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Vitória Boulhosa Medicina 4P HIV A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é a responsável por causar a síndrome da imunodeficiência adquirida (sida ou aids). É uma doença que leva a uma redução dos linfócitos T CD4+, também chamados de linfócitos T auxiliares ou T helper. Os linfócitos T CD4+ reconhecem antígenos que ficam nas superfícies das células apresentadoras de antígenos, secretam citocinas que estimulam os próprios linfócitos T, os linfócitos B e também ativam os macrófagos. Esses linfócitos exercem um papel central na imunidade adaptativa. A infecção pelo HIV, com consequente redução dessas células, leva o paciente a uma imunossupressão com risco aumentado de diversas infecções. O valor normal da contagem de linfócitos T CD4+ pode variar de 500 a 1.400 células/μL. Com o avançar da doença, esse número vai caindo e, quando chega abaixo de 200 ce ́lulas/μL, o paciente já e ́ classificado como tendo aids. A infecção pelo HIV leva a uma ativação imune persistente dos linfócitos TCD4+ e TCD8+. Como consequência disso, diversos fenômenos imunes podem ocorrer, resultando em um turnover acelerado dessas células, hiperativação dos monócitos, ampliação da apoptose celular, aumento da secreção de citocinas, como IL-6, entre outros. O paciente pode sofrer um envelhecimento precoce decorrente desse processo inflamatório crônico. Diversas doenças estão associadas a esse processo, como as doenças ateroscleróticas, osteopenia, alguns tipos de câncer, diabetes, doenças renais, hepáticas e neurológicas. Agente etiológico É um vírus que possui uma única fita de RNA e possui uma enzima chamada de transcriptase reversa. Como seu nome já diz, ela faz uma “transcrição” ao contrário, ou seja, transforma seu RNA em DNA. Por isso, ele é chamado de retrovírus, fazendo parte da família Retroviridae e da subfamília lentivírus (vírus com período de incubação lento). Essas características fazem com que seja difícil curar a infecção, sendo o controle da replicação viral o tratamento ideal e recomendado até o momento. Esse DNA do vírus entra no núcleo da célula hospedeira e integra-se ao seu DNA. Ou seja, esse vírus vira parte do material genético da pessoa infectada. A partir daí, ele consegue replicar-se e infectar novas células. Estruturalmente, encontramos no seu núcleo a proteína p24, ela é importante para diagnosticar a infecção pelo HIV em alguns testes. Ciclo de replicação Entender o ciclo de replicação viral facilita o entendimento dos antirretrovirais. Transmissão A transmissão do HIV ocorre, principalmente, através de uma relação sexual desprotegida. Outras formas de contágio seriam através de Vitória Boulhosa Medicina 4P exposição com sangue contaminado ou transmissão perinatal. Alguns fatores de risco associados a uma maior transmissão do HIV são: • Carga viral elevada. • Comportamento sexual (o tipo de exposição sexual, quantidade de parceiros e uso ou não de preservativos). • Presença de outras infecções sexualmente transmissíveis (por exemplo, a presença de úlcera genital aumenta cerca de 4 vezes a chance de infecção). Epidemiologia Boletim Epidemiológico de HIV/Aids de 2020 do Ministério da Saúde. No Brasil como um todo, a taxa de detecção de aids vem diminuindo em todas as faixas etárias desde 2013. Ao analisar as regiões separadamente, o Norte, Nordeste e Centro- Oeste apresentaram uma tendência de crescimento dos casos e as regiões Sul e Sudeste registraram uma diminuição. Apesar disso, a maioria dos casos ainda concentra-se principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Em relação ao sexo, desde 2007 vem ocorrendo um aumento na detecção em homens e diminuição em mulheres (aumento da razão entre os sexos). Esse aumento entre os homens ocorre na faixa etária dos 20 aos 29 anos. Entre os homens, aqueles que são homo ou bissexuais são os que predominam dentre as categorias de exposição, superando os heterossexuais. Em gestantes, a taxa de detecção da infecção pelo HIV no Brasil vem aumentando nos últimos anos. Em toda a série histórica, as maiores taxas de detecção são aquelas dos estados do Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Acredita-se que seja pela ampliação e incremento dos testes rápidos usados no período do pré-natal. Todas as outras regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sudeste e Centro- Oeste) também têm essa tendência de aumento. A respeito da mortalidade por aids no Brasil, de 2009 a 2019 houve uma queda no coeficiente de mortalidade, porém, alguns estados da região Norte (Acre, Pará e Amapá) e da região Nordeste (Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba) registraram um aumento desse coeficiente. As principais causas de morte nos pacientes infectados pelo HIV são, em primeiro lugar, as doenças definidoras de aids (tuberculose liderando a lista de causas) e, em seguida, as neoplasias, como o linfoma não- Hodgkin. História natural da doença Quando uma pessoa se infecta com o HIV, caso o tratamento não seja iniciado, a doença segue seu curso. O paciente pode encontrar-se em uma dessas três fases: 1. Infecção aguda, ou fase sintomática inicial, ou síndrome retroviral aguda (SRA). 2. Fase de latência clínica. 3. Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Manifestações clínicas • Infecção aguda: Essa infecção ocorre nas primeiras semanas após a contágio e alguns pacientes podem apresentar o que chamamos de síndrome retroviral aguda (SRA). Seus principais achados são febre, cefaleia, astenia, linfadenopatia, faringite, exantema e mialgia, mas também podem estar presentes perda de peso, náuseas, vômitos e diarreia. O paciente Vitória Boulhosa Medicina 4P com HIV pode apresentar artralgia, mas geralmente é autolimitada. A maioria desses sinais e sintomas desaparece ao longo de 3 a 4 semanas. A SRA é uma doença mono-like, ou seja, semelhante à mononucleose, e deve ser investigada em pacientes com suspeita de mononucleose (aqueles com febre, faringite, linfadenopatia e esplenomegalia). Diagnósticos diferenciais: Mononucleose, toxoplasmose, rubéola, sífilis, hepatite viral. • Fase de latência clínica: Após a infecção aguda, o sistema imune do paciente consegue um “controle parcial” da infecção e a carga viral cai. Nessa fase, o paciente é geralmente assintomático, exceto pela linfadenopatia, que pode persistir após a infecção aguda. Esse período pode durar meses a anos e, com o passar do tempo e uma queda progressiva dos linfócitos, o paciente pode começar a apresentar alguns episódios de infecções bacterianas com mais frequência, como sinusites e pneumonia. A candidíase oral pode aparecer nessa fase e é um marcador precoce de imunossupressão. Ela está associada ao subsequente desenvolvimento da pneumocistose. • Fase sintomática e fase AIDS: Com a evolução da doença em um paciente sem tratamento, chega um momento em que a carga viral volta a subir e seus linfócitos T CD4+ caem bastante. Algumas doenças oportunistas também começam a aparecer. Com isso, podemos dizer que o paciente está com aids. Definimos que o paciente está nessa fase da síndrome da imunodeficiência adquirida caso ele tenha linfócitos TCD4+ < 200 células/ mm3 ou alguma doença definidora de aids, como você pode ver na tabela: *As doenças definidoras de aids mais cobradas em provas são aquelas grifadas em negrito na tabela. A maioria das doenças definidoras de aids é decorrente de infecções oportunistas, porém algumas podem ser decorrentes do próprioHIV, como a nefropatia, que será abordada no livro da nefrologia, e a encefalopatia associada ao HIV. A encefalopatia já foi cobrada em provas. Ela é uma doença demencial, que se caracteriza por um acometimento da memória e da psicomotricidade, sintomas depressivos e desordens motoras. No estudo do líquor, é comum o encontro de proteínas elevadas com uma carga viral do HIV também com níveis aumentados. Diagnóstico Com o objetivo de detectar precocemente o HIV, devemos oferecer a testagem para o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) a todas as pessoas com vida sexual ativa quando comparecerem em consultas de rotina, independentemente da presença de sintomas. Além disso, todo paciente com diagnóstico de tuberculose deve ser testado para HIV, afinal ela é a principal causa de óbito em pessoas vivendo com HIV/aids e o diagnóstico precoce tem um impacto positivo na evolução das duas doenças. Uma vez indicada a investigação da infecção pelo HIV, o diagnóstico é bem simples. Como essa doença traz um impacto grande na vida do paciente, devemos minimizar erros, afinal, resultados falso-positivos podem acontecer na presença de alguma doença autoimune ou na gestação. Como fazemos para reduzir o risco Vitória Boulhosa Medicina 4P desses resultados falso-reagentes? Pedindo sempre dois testes consecutivos. • Testes rápidos: são testes simples, que de forma visual demonstram a ligação do antígeno (que fica grudado na placa) com o anticorpo (que pode estar presente na amostra). Esses exames fornecem o resultado em até 30 minutos. Podem ser realizados fora do ambiente laboratorial, com amostra de sangue obtida por punção digital ou fluido oral. Esses testes ajudaram bastante a ampliar o diagnóstico da infecção pelo HIV, por causa da facilidade de obtenção da amostra. Eles possuem uma janela imunológica que pode variar de 1 a 3 meses, portanto, não são muito sensíveis para detecção de infecção aguda. • Imunoensaios: são testes que também detectam a formação da ligação antígeno- anticorpo. No caso do HIV, o teste pode fazer a busca tanto de anticorpos na amostra quanto de antígenos e, se houver ligação entre eles, dizemos que o teste é reagente. Um exemplo desse teste é o ELISA (do inglês “enzyme- linked immunosorbent assay”), que usa uma enzima que muda a cor da solução do teste, caso haja a ligação antígeno-anticorpo. Esses imunoensaios foram se aperfeiçoando ao longo do tempo e através de “gerações”. Atualmente usamos os imunoensaios de 3a e 4a geração, pois são mais sensíveis e específicos. Os testes de 1a e 2a geração somente detectavam anticorpos da classe IgG. O teste de 3a geração passou a detectar o IgM e o teste de 4a geração, além de detectar anticorpos, detecta simultaneamente o antígeno p24 (aquele que fica no núcleo do vírus, lembra?), reduzindo a janela imunológica para, em média, 15 dias. Esses testes demoram cerca de 4h para serem realizados. Importante: Ao contrário de outras doenças virais, no caso da infecção pelo HIV, a presença do IgM não permite diferenciar uma infecção aguda de uma crônica. Isso acontece porque o IgM pode reaparecer em outros momentos, de forma intermitente, ao longo da infecção. Logo, a presença de IgM reagente em um paciente infectado não significa, necessariamente, uma infecção aguda. • Western blot: Esse teste é bastante usado para confirmar o diagnóstico da infecção pelo HIV, já que é mais específico que os testes prévios. Ele detecta a presença de anticorpos produzidos contra diferentes partes (antígenos) do vírus. Ele funciona da seguinte forma: imagine uma membrana que está impregnada de proteínas do HIV que foram separadas por eletroforese. A amostra de soro ou plasma do paciente é incubada nessa membrana e, se lá houver algum anticorpo contra alguma das proteínas do HIV, ocorrerá a ligação antígeno-anticorpo. Essa ligação é detectada por anticorpos secundários, o que resulta na formação de “bandas” nos locais em que os antígenos estão. Dessa forma, conseguimos saber exatamente contra que antígenos os pacientes apresentam anticorpos. • Teste molecular: Também chamado de carga viral, esse exame é o que detecta a infecção pelo HIV de forma mais precoce. Ele identifica o RNA do vírus, que é o primeiro marcador a aparecer. É um teste útil para ser usado quando não é possível a detecção de anticorpos, como no caso do diagnóstico da infecção pelo HIV em crianças menores de 18 meses (os anticorpos da mãe são adquiridos pelas crianças e podem falsear o resultado). Vitória Boulhosa Medicina 4P Por causa dos diferentes momentos em que esses testes são detectáveis, podemos dividir a infecção pelo HIV em alguns estágios. Logo após a infecção, o paciente entra no período de eclipse. Ele caracteriza-se pela ausência de marcadores virais em amostras de sangue e dura em média 10 dias. A detecção do RNA já marca o início do estágio I, que dura em torno de 7 dias e ele é o único marcador positivo. O estágio II ocorre quando há a detecção de RNA e antígeno p24 com anticorpos ausentes, e o estágio III é quando esses anticorpos são também detectados. Os estágios IV a VI são os que dependem do resultado de western-blot para classificar. Como nunca caíram em provas de Residência, não vale a pena diferenciá-los. Sabendo dos testes disponíveis e que devemos sempre fazer dois exames, podemos fazer as seguintes combinações para diagnosticar a infecção pelo HIV: Tratamento: Em gestantes: Genotipagem: exame para pesquisar resistência viral às medicações. Falha virológica: Com o uso regular da TARV, a carga viral do paciente ficará indetectável em até 6 meses. Caso isso não aconteça, dizemos que estamos diante de uma falha virológica. Além disso, se o paciente estava com uma carga viral indetectável e, em seguida, ela passou a ser detectável, também podemos caracterizar essa situação como falha virológica. A causa mais comum de falha virológica é a má adesão ao tratamento, logo, a primeira conduta a ser feita é orientar essa adesão. Caso o paciente permaneça com o uso irregular da TARV, os níveis séricos desses remédios ficam baixos e são insuficientes para suprimir a Vitória Boulhosa Medicina 4P replicação viral. Isso leva a uma pressão seletiva sobre a população viral, com consequente aparecimento de subpopulações resistentes, inclusive com resistência cruzada a drogas não utilizadas previamente. Chamamos isso de resistência viral adquirida. Seguimento do paciente com HIV/AIDS Logo após o diagnóstico da infecção pelo HIV, devemos iniciar a cascata de cuidado contínuo do paciente. O que isso quer dizer? Que devemos vincular esse paciente a um serviço de saúde e fazer seu seguimento para garantir uma boa adesão ao tratamento com consequente supressão da carga viral. De acordo com o PCDT para Manejo da Infecção pelo HIV em adultos, de 2018, do Ministério da Saúde, a vinculação é definida da seguinte forma: “é o processo que consiste no acolhimento, orientação, direcionamento e encaminhamento de uma pessoa recém- diagnosticada com HIV ao serviço de saúde para que ela realize as primeiras consultas e exames o mais brevemente possível e desenvolva autonomia para o cuidado contínuo. O desfecho principal para considerar uma PVHIV (pessoa vivendo com HIV/aids) vinculada é a realização da 1a consulta no serviço de atenção para o qual foi encaminhada e, de preferência, seu início de tratamento o mais rápido possível”. • Na primeira consultamédica de um paciente com HIV, algumas informações específicas devem ser abordadas, como: - Revisar a data do primeiro exame anti-HIV; - Documentação do teste; - Tempo provável de soropositividade; - Situações de risco para infecção; - Presença ou história de doenças oportunistas; - Contagem de CD4+ ou carga viral anterior; - Uso anterior de TARV e eventos adversos prévios; - Compreensão sobre a doença (explicar sobre transmissão, história natural, significado da contagem CD4+, carga viral e TARV). Complicações: Causadas por infecções oportunistas. 1. INFECÇÕES PULMONARES Pneumocistose: é uma das principais infecções oportunistas que acometem o paciente portador de aids. Geralmente, ela manifesta- se quando a contagem de linfócitos T CD4+ está abaixo de 200 células/μL. • Etiologia É causada pelo Pneumocystis jirovecii, um fungo que geralmente infecta o ser humano na infância e pode permanecer latente ao longo da vida e reativar em casos de deficiência da imunidade celular. A transmissão entre indivíduos também pode ocorrer por meio do contato com secreções respiratórias de pessoas que são colonizadas/infectadas pelo fungo. • Quadro clínico Clinicamente, o paciente apresenta-se com uma tosse seca, febre, dispneia e hipoxemia (anote isso, porque é frequente a descrição de dessaturação no enunciado das questões sobre esse assunto). Nos exames laboratoriais, a elevação do lactato desidrogenase (LDH) é bem característica. HIV + dispneia subaguda + hipoxemia = pneumocistose. *É comum a associação de candidíase oral com pneumocistose! Pneumonia bacteriana: A pneumonia adquirida na comunidade é bem mais frequente em pacientes infectados pelo HIV. Essa frequência aumenta com a redução dos linfócitos T CD4+. Não é ao acaso que a pneumonia bacteriana de repetição (pelo menos dois episódios/ano) é uma doença definidora de aids. Para pensar em pneumonia bacteriana, você deve prestar atenção a algumas dicas que a questão vai dar, como o valor dos linfócitos T CD4+, que deve estar acima de 200 cel./mm3, tosse com expectoração amarelo-esverdeada e um quadro de evolução aguda. Tuberculose: A tuberculose é a doença que tem a maior mortalidade dentre os pacientes infectados com o HIV. Desde 1998, Vitória Boulhosa Medicina 4P recomenda-se que todas as pessoas diagnosticadas com tuberculose devam ser testadas para HIV. O contrário também é verdadeiro, nos pacientes com HIV, devemos investigar TB anualmente, através da prova tuberculínica (PT), e, em todas as consultas, questionar sobre a presença de febre, sudorese noturna, emagrecimento e/ou tosse. 2. INFECÇÕES DO SNC Neurotoxoplasmose: A toxoplasmose é uma infecção causada por um protozoário intracelular chamado de Toxoplasma gondii. Pacientes imunocompetentes, quando se infectam, geralmente não desenvolvem a doença, porém, como o protozoário fica latente, em casos de imunossupressão, como a aids, ele pode reativar-se. A possibilidade de reativação pode chegar a até 30% naqueles com sorologia positiva, sem profilaxia adequada e com linfócitos T CD4+ <100 células/mm3. • Quadro clínico A toxoplasmose é a doença neurológica associada a lesões expansivas cerebrais mais comum em pacientes com infecção pelo HIV. A apresentação clínica é variada e em geral tem um curso subagudo. O paciente pode apresentar febre com algumas alterações neurológicas, como, por exemplo, convulsões, alteração do estado mental e sinais focais, como hemiparesia, hemiplegia e disfasia. Isso acontece principalmente quando a contagem de linfócitos T CD4+ cai para abaixo de 100 células/mm3. *Frente a quadro neurológico com manifestações como convulsões, alteração do estado mental e sinais focais, como hemiparesia, hemiplegia e disfasia, em paciente com HIV e linfócitos T CD4+ abaixo de 100 células/mm3, lembre-se da NEUROTOXOPLASMOSE. A suspeita do diagnóstico é feita com a tomografia de crânio e o quadro clínico. A confirmação ocorre com a prova terapêutica, afinal, não devemos sair por aí biopsiando a cabeça de todo mundo, né? Se o paciente tiver uma melhora clínica e radiológica com o tratamento para neurotoxoplasmose, então era esse mesmo o diagnóstico. Neurocriptococose: A neurocriptococose é uma doença causada por um fungo chamado Cryptococcus neoformans. É a doença fúngica invasiva com risco de óbito que mais ocorre nesses pacientes. Esse fungo é encontrado em solos e nas fezes de animais, principalmente dos pombos. Essa levedura é inalada e o pulmão é o primeiro órgão infectado. Apesar de a infecção começar pelo pulmão, em pacientes imunocomprometidos o sistema nervoso central é o local mais acometido. Clinicamente, o paciente apresenta sinais e sintomas de meningite e hipertensão intracraniana, como cefaleia, náuseas e vômitos, rigidez de nuca, edema de papila, paralisia do VI par craniano (por ter um trajeto longo) e confusão mental. A hipertensão intracraniana é muito comum e bem característica da neurocriptococose. Linfoma primário de SNC: Em quadro sugestivo de neurotoxoplasmose que não melhora após 10 a 15 dias de tratamento, devemos nos lembrar do LPSNC. O PCR para EBV no líquor favorece esse diagnóstico. Neurosífilis: A neurossífilis é uma doença causada pelo Treponema pallidum. Ela acomete pacientes com HIV/aids de forma mais frequente do que aqueles não infectados. As manifestações clínicas neurológicas mais comuns são a meningite, neurite óptica, uveíte, alteração do estado mental e acidente vascular cerebral (a sífilis pode causar uma vasculite). Alguns fatores de risco descritos em pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIV) são: uma contagem de linfócitos T CD4+ < 350 Vitória Boulhosa Medicina 4P ce ́lulas/μL, um RPR (teste semelhante ao VDRL) > 1:128 e ser do sexo masculino. 3. INFECÇÕES DO TGI Candidíase oral e esofágica: A candidíase oral é uma doença que acomete principalmente os pacientes imunocomprometidos. Pode ocorrer em imunocompetentes, porém aqueles com algum fator de risco para o desenvolvimento dessa doença, como a presença de boca seca (xerostomia), uso de dentaduras, uso de antibióticos ou corticoide inalatório. Caso não haja nenhum desses fatores de risco, devemos sempre investigar a infecção pelo HIV. Clinicamente, a doença manifesta-se com a presença de placas esbranquiçadas na cavidade oral, que conseguem ser removidas com uma espátula. Nos pacientes com candidíase oral que apresentem disfagia, pense logo em candidíase esofágica, que é a causa mais frequente de disfagia nos pacientes com AIDS. Úlceras esofágicas por herpesvírus ou CMV: O agente viral mais associado a úlceras esofágicas em pacientes com HIV é o CMV. As úlceras são confluentes e lineares ou longitudinais. No anatomopatológico, há a identificação de células epiteliais com inclusões basófilas no citoplasma e eosinofílicas dentro do núcleo, formando uma imagem de “olho de coruja”. As úlceras herpéticas, elas são causadas principalmente pelo HSV-1. Decorrem do rompimento de vesículas, que coalescem e formam úlceras pequenas, geralmente menores do que 2 mm. São bem circunscritas e têm a aparência de um “vulcão”. Diarréias: As infecções do trato gastrointestinal podem ser causadas por diversos patógenos oportunistas, mas também por doenças infiltrativas, como o linfoma e sarcoma de Kaposi. Quanto menor a contagem de linfócitos T CD4+, maior o risco de o paciente apresentar diarreia por algum patógeno oportunista, que geralmente não causa doença nosimunocompetentes. Pacientes com AIDS e com uma contagem de linfócitos geralmente < 100 células/mm3, têm risco de apresentar um quadro de diarreia crônica por microrganismos oportunistas. • Cryptosporidium spp. Ele é um protozoário intracelular que pode levar a um quadro de diarreia crônica, má absorção, mal estar, náuseas, anorexia, dor abdominal e febre baixa. • Microsporidiose. É uma doença causada por microrganismos do filo Microsporidia. Geralmente acomete pacientes com aids com uma contagem de linfócitos abaixo de 100 células/mm3. Esses microrganismos eram considerados protozoários, mas atualmente foram reclassificados como fungos. Podem causar uma diarreia crônica líquida que pode estar associada à dor abdominal, perda ponderal, náuseas, vômitos e disabsorção. Febre é rara nesses casos. • Doença por Cystoisospora (antigo Isospora) belli. É uma doença que leva à diarreia líquida, dor abdominal, vômitos e desidratação. Geralmente tem um curso crônico em pacientes imunocomprometidos. • CMV (citomegalovírus). Pacientes com imunossupressão grave, principalmente aqueles com contagem de linfócitos T CD4+ abaixo de 50 células/mm3, podem reativar o CMV e apresentar um quadro de colite. O paciente pode apresentar diarreia líquida crônica, anorexia, perda ponderal, dor abdominal e febre baixa. Geralmente, o diagnóstico é feito através de uma colonoscopia com biópsia. • MAC (Mycobacterium avium complex). Esse microrganismo pode causar um quadro de uma síndrome consumptiva com diarreia crônica. Hepatites virais: • Coinfecção HIV-HCV: Pacientes infectados com HCV e também com HIV têm uma evolução muito mais rápida da doença hepática. A progressão para cirrose ou doença hepática descompensada pode ser até 3 vezes maior do que naqueles somente com hepatite C. Por esse motivo, pacientes coinfectados HIV-HCV têm prioridade dentre os demais infectados para tratamento do HCV. • Coinfecção HIV-HBV Vitória Boulhosa Medicina 4P Assim como na coinfecção com HCV, pacientes com HIV-HBV também podem ter uma progressão mais rápida para cirrose e até mesmo CHC (carcinoma hepatocelular). Além disso, quem já tem a infecção pelo HIV e desenvolve infecção aguda pelo HBV tem uma chance muito maior de tornar-se portador crônico em relação às pessoas soronegativas para o HIV. Infecções disseminadas O Mycobacterium avium complex (MAC) infecta pacientes com AIDS e uma contagem de linfócitos T CD4+ < 50 células/mm3. São microrganismos encontrados no ambiente, como no solo e na água. Geralmente causam uma doença disseminada, levando ao aparecimento de sintomas como febre, sudorese noturna, perda ponderal e diarreia. A linfonodomegalia é difusa e frequente. O diagnóstico é feito com a detecção da micobactéria em culturas e o tratamento é feito com etambutol e claritromicina (ou azitromicina) por pelo menos 12 meses. Para evitar essa doença, todo paciente com aids e linfócitos T CD4 ≤50 células/mm3 deve receber quimioprofilaxia com azitromicina ou claritromicina. IRIS (síndrome inflamatória da reconstituição imune) A SIRS é uma condição que pode ocorrer após o início do tratamento da infecção pelo HIV. Alguns pacientes podem apresentar uma piora clínica após o início da TARV, o que pode decorrer de infecções que estavam mascaradas e, com o retorno da imunidade, se manifestam. Reações inflamatórias passam a ocorrer onde havia infecção e o paciente pode adoecer por conta disso. A SIRS é uma condição autolimitada na maioria das vezes, porém, caso o paciente tenha alguma infecção subclínica no sistema nervoso central, pode falecer ou ter sequelas graves. Alguns patógenos que podem causar SIRS são, por exemplo, Mycobacterium tuberculosis, MAC, Cryptococcus neoformans e Citomegalovírus. Pacientes com linfócitos T CD4+ muito baixos no início da TARV ou com uma carga viral muito alta têm um risco maior de desenvolverem SIRS. Os sintomas tendem a apresentar-se dentro de uma semana a alguns meses após início da TARV. Se você prestou atenção, em algumas doenças oportunistas ao longo do livro eu coloquei quando devemos iniciar a TARV após o início do tratamento de cada uma delas. Isso ocorre exatamente para evitarmos uma reconstituição imune. As doenças mais graves, que devemos aguardar mais tempo para iniciar a TARV, são a neurotuberculose e a neurocriptococose, afinal, uma reconstituição imune por elas pode ser muito grave e o paciente pode evoluir para o óbito. Referências I. DE OLIVEIRA MACEDO, Paloma et al. Perfil sociodemográfico e determinantes sociais da coinfecção tuberculose-HIV no Brasil: uma revisão integrativa. 2022. II. SANTOS, Cairo Jose dos et al. Aspectos fisiopatológicos que envolvem a infecção do vírus HIV em humanos: um estudo cienciométrico. 2021. III. LUIZ, Taís Oliveira et al. Pacientes críticos com HIV/AIDS: fatores associados às complicações. 2018. IV. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Manejo da Infecção pelo HIV em adultos. Ministérioda Saúde 2018. V. Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV em adultos e Crianças. Ministério da Saúde. 2018
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