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Maio/ 2019
Professor: Dr. Wander de Lara Proença
Coordenadoria de Ensino a Distância: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida
Projeto Gráfico e Capa: Departamento de desenvolvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3História do crist | FTSA | 
SUMÁRIO
História do cristianismo I
Unidade I - Cristianismo antigo - Parte I
1. O estudo da história (O Cristianismo Antigo e Medieval)...............................07
2. O contexto sociocultural do Cristianismo antigo: o ambiente grego-romano..09
3. Contexto religioso em que se desenvolveu o cristianismo antigo..................15
4. Crescimento do movimento cristão em seus primórdios................................20
Unidade II - Cristianismo antigo - Parte II
1. Confl itos entre Cristianismo e Império Romano: os imperadores que 
perseguiram e as formas de perseguição...........................................................29
2. Liturgia e espiritualidade na igreja antiga..........................................................37
3. O desenvolvimento doutrinal do Cristianismo antigo.......................................40
4. O papel dos Pais da igreja: por uma igreja fi el às origens apostólicas...........45
Unidade III - Cristianismo medieval - Parte I
1. Como se deu o surgimento do catolicismo romano?.....................................56
2. Como era a religião da igreja medieval e a religiosidade do povo?.................61
3. Doutrinas e ritos praticados na idade Média....................................................67
Unidade IV - Cristianismo medieval - Parte II
1. O surgimento do Islã e as cruzadas medievais..............................................78
2. Vida monástica: por uma espiritualidade voltasa à simplicidade e ao 
próximo...................................................................................................................94
3. Movimentos pré-reformadores: por um retorno doutrinal e eclesiástico às 
origens apostólicas.................................................................................................99
Para assistir os vídeos, ouvir os podcasts e fazer os exercícios,
acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem)
Atenção! Lembre-se que faz parte de suas obrigações:
1 - Participação na disciplina por meio da realização dos exercícios;
2 - Exercício integrativo - Resumo da disciplina, 1500 palavras;
3 - 2 Provas objetivas (5 questões cada);
4- Leitura de textos complementares (100 páginas);
Consulte o “Programa de curso” e veja mais detalhes!
| História do cristianismo I | FTSA4
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I
Apresentação da disciplina
Bem-vindo(a) à disciplina de História do Cristianismo!
Nela você estudará prioritariamente fenômenos históricos 
ligados ao cristianismo nos períodos antigo e medieval, 
buscando, porém, estabelecer interfaces e pontes com a história 
da igreja cristã e movimentos derivados no tempo presente.
Dentro da organização curricular da FTSA, a contextualização tem 
um papel muito representativo, pois seu ensino está comprometido 
em oferecer uma educação contextualmente direcionada às 
necessidades das igrejas brasileiras e latino-americanas. Para 
análise da realidade, o conhecimento histórico é preponderante, 
pois possibilita a compreensão do desenvolvimento social, 
político, cultural religioso que confi gurou esta realidade. Permite 
que se conheça a realidade, fundamente sua interpretação e, por 
conseguinte, oriente a ação transformadora em contextos do tempo 
presente, visto que a missão da igreja é continuidade de práticas 
que nos antecederam no transcurso dos tempos. Neste sentido, 
em relação à contextualização, a FTSA desde suas origens não 
abre mão do legado teológico produzido pelo processo histórico 
no advento da Reforma Protestante do século XVI. Mas, 
igualmente, considera preponderante que essa teologia, que deve 
estar sempre se reformando, seja interpretada e relida a partir das 
especifi cidades do contexto latino americano.
A história possibilita que compreendamos como a igreja, 
em outras temporalidades, vivenciou a fé, a espiritualidade, 
praticou seu culto, formulou sua teologia, cumpriu sua missão, 
agiu em missão em favor de um mundo mais justo e pleno 
de vida, pelas prerrogativas do reino de Deus, promovendo 
assim transformações em perspectiva integral. Deste modo, 
5História do crist | FTSA | 
a disciplina histórica serve de referência para as demais, pois 
é transversal aos diferentes conteúdos que compõem a matriz 
curricular do curso teológico. Por ser também crítica da realidade, 
contribui para ensinar que o movimento cristão experimentou 
momentos de crises e desafi adores comprometimentos; fala de 
perseguições sofridas que ameaçaram sua subsistência, mas 
também de perseguições que ele mesmo empreendeu, em dados 
momentos, contra os que se lhe opuseram ou não se moldaram 
a seus dogmas.
O trabalho do estudante de história consiste em estabelecer 
uma relação de interrogação recíproca entre presente e passado, 
promovendo uma problematização, evitando, assim, apenas 
busca das origens como meio de compreensão da vivência atual, 
rejeitando os simplismos, triunfalismos e determinismos, tendo 
em vista que o presente não é mera repetição de fenômenos ou 
acontecimentos passados, nem o passado é um emaranhado de 
eventos que necessariamente desembocam no presente.
Como uma metáfora do estudo da história, das relações entre 
passado e presente, ou das permanências e rupturas ocorridas no 
tempo, os historiadores costumam citar o exemplo do palimpsesto. 
Palimpsesto é uma palavra grega usada para identificar o que ocorria 
com a escrita em pergaminhos: uma antiga escrita, depois de ser apagada 
para dar lugar a um novo registro, com o passar do tempo reaparecia, 
permitindo sua leitura mesmo em tempos muito posteriores. A analogia 
do palimpsesto é usada para demonstrar como determinadas 
práticas podem reaparecer em tempos subsequentes, não como 
mera repetição, mas de forma ressignifi cada, com nova roupagem 
mesmo que já tenha sido considerada superada ou aniquilada. 
São os processos de rupturas e permanências que caracterizam o 
transcurso histórico.
Na estrutura curricular da FTSA, o curso de história está 
distribuído em três disciplinas. Na parte I, parte-se dos 
| História do cristianismo I | FTSA6
primórdios do movimento cristão no ambiente antigo judaico e 
greco-romano, avançando-se até o mundo medieval, quando se 
dá a consolidação da cristandade. Em história II, os conteúdos 
se concentram nos processos que envolveram a Reforma 
Protestante e seus desdobramentos no mundo ocidental, com 
destaque para os avivamentos que marcaram os séculos XVIII e 
XIX, impulsionando as missões modernas. E, fi nalmente, a parte 
III focará a presença do cristianismo no contexto brasileiro e na 
América Latina, com caracterização dos grupos que deram origem 
ao cenário religioso hoje em evidência: católicos, protestantes e 
pentecostais, em suas variantes tipologias.
A mensagem de Jesus, que partiu da Galileia e Jerusalém, 
chegou como Ele havia predito “aos confi ns da terra” (At 1:8). 
O Brasil é um destes “confi ns”. A disciplina de História nos 
ajudará a compreender como isso foi possível, guiando-nos 
numa travessia de 21 séculos pelos caminhos desafi adores que 
o tempo desenhou. Iniciemos a jornada...
7História do crist | FTSA | 
Unidade I – CRISTIANISMO ANTIGO
Introdução à unidade
Nesta unidade, apresentaremos alguns dos procedimentos que orientam 
o estudo da História e também aspectos que caracterizam os períodos 
antigo e medieval. Identifi caremos o contexto de surgimento das primeiras 
comunidades cristãs, assim como as transformações que envolveram as 
práticas do cristianismo nascente antes que, no período medieval, viesse 
a se confi gurar como cristandade.
Estudar a trajetória do movimento cristão nos períodos antigo e medieval 
signifi ca incursão em temáticas historicamenteriquíssimas, como por 
exemplo: o contexto em que viveram os primeiros cristãos; as relações de 
confl ito com o Império Romano e posterior vinculação do cristianismo com 
o próprio Estado; o advento do papado, a cristandade medieval; o surgimento 
do Islamismo e suas relações de tensão com territórios cristãos; fi xação 
de dogmas e doutrinas, como o purgatório e a veneração de imagens; a 
organização da Inquisição; movimentos pré-reformistas, dentre outros. 
Em síntese, esta unidade tem como principais objetivos conhecer aspectos 
conceituais que orientam o estudo da História; identifi car aspectos 
característicos do cristianismo antigo e medieval; compreender o contexto 
em que surgiu e se desenvolveu o cristianismo; apresentar exemplos 
históricos da vivência da fé cristã no ambiente antigo e medieval.
1. O estudo da História. O Cristianismo Antigo e Medieval
1.1 Em que consiste o estudo da História?
A História confi gura-se no campo de conhecimento que estuda o “tempo”, 
mais essencialmente, os acontecimentos e transformações ocorridos no 
tempo. Ou como dizia o importante historiador Marc Bloch: “História é o 
estudo do homem no tempo”.
Um dos termos da língua grega para a palavra “tempo” é kronos – de 
onde advém cronologia, que trata das temporalidades históricas. Essas 
| História do cristianismo I | FTSA8
temporalidades são classifi cadas para melhor demarcar os períodos 
históricos. Para defi nição dessas escalas temporais, que indicam quando 
começa e quando termina uma temporalidade, são convencionalmente 
propostos alguns marcos ou acontecimentos representativos. 
Glossário
As divisões cronológicas da História:
1) Pré-história (todo o período que antecede a invenção da escrita 
em 3 mil a.C.)
2) Período antigo (da invenção da escrita, em cerca de 3 mil a.C., 
até a queda do Império Romano no Ocidente, no século V d.C.)
3) Período medieval (da queda do Império Romano no Ocidente 
até o fi m do Império Romano no Oriente, no século XV, quando em 
1453 os muçulmanos tomaram a cidade Constantinopla (capital do 
referido Império)
4) Período moderno (desde a tomada de Constantinopla até a 
Revolução Francesa, em 1789)
5) Período contemporâneo (da Revolução Francesa aos dias atuais)
Fica caracterizado, pelos episódios indicados acima, que os critérios 
usados são indicativos de mudanças (com dimensões geralmente 
políticas ou sociais). Isso é algo simbólico, pois não signifi ca que 
abruptamente um período termina e começa outro; um determinado 
período continua existindo ou se estendendo na temporalidade do outro, 
naquilo que em História se chama de “continuidades” ou “permanências”. 
Também é preciso dizer que outros critérios ou circunstâncias podem ser 
usados para distinguir uma temporalidade de outra. 
Para o estudo da história são fundamentais as fontes, que servem para 
o historiador buscar evidências em sua análise e relato. As fontes para 
9História do crist | FTSA | 
estudo do cristianismo são diversas, como por exemplo: os próprios 
textos neotestamentários, as obras de Flávio Josefo, os achados 
arqueológicos dos manuscritos de Qumran, a Didaquê, as catacumbas 
de Roma, registros de historiadores não cristãos, correspondências, 
literaturas não canonizadas, dentre outros.
Exercício de aplicação
Ao ler o texto bíblico de Lucas 1:1-4, que características podem ser 
aplicadas ao trabalho do historiador na produção do conhecimento 
histórico?
a) a busca de fontes históricas, independentemente de sua 
confi abilidade, que servem para o historiador buscar evidências 
em sua análise e relato.
b)a busca de fontes históricas diversas, sem uma grande 
preocupação com a confi abilidade dos materiais, pois dependendo 
do assunto a ser pesquisado sempre há uma variedade de 
materiais disponíveis, mas sim que servem para o historiador 
buscar evidências em sua análise e relato.
c) fazer um recorte cronológico para situar a produção do 
conhecimento histórico, dentro das temporalidades históricas 
propostas por marcos ou acontecimentos representativos.
Acesse o AVA para fazer o exercício e ver a reação do professor!
2. O contexto sociocultural do Cristianismo antigo: o 
ambiente greco-romano
A história de conquista, poder e domínio do Império Romano começa 
com a morte de Alexandre no século IV a.C., e a queda do grande Império 
grego. Mantendo a infl uência da cultura e língua gregas, os romanos 
tornaram-se sucessores dos gregos em todos os lugares, passando a 
difundir os valores da então chamada cultura greco-romana (resultado 
| História do cristianismo I | FTSA10
da fusão entre as duas culturas) através da construção e manutenção 
desse poderoso Império. Segundo o historiador Martin Dreher, houve um 
movimento que foi o grande responsável pela unidade cultural do Império 
Romano: o helenismo. Basicamente, trata-se da cultura da era de Alexandre, 
quando língua, costumes, utensílios, arte, literatura, fi losofi a e religião dos 
gregos foram disseminados em diferentes lugares do mundo antigo.
Saiba Mais
Siglas que identifi cam temporalidades:
a.C: antes de Cristo
d.C: depois de Cristo
a.D: anno domini (termo que signifi ca “ano do Senhor”, em referência à 
era de Cristo)
No período em que se consolidou como imperador romano, nos anos 40 
a.C., Otaviano estabeleceu uma ordem ansiada por muitos, por meio da 
chamada Pax Romana. Utilizando-se do controle das legiões armadas, fez 
cessar os confl itos nas dimensões do Império através do uso da força. Em 
12 a.C. recebeu o altíssimo cargo sacerdotal de “Pontifex Maximus”. Por 
meio de uma votação popular o senado lhe acrescentou ainda: “Augusto 
pater patriae”. Pouco antes de morrer, Otaviano Augusto apresentou 
um relatório retrospectivo de sua política, destacando orgulhosamente 
os títulos que recebera como homenagem por sua clemência, justiça e 
piedade. Os romanos desenvolveram o culto ao imperador a partir do 
momento em que este passou a receber o título de “Augusto”.
Uma inscrição feita na Ásia menor, em 9 a.C., dizia: “Pode-se colocar o 
início do ano no aniversário de César, pois a divina providência trouxe à 
vida dos homens: paz, salvação, abolição de guerras. O dia do nascimento 
do deus foi para o mundo o início de boas notícias”. De acordo com 
Dreher (1993), a unidade do Império apresentava-se de maneira visível 
na fi gura do Imperador, que reunia na sua pessoa os principais cargos da 
antiga república romana.
11História do crist | FTSA | 
Glossário
Pax Romana: paz romana
Pontifex Maximus: máximo pontífi ce
Pontífi ce: líder religioso supremo
Pater Patriae: pai da pátria
Augusto: venerável, digno de culto.
César: título concedido aos imperadores romanos que sucederam a 
Caio Júlio César; designava o sucessor do imperador reinante. 
No ano 14 d.C., ocorreu a morte de Augusto (aos 76 anos de idade). Seu 
fi lho adotivo Tibério logo assumiu o governo, com 56 anos. Sob o seu 
governo, Pôncio Pilatos foi constituído procurador da Judéia e da Samaria 
(26-36 d.C.) – Jesus morreu durante o seu reinado. Em 37 d.C., Calígula 
assumiu o governo, com 25 anos de idade: vida dissoluta e aspiração 
exagerada; quis exigir que sua estátua fosse colocada no templo de 
Jerusalém. Sua morte súbita, impediu a realização deste projeto. Em 
41 d.C. foi morto numa revolta palaciana, pela guarda pretoriana, a qual 
proclamou Cláudio (tio de Calígula), como César (41-54). 
Em Roma, Cláudio, no ano 49 (d.C.), fez um decreto contra os judeus 
devido a confl itos surgidos entre eles. O testemunho do historiador antigo 
Suetônio - em sua obra Vidas dos Césares - apresenta as razões dessa 
medida adotada: “Expulsou os judeus de Roma, por que causavam agitação 
contínua, instigados por um certo Chresto” (apud FABRIS, p. 45). Chresto 
seria uma referência a Cristo? As circunstâncias parecem denotar esta 
interpretação: a pregação sobre Jesus, anunciado como Cristo, o Messias 
de Israel, teria provocado divisões e confl itos entre judeus, uma parte ligada 
ao judaísmo e outra já convertida ao cristianismo. O certoé que os judeus 
foram expulsos da cidade. Havia lá grande comunidade deles. Foram-lhe 
proibidos o culto e as reuniões sinagogais. Este decreto também envolveu, 
portanto, os judeus-cristãos. Mais tarde Nero revogou esse edito.
| História do cristianismo I | FTSA12
Exercício de fi xação
Em Roma, Cláudio, no ano 49 (d.C.), fez um decreto contra os judeus 
devido a confl itos surgidos entre eles. O motivo da expulsão foi o de 
causarem agitações contínuas, instigados por um certo Chresto. As 
circunstâncias parecem denotar esta interpretação: a pregação sobre 
Jesus, anunciado como Cristo, o Messias de Israel, teria provocado 
divisões e confl itos entre judeus, uma parte ligada ao judaísmo e 
outra já convertida ao cristianismo, e isto afetava a chamada Pax 
Romana. Seguindo esta mesma lógica, em que medida podemos 
pensar que a morte de Jesus foi infl uenciada pela tentativa de 
manutenção da Pax Romana?
a) Não podemos afi rmar que a morte de Jesus foi infl uenciada pela 
Pax Romana, uma vez que ela deveria ocorrer para cumprimento 
da vontade de Deus que visava a salvação do ser humano;
b) O envolvimento político de Jesus com grupos revolucionários, 
tais como os sicários e zelotes, que possuíam membros 
dentro do grupo dos doze discípulos (Judas e Simão), sempre 
representou uma ameaça ao governo de Roma, por isso ele foi 
perseguido e morto;
c) A ameaça que Jesus causava à Pax Romana estava relacionada 
aos embates com os religiosos judeus, que embora tivessem um 
cunho religioso, poderia sublevar os ânimos dos seus respectivos 
seguidores e provocar confl itos entre os grupos. 
Acesse o AVA para fazer o exercício!
Glossário
Sinagoga: etimologicamente signifi ca “casa do livro”, ou seja, lugar 
de ensino da Lei e dos costumes judaicos; as sinagogas surgiram 
no período do exílio babilônico sofrido pelos judeus, passando a ter 
um papel importante na diáspora subsequente para, na ausência do 
templo de Jerusalém, manter a identidade das tradições judaicas.
13História do crist | FTSA | 
No ano 54 d.C. Cláudio foi envenenado por sua esposa Agripina, que 
o assassinou para entronizar seu fi lho Nero, fruto de seu primeiro 
matrimônio, adotado por Cláudio. Nero tinha apenas 17 anos, recebendo, 
por isso, auxílio de outros. Tornou-se depois descomedido: gostava de 
apresentar-se publicamente como artista; mandou matar sem escrúpulos 
quem se opusesse a ele; instigou a primeira perseguição contra os 
cristãos em Roma, incendiando a cidade em 64, culpando por isto os 
cristãos, perseguindo e condenando à morte os que eram presos. 
Tácito, historiador antigo, relata as atrocidades praticadas por Nero, 
mandando, inclusive, matar membros de sua família; suicidou-se em 68. 
Tempos depois da morte de Nero, correu o boato de que na verdade não 
havia morrido, o que teria sido apenas mais uma de suas artimanhas. A 
sua possível reaparição causava terror e pode estar associada à base 
imaginária com que o Apocalipse descreve a Besta que ressurge, depois 
de ter sido ferida de “morte” (Ap 13).
Para saber mais sobre o comportamento de Nero, assista parte do 
documentário em vídeo: Roma - Construindo um império (27:30 a 33:00 
min.) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UFZ_ihWq8CY
 Após sua morte, três generais foram proclamados 
simultaneamente seus sucessores: Galba (Espanha); Oto (Roma); Vitélio 
(Germânia). Nenhum dos três conseguiu aprovação de todo o Império: o 
que tornava iminente uma nova guerra civil. Diante disto, Vespasiano (que 
estava com suas tropas na Palestina, e com o apoio delas, conseguiu 
apoderar-se do governo e estabelecer a ordem, em 69 d.C.
Vespasiano impôs a renovação da instituição do “primeiro sucessor”, 
criada por Augusto, assegurando assim a sucessão de seus fi lhos. Em 79, 
morre; seu fi lho Tito - o conquistador de Jerusalém - tornou-se imperador. 
Em 81, sucedeu-lhe o seu irmão Domiciano (81-96), que: procurava 
sublinhar seu poder absoluto; propagava em público a santidade de sua 
pessoa, deleitando-se com a aclamação do povo a si e à sua esposa 
no anfi teatro, no dia do grande banquete (“salve nosso Senhor e nossa 
| História do cristianismo I | FTSA14
senhora”); exigia de todos uma cega submissão às suas ordens; sufocava 
qualquer movimento de resistência; em 96, foi vítima de uma conjuração. 
Este é o imperador que ocupa o poder na época em que o livro do Apocalipse 
foi escrito. Após sua morte, operou-se uma mudança: o senado elegeu como 
imperador um descendente de uma antiga família romana: Nerva (96-98), 
correspondendo assim à imagem do soberano movida pelo pensamento 
estóico: “o melhor deveria governar em função do bem comum”.
Em 98, Trajano (Filho adotivo de Nerva) ocupa o poder, nele permanecendo 
até o ano 117. Desta forma, pelo método da adoção, assegurava-se a 
escolha do mais capacitado entre os candidatos.
Para saber mais sobre o Império Romano, assista os primeiros 25 minutos 
do documentário em vídeo: Roma - Construindo um império. Disponível 
em: https://www.youtube.com/watch?v=UFZ_ihWq8CY
15História do crist | FTSA | 
3. Contexto religioso em que se desenvolveu o 
Cristianismo antigo
3.1 Crenças e diversidade de cultos no contexto greco-romano
Desde a antiguidade, o oriente considerava os soberanos como fi lhos dos 
deuses. Por exemplo, no Egito, o Faraó recebia poder, leis e proteção para 
governar o seu povo; isso legitimava seu poder como majestade intocável.
Quanto aos gregos, os deuses adorados por eles não estavam separados 
dos homens por uma fronteira bem defi nida. Homens importantes podiam 
ser elevados da condição humana à divina, colocados como heróis na 
comunhão sagrada, como observado nas mitologias. Acreditava-se que 
os deuses vinham até onde estavam os humanos ou desciam à terra em 
forma humana, como observado em Atos 14:11, que relata que Paulo e 
Barnabé, em Listra, depois de curarem um paralítico desde a infância, 
provocaram a seguinte reação: “deuses em forma humana desceram até 
nós”. Alexandre Magno, que difundiu o Império grego, no século IV a.C., já 
era venerado por muitos de seus súditos. Sobre o chamado culto estatal, 
as cidades romanas tinham seus deuses particulares; construíram-lhes 
esplêndidos templos; a vontade dos deuses determinava a vida da cidade 
e do Estado; festas e espetáculos culturais eram realizados durante o 
ano em sua homenagem, algumas destas festas, por exemplo, estão 
associadas aos jogos Olímpicos realizados a cada quatro anos.
Os deuses romanos participavam ativamente da política e da sociedade. 
O culto era voltado em torno do Estado, havendo datas pré-estabelecidas 
pelo calendário. O culto era obrigação civil. Durante a época de Augusto, 
muitos templos foram edifi cados na Grécia, na Itália, no oriente e norte da 
África. Tentava-se forjar uma moral a partir da religião, mas a infl uências 
externas culturais eram muito intensas. Também houve forte infl uência 
de cultos estrangeiros, trazidos do oriente para Roma. Valorizavam-se 
os sacerdotes, cujos oráculos orientavam as batalhas, por exemplo. O 
deus Sol (Hélio) ganhou projeção, na época do Novo Testamento, o qual 
correspondia a Mitras (deus persa), ao ponto do próprio imperador se 
identifi car como seu legítimo fi lho.
| História do cristianismo I | FTSA16
No ano 40 a.C., Herodes O Grande, rei judeu, assinou um acordo com 
Roma no qual foram assegurados três principais benefícios aos judeus: 
não trabalhar no sábado, não servir ao exército romano, não cultuar os 
deuses do Império (apenas fazer orações em favor do imperador).
Nos primeiros anos de sua existência, comunidades cristãs formadas 
também por judeus, benefi ciaram-se de prerrogativas concedidas àqueles 
no âmbito do Império Romano, pois eram vistas pelas autoridades como 
ramifi cações do judaísmo. Muitos cristãos, em função disto, optavam 
inclusive por realizar a circuncisão, como forma de se proteger de 
possível questionamento pela não veneração aos deuses romanos ou 
participação em cerimônias religiosas obrigatórias.Posteriormente, porém, à medida que os cristãos cresceram, tendo a 
adesão de diferentes povos gentílicos – havendo, também, confl itos 
entre judeus e cristãos – estas regalias foram desaparecendo, dando 
lugar a tensões e confl itos.
No Império Romano, um elemento importante destes cultos eram os 
sacrifícios e oferendas de animais, feitos, de modo geral, da seguinte 
maneira: parte era queimada; parte era dada aos sacerdotes; outra 
vendida como carne no mercado; parte era distribuída aos pobres, em 
ocasiões especiais. Toda carne era de alguma forma sacrifi cada; faziam-
se banquetes no templo, com a presença de parentes e amigos. Esperava-
se, com isto, que os deuses favorecessem o destino dos homens e 
afugentassem o infortúnio e a ruína das cidades.
Acontecimentos milagrosos também ocorriam através de pessoas 
dotadas de poderes especiais, que irradiavam força divina. Por exemplo, 
quando o imperador Vespasiano chegou a Alexandria, pouco tempo 
depois de tomar posse do governo romano, um cego pediu-lhe que 
molhasse seus olhos com saliva, e um paralítico que lhe tocasse a perna 
com seu calcanhar. Suetônio, historiador romano, relata que o imperador 
atendeu a esse pedido, transmitindo força curativa aos doentes, que 
recuperaram a saúde.
17História do crist | FTSA | 
Exercício de aplicação
A partir de Gálatas 6:12-14, qual a possível relação desta passagem 
com o contexto religioso descrito acima?
a) A questão da circuncisão limitava-se exclusivamente a uma 
questão religiosa, sem implicações com as políticas do império.
b) Deve levar em conta por um lado a ameaça de perseguição 
romana e por outro lado os benefícios de isenção de certas 
obrigações desfrutados pelos judeus.
c) A perseguição não era uma ameaça aos cristãos, assim, 
qualquer relação à fatores relacionados à política imperial são 
irrelevantes para a leitura da passagem acima.
Acesse o AVA para fazer o exercício!
3.2 Religiões de mistério
Paralelamente ao culto ofi cial desenvolveu-se grande religiosidade popular 
marcada por intenso misticismo. Havia a busca de acontecimentos 
milagrosos. No século I era muito forte o medo, a ameaça dos poderes 
demoníacos, de doenças, infortúnios etc. As pessoas se sentiam 
indefesas ante as forças sobrenaturais. As religiões de mistério se 
apresentavam para dar “segurança” e meios de proteção: prometendo 
salvação e oferecendo-lhe força curativa.
Saiba mais
Cultos de mistério: A expressão decorre do fato de a comunidade 
reunida para determinados atos cultuais guardar silêncio absoluto sobre 
tais atos, nada podendo revelar a não-iniciados. Os iniciados recebiam 
fórmulas sagradas e sinais simbólicos, que ajudavam na identifi cação 
mútua. Participavam libertos e escravos; homens e mulheres. Celebrava-
se ali o renascimento da pessoa para a eternidade; acreditava que os 
deuses sofriam, morriam e ressuscitavam. Estes elementos criaram 
aproximações entre os adeptos e a mensagem que ouviram sobre Jesus.
| História do cristianismo I | FTSA18
Por exemplo, o deus da cura Asclépio (ou Apolo), era popularmente muito 
venerado, cujo símbolo era a serpente. O culto foi introduzido em 19 a.C., 
devido à grande peste que ocorrera nas dimensões do Império. Ao redor 
dos templos deste deus, existiam vários dormitórios onde os doentes 
fi cavam hospedados, esperando serem curados durante o sono à noite – 
especialmente paralíticos, mudos e cegos.
Saiba mais
Exemplo de um rito de iniciação nos cultos de mistério
Um dos rituais que envolvia os cultos de Ísis e Apolo dava-se 
geralmente da seguinte forma: o iniciante fazia votos de ablução 
(não comer carne por um determinado tempo, por exemplo, 10 dias); 
logo após, o noviço vestia uma roupa específi ca, ao pôr-do-sol, e era 
levado ao salão de culto, sendo que ali, repetia palavras como: “eu 
cheguei às proximidades da morte e com a ajuda da divindade estou 
agora alcançando a luz verdadeira”; no dia seguinte, ao clarear do dia, 
terminada a celebração, o iniciado apresentava-se ao povo, vestido 
com uma estola adornada com a fi gura do deus Sol. Isto signifi cava 
que, através da consagração, nasceu agora como ser divino, cheio 
de força e rodeado por brilhante luz; estava agora preparado para um 
dia se apresentar a Osíris, o juiz dos mortos.
O culto a Mitras difundiu-se bastante no Império Romano. Proveniente 
da Pérsia, seu culto tratava de luta e vitória, por isso muitos soldados se 
fi liavam a essa religião, levando-a às fronteiras do Império. Venerado como 
deus da luz, Mitras era aquele que dissipava as trevas. Religião de mistério 
que, ao contrário das demais, só aceitava a fi liação de homens, que eram 
marcados na fronte com um ferro candente, como um guerreiro. Tornavam-
se membros, por meio de um batismo, após o qual podiam participar dos 
banquetes santos, para os quais a comunidade se reunia. Após a morte, 
cada um deveria responder por seus atos perante um tribunal divino, que 
os pesaria numa balança antes de permitir-lhes a entrada para o mundo da 
luz. Este culto atraía fi éis pelo dever moral que impunha. 
19História do crist | FTSA | 
Saiba mais
Mitras e o Cristianismo: o culto a Mitras desempenhou uma acirrada 
disputa com o cristianismo pela conquista de adeptos. Esse embate 
terminou no 4º século, quando o imperador romano Constantino – 
adepto de Mitras – declarou-se cristão e ressignifi cou ritos deste 
culto com ritos cristãos, como, por exemplo, a fi xação do dia 25 
de dezembro como o natal de Cristo. Por isso, em muitos lugares 
construíram-se templos cristãos sobre santuários de Mitras, 
simbolizando a vitória de Cristo. 
Em síntese, os cultos de mistério: (a) estavam difundidos em todo 
o Império; (b) ofereciam proteção contra o mal e ajuda redentora da 
divindade; e (c) concediam benesses mediante os ritos praticados pelos 
iniciados. 
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Para saber mais sobre o contexto religioso do mundo greco-romano, 
assista os últimos 20 minutos do documentário em vídeo: Deuses e 
deusas - GréciaDisponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=QwjW371UYOs
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Como a igreja primitiva caminhou nos limites e controles 
estabelecidos pelo Império Romano? (10 minutos) 
| História do cristianismo I | FTSA20
4. Crescimento do movimento cristão em seus primórdios
4.1 As contribuições que o cristianismo recebeu para se 
expandir
Costuma-se afi rmar que, no contexto em que surgiu, três povos ou 
civilizações acabaram por contribuir para a expansão do cristianismo: 
os gregos – pela língua grega, que foi difundida pelo Império de 
Alexandre o Grande, facilitando assim a comunicação do evangelho 
(o Novo Testamento foi escrito nessa língua); os romanos – criaram 
redes de comunicação por meio das estradas, além da tolerância 
religiosa geralmente praticada em relação aos diferentes povos sob seu 
domínio, o que deu certa liberdade para o cristianismo se expandir por 
um determinado tempo; os judeus – outorgaram ao cristianismo a fé 
monoteísta e a ideia sobre da vinda de um Messias, no tempo da diáspora; 
o judaísmo é o berço religioso das comunidades cristãs, o próprio Novo 
Testamento atesta isso.
Glossário
Diáspora: Signifi ca dispersão. Dá-se o nome de diáspora às duas 
grandes dispersões que envolveram o povo hebreu: a primeira 
ocorrida por ocasião do cativeiro babilônico, no século VI a.C.; e 
a segunda quando da destruição do templo de Jerusalém pelos 
romanos, no ano 70 d.C. Para o judeu que vivia fora da Palestina, 
Jerusalém permaneceu sendo o centro da sua fé e referencial de 
vida. Lá era o local de sacrifícios ou peregrinações. A Palestina 
continuava sendo a sua terra, herança dada por Deus. Fora do país, 
o povo hebreu estava em terra alheia ou impura. 
Por que os judeus foram para países estrangeiros? Por vários motivos: 
devido aos exílios a que foram submetidos; para seguir as grandes 
rotas comerciais, estabelecendo-se nas cidades mercantes ou portos; 
em razão dos pesados tributos impostos pela dominação estrangeiraà 
agricultura, cresceu a pobreza e muitos preferiram outra sorte, por isso 
21História do crist | FTSA | 
recorreram ao comércio. O judaísmo da diáspora também crescia pela 
conversão de não-judeus.
Locais em que viviam os judeus, em expressivas aglomerações: Babilônia; 
Síria; Ásia menor e Norte da África. Só no Egito, viviam 1 milhão de judeus, 
sendo a maior parte em Alexandria.
Condições em que viviam os judeus na Diáspora: a) desfrutavam de 
isenção do serviço militar; b) não tinham necessidade de comparecer no 
dia de sábado perante instituições públicas e tribunais; c) as comunidades 
tinham certa autonomia especialmente nas questões de fé; d) todo judeu 
pagava sua contribuição ao templo, anualmente, o equivalente a dois dias 
de trabalho (jornaleiro); quem podia pagava voluntariamente quantidades 
mais altas; e) viagem a Jerusalém nas festas religiosas; f) por outro lado, 
o Templo mantinha relações com as comunidades judaicas da diáspora; 
g) falavam quase que exclusivamente grego; h) sofriam infl uência do 
helenismo (iam ao teatro, participavam de competições esportivas etc.); 
i) atraíam muitos simpatizantes às sinagogas (pregações e orações) 
– a circuncisão se tornava obstáculo para ser prosélito; j) sofriam 
perseguições e discriminações devido ao seu estilo de vida e costumes.
4.2 Desafi os do movimento cristão para se desenvolver no 
mundo urbano antigo
O movimento que Jesus funda e lidera se origina e se desenvolve e um 
ambiente com traços predominantemente rurais. Após sua morte, há 
uma grande demanda por se fazer a transposição da mensagem cristã 
de cariz rural para o universo cultural citadino, da pólis grega. Os ensinos 
de Jesus têm como cenário a vida rural: fala de semente, fl ores, trigo, 
pássaros, pescadores, lírios do campo.
Para o tempo em que o movimento cristão necessitava transpor-se 
do ambiente rural para o mundo urbano, a providência divina preparou 
e vocacionou Saulo. Este teria a tarefa de fazer prosseguir a obra de 
Jesus agora no espaço das grandes cidades. Comparativamente, vale 
estabelecer um contraponto entre Jesus e Saulo.
| História do cristianismo I | FTSA22
Saulo, nascido e formado até os 18 anos na cidade intelectual de Társis. 
Em seguida, mudou-se para Jerusalém para estudos na escola rabínica 
farisaica, tendo como mestre Gamaliel. Nesse tempo de estudos, residiu 
provavelmente na casa de sua irmã, que morava na cidade santa (At 23:16).
Saiba mais
Társis: região da atual Turquia, com uma população de 300 mil 
habitantes à época de Paulo. Era considerada o terceiro mais 
importante centro da fi losofi a antiga, fi cando atrás somente de 
Atenas e Alexandria. Por essa razão, nela circulavam diferentes 
correntes de pensamento; uma cidade cosmopolita, ou seja, nela 
estavam representados diferentes mundos culturais.
Jerusalém: cidade com cerca de 60 mil habitantes nos dias de 
Jesus. Nela estava situado o templo judaico, que abrigava a escola 
rabínica (formada por fariseus) e a escola sacerdotal (formada por 
saduceus); ambas forneciam membros para compor o Sinédrio 
(alta corte jurídica formada por 70 doutores da Lei).
Jesus viveu 90% de sua existência terrena nas regiões rurais da Galileia; 
não tendo condições fi nanceiras para a obtenção de títulos nas escolas 
rabínicas da Cidade Santa; Saulo era cidadão romano; Jesus, para 
sobreviver, trabalhava na carpintaria ou no campo; Saulo, posteriormente, 
irá elaborar todo o seu ensino tendo como pano de fundo a vida urbana; 
suas ilustrações e metáforas têm origem naquilo que é próprio do seu 
contexto de formação; em seus escritos, encontram-se refl exos de vistas 
e cenários de Tarso de quando era ainda jovem, de ser conduzido em 
“triunfo”, de jogos olímpicos, compara o “tabernáculo terrestre” desta 
vida a um edifício de Deus, destaca as correntes fi losófi cas circulantes 
nas pólis gregas; procurou também formar líderes nos grandes centros 
– especialmente com a criação da Escola Paulina de Éfeso - para que 
os mesmos dessem continuidade à missão de proclamar o evangelho, 
principalmente entre os gentios.
23História do crist | FTSA | 
Saiba mais
Escola Paulina de Éfeso: Criada por Paulo, na cidade de Éfeso, 
provavelmente no lugar onde funcionara anteriormente a Escola de 
Tirano (At 19:9). A Escola Paulina teve três importantes funções: 1) 
treinar e preparar líderes para a expansão missionária (Tito, Timóteo 
e Silas são exemplos destas lideranças); produzir cópias das cartas 
paulinas para envio circular a diferentes comunidades paulinas; 3) 
preservar a teologia paulina, voltada aos gentios, fazendo frente às 
ideias judaizantes que infl uenciavam o cristianismo nascente.
Saulo, depois Paulo, teve, portanto, um papel decisivo na tarefa de 
introduzir a mensagem cristã nos espaços das grandes cidades do 
mundo antigo. O êxito de tal empreitada se pode medir pela presença da 
igreja – muitas vezes incômoda - nas principais cidades do mundo antigo 
até o século II, como Roma, Alexandria no Egito, Éfeso, Corinto, além de 
Jerusalém e Antioquia. 
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Assistir à videoaula sobre Paulo e a institucionalização do 
cristianismo (10 min.)
Exercício de fi xação
Em que medida Paulo é responsável pelo êxito de introduzir a 
mensagem cristã nos espaços da pólis grega e de construir elos de 
aproximação entre povos e mundos tão distintos?
a) Paulo utilizou apenas a língua grega, não efetivando a passagem do 
cristianismo da cultura semítica judaica para a cultura grega;
b) Uma das principais difi culdades de Paulo foi que, assim como Jesus, a 
sua mensagem permaneceu tendo como pano de fundo as regiões rurais 
da Galileia;
c) Paulo efetivamente conseguiu traduzir a mensagem do Cristo, o Messias 
judaico, de uma cultura para outra: da cultura semítica dos judeus para a 
cultura grega.
| História do cristianismo I | FTSA24
4.3 Grupos sociais influentes no Império Romano
 A mensagem cristã exerceu atração sobre três grupos sociais 
muito representativos no Império romano: escravos, soldados e mulheres.
Em relação aos escravos, que compunham basicamente dois terços da 
população total do Império Romano, que era de cerca de 70 milhões de 
pessoas, a pregação cristã falava de igualdade de relações, visto em 
diferentes textos, como por exemplo: “porque em Cristo não há mais 
escravo nem livre” (Gl 3:28); ao escrever a Filemon, Paulo adverte que o 
escravo Onésimo seja tratado como “irmão caríssimo” e não mais como 
escravo (Fm 16); dentro da comunidade cristã as distinções sociais eram 
niveladas, não havendo mais separação entre senhor e escravo; isso 
apontava para o fi m da escravidão à medida que o reino de Deus fosse 
implantado e Jesus retornasse para reinar.
Em relação aos soldados, a guerra era uma das sinas do Império Romano, 
expondo precocemente a vida dos combatentes; desse modo, uma mensagem 
que falava de um mundo novo no qual não mais haveria a guerra e a violência 
exercia grande fascínio sobre tais personagens e suas respectivas famílias, 
que ansiavam por novos valores de preservação da vida.
Quanto à mulher, sua condição de exclusão social foi impactada por 
uma mensagem de que em Cristo não há mais distinção entre homens 
e mulheres (Gl 3:28). Segundo Rodney Stark (2006), as comunidades 
cristãs se transformaram em espaços de acolhimento de mães em busca 
de proteção para as fi lhas recém-nascidas que, segundo costumes no 
mundo greco-romano, poderiam ser “descartadas” ao nascer quando 
em uma casa já existisse uma fi lha. A igreja primitiva combateu as 
práticas abortivas e de infanticídio de meninas, promovendo assim 
uma mobilização em favor da vida. As mulheres, com isso, foram 
numericamente muito expressivas nas comunidades cristãs. Em síntese, 
fi ca evidente que a mensagem e a práxis cristã no mundo antigo não 
separaram alma de corpo, ou o que é espiritual do que é material. Com 
isso, desenvolveu uma missão contextualizada com as demandas sociais 
25História do crist | FTSA | 
daquele tempo, caracterizando-se,assim, por uma integralidade no modo 
de cumprir sua tarefa. Não quis apenas salvar as almas, mas transformar 
o mundo pela pregação do Evangelho. 
Glossário
Androcentrismo: comportamentos, sociedades ou situações em 
que o foco é o homem, ou que são controlados por uma perspectiva 
masculina.
O valor dado à mulher é um aspecto marcante no contexto das primeiras 
comunidades cristãs. No ambiente judaico havia se formatado desde 
os tempos vétero-testamentários uma mentalidade patriarcal com 
absoluta superioridade do homem sobre a mulher. Exemplo disto era o 
rigor com que a Lei religiosa se impunha em relação à mulher, sendo por 
isso legada sua participação nos cerimoniais e cultos a uma condição 
de inferioridade e submissão. Durante as cerimônias religiosas havia 
espaços próprios e limites para a sua restrita participação, sendo 
obrigada, inclusive, a permanecer em silêncio durante o evento. Tais 
restrições impostas à mulher acabavam gerando comportamentos 
um tanto constrangedores: estudos mostram que todo judeu piedoso 
costumava repetir três vezes ao dia a oração “graças te dou, oh! Deus, 
porque não nasci samaritano, nem escravo e nem mulher”. Na fi losofi a 
grega à época também não era muito diferente: a liberdade era atributo 
do homem. Platão e Xenofonte, por exemplo, afi rmavam que as mulheres 
haviam sido criadas exclusivamente para trabalhos domésticos.
Nesse contexto, foi decisiva para a libertação da mulher a atitude de 
Jesus na realização de seu ministério terreno. Ele estabeleceu um 
comportamento inaugural ao criar espaços de sociabilidade em relação 
às mulheres, razão pela qual muitas passaram a segui-lo e a servi-lo, como 
atestam os relatos dos evangelhos (Mt 27:55,56). Esta participação ativa 
pode ser observada nos evangelhos, de forma explícita ou não: Jesus 
valorizou a viúva no momento do ofertório (Mc 12:41-44); benefi ciou-as 
com milagres e curas (Mt 9:19-22, 15:21-28); citou-as em seus ensinos 
Glossário
Androcentrismo: comportamentos, sociedades ou situações em 
que o foco é o homem, ou que são controlados por uma perspectiva 
masculina.
| História do cristianismo I | FTSA26
(Mt 13:33; 25:1-13); delas recebeu presentes (Mt 26:6-13); no momento 
em que celebrou a última páscoa, no cenáculo, lá certamente estavam 
as mulheres não apenas servindo na preparação dos elementos, mas 
também desfrutando daquele momento de comunhão; no primeiro 
anúncio que se faz da ressurreição acontecida, confi ou-se a uma mulher, 
Maria Madalena, essa nobre tarefa; também quando ocorreu o envio do 
Espírito Santo em pentecostes, mulheres também estavam lá presentes, 
em oração. Um antigo manuscrito, que se constatou ser um evangelho 
escrito pelo apóstolo Tomé, foi encontrado por arqueólogos no Egito, 
em 1945, o qual não apenas registra referências da valorização dada 
por Jesus à mulher, como também destaca a participação de liderança 
feminina no movimento comandado pelo Filho de Deus. 
Quando nasceram inúmeras comunidades cristãs pelo trabalho apostólico, 
mulheres também participaram ativamente do estabelecimento daquela 
tarefa, constituindo-se também em membros da liderança que se 
formava. São exemplos disto: Febe, diaconisa e líder da igreja existente 
no porto de Cencréia, na cidade de Corinto; Trifena, Trifosa e Pérside, que 
“muito trabalharam” em comunidades paulinas; Priscila, que juntamente 
com seu marido, Áquila, realizou importante trabalho missionário em 
Roma e, depois, em Corinto como colaboradores de Paulo, ressaltando-
se que há, inclusive, hipóteses de ter Priscila participado da redação da 
carta aos Hebreus; Maria, mãe de Jesus que, segundo tradições da igreja 
antiga, teve um importante papel de liderança nas igrejas da Ásia Menor, 
desempenhando funções de pregadora e missionária em toda aquela 
região, especialmente na cidade de Éfeso, onde também morou até o 
fi nal da sua vida junto à família de João apóstolo.
Exercício de reflexão
Com base no texto de João 4:1-42, no qual ocorre o diálogo de Jesus 
com a mulher samaritana, os estudiosos do Novo Testamento 
interpretam esta passagem como sendo uma das ações inclusivas 
da pregação do Messias. Trata-se da elevação do papel feminino 
na sociedade da época. Abaixo, encontra-se o recorte entre os 
versos 5 a 19 deste diálogo:
27História do crist | FTSA | 
Chegou, pois, a uma cidade samaritana, chamada Sicar, perto das 
terras que Jacó dera a seu fi lho José. Estava ali a fonte de Jacó. 
Cansado da viagem, assentara-se Jesus junto à fonte, por volta da 
hora sexta. Nisto, veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe 
Jesus: Dá-me de beber.
8 Pois seus discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. 
Então, lhe disse a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, pedes 
de beber a mim, que sou mulher samaritana (porque os judeus não se 
dão com os samaritanos)? Replicou-lhe Jesus: Se conheceras o dom 
de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele 
te daria água viva. Respondeu-lhe ela: Senhor, tu não tens com que a 
tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu, porventura, 
maior do que Jacó, o nosso pai, que nos deu o poço, do qual ele 
mesmo bebeu, e, bem assim, seus filhos, e seu gado? Afi rmou-lhe 
Jesus: Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que 
beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a 
água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna. 
Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais 
tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la. Disse-lhe Jesus: Vai, 
chama teu marido e vem cá; ao que lhe respondeu a mulher: Não 
tenho marido. Replicou-lhe Jesus: Bem disseste, não tenho marido; 
porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu 
marido; isto disseste com verdade. Senhor, disse-lhe a mulher, vejo 
que tu és profeta.
(Bíblia Almeida Revista e Atualizada)
Partindo da leitura dos conteúdos apresentados na unidade e 
nos textos do Novo Testamento, descreva as implicações sociais, 
religiosas e políticas que este diálogo demonstrou quanto à 
participação da mulher na igreja antiga, utilizando, no mínimo, 200 
palavras.
| História do cristianismo I | FTSA28
Referências
BARRO, Jorge H. De cidade em cidade. Londrina: Descoberta, 2002.
COMBLIN, José. Paulo, Apóstolo de Jesus Cristo. Petrópolis: Vozes, 1993.
COMBY, J.; LEMONON. Vida e religiões no império romano no tempo das 
primeiras comunidades cristãs. São Paulo: Paulinas, 1988.
DREHER, Martin. A igreja no império romano. São Leopoldo: Sinodal, 
1993.
DREHER, Martin. A igreja no mundo medieval. São Leopoldo: Sinodal, 
1994.
FABRIS, Rinaldo. Jesus de Nazaré: história e interpretação. São Paulo: 
Loyola, 1988.
MOULE, C. F. D. As origens do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 
1979.
STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera 
a história. São Paulo: Paulinas, 2006.
29História do crist | FTSA | 
UNIDADE II – CRISTIANISMO ANTIGO
Introdução
Nesta unidade, veremos um pouco sobre a expansão do cristianismo, 
investigando possíveis razões que conduziram uma religião de minorias 
e da escória social, por assim dizer, ao patamar de religião em franca 
expansão e, por conseguinte, assumindo um caráter universal em termos 
de adesão e amplitude. Abordaremos como se delineia a espiritualidade 
cristã nos quadros da igreja antiga, usando como base alguns fragmentos 
de textos espirituais da época, como os do Bispo Hipólito de Roma. 
Primeiramente, falaremos sobre como eram as reuniões e cultos na igreja 
primitiva. Em seguida, a partir do exemplo de Hipólito, delinearemos 
algumas das características da espiritualidade cristã primitiva, mesmo 
sabendo que elas não se aplicavam a todos em todos os contextos.
Trataremos também das controvérsias doutrinárias e sobre a atuação 
dos Pais da Igreja. O cristianismo, diferente das religiões pagãs do mundo 
romano, não nascera como resultado de mitos e mágicas. Ele teve como 
base a realidade e o fato histórico. Orígenes,Tertuliano, Justino Mártir, 
Agostinho e tantos outros defensores da fé tiveram poderosa infl uência 
em tornar o cristianismo mais razoável para os intelectuais, sendo 
vários deles convertidos. Teremos, portanto, a oportunidade de estudar e 
conhecer um pouco mais sobre a contribuição de alguns deles.
1. Conflitos entre Cristianismo e Império Romano: os 
imperadores que perseguiram e as formas de perseguição
O primeiro imperador a iniciar uma ostensiva perseguição ao cristianismo 
foi Nero (54-68). Após o incêndio na cidade de Roma, no ano 64, a mando 
do próprio imperador, quando dez dos quatorze bairros foram destruídos, 
os cristãos passaram a ser acusados como culpados por tal episódio, 
sofrendo por isso atroz perseguição.
Tácito, historiador antigo, descreve as atitudes tomadas por Nero na 
perseguição aos cristãos:
| História do cristianismo I | FTSA30
Além de matá-los (aos cristãos) fê-los servir de diversão 
para o público. Vestiu-os em peles de animais para 
que os cachorros os matassem a dentadas. Outros 
foram crucifi cados. E a outros acendeu-lhes fogo ao 
cair da noite para que a iluminassem. Nero fez que se 
abrissem seus jardins para esta exibição, e no circo ele 
mesmo ofereceu um espetáculo pois se misturava com 
as multidões disfarçado de condutor de carruagem 
(Gonzalez, 1989, p. 56).
Trilhando o caminho da cruz, a igreja primitiva encontra na ressurreição 
de Cristo a grande esperança de vitória e transformação. Vemos isso, por 
exemplo, nos textos de Apocalipse 12:11 “[...] por causa do testemunho 
que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida”; 
e Apocalipse 20:4, “vi ainda as almas dos decapitados por causa do 
testemunho de Jesus... viveram e reinaram com Cristo. Bem-aventurado 
e santo é aquele que tem parte nessa ressurreição... sobre estes a 
segunda morte não tem autoridade [...]”.
Dados históricos e informações preservadas pela tradição antiga 
referentes ao que ocorrera com os apóstolos e outros importantes líderes 
do cristianismo em seus primórdios, também nos ajudam a entender 
que o compromisso com o caminho da cruz foi levado até as últimas 
consequências. Muitos foram submetidos ao martírio por causa do 
evangelho de Cristo.
Vejamos primeiramente alguns exemplos envolvendo aqueles que 
fi zeram parte dos doze discípulos chamados por Jesus (Mc 3:13-19):
André: após a morte e ressurreição de Jesus, foi pregar o evangelho na 
região do Mar Negro (hoje parte da Rússia); depois, segundo a tradição, 
pregou na Grécia, em Acaia, onde foi martirizado numa cruz em forma de 
“X”. Daí, este instrumento de tortura ter fi cado conhecido como “cruz de 
Santo André”.
Bartolomeu: pregou inicialmente na Arábia, depois Etiópia, e por fi m, ao lado de 
31História do crist | FTSA | 
Tomé, atuou como missionário na Índia, onde foi martirizado.
Filipe: atribui-se a este apóstolo a fundação da igreja de Bizâncio, cidade 
mais tarde conhecida como Constantinopla. Posteriormente, pregou o 
evangelho na Ásia Menor, na região de Hierápolis, onde se convertera a 
mulher de um cônsul romano pela sua pregação. O cônsul, então furioso 
por este episódio, mandou prender a Filipe e matá-lo de forma cruel.
Matias: Para o lugar de Judas Iscariotes, que se suicidou, a igreja primitiva 
escolheu Matias como seu substituto (At 1:21-26). Segundo a tradição, 
esse apóstolo se tornou missionário na Síria, onde acabou sendo 
queimado numa fogueira por causa do evangelho. 
Judas Tadeu: segundo a tradição, pregou na Pérsia, onde foi martirizado.
Mateus: desenvolveu grande parte de seu ministério pastoreando a 
igreja de Antioquia, onde também escreveu o seu evangelho. Dirigiu- se 
posteriormente para a Etiópia, onde veio a ser martirizado por causa da 
pregação. 
Pedro: depois de exercer importante liderança na igreja de Jerusalém, 
este apóstolo transferiu-se para a cidade de Roma, capital do Império. 
No ano 67, durante perseguição imposta por Nero, Pedro foi preso e 
condenado a morrer crucifi cado. Relatos do segundo século afi rmam que 
o apóstolo, antes de sua execução, disse que não era digno de morrer 
como morrera Jesus, o seu Senhor, e pediu para que fosse crucifi cado de 
cabeça para baixo, e assim ocorreu.
Paulo: considerado um apóstolo “nascido fora de tempo” (1 Co 15:8), 
tornara-se o grande líder da igreja entre os gentios e propagador da 
“mensagem da cruz” (1Co 1:18-23). Uma carta de Clemente de Roma, no 
segundo século, testifi ca o que ocorrera com este apóstolo:
Paulo esteve preso sete vezes; foi chicoteado, 
apedrejado; pregou tanto no Oriente quanto no Ocidente, 
deixando atrás de si a gloriosa fama de sua fé; e assim, 
| História do cristianismo I | FTSA32
tendo ensinado justiça ao mundo inteiro, e tendo para 
esse fi m viajado até os mais longínquos confi ns do 
Ocidente, sofreu por fi m o martírio por ordens dos 
governadores, e partiu deste mundo para ir ocupar o 
seu santo lugar (Anglin e Knight, 1947, p. 13).
No ano 67, quando da perseguição movida por Nero, Paulo foi preso e 
levado a Roma, onde recebera o martírio. Pelo fato de possuir cidadania 
romana, este apóstolo não poderia ser crucifi cado (algo humilhante para 
o cidadão romano), por isso deram-lhe como sentença a decapitação 
(morte instantânea). A tradição conservou de forma reverente o lugar 
da execução deste apóstolo, juntamente com Pedro: “Desde a mais alta 
antiguidade, a igreja romana celebrou juntos os martírios de Pedro e de 
Paulo no dia 29 de junho” (Comblin, 1993, p. 169,170).
Simão Zelote: desenvolveu seu ministério de evangelização na Pérsia, 
onde o culto ao deus Mitras (deus Sol) estava extremamente desenvolvido. 
Devido a confl itos com seguidores de Mitras, acabou sendo morto por se 
negar a oferecer sacrifício a esta divindade.
Tiago (Filho de Alfeu): pregou o evangelho na Síria. Segundo o historiador 
antigo Flávio Josefo, foi linchado e apedrejado até a morte (Proença, 
2001, p. 103).
Tiago (fi lho de Zebedeu): segundo tradições antigas, citadas por Justo 
Gonzalez, este apóstolo desenvolveu um trabalho missionário na Espanha, 
pregando na região da Galícia e Zaragoza. “Seu êxito não foi notável, 
pois os naturais desses lugares se negaram a aceitar o evangelho”. Ao 
regressar para Jerusalém, percorreu o caminho que deu origem ao lugar 
hoje conhecido como “Caminho de San Tiago de Compostela”, na Espanha. 
Em Jerusalém, veio a ser preso, sendo em seguida, decapitado por ordem 
de Herodes Agripa, no ano 44 (At 12:1,2) (Proença, 2001, p. 103).Tomé: 
segundo a tradição, desenvolveu sua atividade missionária inicialmente 
na Índia. Dali dirigiu-se para o Egito, onde realizou importante trabalho 
entre os habitantes de língua copta, ministério este que deu origem à 
33História do crist | FTSA | 
comunidade até hoje lá existente. A Igreja Cristã Copta, como é conhecida, 
está separada do catolicismo romano desde o IV século, tendo patriarcas 
em sua liderança (Proença, 2001, p. 103).
Saiba mais
Santiago de Compostela: 
Os Caminhos de Santiago são os percursos dos peregrinos que 
afluem a Santiago de Compostela, na região noroeste da Espanha, 
desde o século IX para venerar as relíquias do apóstolo Tiago, cujo 
suposto sepulcro se encontra na catedral de Santiago de Compostela. 
A peregrinação foi uma das mais concorridas da Europa medieval, 
sendo concedida indulgência plena a quem a fizesse.
João: este é, reconhecidamente pela tradição e pelos depoimentos do 
cristianismo antigo, o último apóstolo a morrer. Morreu na velhice, por 
volta do ano 100, na cidade de Éfeso, onde morava com sua família. Este 
apóstolo desenvolveu o seu ministério na Ásia Menor, onde foi preso 
nos anos 90, na época da intensa perseguição imposta pelo imperador 
Domiciano ao cristianismo, quando acabou deportado à ilha de Patmos, 
no Mar Egeu, vindo a receber ali a revelação do Apocalipse, por volta do 
ano 96. Sendo solto posteriormente, permaneceu em Éfeso ensinando 
até ao fi nal da sua vida (Gonzalez, 1989, p. 60).
Além dos apóstolos, outros importantes líderesdo cristianismo primitivo 
também deram a sua vida pela causa do evangelho. É o caso de Timóteo, 
discípulo de Paulo, que segundo testemunho de Nicéfero, no segundo 
século, “foi martirizado durante o reinado de Domiciano, no ano 96 a.D., 
em Éfeso, cidade onde morava quando o apóstolo lhe escreveu as duas 
cartas” (Anglin, 1947, p. 15).
Também de Tiago “o irmão do Senhor”, que exerceu importante liderança 
na igreja de Jerusalém, foi martirizado. O historiador Flávio Josefo, que 
descreveu o sítio desta cidade pelo exército do general Tito, no ano 70, 
| História do cristianismo I | FTSA34
atribui a destruição de Jerusalém a um “juízo de Deus sobre os judeus 
pelo fato de terem assassinado a Tiago, o Justo” (Anglin, 1947, p. 11). 
Também o historiador da igreja, Eusébio, cita um escritor do segundo 
século, chamado Hegesipo, que descreve a morte de Tiago. Afi rma este 
autor, que tinha se levantado um confl ito entre os judeus convertidos e 
os descrentes a respeito de Jesus ser ou não o Messias, e pediram a 
Tiago que resolvesse a questão. “Os escribas e fariseus” – diz Hegesipo 
– “Colocaram Tiago de um lado do templo e exclamaram, dirigindo-se a 
ele: visto que o povo é levado em erro a seguir a Jesus que foi crucifi cado, 
declara-nos qual é a porta pela qual se chega a Jesus, o crucifi cado?”. Ao 
que ele respondeu em alta voz: “O Filho do Homem está agora assentado 
nos céus, à mão direita do grande poder e está para vir nas nuvens 
do céu”. E como muitos se gloriaram no testemunho de Tiago, estes 
mesmos sacerdotes e fariseus tomaram a decisão de levá-lo à parte alta 
do templo e de lá o lançaram abaixo, “passando em seguida a apedrejá-
lo, visto não ter morrido logo que caiu no chão, enquanto, ajoelhando-se 
pedia o perdão de Deus aos seus agressores”. Deste modo ele sofreu o 
martírio (Anglin e Knight, 1947, p. 11,12).
Assista os primeiros 30 minutos do vídeo A expansão do 
cristianismo antigo e a formação do cânone bíblico. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LshphS25FWY
Até o terceiro século da era cristã, a cruz realmente pautou a atuação da 
igreja. E é prova evidente disso o fato de tal período ter fi cado conhecido 
como a “era dos mártires”. O historiador Justo Gonzalez descreve 
com precisão ainda outros fatos desse período, como por exemplo, o 
testemunho de fé demonstrado por Inácio de Antioquia. Discípulo do 
apóstolo João, viveu no período de 60 a 117 d.C. Tornou- se célebre pela 
fi delidade a Cristo em meio às perseguições que sofrera e às cadeias 
que enfrentou devido à fé que professava. Sendo levado a Roma, em 
algumas paradas obrigatórias, não se esquecia de escrever às igrejas 
que o recebiam ou lhe enviavam saudações.
Assista os primeiros 30 minutos do vídeo A expansão do Assista os primeiros 30 minutos do vídeo A expansão do Assista os primeiros 30 minutos do vídeo 
cristianismo antigo e a formação do cânone bíblico. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LshphS25FWYhttps://www.youtube.com/watch?v=LshphS25FWY
35História do crist | FTSA | 
Para testemunhar sobre Jesus Cristo, Inácio está 
disposto a enfrentar a morte. E, a caminho do martírio, 
proferiu as seguintes palavras: “Não quero apenas ser 
chamado de cristão, quero também me comportar como 
tal. Meu amor está crucifi cado. Não me agrada mais a 
comida corruptível... mas quero o plano de Deus que é a 
carne de Jesus Cristo... e seu sangue quero beber, que é 
bebida imperecível. Porque quando eu sofrer, serei livre 
em Jesus Cristo, e com ele ressuscitarei em liberdade. 
Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me 
moer, para que possa ser oferecido como pão limpo 
de Cristo” (GONZALEZ, Justo. A era dos mártires. São 
Paulo: Vida Nova, 1989, p. 66).
Não é diferente o exemplo de fé de Policarpo de Esmirna, o qual, diante da 
insistência das autoridades para que jurasse pelo imperador e maldissesse 
a Cristo, recebendo em troca disto a liberdade, respondeu: “vivi oitenta e 
seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez, como poderia eu maldizer ao 
meu rei, que me salvou?” E estando atado já em meio à fogueira, Policarpo 
elevou os olhos ao céu e orou em voz alta: “Senhor Deus Soberano [...] dou-
te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a 
teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. Por isso te bendigo e 
a te glorifi co. Amém” (Gonzalez, 1989, p. 71,72).
As experiências de Inácio e Policarpo retratam bem a disposição dos 
cristãos de tal período em dar testemunho de sua fé em obediência a 
Jesus Cristo, até às últimas consequências. Para a igreja desse período, 
a ressurreição foi, sem dúvida, o impulso maior à perseverança e à 
fi delidade ao caminho da Cruz. 
Ao falar sobre martírios de cristãos, o teólogo Jürgen Moltmann diz 
que em Cristo aconteceu o que acontecerá com todos os que trilham 
o caminho da cruz. Nos sofrimentos de Cristo são antecipados os 
sofrimentos escatológicos do mundo inteiro. Ele acrescenta que “é Cristo 
que sofre através dos seus discípulos mártires, pois na Paixão apostólica 
| História do cristianismo I | FTSA36
pelo evangelho e pela nova criação está presente o próprio Cristo”. Por isso 
os sofrimentos apostólicos, como perseguição, prisão, pobreza e fome, 
são também sofrimentos de Cristo e, como tais, dores de parto da nova 
criação. E fi naliza: “Nestes sofrimentos do caminho da cruz, o mundo 
presente perece e nasce o novo mundo de Deus” (Moltmann, 1993, p. 216).
Acesse o AVA e assista a videoaula: ROMA E AS PERSEGUIÇÕES 
AO CRISTIANISMO
Exercício de Fixação
Com base nos conteúdos lidos e na videoaula assistida, assinale 
a alternativa que indicam as opções que constituíram os motivos 
pelos quais os cristãos foram perseguidos no Império Romano.
I - Negação do culto ao imperador romano.
II - A pregação cristã não interferia nas festividades religiosas, não 
constituindo um motivo para perseguição.
III - O anúncio de outro reino a ser instaurado com o advento de 
Jesus.
IV - A presença de pestes compreendida como falta de culto 
oferecida por parte da população.
a) I, III, IV b) I, II, III c) II, III, IV
2. Liturgia e espiritualidade na igreja antiga
Na comunidade cristã do primeiro século, iniciou-se um novo paradigma 
litúrgico, no qual o que predominava não eram os holocaustos expiatórios 
mosaicos – posto que a cruz era o cerne da fé e da práxis dos crentes, 
sendo, portanto, o sacrifício de Cristo sufi ciente para a remissão 
dos pecados, e à “justifi cação” do pecador –, mas sim os atos que 
provocavam comunhão, misericórdia e solidariedade entre os fraternos. 
Cremos nesta possibilidade, mesmo considerando a posição de alguns 
autores, como N. Lohfi nk, que alegam que a prestação de culto a Jesus 
37História do crist | FTSA | 
como Divino no primeiro século é uma hipótese que esbarra na tradição 
monoteísta judaica, da qual aqueles primeiros cristãos procediam, fato 
que leva a considerar a possibilidade de ter-se prestado culto a Jesus 
como “intermediário”, ou seja, um culto que “de Cristo, subia novamente 
a Deus Pai” (Proença, 2001, p. 24). 
Sabe-se com segurança, porém, que o paradigma da comunhão entre 
os da fé era simbolizado pelo “partir do pão”, conforme ensinara Jesus. 
A comunidade se reunia para o culto todo primeiro dia da semana, 
impulsionada por duas razões básicas: o “sabor” da comunhão e a 
celebração do Cristo ressurreto: “É patente que o maior motivo que 
levou os primeiros cristãos a cultuarem a Jesus foi, sem dúvida alguma, 
a sua ressurreição, a qual autenticou sua origem divina e seu senhorio” 
(Proença, 2001, p. 26).
Vale destacar algumas das características comuns aos cultos das 
primeiras comunidades cristãs, com base nas informações de Justo 
Gonzalez (1993, p. 150-155), a quem uma vez mais nos reportamos. 
A primeira delas é o espírito de celebração, que aquela comunidade 
mantinha em quase todos os cultos. Segundo Gonzalez, tudo era motivo 
para celebração: “a comunhão era uma celebração. O tom característico 
do culto erao gozo e a gratidão, e não a dor ou a compunção”.
Outra característica comum era a participação da comunhão somente 
aos batizados. A todos era permitido assistir os cultos. Todavia, quando 
se aproximava o momento da ceia, permaneciam obrigatoriamente 
no recinto apenas os membros assíduos da igreja, ou seja, apenas os 
batizados. Neófi tos não batizados e visitantes fi cavam de fora.
Gonzalez (1993, p. 152) ressalta ainda outra característica que, desde 
cedo, fi zera parte do repertório litúrgico daquelas comunidades, que era a 
celebração nas catacumbas. A razão pela qual se davam estas reuniões 
nestes locais inauditos, era porque ali estavam enterrados os heróis da 
fé; e os cristãos criam que a comunhão os unia, não só entre si e com 
Jesus Cristo, mas também com seus antepassados na fé.
| História do cristianismo I | FTSA38
Contudo, muito mais que nas catacumbas, os cristãos reuniam- se nos 
lares particulares. Há inclusive indicações disto nas Escrituras (como, 
por exemplo, em At 16:40 e Fl 1,2). Gonzalez afi rma que, à medida 
que as congregações iam crescendo e se expandindo, algumas casas 
foram dedicadas exclusivamente aos cultos, e posteriormente foram 
transformadas em templos (mas com a devida descrição pública).
Por muito tempo, pode-se dizer que o cristianismo continuou sendo 
um “braço” do judaísmo, posto que, mesmo avançando com a doutrina 
evangélica apostólica, este preservou a tradição ritualística da lei e 
dos costumes judaicos. Daí se fala em uma tradição “judaico-cristã”, 
não podendo desvincular a segunda da primeira. Um exemplo é que a 
igreja primitiva possuía duas vertentes teológicas: a ala judaizante 
(representada por Pedro), e a ala gentílica, da qual Paulo fora o mentor. 
Aliás, de acordo com José Comblin, Paulo foi o verdadeiro fundador 
do cristianismo, como movimento religioso independente do judaísmo 
(Comblin, 1993).
Para melhor traçar o perfi l religioso aqui referido, faremos breve menção 
do caso de um bispo e pastor da igreja de Roma no século III, Hipólito de 
Roma (160-235). Exímio escritor e erudito, Hipólito intentara com seus 
escritos recuperar para a vida da igreja a “verdadeira tradição apostólica”, 
difundindo seus comentários e lembranças dos costumes legados pelos 
apóstolos, mas que aos poucos vinham sendo deixados de lado.
A espiritualidade cristã, em Hipólito, resumia-se basicamente em guardar 
preceitos morais e costumes religiosos (“místicos”). Nota-se uma 
observância exagerada aos mínimos detalhes dos ritos, que regiam a 
ação humana de forma global. Havia ritos e normas para tudo: quanto 
ao “uso” correto da sexualidade, sobre a castidade, sobre casados e 
solteiros, orientações aos batizandos, aos catecúmenos, às viúvas, 
confessores e até crianças. 
Sobre a doutrina de Hipólito, um comentarista, que escreveu a introdução 
de um de seus escritos, disse o seguinte:
39História do crist | FTSA | 
Torna-se moralista. Considerada a época crítica e difícil 
da igreja, comenta o livro de Daniel e, fazendo ressaltar 
as catástrofes do porvir da humanidade, tira lições, dá 
conselhos [...] Pretende assim levar à confi ança em Deus, 
mesmo quando se é perseguido ou incompreendido, 
fatos esses reais em sua vida agitada [...] Liga-se de modo 
escravizante ao texto bíblico como este se encontra, sem 
interrogar se tal capítulo fora escrito em hebraico, aramaico 
ou se encontra apenas em grego [...] Preocupa-se com o 
ensinamento que pretende tirar de um texto, como perfeito 
alegorista, sem tomar em consideração a realidade à qual a 
revelação quer ser resposta (Roma, 1981, p. 08).
Dessa forma, observa-se que a liturgia era a própria vida para os cristãos 
que seguiam tais preceitos, e a vida prosseguia sendo regida por normas 
e orientações de ordem litúrgica. Exercia-se o sacerdócio sob o controle 
da tradição apostólica, porém, admitindo paralelamente a submissão 
a um legalismo ritualístico, reminiscente do judaísmo. Estabelecia-se, 
assim, uma espiritualidade “seletiva”, onde as regras de fé e prática 
mais aparentavam um código de posturas moralizante e legalista do 
que qualquer outra coisa, fato que mais distanciava do que facilitava a 
aproximação dos neófi tos até Cristo.
Acesse o AVA e assista videoaula – Liturgia e espiritualidade na 
igreja primitiva (10 minutos) / Proença.
Exercício de aplicação
Com base no conteúdo lido e na videoaula 7, que apontam algumas 
características litúrgicas da igreja antiga, qual dos elementos 
abaixo ainda permanece central para a maioria das igrejas cristãs 
de vertente protestante:
a) Papel importante da ceia litúrgica;
b) Ausência de templos, sendo utilizadas exclusivamente casas 
domésticas;
c) Demorada preparação para o batismo.
Acesse o AVA e assista videoaula – Liturgia e espiritualidade na 
igreja primitiva (10 minutos) / Proença.
| História do cristianismo I | FTSA40
3. O desenvolvimento doutrinal do Cristianismo antigo
De que modo podemos relacionar o problema das controvérsias 
teológicas e doutrinárias entre a igreja e outras crenças ou religiosidades 
do mundo antigo com o desenvolvimento e as facetas que o cristianismo 
foi assumindo até a conclusão deste período? Essa pergunta servirá 
como problema e orientação para o que será desenvolvido nesse tópico. 
A ideia básica é a de expor sobre duas abordagens inter-relacionadas com 
este problema, a saber: a) caracterização das crenças e/ou “heresias” 
principais que fi zeram frente ao cristianismo; b) as respostas dadas pela 
Igreja, seja contra ou a favor da manifestação dessas crenças. 
Confl itos são comuns quando falamos em ser humano e história. Mais 
ainda, quando esse ser humano é o crente (tanto no sentido estrito, como 
lato), e quando essa história é a história da Igreja. Desde os começos 
da era cristã, vimos controvérsias de todos os tipos: no tempo de Paulo 
foram o gnosticismo, judaísmo e outras doutrinas semelhantes; no século 
III foi debatida a questão da readmissão dos “desviados” na igreja. Quer 
dizer, não faltaram querelas e muito menos respostas (umas se julgando 
bem fundamentadas, outras nem tanto) para as principais questões que 
envolviam a fé cristã de um modo geral. 
Neste tópico, vamos tratar especifi camente sobre algumas das crenças 
e “heresias” que geraram muitas das controvérsias até o IV século da era 
cristã. De modo semelhante, também veremos a atuação dos chamados 
“Pais da Igreja”, tanto no Oriente como no Ocidente cristão, nos casos de 
afi rmação ou negação e combate de uma determinada doutrina ou crença.
As perguntas que podemos lançar inicialmente são: quais os fatores 
que, na história da igreja, determinaram o surgimento da teologia cristã? 
O que é uma heresia e como ela se constitui? De que forma a igreja 
combateu os “hereges” desse período? Em nome de que ou quem e com 
que “armas” ela combateu e por quê? Qual foi o papel dos pais da igreja 
nesse contexto de confl itos de interesse e controvérsias doutrinárias? 
Nosso olhar certamente estará condicionado pelo presente, mas nunca 
41História do crist | FTSA | 
na intenção de julgar, e sim de compreender (ainda que parcialmente) o 
passado, que sempre estará em suspenso e seus fatos nunca poderão 
ser apreendidos absolutamente, “tal como aconteceram”.
3.1. Os chamados “movimentos heréticos”
Os movimentos chamados “heréticos”, muitas vezes pejorativamente 
e sem uma devida investigação, são considerados, na história da 
igreja, como aqueles que se apresentaram subversivos à ortodoxia, por 
defenderem ideias, práticas e doutrinas que ameaçavam a integridade 
dogmática e institucional da igreja. Nesse sentido, vale observar que, para 
a igreja, bastava algum movimento ou pessoa destoar do que era ensinado 
e determinado pela regra de fé ortodoxa, que já poderia ser considerado 
“herético” e digno de condenação, o que nem sempre signifi cava avesso à 
Bíblia e seus ensinamentos. Um exemplo disso está no que aconteceu com 
os anabatistas no século XVI, perseguidos pela própria igreja protestante 
e julgados como heregesperturbadores da ordem, basicamente porque 
ansiavam e lutavam por uma reforma mais profunda (estrutural). Assim, 
faz-se necessário para nós pesquisadores da igreja, considerar uma 
multiplicidade de vertentes que geram um dado movimento e certa crença 
ou doutrina, sem condenar de antemão. O julgamento sempre deve ser 
evitado, especialmente no estudo da história.
O que aqui vamos fazer é um breve “passeio” pelos principais movimentos 
que foram condenados na era cristã, descrevendo as mais latentes 
marcas deixadas, tentando exercitar, antes, uma mentalidade crítica e 
investigativa, e não condenatória.
a) Gnosticismo (séc. I)
Afi rmava basear-se no “conhecimento” (gnose), embora não se tratasse 
do conhecimento racional (que, por sinal, era rejeitado pelos gnósticos), 
mas um conhecimento místico, sobrenatural, transcendental. Defendia 
uma visão dualista do universo, de origem persa, que separava pares 
opostos, irreconciliáveis, como o Deus transcendente dos gnósticos 
(criador da realidade espiritual, boa) e um “demiurgo” (semideus, que 
| História do cristianismo I | FTSA42
criara o mundo material, mau). Considerando que o mundo material é 
mau, logo, Cristo não poderia ter tido uma encarnação real, mas aparente, 
isto é, de natureza docética, um espírito visível, um fantasma. Boa parte 
dessa visão gnóstica da realidade se arraigou tanto que até hoje continua 
viva e presente, inclusive na Igreja.
b) Marcionismo (séc. II)
Um dos movimentos provenientes do gnosticismo. Foi fundado em 144 
d.C. por Marcião de Sinope, um cristão religioso que foi denunciado pela 
igreja como herege. Sustentava em sua doutrina elementos gnósticos, 
tais como o dualismo, o docetismo cristológico e a recusa do Antigo 
Testamento. Desenvolveu melhor essa doutrina dos dois deuses, 
representados nos dois testamentos: A.T. - Demiurgo (justiça/lei); N.T. - 
Deus Superior (Jesus/Evangelho/amor).
c) Montanismo (séc II)
Originou-se entre 160 e 170 na Frígia, através de um certo Montanus, um 
ex-sacerdote das religiões de mistério, convertido ao movimento cristão. 
Ao ser batizado, pelo ano 150, manifestou a glossolalia (dom de línguas), 
passando a ensinar, a partir daí, que a direção da igreja não deveria 
ser por intermédio de cargos ou ofícios, mas sim, pela “voz do Espírito 
Santo” transmitida pela glossolalia. Passou a anunciar o fi m do mundo 
através de suas profecias e ordenava a seus adeptos a se reunirem em 
um determinado local — regiões da Frígia, na Ásia Menor — para aguardar 
a descida da Jerusalém celestial. Possuía duas discípulas imediatas: 
Priscila e Maximila, que serviam como suas intérpretes, quando dizia 
comunicar-se verbalizando “línguas espirituais”. Foi um movimento que 
queria a renovação das realidades pneumáticas e escatológicas da igreja 
dos primeiros tempos. Sua doutrina reunia três elementos principais: 
escatologia, ascetismo e profetismo.
c) Arianismo (séc III-IV)
Foi uma visão cristológica sustentada pelo presbítero Ário (246- 336), 
que negava a divindade de Jesus e sua consubstancialidade com o Pai. 
O início da controvérsia se deu quando o bispo Alexandre de Alexandria 
43História do crist | FTSA | 
(250-328) começou a debater teologicamente com o pai do arianismo. A 
dinâmica do debate é bastante ampla. Seus pontos eram vários e sutis. 
Mas, como faz lembrar Justo González (1991, p. 90), “podemos resumir 
toda a controvérsia à questão de se o Verbo era co-eterno com o Pai ou 
não”. O próximo tópico trata, dentre outras coisas, dos desdobramentos 
desta controvérsia na vida da igreja da época. Gonzalez resume 
grafi camente o campo de forças em torno do qual tal querela gravitava:
Ário dizia que o Verbo (Cristo) não era Deus, mas somente a primeira 
dentre as criaturas. Alexandre, valendo-se da visão do Evangelho de 
João, afi rmava que o Verbo sempre tinha existido com o Pai e que, 
junto com o Pai, ele também era Deus, isto é, tinham a mesma essência 
divina, embora não fossem uma e a mesma pessoa. Interessante notar 
que ambos os partidos tinham textos bíblicos em que se embasavam e 
razões lógicas que faziam a posição do oponente parecer insustentável 
(Gonzalez, 1990, p. 91).
3.2. A reação da igreja: doutrinas e dogmas
Evidentemente, a Igreja não permaneceu calada e imóvel, apenas 
assistindo a implosão de suas doutrinas e práticas tradicionais. O cerne 
de sua reação se dá por conta de iniciativas isoladas, como a de Alexandre 
e outros bispos e teólogos da igreja, não citados. Quer dizer, tinha-se, 
em primeiro lugar, a convicção de que essas contendas só podiam ser 
vencidas pela força do argumento da fé. E é aqui que começam a surgir, 
de maneira mais sistematizada, as produções teológicas do período. 
A teologia nasce como produto do confl ito. Porém, em segundo lugar, 
entravam também as implicações políticas dessas controvérsias.
Com o surgimento da “paz” na Igreja, após a ascensão e “conversão” ao 
cristianismo do Imperador Constantino o perigo de perseguição se tornou 
praticamente remoto, ao passo que havia uma liberdade maior para se 
debater religião. Porém, Igreja e Estado aliaram-se no sentido de conter 
os confl itos que pudessem surgir entre os fi éis em função de tais debates.
| História do cristianismo I | FTSA44
Segundo Gonzalez (1990, p. 88), “Constantino queria que a igreja fosse 
o ‘cimento do império’, e por isso qualquer divisão nela podia ameaçar 
a unidade do Império”. Assim, quando a controvérsia ariana tornou-se 
pública, com o risco de dividir toda a igreja oriental, Constantino resolveu 
interferir, dando opiniões sobre o assunto. A saída que ele encontrou para 
resolver esse e outros impasses e colocar a vida da igreja em estabilidade, 
foi a de convocar uma grande assembleia de todos os bispos cristãos.
E foi assim que, em 325, o concílio afi nal se reuniu na cidade de Nicéia, na 
Ásia menor, perto de Constantinopla. Hoje conhecemos esta assembleia 
como sendo o primeiro concílio universal da igreja na história. Não se 
sabe o número exato de bispos ali reunidos. Como informa Gonzalez, 
acredita-se que tenham sido trezentos. Embora a maioria dos cristãos 
ali congregados não pertencesse a nenhum dos grupos outrora 
mencionados, conta-se que a maioria posicionou-se para o lado que 
defendia a doutrina da Trindade, em oposição à negação da divindade de 
Jesus por parte dos arianos. Aliás, a natureza divino-humana, ora apenas 
divina, ora apenas humana, de Jesus foi um dos temas mais recorridos 
desde o primeiro século, como vimos anteriormente.
Em Nicéia, portanto, chega-se ao que podemos chamar de ápice, naquele 
tempo, das discussões acerca da natureza de Deus: divino? Humano? 
Um? Dois? Três? Depois de um processo interno à reunião, que aqui não 
cabe narrar, mas que contou, entre outras coisas, com a intervenção de 
Constantino, sugerindo que fosse incluída a palavra “consubstancial” (de 
uma só substância) no documento fi nal, chegou- se à formulação de uma 
Doutrina da Trindade através do “Credo Niceno”, que hoje em dia é tido 
como o credo cristão mais universalmente aceito.
Pode-se dizer, como fi nalização deste tópico, que as reações da Igreja a 
todos estes e outros movimentos, crenças e “heresias” que surgiram até 
o fi m do período antigo, deram-se através de quatro principais instâncias:
45História do crist | FTSA | 
• Primeiro, o fortalecimento da autoridade apostólica: hierarquização 
ou clericalização da Igreja;
• Segundo, a produção de importantes escritos: credos, confi ssões 
de fé, manuais.
• Terceiro, Concílios eclesiásticos;
• Quarto, estabelecimentos de livros “canônicos”, os quais 
deveriam ser escritos por apóstolos ou por discípulos de apóstolos; 
serem livros cristocêntricos e, por fi m, serem aceitos perante a 
comunidade.
Acesse o AVA e assista à videoaula 3 – O contexto religioso em 
que se desenvolveu o cristianismo antigo - e observe a diversidade 
que caracterizou as primeiras comunidades cristãs. 
Exercício de reflexão
Como você imagina que tenha se dado a construçãodas doutrinas 
cristãs no início da igreja? Teria existido um modelo uniforme de 
cristianismo, ou uma face pluralista teria sido a ca racterística 
daquela igreja antiga? Elabore a sua resposta utilizando, no mínimo, 
200 palavras.
4. O papel dos Pais da igreja: por uma igreja fi el às origens 
apostólicas
Nesta unidade, estamos aprendendo um pouco mais sobre como se 
fazia teologia no período antigo com a experiência dos chamados Pais 
da Igreja. A partir deles, veremos que a teologia é um saber racional, 
sim, mas que tem uma dimensão espiritual e de reverência para com o 
sopro do Espírito. Ao mesmo tempo, concluiremos que teologia é coisa 
humana, composta a partir de experiências concretas de fé, luta e busca 
por iluminação pela vontade de Deus. Sua matéria-prima é a própria vida 
| História do cristianismo I | FTSA46
e seu chão é a história. A pergunta é: de que maneira homens como 
Gregório, Ambrósio, Agostinho ou Jerônimo tornaram-se pais da igreja e 
em função de que questões e atuação?
Os Pais da Igreja fi caram assim conhecidos por serem os representantes 
diretos e indiretos da tradição apostólica, isto é, a tradição da igreja. 
Devemos tratar de uma maneira mais específi ca sobre quem foram os 
pais, por quais critérios eles foram assim chamados e as razões pelas 
quais os cristãos, hoje, ainda podem e devem recorrer à leitura dos pais. 
Uma dessas características é o zelo para com as Escrituras, algo bastante 
peculiar em se tratando do contexto ao qual acabamos de estudar, de 
controvérsias e confl itos doutrinários.
O professor de estudos bíblicos e teológicos do Eastern College, 
Christopher Hall, afi rma que os pais demonstravam um enorme zelo para 
com Deus e as Escrituras. E, muitas vezes, como acontece conosco, seu 
zelo manifestava-se tanto em suas forças como em suas fraquezas. 
Afi rma que “eles têm muito a ensinar-nos sobre reverência, santo temor, 
autosacrifício, autoconsciência e autodecepção, adoração, respeito, 
oração, estudo e meditação” (Hall, 2000, p. 53).
Glossário
Patrística: fi losofi a cristã formulada pelos pais da igreja nos 
primeiros cinco séculos da era cristã, buscando combater a 
descrença e o paganismo por meio de uma apologética da nova 
religião, calcando-se em argumentos e conceitos procedentes 
da fi losofi a grega. Algumas das principais ênfases ou marcas 
teológicas da “teologia patrística” são: as “duas naturezas de 
Cristo” (humanidade e divindade); formulação da doutrina da 
trindade; concílios ecumênicos (formulação dos Credos Niceno e 
Calcedônio); combate às heresias do gnosticismo e da religiosidade 
e cultura helênica (grega).
47História do crist | FTSA | 
Dentro da classifi cação mais ampla dos “pais da igreja”, segundo Hall, 
encontramos os oito doutores da igreja: quatro doutores do oriente 
e quatro doutores do ocidente, aos quais, baseados neste autor, 
dedicaremos especial atenção, destacando os principais pontos que 
envolvem suas vidas e pensamentos.
4.1. Os quatro doutores do Oriente
a) Atanásio (296-373)
Segundo relatos, foi um dos homens mais corajosos, astutos e cuidadosos 
de seu tempo. “Não haviam respostas neutras a Atanásio” (Hall, 2000, 
p. 59). Precoce no desenvolvimento de seu pensamento, escreveu 
duas importantes obras (“Um discurso contra o incrédulo” e “Sobre a 
Encarnação”) antes dos 20 anos de idade. Aos 33, foi nomeado bispo 
da igreja em Alexandria. Durante quarenta e cinco anos, foi exilado cinco 
vezes de sua igreja pela oposição fi rme feita às ideias do presbítero Ário.
Suas ênfases principais geralmente gravitavam em torno do tema da 
encarnação do Filho. A controvérsia com o arianismo era o que balizava 
sua teologia, que era principalmente soteriológica. Para ele, “somente 
Deus pode salvar”, e “Cristo é adorado nas igrejas” (Hall, 2000, p. 60-61).
b) Gregório de Nazianzo (329-390)
Nasceu na pequena cidade de Nazianzo, na Capadócia. Membro de 
família rica, tinha uma personalidade forte, introspectiva, talvez o que o 
tenha feito se atrair para a solidão, oração e vida contemplativa. Recebeu 
excelente educação ao longo de sua vida. Rejeitava posições de liderança 
na igreja, em detrimento de uma vida calma e tranquila dedicada aos 
estudos. Isso, porém, gerou um confl ito que o acompanhou ao longo de 
sua trajetória: a disposição em atender ao chamado para servir a igreja, 
para depois abrir mão desta tarefa em nome da intensa vocação para a 
vida monástica e acadêmica.
Embora fosse amante da academia, sua leitura das escrituras não estava 
condicionada aos imperativos racionais. Neste ponto surge seu confl ito 
com os eunomianos, um grupo de estudiosos que defendia a razão como 
| História do cristianismo I | FTSA48
maior princípio norteador do conhecimento sobre a divindade. Gregório 
combate isso ao dizer que “a saúde espiritual e a argúcia hermenêutica 
não podem ser separadas” (Hall, 2000, p. 71).
c) Basílio, O Grande (330-379)
Bispo e teólogo da igreja proveniente da província romana da Capadócia. 
Era amigo íntimo de Gregório, com quem estudou em Atenas por seis 
anos, mergulhando na arte da retórica. Diferentemente de seu amigo, 
Basílio era um homem orientado para a ação. Tanto que, após um ano 
de experiência como docente na escola de Cesaréia, ele abandona a 
carreira acadêmica para se dedicar à vida eclesial, como fruto de uma 
“renovação espiritual” pela qual passara. Todavia, tanto quanto seu 
prezado Gregório, Basílio desenvolveu uma teologia coerente com seu 
pensamento. Sua ênfase está na rejeição da “alegoria” em sua versão 
interpretativa da criação. O caminho mais seguro, segundo ele, é fi car em 
silêncio perante o texto. A autoridade de Gênesis está no movimento do 
Espírito em Moisés.
d) João Crisóstomo (347-407)
De todos os pais da igreja, exceto Agostinho, afi rma Hall, a exegese de 
João é a mais inteligível, acessível e disponível aos leitores modernos. 
Por sua infl amada retórica, fi cou conhecido como o “boca de ouro” (que 
signifi ca “Crisóstomo”, em grego). Possui uma vasta obra teológica, mais 
concentrada em homilias exegéticas e sermões. É um dos pais que mais 
ressaltou a importância de estudar as escrituras. “A raiz de todos os males”, 
acreditava ele, “é a falta de conhecimento das escrituras” (Hall, 2000, p. 93). 
4.2. Os quatro doutores do Ocidente
a) Ambrósio de Milão (339-397)
Nasceu em Tréveros, mudando-se logo depois para Roma, onde recebeu 
boa educação, estudando literatura romana e grega, já que provinha 
de uma família bem abastada. Era bastante respeitado por sua ética 
e autoridade moral, fruto de sua vida pública íntegra no meio político. 
49História do crist | FTSA | 
Assim, com a morte do bispo Auxêncio (que era ariano), Ambrósio foi 
escolhido para ser o novo bispo de Milão. Embora não tivesse formação 
teológica, seus estudos na língua grega o auxiliaram em sua exegese 
das Escrituras. Como bispo, não se envolveu muito em controvérsias 
teológicas. Era conhecido mais por seu caráter, diplomacia, coerência e 
bondade, que por suas ideias e/ou qualidades como teólogo. Teve grande 
infl uência na conversão de Agostinho, a quem batizou tempos depois. 
A interpretação alegórica das Escrituras (especialmente do AT) foi sua 
marca como teólogo.
b) Jerônimo (347-420)
“A vida de Jerônimo é um admirável exemplo da graça de Deus operando 
por meio das ambiguidades humanas” (Hall, 2000, p. 106). Possuía 
uma personalidade áspera e contraditória: extremamente sensível às 
críticas, capaz de atacar alguém com uma mão, e acariciar com a outra. 
É geralmente reconhecido como o erudito mais eminente entre os pais. 
Reconhecido tradutor da Bíblia, dos textos hebraicos e parte do NT em 
grego para o Latim, uma versão que fi cou conhecida como vulgata. 
Seu pensamento também é rico por tocar em termos não muito usuais 
na época (como a relação entre sexo, Deus e teologia), e pelo fato de 
interagir com os grandes escritores de sua época e cultural. Por isso, 
como afi rma Hall, relacionar nossa experiência a de Jerônimo pode 
abrirnovos caminhos de refl exão sobre a vida cristã e o chamado ao 
discipulado no século XXI.
c) Agostinho (354-430)
Um dos mais brilhantes pensadores cristãos de todos os séculos. Seu 
pensamento situa-se na transição entre a antiguidade e a medievalidade. 
Foi um grande “divisor de águas”, visto que infl uenciou todo o pensamento 
teológico posterior na igreja cristã (medieval e moderna). Teve uma 
trajetória longa e confl itiva, passando por diversas crenças e movimentos 
(que infl uenciaram a formação de seu pensamento), antes de se converter 
defi nitivamente ao cristianismo: maniqueísmo, ceticismo, astrologia, 
neoplatonismo. Suas principais ênfases teológicas foram: Graça, Livre-
| História do cristianismo I | FTSA50
Arbítrio (embate com Pelágio), Mal (ideia de pecado original), Autoridade, 
Verdade, Razão e Fé. Escreveu várias obras teológicas, comentários 
bíblicos e sermões. As mais conhecidas são as suas Confi ssões (397-
398) e Cidade de Deus (iniciado em 413, terminado em 426).
d) Gregório, O Grande (540-604)
Quase 150 anos separam o papa Gregório I de Agostinho. Sua vida 
parece, como diz Hall, providencialmente ordenada para o papel que 
desenvolveria na Igreja Ocidental: seu avô (Felix II) também havia sido 
papa; assim como Ambrósio, antes de se tornar monge, ele também 
passou pela vida política, tendo sido prefeito de Roma; depois de um 
período vivido como monge beneditino, foi indicado pelo papa Pelágio 
II para servir como representante episcopal na igreja Oriental em 
Constantinopla. Posteriormente, em seu posto como papa (de 590 a 
604), Gregório foi responsável pelo envio de missionários para atuar 
no mundo anglo-saxão, e também pela divulgação de uma espécie de 
canto musical hoje conhecida como canto gregoriano. Assim, como 
Ambrósio, ele tinha predileção pela alegoria como forma de interpretação 
da Bíblia. Nada podia ser ignorado e desprezado, desde que saudável, 
como instrumento de leitura das escrituras. Em uma de suas cartas, ele 
escreveu que, na “compreensão da Escritura sagrada, tudo quanto não se 
opõe a uma fé sadia não deve ser rejeitado” (Hall, 2000, p. 121). Escreveu 
muitos sermões sobre diversos livros da Bíblia. 
Tratou-se, nos tópicos anteriores, de um panorama histórico acerca 
das controvérsias doutrinárias e produção teológica da igreja até o fi m 
desse período chamado antigo (com exceção da menção a Gregório 
O Grande, que se situa na medievalidade). A intenção foi mostrar que 
o desenvolvimento do pensamento cristão na história da igreja antiga 
não se deu de uma forma unânime, uníssona, sem confl itos. Temos de 
suspeitar até mesmo dos “consensos” e acordos outrora feitos, como no 
caso de Constantino e Nicéia, embora a providência divina nos faça crer 
que, mesmo em meio aos desacordos e falhas humanas, o Espírito de 
Deus continuou soprando e agindo nos “vasos de barro”. Isso é o mais 
fascinante.
51História do crist | FTSA | 
Entre os pais da igreja, vimos tanto consonâncias como discórdias, e um 
exemplo disso está no caso da interpretação alegórica das escrituras: 
enquanto Basílio e Crisóstomo criticaram o uso da alegoria e defenderam 
uma interpretação mais literal, Ambrósio e o papa Gregório a advogaram. 
Os desentendimentos entre essas importantes fi guras mostram a 
diversidade de interpretações, visões, e produções teológicas existentes 
no meio cristão desde os primórdios. Terá sido isso algo apenas negativo? 
Deixamos algumas “conclusões inconclusas” sobre as quais podemos 
chegar acerca do desenvolvimento teológico e doutrinário nesse período:
• Primeiro, a refl exão teológica não é permanente e perene 
(constante, imutável);
• Segundo, ela dialoga com os problemas, tendências e confl itos 
de uma época;
• Terceiro, a teologia é necessariamente, e ao mesmo tempo, 
espiritual e saber racional. Isso aprendemos com os pais da igreja, 
especialmente com Agostinho;
• Quarto, a Teologia é coisa humana, composta a partir de 
experiências concretas de fé, luta e busca por iluminação pela 
vontade de Deus. Sua matéria-prima é a própria vida.
Exercício de aplicação
Os pais da Igreja tiveram um papel relevante para a formação e 
estruturação da teologia cristã. Porém, não apenas o conteúdo, 
mas a forma como fi zeram teologia trouxe implicações para o fazer 
teológico hoje. Dentre as características apontadas na unidade, 
qual delas abaixo tem relevância atual?
a) A refl exão teológica como algo perene e imutável, isenta de 
divergências.
b) A reprodução de dogmas sem considerar os confl itos da época, 
pois a refl exão teológica é atemporal.
c) A matéria da refl exão é o chão da vida e sua história, e o caminho 
de construção deve ser dialogal com os problemas de sua época. 
| História do cristianismo I | FTSA52
Considerações fi nais
Entre Constantino e Teodósio: por uma igreja profética frente à 
ofi cialização romana
O escritor Leonardo Boff (1988, p. 59) ilustra a atuação da igreja em seus 
primórdios ao citar a opinião de Celso – fi lósofo pagão do século III — que 
classifi ca os cristãos como “os que se colocavam contra as instituições 
divinas do império”. Por seu modo de viver, diria este fi lósofo, “os cristãos 
levantaram um grito de revolta” contra a ideologia imperial que fazia do 
Imperador um deus e das estruturas do vasto império algo divino. Boff 
acrescenta que o novo comportamento dos cristãos provocou, sem 
violência, um tipo de revolução social e cultural no Império Romano, que 
está na base de nossa civilização ocidental, hoje vastamente secularizada 
e esquecida de seu princípio genético. Tudo isso entrou no mundo por 
causa do comportamento de Jesus que atingiu o homem pelas suas 
raízes, acionando o princípio- esperança e fazendo-o sonhar com o Reino 
que não é um mundo totalmente outro que este, mas esse mesmo, porém 
totalmente novo e renovado (Boff, 1988, p.59).
A partir do quarto século d. C., outro quadro será vislumbrado. 
Constantino, que se torna imperador romano, declara-se cristão por volta 
do ano 313, após uma experiência mística que afi rma ter-lhe ocorrido, 
quando se preparava para uma guerra: um sinal de cruz apareceu-lhe no 
sol, sob os dizeres “por este sinal vencerá”. Constantino, que era devoto 
do deus Mitra, após a vitória na guerra, entendeu ser uma mensagem de 
mudança. Daí em diante concedeu liberdade de culto ao cristianismo, 
doou recursos para construção de templos, remunerou o clero com as 
espessas do Estado, conferindo-lhe também poder administrativo no 
Império, reabriu a Terra Santa aos cristãos e judeus, cuidou pessoalmente 
da realização do primeiro grande concílio da igreja: o de Nicéia, em 325. 
53História do crist | FTSA | 
Glossário
Mitra: deus do Sol, da sabedoria e da guerra na mitologia persa. 
Representava a luz, signifi cando, literalmente, em persa, “divindade 
solar”. Ao longo dos séculos, foi incorporado à mitologia hindu e à 
mitologia romana. No império romano, seu dia de celebração era 
25 de dezembro, em razão do solstício de inverno.
Parte da igreja entendeu ser Constantino um instrumento divino para 
ajudar a consolidar politicamente o reino de Deus na terra. Mais tarde, 
outro imperador — Teodósio, em 382 — consolidou o projeto de tornar o 
cristianismo a religião ofi cial do Império Romano. Nascia assim a Igreja 
Católica Romana. A partir daí, a igreja desempenhará em tal sociedade 
um papel semelhante ao da velha religião estatal, ou seja, concebendo 
Cristo apenas como um rei celestial que dá apoio ao imperador cristão 
que governava em seu nome.
Mas é preciso ponderar que, mesmo não sendo majoritário, sempre houve 
um grupo que resistiu e buscou vias alternativas para preservar as origens 
apostólicas da mensagem e da missão cristãs, lutando por um reino de 
Deus que não se rendia ao reino do poder político e do dinheiro. A voz 
profética voltada para o mundo e em favor da vida em sua integralidade, 
resistiu, como o veremos em discussões subsequentes deste curso.
Acesse o AVA e assista a videoaula – A institucionalização daigreja e o surgimento do papado (10 minutos)
Exercício de fi xação
Com base no vídeo e também no texto da unidade, indique quais 
as principais mudanças que afetaram o cristianismo a partir da 
conversão do imperador Constantino:
Acesse o AVA e assista a videoaula – A institucionalização da 
igreja e o surgimento do papado (10 minutos)
| História do cristianismo I | FTSA54
I - Liberdade de culto
II - Grande adesão numérica ao cristianismo
III - Não interferência do imperador na vida da igreja
IV - Restituição dos bens confi scados pelos cristãos
a) I, II, III b) I, II, IV c) II, III, IV
Referências
ANGLIN, W.; KNIGHT, A. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Casa 
Editora Evangélica, 1947.
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1988.
BORNKAMM, G. Crítica Literária de Filipenses. In: ____. Pablo de Tarso. 
Salamanca: Sigueme, 1982.
COMBLIN, José. Paulo Apóstolo de Jesus Cristo. Petrópolis: Vozes, 1993. 
GONZALEZ, Justo. A era dos mártires. São Paulo: Vida Nova, 1989.
GONZALEZ, Justo. A era dos gigantes. Uma história ilustrada do 
Cristianismo, Vol. 2. São Paulo: Vida Nova, 1991.
MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo. Petrópolis: Vozes, 1993.
PROENÇA, Wander de Lara. Cruz e ressurreição: a identidade de Jesus 
para os nossos 
dias. Londrina: Descoberta, 2001.
ROMA, Hipólito de. Liturgia e catequese em Roma no século III. Petrópolis: 
Vozes, 1981.
55História do crist | FTSA | 
UNIDADE III – CRISTIANISMO MEDIEVAL - Parte I
Introdução
O objetivo desta unidade é compreender as principais transformações 
pelas quais passou o cristianismo na transição da antiguidade para 
a medievalidade. Também, identifi car alguns dos elementos que 
propiciaram essas transformações e como eles infl uenciaram a vida da 
igreja e a cosmovisão dos cristãos nos séculos adiante.
Que transformações sofreu o cristianismo ao tornar- se religião imperial 
e que confi guração assumiria a partir do momento em que o papado 
tomou os poderes espirituais e temporais supremos, e diante de outras 
mudanças no transcorrer da Idade Média? Procuraremos responder a 
estas questões ao longo desta unidade, tanto abordando o processo de 
institucionalização do cristianismo e a clericalização, como o surgimento 
de uma de suas principais instituições, que permanece fi rme e forte até 
hoje: o papado.
O termo “medieval”, é importante observar, muitas vezes assume um 
sentido pejorativo e preconceituoso, quando é utilizado para descrever 
um período intermediário (médio), de espera, no qual quase nada de 
importante aconteceu, nenhum modelo interessante, padrão estilístico 
atraente ou produção intelectual relevante que se possa considerar. É 
visto como um tempo-lacuna, que fi ca no meio, entre a antiguidade e 
a idade moderna, estes sim, períodos de “real validade” (Dreher, 1994, 
p. 7). Muitos, inclusive, a denominam de “idade das trevas”, ou “era das 
trevas”; mil anos sombrios de desilusão e derrocada de sonhos. Essa 
ideia surge entre pensadores do século XV em diante, interessados em 
enaltecer a infl uência do pensamento antigo — retomado com o advento 
do Renascimento e depois com o Iluminismo — e rejeitar qualquer traço 
que representasse o Antigo Regime, que, por sinal, ainda sobrevivia nas 
formas de exploração dos camponeses.
Ao lado deste, coexiste e frutifi ca um outro mito, tão prejudicial quanto 
| História do cristianismo I | FTSA56
aquele, porém, com tonalidades mais imaginárias: é a idealização e 
romantização dos tempos medievais, povoados de heróis cavaleiros 
investidos em suas armaduras, que percorrem o mundo batalhando 
pela justiça e pela fé, pela honra e pelo amor. Consideramos ambas as 
posições no sentido de mostrar como a ideia de Idade Média pode ser ao 
mesmo tempo complexa e simples, bem como de esclarecer alguns dos 
preconceitos que gravitam em torno dela.
Fato é que se trata de um novo período na vida da Igreja, com novas 
práticas, novas doutrinas, novos desafi os, tanto em sua vida interna, 
como nas relações externas. A história não se repete, está sempre se 
transformando. 
Nosso intuito aqui não é fazer um “passeio” pelas transformações 
ocorridas nesse período, mas apenas destacar as principais, no que diz 
respeito a dogmas e doutrina. Iniciamos, portanto, com as seguintes 
perguntas: que transformações sofreu o cristianismo ao tornar-se 
religião imperial e que confi guração assumirá a partir do momento em 
que o papado assume poderes espirituais e temporais supremos? Quais 
foram os processos que culminaram na cristandade medieval? Que tipo 
de doutrinas e dogmas são originários desse período?
1. Como se deu o surgimento do catolicismo romano?
1.1. O fortalecimento institucional
O Ocidente medieval nasce sobre as ruínas do mundo romano. Segundo 
Jacques Le Goff (1994, p. 27), em Roma esse “novo” ocidente encontrou 
vantagens e desvantagens; “ela foi seu alimento e sua paralisia”. A partir 
da adesão de Constantino à fé cristã, no séc. IV, Roma deixa, pelo menos 
ofi cialmente, a proteção dos deuses tutelares, em nome da proteção do 
Deus cristão: paz e prosperidade parecem estar de volta sob o comando 
de Cristo. Cria-se uma falsa ideia de unidade do império, tendo a religião 
cristã como cimento dessa unidade. Mas, como diz Le Goff, “o cristianismo 
é um falso aliado de Roma”. As estruturas romanas não passavam de 
57História do crist | FTSA | 
“um quadro” onde o cristianismo poderia tomar forma. Essa religião tinha 
pretensões mais universais, e não se limitava a uma só civilização.
Com a queda do Império em 476 – após um período de quase setenta 
anos, iniciado com a invasão e tomada de Roma por Alarico, chefe dos 
Godos, em 410 – explica Le Goff que o cristianismo será “o principal 
agente de transmissão da cultura romana ao Ocidente medieval. Herdara, 
sem dúvida, de Roma e das suas origens históricas, a tendência para 
dobrar-se sobre si próprio” (1994, p. 29).
Saiba mais 
A ideia exposta por Martin Dreher é de que “a Idade Média foi 
um período de tradução”. Neste sentido, a cristandade, enquanto 
herdeira da cultura greco-romana, manteve alguns laços inevitáveis 
com essa cultura. Mas a linguagem conceitual com a qual ela se 
dirige a esse mundo medieval, não é de tradução do antigo, mas de 
recriação desse antigo em função de um novo. O que isto significa? 
Quer dizer que ela recria esse mundo a partir do próprio universo 
de linguagem e representação que a Idade Média apresenta, 
conferindo, talvez, a “velhas práticas”, uma nova roupagem, um novo 
verniz, configurando assim algumas práticas novas. Essa transição 
da língua grega para a latina não se dá por meio de uma tradução, 
mas de refundações e ressignificações, a partir da linguagem e do 
símbolo.
DREHER, Martin N. A Igreja no Mundo Medieval. Vol. 02. (Coleção 
História da Igreja). São Leopoldo: Sinodal, 1994, p.9
| História do cristianismo I | FTSA58
Um fator primordial para a coesão e fortalecimento do cristianismo, nesse 
momento de nascimento do medievo, foi o crescimento do papado. Desde 
Constantino, a autoridade da igreja, por meio dos serviços realizados 
pelos clérigos e bispos regionais — sempre, é claro, debaixo das “barbas” 
do imperador romano — vinha sendo cada vez mais incrementada e 
valorizada. Quando as estruturas desse império, que tinha na igreja seu 
elemento de coesão, começam a ruir com as invasões germânicas, ocorre 
processualmente um empoderamento natural das autoridades eclesiásticas 
como sendo as vozes máximas do cristianismo. A igreja passa a ser a 
“grande instituição provedora da antiga ordem que fora capaz de sobreviver, 
evitando ser subvertida pelos invasores” (Walker, 1981, p. 180).
Inocêncio I (402-417) foi um desses líderes de destaque e proeminência 
nesse período. Reivindicou para a igreja romana a custódia da tradição 
apostólica e o mérito da fundação do cristianismo ocidental e, além 
disso, buscou a fundamentação no concílio de Nicéia, em 325, para a 
jurisdição universal dos bispos romanos. 
1.2.O nascimento do papado
Estabelecer categoricamente quem foi o primeiro papa e quando isso 
se deu tem sido um assunto controverso, pois prevalecem imprecisões 
históricas sobre os critérios e argumento apresentados pela própria igreja. 
Porém, um nome importante e referencial aparece ainda no século V: Leão 
I (440-461), que pode ser considerado o primeiro papa nos moldes como 
hoje conhecemos essa fi gura religiosa.
Leão I teve um papel importante quando da invasão dos hunos e vândalos, 
e também nos resultados a que chegou o Concílio de Calcedônia (451). 
Porém, os historiadores convencionam que sua principal contribuição se 
deu com a “ênfase ao primado de Pedro entre os apóstolos, tanto no que 
respeita à fé, quanto no que se refere ao governo, ensinando que o que 
Pedro possuíra, havia passado aos sucessores de Pedro”. Para completar, 
conseguiu com que o imperador do Ocidente, Valentino III, promulgasse 
59História do crist | FTSA | 
um edito ordenando a todos que obedecessem ao bispo de Roma (papa), 
como portador que era do “primado de São Pedro” (Walker, 1987, p. 180).
Assim, todos os bispos de Roma, a partir de Leão I, passaram a ser 
reconhecidos como sucessores do apóstolo Pedro, título cuja argumentação 
justifi catória principal se vale de uma interpretação das próprias palavras 
de Jesus, quando declarou: “tu és Pedro, e sobre esta pedra edifi carei a 
minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18). 
Outros bispos vierem após estes. Em suma, vale destacar que os direitos 
que o papado medieval viria mais tarde reivindicar para si, já se esboçavam 
por volta dos séculos V e VI. E, como observa Walker (1981, p. 181), “só no 
transcurso dos séculos, e não sem fazer face a muitas vicissitudes, foi que 
se deu a plena efetivação do ideal papal”. O papado, enquanto coqueluche 
da igreja católica medieval, aparece como fruto de um processo, entre 
confl itos, impedimentos e avanços. Fato é que ele se estabeleceu no 
Ocidente, a partir do V século, e permanece até os dias atuais como força 
representativa do poderio máximo da igreja católica e como guardião de 
seus mais caros interesses.
Todavia, o reinado da igreja não iria se estabelecer assim, sem confl itos. 
Estamos falando de um período em que a ocupação e o domínio do antigo 
território do império pelos povos bárbaros é crescente, além de ser fonte 
de confrontos e mortes por toda parte. Era necessário à igreja, a fi m de 
manter seus privilégios perante a civilização e infl uência sobre as questões 
públicas, fazer novos acordos e estreitar novas relações, exatamente como 
fi zera com o antigo império, quando de sua ofi cialização como religião do 
imperador. “A relação entre igreja e estado”, afi rma David Bosch (2002, p. 
273), “era, efetivamente, a de ‘dar’ e ‘receber’. O regime seria abençoado 
pela igreja, e o Estado, em troca, garantiria a esta proteção e apoio”.
Como ilustração, basta mencionar a carta que o imperador carolíngio 
Carlos Magno escreveu ao papa Leão III, em 796, na qual reafi rmava seu 
dever de defender, em qualquer lugar, a sagrada igreja de Cristo contra os 
assaltos dos pagãos e as devastações dos descrentes.
| História do cristianismo I | FTSA60
Exercício de fi xação
Frente às mudanças políticas ocorridas no início da Idade Média a 
igreja assume novos papéis e começa a dar forma a novas formas 
de estrutura interna. A respeito do papel nascente do papado, 
podemos afi rmar que:
a) Não é possível indicar nenhum personagem específi co como 
ponto de partida do papado nos moldes como essa fi gura é hoje 
conhecida.
b) Nos inícios do medievo o crescimento do papado se constituiu 
como um fator de coesão e fortalecimento do cristianismo.
c) O fortalecimento das autoridades eclesiásticas não tem nenhuma 
correlação com a ruína do império romano.
Acesse o AVA para fazer o exercício!
Saiba mais
A relação entre o poder da Igreja e o poder do Império
A relação entre imperador e papa, durante o início da Idade Média, 
jamais foi livre de tensão; havia quase constantemente uma 
silenciosa contenda pela supremacia. Ao mesmo tempo, sabiam 
que se necessitavam mutuamente. O que valia para a esfera mais 
alta também valia no nível local; cada bispo ou sacerdote dependia 
da boa vontade e apoio das autoridades, e todo governante local 
requeria a aprovação da igreja. A dependência da igreja em relação 
ao poder imperial, também no trabalho missionário, constituía 
tanto uma necessidade quanto um ônus (BOSCH, David. Missão 
Transformadora. Mudanças de paradigma na teologia da missão. 
São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 273)
61História do crist | FTSA | 
2. Como era a religião da igreja medieval e a religiosidade 
do povo?
2.1. Autoridade, clericalismo e exclusão dos leigos
O medievalista Hilário Franco Jr. fala de uma “linha tendencial” que ocupa 
a igreja cristã por toda a Idade Média, e resume a participação política e 
eclesiástica do cristianismo nesse período, dizendo que, num primeiro 
momento, a organização da hierarquia eclesiástica visava à consolidação 
da recente vitória do cristianismo. A seguir, a aproximação com os 
poderes políticos garantiu à igreja maiores possibilidades de atuação. 
Em uma terceira fase, o corpo eclesiástico separou-se completamente 
da sociedade laica e procurou dirigi-la, buscando desde fi ns do século XI 
erigir uma teocracia que esteve em via de se concretizar em princípios 
do século XIII. Contudo, por fi m, as transformações que a cristandade 
conhecera ao longo desse tempo inviabilizaram o projeto papal e 
prepararam a sua maior crise, a Reforma Protestante do século XVI 
(Franco Jr., 2006, p. 67).
Na opinião de Franco Jr. (2006, p. 69), a Idade Média nasceu da articulação 
que a igreja fez entre elementos da romanidade e elementos da cultura 
germânica. Ela foi “o ponto de encontro entre aqueles povos”. Foi necessária, 
porém, a criação de uma estrutura e hierarquia próprias, voltadas ao 
controle do laicato pelo clero, supervisionando ofícios religiosos, dando 
orientação em questões referentes a dogma e doutrina, realizando obras 
sociais, protegendo os mais pobres, oferecendo privilégios aos mais 
ricos, combatendo (e, paradoxalmente, legitimando) o paganismo.
Glossário
Germânico: referente à atual Alemanha. Do conjunto de línguas 
faladas por tribos germânicas é que se originaram o inglês, o 
alemão, o neerlandês e as línguas escandinavas.
| História do cristianismo I | FTSA62
Nesse momento se acentua o controle dos “bens de salvação” pelo clero. 
Ocorre o que eu chamaria de cartada defi nitiva da hierarquia em relação 
à exclusão dos leigos (que já vinha gradativamente ocorrendo), seja na 
administração dos sacramentos, seja no acesso às escrituras. O grego, 
aos poucos, deixa de ser a língua-mãe, língua de acesso, dando lugar 
ao latim, língua restritiva, especialmente às camadas populares. A igreja 
adota o latim como seu dialeto principal, passa a usar a vulgata, versão 
em latim da Bíblia, traduzida por Jerônimo, e as missas (outra instituição 
desse período) também são realizadas em latim.
De um movimento profético, em suas origens, o cristianismo passa 
a ser uma religião cada vez mais institucionalizada e clericalizada. 
Isso se dava por um processo de legitimação dessa autoridade 
junto às camadas leigas. Boreau afi rma que a concentração de todas 
essas atividades nas mãos de apenas alguns cristãos era aceita com 
naturalidade pelo conjunto dos fi éis, já que tal poder lhes fora atribuído 
pela própria Divindade: segundo o texto bíblico, Cristo dera aos apóstolos 
autoridade para expelir demônios, curar doenças e difundir sua doutrina. 
Os apóstolos, por sua vez, transmitiram esse poder aos bispos, isto é, 
os anciãos da comunidade, que fi zeram o mesmo com seus auxiliares. 
Logo o clero se formava pela transferência de certo poder extra-humano 
por parte de quem possuía, para indivíduos que desde então passavam a 
integrar a mesma comunidade sagrada. Desde o princípio, por sua própria 
natureza, o clero estavadistanciado dos demais cristãos (Boureau, 2002, 
p. 214). Muito rapidamente, desde o III século, a organização da igreja foi 
hierarquizando os ministérios, que antes eram destinados a todo o povo 
de Deus, conforme se pode notar nas palavras de Alain Boureau:
Os ofícios carismáticos de profeta, de doutor, de confessor 
são perdidos ou integrados ao “carisma da verdade” 
(charisma veritatis certum) atribuído aos ministérios 
propriamente sacerdotais. Tal institucionalização 
do carisma conhece um desenvolvimento particular 
no Ocidente, no qual as funções de bispo e de papa 
adquirem uma crescente amplitude, ligada a uma 
63História do crist | FTSA | 
espiritualidade específi ca, mas também à ausência 
de um poder imperial forte e à solidez das estruturas 
territoriais romanas utilizadas pela rede episcopal. 
Assim, a igreja ocidental constitui-se efetivamente em 
garantia da fé, em objeto substantivo da confi ança no 
Cristo (2002, p. 414).
Hilário Franco Jr., um historiador, obviamente não considera o fator 
teológico que envolve a questão. Mas, apenas para realçar, as lideranças 
eclesiásticas foram constituídas, desde o tempo apostólico, para o serviço 
à igreja, manutenção da ordem, ensino do Evangelho e esclarecimento 
frente às crenças e ataques de seu tempo. Com o passar dos séculos 
ela foi se perdendo em meio à querelas de poder, prestígio, autoridade e 
doutrina. E o ministério ordenado, que entre os primeiros cristãos nasceu 
sob o signo do serviço e do amor, começa a se desvirtuar e gerar essa 
“natureza” de separação e distanciamento, à qual alude Franco Jr, em 
relação aos demais cristãos, subvertendo os princípios sob os quais fora 
instituída (ver 1 Pe 5:1-4).
A cobrança de Pedro em torno dos líderes da igreja, no aludido texto, não 
era para que se transformassem em líderes polivalentes, personalistas 
e gananciosos, como muitos foram através dos séculos e como 
alguns hoje, consciente ou inconscientemente, ambicionam se tornar. 
Sua tarefa era mais ampla e difícil: conduzir o rebanho com o desejo 
de servir (não dominar) e em busca da mútua cooperação, como 
aconteceu com os primeiros cristãos (At 2:42-47). Não é o pastoreio do 
isolamento, da imunidade ou superioridade em relação às ovelhas, mas 
da sujeição, encarnação e envolvimento dignos de servos participantes 
dos sofrimentos e também da glória de Cristo. Veremos, mais adiante, 
que o monasticismo foi uma das instituições que, em parte, conseguiu 
preservar esse ideal do evangelho, a partir do VI século.
Até aqui, realçamos o mundo de práticas religiosas institucionalizadas; 
agora, passamos para o das não institucionalizadas ou, até certo ponto, 
não reconhecidas pela Igreja, e por isso subversivas; passaremos, portanto, 
| História do cristianismo I | FTSA64
não somente pelos processos que envolvem o poder e a instituição da 
igreja, mas principalmente por algumas das crenças e práticas religiosas 
que vão sendo reafi rmadas, criadas e alimentadas entre os do povo, com 
ou sem a anuência da ordem, seus dogmas e doutrinas.
O historiador André Vauchez, em sua obra A Espiritualidade na Idade 
Média Ocidental, diz que para falar de espiritualidade na Idade Média 
é preciso ir além de um pensamento que a postule como mera adesão 
a um corpo de doutrinas e dogmas, mas também “uma impregnação 
dos indivíduos e das sociedades pelas crenças religiosas que eles 
professam”. A espiritualidade que passa a ser desenvolvida nesse 
momento, especialmente entre as camadas populares (pobres, artesãos, 
camponeses), tem mais a ver com expressividades e religiosidades que 
são fruto de uma interiorização e individualização da mensagem cristã 
nas pessoas, em contato com as crenças pagãs (Vauchez, 1995, p.11).
Exercício de aplicação
Já nos primeiros séculos começou-se a delimitar uma distinção 
acentuada entre clero e laicato. Ao longo da história da igreja, 
as tensões surgiram devido a esta separação. Dentre as causas 
indicadas na unidade, quais características abaixo podem ser 
apontadas como fatores desse processo de separação?
I) A concentração de funções nas mãos de poucos e sua 
consequente distorcida legitimação teológica.
II) Uma aplicação clara das diretrizes bíblicas sob a instituição 
de uma hierarquia para controle e submissão da igreja sob as 
diretrizes divinas.
III) Uma deturpação de funções vinculadas ao serviço da 
comunidade, fazendo do ministério ordenado um fator de distinção 
e separação.
a) I e II b) I e III c) II e III
Acesse o AVA para fazer o exercício!
65História do crist | FTSA | 
2.2. Religiosidade popular
Da sacralidade das formas organizadas, deslocamo-nos para a sacralidade 
dos ritos e da religiosidade popular. Comentamos anteriormente que nos 
séculos V e VI houve uma profusão de crenças místicas que se misturam 
com a fé cristã. No século VIII, a clericalização só fazia aumentar o fl uxo 
dessas crenças entre os leigos. Sobre o sincretismo na Idade Média, 
Vauchez afi rma que:
Pressentimos que a vida espiritual das massas 
transbordava dos limites obrigatórios da instituição 
eclesiástica, e até do dogma cristão. [...] Mesmo nas 
regiões cristianizadas de mais longa data, a religião 
ofi cial ainda era apenas, em muitos casos, um verniz 
que recobria superfi cialmente elementos heterogêneos 
qualifi cados de “superstições” pelos clérigos (1995, p.23).
A natureza ou o teor dessas práticas também já foi comentada na 
unidade anterior. Vauchez destaca algumas novas e velhas práticas que 
vigoravam nesse momento, como o culto dos mortos, como mostra, no 
século IX, a instituição da festa de todos os santos, satisfazendo um dos 
caprichos da piedade popular, à medida que enfatizava a vocação para 
a salvação dos fi éis defuntos. Estes ritos foram introduzidos no Cânon 
da missa, mostrando que “a espiritualidade do clero e a dos fi éis não 
constituíam nessa época dois mundos sem comunicação”.
Essa observação de Vauchez incrementa as suspeitas de que o combate 
às superstições nem sempre foi algo assim tão ferrenho, a julgar 
pelas conveniências e/ou tendências de cada momento desse período 
medieval, em constante mudança.
Outro encontro entre piedade popular e clerical está no culto dos santos 
e anjos. Segundo Vauchez, a imagem de um Deus-Juiz, implacável, 
onisciente e distante, que estava incutida no imaginário dos fi éis, 
fazia com que o desamparo desses só aumentasse. Havia, assim, 
| História do cristianismo I | FTSA66
a necessidade de recorrer a mediadores, entidades espirituais mais 
acessíveis aos homens comuns, papel este desempenhado pelos santos 
e os anjos. Seu papel era o de conferir validade aos desejos dos fi éis e 
atendê-los na medida do possível. Mas a principal função era a proteção 
dos homens. “Os arcanjos, únicos individualizados, eram gênios tutelares 
das comunidades humanas e dos detentores do poder”.
Outra pratica que só crescia em vigor e prestígio era o culto das relíquias. 
Relíquias eram os objetos, ou até supostas partes do corpo, dos santos 
do passado (apóstolos, mártires), que passaram a ser veneradas ao 
representarem o contato desses fi éis com o “outro mundo”, também 
pelo “dinamismo benéfi co” delas emanado, tornando possíveis vitórias e 
curas nas mais diferentes áreas da vida. Desse modo, a espiritualidade 
medieval assumia contornos cada vez mais defi nidos: o contato com o 
sobrenatural se dava por meio de gestos, expressões da alma e sacrifícios 
feitos pelos fi éis.
Fórmulas, barganhas e promessas: elementos constitutivos de uma 
religião que se tornava cada vez mais utilitária e voltada para a satisfação 
das carências pessoais. Paralelamente, tanto ao espiritualismo utilitário 
que se desenvolvia na periferia da igreja, como ao engessamento 
institucional e dogmático vislumbrado no centro, desenvolvia-se uma 
forma “alternativa” de espiritualidade no período medieval, que é a 
espiritualidade monástica.
Em síntese, a fl exibilização crescente dos costumes e das práticas religiosas 
no seio da igreja cristã e à reveliados dogmas e leis, que supostamente 
deveriam coibir tais práticas, conduziu a uma espiritualidade ao mesmo 
tempo em que mais intimista, também mais utilitária, no sentido de 
tentar manipular o sagrado em função dos desejos e anseios humanos. 
Vimos, portanto, que a espiritualidade que passa a ser desenvolvida nesse 
momento, especialmente entre as camadas populares (pobres, artesãos, 
camponeses), tem mais a ver com expressividades e religiosidades que 
são fruto de uma interiorização e individualização da mensagem cristã nas 
pessoas, em contato com as crenças pagãs.
67História do crist | FTSA | 
Exercício de aplicação
A respeito da dinâmica observada na construção das espiritualidades 
no período medieval, podemos destacar algumas relações que se 
fazem presentes na construção das diferentes espiritualidades ao 
longo do tempo:
a) A espiritualidade do clero sempre será a mesma desenvolvida 
por todos os fi éis, não havendo confl ito entre ambas.
b) Uma mesma confi guração histórica pode propiciar a formação 
de distintas espiritualidades; por exemplo, as espiritualidades 
utilitária e monástica no período medieval.
Acesse o AVA para fazer o exercício e ver a reação!
Acesse o AVA e assista a videoaula: Surgimento de doutrinas e 
dogmas no catolicismo medieval (10 minutos) 
3. Doutrinas e ritos praticados na Idade Média
3.1. O surgimento de heresias
Para a consolidação da estrutura hierárquica e autoridade, vistas em 
itens anteriores, um outro elemento, paradoxalmente, deu sua parcela de 
contribuição: as chamadas “heresias”.
De acordo com Hilário Franco Jr. (2006, p. 69), estas eram produto do 
sincretismo que fazia a força, mas também a fraqueza do cristianismo. 
De fato, ao reunir e harmonizar componentes de várias crenças da época, 
a religião cristã tornava-se mais facilmente assimilável, porém passível 
de interpretações discordantes do pensamento ofi cial do clero cristão. 
Do ponto de vista deste, heresia era, portanto, um desvio dogmático que 
colocava em perigo a unidade da fé.
| História do cristianismo I | FTSA68
Saiba mais
Importantes concílios da igreja antiga:
A forma mais usual de debate e combate às heresias foi, desde o 
século II, a realização de grandes concílios ecumênicos (universais), 
como os de Nicéia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e 
Calcedônia (451). Porém, com o estabelecimento da cristandade 
a partir da Idade Média, foi necessário, em certos momentos, fazer 
“vistas grossas” frente a rebelião de crenças populares que se 
uniram ao catolicismo.
Na desordem provocada pelas invasões, como afi rma Le Goff (1994, 
p.60), os bispos e os monges haviam se tornado eles mesmos chefes 
polivalentes de um mundo desorganizado: juntavam à sua função 
religiosa uma função política, negociando com os bárbaros; uma função 
econômica, distribuindo víveres e esmolas; uma função social, protegendo 
pobres contra poderosos; e até uma função militar, organizando a 
resistência ou lutando com as ‘armas espirituais’, onde já não houvesse 
armas materiais.
Tentaram conter o avanço dos costumes bárbaros, com a aplicação 
de disciplinas penitenciais e da lei canônica (o início do século VI é, 
simultaneamente à codifi cação civil, época de realização de sínodos e 
concílios). Porém, como observa Le Goff, eles mesmos estavam sendo 
“barbarizados” e viam-se incapazes de lutar contra as ingerências da 
barbárie dos grandes (líderes, chefes dos povos) e do povo. Usaram, 
assim, a velha tática de guerra do “se não pode vencê-los, junte-se a 
eles”. A igreja começa a institucionalizar práticas que até então eram 
avidamente rechaçadas como superstições e heresias, ratifi cando, nas 
palavras de Le Goff (1994, p. 61), a regressão da espiritualidade e da 
prática religiosa: “julgamentos de Deus, inaudito crescimento do culto 
das relíquias, reforço dos tabus sexuais e alimentares em que a mais 
primitiva tradição bíblica se alia aos costumes bárbaros”.
69História do crist | FTSA | 
Desde a sua ofi cialização, no séc. IV, como aponta Leonildo S. Campos, 
o cristianismo se tornou um produtor hegemônico de símbolos, práticas 
e rituais religiosos. Nesse período, com a abertura ao culto cristão, já 
vinha ocorrendo um progressivo processo de sincretismo, sob os olhos 
do imperador. Como descreve Campos (1997, p. 170), desde então, 
houve uma espécie de adaptação do culto cristão aos novos lugares de 
adoração, alguns deles anteriormente dedicados aos deuses pagãos. 
Vários santuários locais foram reconsagrados aos mártires e santos 
cristãos, e com o passar dos séculos, um comércio de imagens, ícones 
e relíquias sagradas se estabeleceu ao redor deles, práticas essas que 
constituíram mais de mil anos depois, aos olhos dos reformadores, 
evidências claras da “paganização” da Igreja cristã.
Após a desintegração do poder político do Império Romano, a igreja 
permaneceu como o único centro de referência capaz de manter a 
tradição e os costumes do passado. O uso da violência e a imposição 
da fé, especialmente sobre uma população rural portadora de crenças 
mágicas e pagãs, tornou-se algo comum naquele momento. Entretanto, 
como acentua Campos, essa catequese “apenas formou uma camada 
de verniz sobre uma antiga realidade religiosa”. Como também aponta 
Keith Thomas (1991, p. 171), a aristocracia eclesiástica não conseguiu 
infl uenciar profundamente as massas populares, e por toda a parte na 
Europa, “multiplicavam-se os cultos às relíquias sagradas, verdadeiros 
fetiches milagrosos, aos quais se atribuíam poder de curar enfermidades 
e proteger as pessoas dos perigos”.
Uma das características da espiritualidade medieval no século VIII foi 
o retorno ao Antigo Testamento. Dela, o que marcou profundamente 
foi a vida espiritual e as mentalidades religiosas. Na época do Império 
carolíngio o cristianismo tornara-se mais e mais uma questão de práticas 
exteriores e cumprimento de lei e regras espirituais. O moralismo 
carolíngio e os costumes bárbaros facilitaram mais um regresso às 
praticas judaizantes, e a fé cristã corria o risco de se deformar em credos 
e costumes supersticiosos.
| História do cristianismo I | FTSA70
Glossário
Carolíngio: Referente a Carlos Magno (742 - 814), cujo personagem 
é o maior representante do Império Carolíngio – dinastia que ocupou 
grande parte da região central da Europa medieval, constituindo o 
embrião da atual França.
Nesse tempo, a vida litúrgica toma lugar crescente na vida dos fi éis. Os 
paramentos da missa evoluem e, com a constante clericalização, há uma 
exclusão dos fi éis da comunhão, que se evidenciava por diversas razões 
práticas (Vauchez, 1995, p. 16-17):
• Primeiro, o culto e seus ritos tornaram-se um “apanágio de 
especialistas”;
• Segundo, houve a inserção do canto gregoriano (forma erudita de 
canto, bem alheia ao costumes e cultura do povo);
• Terceiro, a adoção do latim como língua cultual; as leituras eram 
feitas em latim, tornando impossível a compreensão pela maioria 
das pessoas, de cultura germânica;
• Quarto, uma separação da relação que havia entre vida cotidiana 
e sacramento; elimina-se tudo o que poderia haver de realista e 
concreto no sacramento. Por ex. A comunhão (eucaristia) passou 
a ser dada, não mais na mão do fi el, mas diretamente em sua boca.
3.2. Valorização da magia
Um legado do catolicismo medieval foi, portanto, o apego às relíquias 
ou objetos mágicos como fetiches de proteção. Estes eram guardados 
nos lares dos devotos com o sentido de ajuda contra doenças, infortúnios 
71História do crist | FTSA | 
do demônio, intempéries ou pragas que poderiam ameaçar as colheitas. 
Thomas exemplifi ca isto dizendo que o ritual básico era o benzimento 
com sal e água para a saúde do corpo e expulsão dos maus espíritos. 
Mas os livros litúrgicos da época também traziam rituais para benzer 
casas, gados, culturas, embarcações, ferramentas, armas, cisternas e 
fornalhas. Havia fórmulas para abençoar homens que se preparavam para 
sair em viagem, para travar um duelo, para entrar em batalhaou mudar 
de casa. Havia métodos para abençoar os doentes e tratar de animais 
estéreis, para afastar o trovão e trazer a fecundidade ao leito matrimonial. 
Fundamentalmente em todo esse procedimento era a ideia de exorcismo, 
o esconjuro formal do demônio, expulsando de algum objeto material por 
meio de preces e da invocação do nome de Deus. A água benta podia ser 
utilizada para afastar maus espíritos e vapores pestilenciais. Era remédio 
contra a doença e a esterilidade (Thomas, 1991, p. 38).
Glossário
Magia: prática baseada na crença de ser possível infl uenciar o curso 
dos acontecimentos e produzir efeitos não naturais, valendo-se da 
intervenção de seres sobrenaturais e da manipulação de algum 
princípio oculto supostamente presente na natureza, seja por meio 
de fórmulas rituais ou de ações simbólicas.
Destarte, a igreja, nas palavras de Thomas, atuava como “repositório 
de poderes sobrenaturais”, subsidiando crenças sobre as quais nem ela 
mesma tinha o controle. Esses poderes podiam ser distribuídos aos 
fi éis para auxiliá-los em seus problemas do cotidiano. As concepções do 
sagrado conferiam-lhe um caráter de “sagrado selvagem”, parafraseando 
Roger Bastide. O mais paradoxal é que essas crenças surgiam, sobretudo, 
ligadas aos sacramentos tradicionais da igreja, como o batismo e a 
eucaristia, além de rituais como a missa (que entra em vigor por volta do 
século IV), o culto mariano – que ocorre como uma adaptação do antigo 
culto à deusa Diana, a partir da homologação da devoção à Maria como 
Mãe de Jesus, no concílio de Éfeso em 431 – e o culto aos mártires ou 
| História do cristianismo I | FTSA72
a adoração dos santos. Essa última, ao lado do culto mariano, tornou-se 
uma das formas de devoção popular mais comuns e mais bem difundidas 
no período medieval. Acreditava-se na proteção dos santos, que estavam 
sempre a postos para cuidar de uma variedade de eventualidades da vida 
cotidiana.
Acesse o AVA e assista ao vídeo: A residência de Maria, mãe de 
Jesus, em Éfeso (10 minutos) disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=bH0E_pLZ__4
O historiador Keith Thomas diz que a proteção dos santos conferia um 
sentido de identidade e existência corporativa a pequenas instituições 
que, do contrário, seriam indiferenciadas. Foi por isso que continuaram a 
ter popularidade, como nomes para escolas e universidades mesmo numa 
era protestante. Mas a adoração dos santos em geral dependia da crença 
de que os santos e santas do passado, além de terem sido exemplos 
de um código ideal de conduta moral, podiam ainda empregar poderes 
sobrenaturais para aliviarem as adversidades de seus adeptos na terra. 
As doenças, assim como as profi ssões e localidades, eram atribuídas aos 
cuidados especiais de um santo apropriado, pois, na mentalidade popular, 
os santos eram usualmente vistos mais como especialistas do que como 
clínicos gerais (Thomas, 1991, p.37).
Não obstante levarmos em consideração esses elementos, vale ressaltar, 
segundo Thomas, que não era a igreja quem oferecia diretamente e 
deliberadamente esse “corpo mágico” de ritos e crenças aos leigos. “As 
principais preocupações da igreja eram espirituais. Em sua maioria, as 
alegações de magia na religião eram parasitárias de suas doutrinas” 
(Thomas, 1991, p. 51). Ou seja, pela leitura que faz esse historiador, era 
Acesse o AVA e assista ao vídeo: A residência de Maria, mãe de 
Jesus, em Éfeso (10 minutos) disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=bH0E_pLZ__4https://www.youtube.com/watch?v=bH0E_pLZ__4
73História do crist | FTSA | 
apenas em âmbito popular que se creditava um poder mágico a tais 
doutrinas da igreja; as crenças populares eram, nesse sentido, releituras 
ou ressignifi cações, desde uma perspectiva originária daqueles meios, 
do corpo ritual e dogmático tradicional estabelecido e disponibilizado 
pela igreja. Por isso, pode-se concluir que ela foi em parte “culpada” por 
possíveis desvios doutrinários ou “heresias”, e em parte inocente ou 
mera expectadora de tudo aquilo. Contudo, a igreja combatia e deixava 
de combater as chamadas “superstições” em seu seio conforme as 
conveniências do momento, adotando uma postura ambivalente: ora 
lutando contra as crenças populares, ora endossando ou fazendo “vistas 
grossas” frente a elas. É como pressupõe a lógica oferecida por Thomas 
(1991, p. 54), quando diz que, se a crença na efi cácia mágica da hóstia 
servia para aumentar o respeito pelo clero e fazer com que os leigos 
fossem mais regularmente à igreja, por que não tolerá-la tacitamente? 
Práticas como a veneração de relíquias, a recitação de preces ou o uso 
de talismãs e amuletos podiam chegar a excessos, mas qual o problema, 
enquanto o efeito disso fosse unir mais o povo à verdadeira igreja e ao 
verdadeiro Deus? O que contava era a intenção do devoto, e não os meios 
empregados. Desde que tais práticas refl etissem uma autêntica confi ança 
em Deus e seus santos, delas não poderia advir dano sério.
Os líderes e articuladores da Reforma Protestante, no século XVI, viriam 
a reagir energicamente contra as conotações mágicas vivenciadas pela 
igreja católica medieval, atribuindo às mesmas, inspirações do mal, 
associando-as à prática de necromancia. Os ritos católicos eram vistos, 
em sua maioria, como metamorfoses mal disfarçadas de cerimônias 
pagãs anteriores, os primeiros reformadores também começaram a 
suspender costumes tradicionais do calendário. Evidentemente, essa 
nova atitude protestante em relação à magia eclesiástica não logrou uma 
vitória imediata, e algumas tradições do passado católico continuaram a 
subsistir (Thomas, 1991, p. 66-70).
| História do cristianismo I | FTSA74
Exercício de fi xação
Sobre a valorização da magia no catolicismo medieval, podemos 
afi rmar que:
a) Trata-se de um processo no qual um dos polos (o clero) era 
completamente ativo na transmissão dos conteúdos de fé e o outro 
(os leigos) completamente passivo, direcionado unicamente pelas 
instruções do clero. Assim, a responsabilidade total deve recair 
sobre a incapacidade da igreja em lidar com a religiosidade popular.
b) O desenvolvimento das crenças mágicas na Idade Média mostra 
que o processo de assimilação da fé é um processo também ativo, 
de ressignifi cação de práticas e crenças. Neste sentido é difícil 
pensar em um controle absoluto, mas, isso também não isenta a 
igreja de deixar de lado uma visão crítica e não segundo as suas 
conveniências das práticas adotadas pelos fi éis.
Acesse o AVA para fazer o exercício e ver a reação!
Considerações fi nais
Retomando de maneira breve o conteúdo das duas últimas unidades, 
dada sua interligação: vimos, em primeiro lugar, que o desenvolvimento 
do papado foi extremamente relevante para o fortalecimento institucional 
do cristianismo em meio a um império em ruínas e as facetas de um novo 
mundo (medieval), cheio de “armadilhas” e desafi os, que requereria novas 
posturas e adaptações por parte da igreja. Em um segundo momento, 
a clericalização dos ministérios e a exclusão do povo de Deus à mera 
passividade (pelo menos em tese) foi outra forma que a igreja encontrou 
para se articular e se fi rmar frente às mudanças políticas e sociais na 
Idade Média.
Em terceiro lugar, fez-se uma observação geral acerca das crenças e 
doutrinas que emergiram nesse período, ora sendo combatidas, ora 
75História do crist | FTSA | 
sendo legitimadas, de acordo com a estratégia e/ou a conveniência do 
momento. Nisso vemos claramente destacada a capacidade da religião, 
em um sentido mais amplo, tanto de dogmatização e intolerância, 
quanto de fl exibilização dos costumes e práticas que confi guram uma 
vida consagrada. Vislumbramos, de modos diferentes, essa adaptação 
sendo feita no cristianismo contemporâneo, seja entre católicos ou 
protestantes. A adaptação, seja de que ordem for, não é um problema. O 
problema ocorre quando essa adaptação compromete a integridade da 
mensagem e do testemunho cristãos. E quanto a isso precisamos estar 
atentos. O conhecimentohistórico, assim, nos ajuda a compreender a 
realidade e interpretá-la, construindo diretrizes para novas ações no 
tempo presente.
Outro fator para o qual precisamos atentar é quanto à nossa tendência 
ao julgamento. Frisamos este ponto já na primeira unidade, mas é uma 
ressalva sempre cabível: avaliar criticamente não equivale a julgar de forma 
anacrônica; o julgamento é um dos lugares impróprios da história e da 
teologia. Dadas as alternativas históricas que estes cristãos medievais 
tinham à sua disposição, as escolhas aqui apresentadas foram as que 
pareceram ter mais nexo para eles. “É preciso perguntar se nossas opções, 
em circunstâncias similares, teriam sido mais adequadas, mesmo se 
diferentes” (Bosch, 2002, p. 274).
Exercício de reflexão
Olhando para os caminhos construídos pela Igreja em sua relação 
com o Estado, quais são algumas das lições que podemos tirar 
para a refl exão frente as alternativas que temos hoje? (mínimo de 
200 palavras)
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| História do cristianismo I | FTSA76
Glossário
Anacronismo:  atribuir a uma época ou a um personagem ideias e 
sentimentos que são de outra época; julgar atitudes ou fatos que 
não estão de acordo com sua época.
Referências
BOUREAU, Alain. Fé. In: LE GOFF, J. & SCHIMITT, J. C. Dicionário Temático 
do Ocidente Medieval. Vol. 1. São Paulo: EDUSC, 2002.
BOSCH, David. Missão Transformadora. Mudanças de paradigma na 
teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002.
CAMPOS, Leonildo S. Templo, Teatro e Mercado. Petrópolis: Vozes; São 
Paulo: Simpósio e UMESP, 1997.
DREHER, Martin N. A Igreja no Mundo Medieval. Vol. 02. (Coleção História 
da Igreja). São Leopoldo: Sinodal, 1994.
FRANCO JR, Hilário. A Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: 
Brasiliense, 2006.
LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. Vol. I. Lisboa: 
Editorial Estampa, 1994.
THOMAS, Keith. Religião e o Declínio da Magia. São Paulo: Companhia 
das Letras, 1991.
VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental. Séculos 
VIII a XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1987.
77História do crist | FTSA | 
 UNIDADE IV – CRISTIANISMO MEDIEVAL
Introdução
Nos próximos tópicos, vamos estudar outro fenômeno religioso 
importante da Idade Média: o monasticismo. Buscamos compreender, 
em linhas gerais, o que se entende por monasticismo? Onde ele surgiu 
e com que proposta? Em que medida ele se diferenciava do modelo de 
igreja vigente, e/ou em que medida apenas lhe servia de apoio? Quais 
são os desdobramentos possíveis desse movimento? Em que medida 
o monasticismo pode ser considerado um “agente missionário” durante 
esse período? Que tipo de infl uência exerceu na história do cristianismo, 
não apenas na Idade Média, mas também em seu futuro? Em linhas 
gerais, compreender o que foi o monasticismo, suas principais correntes e 
infl uências no mundo medieval; entender em que medida o monasticismo 
pode ser considerado um “agente missionário” durante esse período. 
Neste aspecto, cabe destacar seu papel voltado à integralidade da missão: 
cuidado social de desvalidos, doentes, órfãos, idosos e viúvas; trabalho 
educacional oferecido a quem não podia pagar por ele; produção de livros 
e formação de bibliotecas, assegurando a preservação e transmissão 
de conhecimentos e saberes às gerações futuras; o conhecimento de 
plantas, responsável por assegurar tratamento e cura das vítimas mais 
expostas a um tempo de epidemias coletivas, salvando assim os que se 
encontravam mais alijados do amparo social.
Também veremos sobre o Islamismo. Este tem sido, nos dias atuais, 
assunto recorrente nos meios de comunicação, assim como tema cada 
vez mais desafi ador nos campos de estudo que tratam do cenário religioso 
contemporâneo. O movimento islâmico tem suas raízes históricas na 
Idade Média, sendo, já em sua gênese, protagonista de tensões e embates 
envolvendo cristianismo e judaísmo, especialmente pelas disputas e 
controle de territórios sagrados. Objetivamos conhecer o surgimento do 
Islamismo; analisar a relação do Islã com o cristianismo e o judaísmo 
| História do cristianismo I | FTSA78
no contexto medieval; trazer refl exões para o cenário religioso atual que 
envolve as religiões monoteístas.
Veremos por que uma reforma passou a ser vista como necessária na 
Igreja, ainda no período medieval, culminando na ruptura protestante 
confi gurada no século XVI? Por que muitos cristãos, por diferentes 
motivos, especialmente a partir do século X, passaram a ver a necessidade 
de reforma? Buscaremos conhecer os motivos que levaram cristãos 
em diferentes momentos e lugares do contexto medieval a desejarem 
uma reforma na igreja; identifi car e caracterizar alguns dos aspectos 
teológico-doutrinários que são vistos como preponderantes para a busca 
por reformas; estabelecer noções preparatórias para compreensão dos 
movimentos denominados de “pré-reformadores” no período medieval, a 
serem analisados na próxima unidade. Diante disto, ainda analisar: O que 
foram os chamados movimentos pré-reformadores e por que assim são 
denominados? Qual a importância deles nesse período de transição? No 
que de fato avançaram em relação ao status quo religioso de seu tempo? 
Começamos a estudar aqui um período importante na história da igreja, 
pois os personagens e acontecimentos desse período precederam e 
abriram passagem para aquilo que tempos depois se passou a denominar 
Reforma Protestante. 
1. O surgimento do Islã e as cruzadas medievais
1.1. As origens do Islã
Discórdia familiar: assim começa a descrição bíblica do que viria a se 
tornar um histórico confl ito entre povos que professam a fé monoteísta. 
Segundo a narrativa bíblica do Gênesis, não podendo ter fi lho de sua 
mulher Sarai, Abrão tomou por esposa a sua escrava egípcia, Hagar, da 
qual viera a nascer-lhe Ismael. Esta atitude, que foi inicialmente sugerida 
pela própria Sarai, tinha precedentes legais no Código de Hamurabi 
(elaborado na Mesopotâmia), o qual prescrevia para os contratos de 
casamento, a obrigação de prover-se esposa para o marido, caso a 
mulher não pudesse lhe gerar fi lhos.
79História do crist | FTSA | 
Glossário
Mesopotâmia: termo que signifi ca terra ou região entre rios; entre 
os rios Tigre e Eufrates, localizados na Ásia.
Código de Hamurabi: conjunto de leis criadas na Mesopotâmia, por 
volta do século XVIII a.C., pelo rei Hamurabi, da primeira dinastia 
babilônica. O código é baseado na lei de talião, “olho por olho, dente 
por dente”. As 281 leis foram talhadas numa rocha de diorito de cor 
escura.
A concepção de Ismael, entretanto, gerou desentendimento e confl ito 
entre senhora e escrava: “Vendo Hagar que havia concebido, foi sua 
senhora por ela desprezada ... Disse Sarai a Abrão: seja sobre ti a afronta 
que se me faz a mim [...] Sarai humilhou-a, e ela fugiu de sua presença” 
(Gn 16:1-6).
Depois disso, um anjo do Senhor apareceu-lhe “no caminho do deserto 
de Sur” (v.7) ordenando a Hagar que voltasse para a casa de sua senhora, 
fazendo-lhe, inclusive, uma promessa: “Multiplicarei sobremodo a sua 
descendência [...] Concebeste, e darás à luz um fi lho a quem chamarás 
Ismael [...] Ele será entre os homens como um jumento selvagem; 
a sua mão será contra todos, e a mão de todos contra ele”. (Gn 16:9-
12). Interessante é notar que as promessas feitas por Deus a Abrão 
incluem também Ismael: “Dar-te-ei à tua descendência a terra das tuas 
peregrinações, toda a terra de Canaã em possessão perpétua, e serei 
o seu Deus [...] abençoá-lo-ei (Ismael), fá-lo-ei fecundo e o multiplicarei 
extraordinariamente; gerará doze príncipes, e dele farei uma grande 
nação” (Gn 17:8,20). Ismael também foi incluído na aliança pelo rito da 
circuncisão, juntamente com seu pai (Gn17: 23-27).
Mais tarde, de forma miraculosa, a estéril Sara também viria a conceber, 
seria um menino sobre o qual também repousaria grande e até maior 
| História do cristianismo I | FTSA80
promessa:“Sara tua mulher te dará um fi lho e lhe chamarás Isaque: 
estabelecerei com ele a minha aliança, aliança perpétua para a sua 
descendência” (Gn 17:19).
Um novo desentendimento surge quando ocorre o nascimento daquela 
criança: “Vendo Sara que o fi lho de Hagar, a egípcia, caçoava de Isaque, 
disse a Abraão: rejeita essa escrava e seu fi lho, porque o fi lho dessa 
escrava não será herdeiro com Isaque meu fi lho” (Gn 21:9-10).
A escrava então conduziu o seu fi lho ao deserto, onde se tornou guerreiro, 
vindo a se casar com uma egípcia. Ismael morreu com “cento e trinta e 
sete anos” (Gn 25:17) e a sua descendência passou a ocupar as regiões 
da atual Arábia Saudita (v. 18).
1.2. A ocupação da Palestina pelo povo hebreu
Segundo a narrativa do Gênesis, e como dito anteriormente, de Abraão 
descende Isaque, do qual nasceu Jacó, que teve o seu nome mudado para 
Israel (Gn 32:28). De Israel nasceram doze fi lhos, que vieram a formar as 
doze tribos que ocupariam a terra prometida por Deus a Abraão, por volta 
do ano 1.200 a.C., conquistada sob a liderança de Josué, após a libertação 
do Egito e a peregrinação pelo deserto. Nesta terra da promessa, o rei Davi, 
por volta do ano mil a.C., fez de Jerusalém a capital do seu reino, onde 
seria construído por Salomão, no século X a. C., o templo sobre o Monte 
Sião, que se tornaria a principal referência sagrada para o povo judeu, que 
faria daquela cidade, defi nitivamente, a “Cidade Santa”. Historicamente, 
nasceria ali a primeira religião monoteísta: o Judaísmo (nome dado por 
referência à proeminente tribo de Judá). Da descendência deste povo, 
mais tarde, também nasceu Jesus Cristo, a partir de quem se formou a 
segunda crença monoteísta: o Cristianismo.
No século VI a.C., os hebreus foram submetidos ao duro exílio babilônico, 
quando também ocorreu a primeira destruição do templo. Após setenta 
81História do crist | FTSA | 
anos de cativeiro, apenas um terço da população que fora deportada 
retornou, o restante espalhou-se nas mais diferentes cidades do mundo 
antigo, fato que fi cou conhecido como a diáspora (dispersão) judaica. A 
população que voltou do exílio, sob a liderança de Esdras e Neemias, teve 
a difícil tarefa de reerguer a nação, reconstruir os muros e o antigo templo.
Nos dias de Cristo, da população de 5,5 milhões de judeus, apenas um 
terço continuava a viver na sua própria pátria, estando sob o domínio 
político do Império Romano. Esta presença estrangeira na sua terra 
gerava grande desconforto e revolta ao povo que se considerava legítimo 
herdeiro daquelas possessões devido às promessas que o próprio Deus 
havia feito ao patriarca Abraão. Foi nesse ambiente de insatisfação 
que, no ano 66 d.C., eclodiu uma revolta armada dos partidos religiosos 
judaicos que buscavam a libertação da presença e dominação romana 
na Palestina. Após quatro anos de sangrentos combates, fi nalmente, 
as legiões romanas, lideradas pelo general Tito, conseguiram retomar 
o controle da cidade de Jerusalém, quando o templo acabou sendo 
completamente destruído pelos soldados romanos, cumprindo, assim, o 
que Cristo havia predito em Mateus 24:1,2.
Neste episódio, no ano 70 d. C., todos os judeus foram defi nitivamente 
expulsos da sua terra, ocasionando a segunda diáspora. A partir disso, 
o povo judeu passou a existir como nação sem território e sem Estado. 
Disperso agora pelo mundo, foi através da religião, centralizada nas 
sinagogas, que este povo procurou preservar os seus costumes, tradição 
e a identidade religiosa. Os sacrifícios de animais deixaram, então, de 
ser praticados: não havia mais o templo para este rito. Um rabino, por 
volta do ano 90, ao visitar as ruínas da Cidade Santa, interpretou o texto 
de Oséias 6:6 (“pois misericórdia quero, e não sacrifício”), dizendo que a 
partir de então, a “caridade” iria substituir os sacrifícios até o dia em que 
aquele espaço sagrado fosse novamente restaurado.
| História do cristianismo I | FTSA82
Assista o documentário: A destruição do Templo de Jerusalém. 
Programa Evidências. 27 minutos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yWMEmMikh88
No IV século, Constantino, imperador romano, declarou-se cristão e 
reconheceu o Cristianismo como religião lícita em todo o Império. 
Helena, mãe do imperador, tornou-se uma cristã piedosa e promoveu a 
construção de templos na Palestina, em locais considerados sagrados 
pelos antigos cristãos: o da Natividade em Belém, onde Jesus nascera, 
e também o do Santo Sepulcro, onde se acreditava que o corpo de 
Cristo havia sido sepultado. A partir daí, nos séculos seguintes, visitar 
a Palestina passou a ser o sonho de toda a cristandade, motivada pelos 
mais diferentes interesses: conhecer os lugares em que Jesus viveu; 
batizar-se no Rio Jordão; conseguir objetos supostamente sagrados 
(como, pedaços da cruz em que Cristo morrera, ou que tivessem sido 
utilizados por algum dos apóstolos, e ainda, pedras do Sinai, água do 
Rio Jordão etc.), por acreditarem que os mesmos possuíssem poderes 
miraculosos contra enfermidades ou para proteção das casas e dos 
negócios; pagar votos ou penitências. Também foram construídos 
vários mosteiros nestes arredores. Neste tempo, os judeus tiveram nova 
permissão para visitar a Terra Santa, na prática, porém, houve difi culdades 
para ali se estabelecerem devido a presença em maioria de cristãos que 
lá se fi xaram e ao estigma que os cristãos medievais cultivavam por eles. 
Tal embate era basicamente ocasionado por dois motivos: primeiro, eram 
diretamente responsabilizados pela morte de Jesus; segundo, haviam 
perseguido a igreja primitiva, proibindo os cristãos de se reunirem no 
templo de Jerusalém e também em muitas das suas sinagogas.
No século V, porém, com a tomada do Império Romano do Ocidente, 
pelos chamados “povos bárbaros”, ocorreram profundas turbulências 
políticas que afetaram o controle da Palestina pelos cristãos. Mas, foi 
partir do século VII d. C, quando surgiu a religião fundada por Maomé, 
que a disputa religiosa pela Cidade Santa se agravou ainda mais.
Assista o documentário: A destruição do Templo de Jerusalém. 
Programa Evidências. 27 minutos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yWMEmMikh88https://www.youtube.com/watch?v=yWMEmMikh88
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1.3. Formação e desenvolvimento do Islamismo
No século VII d.C., surgiu a terceira religião monoteísta, o Islamismo, 
fundada por Maomé, de origem árabe. Atribui-se a ascendência 
genealógica do povo árabe a Ismael, o fi lho de Abraão com a escrava 
egípcia Hagar. As diferentes tribos, que se formaram a partir deste 
povo, se tornaram politeístas (crença em vários deuses), ao contrário 
dos descendentes de Isaque. É de uma destas tribos que nascerá, 
no ano 570 d. C., em Meca, Maomé. Tendo fi cado órfão muito cedo, 
Maomé foi criado por seu tio. Passou por grandes privações até tornar-
se administrador dos bens da rica viúva Kadidja, com a qual casou em 
595. Ao tornar-se mercador, viajou até a Síria, onde teve contato com as 
doutrinas monoteístas (crença em um só Deus), passando a ser por elas 
infl uenciado.
Foi a partir daí que começou então a se preocupar com as crenças do seu 
povo, fato que o levava a se retirar sistematicamente para as montanhas 
nas proximidades de Meca, onde, por volta do ano 610, afi rmara ter 
tido visões e audições nas quais ouvia a voz de Deus e via o arcanjo 
Gabriel. Passou a estar convicto de ser um escolhido de Deus (nome 
que em árabe signifi ca Alá) para ser o profeta que iria reconduzir o seu 
povo à verdadeira fé no verdadeiro Deus. Suas primeiras pregações, em 
que descrevia em cores vivas o fi m do mundo, os castigos do inferno e 
as alegrias do paraíso, não obtiveram muito êxito. Confl itos de ordem 
econômica levaram-no a fugir para Medina, em 622, onde viria a conquistar 
muitos seguidores. Como um líder messiânico, acreditava ser o escolhido 
para restaurar a verdadeira religião de Abraão; objetivava aperfeiçoar o 
Judaísmo e Cristianismo, nos quais via distorções.Tornou-se ferrenho 
adversário dos judeus quando estes rejeitaram suas pregações. Por 
ocasião da sua morte, em 632, Meca já havia sido por ele conquistada 
tornando-se a cidade sagrada do Islã e quase toda a Arábia já seguia 
seus ensinamentos. O Alcorão (ou Corão), que registra seus ensinos e 
revelações, veio a ser escrito algum tempo depois, tornando-se a verdade 
absoluta a ser obedecida e o fundamento do Islamismo (“islã” signifi ca 
“submissão à vontade de Deus”).
| História do cristianismo I | FTSA84
Glossário
Monoteísmo: Fé professada em um único Deus.
Alá: Palavra árabe que signifi ca “Deus”.
Alcorão (ou Corão): Termo da língua árabe Al-qurã, que signifi ca “A 
leitura” (leitura sagrada).
Islã (Islamismo): Signifi ca “submissão à vontade de Alá”.
Israelenses: Judeus que atualmente vivem no Estado de Israel (na 
Palestina).
Muçulmano: Vocábulo do árabe Muslim, que signifi ca “aquele que 
se entrega ao Islã”.
Palestina: Região geográfi ca da Ásia, atualmente ocupada por 
judeus, cristãos e muçulmanos.
Palestino: Termo usado para identifi car os muçulmanos que 
atualmente vivem na Palestina.
Após a morte de Maomé, o movimento islâmico passou a ser liderado 
pelos califas (“sucessores”), e um objetivo maior passou a ser perseguido: 
fazer com que todos os homens reconheçam que Alá é o único Deus e 
Maomé o seu profeta. Para isso formaram-se exércitos árabes, pois a 
verdade do Islã deveria ser propagada, ainda que para isso fosse preciso 
o auxílio da espada. Iniciava-se, desta forma, o que viria a se confi gurar 
em guerra santa. Em pouco mais de um século de existência, o Islamismo 
já havia feito grandes conquistas religiosas e territoriais. Uma delas foi 
Jerusalém, com seus lugares sagrados, invadida e dominada pelos árabes 
no ano 638, sob a liderança religiosa do califa Omar. 
Dois anos depois, com a conquista de Cesareia e Gaza, toda a região 
estava sob o domínio do Islã. No início, não houve perseguição nem a 
cristãos nem a judeus que habitavam a Terra Santa pelo fato de serem 
também monoteístas. Ao entrar em Jerusalém, o califa Omar decretou: 
85História do crist | FTSA | 
“os cristãos terão garantidos os seus bens e suas igrejas ... Os judeus 
podem morar em Jerusalém junto com os cristãos, desde que respeitem 
o Profeta e o Corão”. Proibiu-se, entretanto, que os cristãos fi zessem 
propagação da sua fé entre os muçulmanos e que estes viessem a se 
converter ao Cristianismo ou ao Judaísmo. Mais tarde, no lugar do antigo 
templo dos judeus, os árabes construiriam duas mesquitas, sendo a 
de Omar considerada o terceiro mais importante santuário do Islã, por 
acreditarem que daquele lugar o profeta Maomé ascendeu ao céu, logo 
depois de sua morte.
Toda a igreja imperial do Oriente sucumbiu perante o Islã: o Egito e o Norte 
da África, Damasco, Egito, Pérsia; parte da França e Espanha, também 
trocaram o Evangelho pelas leis do Corão. Os principais centros da fé cristã 
antiga, como Jerusalém, Antioquia (Síria), Alexandria (Egito) e Cartago 
(África), foram dominados por essa nova religião, restando apenas Roma 
e Constantinopla, sendo que esta última viria também a ser conquistada 
pelos turcos otomanos, em 1453.
Com o controle das regiões que haviam sido o berço da fé cristã, a partir 
do século VIII, cristãos e judeus passaram a ter cada vez mais difi culdades 
para realizarem peregrinações à Terra Santa. Por isso, a partir do século 
XI, os cristãos passaram a organizar movimentos conhecidos como 
“Cruzadas”, que duraram dois séculos (1096-1291), visando a libertação 
daqueles territórios. A organização da primeira cruzada se deu no ano de 
1096, por convocação do Papa Urbano II. Foi constituída por um exército 
de cristãos que totalizou 20 mil homens e mulheres, os quais marcharam 
para Jerusalém, em uma caminhada que durou mais de dois anos. O 
historiador Martin Dreher descreve os episódios e as mobilizações que 
marcaram algumas das cruzadas:
O primeiro grupo partiu da França e era composto por 
20.000 homens e mulheres. Seu líder era um eremita 
de nome Pedro de Amiens, um dos muitos pregadores 
ambulantes da época. Pedro e todos os seus seguidores 
queriam ir para Jerusalém, a fi m de esperar a libertação 
| História do cristianismo I | FTSA86
de Sião e milagres. Não tinham dinheiro, nem alimentos, 
mas muita fome. Houve depredações, saques e mortes 
por onde passaram. Depois de muitas difi culdades 
chegaram à Ásia Menor, onde foram dizimados pelos 
turcos [...] Em 1097 formou-se um grupo com 12.000 
homens e mulheres. A caminhada até Jerusalém 
levou dois anos. Em 14 de julho de 1099 Jerusalém foi 
tomada. Como era uma sexta-feira, todos se lembraram 
da crucifi cação de Jesus e, por isso, organizaram uma 
matança feroz contra a população muçulmana. Não 
houve sobreviventes. Os judeus haviam se refugiado 
em sua sinagoga. Ela foi posta em chamas. Todos 
morreram. Finalmente, esse bando, manchado de 
sangue, entrou na Igreja do Santo Sepulcro para se 
reunir em oração diante de Deus (1994, p. 58, 59).
Na verdade, o objetivo da libertação da Terra Santa jamais foi alcançado, 
pois tudo o que conquistaram voltaram rapidamente a perder. Ainda mais 
sete cruzadas foram organizadas sem que obtivessem maiores êxitos, 
pelo contrário, quase todas tiveram um fi m trágico, principalmente para 
os cristãos do Ocidente. A partir daí, a Palestina fi cou exclusivamente 
debaixo do controle islâmico, que fez defi nitivamente de Jerusalém um 
dos lugares sagrados de sua fé.
SAIBA MAIS: A Palestina nos dias atuais!
Amparadas pela Inglaterra, desde o fi nal do século XIX, grandes levas 
de judeus começaram a imigrar para a antiga Palestina, fato que se 
intensifi caria ainda mais na década de 1940, quando o movimento 
nazista, liderado por Hitler, na Alemanha, provocou a Segunda 
Guerra Mundial, ocasião em que aproximadamente 6 milhões 
de judeus foram mortos nos campos de concentração. Com este 
“holocausto”, no fi nal da guerra, em 1945, o mundo se sensibilizou 
com a situação em que se encontrava este povo. A partir daí, países 
87História do crist | FTSA | 
como Estados Unidos e Inglaterra, lideraram um movimento para a 
reintegração de Israel em sua pátria, até que em 1947, a Organização 
das Nações Unidas (ONU), em uma reunião presidida pelo brasileiro 
Osvaldo Aranha, votou pela partilha da terra da Palestina em dois 
territórios, dando aos judeus o direito de reconstruírem o seu Estado. 
Dessa forma, em 1948, foi criado o novo Estado de Israel, do qual, 
perto de 800 mil árabes saíram ou foram expulsos, formando um 
contingente atual de 2,5 milhões de refugiados vivendo em vários 
países. Em pouco tempo os judeus, que receberam uma região 
desértica, desenvolveram avançada tecnologia de irrigação, fazendo 
literalmente o “deserto fl orescer”, vindo a constituir-se em uma das 
grandes potências no cenário econômico mundial.
Nesta partilha de território feita com os árabes, Jerusalém e outros 
locais sagrados tiveram que também ser divididos, sendo que o exato 
lugar do antigo templo judaico continuou ocupado pela mesquita 
muçulmana de Omar. Daí porque os judeus passarem a empreender 
guerrilhas na Terra Santa visando expandir suas fronteiras, transferir 
para Jerusalém a capital do seu Estado, atualmente centrada em 
Telaviv, e reconquistar para sua fé o lugar do antigo templo, do 
qual só lhes resta, atualmente, o Muro das Lamentações, e ali 
novamente reconstruir um novo santuário aos moldes daquele. 
Em 1967, após intensos e sangrentos combates, a parte árabe da 
cidade de Jerusalém foi tomada pelos israelenses, desencadeando, 
assim, a revolta por parte dos palestinos (como são chamados os 
muçulmanos que lá vivem), o que transformou a Terra Santa num 
permanente palco de guerrilhas.
Foi neste período que surgiu o líder Yasser Arafat, que criou, no fi nal 
dos anos 60, a Fath, movimento guerrilheiro islâmico que se tornou 
a espinha dorsal da Organização para a Libertação da Palestina 
(OLP). Nos anos 70, ele colocou a questão da Palestinano centro 
das atenções mundiais com uma sangrenta campanha terrorista 
contra Israel, momento em que os países árabes chegaram a fazer 
um boicote nas exportações de petróleo. Porém no fi nal dos anos 
| História do cristianismo I | FTSA88
80, desistiu do plano de riscar o Estado judeu do mapa. Já nos 
anos 90, Arafat começou a procurar acomodação com o inimigo, 
passando a buscar acordos de paz, chegando a receber, inclusive, 
o Prêmio Nobel, ganho em parceria com o israelense Itzhak Rabin 
pelos acordos de paz assinados em 1993. Nesses acordos, Rabin 
concordara em ceder, aos poucos, os territórios ocupados enquanto 
a OLP, por sua vez, passaria a reconhecer o Estado israelense. O 
assassinato de Itzhak em 1995, por um judeu fanático, atravancaria 
novamente os processos de paz.
Yasser Arafat passou a presidir a Autoridade da Palestina, com sede 
na Faixa de Gaza, que controla 80% deste território que é habitado 
por 1 milhão de palestinos e 4 mil colonos israelenses, exercendo 
também controle sobre 40% da Cisjordânia, onde vivem milhões 
de Palestinos e 200 mil colonos judeus. Arafat teve como grande 
objetivo não só recuperar territórios perdidos, mas, principalmente, 
constituir um Estado Palestino, com capital em Jerusalém.
Em outubro de 2000, o então presidente americano Bill Clinton 
convocou Arafat e o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, para 
discutirem um acordo fi nal para as desavenças entre árabes e 
judeus. A reunião ocorreu no Egito, e os dois líderes concordaram 
em tentar acalmar os ânimos no Oriente Médio, mas se recusaram 
a pôr o acordo no papel e até mesmo a trocar um aperto de mãos. 
Barak chegou, inclusive, a surpreender com uma ousada proposta 
de criar o Estado palestino em 90% da Cisjordânia, com capital 
nos bairros árabes de Jerusalém. Israel anexaria apenas áreas 
densamente habitadas por judeus. Sob o olhar de Bill Clinton, Yasser 
Arafat rejeitou integralmente a oferta. Para espanto e irritação do 
anfi trião americano, partiu sem fazer a contraproposta esperada 
pela Casa Branca.
Certamente, Arafat não pensava numa proposta inferior do que a 
soberania palestina sobre a parte árabe da Cidade Santa, ocupada 
por Israel na Guerra de 1967, pois, prometera centenas de vezes 
ao seu povo que não negociaria a entrega de Jerusalém Oriental 
89História do crist | FTSA | 
e, particularmente, aquilo que se tornou o ícone do nacionalismo 
palestino: a Esplanada das Mesquitas (local do antigo templo da 
religião judaica). Muitos israelenses viram nesta atitude a prova 
de que o líder palestino nunca pretendeu realmente fazer a paz. 
Contudo os palestinos também fi caram frustrados com o resultado 
de oito anos de negociações e com a determinação dos israelenses 
de continuarem instalando colonos nos territórios que ocupam 
desde 1967. O líder iraquiano Saddam Hussein, quando convidado 
a participar de uma reunião com outros governantes árabes para 
discutir o confl ito na Palestina, em outubro de 2000, não hesitou em 
propor uma guerra santa para libertar Jerusalém.
SAIBA MAIS: O monoteísmo em conflito
As três únicas religiões monoteístas do mundo, Judaísmo, 
Cristianismo e Islamismo, têm em comum não apenas o fato de 
professarem a fé no mesmo Deus, chamado de “Javé” pelos judeus, 
de “Senhor” pelos cristãos, e de “Alá” pelos islâmicos, mas também o 
pertencimento a uma aliança feita com o mesmo patriarca, Abraão: 
árabes e judeus pela ascendência étnica, e cristãos pela herança 
espiritual, conforme análise feita pelo apóstolo Paulo em Gálata 
3:16, dizendo que o “legítimo descendente de Abraão é Cristo”.
No relato bíblico de Gênesis 12, Deus fez promessas a esse patriarca 
dizendo que a sua “descendência seria numerosa”, e de fato isto 
aconteceu, sobretudo no que diz respeito à família de fé monoteísta: 
as três únicas religiões monoteístas, isto é, que professam a fé em 
um só Deus, são conjuntamente responsáveis pelo maior número 
de seguidores no cenário religioso mundial: o judaísmo, professado 
pelo judeus, que totalizam hoje uma população de aproximadamente 
15 milhões de pessoas, vivendo, em sua maioria, fora do Estado de 
Israel; a religião islâmica, que perfaz um total de 1,4 bilhão de adeptos 
no mundo; e o cristianismo, que, em todas as suas ramifi cações, 
reúne atualmente cerca de dois bilhões de fi éis.
| História do cristianismo I | FTSA90
Curiosamente, essas três religiões estão agora sendo protagonistas 
do estado de medo e de tensão de um possível confl ito mundial. 
Os confl itos envolvendo islâmicos e norte-americanos vêm se 
intensifi cado cada vez mais nos últimos anos, atingindo seu ápice 
no atentado terrorista contra os Estados Unidos, na cidade de Nova 
York, ocorrido no dia 11 de setembro de 2001, motivado por grupos 
radicais islâmicos. Diante disso, uma pergunta vem normalmente 
sendo feita: por que esse sentimento de ódio entre líderes políticos 
e religiosos que professam a fé no mesmo Deus?
É possível esboçarmos algumas explicações a esta questão.
Em primeiro lugar, porque os EUA tiveram participação direta no 
processo de criação do Estado de Israel na Palestina, em 1948, 
motivados, certamente pelo interesse de estabelecer um braço de 
controle no Oriente Médio, região onde estão as maiores reservas 
de petróleo do mundo, responsáveis pelo movimento da “máquina” 
de produção capitalista, combustível este que está sob o controle 
dos países muçulmanos.
Segundo, porque os norte-americanos são grandes aliados de Israel 
nos confl itos contra os árabes na Palestina, fornecendo-lhe apoio e 
armamento bélico que faz do seu exército, uma poderosa e temível 
força militar.
Terceiro, porque o capitalismo norte-americano alimenta e fortalece 
ainda mais a já poderosa economia israelense, uma vez que grandes 
detentores do capital mundial são banqueiros judeus — por isso o 
atentado ter sido feito contra os maiores símbolos do capitalismo, 
no grande centro econômico do mundo.
Em quarto lugar, porque vem sendo cultivado historicamente um 
sentimento de ódio do Islamismo para com o Cristianismo, desde 
o tempo das Cruzadas Medievais, quando cristãos e muçulmanos 
travaram sangrentos combates na disputa por territórios, em que 
a escravidão e outras formas de atrocidades foram praticadas 
reciprocamente para com os prisioneiros de guerra.
91História do crist | FTSA | 
Em quinto lugar, porque durante a Guerra Fria (disputa político- 
armamentista entre os Estados Unidos e a extinta União 
Soviética), nas alianças estabelecidas, os judeus foram aliados 
dos norte-americanos, e, nesta disputa de interesses, alguns 
países muçulmanos acabaram sendo invadidos pelos soviéticos, 
como fora o caso do Afeganistão, em 1979, fato que transformou 
territórios sagrados pelos islâmicos em palco de disputas por parte 
dos “infi éis”. Desta forma, com a ruína do “muro” do socialismo, em 
1989, os cristãos norte-americanos capitalistas comemoraram a 
“vitória”, enquanto que do lado muçulmano permaneceram rancores 
e sentimentos de vingança para com o Ocidente, devido ao rastro de 
miséria e destruição que foram deixados em seus territórios.
Em sexto lugar, porque durante a Guerra do Golfo, em 1991, os 
americanos estabeleceram bases militares na Arábia Saudita, para 
combater o Iraque, mantendo-as até hoje, fato que é visto por grupos 
islâmicos mais radicais como profanação do território que lhes é 
sagrado.
Sétimo, porque além de ser honroso para os islâmicos, é obrigação, 
se preciso for, agirem radicalmente pela fé que professam, 
conforme a interpretação literal que fazem de certas passagens do 
Alcorão, como por exemplo, o que está escrito na Sura 9, versículo 
5: “Matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os, 
e cercai-os e usai de emboscadas contra eles”. E mais adiante, o 
livro insiste que nações, não importa quão poderosas, deverão ser 
combatidas “até que abracem o Islã”. Vale dizer que o Islamismo 
mais ortodoxo considera os cristãos como idólatras, por adorarem 
as três pessoas da Trindade.A julgar pelas escatologias concebidas por essas três religiões, 
para Jerusalém e a Terra Santa ainda estão reservados muitos 
acontecimentos apocalípticos: os judeus ortodoxos ainda aguardam 
a vinda do Messias, que naquela terra instaurará um reinado político, 
subjugando as demais nações; cristãos prenunciam uma batalha do 
bem contra o mal no “Vale do Armagedom” (localizado na Palestina); 
| História do cristianismo I | FTSA92
e os islâmicos também se preparam para o jihad, que será a “guerra 
santa” fi nal contra os inimigos do Corão.
A verdade é que, o fanatismo, a intolerância religiosa e o desrespeito 
para com a vida humana, estão ao ponto de desencadear uma 
luta do bem contra o mal, ou do Oriente contra o Ocidente. E, para 
isso, infelizmente, não apenas crianças estão sendo doutrinadas, 
como também populações inteiras estão sendo ameaçadas de 
extermínio, como é caso do povo do Afeganistão e de outros 
países circunvizinhos, como se já não lhes bastasse a luta pela 
sobrevivência e a guerra contra a fome e a miséria.
É preciso, entretanto, fazer algumas ressalvas: assim como o 
Islamismo não se restringe somente ao povo árabe e nem todo 
muçulmano é terrorista, também o modelo de cristianismo professado 
e vivido pelos Estados Unidos não representa necessariamente a 
proposta do evangelho pregado por Jesus Cristo.
De maneira geral, entretanto, a religião, que deveria promover a paz, a 
valorização da vida, e criar parâmetros para o respeito e a convivência 
humana, está não apenas dando um péssimo exemplo ao mundo ao 
pôr em risco a vida do planeta em toda a sua biodiversidade, como 
também gerando a possibilidade de um terceiro confl ito mundial, o 
que reconduziria a humanidade aos tempos de combates tribais, 
conforme o que já alertara o grande físico Albert Einstein: “Não sei 
com que armas se lutaria na Terceira Guerra Mundial; na Quarta sim: 
com paus e pedras.”
Assista ao vídeo:
Entenda a importância de Jerusalém para israelenses e palestinos 
(8minutos). Disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=rMX64Y0FMcc
Assista ao vídeo:
Entenda a importância de Jerusalém para israelenses e palestinos 
(8minutos). Disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=rMX64Y0FMcchttps://www.youtube.com/watch?v=rMX64Y0FMcc
93História do crist | FTSA | 
Exercício de Aplicação
Jerusalém, um barril de pólvora! Como visto no conteúdo acima, as 
origens do confl ito em terras palestinas remontam séculos atrás na 
história. Dentre os motivos deste confl ito, destacam-se:
I - As causas são estritamente religiosas e as questões políticas 
são apenas secundárias. A leitura que os povos envolvidos 
fazem de seus textos religiosos determinam as ações políticas 
projetadas.
II – Religião e política estão intrinsecamente relacionadas, de 
tal forma que motivos religiosos alimentam comportamentos 
políticos e questões políticas reforçam posicionamentos 
religiosas.
III – Além das questões locais, a política internacional também 
favorece aspectos do confl ito, tornando o confl ito em questão 
um ponto de tensão com implicações para o mundo. 
Considerando os motivos acima, qual das alternativas abaixo 
corresponde à resposta correta. 
a. ( ) I e II estão corretas
b. ( ) I e III estão corretas
c. ( ) II e III estão corretas
d. ( ) Não há nenhuma correta
e. ( ) Todas estão corretas
| História do cristianismo I | FTSA94
2 - Vida monástica: por uma espiritualidade voltada à 
simplicidade e ao próximo
2.1. Oriente: os pais do deserto
Origina-se no séc. IV, no deserto egípcio, uma marca bem específi ca do 
monasticismo: a fuga do mundo. Não era uma fuga ou escape puro e 
simples, mas uma busca por novas formas de martírio. Nessa época, 
com a ofi cialização do cristianismo como religião imperial e o fi m das 
perseguições, o “martírio de sangue” caiu em desuso: não era mais 
necessário pagar o preço, até com a própria vida, para ser discípulo e 
discípula de Jesus. A “vitória” do cristianismo, para os cristãos mais 
comprometidos e fervorosos dessa época, representou, na verdade, uma 
grande derrota, pois ocorreu uma aliança com os poderes seculares, e, 
como corolário, ruína ética e moral, venda de princípios; o mundo não 
se tornou mais cristão porque se cristianizou; continuou-se a preferir a 
escuridão à luz (1Jo 3:19).
A lógica, portanto, foi: se o mundo não era mais o inimigo do cristão, 
então o cristão é quem deveria estabelecer inimizade com o mundo. 
Os eremitas (monges) tornaram-se os novos mártires, à medida que se 
afastaram do mundo, opondo-se ao seu sistema e estilo de vida, optando 
pelo deserto, cujas expressões eram: fuga, silêncio e oração.
Henri Nouwen (2004, p. 12-13) relata que a fuga para o deserto era o meio 
de evitar a tentadora conformidade ao mundo. Antão, Agatão, Macário, 
Poemen, Teodora, Sara e Sinclética foram líderes espirituais no deserto. 
Ali se tornaram um novo tipo de mártires: testemunhas contra os poderes 
destrutivos do mal, testemunhas do poder salvífi co de Jesus Cristo. Desta 
forma, seu objetivo principal era: viver sempre em pureza e morrer em paz!
2.2. Ocidente: monasticismo beneditino
O monasticismo ocidental, por sua vez, nasce por volta do VI século, 
através do modelo legado pela regra de Benedito de Núrsia, ou 
simplesmente São Bento. Inicialmente, bebeu dos ideais e paradigmas 
95História do crist | FTSA | 
de seu homônimo oriental. Mas logo se distanciou deste, especialmente 
em quatro aspectos, destacados por Justo González (1991, p. 39-41):
Primeiro, o espírito prático dos romanos. Muito acostumados com a vida 
cotidiana, a colocar a “mão no arado”, os romanos rejeitavam o espírito 
ascético oriental, de fl agelação do corpo para elevar o espírito. Para eles, 
o ascetismo deveria servir de apoio e fortalecimento (do corpo) para os 
enfrentamentos da vida humana secular.
Segundo, no monasticismo ocidental não se buscava apenas a salvação 
individual, mas a realização da obra de Deus. O ideal de São Bento era: 
cultivar a terra com as mãos e praticar a opus Dei (obra de Deus).
Terceiro, o ideal beneditino de vida em comunidade. Os monastérios 
eram verdadeiras “confrarias de ajuda mútua”. Ao invés de reclusos e 
exclusivistas, os monges eram ativos na comunidade, prestando serviços 
e interagindo com ela.
Quarto, o monasticismo ocidental não vivia em permanente tensão com 
a igreja hierárquica; embora fosse uma expressão diferencial dessa 
igreja, ainda se mantinha fi el aos seus princípios fundamentais, isto é, 
submisso à hierarquia eclesiástica.
Era essencialmente comunitário, bem organizado e estruturado. O labor dos 
monges era algo extraordinário e exemplar. O trabalho era uma atividade 
sagrada, obra do Senhor. Havia uma união entre o trabalho intelectual, o 
trabalho físico, braçal, na lavoura, nas edifi cações e serviços do mosteiro, e 
o trabalho espiritual, de oração, muito importante aos monges beneditinos. 
A oração era o alimento para a vida, para o enfrentamento das intempéries 
do tempo e das circunstâncias existenciais.
A espiritualidade desenvolvida pelos monges do ocidente era, nesse 
sentido, uma “espiritualidade a longo prazo” (Bosch, 2002, p.286), pois 
não se fi ava em métodos e “mandingas” espirituais para se alcançar o 
sucesso imediato nas coisas da vida; era preciso muito trabalho em todos 
os sentidos, e o trabalho iniciado por uma geração deveria ser terminado 
| História do cristianismo I | FTSA96
por gerações posteriores, que deveriam nutrir o mesmo espírito de 
perseverança, de enfrentamento das adversidades e de proatividade 
frente aos desafi os que se tinha adiante.
2.3. O monasticismo como agente missionário
Em princípio, tratou-se de um movimento que não parecia ter nenhum tipo 
de consciência missionária, devido ao seu ideal ascético, que se acentuava 
muito mais entre os monges do Oriente. Porém, o monasticismo ocidental 
diferenciou-se do oriental no sentido de não propor uma fuga do mundo 
e nada mais. Como vimos, a intenção da vida ascética, para eles,estava 
intrinsecamente relacionada com a vida em comunidade e o envolvimento 
(até certo ponto) com o mundo ao redor. Nesse sentido é que o missiólogo 
David Bosch aponta para esta forma de monasticismo como sendo 
missionária por excelência, talvez uma das únicas expressões missionárias 
cristãs que se viu na igreja medieval (considerando as demais ordens 
religiosas, que surgiram nos séculos posteriores).
Segundo Richard Niebuhr (apud Bosch, 2002, p. 283), o monasticismo 
salvou a igreja medieval daquilo que seria a petrifi cação e perda da visão 
e caráter revolucionários do cristianismo. Bosch (2002, p. 285-286), por 
sua vez, aponta algumas razões para isso. Destaca que o monasticismo 
pode ser considerado como um agente missionário no medievo devido:
Primeiro, à alta estima que os monges gozavam entre a população 
geral. Com a Era Constantiniana, os monges passaram a ocupar o 
lugar antes reservado aos mártires, aos olhos dos cristãos. Os monges 
representavam uma vida cristã austera, e eram aqueles que repeliam os 
“inimigos espirituais” dos muros da cidade.
• Segundo, ao seu estilo de vida exemplar, que alcançou 
principalmente os camponeses. Veja essa frase de um monge celta 
chamado Columbano (543-615): “Aquele que diz crer em Cristo 
deve andar como Cristo andou, pobre, humilde e pregando sempre 
a verdade”. O interessante aqui é que, ao invés de arrancar de forma 
violenta, procurava-se transformar as crenças dos camponeses, 
relacionando-as com a liturgia e calendário cristãos.
97História do crist | FTSA | 
• Terceiro, aos mosteiros, que eram centros de trabalho, mas 
também de cultura e educação. Cada mosteiro constituía um vasto 
complexo de edifi cações, igrejas, ofi cinas, armazéns e asilos que 
benefi ciavam toda a comunidade adjacente. A antiga tradição 
de estudo encontrou refúgio nos monastérios. “O monastério 
incorporou o ideal da ordem espiritual e da atividade moral 
disciplinada que, com o tempo, permeou a igreja toda, deveras, a 
sociedade em sua íntegra”.
• Quarto, paciência, obstinação e perseverança dos monges. Houve 
ataques dos povos bárbaros, no séc. VI, que se sentiam atingidos 
com o sucesso dos mosteiros. Noventa e nove de cem monastérios 
poderiam ser destruídos (e vários realmente foram), mas a teimosia e 
forte persistência dos monges faziam com que nenhuma causa fosse 
considerada perdida. Tudo poderia ser retomado e reconstruído pelos 
sobreviventes, que, mesmo em meio a muitas limitações e difi culdades, 
conseguiam se reerguer e manter viva a tradição monástica.
Todas essas atitudes eram missionárias, sem pretender sê-las. Ou seja, 
seguindo Bosch (2002, p.286), embora essas comunidades monásticas não 
fossem intencionalmente missionárias, quer dizer, criadas com o propósito 
da missão, elas estavam impregnadas de uma dimensão missionária. 
Com suas principais marcas: peregrinação, comunidade, refl exão, 
ascetismo, contemplação ao Divino e sua Criação, essas comunidades 
realizaram a missão de Deus. É bom que isso seja ressaltado, antes que 
o período medieval passe como um período árido da igreja em termos de 
cumprimento dos propósitos para os quais foi criada. 
Não restam dúvidas de que a Idade Média foi um período em que a igreja 
e os cristãos se viram envoltos em uma série de problemas das mais 
diversas ordens, como já vimos até aqui. E talvez esses problemas (e os 
julgamentos a eles correspondentes) sejam muito mais evidentes para 
nós, mesmo enxergando a séculos de distância, que para os cristãos 
daquela época. A avaliação sobre este contexto, não pode ser de todo 
negativa, como ressalta Bosch:
| História do cristianismo I | FTSA98
Havia algo errado com a ideia de tentar criar uma 
civilização cristã, de moldar as leis de acordo com o 
ensinamento bíblico, de submeter reis e imperadores à 
obrigação explícita do discipulado cristão? É indubitável 
que o paradigma analisado neste capítulo tem seu 
lado obscuro, mas ele também ofereceu contribuições 
positivas. Além disso, precisa-se entender que era lógico 
as coisas se desenvolverem dessa maneira após a 
vitória de Constantino; ademais, era inevitável, dadas 
as circunstâncias, que assim evoluíssem. Portanto, 
ao criticarmos nossos antecedentes espirituais, e o 
fazemos incansavelmente, lembremos que não nos 
teríamos havido melhor que eles (2002, p. 291).
Exercício de Fixação
Na história do movimento monástico o princípio do ascetismo 
assumiu interpretações diferentes, implicando em atitudes 
distintas em relação à igreja institucional e ao mundo. Sobre as 
atitudes decorrentes da prática ascética pode-se afi rmar que:
( ) O monasticismo, independente de suas formas possíveis, 
foi incapaz de estabelecer uma relação de apoio com o a igreja 
institucional, pois o confl ito sempre foi a principal forma de 
construção desta relação.
( ) O princípio ascético não é incompatível com um determinado 
engajamento com questões relacionadas ao mundo, pois pode tornar-
se um instrumento de fortalecimento para os enfrentamentos da vida.
( ) O ascetismo monástico pode tornar-se um instrumento de 
potencialização do serviço ao mundo, caso não interprete o 
ascetismo apenas como uma fl agelação do corpo para elevação 
do espírito.
Acesse o AVA para fi nalizar o exercício e veja a reação!
99História do crist | FTSA | 
3. Movimentos pré-reformadores: por um retorno 
doutrinal e eclesiástico às origens apostólicas 
Como visto nas unidades anteriores deste curso, no período “medieval” 
ou Idade Média, que corresponde aos séculos V e XV, desenvolveu-se o 
catolicismo marcadamente institucionalizado, com acentuada estrutura 
hierárquica, sustentada na fi gura papal e no clericalismo de bispos e 
sacerdotes. Nesse mesmo período, também, foi marcante a vivência 
de um cristianismo mais popular, folclórico, profundamente arraigado 
em imaginários religiosos sincréticos, com fortes raízes fi ncadas no 
elemento da magia. Isso porque, especialmente, a partir do século IV, 
quando o cristianismo se tornou religião lícita e ofi cial do Império Romano, 
desenvolveu-se um intenso e crescente processo de aculturação entre 
doutrinas cristãs e antigas práticas cúlticas que permeavam o universo 
religioso do mundo greco-romano. 
No chamado “período áureo” da Idade Média, verifi cam-se vários 
prejuízos à missão da igreja. A preocupação da igreja voltou-se quase que 
exclusivamente para a elaboração dogmática da teologia, fundamentada 
em categorias fi losófi cas, sob forte infl uência da metafísica. O que 
mais importava era o Cristo triunfante e transcendental, e não o Jesus 
histórico. Há também, nesta época, forte interesse pela vida monástica, 
a qual levava os cristãos a fugirem do mundo e seus confl itos, com o 
propósito de se dedicarem à purifi cação e contemplação nos desertos.
Diante desse quadro, alguns dos fatores podem ser destacados como 
preponderantes para um anseio por mudanças ou reformas, que prepararam, 
inclusive, o advento da Reforma Protestante do século XVI.
3.1. Motivos de reforma
Primeiro, a igreja estava vivendo uma crise teológica, doutrinária e 
institucional. Até o séc. IV, por exemplo, o Cristianismo, sem ter posses, 
em meio a perseguições e confl itos internos, manteve uma linha de frente 
que fazia jus aos ensinamentos deixados por Jesus e os apóstolos. 
| História do cristianismo I | FTSA100
Após o IV século, porém, especialmente a partir do momento em que 
o imperador romano Constantino se declarou cristão, um outro quadro 
passa se confi gurar.
Segundo, pelas disputas e corrupção do poder. Após Constantino, os 
clérigos passam a ter remuneração do Estado, constroem-se suntuosos 
templos, o poder religioso passa a estar atrelado ao poder político etc. A 
igreja alia-se ao Império Romano, contra o qual deixa de exercer função 
profética de denúncia e reivindicação — o Estado passa agora a benefi ciá-
la. A igreja desempenha em tal sociedade, a partir de então, um papel
semelhante ao da velha religião estatal, ou seja, concebendo Cristo apenas 
comoum rei celestial que dá apoio ao imperador cristão que governava 
em seu nome. A missão histórica de Jesus foi por isso obscurecida, e a 
missão legítima da igreja também o foi, na mesma proporção.
Terceiro, se observa o que se pode chamar de “adesão sem conversão”, 
ou seja, inúmeras pessoas passaram a aderir ao cristianismo por 
conveniência ou status, afi nal, era agora a “religião do Imperador”. 
Com isso, trouxeram consigo para o âmbito da igreja antigas crenças, 
especialmente as que estavam associadas às divindades femininas no 
panteão greco-romano. Foi assim que o culto a Diana, tão popular na 
cidade de Éfeso, por exemplo, foi substituído a partir do século V pelo 
culto a Maria mãe de Jesus; também os antigos deuses protetores das 
cidades foram substituídos pelos “santos protetores” cristãos, no caso, 
os apóstolos e mártires; e ainda, a veneração de objetos e imagens como 
elementos do culto.
Quarto, Jesus deixa de ser o único mediador (também a mãe de Jesus e 
os apóstolos, especialmente passam a exercer tal função); surge a fi gura 
papal, como representante de Cristo na Terra; a Bíblia passa a ser lida 
somente em latim e pelos clérigos, fi cando, portanto, distante do povo; 
a justifi cação passa a se dar também por obras, daí as penitências, os 
autofl agelos, as indulgências como meios de redimir pecados.
101História do crist | FTSA | 
Quinto, surge ainda a doutrina do purgatório, mediante a qual era dada 
a oportunidade de salvação após a morte àqueles que não se preparam 
devidamente em vida. 
Sexto, pode ser citado ainda o surgimento da Inquisição, que se constituía 
num tribunal eclesiástico que dava à igreja o direito de punir e de matar, 
se preciso fosse, àqueles que ousassem questionar as doutrinas 
canônicas ou a verdade que pertencia de forma exclusiva e absoluta à 
igreja medieval.
Sétimo, grande apego à magia. Segundo o sociólogo Leonildo Campos, 
nesse período, a assimilação da fé cristã pela população rural, mediante 
a catequese, “formou uma camada de verniz sobre uma antiga realidade 
religiosa” (1977, p.170), desencadeando um intenso apego às relíquias 
como fetiches de proteção, com caráter mágico, objetos esses que 
supostamente teriam sido utilizados pelos apóstolos ou outros mártires 
do cristianismo e que eram, então, guardados nos lares dos devotos com 
o sentido de proteção contra doenças, contra infortúnios do demônio ou 
como ajuda contra as intempéries que poderiam ameaçar as colheitas. 
Esta “magia” dos objetos desencadeou um verdadeiro comércio de 
amuletos. Leonildo Campos descreve este cenário de magia:
Multiplicaram-se os cultos às relíquias sagradas, 
verdadeiros fetiches milagrosos, aos quais se atribuíam 
poder de curar enfermidades e proteger as pessoas 
dos perigos. Esses objetos, que pensavam terem 
pertencido aos santos ou simplesmente por terem 
sido usados na missa, eram trocados, presenteados, 
roubados, vendidos ou comprados. Muitos deles eram 
empregados com as mais diversas fi nalidades, desde 
o auxílio no trabalho de parto até na cura de peste no 
gado bovino ou afastar epidemias de seca, fome ou 
pragas de gafanhotos (1997, p. 171).
O historiador inglês Keith Thomas (1991, p.36). também afi rma que no 
contexto da Idade Média as relíquias sagradas tornaram-se fetiches 
| História do cristianismo I | FTSA102
milagrosos, tidos como dotados do poder de curar enfermidades e proteger 
contra perigos; atribuía-se igualmente uma efi cácia miraculosa às imagens. 
A representação de são Cristóvão, que com tanta frequência ornamentava 
as paredes das igrejas das aldeias inglesas, supostamente concedia um 
dia de imunidade à doença ou à morte a todos os que a fi tassem.
Este mesmo autor constata que no mundo medieval havia se desenvolvido 
um “amplo leque de fórmulas para atrair a bênção prática de Deus sobre 
as atividades seculares”, acrescentando. Keith Thomas descreve algumas 
destas práticas carregadas de magia e simbolismo:
O ritual básico era o benzimento com sal e água para 
a saúde do corpo e expulsão dos maus espíritos. Mas 
os livros litúrgicos da época também traziam rituais 
para benzer casas, gados, culturas, embarcações, 
ferramentas, armas, cisternas e fornalhas. Havia fórmulas 
para abençoar homens que se preparavam para sair em 
viagem, para travar um duelo, para entrar em batalha ou 
mudar de casa. Havia métodos para abençoar os doentes 
e tratar de animais estéreis, para afastar o trovão e trazer a 
fecundidade ao leito matrimonial [...] Fundamentalmente 
em todo esse procedimento era a ideia de exorcismo, 
o esconjuro formal do demônio, expulsando de algum 
objeto material por meio de preces e da invocação do 
nome de Deus. A água benta podia ser utilizada para 
afastar maus espíritos e vapores pestilenciais. Era 
remédio contra a doença e a esterilidade (1991, p.38).
Observa ainda que, no período entre os séculos XVI e XVII, da história 
inglesa, os objetivos pelos quais a maioria dos homens recorria a 
sortilégios e a feiticeiros eram precisamente aqueles para os quais “não 
havia alternativa técnica adequada”. Assim, na agricultura, o lavrador 
que normalmente confi ava em suas próprias habilidades e perícias, 
quando fi cava dependente de circunstâncias fora do seu controle — a 
fertilidade do solo, as condições meteorológicas, a saúde do gado —, 
ele se mostrava mais propenso a acompanhar suas atividades normais 
com alguma precaução mágica. Na ausência de herbicidas, “havia 
103História do crist | FTSA | 
encantamentos para manter a erva daninha distante das plantações”, e, 
em lugar de inseticida e raticida, “havia fórmulas mágicas para afastar as 
pestes”. Havia também sortilégios para aumentar a fertilidade da terra, 
além de precauções rituais que rodeavam a caça e a pesca, “atividades 
especulativas, isto é, incertas ambas” (Thomas, 1991, p.175).
Exercício de Fixação
Considere o texto a seguir: 
“No contexto da Idade Média as relíquias sagradas tornaram-
se fetiches milagrosos, tidos como dotados do poder de curar 
enfermidades e proteger contra perigos; atribuía-se igualmente uma 
efi cácia miraculosa às imagens. A representação de são Cristóvão, que 
com tanta frequência ornamentava as paredes das igrejas das aldeias 
inglesas, supostamente concedia um dia de imunidade à doença ou à 
morte a todos os que a fi tassem” (Proença, 2019). 
Este trecho permite considerar o estilo de igreja do período 
medieval, inclusive sendo motivo para a necessidade de reformas 
doutrinárias. A partir disto, é correto afi rmar: 
a) ( ) que a eclesiologia medieval, fundamentada na liturgia ritualista 
fi cava distante do povo, a ponto de o poder de curar pessoas já não 
existia mais; 
b) ( ) que o estilo de vida cristão do período medieval proporcionava 
a busca pela espiritualidade transcendente e, sendo assim, não 
havia necessidade de ir até a igreja local para cultuar a Deus; 
c) ( ) que devido à busca pela prática religiosa, os fi éis entendiam 
a força miraculosa e mágica dos objetos que pertenceram aos 
líderes e personagens bíblicos;
d) ( ) que a teologia da igreja medieval era pautada em 
conhecimentos científi cos e, por isto, a espiritualidade foi 
racionalista e politicamente ativa; 
| História do cristianismo I | FTSA104
3.2. Os principais movimentos
O Ocidente Medieval vivia (entre os séculos XIII e XIV) um período de 
transição e transformações em diversas áreas, trazidas por guerras, 
pragas e crises econômicas.
Na igreja a situação não era muito diferente. O que se contempla é o 
declínio da igreja institucional, que havia se transformado em uma 
monarquia e rivalizava com as nações-estado emergentes na época. 
Emergentes, também, foram alguns movimentos que despontaram da 
periferia eclesiástica nesse período. Foram, em parte, movimentos de 
contestação e, em parte, de assentimento à ordem estabelecida. 
Vimos que na Idade Média o monasticismo, de certo modo, representa 
um movimento de contestação a certo estilo de vida e maneira de ser 
igreja na sociedade, embora semantivesse ligado formalmente a ela.
O conhecido mosteiro de Cluny, na França, fundado em 910 D. C., levara 
às últimas consequências os preceitos estabelecidos pela regra de São 
Bento. Muito mais disciplina, oração, estudo, penitências e dedicação à 
opus Dei (obra de Deus). “Não seria exagero ver em Cluny a expressão 
mais autêntica das aspirações espirituais da sociedade feudal” (Vauchez, 
1995, p. 36). 
Vejamos a seguir alguns desses movimentos.
3.2.1. Os Albigenses ou Cátaros
O termo Albigense se deve o local de surgimento deste movimento: a 
cidade de Albi, na França, no século XII. Também fi caram conhecidos 
como Cátaros (termo grego que signifi ca “puros”). Um movimento 
de leigos, os quais começaram a ler a Bíblia, traduzindo trechos do 
evangelho para a língua francesa; denunciavam que o papa e os clérigos 
não tinham exclusivamente acesso a Deus; criticaram a corrupção do 
clero; celebravam a ceia, o batismo, negavam a veneração de imagens. 
Esse movimento foi responsável pela organização mais sistematizada 
105História do crist | FTSA | 
do tribunal da Santa Inquisição, sob ordens do papa Inocêncio III, com o 
intuito de combater como hereges os albigenses e, em seguida, também 
os valdenses. Perseguidos, da França se espalharam para outras regiões 
da Europa, funcionando como “comunidades cristãs secretas”.
3.2.2. Os Valdenses
Em 1176, Pedro Valdo, um rico comerciante de Lyon perguntou a um 
mestre de teologia: “Qual o melhor caminho para Deus?”. O mestre, por 
sua vez, citou-lhe um venerado texto monástico: “Se queres ser perfeito, 
vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu”. Valdo 
obedeceu ao “chamado”. Vendeu tudo que tinha, deixando uma quantia 
razoável para sua mulher e fi lhos, e o restante doou aos pobres.
Sua atitude impressionou vivamente seus amigos. Em 1177, um grupo 
de homens e mulheres juntou-se a ele, pregando o arrependimento. Eles 
mesmos se auto-intitulavam “Pobres de Espírito”. Dirigiram-se ao Concílio 
Lateranense, em 1179, solicitando a permissão para pregar. O pedido foi 
indeferido. Pedro e seus fraternos entenderam aquilo como a “voz do 
homem em oposição à voz de Deus” (Walker, 1981, p. 324). Continuaram 
a pregar. Considerados desertores, todos foram expulsos da igreja, em 
1184, pelo papa Lúcio III (1181-1185).
Vindo a Reforma, os valdenses, que haviam se expandido em meio à 
forte repressão da igreja para fora de sua região de origem, aceitaram 
seus princípios e se tornaram protestantes.
3.2.3. Os Dominicanos
Na mesma atmosfera de “pobreza apostólica” e literal cumprimento dos 
mandamentos de Cristo, surge a ordem dos dominicanos. Foi fundada 
por Domingos (1170-1221).
Estudante brilhante, jovem de grande espírito religioso, Domingos 
resolveu escolher o caminho da abnegação, sacrifício e seguir o modelo 
de Paulo, querendo ganhar o povo pela “loucura da pregação”.
| História do cristianismo I | FTSA106
Em 1215, amigos presentearam-no com uma casa em Toulouse. Ali 
realizou os primeiros trabalhos de treinamento e discipulado. Com a 
permissão do Papa Honório III (1216-1227) — embora não sem resistência 
e lutas — criou então uma ordem de pregadores, que logo recebeu o nome 
de “ordem dos dominicanos”.
Quando Domingos faleceu (1221), a ordem já contava com sessenta 
casas espalhadas em oito províncias. Sua marca característica era o zelo 
no estudo e a ênfase na pregação e no ensino. Trabalhou nas cidades 
universitárias e logo se viu bem representada nos corpos docentes das 
universidades.
3.2.4. Os Franciscanos
Se grande foi o prestígio dos dominicanos, maior ainda talvez tenha sido 
a honra e aceitação popular alcançada pelos franciscanos e, de modo 
especial, pelo seu fundador Francisco (1182-1226).
Ele não era monge, nem clérigo; era um leigo, que fazia questão de assim 
permanecer para evangelizar os leigos abandonados pastoralmente, em 
especial, os pobres (Boff, 2002, p. 136).
Surge não do centro do poder, mas da periferia da igreja institucional, 
como a maioria dos movimentos de renovação da igreja na história, 
como ressalta Boff (2002, p. 13): “É na periferia que eclodiram os grandes 
profetas, nasceram os movimentos reformadores e onde viceja o Espírito. 
A periferia possui um privilégio teológico, pois nela nasceu o fi lho de Deus”.
Iniciou seu movimento na “igrejinha de Porciúncula”, a mais pobre das 
igrejas de Assis, cidade natal de Francisco. Durante uma peregrinação 
a Roma, em 1206, ele julgou ter ouvido a voz divina, o próprio Cristo 
dizendo: “Francisco, vai e repara minha igreja porque, como vês, está em 
ruínas”. Foi o que, intuitivamente, ele fez.
O franciscanismo foi um movimento de contestação à igreja, por ser 
uma ordem monástica das ruas, fora dos mosteiros, pregando a pobreza 
107História do crist | FTSA | 
voluntária, defendendo o direito dos pobres e necessitados e vivendo ao 
lado deles, formando uma comunidade de fraternos e iguais.
Uma de suas petições mais frequentes era para que: “No nosso gênero 
de vida, ninguém seja prior, mas todos sejam designados indistintamente 
como irmãos menores e se lavem os pés uns dos outros” (apud Boff, 2002, 
p. 141). Sua contestação se fi rmava principalmente contra as formas de 
poder e controle clerical, e contra as riquezas e benesses usurpadas pela 
igreja, em sua associação com os poderes seculares.
Glossário
Prior: No contexto da Idade Média, prior designava o chefe, o 
comandante ou, literalmente, “aquele que está à frente” de uma 
organização religiosa ou militar. No caso da Igreja, o prior era um 
padre, e o conjunto de seus domínios era chamado de priorado. 
Há uma história de uma conversa entre o papa (Inocêncio III) e Francisco, 
em que o primeiro disse: “Veja, no tempo de Pedro se dizia que a igreja 
não possuía nem ouro e nem prata. Hoje, temos ouro e temos prata”, 
argumentou ele apontando para uma suntuosa basílica recém edifi cada; 
Francisco, por sua vez, respondeu: “Na mesma proporção em que podes 
afi rmar agora possuir ouro e prata, já não podes, porém, dizer ao paralítico: 
‘Levanta-te e anda’”.
Boff (2002, p. 134) complementa, dizendo que em Francisco encontramos, 
coexistindo com grande tensão e equilíbrio, o não conformismo com a 
obediência, a aceitação da Igreja dos clérigos com o alargamento corajoso 
do espaço dos leigos, o respeito pela piedade litúrgica ofi cial com a 
criatividade de uma cultura religiosa popular.
Respeitou até a morte esse princípio. Tanto que em seu leito de morte 
recomendou: “Conservar a pobreza e a fi delidade à Igreja romana, mas 
pondo acima de todas as normas o santo evangelho”. Ou seja, para 
Francisco era importante a persistência na igreja e obediência a seus 
| História do cristianismo I | FTSA108
líderes. Mas, acima de qualquer estrutura temporal, religiosa, política e 
ideológica, estava a submissão ao Evangelho. Ele seguia os vestígios da madre 
igreja, mas, principalmente, os vestígios de Jesus Cristo e do Evangelho.
3.2.5. John Wycliff e os Lolardos
Na Inglaterra do séc. XIV surgiu o pré-reformador João Wycliff (1328-1384), 
que estudou e ensinou em Oxford durante grande parte de sua vida. Ali ele 
desenvolveu suas atividades como padre e como professor universitário.
Ensejando um retorno ao ideal neotestamentário, Wycliff começou 
incisivamente a se opor aos dogmas e ingerências da Igreja Católica, a 
partir de 1378, chegando a atacar a autoridade do papa em 1382.
Afi rmou em um de seus livros que “Cristo e não o Papa era o chefe da 
igreja”, e que “a Bíblia e não a Igreja era a autoridade única para o crente 
e que a igreja Romana deveria se modelar segundo o padrão da Igreja do 
Novo Testamento” (Cairns, 1995, p. 206).
Como suporte a esses ideais, tomou duas importantes medidas: a 
tradução completa do Novo Testamento para o inglês; a criação de um 
grupo de pregadores leigos, os “lolardos”, que deram continuidade às 
ideias de Wycliff por toda a Inglaterra e região.
Glossário
Lolardos: terminologia que signifi ca “cantores”; ou “perseguidos”.
3.2.6.John Huss e os Hussitas
Quando Ricardo II, da Inglaterra, casou-se com Ana, da Boêmia, muitos 
jovens boêmios foram estudar na Inglaterra e lá conheceram as ideias de 
Wycliff.
John Huss (1373-1415), que também era originário da mesma região, 
tendo estudado e lecionado na Universidade de Praga, leu e adotou as 
Glossário
Lolardos: terminologia que signifi ca “cantores”; ou “perseguidos”.
109História do crist | FTSA | 
ideias de Wycliff e, tal como ele, também se propôs a reformar a Igreja 
Romana em sua região, o que lhe rendeu a inimizade do papa. Muitos de 
seus livros foram reproduções quase literais dos livros de Wycliff (como a 
sua obra Sobre a Igreja, de 1412). Em 1413, um sínodo romano condenou 
formalmente os escritos de Wycliff. Huss foi condenado à morte e 
executado (queimado vivo), após haver negado a se retratar de suas 
colocações no Concílio de Constança (1415). Jonh Huss foi queimado 
vivo em 1415. Conta a história que ao ser levado para a execução teria 
pronunciado uma frase profética, mais ou menos nos seguintes termos: 
“dentro de um século Deus levantará alguém cuja voz não poderão calar”. 
Exatamente um século depois, Martinho Lutero defl agraria o golpe fi nal 
nas estruturas eclesiásticas que ainda resistiam às reformas que se 
faziam urgentes.
Todos esses têm sido chamados de precursores da Reforma. Não há 
dúvidas de que merecem esse nome visto que representaram, em seu 
tempo e de maneiras próprias, uma contestação à igreja: ao defenderem 
o direito do pobre, ao resistirem à ostentação de poder e riqueza 
eclesiástica, ao se preocuparem com a espiritualidade do povo, ao 
abrirem acesso à Palavra de Deus, e assim por diante.
Mas também é verdade que todos foram homens e mulheres (visto que 
alguns movimentos, como o dos franciscanos, acolheram mulheres) 
de seu tempo, atendendo a demandas muito peculiares. E, como tais, 
tiveram suas limitações, que nos impedem de os associar diretamente à 
Reforma do século XVI. Indiretamente, porém, plantou-se uma semente, 
preparou-se um terreno.
O Espírito de Deus age na história de maneira irreverente e revolucionária, 
escolhendo seres humanos como agentes, ultrapassando as barreiras 
estruturais e institucionais com o dinamismo e a força que fazem do 
Evangelho do Reino de Deus, um vinho novo que sempre transborda dos 
velhos odres para uma nova geração atenta aos propósitos divinos e 
disposta a cumprir sua missão.
| História do cristianismo I | FTSA110
Assista os 25 minutos fi nais do fi lme: John Huss – o mártir. 
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=74TH8mAGijM
Exercício de reflexão
Após assistir o vídeo de John Huss, como pode ser caracterizada a 
fé de um pré-reformador (máximo de 200 palavras) Acesse o AVA 
para fi nalizar o exercício e veja a reação!
Considerações fi nais
Diante de um quadro religioso e teológico que não mais se fundamentavam 
nas escrituras bíblicas como única regra de fé e prática, surgiram 
movimentos de reforma dentro da própria igreja medieval, antes mesmo 
da Reforma Protestante que viria a ocorrer no século XVI.
Como vimos, desde meados do século XII, movimentos que brotaram 
da periferia da igreja institucional começaram, através da pregação e, 
sobretudo, do estilo de vida que passaram a imprimir, a ser considerados 
movimentos de contestação à ordem estabelecida. Começando pela 
iniciativa de pessoas como Domingos, Francisco, Valdo, Huss, Wycliff, 
dentre outros, conhecidos ou anônimos, vimos que surgiram aqui e acolá 
genuínas buscas por servir a Deus e a seu reino em meio ao governo 
temporal da igreja (que muitas vezes militou contra o próprio reino). 
Dentre os movimentos pré-reformadores, destacam-se os Cátaros ou 
Albigenses (na França), no século XII; os Valdenses (na França e Itália), nos 
séculos XII e XIII; os movimentos liderados por John Wiclyff na Inglaterra, 
no século XIV, e Jonh Huss, na Boêmia, no século XV. Todos esses 
tiveram em comum o anseio de mudanças e restauração de princípios 
teológico-doutrinários apostólicos. Desse modo, por exemplo, traduziram 
e leram a Bíblia em suas próprias línguas; prestaram cultos e buscaram 
111História do crist | FTSA | 
a Deus sem a mediação sacerdotal ou institucional; vivenciaram uma 
espiritualidade simples, leiga, carismática; questionaram a supremacia 
papal e o valor das obras como meios de salvação; desenvolveram uma 
missão de forma integral, preocupando-se com os necessitados, lutando 
por construir um mundo mais justo e igualitário.
Referências
BOSCH, David. Missão transformadora. Mudanças de paradigma na teologia 
da missão. São Leopoldo: EST; Sinodal, 2002.
BOFF, Leonardo. São Francisco de Assis: ternura e vigor. Petrópolis, RJ: 
Vozes, 2002.
CAIRNS, Earle. O cristianismo através dos séculos. São Paulo: Vida Nova, 
1995.
CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado. Organização e marketing de um 
empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.
DELUMEAU, Jean. As grandes religiões do mundo. Lisboa: Editorial Presença, 
1999.
DREHER, Martin N. A Igreja no mundo medieval. S. Leopoldo: Sinodal, 1994. 
GONZALEZ, Justo. A era das trevas. São Paulo: Vida Nova, 1988.
GONZALEZ, Justo. A era dos mártires. São Paulo: Edições Vida Nova, 1992. 
VAUCHEZ, André. A espiritualidade na Idade Média Ocidental. Séculos VIII a 
XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
NOUWEN, Henri. A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo.
3ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
VV.AA. A Palestina no tempo de Jesus. S. Paulo: Paulinas, 1983. 
WALKER, W. História da igreja cristã. Vols. I, II. Rio de Janeiro: JUERP, 1981.
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200

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