Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fichamento Texto: A Teoria Sociológica como Área de Pesquisa: justificativas e áreas de atuação, de Raquel Weiss (páginas 51-54 e 63-74). Livro: Metodologia em Ciências Sociais Hoje: perspectivas epistemológicas, reflexões teóricas e estratégias metodológicas, Volume 1. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. Autores: Pedro Robertt, Carla M. Rech, Pedro Lisdero, Rochele Fellini Fachinetto (orgs.) (pág. 51) “Até mesmo os clássicos, que foram acima de tudo grandes teóricos, não pensavam a teoria como área de pesquisa.” (pág. 53) “[...] ‘estudo de teoria’, a ser feito por todo aquele que deseja se informar sobre o pensamento de determinado autor, e uma ‘pesquisa sobre teoria’, que pressupõe a produção de algum tipo de conhecimento sobre a teoria pesquisada, seja explicitando pressupostos, discutindo criticamente, etc.” (pág. 63) “A reflexão sobre a teoria sociológica como uma linha de pesquisa dentro da sociologia pressupõe que se enfrente um mito bastante enraizado: a de que a interpretação original de teorias clássicas ou a produção de novas teorias podem ser feitas apenas por um seleto grupo de pesquisadores de reconhecida envergadura, de preferência americanos ou europeus. Não é difícil de intuir as consequências desse ponto de vista para a produção de conhecimento nas demais partes do globo, incluindo o Brasil, na medida em que faz com que se fique refém de ideias que nem sempre traduzem de forma adequada as especificidades da nossa realidade, e que fazem inclusive com que se passe por alto de toda uma tradição de pensamento já existente no país.” “[...] gostaria de propor uma divisão entre duas principais formas, que são distintas, mas complementares: a pesquisa sobre teorias e a produção de teorias. Ou seja, pesquisas que tomam teorias como seus objetos de investigação, e pesquisas que consistem em elaborar teorias.” “Sem dúvida, o núcleo duro da área da teoria sociológica é a produção de teorias. Sem teorias, a própria área não existiria.” (pág. 64) “[...] pode-se entender a teoria sociológica como um conjunto de preposições sistemáticas e logicamente articuladas que enunciem alguma coisa a respeito da vida social, em qualquer uma de suas dimensões, e que pressupõem que a vida social pode ser conhecida, ao menos em alguma medida” “O primeiro grupo diz respeito àquelas proposições que possuem uma anterioridade lógica em relação à pesquisa empírica e que, em alguma medida, constituem a premissa consciente ou inconsciente desta. Ou seja, trata-se da teoria que formula concepções mais gerais a respeito do que é a sociedade, quais as dimensões da sociedade que podem ser apreendidas, que elementos são significativos, se a realidade social pode ser apreendida, explicada e, conforme o caso, compreendida. Trata-se do que podemos chamar de teoria ontológica. O segundo grupo é formado por um tipo se costuma chamar de teoria “empiricamente orientada”, que segue um princípio indutivo, na medida em que é elaborada a partir dos dados apreendidos sobre o real, a partir dos quais se produz uma articulação que visa lhes conferir inteligibilidade e articulação lógica, o que significa algo mais do que a mera descrição dos fatos. Esse era o tipo de elaboração teórica defendida por Durkheim, para quem a ciência consistiria em buscar uma explicação sobre a vida social a partir da investigação sistemática dos fatos sociais observados, analisados e comparados pelo sociólogo. Mas, na prática, se boa parte de sua teoria é o resultado direto desse tipo de procedimento, também é verdade que há uma parte importante que se refere a uma teoria ontológica que é pressuposta em sua construção indutiva e que talvez seja a parte mais interessante de sua produção, ao menos no que tange a sua relevância para o debate contemporâneo. O terceiro tipo, mais próximo do que hoje se chama de teoria social, abrange qualquer esforço de produzir enunciados teóricos sobre a realidade social, que não é nem puramente uma generalização a partir de dados empíricos obtidos a partir de qualquer pesquisa sistemática, e nem uma teoria ontológica. Trata-se de um conjunto de enunciados a respeito de um fenômeno, conceito, instituição, processo, etc., que pode ter caráter explicativo, normativo ou ambos. Como exemplos desse tipo de teoria encontramos, geralmente, as elaborações que estão na fronteira entre as diversas disciplinas, como é o caso da teoria da ação comunicativa de Habermas, a teoria do reconhecimento de Honneth, as diversas vertentes da teoria queer, a teoria sobre o dom de Alain Caillé.” (pág. 65) “[...] a posição que parece ser a mais sábia é aquela que aceita essas três formas de teoria como igualmente legítimas.” (pág. 66) “Estudar uma teoria é adquirir maior familiaridade com ela, assimilá-la, compreendê-la na medida do possível, seja a partir de leitura dos textos originais, seja a partir da leitura de intérpretes. Pesquisar uma teoria, por sua vez, é tomá-la como objeto de investigação com a finalidade de produzir um conhecimento novo a seu respeito. Nesse sentido, a pesquisa sobre teoria sociológica possui uma estrutura muito similar à das chamadas pesquisas empíricas. Ou, melhor dizendo, ela é, de certo modo, uma pesquisa empírica, que toma como dado o pensamento de um autor, um pensamento objetivado na forma de texto. [...] Trata-se de uma pesquisa empírica normalmente qualitativa, mas que também pode ser quantitativa, como, por exemplo, nos casos em que se quantifica a ocorrência de um conceito, ou a proporção de autores escrevendo sobre determinado assunto em diferentes períodos ou países.” (pág. 68-71) “[...] alguns tipos possíveis de pesquisa sobre teoria sociológica, que de modo algum esgotam todo o leque possível, mas que indicam alguns procedimentos metodológicos possíveis.” “1) Pesquisa transversal de profundidade sobre um tema/conceito em único autor. Trata-se de escolher um tema ou conceito relevante para a compreensão da obra do autor e, partir disso, mapear todas as suas ocorrências em toda a obra ou em um conjunto específico de textos, com o intuito de apreender todos os significados que o termo possui, e analisando-o no contexto textual em que está inserido.” “2) Análise estruturalmonográfica. Nesse caso, o objeto é um livro ou conjunto de escritos que possuam uma unidade, tendo como objetivo analisá-lo profundamente em todos os seus aspectos. Trata-se, portanto, de identificar o contexto histórico da produção da obra, saber qual era o debate intelectual e político na época em que foi escrita, mapear todas as referências bibliográficas apresentadas no texto, identificar a relação com trabalhos prévios do mesmo autor, identificar quais os objetivos do autor ao escrevê-la, apontar sua coerência interna em termos lógicos e, sobretudo, identificar o sentido subjacente aos argumentos apresentados, de modo a explicitar de que modo a teoria ali apresentada ajuda ou não a compreender certas dimensões da realidade. Esse tipo de investigação justifica-se em dois casos. Primeiro, quando se quer defender a importância de uma obra num momento em que esta é pouco considerada pela comunidade sociológica [...] uma segunda justificativa se dá quando há uma disputa entre interpretações diferentes entre a mesma obra, tentando-se apresentar elementos que favoreçam uma outra interpretação. “3) Pesquisa conceituai comparativa. É uma investigação que analisa comparativamente um tema ou conceito em um grupo de autores, que possuem ou não uma afinidade, com a intenção de apontar a variabilidade entre os usos de uma mesma ideia, mostrando os diferentes sentidos atribuídos ao conceito, as diferentes premissas que estruturam a definição, as virtudes e as fraquezas de cada perspectiva, etc. “4) Análise de background. Esse tipo depesquisa visa descobrir ou reconstruir questões históricas de natureza social, política e intelectual que exerceram impacto na formulação da teoria em questão. Mas também pode-se pesquisar do ponto de vista de uma história das ideias, estabelecendo conexões entre sistemas de pensamento. [...] Para tanto, é preciso recorrer a biografias, a documentos históricos e todo material disponível que permita encontrar elementos que insiram a obra em seu contexto histórico e intelectual, de modo a conferir maior inteligibilidade aos argumentos mobilizados na construção de uma teoria.” “5) Análise dos efeitos. Trata-se de uma forma de análise muito comum na filosofia, que ficou conhecida como História dos Efeitos, ou Wirkungsg eschichte, termo cunhado por Gadamer (Knight, 2010), que se concentra sobre o impacto prático ou teórico de um determinado sistema de pensamento. O efeito teórico diz respeito à recepção de uma ideia e seu impacto na formação de uma perspectiva teórica consolidada, ou de sua recusa.” “6) Atualização da teoria. Esse tipo de pesquisa aproxima-se muito da produção de teorias, pois possui um caráter bastante autoral, na medida em que consiste em reconstruir a obra de um autor, ou um aspecto dessa obra, com o intuito de apontar o que nela já foi superado, mas, sobretudo, buscar nela elementos que sejam relevantes para se pensar o presente. Trata-se de uma tarefa particularmente relevante no caso dos clássicos, na medida em que o distanciamento temporal justifica esse tipo de empreendimento. A ideia que está por trás desse tipo de investigação é a de que aquilo que há de clássico nos clássicos são questões de certo modo atemporais, mas que ganham conotações distintas dependendo do momento histórico em que são lidas.”
Compartilhar