrônicascom a cólica são audíveis em caso de obstrução do intestino delgado e no início de pancreatite aguda. Elas diferem do som mais agudo do peristaltismo aumentado não relacionado com dor em cólica observado nos casos de gastrenterite, disenteria e colite ulcerativa fulminante. O abdome silencioso, exceto por guinchos raros, caracteriza obstrução intestinal tardia ou peritonite difusa. Exceto por esses padrões mais extremos, as muitas variações nos quadros abdominais tornam a ausculta, em grande parte, inútil para um diagnóstico específico. (c) Tosse para despertar a dor – Deve-se solicitar ao paciente que tussa e aponte para a área com dor máxima. A irritação peritoneal assim demonstrada pode ser confirmada posteriormente sem causar desconforto desnecessário com manobras para testar a presença de dor à descompressão súbita. Essa mesma localização pode ser obtida ao pedir que o paciente bata o pé no chão. Diferentemente da dor parietal da peritonite, a cólica é uma dor visceral e raramente se agrava com inspiração profunda ou com tosse. (d) Percussão – A percussão tem vários objetivos. A dor à percussão é análoga à manobra de descompressão rápida: ambas refletem irritação peritoneal e dor parietal. Em caso de víscera perfurada, o ar livre acumulado sob o diafragma pode eliminar a macicez normal sobre o fígado. A presença de som timpânico próximo da linha média em abdome distendido indica sequestro de ar no interior de alças intestinais distendidas. A presença de líquido livre na cavidade peritoneal pode ser detectada por meio de macicez de decúbito. Isabela G. Campos 18 (e) Palpação – A palpação deve ser realizada com o paciente confortável em decúbito dorsal. Deve- se observar se há hérnia incisional e periumbilical. A dor à palpação que indica inflamação localizada do peritônio é o achado mais importante em pacientes com abdome agudo. A extensão e a intensidade são determinadas primeiramente por meio de palpação com um ou dois dedos, com início longe da área apontada como dolorosa com a manobra de tosse para gradualmente avançar em sua direção. Em geral, a dor à palpação é bem demarcada nos casos de colecistite aguda, apendicite, diverticulite e salpingite aguda. Se houver sensibilidade dolorosa mal-localizada não acompanhada por defesa, deve-se suspeitar de gastrenterite ou outro processo inflamatório intestinal sem peritonite. Em relação ao grau de dor, a sensibilidade vagamente localizada ou inesperadamente fraca à palpação ocorre em casos de obstrução não complicada de víscera oca, perfurações de parede visceral localizadas profundamente (p. ex., apendicite retrocecal ou fleimão diverticular) e em pacientes muito obesos. A dor intensa desproporcional ao exame indica isquemia mesentérica. o Sobre os Sinais de Exame Abdominal Alguns achados físicos isolados são associados a condições específicas e são descritos como “sinais” de exame: Isabela G. Campos 19 Exames laboratoriais Os principais exames são hemograma, glicemia, creatinina sérica e exame qualitativo de urina (EQU). Conforme o caso, outros exames devem ser solicitados: − Amilasemia – Dores difusas ou abdome superior; − Fração β da gonadotrofina coriônica humana (β-hCG, do inglês human chorionic gonadotropin) – Mulheres em idade reprodutiva; − Eletrólitos – Casos de vômitos, diarreia, desidratação, obstrução intestinal, uso de diuréticos, nefropatia; − Bilirrubinas, aspartato-aminotransferase (AST), alanino-aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA) – Casos de doenças hepatobiliares; − Provas de coagulação – Suspeitas de coagulopatia; − Proteína C-reativa – Pode auxiliar na identificação dos casos mais graves na admissão e servir como referência comparativa ao longo do tratamento. − Urina I - infecção do trato urinário; litíase renal (hematúria) Exames de imagem − Radiografias planas do abdome: devem incluir uma radiografia em posição supina e outra em posição ortostática. Sua maior utilidade é na detecção de corpos estranhos intra-abdominais (sensibilidade de 90%) e de obstrução intestinal (sensibilidade de 49%), sendo de pouca utilidade no diagnóstico definitivo de causas comuns de dor abdominal como apendicite, pancreatite, diverticulite e pielonefrite. Só 10% das radiografias abdominais revelam achados diagnósticos da causa da dor. Entretanto, são exames de baixo custo e geralmente disponíveis, sendo solicitados na maioria dos casos. O objetivo é avaliar presença de nível líquido, distenção de alças intestinais, calcificações. − 2. Radiografia de tórax: avaliar presença de pneumo-peritônio e excluir causas intratorácicas de dor abdomi-nal (p. ex., pneumonia de lobo inferior). − 3. Ultrassonografia (USG): avaliação rápida e de baixo custo de árvore biliar, fígado, pâncreas, baço, rins, vias urinárias e órgãos pélvicos. Exame inicial de escolha para o diagnóstico de várias patologias abdominais: aneurisma de aorta abdominal (paciente instável), cólica biliar, cole- cistite, gravidez ectópica, abscesso tubo-ovariano, litíase renal. As USG transvaginal e transretal podem ser úteis a identificação de anormalidades pélvicas. A USG com Doppler permite avaliação de lesões vasculares, como aneurismas de aorta ou visceral, trombose venosa e anomalias. − 4. Tomografia de abdome: é o exame mais versátil para avaliação da dor abdominal. Permite a identificação de pneumoperitônio, padrões anormais das alças intestinais e calcificações (como Isabela G. Campos 20 na radiografia plana de abdome). Também pode revelar lesões inflamatórias (apendicite, diverticulite, pancreatite), neoplásicas, vasculares (aneurisma, trombose portal), traumáticas (lesão hepática, esplênica, renal) e hemorragias intra-abdominais e retroperitoneais. Como já relatado, em estudos recentes, a tomografia de abdome tem se mostrado um exame com maior acurácia no diagnóstico das causas de dor abdominal que a radiografia simples de abdome. Assim, deve ser considerada uma alternativa à radiografia como modalidade inicial na avaliação desses pacientes em centros que disponibilizem esse tipo de exame. − 5. Outros exames de imagem (angiorressonância, colangiorressonância): podem auxiliar no esclarecimento do quadro de dor abdominal. Entretanto, são de alto custo e não estão disponíveis em grande parte dos serviços. REFEÊNCIAS: 1. Sabiston tratado de cirurgia : a base biológica da prática cirúrgica moderna / Courtney M. Townsend ... [et al.] ; tradução GEA ; [colaboração Cary B. Aarons ... [et al.]]. - 20. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2019. 2. CURRENT cirurgia : diagnóstico e tratamento [recurso eletrônico]/Gerard M. Doherty ... [et al.] ; tradução: Ademar Valadares Fonseca ... [et al.] ; revisão técnica: [Cleber Dario Pinto Kruel ... et al.]. – 14. ed. – Porto Alegre : AMGH, 2017. 3. Rotinas em cirurgia digestiva [recurso eletrônico] /Organizadores, Luiz Rohde ; Alessandro Bersch Osvaldt. – 3. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2018. 4. Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – 2. ed. – Barueri, SP: Manole, 2016. 5. GAMA-RODRIGUES, J.J.; MACHADO, M.C.C.; RASSLAN, S. Clínica Cirúrgica. Barueri, SP: Manole, 2008. 2) SOBRE APENDICITE AGUDA, ENTENDA. A) Conceito É um processo inflamatório agudo do apêndice vermiforme, sendo uma das causas mais frequentes de abdome agudo inflamatório e de cirurgia de urgência. B) Etiologia Apresenta etiologia multifatorial. Em cerca de 70% dos casos de inflamacã̧o aguda do apêndice, a obstrucã̧o do lúmen proximal do órgão, provocada por fecalito, parasitos, tumores ou corpo estranho, representa o fator desencadeante do processo, com consequente proliferacã̧o bacteriana, e, nos 30% restantes, o fator desencadeante pode ser a hiperplasia linfoide ou, então, um processo catarral. As bactérias mais comumente envolvidas no processo são Escherichia coli, grupo Bacteroides fragillis, Peptos-treptococcus e Pseudomonas. Alémdisso, estima-se que 3% de helmintos sejam identificados em peças cirúrgicas (enterobíase 65%, angiostrongilíase 20%, multiparasitose 5%, teníase 4% e ascaridíase 3%). C) Epidemiologia Apendicite aguda é a principal causa de abdome agudo cirúrgico em todo o mundo, com uma prevalência de aproximadamente 7% da população. Ocorre com maior frequência entre 10 e 20 anos de idade. A doença ocorre predominantemente em crianças e jovens do gênero masculino (2:1 ou 3:2), especialmente na segunda e terceira décadas. Pode-se esperar que 8,6% dos homens e 6,7% das mulheres desenvolvam apendicite aguda durante a vida. Isabela G. Campos 21 Em cerca de 7% dos casos, surge antes de cinco ou após 60 anos de idade. O pico de incidência ocorre em adolescentes e adultos jovens; no entanto, um novo aumento na incidência de apendicite ocorre na sexta década de vida, e nenhuma faixa etária pode ser excluída. A pouca idade é um fator de risco: quase 70% dos pacientes que desenvolvem apendicite aguda têm menos de 30 anos. A maior incidência de apendicite no sexo masculino está na faixa etária dos 10 aos 14 anos; no sexo feminino, a maior incidência ocorre na faixa dos 15 aos 19 anos. Os pacientes das faixas etárias extremas são mais suscetíveis a desenvolver apendicite perfurada. De modo geral, a perfuração ocorre em 19,2% dos casos de apendicite aguda; porém, em pacientes com menos de 5 anos e com mais de 65 anos, esse índice é significativamente maior. D) Fisiopatologia Os dois principais fatores envolvidos na etiopatogênese de inflamação no apêndice são obstrução da luz e invasão bacteriana. A verdadeira etiopatogenia da apendicite aguda permanece desconhecida. Tradicionalmente, a causa mais comum e a explicação mais aceita para o desenvolvimento da apendicite são a obstrução da luz apendicular, mas isso não explica todos os casos. A obstrução da luz apendicular – seja por hiperplasia folicular de sua parede, por impactação fecal ou de um fecálito em sua base ou, mais raramente, por obstrução por tumor – desencadearia uma série de alterações que culminaria com o processo inflamatório. As causas da obstrução luminal são muitas e variadas. Estas incluem normalmente estase fecal e fecalitos, mas podem também incluir hiperplasia linfoide, neoplasias, materiais de frutas e vegetais, bário ingerido e parasitas como áscaris. Foi proposta uma sequência de eventos para explicar a apendicite: 1º A obstrução do apêndice é causada por fecálito, edema da mucosa ou tecido linfoide localizado na mucosa e na submucosa da base do apêndice; 2º A pressão intraluminal aumenta à medida que a mucosa apendicular secreta fluidos com um óstio apendicular obstruído; 3º O aumento da pressão na parede apendicular supera a pressão capilar e causa isquemia da mucosa; 4º O supercrescimento bacteriano intraluminal e a translocação de bactérias através da parede do apêndice resultam em inflamação, edema e, em última instância, necrose. Se o apêndice não for removido, a perfuração ocorre. Entendendo melhor... A obstrução do lúmen proximal do apêndice leva a aumento da pressão na porção distal devido a secreção mucosa e produção contínua de gás por bactérias do lúmen. Com a distensão progressiva do apêndice, a drenagem venosa fica prejudicada, resultando em isquemia da mucosa. Com a continuação da obstrução, surge isquemia transmural, que leva finalmente a perfuração. O supercrescimento bacteriano dentro do apêndice resulta da estase bacteriana distal à obstrução. Isso é significativo visto que esse supercrescimento resulta na liberação de um inóculo bacteriano maior nos casos de apendicite perfurada. Isabela G. Campos 22 O tempo desde o início da obstrução até a perfuração é variável e pode levar desde horas a alguns dias. A apresentação após perfuração é também variável. A sequela mais comum é a formação de um abscesso na região periapendicular ou pelve. Por vezes, no entanto, ocorre perfuração livre, resultando em peritonite difusa. Uma vez que o apêndice é uma dilatação sacular do ceco, a flora dentro do apêndice é semelhante à que se encontra no cólon. As infecções associadas com a apendicite devem ser consideradas polimicrobiana, e a cobertura antibiótica deve incluir agentes que se dirijam às bactérias Gram-negativas e anaeróbias. As bactérias mais comuns são a Escherichia coli, Bacteroides fragilis, enterococos, Pseudomonas aeruginosa e outras. A dor da apendicite tem componentes viscerais e somáticos. A distensão do apêndice é responsável pela dor abdominal vaga inicial (visceral) experimentada com frequência pelo paciente afetado. A dor geralmente não se localiza no quadrante inferior direito até que a ponta se torne inflamada e irrite o peritônio parietal adjacente (somática) ou que ocorra perfuração, resultando em peritonite localizada. E) Quadro Clínico. Habitualmente, o processo de apendicite inicia-se com dor periumbilical ou epigástrica, com posterior localizacã̧o na fossa iliáca direita, piorando com a movimentacã̧o e deambulacã̧o, podendo também ser acompanhada de náuseas e desconforto epigástrico. Nessa fase, aparece a constipacã̧o intestinal e, pela indefinicã̧o do quadro, é comum a administracã̧o de laxativos, no sentido de aliviar os sintomas. Isabela G. Campos 23 Febre moderada, de até 38°C, é também manifestacã̧o tiṕica, e a presenca̧ de temperaturas mais elevadas poderá sugerir outros diagnósticos ou, então, perfuracã̧o do apêndice. Lamentavelmente, os sinais e sintomas clássicos de apendicite aguda estão muitas vezes ausentes. Em algumas situacõ̧es, devido a variações na localizacã̧o do apêndice, as manifestacõ̧es clińicas poderão apresentar-se de forma atiṕica. Em alguns casos, um apêndice retrocecal pode gerar dor pélvica ou no flanco direito, enquanto um cólon mal rotacionado pode dar origem a uma apendicite no quadrante superior esquerdo. Assim como acontece com outras causas de inflamação aguda, há também a presença de leucocitose neutrofílica. Em alguns casos, a leucocitose periférica pode ser mínima ou, alternativamente, tão grande que outras causas são consideradas. Obs. O diagnóstico de apendicite aguda em crianças pequenas e idosos é particularmente problemático, uma vez que outras causas de emergências abdominais são prevalentes nessas populações, e as crianças pequenas e idosos também são mais propensos a mostrarem apresentações clínicas atípicas. A posicã̧o pélvica provocará sintomas urinários e retais, e, nas grávidas, a manifestacã̧o clińica poderá ser no quadrante superior direito ou periumbilical, decorrente do deslocamento do apêndice pelo útero grávido. Acrescentando... A apresentação clássica da apendicite aguda começa com dor abdominal em cólica, provavelmente devido à obstrução da luz apendicular. A dor pode ser periumbilical ou epigástrica, vaga e difícil de localizar, seguida de anorexia, náuseas e vômitos, que podem ou não estar presentes. A seguir, a dor desloca-se para o quadrante inferior direito do abdome, à medida que o processo inflamatório avança, com extensão transmural da inflamação, levando à inflamação do peritônio parietal adjacente. Isso geralmente ocorre dentro de 12 a 24 horas após o início dos sintomas. O movimento ou a manobra de Valsalva frequentemente pioram a dor; em alguns casos, os pacientes relatam piora da dor com os solavancos durante o transporte. -> Cerca de 12h após o começo dos sintomas, a dor migra em cerca de 50-60% dos pacientes, se localizando em fossa ilíaca direita, no ponto de McBurney, que é localizado no limite entre o terço médio e lateral de uma linha traçada da espinha ilíaca anterossuperior direita ao umbigo. Se a náusea e os vômitos precederem a dor, é mais provável que a causa para os sintomas não seja apendicite. Os vômitos, quando presentes, geralmente são limitados na apendicite, o que os diferencia dos pacientes com gastrenteriteviral. Diarreia pode ser uma das manifestações. Sua ocorrência é explicada pela irritação do intestino (delgado ou grosso) adjacente ao apêndice cecal ou mesmo por irritação do intestino pela presença de secreção purulenta adjacente às alças. A manifestação de diarreia, da mesma forma que as náuseas e os vômitos, costuma ocorrer depois do início da dor; sua presença previamente à dor sugere outra etiologia. Às vezes, os pacientes podem apresentar febre baixa, de até 38,3 °C, mas geralmente ocorre mais tarde no curso da doença e sinaliza situações mais complexas, como peritonite ou abscesso. Temperaturas mais elevadas e tremores devem alertar o cirurgião para outros diagnósticos, como Isabela G. Campos 24 pielonefrite, por exemplo. Quando questionados, os pacientes com apendicite geralmente relatam anorexia, sendo esse diagnóstico improvável nos pacientes com o apetite preservado. Se não for diagnosticada precocemente, a inflamação do apêndice tende a progredir para necrose e, por fim, para perfuração. O tempo de evolução da apendicite para necrose e perfuração varia. A taxa média de perfuração na apresentação do quadro está entre 16 e 30%, mas aumenta significativamente em pessoas idosas e crianças jovens, em geral devido a um atraso no diagnóstico. Cerca de 20% dos pacientes com apendicite perfurada apresentam-se para atendimento menos de 24 horas após o início dos sintomas. Após as primeiras 36 horas, a taxa média de perfuração está entre 16 e 36%, e o risco de perfuração aumenta em 5% para cada período subsequente de 12 horas. Embora a perfuração seja uma preocupação quando se avaliam pacientes com sintomas há mais de 24 horas, a perfuração pode desenvolver-se mais rapidamente e deve ser sempre considerada. Os pacientes com apendicite perfurada apresentam-se com quadro agudo, com desidratação e anormalidades eletrolíticas importantes, especialmente se febre e vômito estiveram presentes por um tempo considerável. Em geral, a dor abdominal tem evolução de 2 dias ou mais; na maioria dos casos, localiza-se no quadrante inferior direito, se a perfuração tiver sido bloqueada pelo omento ou outras estruturas intra-abdominais, ou pode ser difusa, se ocorreu peritonite generalizada. Muitas vezes, ocorrem calafrios e febre. A maioria dos pacientes com apendicite perfurada apresenta sintomas relacionados com a inflamação do próprio apêndice ou de um abscesso intraperitoneal localizado. No entanto, outras formas de apresentação mais raras podem ocorrer, especialmente em pacientes muito jovens ou idosos. A perfuração apendicular pode apresentar-se de formas incomuns, como formação de abscesso retroperitoneal pela perfuração de apêndice retrocecal ou formação de abscesso hepático pela disseminação hematogênica da infecção pelo sistema venoso portal. Febre alta e icterícia podem ser vistos com pileflebite (trombose séptica da veia porta), que pode ser confundida com colangite. Essas apresentações raras devem alertar o cirurgião para a possibilidade de apendicite como fator etiológico. F) Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial. O diagnóstico da apendicite aguda é clínico, associando uma boa anamnese e um exame físico que inclui a busca dos sinais clínicos já ressaltados. Pode-se ter auxílio de alguns exames complementares, sendo que estes não devem atrasar a intervenção cirúrgica. Além da cronologia característica: dor abdominal difusa anorexia, vômito e náusea migração da dor para a fossa ilíaca direita. Outro método adicional de confirmação de diagnóstico para casos mais incertos são os escores. Vários questionários e escores foram elaborados para tentar auxiliar no diagnóstico de apendicite. O mais conhecido deles é o escore de Alvarado, que se baseia em história clínica, achados do exame físico e alterações laboratoriais para determinar com menor ou maior probabilidade o risco do diagnóstico de apendicite. Entretanto, nenhum método apresenta acurácia adequada, e nenhum substitui a impressão diagnóstica de um profissional experiente na avaliação de abdome agudo. Por essa razão, esses escores não são usual-mente utilizados na prática clínica. O escore de Alvarado, que é baseado em três sintomas, três sinais e dois achados laboratoriais. De acordo com Alvarado, um valor no escore maior que cinco ou seis pontos é compatível com apendicite e o paciente deve permanecer em observação. Quando o valor é maior que sete ou oito pontos indica maior probabilidade de apendicite e valor de nove ou dez pontos é Isabela G. Campos 25 compatível com alta probabilidade da doença. Nos dois últimos casos a laparotomia pode ser indicada. Diagnóstico CLÍNICO O paciente deve ser submetido a um cuidadoso exame físico, incluindo exame retal e, na mulheres, ginecológico. À inspeção, os pacientes parecem levemente doentes e podem apresentar a temperatura e a frequência cardíaca ligeiramente elevadas. O exame físico geralmente é o indicador mais confiável de apendicite. Os pacientes com apendicite – excluindo crianças, idosos, imunodeprimidos e pacientes com alterações neurológicas – apresentam algum grau de sensibilidade à palpação do abdome. O cirurgião deve analisar sistematicamente todo o abdome, iniciando pelo quadrante superior esquerdo, longe do local onde o paciente descreve a dor. Em geral, a sensibilidade máxima está no quadrante inferior direito, ou perto de ponto de McBurney, localizado na união do terço lateral com o terço médio da linha entre a espinha ilíaca anterossuperior e a cicatriz umbilical (sensibilidade: 50- 94%; especificidade: 75-86%). Essa sensibilidade está frequentemente associada à rigidez muscular localizada e a sinais de inflamação peritoneal. A irritação peritoneal pode ser evidenciada no exame físico pela produção de dor à percussão e/ou à descompressão do abdome (sinal de Blumberg, quando na fossa ilíaca direita). Qualquer movimento, incluindo tosse (sinal de Dunphy), pode causar aumento da dor. No entanto, o indicador mais confiável de irritação peritoneal é a defesa involuntária, um reflexo de contração da musculatura da parede abdominal que está sobre o peritônio inflamado. A natureza involuntária dessa resposta é menos dependente da variação individual observada em resposta a estímulos externos. Outros sinais físicos associados à apendicite incluem: Sinal de Rovsing – Dor no quadrante inferior direito durante a palpação do quadrante inferior esquerdo, com sensibilidade de 22 a 68% e especificidade de 58 a 96%; Sinal do obturador – Dor na rotação interna da coxa flexionada sobre o quadril, sugerindo apêndice pélvico. Tem sensibilidade de 8% e especificidade de 94%; Sinal do psoas – Dor na flexão do membro inferior direito sobre o quadril, típica de apêndice retrocecal. A sensibilidade é de 13 a 42%, e a especificidade, de 79 a 97%. Isabela G. Campos 26 A dor no quadrante inferior direito é o mais consistente de todos os sinais de apendicite aguda; assim, sua presença deve sempre levantar a suspeita de apendicite, mesmo na ausência de outros sinais e sintomas. No entanto, devido às várias localizações anatômicas do apêndice, é possível que a dor se manifeste no flanco direito ou no quadrante superior direito, na região suprapúbica, ou no quadrante inferior esquerdo. No caso de apêndice localizado na pelve, a sensibilidade no exame abdominal pode ser mínima, mas esta será evidente no exame retal, com a manipulação do peritônio pélvico. Ao exame ginecológico, com a mobilização do colo do útero e a consequente manipulação do peritônio pélvico, a sensibilidade será evidente quando o apêndice estiver localizado nessa região. Assim, o achado de dor à mobilização do colo do útero não indica necessariamente patologia ginecológica, mas é um sinal inespecífico de inflamação na pelve, em que a apendicite deve ser considerada. Diagnóstico LABORATORIAL O diagnóstico de apendicite aguda é predominantemente clínico; logo, poucos exames laboratoriaissão necessários. Não existe exame específico, mas o uso criterioso de alguns exames permite a exclusão de outras patologias e fornece evidências adicionais para confirmar o diagnóstico clínico de apendicite. Além da história e do exame físico, o leucograma talvez seja o teste laboratorial mais útil. Na maioria dos pacientes, há leve leucocitose, embora possa estar dentro dos limites da normalidade nas fases iniciais do quadro de apendicite. Leucocitose acima de 20.000 leucócitos por mL sugere apendicite complicada por necrose ou perfuração. A leucocitose, muitas vezes com um “desvio à esquerda” (predomínio de neutrófilos e por vezes um aumento nas formas jovens), está presente em 90% dos casos. No entanto, uma contagem de leucócitos normal é encontrada em 10% dos casos e não deve ser usada como teste isolado para excluir a presença de apendicite. A proteína C-reativa (CRP) é um marcador inflamatório, não específico para apendicite; porém, níveis elevados (> 7 mg/dL) estão associados a casos de apendicite complicada. Lembrando que, não é sensível nem específica para o diagnóstico (ou exclusão) de apendicite. Um exame comum de urina pode ser útil para excluir infecção urinária ou nefrolitíase. Piúria, bacteriúria ou hematúria podem ser vistos em até 40% dos pacientes, podendo dificultar a diferenciação entre apendicite aguda e infecções urinárias. No entanto, pacientes com pielonefrite apresentam febre e leucocitose muito mais elevadas que as observadas na apendicite; além disso, sintomas de disúria estarão presentes, e a sensibilidade estará mais localizada no flanco ou na região do ângulo costovertebral. A infecção urinária, por outro lado, não é incomum em pacientes com apendicite; assim, sua presença não exclui o diagnóstico de apendicite aguda, mas deve ser identificada e tratada. Ou seja, a análise de urina também é geralmente normal, embora o achado de esterase leucocitária ou piúria não seja incomum e exista presumivelmente por causa da proximidade do apêndice inflamado com a bexiga ou o ureter. Se a apresentação for fortemente sugestiva de apendicite, uma análise de urina “positiva” não deve ser usada como teste isolado para refutar o diagnóstico. As dosagens de enzimas hepáticas e amilase podem ser úteis no diagnóstico de doenças do fígado, da vesícula ou do pâncreas em pacientes com queixa de dor no quadrante superior direito do abdome ou no epigástrio. Em mulheres em idade fértil, a dosagem urinária da gonadotrofina coriônica humana (hCG) está indicada para excluir a possibilidade de gravidez ectópica ou de gravidez simultânea. A gravidez Isabela G. Campos 27 ectópica é outra causa de dor no quadrante inferior direito que requer diagnóstico e tratamento imediatos. Diagnóstico por IMAGEM Não existe especificidade nos exames de imagens para afirmacã̧o do diagnóstico da apendicite aguda, mas deverão ser analisados em conjunto com as manifestacõ̧es clińicas. Os exames de imagem são particularmente úteis em alguns grupos de pacientes, incluindo crianças, idosos, mulheres em idade fértil e pacientes com comorbidades, como diabetes, obesidade e imunossupressão, nos quais há maior ocorrência de apresentação atípica de apendicite. Os exames de imagem que potencialmente contribuem para o diagnóstico de apendicite aguda incluem a ultrassonografia (US) e a tomografia computadorizada (TC) do abdome. A radiografia simples do abdome não é mais utilizada na avaliação do paciente com suspeita de apendicite, mas poderia evidenciar um fecálito no quadrante inferior direito. Esse achado é raro e, de qualquer forma, não estabelece o diagnóstico de apendicite quando presente. ADEMAIS, os raios X simples do abdome poderão mostrar alca̧ intestinal sentinela bloqueando o processo apendicular, além do velamento da margem direita do músculo psoas, decorrente do comprometimento peritoneal. A US do abdome é um método de imagem popular para a avaliação de uma suspeita de apendicite aguda. Tem sensibilidade de 75 a 95%, especificidade de 85 a 100%, e acurácia entre 90 e 96%. Os achados que sugerem apendicite incluem: Espessamento da parede do apêndice; Diâmetro total do órgão acima de 6 mm; Perda da compressibilidade da sua parede; Aumento da ecogenicidade de gordura periapendicular e líquido pericecal; Visualização de apendicolito. Além disso, a US do abdome e a US transvaginal são particularmente úteis na avaliação das causas obstétricas e ginecológicas da dor abdominal em mulheres em idade fértil. Se a US evidenciar sinais de abscesso tubo-ovariano, torção de ovário ou mesmo complicações raras relacionadas com miomas uterinos, então o diagnóstico de apendicite pode ser excluído. A TC abdominal e pélvica é outro método de imagem indicado para avaliar uma suspeita de apendicite aguda. As vantagens da TC são sua alta precisão diagnóstica para apendicite e a visualização ou diagnóstico de muitas outras causas de dor abdominal que fazem parte do diagnóstico diferencial. A TC pode diagnosticar apendicite aguda com sensibilidade de 90 a 100%, especificidade de 91 a 99%, valor preditivo positivo (VPP) de 95 a 97%, e acurácia global de 90 a 98%. Os achados de apendicite na TC incluem: Aumento do diâmetro do órgão: > 6 mm; Aumento da espessura da parede do apêndice: > 2 mm; Aumento da densidade do tecido adiposo adjacente, sugerindo inflamação; Visualização de apendicolito. Obs. Uma grande desvantagem da TC é a utilização de radiação e, às vezes, contraste IV. A ressonância magnética (RM) tem sido utilizada na avaliação de apendicite há mais de duas décadas. Os principais obstáculos para seu uso são a disponibilidade limitada dos aparelhos em instituições de menor porte, o custo do exame, o tempo necessário para sua realização e a pouca experiência dos radiologistas com a investigação dessa queixa específica. A RM é particularmente adequada em pacientes grávidas em que a US foi inconclusiva e há dúvida diagnóstica. Um apêndice cheio de líquido e aumentado (> 7 mm de diâmetro) é considerado um achado anormal, enquanto um apêndice com um diâmetro de 6 a 7 mm é considerado um achado inconclusivo. Diagnóstico Diferencial A apendicite deve ser considerada em todos os pacientes (que não tenham feito apendicectomia) que se apresentem com dor abdominal aguda. O conhecimento dos processos da doença que podem ter sintomas e sinais de apresentação semelhantes é essencial para evitar uma Isabela G. Campos 28 operação incorreta e desnecessária. A consideração da idade e gênero do paciente podem ajudar a estreitar a lista de possíveis diagnósticos. Em crianças, outras patologias devem ser consideradas, tais como adenite mesentérica (observada frequentemente após doença viral), gastroenterite aguda, intussuscepção, diverticulite de Meckel, doença inflamatória intestinal e, em meninos, torsão testicular. A nefrolitíase e infecção do trato urinário podem-se manifestar como dor no quadrante inferior direito em qualquer um dos gêneros. Nas mulheres em idade fértil, o diagnóstico diferencial expande-se ainda mais. Os problemas ginecológicos podem ser confundidos com apendicite e resultar em uma taxa de apendicectomia negativa mais elevada do que em homens de idade comparável. Estes incluem ruptura de cistos ovarianos, mittelschmerz (dor no meio do ciclo ocorrendo com a ovulação), endometriose, torsão ovariana, gravidez ectópica, doença inflamatória pélvica. Nos idosos deve ser dada consideração à diverticulite aguda e doença maligna como possíveis causas de dor abdominal inferior. No paciente neutropênico, a tiflite (também conhecida como enterocolite neutropênica) deve também ser considerada no diagnóstico diferencial. G) Tratamento. A melhor maneira de tratar a apendicite aguda é fazê-lo na fase precoce da doença. No entanto, como já foi visto, esse objetivo nem sempre é facilmente atingido devido à complexidade das manifestações da doença e ao fato de muitos pacientes não procurarematendimento médico em tempo hábil. No passado, aceitava-se um número de apendicectomias brancas de até 10%. A melhora na realização dos métodos de imagem tem reduzido essa taxa. Os pacientes com apendicite aguda exigem hidratação adequada com líquidos IV, correção de distúrbios eletrolíticos, medicações sintomáticas e antibióticos perioperatórios. Todos os pacientes devem receber antibióticos profiláticos de amplo espectro, que diminuem a incidência de infecção da ferida pós-operatória nas apendicites iniciais e diminuem a formação de abscesso intra-abdominal nas apendicites complicadas. A maioria dos pacientes com apendicite aguda é tratada por remoção cirúrgica imediata do apêndice. o Apendicite Aguda não Complicada: O tratamento adequado para apendicite aguda não complicada é a apendicectomia imediata. O paciente deve realizar reanimação hídrica conforme indicado, e a administração de antibióticos de amplo espectro dirigidos contra organismos anaeróbios e Gram-negativos deve ser iniciada de imediato. A administração antibiótica não é continuada além da dose pré-operatória única. o Apendicite Perfurada: A estratégia operatória para a apendicite perfurada é semelhante à da apendicite não complicada, com algumas exceções dignas de nota. Em primeiro lugar, o paciente pode necessitar de uma reanimação mais agressiva antes de prosseguir para a sala de operações. Tal como na apendicite não complicada, a terapia antibiótica deve ser iniciada de imediato no momento do diagnóstico. Tanto a abordagem aberta quanto laparoscópica são aceitáveis para o tratamento da apendicite perfurada. No pós-operatório, os antibióticos de amplo espectro são continuados por 4 a 7 dias de acordo com as diretrizes da IDSA. Isabela G. Campos 29 H) Complicações. Perfuração é a principal complicação da apendicite; ocorre quando há necrose da parede (gangrena) por comprometimento vascular por trombose, edema e compressão por fecálito. A parede torna-se cianótica e friável e rompe-se. Perfuração leva a peritonite generalizada ou localizada (abscesso periapendicular). A perfuracã̧o do apêndice ocorre em cerca de 20% dos casos e devera ́ser sempre considerada em casos com evolucã̧o superior a 24 h, além da presenca̧ de dor persistente e contińua, com febre elevada e sinais de irritacã̧o peritoneal. A perfuração poderá estar bloqueada, constituindo abscesso localizado junto ao apêndice, ou, então, poderá ocorrer a perfuracã̧o livre em cavidade abdominal, com consequente processo de peritonite supurativa e concomitante quadro de toxemia desencadeado pela sepse. Outras complicações da apendicite aguda são pileflebite, trombose da veia porta, abscessos hepáticos e bacteriemia. Obs. Também pode ocorrer septicemia. REFERÊNCIAS 1. A gastroenterologia no século XXI : manual do residente da Federação Brasileira de Gastroenterologia / Flávio Antonio Quilici, Nelma Pereira de Santana, José Galvão-Alves. - 1. ed. - Barueri [SP] : Manole, 2019. 2. Bogliolo, patologia/Geraldo Brasileiro Filho. – 9. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 3. Gastroenterologia essencial / Renato Dani, Maria do Carmo Friche Passos. – 4. ed. – [Reimpr.]. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. 4. Robbins & Cotran, patologia : bases patológicas das doenças / Vinay Kumar, Abul Abbas, Jon Aster ; com ilustrações de James A. Perkins. - 9. ed. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro : GEN | Grupo Editorial Nacional. Publicado pelo selo Editora Guanabara Koogan Ltda., 2021. 5. Rotinas em cirurgia digestiva [recurso eletrônico] /Organizadores, Luiz Rohde ; Alessandro Bersch Osvaldt. – 3. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2018. 6. Sabiston tratado de cirurgia : a base biológica da prática cirúrgica moderna / Courtney M. Townsend... [et al.] ; tradução GEA ; [colaboração Cary B. Aarons ... [et al.]]. - 20. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2019. Tutoria (UC XIV) 1) sobre o abdome agudo, entenda: a) Definição. EXTRA -> Causa mais comum. 2) Sobre apendicite AGUDA, ENTENDA.
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