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EXERCÍCIO FÍSICO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever o papel do sistema endócrino nos efeitos agudos e crônicos do exercício físico. > Estabelecer a relação entre a idade e o efeito fisiológico do exercício físico. > Identificar a influência do tempo e da intensidade do exercício nas respostas fisiológicas da criança e do adolescente. Introdução As crianças e os adolescentes obtêm inúmeros benefícios ao praticar atividades físicas, que, nessas fases da vida, podem se manifestar como brincadeiras, jogos, danças, elementos da educação física escolar e como prática sistematizada. O exercício físico realizado de forma crônica, organizada e direcionada a objetivos específicos caracteriza o treinamento físico. Do ponto de vista fisiológico, cada vez mais a literatura indica que o treinamento físico baseado em princípios norteado- res cientificamente reconhecidos — como o da sobrecarga, o da individualidade biológica, o da adaptação, o da continuidade, entre outros — oferece muitos benefícios também para crianças e adolescentes. Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência Leonardo Mateus Teixeira de Rezende Neste capítulo, você vai conhecer os aspectos fisiológicos do exercício físico aplicado para a população infantojuvenil, verificando como a manipulação das variáveis do exercício físico pode impactar as respostas fisiológicas. Sistema endócrino em foco A prática de exercícios físicos impõe um desafio para a homeostasia corporal, de forma que deverão ser realizados inúmeros ajustes a fim de atender ao aumento da demanda energética, à regulação da frequência cardíaca e da temperatura corporal, entre outros. Todo esse rearranjo direcionado a suprir as necessidades impostas pelo exercício físico é comandado pelo sistema neuroendócrino. É importante ressaltar que o exercício vai impor desafios de forma aguda e crônica, ou seja, além dos já mencionados ajustes voltados a atender às demandas urgentes, o exercício tem consequências relacionadas ao somatório de sessões realizadas, o que caracteriza o processo de treina- mento (POWERS; HOWLEY, 2009). O sistema endócrino atua em conjunto com o sistema nervoso no pro- cesso de coordenação e regulação das atividades orgânicas direcionadas à manutenção da homeostasia corporal (MARIEB; HOEHN, 2008). Ao passo que o sistema nervoso exerce suas funções básicas por meio de sinalização elétrica, conduzida via neurônios, o sistema endócrino realiza suas atividades mediante efeitos biológicos produzidos por sinalização hormonal, sendo os hormônios mensageiros químicos liberados após estímulos específicos (AIRES, 2012). O sistema endócrino é fundamental em todas as etapas da vida, mas convém ressaltar que, durante a infância e a adolescência, ele é determinante na regulação de processos significativos do crescimento e do desenvolvimento, que indicam as transformações em termos quantitativos (p. ex., ganho de estatura e peso) e qualitativos (p. ex., desenvolvimento de habilidades motoras básicas). As funções do sistema endócrino são exercidas por meio de um fluxo de informações iniciado na célula secretora, responsável por sintetizar e liberar o hormônio, que poderá circular por todo o organismo, mas será capaz de interagir com um tipo específico de receptor. Esse receptor estará acoplado a uma célula-alvo e deverá reconhecer e interpretar as informações carregadas pelos hormônios (AIRES, 2012). Para o devido reconhecimento dos mensageiros químicos, as células-alvo precisam ter receptores específicos, formando um sistema ligante/receptor no momento da interação. Importa salientar que os hormônios podem se ligar a diversos tipos de receptores em diferentes tipos Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência2 de órgãos e tecidos, contudo cada tipo de receptor apresenta propriedades particulares, que vão disparar uma resposta específica ao ocorrer a interação com o agente sinalizador (HALL; GUYTON, 2017). A ação hormonal vai modificar a atividade metabólica das células-alvo. Os hormônios são divididos entre lipossolúveis (solúveis em lipídios) e hidros- solúveis (solúveis em água). Os hormônios lipossolúveis têm a capacidade de adentrar na célula, o que lhes permite exercer suas funções diretamente no meio intracelular. Já os hormônios hidrossolúveis não são capazes de entrar no meio interno celular, e isso exige que eles se liguem com receptores mem- branares, o que se dá especificamente por meio de moléculas sinalizadoras conhecidas como “proteínas G”, que atuam como segundo mensageiro. A interação entre hormônio e receptor vai acionar uma sequência de ações pré-estabelecidas geneticamente, e, sendo assim, os hormônios servirão como agentes de disparo desses eventos posteriores. Contudo, existem alguns fatores que influenciam a ação iniciada pela sinalização hormonal (MARIEB; HOEHN, 2008). O disparo e a intensidade da resposta à interação entre hormônio e receptor dependerão da concentração hormonal na corrente sanguínea, do número de receptores para esse mensageiro e da afinidade entre hormônio e receptor (HALL; GUYTON, 2017). Assim, a resposta será disparada com maior força e efetividade quando houver maior concentração hormonal na corrente sanguínea e um número suficiente de receptores para se ligarem a esses mensageiros. Além disso, quanto maior for a afinidade entre mensageiro e receptor, maior será a força da resposta ao estímulo iniciado (AIRES, 2012). A concentração do hormônio no plasma tem relação direta com a velo- cidade em que ele é metabolizado. Um conceito importante para o estudo do sistema endócrino é o de meia-vida da atividade hormonal. A meia-vida é o período em que acontece a metabolização/excreção de um hormônio pela metade, e essa propriedade indica o período em que o efeito desse hormônio acontece na célula-alvo. Por exemplo, estima-se que a meia-vida da adrenalina é de aproximadamente 3 minutos, ao passo que a dos hormônios tireoidianos pode variar de 70 minutos a alguns dias (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). A composição dos hormônios e o tipo de ação que eles desempenham são alguns dos fatores que determinam a meia-vida. Atualmente o sistema hormonal apresenta divisões conceituais em função do local de ação do sinalizador biológico. Essas divisões são apresentadas a seguir, de acordo com Costanzo (2015). Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 3 � Endócrino: o hormônio é liberado na corrente sanguínea e exerce suas funções em uma célula-alvo distante (Figura 1). � Parácrino: o hormônio exerce sua função localmente, em células vizi- nhas da glândula secretora. � Autócrino: o hormônio tem ação sobre a própria célula secretora. Figura 1. Secreção hormonal na corrente sanguínea e endereçamento à célula-alvo. Fonte: Adaptada de Aires (2012). O corpo humano tem muitas estruturas, órgãos e tecidos que atuam como órgãos endócrinos. A liberação da maioria dos hormônios acontece por meio de um sistema de feedback negativo. Nesse modelo, os hormônios são produzidos e liberados até que exerçam suas atividades e produzam os efeitos nos órgãos-alvo. Após o cumprimento das funções, ocorre a sinalização para redução da produção e liberação desses hormônios, que, então, serão retirados da corrente sanguínea. São importantes órgãos com ação endócrina no corpo humano a pineal, o hipotálamo, a hipófise, a tireoide, as paratireoides, o timo, as suprarrenais, o pâncreas, o ovário (em mulheres) e o testículo (em homens), cuja localização é indicada na Figura 2, além das gônadas, do tecido adiposo, entre outros (MARIEB; HOEHN, 2008). Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência4 Figura 2. Importantes órgãos endócrinos. Fonte: Adaptada de Marieb e Hoehn (2008). Cada um desses órgãos será responsável por sintetizar e liberar mensa- geiros químicos com ações altamente específicas. A seguir, vamos descrever a açãode algumas dessas estruturas. Hipotálamo O hipotálamo está localizado no sistema nervoso central e é responsável por inúmeros processos de regulação fisiológica, atuando em processos regulatórios tanto do sistema nervoso quanto do sistema endócrino. Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 5 Quanto às funções endócrinas, o hipotálamo atua em conjunto com a glândula hipófise para controlar várias estruturas, como a tireoide e as gônadas (AIRES, 2012). Os hormônios hipotalâmicos enquadram-se em dois grupos: hormônios liberados na circulação porta-hipofisária e hormônios liberados na circulação sistêmica. O primeiro grupo tem como função primordial a regulação da produ- ção e da liberação dos hormônios hipofisários. Já o segundo é responsável por ações diversas nos órgãos e tecidos corporais, como o estímulo para a síntese do hormônio luteinizante (LH, do inglês luteinizing hormone) e do hormônio folículo-estimulante (FSH, do inglês follicle-stimulating hormone), que, em conjunto, iniciarão os processos relativos à puberdade (HALL; GUYTON, 2017). Os eventos disparados por esse hormônio, bem como as consequências da puberdade serão abordados adiante, na seção “Sistema endócrino e eventos da puberdade”. Hipófise Localizada imediatamente abaixo do hipotálamo, a hipófise é uma estrutura pequena (do tamanho de uma ervilha) que pode ser dividida em duas porções principais: a adeno-hipófise (hipófise anterior) e a neuro-hipófise (hipófise posterior). A hipófise se liga ao hipotálamo por meio do infundíbulo, e existe, ainda, uma rede vascular chamada “porta-hipofisária” que possibilita a co- nexão direta entre essas estruturas (MARIEB; HOEHN, 2008). Tendo sua ação regulada pelos hormônios hipotalâmicos, a adeno- -hipófise secreta hormônios que exercem funções diversas no organismo, como o crescimento — por meio do hormônio de crescimento (GH, do inglês growth hormone) e dos fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGFs, do inglês insulin-like growth factor), cuja ação será estudada adiante (HALL; GUYTON, 2017). Por sua vez, a neuro-hipófise não é capaz de sintetizar hor- mônios, mas ela armazena dois hormônios sintetizados pelo hipotálamo: a ocitocina e o hormônio antidiurético (ADH, do inglês antidiuretic hormone). A ocitocina tem grande importância na geração de contrações uterinas durante o parto, ao passo que o ADH tem sua ação direcionada para a redução da produção de urina, o que acontece por meio da retenção líquida nos rins. A prática de exercício físico pode induzir a secreção do ADH, principalmente quando houver grande perda hídrica induzida pela sudorese. Nesse caso, o aumento da concentração de ADH objetiva promover a retenção de água, evitando que se entre em um quadro de desidratação (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência6 Glândula pineal A glândula pineal tem função importante na geração e no controle dos ritmos circadianos — que corresponde à flutuação de variáveis fisiológicas em asso- ciação ao ambiente geofísico externo ao corpo —, sendo o principal deles o ciclo dia/noite (AIRES, 2012). Isso acontece porque a pineal sintetiza e libera um hormônio conhecido como “melatonina”, cuja produção é estimulada pela ausência de luminosidade, que ocorre à noite, coincidindo com o período de descanso. Assim, esse hormônio é fundamental para induzir o sono, reduzir a atividade metabólica e estimular o estabelecimento de diversas ações reparadoras que ocorrem durante esse período (HALL; GUYTON, 2017). A ação do exercício físico sobre a síntese e a liberação de melatonina é inconclusiva. Contudo, sabe-se que a noradrenalina tem efeito estimulador para a produção de melatonina e que o exercício físico promove um aumento da atividade simpática e, consequentemente, da liberação de noradrenalina. Desse modo, há uma hipótese de que a atividade simpática aumentada pelo exercício exerce um efeito positivo na produção e na liberação de melatonina pela glândula pineal (BROWNSTEIN; AXELROD, 1974). Tireoide A tireoide está localizada anteriormente à traqueia e tem forma de borboleta (MARIEB; HOEHN, 2008). As funções da glândula tireoide estão sob controle do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano, e a regulação dos processos por ela exercidos acontece por meio de feedback negativo. A tireoide é responsável pela produção do hormônio tireoestimulante (TSH, do inglês thyroid-stimu- lating hormone), induzindo a produção dos hormônios tri-iodotironina (T3) e tiroxina (T4), que, por sua vez, regulam funções/processos importantes, como o controle da temperatura corporal, do metabolismo basal, da frequência cardíaca, dos movimentos intestinais, dos ciclos menstruais, entre outros. Você pode perceber, portanto, que a tireoide é determinante na regulação de funções corporais de diversos órgãos e sistemas, o que lhe atribui grande importância do ponto de vista fisiológico. A prática regular de exercício físico promove o aumento da produção de TSH, e os níveis aumentados desse hor- mônio por diversos dias vão promover um aumento tardio dos hormônios T3 e T4. Essa resposta se deve à maior demanda energética imposta pela prática regular de exercício físico e à contribuição dos hormônios tireoidianos para a elevação do metabolismo e, consequentemente, para a aceleração das vias metabólicas responsáveis pela ressíntese de energia (CILOGLU et al., 2005). Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 7 Pâncreas Localizado na região abdominal, o pâncreas é responsável pela síntese e pela liberação dos hormônios responsáveis pelo controle glicêmico: a insulina e o glucagon, cuja produção acontece, respectivamente, nas células beta (β) e alfa (α) das ilhotas de Langerhans. Os efeitos desses hormônios são antagônicos: a insulina tem ação hipoglicêmica, ao passo que o glucagon, hiperglicêmica (AIRES, 2012). O glucagon age de forma mais direta no fígado, promovendo a glicogenólise (quebra do glicogênio em glicose) e a posterior liberação de glicose na corrente sanguínea. Sua ação é estimulada quando é detectada baixa concentração de glicose sanguínea. Já a insulina tem ação direcionada à redução dos níveis plasmáticos de glicose, o que acontece principalmente após as refeições. Ela aumenta o transporte de glicose através das membranas plasmáticas para o interior das células, para posterior uso como combustível energético (HALL; GUYTON, 2017). Durante o exercício físico agudo com intensidade crescente, há a redu- ção da concentração de insulina plasmática. Isso ocorre porque o exercício promove o aumento da captação de glicose e dos ácidos graxos livres — prin- cipalmente na musculatura em atividade —, o que diminui a necessidade de ação da insulina durante a atividade. Outro fator que contribui para maior captação de glicose durante o exercício físico é o alto volume sanguíneo direcionado para a musculatura em atividade. Além disso, o exercício físico, de forma aguda e crônica, induz um aumento da sensibilidade dos receptores membranares à insulina, de forma que uma menor quantidade de insulina é necessária para direcionar o influxo de glicose no meio intracelular. Perceba que, se acontecesse a combinação de exercício e ação normalizada da insulina, provavelmente seria instalado um estado de hipoglicemia, em função de um volume de captação de glicose muito alto. Em contraponto, a concentração de glucagon aumenta durante o exercício físico, o que favorece a mobilização de ácidos graxos livres do tecido adiposo e de glicose do fígado. Esse cenário promove a manutenção da concentração plasmática de glicose, bem como possibilita o adequado fornecimento de substrato energético para os músculos em atividade (POWERS; HOWLEY, 2009). Sistema endócrino e eventos da puberdade O sistema endócrino é o grande agente condutor dos processos de crescimento e desenvolvimento na infância e do disparo dos eventos maturacionaisque Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência8 acontecem na puberdade (AIRES, 2012). Até aproximadamente 12 anos de idade, os grandes responsáveis pelo crescimento das crianças são os hormônios GH e IGF-1, cujos efeitos são complementados com a ação dos hormônios sexuais (estrógenos e progesterona para as meninas e testosterona para os meninos). Esse arranjo endócrino vai disparar o fenômeno da puberdade, que afetará de forma significativa a aptidão para o exercício dos jovens adolescentes, promovendo, aliás, distinções evidentes entre meninos e meninas. O hipotálamo desempenha papel central no disparo da puberdade, o que acontece pela síntese e liberação do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH, do inglês gonadotropin-releasing hormone). A liberação do GnRH induz a produção de LH e FSH pelas gônadas, que, por sua vez, estimularão a produção dos hormônios sexuais. Esses eventos endócrinos vão acarretar modificações morfológicas e funcionais nos adolescentes. Por exemplo, as meninas apresentam a menarca, o desenvolvimento das mamas e o acúmulo de gordura corporal, ao passo que os meninos sofrem alteração na voz e desenvolvimento da massa muscular. O acompanhamento do estágio de maturação dos adolescentes pode ser feito por meio do estadiamento da maturação sexual. Um método de avaliação do desenvolvimento púbere é a escala de Tanner, um instrumento que apresenta cinco estágios maturacio- nais para avaliar o desenvolvimento das características sexuais secundárias (TANNER, 1962). A puberdade promove modificações que impactam diretamente o de- sempenho físico de meninos e meninas. Os hormônios sexuais estrogênio e testosterona vão induzir um acúmulo de gordura e um aumento da massa muscular nas meninas e nos meninos, respectivamente. Sabe-se que existe relação direta entre massa muscular e geração de força, consumo máximo de oxigênio, entre outras variáveis importantes para o desempenho. Sendo assim, após os fenômenos da puberdade, é comum observar maior desem- penho aeróbico e anaeróbico nos meninos em comparação com as meninas (ROWLAND, 2008). Respostas do exercício físico ao sistema endócrino A prática de uma sessão de exercício físico gera um estresse fisiológico agudo, rompendo a homeostase orgânica. É importante ressaltar que isso corresponde a uma perda momentânea do equilíbrio, pois rapidamente serão realizados ajustes fisiológicos direcionados ao alcance de um estado estável dentro da nova realidade imposta pelo exercício físico (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Para tanto, o sistema neuroendócrino dispara uma Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 9 série de respostas voltadas a suprir as demandas energéticas dos músculos em atividade e para a manutenção das funções biológicas dos sistemas corporais. Ao se iniciar o exercício físico, imediatamente serão necessários ajustes bioenergéticos visando à ressíntese de adenosina trifosfato (ATP, do inglês adenosine triphosphate), moeda energética corrente do organismo, e a con- sequente manutenção do suprimento energético para a musculatura em atividade. O tipo de exercício realizado vai determinar qual via metabólica se manterá predominantemente ativa durante a prática: em atividades mais intensas, predominam as vias anaeróbicas alática e lática; já em atividades moderadas de maior duração, há a predominância da via metabólica aeróbica. Para atender ao metabolismo aumentado, acontecem ajustes orgânicos, como aumento da frequência cardíaca, do volume de ejeção e da temperatura corpo- ral. Além disso, é observada ação endócrina sobre o metabolismo energético, como, por exemplo, a redução da concentração de insulina e o aumento do glucagon, o que já foi explicado na seção sobre o pâncreas. O cortisol é um hormônio glicocorticoide que estimula a mobilização de ácidos graxos livres e de proteínas teciduais para possibilitar o processo de gliconeogênese, isto é, a produção de glicose no fígado (HALL; GUYTON, 2017). Durante uma sessão de exercício, o cortisol exerce um efeito permissivo sobre a mobilização de substratos, deixando que outros hormônios de ação rápida atuem na mobilização de ácidos graxos livres e da glicose. O GH, apesar de ser um hormônio importante na síntese tecidual, também atua na mobiliza- ção de substratos energéticos. Ele promove a preservação da concentração plasmática de glicose por meio do aumento da mobilização de ácidos graxos para o processo de gliconeogênese. Descrever a ação do cortisol e do GH durante o exercício não é tarefa simples, pois eles respondem a uma ampla variedade de situações de estresse. Ambos são considerados hormônios de ação lenta e têm atuação aumentada em resposta ao aumento da intensidade do esforço (POWERS; HOWLEY, 2009). As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) são hormônios de ação rápida que, durante o exercício, contribuem na mobilização de glicose no fígado e de ácidos graxos nos adipócitos (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Durante a prática de exercício físico, haverá uma estimulação simpática local, que direcionará a liberação das catecolaminas, que, por sua vez, vão exercer atividade de estimulação metabólica e contribuir para os ajustes Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência10 cardiovasculares ao esforço e para a mobilização de substrato energético. Contudo, vale ressaltar que crianças e adolescentes apresentam menor disponibilidade de catecolaminas frente aos estímulos, assim como menor responsividade a elas (NEGRÃO; BARRETO, 2010). Por exemplo, a força de contração do coração aumenta de forma menos intensa nas crianças após um estímulo simpático. Então, você pode notar que o exercício físico realizado de maneira aguda induz a mobilização e a liberação de hormônios como o glucagon, a adrenalina, a noradrenalina, o GH, entre outros. O principal objetivo da ação conjunta de hormônios e de toda a maquinaria fisiológica durante a prática de exer- cício físico é a manutenção do suprimento energético para os músculos em atividade e a manutenção das atividades orgânicas corporais. Além disso, após o encerramento da prática, é necessária a recondução das variáveis fisiológicas para os valores de repouso, objetivando a homeostase (p. ex.: a redução da frequência cardíaca, da pressão arterial, da ventilação pulmonar e da temperatura corporal, a retirada do lactato, etc.). A repetição de forma sistemática de várias sessões de um modelo de exercício caracteriza a prática crônica dessa modalidade. O treinamento aeróbico induz uma diminuição das respostas das catecolaminas ao exercício físico, de modo que, em apenas três semanas, é possível observar a redução da concentração de adrenalina e noradrenalina. Ao mesmo tempo, há redução da necessidade de mobilização de glicose, pois o músculo se torna capaz de exercer a mesma atividade com menor aporte de substrato energético. Além disso, durante um estímulo muito intenso, indivíduos treinados são capazes de secretar maior quantidade de adrenalina se comparados aos não treina- dos. Essas alterações indicam que o processo de treinamento físico impõe modificações fisiológicas na relação entre produção/liberação hormonal e manutenção do fornecimento energético, tornando o processo mais efetivo (POWERS; HOWLEY, 2009). Assim como as catecolaminas, ocorre a redução da liberação de glucagon no indivíduo treinado. Isso acontece porque o treinamento aeróbico induz um aumento da sensibilidade do glucagon no fígado e a priorização das gorduras como substrato energético. O treinamento também promove maior sensibi- lidade à insulina para os receptores acoplados nas membranas celulares e, sendo assim, pode contribuir de forma significativa no combate à diabetes melito (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 11 Você pode perceber, portanto, que o treinamento, ou seja, o exercício de forma crônica, ofereceuma maior eficiência na resposta e na ação hormonal. Uma vez que geralmente pouco é modificado em termos de síntese e libera- ção dos hormônios, a eficiência aumentada se dá em função de uma maior sensibilidade das células-alvo aos hormônios. Ao tratar de treinamento e sistema endócrino, convém observar o com- portamento do GH. Sabe-se que o GH é fundamental no processo de divisão e proliferação celular, e o exercício físico estimula o aumento da amplitude do pulso do GH, que, por sua vez, induz uma maior síntese proteica e, conse- quentemente, um maior crescimento muscular, ósseo e do tecido conjuntivo (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Sendo assim, as ações do sistema endócrino são impactadas pelo exer- cício físico realizado tanto de forma aguda quanto de maneira crônica. Em resumo, quando realizado de modo agudo, o exercício vai impor uma des- regulação homeostática em que os sistemas fisiológicos buscam atender à demanda energética aumentada, à regulação da temperatura corporal, entre outros fatores. Além disso, após o encerramento da prática, é necessário conduzir o retorno das variáveis fisiológicas aos níveis basais. Por sua vez, a realização de exercício de forma crônica e sistematizada (o que caracte- riza o treinamento) vai exigir o aprimoramento funcional e estrutural dos sistemas fisiológicos, sendo o sistema neuroendócrino fundamental nesse processo, pois contribui, por exemplo, para a síntese proteica aumentada, a biogênese mitocondrial e a melhora da capacidade oxidativa, culminando na melhora do desempenho. Idade e aspectos fisiológicos relacionados à prática de exercício físico A prática regular de exercícios físicos se mostra positiva para crianças e adolescentes, pois otimiza os processos de crescimento e desenvolvimento, promove melhoras do funcionamento cardiovascular, contribui para a manu- tenção da massa e a composição corporal, etc. (BACIL et al., 2015). Também é sabido que a manutenção de um estilo de vida ativo durante a fase inicial da vida pode reverberar em benefícios que se estendem para a vida adulta. Por exemplo, o efeito osteogênico (síntese de tecido ósseo) do exercício físico é bastante efetivo e contribui para o crescimento da criança e do adolescente, podendo, ainda, reduzir o risco de fratura nas fases subsequentes da vida adulta (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). É preciso apontar que os princípios Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência12 gerais que determinam as respostas do organismo ao exercício físico são semelhantes para crianças e adultos. Contudo, crianças e adolescentes têm características morfológicas, maturacionais e fisiológicas próprias que pre- cisam ser consideradas, de forma que o exercício para essa população não deve ser pensado como se crianças e adolescentes fossem versões reduzidas de um adulto (ROWLAND, 2008). Existem diferenças claras na resposta de crianças/adolescentes e adultos aos exercícios físicos. Em exercícios aeróbicos que envolvam sustentação corporal, as crianças necessitam de maior aporte de oxigênio para transportar seu peso corporal em comparação com os adultos, pois elas apresentam consumo de oxigênio cerca de 10% a 30% mais alto que o dos adultos em atividades submáximas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Isso se dá porque as crianças têm uma maior razão da área de superfície corporal pela massa corporal (isto é, área da superfície corporal / massa corporal). Além disso, dada a menor amplitude dos seus passos, as crianças precisam de maior frequência de passadas para percorrer uma distância percorrida com me- nos passos por um adulto. Esses fatores contribuem para que as crianças apresentem menor economia de movimento em comparação com os adultos para uma mesma atividade. A economia de movimento se refere ao consumo de oxigênio necessário para a realização de uma determinada atividade submáxima. Um indiví- duo que realiza determinada atividade com menor consumo de oxigênio apresenta melhor economia de movimento (DENADAI, 1996). No entanto, a economia de movimento durante a corrida melhora de maneira uniforme dos 10 aos 18 anos, indicando que realmente existe uma relação direta entre a idade e a economia de movimento durante a infância e a adolescência (KRAHENBUHL, 1989). De forma global, as respostas cardiovasculares frente aos estímulos são diferentes nas crianças em comparação com os adultos (PRADO; DIAS; TROMBETTA, 2005). Isso se deve a diferenças na forma e na função dos compo- nentes do sistema cardiovascular e de distinções endócrinas e metabólicas. As crianças têm um menor volume das câmaras cardíacas, bem como menor volume sanguíneo, o que impacta diretamente a frequência cardíaca. Sendo assim, para uma mesma intensidade de trabalho, as crianças apresentam uma maior frequência cardíaca (Figura 3a), o que acontece para compensar as particularidades expostas. Ainda, as crianças apresentam menor volume de ejeção sanguíneo após a sístole, devido, em parte, ao menor volume sanguíneo (Figura 3b). Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 13 Figura 3. Diferenças da (a) frequência cardíaca, FC, e (b) do volume sistólico, VS, entre crianças e adultos durante o exercício aeróbico. Fonte: Adaptada de Prado, Dias e Trombetta (2005). Outro fator determinante para essas características é a menor disponibili- dade de catecolaminas circulantes e menor responsividade beta-adrenérgica. No coração adulto, a ativação dos receptores adrenérgicos β1 do tecido car- díaco após estimulação pelas catecolaminas induz um aumento da atividade inotrópica durante o exercício físico, o que significa aumento da força de contração (NEGRÃO; BARRETO, 2010). Como apontado, esse mecanismo é menos responsivo nas crianças, o que contribui para o menor volume de ejeção. O débito cardíaco (Q) é outra variável importante, sendo ele o produto da frequência cardíaca (FC) pelo volume de ejeção (VE), ou seja, Q = FC / VE. O débito cardíaco indica a quantidade de sangue ejetado pelo ventrículo es- querdo a cada minuto. As crianças apresentam menor débito cardíaco durante o exercício físico (Figura 4) em função da combinação da menor capacidade de ejeção sanguínea com o menor volume sanguíneo (ROWLAND, 2008). Após tais Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência14 apontamentos, é importante ressaltar que esses são atributos que não indicam prejuízos cardíacos no público pediátrico, ou seja, são apenas características inerentes a essa fase do desenvolvimento. Outro ponto importante é que as variáveis cardiovasculares podem — e muitos autores apontam que devem — ser analisadas a partir de uma relativização pela massa corporal, o que igualaria muitas dessas respostas àquelas observadas nos adultos (ROWLAND, 2008). Figura 4. Diferenças do débito cardíaco (DC) entre crianças e adultos durante o exercício aeróbico. Fonte: Adaptada de Prado, Dias e Trombetta (2005). Um ponto interessante a ser observado é a relação entre capacidade aeróbica e anaeróbica das crianças. Podemos apontar como determinantes de uma alta capacidade aeróbica a prevalência de fibras musculares do tipo I, uma maior densidade mitocondrial e uma maior disponibilidade de enzimas oxidativas (PRADO; DIAS; TROMBETTA, 2005). Já a capacidade anaeróbica, ou glicolítica, é determinada por quantitativo de fibras musculares do tipo II, disponibilidade de glicogênio muscular e atividade de enzimas glicolíticas (PRADO; DIAS; TROMBETTA, 2005). É interessante notar que, em geral, as crianças apresentam um perfil direcionado a melhor desempenho oxidativo em relação ao glicolítico, o que acontece pela incidência dos fatores que favorecem as práticas aeróbicas. Além disso, as crianças têm menor estoque de glicogênio intramuscular (NEGRÃO; BARRETO, 2010). O processo de crescimento e desenvolvimento levará ao aumento da massa muscular das crianças e dos adolescentes. Isso vai acarretar um aumento progressivo da capacidade máxima deconsumo de oxigênio (VO2máx). Como consequência, haverá um aumento linear da capacidade aeróbica ao longo da idade, principalmente nos meninos. Quanto à potência anaeróbica, ela aumenta em proporção maior do que o aumento da massa muscular, o que Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 15 evidencia uma influência dos aspectos maturacionais, sobretudo o efeito da maturação hormonal imposta pela puberdade. Vale ressaltar que não existem diferenças na potência aeróbica entre meninos e meninas até a puberdade, momento a partir do qual os meninos passam a apresentar um desenvolvimento acelerado dessa capacidade. Nesta seção, você pôde compreender que existe relação direta entre idade e desempenho físico durante a infância e a adolescência. Como vimos, isso acontece porque o fenômeno da puberdade induz alterações fisiológicas e morfológicas que afetam a composição corporal, a capacidade de gerar força, a morfologia e a função cardiovascular, entre outros aspectos fisiológicos relevantes. Portanto, o envelhecimento, sobretudo nas duas primeiras décadas de vida, é fator determinante para a indução de modificações biológicas que afetam as respostas fisiológicas ao exercício físico. Modelo de exercício e respostas fisiológicas da criança e do adolescente Ao se analisar o suprimento energético durante o exercício físico agudo, devem-se levar em consideração muitos fatores, entre os quais estão a in- tensidade e a duração da atividade, bem como a dieta e a aptidão física do praticante (POWERS; HOWLEY, 2009). No início de qualquer atividade física e durante o exercício de alta intensidade, haverá maior oxidação de carboi- dratos. Já no exercício de moderada intensidade e maior duração, haverá predominância da oxidação de lipídios no fornecimento de energia. Tendo em conta a alta contribuição dos carboidratos nos momentos iniciais do exercício e durante a atividade de alta intensidade, o processo de reposição desse substrato é fundamental, sendo a atividade hormonal crucial nesse processo (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Além de determinar a via metabólica ativa e o substrato utilizado para geração de energia, o modelo de exercício ou o tipo de estímulo aplicado vai indicar os tipos de benefícios crônicos adquiridos pelas crianças e pelos adolescentes. Classicamente o treinamento aeróbico promove modificações como o aumento do consumo máximo de oxigênio (VO2máx), da capacidade de ejeção sanguínea pelo ventrículo esquerdo e do débito cardíaco, além da redução da frequência cardíaca de repouso e da diferença arteriovenosa, entre outros. Por sua vez, o treinamento resistido induz adaptações como hipertrofia muscular e ganho de força e de resistência (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). O treinamento resistido (ou treinamento de força) é aquele no qual o músculo é submetido a uma tensão causada por algum tipo de resistência Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência16 (POWERS; HOWLEY, 2009). Todavia, é muito importante apontar que o exercício resistido pode ser colocado em prática de diversas maneiras: utilizando hal- teres e polias para impor sobrecarga, utilizando o peso corporal, utilizando elásticos de resistência variável, entre outros. Cabe ao profissional entender as características do público-alvo e escolher o melhor método de aplicação e controle do treinamento resistido. Durante muito tempo, condenou-se o uso de treinamento resistido para crianças, sob a justificativa de que a sobre- carga musculoesquelética seria prejudicial para o processo de crescimento e de maturação biológica. Contudo, evidências têm mostrado que a prática de exercícios resistidos, sob supervisão, focados principalmente em ações musculares concêntricas, utilizando cargas mais baixas e um maior volume de repetições, pode ser benéfico para o ganho de força, sem causar nenhum tipo de dano colateral a crianças e adolescentes (FROIS et al., 2014). Existem recomendações para o uso do treinamento resistido para crianças e adolescentes de acordo com a idade cronológica, como apresentado a seguir, conforme Rowland (2008). � Até os 7 anos de idade: recomenda-se utilizar exercícios com baixa sobrecarga ou, até mesmo, sem nenhum peso. O que se propõe nesse momento é ensinar para as crianças as técnicas de movimento do exercício utilizando o próprio peso corporal. � Entre 8 e 10 anos: é indicado um aumento gradual do volume de exer- cícios, inclusive com um incremento de carga, porém é necessário grande atenção e monitoramento dos indicativos de estresse fisiológico induzido pelo exercício. � Dos 11 aos 13 anos: propõem-se o aprimoramento das técnicas dos movimentos e a progressão gradativa de carga. � Dos 14 aos 15 anos: esse é o momento de progredir para programas mais avançados de treinamento resistido, acrescentando componentes de especificidade dos esportes e aumento do volume. � Dos 16 anos em diante: espera-se que toda a técnica de movimento esteja consolidada, o que oferece ao praticante uma base importante para as próximas etapas, em que haverá aumento da sobrecarga e do volume de treinamento. Perceba que a progressão do treinamento durante a infância e a ado- lescência deve acontecer de maneira lenta e baseando-se nos princípios da individualidade biológica. A literatura aponta de forma muito notória que o treinamento resistido é eficiente para o ganho de força em crianças Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 17 (FROIS et al., 2014). Entretanto, poucas modificações são observadas sobre a composição corporal, o que pode acontecer em função do perfil hormonal da população pediátrica. Sendo assim, até a puberdade os ganhos de força entre as crianças advêm predominantemente de adaptações neuromusculares que otimizam o processo de recrutamento de unidades motoras (ROWLAND, 2008). Após os fenômenos da puberdade, acontece também o processo de hipertrofia (aumento da secção transversa do músculo) (POWERS; HOWLEY, 2009). Outro ponto de interesse a ser discutido são os efeitos do treinamento resistido sobre o crescimento de crianças e adolescentes. Uma metanálise sobre treinamento de força e crescimento de crianças aponta que não há prejuízo para o crescimento de crianças praticantes do treinamento resis- tido, podendo haver até mesmo um processo de crescimento acentuado das crianças praticantes do treinamento resistido (FROIS et al., 2014). Por sua vez, o treinamento aeróbico é aquele que utiliza predominante- mente o oxigênio nos processos de geração de energia durante a sessão. A capacidade aeróbica é um preditivo de desempenho, mas também de saúde. A principal variável preditiva da capacidade aeróbica é o VO2máx, que repre- senta a capacidade de captar, transportar e utilizar oxigênio nos processos de geração de energia (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Os treinamentos aeróbicos podem ser desenvolvidos de diversos modos, como, por exemplo, corrida, ciclismo, natação, esportes coletivos (futebol, handebol, etc.), entre outros. As principais variáveis a serem controladas dentro da sessão são a intensidade, o volume e a recuperação. Além disso, um programa de treinamento precisa levar em consideração o número de sessões por semana/período estabelecido. Evidências apontam que o número mínimo de sessões de treinamento por semana para promover um aumento do VO2máx em crianças e adolescentes é de duas vezes, e a sua realização com maior frequência leva a aumentos mais proeminentes (BAQUET; PRAAGH; BERTHOIN, 2003). A maioria dos programas de treinamento aeróbico para crianças e adolescentes se apoia em atividades contínuas de moderada intensidade. Para a adesão desse público, um aspecto importante é o uso de estratégias lúdicas que motivem seu engajamento. A intensidade de um programa de treinamento aeróbico pode ser controlada por meio da frequência cardíaca, expressa em batimentos por minuto. O que se propõe é encontrar a frequência cardíaca máxima,e isso pode ser feito de forma muito simples pela fórmula: 208 – (0,7 × idade) (TANAKA; MONAHAN; SEALS, 2001). Em posse da frequência cardíaca máxima, a prescrição pode ser baseada em uma porcentagem desse valor, de acordo com os objetivos pré-estabelecidos. Estudos científicos indicam que o uso de intensidade acima de 80% da frequência Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência18 cardíaca em sessões de exercício com duração de aproximadamente 30 minutos é suficiente para promover melhoras da capacidade aeróbica de crianças e adolescentes (MASSICOTTE; MACNAB, 1974; MAHON; VACCARO, 1989; BAQUET; PRAAGH; BERTHOIN, 2003). O uso de metodologias de treinamento intervalado também funciona para melhorar a aptidão aeróbica de crianças e adolescentes, o que pode ser facilmente implementado por meio das diferentes modalidades esportivas (p. ex., futebol e basquetebol), além de jogos e brincadeiras baseados em aspectos lúdicos e interativos. Contudo, vale ressaltar que o potencial de desenvolvimento da capacidade aeróbica de crianças e adolescentes é natural- mente inferior, em cerca de 15% a 30%, em relação ao dos adultos (ROWLAND, 2008). Isso exige atenção por parte do professor/treinador no planejamento e no controle da sessão de exercício, no sentido de direcionar a prática de fato para o público infantil, em vez de exigir desempenho semelhante ao dos adultos. É muito importante que, ao pensar estratégias de treinamento direcionadas a crianças e adolescentes, o professor/treinador conheça os aspectos fisiológicos que caracterizam essas fases, bem como compreenda os princípios básicos do processo de crescimento e desenvolvimento humano. De forma geral, quando se objetiva a melhora do condicionamento aeróbico, a prescrição deve atentar para variáveis como a duração, a intensidade e a frequência semanal, obedecendo aos princípios gerais de treinamento. Já o treinamento resistido deve ser reali- zado com cargas baixas/moderadas (ou, até mesmo, utilizando apenas o peso corporal) e com aumento progressivo do volume, valorizando o aprimoramento do gesto motor. É importante desmistificar o treinamento de força para crianças e adolescentes, uma vez que o risco de lesões osteomusculares nesse tipo de treinamento é menor do que o oferecido por esportes coletivos de contato. Neste capítulo, você conheceu a importância do sistema endócrino na regulação de diversas variáveis fisiológicas fundamentais para a manutenção da homeostasia corporal, que, como vimos, é rompida com a prática aguda de exercício físico. Isso torna necessária a realização de ajustes fisiológi- cos visando à manutenção do suprimento energético e do funcionamento orgânico em geral. Grande parte desses ajustes é comandada pelo sistema endócrino (em conjunto com o sistema nervoso), como, por exemplo, o au- mento da atividade simpática, por meio da liberação das catecolaminas, a fim de realizar ajustes cardiovasculares ao esforço. Além de contribuir para os ajustes fisiológicos agudos, o sistema endócrino também é importante nas adaptações oriundas da prática sistematizada do exercício físico, ou seja, do treinamento. Por fim, abordamos as principais particularidades das respostas fisiológicas de crianças e adolescentes frente aos estímulos induzidos por diferentes tipos de exercício físico. Efeitos fisiológicos do exercício físico na infância e na adolescência 19 Referências AIRES, M. M. Fisiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. BACIL, E. D. A. et al. Atividade física e maturação biológica: uma revisão sistemática. Revista Paulista de Pediatria, v. 33, n. 1, p. 114-121, 2015. BAQUET, G.; PRAAGH, E.; BERTHOIN, S. Endurance training and aerobic fitness in young people. Sports Medicine, v. 33, n. 15, p. 1127-1143, 2003. BROWNSTEIN, M.; AXELROD, J. Pineal gland: 24-hour rhythm in norepinephrine turnover. Science, v. 184, n. 4133, p. 163-165, Apr. 1974. CILOGLU, F. et al. Exercise intensity and its effects on thyroid hormones. Neuro Eno- crinology Letters, v. 26, n. 6, p. 830-834, 2005. COSTANZO, L. S. Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. DENADAI, B. S. 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