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Camila Borges Dos Anjos
CONDIÇÕES DE 
PRODUÇÃO DO 
DISCURSO
Sumário
INTRODUÇÃO ������������������������������������������������� 3
FUNÇÕES IDEOLÓGICAS DO DISCURSO ������� 5
FORMAÇÃO IDEOLÓGICA X FORMAÇÃO 
DISCURSIVA ������������������������������������������������� 16
PÊCHEUX E A DERIVA DOS SENTIDOS �������� 23
O PRIMADO DO INTERDISCURSO ���������������� 30
CONSIDERAÇÕES FINAIS ���������������������������� 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & 
CONSULTADAS �������������������������������������������� 40
2
INTRODUÇÃO
Caro estudante, este e-book abordará um elemen-
to determinante em todo e qualquer discurso: a 
ideologia. A determinação ideológica é de suma 
importância para que possamos compreender o 
funcionamento da língua, os gestos de interpreta-
ção produzidos para e por sujeitos e os sentidos 
em jogo numa cena discursiva.
A partir da noção de ideologia para a Análise de 
Discurso de linha francesa (AD), conceituaremos 
duas noções teóricas muito caras à teoria e direta-
mente ligadas à de ideologia: formação ideológica 
e formação discursiva. Esses conceitos são muito 
utilizados no campo do discurso e são cruciais 
para a compreensão dos posicionamentos que 
assumem ou não os sujeitos como produtores 
de linguagem.
Após essa discussão, mobilizaremos a noção 
de sentido, que, em Pêcheux, é algo sempre em 
trânsito, movente, fortuito, afinal trabalhar com 
a língua é remetê-la à sua opacidade, aos não 
ditos, à falha, à contradição, à heterogeneidade. 
Problematizaremos, aqui, a deriva dos sentidos, 
que podem ser vários, múltiplos, conforme vamos 
perceber, a partir das posições assumidas pelos 
sujeitos que enunciam.
3
E, para finalizar, discutiremos a noção de interdis-
curso, região que abriga diferentes discursividades, 
compreendido por Pêcheux ([1975] 2014, p. 162) 
como “[...] todo complexo com dominante das 
formações discursivas”, abordando brevemente, 
na ocasião, suas duas formas: pré-construído e 
discurso transverso, também muito discutidas no 
âmbito da AD.
Traçado esse percurso, dividimos o e-book em 
quatro tópicos, a saber: Funções Ideológicas 
do Discurso; Formação Ideológica X Formação 
Discursiva; Pêcheux e a deriva dos sentidos; e O 
Primado do Interdiscurso. Esperamos que o con-
teúdo apresentado possa fazer você mergulhar 
nos conceitos da AD, compreendendo-os de ma-
neira mais aprofundada, assim como refletir sobre 
como os sentidos se organizam no espaço social 
e também como a AD contribui para investigar 
esses processos.
4
FUNÇÕES IDEOLÓGICAS 
DO DISCURSO
Diferentemente de Foucault que, conforme Gri-
goletto (2013, p. 28), não se apoiou na noção de 
ideologia, por considerá-la insuficiente para se 
pensar a formação dos sujeitos, Pêcheux resgata 
a teoria da ideologia de Althusser, concebendo-a 
enquanto mecanismo de produção de evidências, 
que determina o discurso, o sujeito e a produção de 
sentidos. Silva (2013, p. 72) afirma que Pêcheux, 
a partir dos conceitos althusserianos em torno 
da ideologia, sublinha que “[...] os sentidos dos 
enunciados são produzidos na medida em que a 
ideologia interpela os indivíduos em sujeito”.
Para a AD, a teoria da ideologia de Althusser con-
tribuiu para se pensar o processo de interpelação 
ideológica. Silva (2013, p. 73) enfatiza que Pêcheux 
utilizou o conceito de ideologia e interpelação 
ideológica althusseriano para trabalhar a teoria 
do discurso e pensar essas questões, pois, con-
forme o autor, “Pêcheux reconhecia que a teoria 
social de Althusser tratava da problemática que 
lhe interessava: a questão do sujeito e do sentido” 
(SILVA, 2013, p. 73).
Grigoletto (2005) menciona que, na obra Verites de 
la Palice (Semântica e Discurso), Pêcheux utiliza 
5
as noções de ideologia e constituição do sujeito 
ideológico de Althusser, porém compreende o 
sujeito enquanto pleno, sem falhas, sem hiâncias. 
Em “Só há causa daquilo que falha”, a autora em-
preende que Pêcheux, por outro lado, considera as 
falhas no mecanismo de interpelação ideológica, 
colocando em relação inconsciente e ideologia, a 
partir do modo como ambos constituem o sujeito.
A partir daí, então, o autor passa a considerar a 
ideologia como algo que constitui o sujeito, que 
é intrínseco a ele, sendo, portanto, o homem um 
“animal ideológico” (PÊCHEUX, [1975] 2014, p. 
152), alçado por determinações sociais de natu-
reza ideológica. A ideologia, assim, por meio da 
língua, base material do discurso, atua produzindo 
evidências.
FIQUE ATENTO
Ideologia é o elemento determinante do sentido que 
está presente no interior do discurso e que, ao mesmo 
tempo, se reflete na exterioridade, ou seja, a ideologia 
não é algo exterior ao discurso, mas sim constitutiva 
da prática discursiva. Entendida como efeito de relação 
entre o sujeito e linguagem, a ideologia não é consciente, 
mas está presente em toda manifestação do sujeito, 
permitindo sua identificação com a formação discursiva 
que o domina. Tanto a crença do sujeito de que possui o 
domínio de seu discurso, quanto a ilusão de que o sentido 
REFLITASAIBA MAISFIQUE ATENTO
6
já existe como tal, são efeitos ideológicos (Glossário de 
Termos do Discurso, 2001, p. 17-18).
Orlandi (2012, p. 85), nessa discussão, vai nos 
dizer que “Não podemos pensar o sujeito, nessa 
perspectiva, sem a ideologia, e a ideologia sem a 
materialidade, a história e os processos da vida 
social e política”. Ou seja, é pelo mecanismo ide-
ológico, pela relação língua e história que o corpo, 
o indivíduo, se constitui em sujeito. Nessa direção, 
é pela ideologia que todo sujeito significa, pois as 
operações ideológicas atravessam os modos de 
constituição dos sujeitos.
Para que possamos compreender melhor, é váli-
do pensar que a ideologia está presente em todo 
discurso, pois nossos dizeres são afetados/deter-
minados historicamente, ou seja, não pensamos o 
que pensamos ou assumimos uma posição e não 
outra porque queremos assim, mas porque, ideo-
logicamente, há sentidos que nos atravessam, que 
nos constituem, que nos tornam sujeitos, os quais 
nos fazem nos filiar a determinadas discursividades, 
enquanto com outras não nos identificamos tanto.
Por essa via, Pêcheux ([1975] 2014, p. 161, grifos 
do autor) assevera que “[...] os indivíduos são 
‘interpelados’ em sujeitos de seu discurso, pelas 
formações discursivas que representam ‘na lin-
7
guagem’ as formações ideológicas que lhes são 
correspondentes”. Embora os conceitos de formação 
ideológica e discursiva sejam trabalhados apenas 
mais adiante, é importante aqui pensarmos que 
essas são suas noções teóricas que perpassam 
o trabalho da ideologia na produção de sentidos. 
Assim, o sujeito se posiciona de maneira x e não 
y por estar afetado por processos ideológicos 
que o incitam a essa posição. Isso, porque “[...] 
os sentidos e os sujeitos são divididos e têm uma 
direção que não é indiferente à sua relação com a 
ideologia” (Orlandi, 2012, p. 55). Logo, é porque o 
sujeito é interpelado ideologicamente que assume 
uma posição.
Pensando nisso, podemos dizer que todo sujeito, 
ao assumir uma ou outra posição no discurso, 
é afetado ideologicamente por sentidos que o 
atravessam e o constituem. Assim, por exemplo, 
quando alguém afirma ser a favor ou contra algo 
ou, ainda, que concorda ou discorda parcialmente, 
esse sujeito se posiciona interpelado ideologica-
mente, produzindo sentido e, concomitantemente, 
assumindo uma posição no discurso.
Para que possamos, de maneira prática, observar 
o trabalho da ideologia no processo de produção 
de sentidos, trazemos, abaixo, duas imagens sobre 
uma realidade que tem se tornado cada vez mais 
presente na atualidade: a questão da migração e 
8
do refúgio. A partir delas, podemos observar como 
o mecanismo ideológico atravessa os sujeitos na 
produção de sentidos. Vamos a elas:
Figura 1: Refugiados, bem-vindos
Fonte: G1, 2015, disponível em: https://g1.globo.com/
mundo/noticia/2015/07/conflito-em-protesto-contra-refu-
giados-deixa-dois-feridos-na-alemanha.html. Acesso em: 
14de junho de 2022.
9
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/conflito-em-protesto-contra-refugiados-deixa-dois-feridos-na-alemanha.html
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/conflito-em-protesto-contra-refugiados-deixa-dois-feridos-na-alemanha.html
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/conflito-em-protesto-contra-refugiados-deixa-dois-feridos-na-alemanha.html
Figura 2: Refugiados, fora
Fonte: DailyMail, 2016, disponível em: https://www.
dailymail.co.uk/news/article-3675154/Left-wing-German-
-politician-raped-migrants-admits-LIED-police-attackers-na-
tionality-did-not-want-encourage-racism.html. Acesso em: 
14 de junho de 2022.
Essas duas imagens, retiradas de dois portais de 
notícias, representam, em linhas gerais, as manifes-
tações de boas-vindas e de repúdio ao estrangeiro 
que têm ocorrido em diferentes partes do mundo, 
principalmente em decorrência da retirada dessas 
pessoas de seu lugar de origem devido às guer-
ras, às crises econômicas, à violação dos direitos 
humanos e a uma série de outras razões.
Com a chegada de imigrantes e refugiados em 
outro território, as pessoas que lá vivem têm se 
posicionado de distintas maneiras. É o caso do 
que podemos observar nas imagens das figuras 
1 e 2, que retratam manifestações ocorridas num 
mesmo país, a Alemanha, mas de caráter distinto: 
10
https://www.dailymail.co.uk/news/article-3675154/Left-wing-German-politician-raped-migrants-admits-LIED-police-attackers-nationality-did-not-want-encourage-racism.html
https://www.dailymail.co.uk/news/article-3675154/Left-wing-German-politician-raped-migrants-admits-LIED-police-attackers-nationality-did-not-want-encourage-racism.html
https://www.dailymail.co.uk/news/article-3675154/Left-wing-German-politician-raped-migrants-admits-LIED-police-attackers-nationality-did-not-want-encourage-racism.html
https://www.dailymail.co.uk/news/article-3675154/Left-wing-German-politician-raped-migrants-admits-LIED-police-attackers-nationality-did-not-want-encourage-racism.html
na primeira imagem, as pessoas seguram uma fai-
xa dizendo “Refugees welcome” ou, em português, 
“Refugiados, bem-vindos”; na segunda imagem, 
as pessoas erguem uma outra faixa, na qual está 
escrito: “Rapefugees not welcome” ou, em portu-
guês, algo como “Refupradores, fora”.
Como é possível percebermos, essas duas ima-
gens nos revelam diferentes posicionamentos: 
de um lado, parte dos alemães defende a entrada 
de imigrantes e refugiados em seu território; de 
outro, uma parcela da população alemã repudia a 
entrada de qualquer estrangeiro.
Os sentidos em jogo, de recepção e negação ao 
outro, nos dão a ver o trabalho da ideologia, afinal, 
conforme pressupõe Orlandi (2013, p. 45), “[...] o 
fato de que não há sentido sem interpretação [...] 
atesta a presença da ideologia”. Ou seja, os sen-
tidos mobilizados pelos alemães que defendem 
a abertura das fronteiras aos estrangeiros são 
distintos daqueles atribuídos pelos alemães que 
rechaçam essas pessoas. Assim, como não há 
sentido sem interpretação, podemos pensar que 
o sujeito interpreta a vinda do outro para seu terri-
tório de maneira positiva ou negativa, imbuído de 
discursos de boas-vindas ou de ódio, o que produz 
sentidos e resulta em posicionamentos ideológicos.
11
Orlandi (2013, p. 30) vai nos ensinar que os “[...] 
sentidos têm a ver com o que é dito ali mas tam-
bém em outros lugares, assim como com o que 
não é dito, e com o que poderia ser dito e não foi”. 
Assim, podemos pensar que os cartazes que con-
denam o livre acesso de imigrantes e refugiados 
no território alemão contêm ditos – estupradores 
– e não ditos, sentidos que ecoam: pessoas que 
violam a lei, fazem o mal, são violentas, desordeiras. 
Assim também, as boas-vindas aos estrangeiros 
configuram ditos e não ditos sobre essas pessoas: 
precisam de acolhida, proteção, de um novo lugar 
para se estabelecerem.
E todos esses sentidos só existem porque derivam 
de movimentos de interpretação do sujeito, nesse 
caso, dos anfitriões alemães. E o trabalho da inter-
pretação se dá em virtude dos efeitos da ideologia, 
pois é na interpretação que a ideologia funciona.
Nessa instância, os sentidos vêm à tona pelo 
funcionamento ideológico, pela interpretação do 
sujeito em relação a um determinado objeto. Orlandi 
(2007, p. 18) considera que “[...] A interpretação é 
o vestígio do possível. É o lugar próprio da ideo-
logia e é ‘materializada’ pela história”, intervindo 
propriamente no modo como o sujeito se relaciona 
com o mundo. 
12
Ideologia, história, língua, discurso e interpretação 
são noções teóricas da AD que estão imbricadas, 
que atravessam o sujeito em seu processo de 
constituição. Em uma entrevista concedida a 
Barreto (2006), Orlandi afirmou que “a materiali-
dade da ideologia é o discurso e a materialidade 
do discurso é a língua”, que trabalha produzindo 
sentido por meio do mecanismo de interpretação. 
Abaixo, trazemos um recorte do livro Discurso em 
análise: sujeito, sentido, ideologia, de Eni Orlandi, 
no qual a autora escreve brevemente um tópico 
sobre a relação existente entre língua e ideologia:
Há um princípio discursivo que diz que não há dis-
curso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. 
O discurso é o lugar em que podemos observar a 
articulação entre a língua e a ideologia. Discursiva-
mente, consideramos que a materialidade específica 
da ideologia é o discurso e a materialidade específica 
do discurso é a língua. Por isto, ao observarmos como 
a língua produz sentidos temos acesso ao modo 
como a ideologia está presente na constituição dos 
sujeitos e dos sentidos. A ideologia, por sua vez, 
está em que o sujeito, na ilusão da transparência e 
sob o domínio de sua memória discursiva – alguma 
coisa fala antes, em outro lugar e independente-
mente – pensa que o sentido só pode ser “aquele” 
quando na verdade ele pode ser outro. O que lhe 
atribui esta evidência é, na verdade, o fato de que 
13
não há sentido sem interpretação e a interpretação 
é um gesto do sujeito carregada de ideologia, que 
torna evidente o que na realidade se produz por 
complexas relações entre sujeitos, língua e história, 
resultando em diferentes formações discursivas 
(ORLANDI, 2012, p. 153).
Como é possível observarmos, língua, discurso e 
ideologia estão intrinsecamente conectados, pois 
é no discurso que a ideologia se expressa, e é na 
língua que o discurso se materializa. A ideologia, 
portanto, permeia a relação do sujeito com a lingua-
gem, afetando-o e interpelando-o em suas tomadas 
de posição, gestos de interpretação, produção de 
sentidos no fio do discurso. A ideologia é o que 
‘orienta’ a prática discursiva do sujeito.
Para ampliar seu conhecimento em AD, principalmente no 
batimento entre teoria e prática, há alguns trabalhos na 
área com a temática de migração e refúgio que contêm 
análises mais aprofundadas a respeito do funcionamen-
to da ideologia na constituição do sujeito, abordando 
também outras noções teóricas do campo do discurso:
ANJOS, C. B. dos. Sujeitos à deriva: migração, refúgio 
e processos de subjetivação. 2021. 280 p. Tese (Dou-
torado em letras) – Universidade Federal do Rio Grande 
SAIBA MAIS
14
do Sul, Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://lume.
ufrgs.br/bitstream/handle/10183/226324/001130804.
pdf?sequence=1&isAllowed=y.
RAMOS, T. V. O sujeito entre culturas: o espaço da 
diferença no encontro com o outro/Outro [tese de 
doutorado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 
Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação em 
Letras, Porto Alegre, 2017. Disponível em: https://lume.
ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159110/001022955.
pdf?sequence=1&isAllowed=y.
15
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/226324/001130804.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/226324/001130804.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/226324/001130804.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159110/001022955.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159110/001022955.pdf?sequence=1&isAllowed=yhttps://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159110/001022955.pdf?sequence=1&isAllowed=y
FORMAÇÃO IDEOLÓGICA X 
FORMAÇÃO DISCURSIVA
No tópico anterior, falamos sobre a ideologia, um 
mecanismo que está presente na constituição do 
sujeito do discurso. Aqui, desdobraremos nossa 
discussão discorrendo sobre duas noções teóricas 
da AD que estão intrinsecamente interligadas à 
de ideologia, que são: formação ideológica (FI) e 
formação discursiva (FD).
Pêcheux ([1969] 1993), resgatando a noção de ide-
ologia proposta por Althusser, formula o conceito 
de FI, definida como:
Formação ideológica é o conjunto complexo de 
atitudes e representações, não individuais nem 
universais, que se relacionam às posições de 
classes em conflito umas com as outras. A FI é 
um elemento suscetível de intervir como uma for-
ça em confronto com outras forças na conjuntura 
ideológica característica de uma formação social. 
Pêcheux (1975) afirma que as palavras, expressões, 
proposições, mudam de sentido segundo as posi-
ções sustentadas por aqueles que as empregam, 
sentidos esses que são determinados, então, em 
referência às formações ideológicas nas quais se 
inscrevem estas posições (ver formação discursiva) 
(Glossário de Termos do Discurso, 2001, p. 15-16).
16
Atrelada à noção de FI está a noção de FD, que, 
segundo Pêcheux (2014, p. 147): “[...] aquilo que, 
numa formação ideológica dada [...] determina o 
que pode e deve ser dito”, ou seja, a FD encontra-se 
no interior da FI e corresponde ao espaço possível 
de constituição dos sentidos pela assunção do 
sujeito a determinadas posições discursivas. Va-
mos observar mais detalhadamente o que esboça 
o Glossário de Termos do Discurso (2001):
Formação discursiva é a manifestação, no discur-
so, de uma determinada formação ideológica em 
uma situação de enunciação específica. A FD é a 
matriz de sentidos que regula o que o sujeito pode 
e deve dizer e, também, o que não pode e não deve 
ser dito (Courtine, 1994), funcionando como lugar 
de articulação entre língua e discurso. Uma FD é 
definida a partir de seu interdiscurso e, entre forma-
ções discursivas distintas, podem ser estabelecidas 
tanto relações de conflito quanto de aliança. Esta 
noção de FD deriva do conceito foulcauteano (1987) 
que diz que sempre que se puder definir, entre um 
certo número de enunciados, uma regularidade, se 
estará diante de uma formação discursiva. Na AD, 
este conceito é reformulado e aparece associado 
à noção de formação imaginária (Glossário de 
Termos do Discurso, 2001, p. 15-16.
17
Como podemos perceber, a noção de FD nasceu 
em Foucault e ganhou novos desdobramentos na 
AD, com os estudos de Pêcheux sobre o conceito, 
vinculando-o à noção de ideologia. Em leitura às 
definições aqui apresentadas, podemos perceber 
que o sujeito assume posição no discurso por ser/
estar afetado ideologicamente, pois filia-se a FDs 
que, por sua vez, encontram-se no interior de FIs. 
As FIs, assim, comportam diferentes e múltiplas 
FDs, conforme buscamos elucidar na imagem da 
figura 3:
Figura 3: Formação Ideológica e Formações Discursivas
FD FD
FD FD
Formação Ideológica
Fonte: Elaboração Própria
18
No cerne de uma FI estão uma série de FDs, regiões 
de sentido que são ou não habitadas pelo sujeito, 
conforme os saberes aos quais se identifica. Logo, 
por estar filiado a uma FD no interior de uma FI 
dada, o sujeito toma uma posição: “O discurso se 
constitui em seus sentidos porque aquilo que o 
sujeito diz se inscreve em uma formação discur-
siva e não outra para ter um sentido e não outro” 
(ORLANDI, 2013, p. 43). 
Os estudos de Indursky, que culminaram em seu 
livro Discurso do/sobre o MST: Movimento social, 
sujeito, mídia (2019), nos permitem identificar as 
distintas posições ideológicas em jogo assumidas 
pelos sujeitos sobre os quais tece sua análise: de 
um lado, os sem-terra, integrantes do Movimento 
dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), e, de 
outro, os latifundiários, fazendeiros, proprietários 
da terra.
A autora analisa as diferentes designações atribuí-
das à posse da terra no Brasil por meio de recortes 
de matérias veiculadas na Folha de São Paulo, 
entre os anos de 1995 e 1996, sobre a temática. 
Em sua análise, ela identifica suas designações 
que remetem à luta pela terra: invasão e ocupação.
19
SAIBA MAIS
Para ter acesso aos textos, na íntegra, publicados por 
Indursky em torno da questão do MST, leia os textos 
indicados a seguir:
INDURSKY, F. De ocupação a invasão: efeitos de sentido 
no discurso do/sobre o MST. In: INDURSKY, F; LEAN-
DRO-FERREIRA, M. C. (Orgs.). Os múltiplos territórios 
da Análise do Discurso. Porto Alegre: Editora Sagra 
Luzzatto, 1999.
INDURSKY, F. O entrelaçamento entre o político, o jurídico 
e a ética no discurso do/sobre o MST: uma questão de 
lugar-fronteira. Rev. ANPOLL, n. 12, p. 111-131, jan./jun. 
2002. Disponível em: https://revistadaanpoll.emnuvens.
com.br/revista/article/view/507.
INDURSKY, F. A emergência do sujeito desejante no 
discurso do MST. Gragoatá, v. 18, n. 34, p. 27-38, 2013. 
Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/
view/32957/18944.
No entendimento de Indursky (2002, p. 121), “Na 
Formação Discursiva em que os sem-terra se ins-
crevem, as terras são ocupadas, é lícito mesmo 
fazerem-se ocupações, pois ‘as terras são impro-
dutivas’ ou devolutas e há famílias que querem, 
mas não têm ‘onde plantar’”. Assim, portanto, 
o MST, ao referir-se à legalidade do movimento 
que encampa, de seu direito a uma terra que está 
improdutiva, filiam-se a uma FD denominada por 
SAIBA MAIS
20
https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/507
https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/507
https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/32957/18944
https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/32957/18944
Indursky como FD Sem Terra. Nela, a ocupação 
da terra é legítima. Ao dizer “ocupação”, o sujeito 
se filia a uma FD cujos sentidos remetem à lega-
lidade, à ética.
De maneira distinta, no discurso dos proprietários 
da terra predomina a questão da violação da pro-
priedade privada, referindo-se, estes, ao movimento 
como “invasão”, filiados a uma FD que Indursky 
nomeia como FD dos Latifundiários. No entendi-
mento da autora, “A designação invasores, com 
todos os efeitos de sentido que dela provêm, está 
garantida por um discurso que sacraliza e imobiliza 
a noção de direito de propriedade [...]” (INDUSRKY, 
2002, p. 124). Ou seja, para os proprietários rurais, 
os sem-terra estão violando a lei ao invadirem as 
propriedades privadas.
Como foi possível percebermos, a partir da análise 
realizada por Indursky, a qual trouxemos um recorte 
aqui, há posições ideológicas antagônicas que se 
mostram na filiação dos sujeitos a FDs distintas, 
afinal ocupação representa aí a legalidade da ação 
dos sem-terra, enquanto invasão, o desrespeito à lei.
Trouxemos essa materialidade, analisada por 
Indursky, de modo que pudéssemos perceber, de 
maneira prática, como as noções teóricas aqui 
mobilizadas se imbricam no objeto de estudo, 
21
contribuindo, também, para a contextualização 
das noções aqui trabalhadas.
SAIBA MAIS
Para compreender melhor as noções de formação dis-
cursiva e formação ideológica, leia esses verbetes no 
livro Glossário de termos do discurso e assista também 
aos vídeos indicados abaixo:
PRUINELLI, A. M. Formação discursiva. In: LEANDRO-
-FERREIRA, M. C. Glossário de termos do discurso. 1. 
ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020. p. 115-120.
PRUINELLI, A. M. Formação ideológica. In: LEANDRO-
-FERREIRA, M. C. Glossário de termos do discurso. 1. 
ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020. p. 121-124.
Vídeo 1 – Formação Discursiva I – Freda Indursky (UFRGS)
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=Qs1KtjJI8Ik 
Vídeo 2 – Formação Discursiva II – Freda Indursky (UFRGS)
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=B5ktV9VO6hg 
SAIBA MAIS
22
https://www.youtube.com/watch?v=Qs1KtjJI8Ik
https://www.youtube.com/watch?v=Qs1KtjJI8Ikhttps://www.youtube.com/watch?v=B5ktV9VO6hg
https://www.youtube.com/watch?v=B5ktV9VO6hg
PÊCHEUX E A DERIVA DOS 
SENTIDOS
As noções de formação ideológica e formação 
discursiva, explicitadas na última seção, nos permi-
tem perceber o modo pelo qual o sujeito é afetado 
por processos sócio-histórico-ideológicos e toma 
partido com base nas posições que assume, nos 
lugares que ocupa.
O trabalho com o sentido, em AD, é uma constante 
(re)construção. Isso, porque a teoria formulada por 
Pêcheux não trabalha com sentidos dados, prontos, 
acabados, mas com processos de produção de 
sentidos. Isso significa que cada palavra, termo, 
enunciado pode ter um sentido ou outro dependen-
do do sujeito que fala, de onde fala, quando fala, 
ou seja, das condições de produção do discurso.
FIQUE ATENTO
O sentido de uma palavra, expressão, proposição não 
existe em si mesmo, só pode ser constituído em refe-
rência às condições de produção de um determinado 
enunciado, uma vez que muda de acordo com a formação 
ideológica de quem o (re)produz, bem como de quem o 
interpreta. O sentido nunca é dado, ele não existe como 
produto acabado, resultado de uma possível transparên-
cia da língua, mas está sempre em curso, é movente e 
REFLITASAIBA MAISFIQUE ATENTO
23
se produz dentro de uma determinação histórico-social, 
daí a necessidade de se falar em efeitos de sentido. 
Fonte: Glossário de Termos do Discurso, 2001, p. 22.
Nesse entendimento, Orlandi (2013, p. 44) vai nos 
dizer que “Palavras iguais podem significar dife-
rentemente porque se inscrevem em formações 
discursivas diferentes”. Ou seja, o sentido não se 
encontra na palavra em si, em sua literalidade, mas 
se constitui na relação do sujeito com o mundo, 
levando em conta a historicidade da língua, as 
condições de produção do discurso. Afinal, pensar 
no sentido requer considerar a relação da língua 
com a história.
Diante disso, é importante refletir que em AD não 
estamos lidando com uma língua transparente, 
como pressupõe a análise de conteúdo, mas com a 
língua em relação à história para produzir sentidos, 
pois na teoria do discurso forma e conteúdo são 
inseparáveis e busca-se compreender a língua, 
conforme pontua Orlandi (2013), não como es-
trutura simplesmente, mas como acontecimento.
Pensando nisso e buscando explicitar como ocorre 
o funcionamento dos sentidos na língua, vamos 
a uma questão prática: o que vem à sua mente 
quando ouve a palavra ‘casa’? Que sentidos podem 
ser atribuídos a esse significante? Abaixo, de modo 
24
que possamos visualizar alguns sentidos possíveis 
que podem ser conferidos ao termo (lembrando 
que podem haver muitos outros), elaboramos um 
esquema que pudesse representar esse processo:
Figura 4: alguns sentidos de ‘casa’
casa
lar
família
proteção
violênciaimóvel
amor
dor
Fonte: Elaboração Própria
Qual sentido você atribuiu à ‘casa’? Foi algum desses 
que dispomos acima? Como podemos perceber, 
há um rol de sentidos possíveis que podem ser 
atribuídos à ‘casa’, entre tantos outros que não 
citamos aqui, pois, lembremos, os sentidos não 
25
são dados, mas são construídos historicamente, 
resultado da relação que o sujeito estabelece 
com o mundo, do uso que faz da língua em suas 
práticas sociais. 
Em AD, assim, o sentido não está dado a priori, 
porque há sempre movimento, deslocamento, 
ruptura, falha, deriva, deslize. Isso representa dizer 
que os sentidos podem ser uns ou outros depen-
dendo das posições ideológicas assumidas pelo 
sujeito do discurso, assim como das condições 
históricas de produção. Nesse caso, por exemplo, 
um sujeito que atribuiu um determinado sentido 
a um dado enunciado hoje pode não o fazer em 
outro momento, em decorrência das circunstâncias 
da enunciação, as quais não serão as mesmas, 
portanto o sentido também poderá não ser.
REFLITA
Para que você possa se familiarizar ainda mais com 
o processo de produção de sentido em AD, faça um 
exercício questionando aos seus familiares e/ou amigos 
quais sentidos eles atribuem a determinadas palavras.
Sugestão: FAMÍLIA / VIDA / TRABALHO / RIQUEZA / 
AMOR / NATUREZA
Os sentidos certamente não serão os mesmos, pois em 
AD eles estão em relação com a historicidade da língua, 
REFLITA
26
com o lugar que ocupa o sujeito, com as condições de 
produção do discurso, com o mecanismo ideológico.
Trabalhar com o sentido em AD, portanto, vai na 
contramão da concepção de língua como algo 
transparente, reflexo do pensamento, afinal essa 
ilusão é produzida pela ideologia, que mascara o 
modo como os sentidos se constituem, fazendo 
parecer que eles já estivessem sempre já-lá. Or-
landi (2013, p. 46), nesses termos, afirma que “[...] 
a evidência do sujeito – a de que somos sempre 
já sujeitos – apaga o fato de que o indivíduo é 
interpelado em sujeito pela ideologia”, ou seja, o 
efeito de evidência e transparência apaga a histo-
ricidade da língua. A AD, assim, indo de encontro 
às teorias tradicionais:
Desconfia do óbvio e vai ao encontro da opacidade 
do texto, na escuta do dito e do não dito, dos sentidos 
que aparentemente faltam e dos que se mostram 
saturados, em excesso, e que acabam por produzir o 
equívoco, o sentido-outro e o desconforto do sujeito 
(LEANDRO-FERREIRA, 2020, p. 24).
Os sentidos podem sempre ser outros porque a 
língua, em AD, é tomada em sua forma material, 
e não abstrata ou homogênea, mas portadora da 
opacidade, que se refere, assim, à intervenção da 
história na produção dos sentidos. É importante 
27
frisar que a história, em AD, não diz respeito a 
uma ordem cronológica de fatos, mas ao “[...] 
acontecimento do texto como discurso, o trabalho 
dos sentidos nele. Sem dúvida, há uma ligação 
entre a história externa e a historicidade do texto 
(trama de sentidos nele)” (ORLANDI, 2013, p. 68). 
A historicidade, assim, faz parte das relações de 
sentido estabelecidas pelo sujeito em contato 
com a língua.
FIQUE ATENTO
Historicidade é o modo como a história se inscreve 
no discurso, sendo a historicidade entendida como a 
relação constitutiva entre linguagem e história. Para o 
analista do discurso, não interessa o rastreamento de 
dados históricos em um texto, mas a compreensão de 
como os sentidos são produzidos. A esse trabalho dos 
sentidos no texto e à inscrição da história na linguagem é 
que se dá o nome de historicidade (Glossário de Termos 
do Discurso, 2001, p. 17).
A historicidade e a opacidade fazem com que na 
língua haja sempre espaço para o diferente, es-
tando aberta a novos processos de significação, 
à multiplicidade dos sentidos, a tudo aquilo capaz 
de romper com sua estabilidade aparente.
O trabalho com o sentido requer pensarmos também 
em dois conceitos de suma importância para sua 
REFLITASAIBA MAISFIQUE ATENTO
28
produção: paráfrase e polissemia. Orlandi define 
essas noções explicando que a paráfrase consiste 
na reiteração do mesmo (do igual), enquanto a po-
lissemia refere-se à produção da diferença. Diante 
disso, a autora pontua que no mesmo, “apesar 
da variedade da situação e dos locutores, há um 
retorno ao mesmo espaço dizível (Paráfrase) ”, e 
no diferente, “nas mesmas condições de produção 
imediatas (locutores e situação), há no entanto 
um deslocamento, um deslizamento de sentidos 
(Polissemia)” (ORLANDI, 1998, p. 15).
Como podemos observar, tanto a paráfrase quanto 
a polissemia compreendem a produção de sentido 
como um efeito. Naquela, o sentido é retomado, 
recuperado, constituindo-se a partir do que Pêcheux 
([1975] 2014) chama de ‘matriz de sentido’; nesta, 
o sentido sofre deslocamento, deslize, ruptura, 
novas rotas de significação. 
O sentido, portanto, é esse constante movimento, 
num trabalho com o mesmo e com o diferente, que 
é delineado pelas posições discursivas assumidas 
pelo sujeito num dado contexto sócio-histórico-i-
deológico, em que a língua não se configura como 
um sistema fechado, mas, pela historicidade que 
a constitui, é opaca e, por isso, aberta a novos 
processos de significação.
29
O PRIMADO DO 
INTERDISCURSOO interdiscurso pode ser compreendido como uma 
região de sentidos que é recortada, via memória, 
pelos sujeitos em suas tomadas de posição. A 
definição presente no Glossário de Termos do 
Discurso (2001) é:
Interdiscurso compreende o conjunto das formações 
discursivas e se inscreve no nível da constituição do 
discurso, na medida em que trabalha com a ressigni-
ficação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível, 
determinando os deslocamentos promovidos pelo 
sujeito nas fronteiras de uma formação discursiva. 
O interdiscurso determina materialmente o efeito 
de encadeamento e articulação de tal modo que 
aparece como o puro “já-dito” (Glossário de Termos 
do Discurso, 2001, p. 18).
Pêcheux (1993, p. 314) vai nos dizer que o in-
terdiscurso representa “o exterior específico de 
uma formação discursiva”, espaço dos múltiplos 
sentidos, por isso é definido pelo autor como 
“todo complexo com dominante das formações 
discursivas” (PÊCHEUX, [1975] 2014, p. 149), pois 
é no espaço do interdiscurso e na relação entre as 
diferentes FDs que o sentido se produz.
30
O interdiscurso é categorizado de duas formas: 
pré-construído e discurso transverso. Os senti-
dos presentes no interdiscurso podem ser, nesse 
entendimento, preestabelecidos ou atravessados 
por discursos outros, a depender do modo como 
o sujeito assume sua posição.
O pré-construído institui relações de sentido na 
língua que aparecem como evidentes, pelo efeito da 
ideologia. Os sentidos, assim, mostram-se sempre 
já-lá, como já ditos, marcando aquilo que se repete 
materialmente na língua, que lhe é exterior. Gatti 
compreende que, “[...] para o sujeito, trata-se de 
uma evidência, como se aquilo que é da ordem do 
pré-construído fosse simplesmente um reflexo da 
verdade” (2014, p. 398), daí a reprodução contínua 
dos mesmos dizeres na língua trata de marcar sen-
tidos que são da ordem “daquilo que todo mundo 
sabe” (PÊCHEUX, [1975] 2014, p. 171). 
No discurso transverso, a ressignificação ocorre 
na retomada, no deslizamento de sentidos que se 
atravessam, se confundem, se misturam. Nesse 
movimento, portanto, há uma mexida nos modos 
de significar, e torna-se possível pensar que a “[...] 
repetição discursiva, nesse caso, se faz pelo viés 
do discurso transverso” (INDURSKY, 2011, p. 80).
Nesse trajeto, dado o processo de repetição no (e 
do) discurso, podemos considerar que o discurso 
31
transverso irrompe como um “[...] processo de 
retomada [que] se faz no discurso do sujeito: o 
discurso-outro entra de viés no discurso do sujeito, 
tangenciando-o e nele fazendo eco de algo que foi 
dito em outro lugar” (INDURKY, 2011, p. 70). Nessa 
discussão, podemos dizer que o discurso-outro de 
um dado período da história, por exemplo, emerge 
pelo funcionamento da memória discursiva, fa-
zendo eco e produzindo novos dizeres em outras 
condições de produção.
Pré-construído é o enunciado simples proveniente de 
discursos outros, anteriores, “como se esse elemento 
já se encontrasse sempre-aí por efeito da interpelação 
ideológica”(Pêcheux, 1975). Essa formulação de um 
já-dito assertado em outro lugar permite a incorporação 
de pré-construídos à FD, concebida como um domínio 
de saber fechado, fazendo-a relacionar-se com seu 
exterior (Glossário de Termos do Discurso, 2001, p. 18).
O discurso-transverso, assim como o pré-construído, diz 
respeito ao funcionamento material do interdiscurso que 
opera pela articulação e/ou sustentação de enunciados, 
REFLITASAIBA MAISFIQUE ATENTO
REFLITASAIBA MAISFIQUE ATENTO
32
reproduzindo os saberes da forma-sujeito com a qual o 
sujeito se identifica (AMARAL e VINHAS, 2020, p. 75). 
Sob essas duas formas – pré-construído e discurso 
transverso –, o interdiscurso se configura como 
um lugar de acesso aos sentidos que integram as 
diferentes regionalizações do saber, as FDs. Na 
relação do sujeito com a língua, ele é afetado por 
sentidos presentes no interdiscurso.
Pruinelli (2018), em sua dissertação de mestrado, 
utiliza metaforicamente o termo ‘nuvem discursiva’ 
para se referir ao interdiscurso. Para ela, a nuvem 
“[...] funciona como um espaço/local não físico 
que armazena/condensa todas as informações 
que, quando acessadas pelo usuário, advêm dela, 
funcionando como um repositório, um local onde 
todos os sentidos estão, a priori, armazenados 
(PRUINELLI, 2018, p. 50). Abaixo, trazemos uma 
imagem elaborada pela autora para representar a 
nuvem discursiva (interdiscurso):
33
Figura 5: Representação do ‘interdiscurso’
Interdiscurso
(nuvem discursiva)
Discurso
transverso
Discurso Memória
Pré-
construído
Ideologia
Língua
História
Inconsciente
Fonte: Pruinelli, 2018, p. 51. Adaptado.
O esquema nos permite compreender que o sujeito, 
ao acessar as informações, enunciados e já ditos 
presentes na nuvem, materializa no discurso tudo 
aquilo que o atravessa. Ele resgata sentidos, via 
memória, que podem ser da ordem do pré-cons-
truído ou do discurso transverso e formula seu 
próprio dizer, num movimento de repetição ou 
reformulação, afetado pela ideologia da língua.
Assim, portanto, a nuvem discursiva representa 
“[...] o espaço não físico onde habitam todos os 
dizeres, fonte de todos os sentidos, de todos os 
já ditos que, ao serem recortados/reavivados 
pela memória, vão (res)significar no discurso 
pela inscrição dos sujeitos nas FDs” (PRUINELLI, 
2018, p. 51). Os sentidos são, pois, recortados do 
interdiscurso para significarem, na língua, a partir 
34
da posição discursiva assumida pelo sujeito numa 
dada conjuntura.
A posição assumida pelo sujeito é determinada 
ideologicamente, numa relação que ocorre entre 
a língua e a história, articulação necessária para 
a produção de sentidos. Do interdiscurso, ele fil-
tra saberes exteriores às FDs e se inscreve nelas 
quando de sua identificação aos sentidos em jogo. 
O interdiscurso funciona, assim, como um lugar 
de dispersão, casa dos sentidos, sendo condição 
necessária para a existência das FDs, para sua 
emergência no fio do discurso.
SAIBA MAIS
Para compreender melhor a noção de interdiscurso, 
pré-construído e discurso transverso, leia as definições 
desses conceitos publicadas no “Glossário de Termos 
do Discurso – edição ampliada”:
COSTA, I.; GUIMARÃES, G. T. D. Interdiscurso/Intradiscurso. 
In: LEANDRO-FERREIRA, M. C. Glossário de termos do 
discurso. 1. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020. 
p. 161-166.
GARBIN, S. R. Pré-construído. In: LEANDRO-FERREIRA, 
M. C. Glossário de termos do discurso. 1. ed. Campinas, 
SP: Pontes Editores, 2020. p. 241-244.
AMARAL, P. C. do; VINHAS, L. I. Discurso transverso. 
In: LEANDRO-FERREIRA, M. C. Glossário de termos do 
SAIBA MAIS
35
discurso. 1. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020. 
p. 75-78.
36
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos, ao longo deste e-book, noções 
teóricas muito caras à AD de Escola France-
sa – ideologia, formação ideológica, formação 
discursiva, sentido, historicidade, interdiscurso, 
pré-construído, discurso transverso – e que se 
encontram entrelaçadas na teoria. Afinal, traba-
lhar com a noção de ideologia remete à noção de 
sujeito, sentido, formação ideológica, formação 
discursiva, discurso, interdiscurso, e por aí vai. 
Além disso, também buscamos relacionar algumas 
dessas noções na teoria com situações presentes 
na vida em sociedade.
Visamos, assim, num primeiro momento, situá-lo 
teoricamente em relação ao conceito de ideologia 
na seara discursiva. Analisamos, assim, que a 
ideologia nos afeta e nos constitui sujeitos, logo, 
é por meio dela que a interpretação se dá, que o 
sentido se produz. Isso porque a ideologia nos 
torna sujeitos, afinal, quando assumimos uma 
posição no discurso e não outra, somos sujeitos 
do discurso.
Como foi possível atestarmos, o estudo em torno 
do mecanismo ideológico, nesses termos, fez com 
que, na teoria discursiva, surgissem duas noções 
teóricas basilares na AD: a de FI, compreendida 
como um conjunto de saberes, dizeres, práticas 
37
aos quais nos filiamos por meio das FDs,que são 
zonas que representam os recortes que realizamos 
ao tomar uma posição.
Trouxemos para a conversa uma análise resultan-
te de uma série de pesquisas desenvolvidas por 
Indursky em relação às designações “invasão” e 
“ocupação” atribuídas ao MST. A partir da análise 
empreendida pela autora, verificamos que os 
sem-terra e os proprietários rurais, ao utilizarem 
diferentes designações para se referirem ao mo-
vimento, estão situados em FDs antagônicas.
Posteriormente, empreendemos uma discussão em 
torno da noção de sentido em AD, compreendido 
como aquilo que “[...] é estabelecido na relação 
entre a língua e o discurso” (VINHAS, 2020, p. 258). 
Estudamos também que trabalhar com o sentido 
na teoria discursiva requer pensá-lo sempre em 
suspenso, dada a heterogeneidade da língua, de 
sua não literalidade/transparência.
Nesse entendimento, o sentido é construído na 
relação do sujeito – que é interpelado ideologica-
mente – com o social – mediado pela historicidade 
da língua. No processo de construção/produção de 
sentidos, há espaço para o mesmo e para o dife-
rente, compreendidos na teoria como movimentos 
de paráfrase e polissemia – aquilo que é retomado 
e aquilo que origina novos dizeres/sentidos.
38
Por fim, mobilizamos a noção de interdiscurso e 
duas noções teóricas que estão a ele interligadas: 
pré-construído e discurso transverso. Na discussão 
que empreendemos, verificamos que o sujeito, pela 
memória do dizer, canaliza do interdiscurso deter-
minados sentidos, o que possibilita sua inscrição 
nas FDs. Para Orlandi (2012, p. 171), “Uma coisa ou 
outra – a estabilização ou a transformação – vai 
depender da natureza do gesto de interpretação 
produzido, da posição do sujeito em sua filiação 
ao interdiscurso”. Quer dizer: o sujeito pode repro-
duzir já ditos, sob a forma de pré-construídos, ou 
deslocar sentidos, pela articulação do discurso 
transverso.
39
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Campinas: Pontes, v. 1., 2020, p. 257-262.
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/188266/001082664.pdf?sequence=1&isAllowed=yhttps://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/188266/001082664.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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	_Hlk95989077
	_Hlk97493465
	Introdução
	Funções Ideológicas do Discurso
	Formação Ideológica x Formação Discursiva
	Pêcheux e a deriva dos sentidos
	O Primado do Interdiscurso
	Considerações finais
	Referências Bibliográficas & Consultadas

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