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Camila Borges Dos Anjos
LÍNGUA, ENUNCIAÇÃO E 
DISCURSO
Sumário
INTRODUÇÃO ������������������������������������������������� 3
A HISTÓRIA DA ANÁLISE DE DISCURSO 
FRANCESA (ADF): MATERIALISMO 
HISTÓRICO, LINGUÍSTICA E PSICANÁLISE �� 4
ANÁLISE DO CONTEÚDO X ANÁLISE DO 
DISCURSO ���������������������������������������������������� 11
LÍNGUA E LINGUAGEM EM UMA 
PERSPECTIVA INTERACIONAL ������������������� 18
O DISCURSO: ENTRE A LÍNGUA E A FALA ��� 26
O APARELHO FORMAL DA ENUNCIAÇÃO 
(BENVENISTE) ���������������������������������������������� 32
CONSIDERAÇÕES FINAIS ���������������������������� 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & 
CONSULTADAS �������������������������������������������� 42
2
INTRODUÇÃO
Caro estudante, neste e-book estudaremos a ori-
gem do campo teórico da Análise de Discurso de 
linha francesa, desde seu surgimento na França, 
distinguindo-a da análise de conteúdo. Com isso, 
realizaremos uma discussão em torno de língua 
e linguagem, passando ao campo do discurso e 
da enunciação.
Para esse estudo, dividimos o e-book em cinco 
tópicos, a saber: A História da Análise de Discurso 
Francesa (ADf): Materialismo Histórico, Linguística 
e Psicanálise; Análise de Conteúdo X Análise de 
Discurso; Língua e Linguagem em uma perspectiva 
interacional; O discurso: entre a língua e a fala; e 
O Aparelho Formal da Enunciação (Benveniste). É 
por meio dessa sequência didática que se tornará 
possível compreender o lugar que a Análise de 
Discurso ocupa nos estudos da linguagem.
3
A HISTÓRIA DA ANÁLISE 
DE DISCURSO FRANCESA 
(ADF): MATERIALISMO 
HISTÓRICO, LINGUÍSTICA E 
PSICANÁLISE
Neste tópico, você conhecerá um pouco sobre o 
percurso histórico da Análise de Discurso pecheu-
tiana, surgida na França ainda na década de 60, 
contrapondo-se à ideia de um sujeito dotado de 
intenções e consciente de suas ações.
Michel Pêcheux (1938-1983) foi o fundador da Escola 
Francesa de Análise de Discurso. Pêcheux utilizou-se 
de diferentes abordagens teóricas, produzindo um novo 
recorte nas disciplinas, para fundar a teoria do discurso, 
que compreende a linguagem materializada na e pela 
ideologia.
No entendimento de Carvalho (2008, p. 17, grifos 
do autor),
Podemos tomar como marco deste contexto o ano 
de 1969. Neste ano, ocorre uma curiosa confluência 
de distintos projetos, todos eles de alguma forma 
SAIBA MAIS
4
centralizados em torno da noção de “discurso”: a 
publicação, por Michel Foucault, de A Arqueologia 
do Saber; a publicação, por Michel Pêcheux, de 
Análise Automática do Discurso; o Seminário 17, 
O avesso da Psicanálise, proferido por Jacques 
Lacan, no qual o psicanalista formaliza a sua teoria 
dos quatro discursos.
Buscando se afastar dos estudos estruturalistas de 
língua, Michel Pêcheux, filósofo e linguista francês, 
publicou a obra Análise Automática do Discurso, 
em 1969, que deu início ao que se tornaria a Teoria 
de Análise de Discurso (AD) francesa. No entendi-
mento de Leandro-Ferreira (2020, p. 25):
A rigor, o que a AD faz de mais corrosivo é abrir 
um campo de questões no interior da própria lin-
guística, operando um sensível deslocamento de 
terreno na área, sobretudo nos conceitos de língua, 
historicidade e sujeito, deixados à margem pelas 
correntes em voga no momento.
Nesse entendimento, a Análise de Discurso (AD) 
surgiu buscando ultrapassar a ideia de língua en-
quanto um sistema de códigos, informações ou 
atos de fala, ao propor um novo objeto de estudo, 
o discurso, que esteve, desde o início, diretamente 
relacionado à ideologia, aos fatores sociais, his-
5
tóricos e linguísticos. Nesse sentido, conforme 
Courtine (1999, p. 16):
[...] não é da língua que está se tratando, mas de 
discurso, quer dizer, de uma ordem própria, distinta 
da materialidade da língua, no sentido que os lin-
guistas dão a esse termo, mas que se realiza na 
língua: não na ordem do gramatical, mas na ordem 
do enunciável, a ordem do que constitui o sujeito 
falante em sujeito de seu discurso e ao qual ele se 
assujeita em contrapartida. 
Nesse movimento, Pêcheux investiu numa teoria 
que não trabalhasse com uma língua abstrata, 
isolada e impermeável aos processos de signifi-
cação, mas com o discurso, objeto sócio-histórico 
que permite pensar outras maneiras de produzir 
sentido, de significar. Conforme Baldini (2013, p. 
197), “[...] Pêcheux justificava sua empreitada in-
telectual como uma Tríplice Aliança que buscava 
articular três regiões do conhecimento científico: 
a) o materialismo histórico, b) a linguística e c) a 
teoria do discurso”. 
A AD nasce, assim, da inter-relação dessas três 
áreas, deslocando as noções teóricas do Materia-
lismo histórico, da Linguística e da Psicanálise. A 
Análise de Discurso se constitui, nesse caso, como 
denomina Orlandi (1996), como uma disciplina de 
6
entremeio, por ser atravessada por esses campos 
do saber, a qual podemos representar da seguinte 
maneira:
Figura 1: Inter-relação teórica AD francesa
Materialismo
histórico
Linguística Psicanálise
Análise
do
Discurso
Fonte: Elaboração Própria.
Observando a imagem, podemos verificar a articu-
lação teórica existente entre a Análise de Discurso 
e as demais áreas do conhecimento com as quais 
opera deslocamentos. E, nessa articulação, Baldini 
(2013, p. 196) afirma que Pêcheux radicaliza os 
saberes da psicanálise e do materialismo histórico, 
investindo “[...] pesadamente numa disciplina de 
entremeio que busca ver na língua a exterioridade 
sem que essa se esfumace numa forma sem his-
tória ou num sistema fechado” (BALDINI, 2013, p. 
7
196). Língua e História estão, portanto, articuladas 
num mesmo objeto de materialidade linguística: o 
discurso, definido por Orlandi (2013, p. 21) como 
“[...] efeito de sentidos entre locutores”.
Nas palavras de Santos (2013, p. 233), “Pêcheux, em 
seu percurso teórico, deixa-nos, como legado, não 
um modelo fechado. Antes, deixa o terreno aberto, o 
percurso inacabado em que buscou estabelecer novas 
formas de entender a linguagem, em uma tensão entre 
a linguística e as ciências sociais e humanas, a partir de 
sua relação sujeito/sentido/ideologia. A AD, portanto, 
apresenta-se como uma disciplina em constante proces-
so de desconstrução-reconfiguração-experimentação”.
Nessa linha de pensamento, Leandro-Ferreira (2020, 
p. 25) chama a atenção para o fato de que a AD não 
se trata de uma disciplina autônoma, mas aquela 
que “[...] trabalha nos limites das grandes divisões 
disciplinares”, afinal realiza recortes teóricos tanto 
no Materialismo histórico quanto na Linguística e 
na Psicanálise para operacionalizar sua atuação 
no campo da linguagem.
Pensando nisso, podemos afirmar que Pêcheux 
retorna a Saussure, indo de encontro ao sistema 
linguístico proposto pelo autor, ao compreender, 
em AD, a língua enquanto trabalho simbólico na 
REFLITASAIBA MAISFIQUE ATENTO
8
constituição dos sujeitos e dos sentidos; e faz 
também uma releitura das noções apresentadas 
por Althusser, para quem “a História é um proces-
so sem sujeito nem fim(s)”, ou seja, a história “[...] 
não têm sujeitos ou um Sujeito, mas um motor – a 
Luta de Classes” (BALDINI, 2013, p. 193). Assim, a 
partir das teses althusserianas de assujeitamento, 
Pêcheux lança um novo olhar para esse sujeito, 
buscando, em Freud e Lacan, pensar a natureza 
inconsciente envolvida na configuração desses 
processos.
Nesse sentido, conforme Mariani e Magalhães 
(2013, p. 102), “É no entremeio do campo epistemo-
lógico formado pela linguística, pelo materialismo 
histórico e pela psicanálise que Pêcheux localiza a 
análise do discurso”. A teoria do discurso, assim, 
nasce da articulação teórica entre essas três áreas 
do conhecimento, utilizando-se de cada qual para 
sua formulação e desenvolvimento.
SAIBA MAIS
Como podemos perceber, Michel Pêcheux foi o precursor 
da AD na França, na década de 1970; e no Brasil, a pre-
cursora da teoria foi Eni Orlandi. Para conhecer melhor 
esses pesquisadores e também suas obras, assista aos 
vídeos indicados a seguir:SAIBA MAIS
9
Vídeo 1 – Michel Pêcheux: Análise de Discurso, do Canal 
Digital Educação
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=T9KJyddpi04 
Vídeo 2 – Quem é Eni Orlandi, do Canal Intertexto: Dis-
curso e Linguagem
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=PiIg_xHRO90
10
https://www.youtube.com/watch?v=T9KJyddpi04
https://www.youtube.com/watch?v=T9KJyddpi04
https://www.youtube.com/watch?v=PiIg_xHRO90
https://www.youtube.com/watch?v=PiIg_xHRO90
ANÁLISE DO CONTEÚDO X 
ANÁLISE DO DISCURSO
De que maneira a Análise do Discurso se diferencia 
de outras disciplinas teóricas? Qual a diferença 
entre análise do discurso e análise do conteúdo? 
Com base nesses questionamentos, buscamos, 
nesta seção, apresentar o campo epistemológico 
da AD francesa, por meio de seus pressupostos 
teóricos, que nos permitem identificar seu lugar 
nos estudos da linguagem.
Como discutimos no tópico anterior, a AD francesa 
estabelece contato com áreas do conhecimento 
com as quais faz fronteira, e de cada qual extrai 
objetos de estudo que a interessam: da Linguísti-
ca, a língua, deslocando-a da ideia estrutural, de 
um sistema fechado; do Materialismo histórico, 
os modos de produção da história, das condições 
materiais de existência; da Psicanálise, o incons-
ciente, pelo qual o sujeito é afetado e determinado, 
juntamente com a ideologia.
A AD desponta, nessa perspectiva, como uma 
categoria teórica que estuda a língua em funcio-
namento, considerando sua materialidade histó-
rica e a interpelação do indivíduo em sujeito pela 
ação da ideologia e do inconsciente. Essa base 
epistemológica trabalha no sentido de desconstruir 
11
evidências, a transparência da linguagem, com um 
olhar voltado à opacidade, aos não ditos, a vários 
e outros sentidos possíveis.
O sentido, em AD, não é único, dado, literal, neutro ou 
homogêneo, mas sim múltiplo, diverso, emanando 
da relação existente entre língua e discurso: “[...] 
para que exista sentido deve-se olhar para aquilo 
que a língua (não) mostra, já que a relação entre a 
palavra e a significação é opaca” (VINHAS, 2020, 
p. 258). Ou seja, o sentido não é ou está, mas se 
constrói, deriva da interpretação do sujeito, em 
determinadas condições de produção, na relação 
que estabelece com a língua e com o discurso.
A AD, nesses termos, ao trabalhar com a hetero-
geneidade dos sentidos, vai mobilizar a língua no 
mundo, em funcionamento, dada a exterioridade que 
a constitui. E é justamente a ampla capacidade de 
interpretar, justificada pelas condições de produção 
do discurso, que “[...] compreendem fundamental-
mente os sujeitos e a situação” (ORLANDI, 2013, 
p. 30), que permite distinguir a teoria do discurso 
de outras bases epistemológicas. 
Assim, enquanto a análise de discurso se preocu-
pa com a exterioridade da língua nos processos 
de significação, frente às condições de produção 
do discurso, a análise de conteúdo, por exemplo, 
vai trabalhar, analiticamente, com a materialidade 
12
linguística, com o texto como unidade de análise, 
independentemente das condições em que foi 
produzido.
Partindo desse pressuposto, Santos (2013, p. 210) 
vai nos dizer que a AD, nesse sentido, “[...] diverge 
da análise de conteúdos, que concebe o texto 
como projeção extradiscursiva, sem preocupações 
referentes às articulações linguísticas e textuais, 
muito em voga na área das ciências humanas 
[...]”, ao considerar o funcionamento da língua em 
condições de produção determinadas.
Caregnato e Mutti (2006, p. 679) discorrem que 
“A principal diferença é que a Análise de Discurso 
trabalha com o sentido do discurso e a Análise de 
Conteúdo com o conteúdo do texto”, ou seja, en-
quanto a primeira realiza uma articulação entre os 
aparatos linguístico, histórico e social, percorrendo 
os modos de produção dos sentidos, a segunda se 
ocupa, basicamente, com a forma e o conteúdo.
[...] a AD trabalha com o sentido e não com o conte-
údo; já a AC trabalha com o conteúdo, ou seja, com 
a materialidade linguística através das condições 
empíricas do texto, estabelecendo categorias para 
sua interpretação. Enquanto a AD busca os efeitos 
de sentido relacionados ao discurso, a AC fixa-se 
apenas no conteúdo do texto, sem fazer relações 
além deste. A AD preocupa-se em compreender os 
13
sentidos que o sujeito manifesta através do seu 
discurso; já a AC espera compreender o pensa-
mento do sujeito através do conteúdo expresso no 
texto, numa concepção transparente de linguagem 
(CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 683-684).
Nesse viés, a análise de conteúdo se mostra 
como um dispositivo pautado principalmente na 
compreensão textual, numa forma explícita de 
leitura, não compreendendo a exterioridade como 
constitutiva do processo. A análise de conteúdo 
trata-se de uma metodologia que foi proposta por 
Bardin (1977, p. 42), considerada:
[...] um conjunto de técnicas de análise das comu-
nicações visando obter, por procedimentos siste-
máticos e objetivos de descrição do conteúdo das 
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que 
permitam a inferência de conhecimentos relativos 
às condições de [...] recepção (variáveis inferidas) 
destas mensagens.
Como pontua o autor, a análise de conteúdo tra-
balha na ordem da descrição de textos. A análise 
de discurso, por sua vez, leva em consideração 
as condições sócio-históricas de produção do 
sentido, os não ditos, as falhas, a incompletude 
da linguagem. Em AD, portanto, como menciona 
Orlandi, os sentidos podem ser outros, podem ser 
14
vários, mas não podem ser qualquer um. Noutras 
palavras, um mesmo objeto pode ser interpretado 
de uma maneira ou de outra a partir da posição 
discursiva do sujeito que o interpreta. Assim, por 
exemplo, como sugere a autora, “[...] a palavra ‘ter-
ra’ não significa o mesmo para um índio, para um 
agricultor sem-terra e para um grande proprietário 
rural” (ORLANDI, 2013, p. 45).
A AD dessuperficializa o sentido, desmascara sua 
evidência. Logo, os sentidos são produzidos com 
base nas posições ideológicas que os sujeitos 
assumem no discurso. Cada palavra, e cada ex-
pressão, pode ser interpretada de maneira diferente 
a partir das vivências, crenças e experiências de 
cada um. Com isso, “Os sentidos não estão assim 
predeterminados por propriedades da língua” 
(ORLANDI, 2013, p. 44), como ocorre na análise 
de conteúdo, mas produzidos mediante a relação 
do sujeito com a linguagem. Abaixo, buscamos 
elucidar, por meio de uma tabela, as diferenças 
presentes nesses dois tipos de análise:
Tabela 1: análise de conteúdo e análise de discurso
Análise de conteúdo Análise de discurso
Busca desvendar o que está 
por trás do significado das 
palavras
Busca investigar como se 
constrói o(s) sentido(s) do 
texto
Trabalha com a evidência do 
sentido
Trabalha com a não evidência 
do sentido
15
Visa à codificação do texto Volta-se ao trabalho com a 
interpretação do texto
Indaga: o que o texto quer 
dizer?
Questiona: como o texto 
significa?
Mobiliza sentidos já dados Trabalha com efeitos de 
sentido
Vincula-se ao conteúdo empí-
rico do texto
Considera as condições 
sócio-histórico-ideológicas de 
produção dos sentidos
Fonte: Elaboração Própria. 
Dessa forma, podemos pensar que a análise de 
conteúdo vai trabalhar com a codificação do texto, 
compreendendo-o como transparente, buscando 
nele uma resposta pronta, atravessando-o em 
busca de um sentido dado. Na Análise de discurso, 
por sua vez, o analista vai trabalhar nos limites da 
interpretação, mobilizando a opacidade textual, 
ou seja, a multiplicidade de sentidos possíveis de 
uma palavra ou frase conforme as condições de 
produção em que é empregada.
No campo do discurso, portanto, para investigar 
como o texto significa, a AD não trabalha com essa 
materialidade:
[...] apenas como ilustração ou como documento 
de algo que já está sabido em outro lugar e que o 
texto exemplifica. Ela produz um conhecimento 
a partir do próprio texto, porque o vê como tendo 
uma materialidade simbólica própria, como tendo16
uma espessura semântica: ela o concebe em sua 
discursividade (ORLANDI, 2013, p. 18). 
Nessa perspectiva, a AD trabalha com o texto 
discursivamente, como materialidade linguísti-
co-histórica, e não apenas como materialidade 
linguística, ou seja, compreendendo a língua para 
além de sua estrutura e forma, concebendo-a como 
acontecimento.
Para ampliar ainda mais seu conhecimento a respeito 
da diferença existente entre análise de conteúdo e 
análise de discurso, assista aos vídeos abaixo, nos 
quais pesquisadores da área da linguagem explicam 
em detalhes como cada um desses campos do saber 
mobiliza seu aparato teórico:
Vídeo 1 – Análise de Conteúdo (Bardin), do Canal de 
Rodolfo Langhi
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=Qylu8-_qB1s 
Vídeo 2 – Análise de Conteúdo x Análise de Discurso - 
Pesquisa na Prática #73, do Canal Acadêmica Pesquisa
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=Q2aQHDRPJ6w
SAIBA MAIS
17
https://www.youtube.com/watch?v=Qylu8-_qB1s
https://www.youtube.com/watch?v=Qylu8-_qB1s
https://www.youtube.com/watch?v=Q2aQHDRPJ6w
https://www.youtube.com/watch?v=Q2aQHDRPJ6w
LÍNGUA E LINGUAGEM 
EM UMA PERSPECTIVA 
INTERACIONAL
A teoria interacionista de linguagem vai buscar 
compreender como a interação constitui a lingua-
gem e como a linguagem também é constituída 
pela interação. Dá-se o nome de Sociolinguística 
interacional ao ramo da linguística que se dedica 
ao estudo de como os usuários da língua signifi-
cam suas práticas nas interações que realizam 
no cotidiano. Nas palavras de Gumperz (2015, p. 
9, tradução nossa):
A Sociolinguística Interacional (SI) é uma abordagem 
da análise de discurso que tem sua origem na busca 
de métodos replicáveis de análise qualitativa que 
explicam nossa capacidade de interpretar o que 
os participantes pretendem transmitir na prática 
comunicativa cotidiana. É sabido que os conversa-
dores sempre confiam no conhecimento que, além 
da gramática e do léxico, se faz ouvir. Mas como 
esse conhecimento afeta a compreensão ainda 
não é suficientemente compreendido.
A perspectiva interacional, nesse sentido, se utiliza 
da análise de discurso para analisar os diferentes 
atos discursivos, seja na forma oral, seja na escri-
18
ta, que são veiculados no meio social. Assim, as 
interpretações resultantes das interações entre os 
interlocutores fundamentam-se nos significados 
que emanam daquela troca comunicativa em si 
e de outras experiências vividas pelo usuário em 
situações de interação anteriores.
No ato comunicativo, conforme pressupõe a teoria 
interacionista, as interações devem ocorrer levando 
em consideração o ambiente, os interlocutores, 
a produção linguística dos falantes. Maldonado 
(2020, p. 15) aponta que “As diferentes estratégias 
de contextualização discursivas incluem a lingua-
gem corporal, bem como manipulação de objetos, 
gestos, postura, registro, alterações de estratégias 
discursivas, entre outras”. 
Podemos pensar, diante disso, que o momento de 
interação deve contemplar uma série de estraté-
gias para que a mensagem seja transmitida ao(s) 
interlocutor(es). Assim, por exemplo, quando um 
padre ou um pastor fala aos fiéis de sua religião, 
deve considerar sua postura como um represen-
tante daquela crença, os gestos que faz ao falar 
ao povo, a produção linguística que produz etc.
Embora a teoria interacionista seja um campo de 
estudo que tem seus desdobramentos da linguística, 
ela encontra respaldo na análise de discurso para 
investigar os processos de interação discursiva. 
19
Assim, para analisar esse funcionamento interativo, 
a Sociolinguística interacionista recupera da AD 
elementos que podem subsidiá-la.
E isso é possível verificarmos, por exemplo, quan-
do encontramos aproximações teóricas entre a 
noção de estratégia discursiva, da Sociolinguística 
interacionista, e a de relações de força, da Análise 
de Discurso. Segundo Maldonado (2020, p. 15), 
“O conceito de dicas estratégicas de contextua-
lização permite explicar como os participantes 
criam contexto e orientam os seus interlocutores 
no traço a uma interpretação apropriada das suas 
ações verbais ou não verbais”. E no que tange às 
relações de força, Orlandi (2013, p. 39) vai afirmar 
que, “Segundo essa noção, podemos dizer que o 
lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo 
do que ele diz”.
Em áreas distintas, esses dois conceitos teóricos 
apontam basicamente numa mesma direção, ao 
considerarem que o usuário da língua (sujeito, em 
AD) fala a partir do lugar que ocupa, buscando 
produzir determinados sentidos, e não outros, no 
entanto, sabemos que, na teoria do discurso, esse 
controle é da ordem do impossível. Nesse aspecto, 
podemos dizer que, embora as teorias interacionista 
e do discurso considerem o viés social da lingua-
gem em suas abordagens, distanciam-se episte-
mologicamente, uma vez que a primeira trabalha 
20
com a interpretação dotada de intencionalidade, 
já a segunda, com gestos de interpretação, haja 
vista que em AD os sentidos não se encontram 
predeterminados no fio do discurso.
As estratégias discursivas, assim, funcionam como 
mecanismos dotados de intencionalidade, que 
buscam, sobremaneira, provocar interpretações 
desejadas no interlocutor. A teoria interacionista 
pressupõe a transmissão de uma mensagem, que 
seria ‘decodificada’ pelo(s) receptores/interlocu-
tor(es), conforme ilustra a figura 2 a seguir:
Figura 2: esquema da comunicação
Teoria da Comunicação
RUÍDOS E FALHAS
CODIFICADO DECODIFICADO
EMISSOR MENSAGEM RECEPTOR
FEEDBACK
Fonte: Galvão, 2017. Adaptado.
Como podemos observar, esse esquema elementar 
é constituído por um emissor que transmite uma 
mensagem ao receptor, com base em um código, 
o qual a recebe e decodifica, ou seja, interpreta o 
conteúdo da mensagem de maneira que a informa-
21
ção captada faça sentido. Esse é um esquema de 
comunicação muito comum, que reúne uma série 
de elementos, os quais explanam o processo de 
transmissão de uma mensagem. 
Ao contrário desse processo que acabamos de 
discutir, para a AD francesa não há emissor, re-
ceptor, mas sujeito, e também não a mensagem, 
mas o discurso. 
Desse modo, diremos que não se trata de transmis-
são de informação apenas, pois, no funcionamento 
da linguagem, que põe em relação sujeitos e sen-
tidos afetados pela língua e pela história, temos 
um complexo processo de constituição desses 
sujeitos e produção de sentidos e não meramente 
transmissão de informação (ORLANDI, 2013, p. 21).
Nesse entendimento, portanto, em AD não há, 
como pressupõe a teoria da comunicação, uma 
linearidade no ato comunicativo, em que emissor 
e receptor são categorias isoladas, nas quais al-
guém fala e o outro decodifica, numa sequência 
lógica. A AD francesa, ao trabalhar com um sujeito 
que não é consciente, com uma língua que não é 
transparente e com sentidos que não são dados, 
vai pressupor que o sujeito não é “livre”, apenas 
tem a ilusão de controlar suas intenções.
22
A dificuldade atual das teorias da enunciação reside 
no fato de que estas teorias refletem na maioria das 
vezes a ilusão necessária construtora do sujeito, 
isto é, que elas se contentam em reproduzir no nível 
teórico esta ilusão do sujeito, através da ideia de um 
sujeito enunciador portador de escolha, intenções, 
decisões etc. (PÊCHEUX, 1997, p. 175).
Nesse entendimento, o sujeito, afetado por de-
terminações sociais, históricas e ideológicas, é 
atravessado por um funcionamento inconsciente, 
que, nesse caso, o faz pensar ser origem do dizer 
e controlar aquilo que diz. Na teoria pecheutiana, 
a intenção/intencionalidade trata-se de uma ilusão 
do sujeito, trabalhada por Pêcheux como esque-
cimentos 1 e 2.
No esquecimento nº 1, também chamado esqueci-
mento ideológico, “[...] é da instância do inconsciente 
e resulta do modo pelo qual somos afetados pela 
ideologia” (ORLANDI, 2013, p. 35), que mascara os 
processos de produção dos sentidos, fazendo-nos 
pensar que aquilo o que dizemos é nosso, enquanto,na verdade, retomamos dizeres já enunciados, ou 
seja, os discursos não se originam em nós, trata-se 
apenas de uma representação da qual pensamos 
ser origem.
O esquecimento nº 2 é da “[...] ordem da enuncia-
ção: ao falarmos, o fazemos de uma maneira e não 
23
de outra, e, ao longo de nosso dizer, formam-se 
famílias parafrásticas que indicam que o dizer 
podia sempre ser outro” (ORLANDI, 2013, p. 35). 
Nesse tipo de esquecimento, compreende-se que 
aquilo que o sujeito diz só poderia ser dito daquela 
forma, enquanto, na realidade, há diferentes modos 
de dizer – sempre é possível dizer de outra forma. 
Nesse contexto, Vinhas (2020, p. 91) esboça que, 
“Por um lado, o esquecimento nº 1 concerne à 
ilusão subjetiva de que o sujeito se encontra na 
fonte do sentido; de outro lado, o esquecimento 
nº 2 diz respeito à ilusão subjetiva de que o sujeito 
controla enunciativamente o sentido do que fala”. 
O sujeito, no esquecimento nº 1, ‘esquece’ que não 
é o embrião do dizer; e no esquecimento nº 2, ‘es-
quece’ que outras maneiras de dizer são possíveis.
Trouxemos para a discussão, aqui, esses dois tipos 
de esquecimento para que pudéssemos distinguir 
a intenção mobilizada pela teoria interacionista — 
derivada de atos conscientes do usuário da língua 
— do modo como a AD francesa compreende a 
relação do sujeito com a língua, considerando a 
ação do inconsciente nesse processo. Todavia, 
cabe inferir que a perspectiva interacionista tam-
bém problematiza esse ‘controle’ sobre a língua 
atribuído aos seus usuários, haja vista que leva 
em consideração as interpretações produzidas 
na cena comunicativa.
24
Nessa linha de pensamento, “Pode-se compreender 
que a intenção, conforme a Sociolinguística Inte-
racional, não é considerada em si mesma, como 
um completo ‘controle da situação’, visto que ela 
é sujeita a interpretações dos participantes da 
interação” (KHALIL, 2017, p. 361). Assim, embora 
haja, de fato, na teoria interacionista, uma direção 
enunciativa para o discurso produzido, o controle 
sobre ela é parcial, dado que não é possível ao 
usuário da língua garantir que os sentidos inicial-
mente previstos sejam praticados e atendam à 
finalidade da interação, às intenções comunicativas 
previamente elencadas.
25
O DISCURSO: ENTRE A 
LÍNGUA E A FALA
As abordagens formalistas, como o gerativismo, 
o estruturalismo, pautavam-se principalmente no 
estudo da frase como unidade linguística, sem 
relacioná-la a elementos extralinguísticos, como 
outras frases, e ao modo como produziam sentido 
no texto, bem como ao contexto em que ocorria o 
ato comunicativo.
Buscando romper esse modo de compreender a 
língua, diversas teorias surgiram abrangendo o 
texto e o discurso, entre elas a AD francesa, cunha-
da por Pêcheux com o propósito de ultrapassar a 
ideia de língua enquanto um sistema de códigos, 
informações ou atos de fala, ao ressoar uma nova 
maneira de compreendê-la, o que se deu por meio 
do discurso, que esteve, desde o início, diretamen-
te relacionado aos fatores sociais, históricos e 
ideológicos.
A AD, nesse caso, não está voltada ao estudo de 
uma língua abstrata, isolada e impermeável aos 
processos de significação, mas ao estudo do 
discurso, objeto sócio-histórico e ideológico que 
permite pensar outras maneiras de produzir sentido, 
de significar. E para compreender a concepção de 
língua da qual trata a AD, é preciso, no entendi-
26
mento de Radde (2020, p. 181), “[...] desconstruir a 
dicotomia língua/fala, única forma de ultrapassar 
a visão idealista que concebe a língua como um 
sistema fechado e autônomo”. 
Nessa linha de pensamento, diferentemente do 
que propõe Saussure, ao focar rigorosamente no 
sistema formal da língua, realizando um corte entre 
língua e fala, que são tomadas em dois momen-
tos distintos, Pêcheux realiza uma crítica a essa 
separação, tratando a fala não como um meca-
nismo fisiológico, como uma tradução da língua, 
mas como uma possibilidade de se dizer, de se 
produzir discursos. Assim, portanto, na teoria do 
discurso, a fala coloca o sujeito como um produto 
histórico, afinal tudo o que o sujeito diz encontra-se 
atravessado pela historicidade da língua.
O discurso não corresponde à noção de fala, pois 
não se trata de opô-lo à língua como sendo esta um 
sistema, onde tudo se mantém, com sua natureza 
social e suas constantes, sendo o discurso, como 
a fala, apenas uma ocorrência casual, individual, 
realização do sistema, fato histórico, a-sistemático, 
com suas variáveis etc. (ORLANDI, 2013, p. 21-22).
As ressonâncias que a AD francesa produziu 
apontam para o fato de que esse campo teórico 
se encontra sempre vivo, atualizando-se e ressig-
27
nificando-se, pois lida com o discurso, “E a palavra 
discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de 
curso, de percurso, de correr por, de movimento. O 
discurso é assim palavra em movimento, prática de 
linguagem: com o estudo do discurso observa-se 
o homem falando” (ORLANDI, 2013, p. 15). Pensar 
o discurso enquanto objeto teórico da AD implica 
compreender como acontece o movimento dos 
sentidos na língua. Orlandi afirma que “Em suma, a 
Análise de Discurso visa a compreensão de como 
um objeto simbólico produz sentidos, como ele 
está investido de significância para e por sujeitos” 
(2001, p. 26).
Nesse modo de compreensão da língua significando 
e, consequentemente, o discurso, não é possível 
analisá-la isoladamente sem levar em consideração 
os fatores extralinguísticos, afinal é a exteriorida-
de, nesse caso, que investe significância à língua, 
sendo a materialidade histórica que permite o 
trabalho com os sentidos. Nesses termos, “[...] 
para a análise de discurso, o que interessa não é 
a organização linguística do texto, mas como o 
texto organiza a relação da língua com a história 
no trabalho significante do sujeito em sua relação 
com o mundo” (ORLANDI, 2013, p. 69).
Isso traz à tona, mais uma vez, a discussão que 
vínhamos empreendendo anteriormente, quando 
discutimos que as palavras mudam de sentido a 
28
partir da posição no discurso daqueles que as em-
pregam, afinal, “[...] o discurso é o lugar do trabalho 
da língua e da ideologia” (ORLANDI, 2013, p. 38). 
Quer dizer: a ideologia se materializa na língua via 
discurso, por meio dos sentidos atribuídos pelo 
sujeito a um objeto simbólico.
O discurso, portanto, pode ser compreendido como 
um efeito da relação que se estabelece entre a 
língua e a ideologia, sendo a linguagem, nesse 
entendimento, apreendida não como passível de 
decodificação, mas como um efeito das relações 
estabelecidas pelos sujeitos. Portanto, conforme 
postula Pêcheux (1997, p. 53), “[...] todo enunciado 
é intrinsicamente capaz de tornar-se outro, diferente 
de si mesmo, se deslocar discursivamente para 
derivar para outro”.
Nesse entendimento, o sujeito, ao enunciar, recupera 
dizeres e os atualiza, produzindo novos movimen-
tos, pois “[...] o fazer sentido não ocorre fora da 
historicidade que marca a relação do homem com 
a linguagem” (GRIGOLETTO, 2011, p. 80), mas em 
dadas condições de produção, atravessado pela 
historicidade da língua.
A materialidade histórica trabalha no sujeito a 
possibilidade da construção de sentidos outros, 
uma vez que, como afirma Baldini (2013, p. 194), 
o homem não é uma unidade pronta, mas um in-
29
divíduo que, interpelado pela história, se subjetiva, 
isto é, se torna sujeito, pois “[...] a subjetividade é 
exatamente esse processo constante e histórico 
de constituir indivíduos em sujeitos” (2013, p. 
194). Essa constituição do sujeito, portanto, está 
atrelada ao fazer sentido na língua, nessa relação 
intrínseca que estabelece com a história.
O sentido, no discurso, é da ordem da repetição e da 
deriva. Isso, porque na fala a repetição se esburaca, 
dado que a palavra repetida escapa à regularidade 
do sentido, rompendo com a organização da língua. 
Afinal, sempre que se diz, embora seja o mesmo, 
ao repetir-se já se torna outro. A língua se mexe, 
se move, num movimento de resgatee de abertura 
a novos sentidos, pelo efeito do discurso.
A repetição desloca o dizer de modo que ele já 
é diferente. Ou seja, a palavra e o sentido já não 
são os mesmos, ocorre deslizamento, ruptura, 
e a significação é outra. Isso pode ser ilustrado, 
por exemplo, a partir do enunciado On a gagné, 
discutido por Pêcheux em Discurso: estrutura ou 
acontecimento, em que o On a gagné das torcidas 
nos jogos não é o mesmo das ruas, da língua políti-
ca. Nesse uso da língua, o grito já não é o mesmo, 
e a repetição já não é da ordem da repetição; o 
dizer é outro, pois a expressão que nasce no meio 
esportivo é deslocada para a política, provocando 
fissura na língua. 
30
Daí, portanto, a compreensão do discurso para 
Pêcheux (1990, p. 56), que o considera “[...] um 
índice potencial de uma agitação nas filiações só-
cio-históricas [...]”, afinal, como estamos verificando, 
o sentido pode sempre ser outro, pois é histórico 
e passível de deriva, deslocamento. Dessa forma, 
tal como ocorreu no enunciado explicitado no pa-
rágrafo anterior, os sentidos são ressignificados 
na e pela história, a partir do movimento da língua 
na esfera social, da inscrição do sujeito na seara 
do discurso e das condições de produção em que 
são produzidos.
31
O APARELHO FORMAL 
DA ENUNCIAÇÃO 
(BENVENISTE)
Enquanto Saussure, como temos discutido, realiza 
um corte entre a língua e a fala, estabelecendo uma 
linguística da língua e outra da fala, compreendendo 
a linguagem como instrumento de comunicação, 
mecanismo de transmissão de mensagens, Ben-
veniste vai observar a língua como uma estrutura 
que é posta em funcionamento, como aquilo que 
possibilita a enunciação, e verificar como ela 
acontece.
Assim, em 1970, questionando os conceitos de 
língua e fala, principalmente no que tange à pas-
sagem de um para o outro, Benveniste, em leitura 
à linguística saussureana, desenvolve a teoria 
da enunciação. No entendimento do autor, era 
preciso se atentar às condições de uso da língua, 
não apenas à sua forma, como o fez Saussure, ao 
desconsiderar o sujeito falante.
SAIBA MAIS
Émile Benveniste (1902-1976) foi um linguista estrutu-
ralista francês que se dedicava aos estudos das línguas 
indo-europeias. Foi responsável por expandir o paradigma 
SAIBA MAIS
32
linguístico estabelecido por Ferdinand de Saussure ao 
mobilizar teoricamente o contexto enunciativo.
Em 1966, Benveniste consagrou seus estudos 
entre os linguistas ao publicar o primeiro volume 
de Problemas de Linguística Geral, que, mais tarde, 
em 1974, teve seu segundo volume lançado. Com 
essas publicações, Benveniste ganhou notoriedade 
no campo da linguagem por introduzir uma abor-
dagem, de ordem enunciativa, que se diferenciava 
dos estudos realizados até então. 
Benveniste propôs que entre a língua e a fala havia 
uma instância comunicativa, a qual foi denominada 
pelo autor como enunciação. O objetivo do pesqui-
sador era investigar o processo de transformação 
da língua em fala, conforme buscamos representar 
na figura 3 a seguir.
Figura 3: Língua e Fala
Língua Fala
ENUNCIAÇÃO
Fonte: Elaboração Própria
33
Benveniste vai buscar, assim, compreender qual 
é a condição de possibilidade da fala, e essa 
passagem da língua para a fala, como podemos 
observar na figura apresentada, é compreendida 
pelo estudioso como mediada pela enunciação, 
compreendida como o ato de “[...] colocar em 
funcionamento a língua por um ato individual de 
utilização” (BENVENISTE, 1989, p. 82). A formula-
ção do autor se mostra distinta dos pressupostos 
teóricos de Saussure ao compreender a língua em 
funcionamento no mundo, e não apenas como um 
conjunto de signos abstratos. 
As reflexões de Benveniste contribuíram para o 
surgimento de uma teoria enunciativa do discurso, 
cujos sentidos não se encontram colados aos sig-
nificantes. Benveniste, quando explica o aparelho 
formal da enunciação, esboça alguns pressupostos 
da (e para) a enunciação, ou seja, mecanismos 
possíveis para se enunciar. O primeiro deles tra-
ta-se da língua, que, para o autor, não é alheia às 
práticas humanas, portanto só pode ser analisada 
em seu contexto de uso, num espaço real, levando 
em consideração o sujeito e o momento histórico.
O segundo pressuposto é o reconhecimento do 
locutor como eu, ou seja, que ele consiga assumir 
a posição de sujeito perante o alocutário, afinal é 
no momento da enunciação que o sujeito se diz, 
34
na relação entre eu e tu, pois um depende do outro 
para existir. 
É importante destacar, nesse sentido, que a língua, 
para Benveniste, não está desvinculada do social, 
pois, como afirma o próprio autor, “[...] somente a 
língua torna possível a sociedade” (BENVENISTE, 
1989, p. 63). A enunciação, portanto, sempre vai 
ocorrer de forma social, coletiva, quando há inter-
locução com outros possíveis sujeitos. 
Benveniste identificou a existência de signos 
linguísticos dentro do sistema de enunciação. 
A esses signos linguísticos, o autor chamou de 
dêiticos – aqui, lá, agora, amanhã, eu, tu etc. –, 
sendo fundamental que alguém se coloque como 
enunciador desse conteúdo linguístico, que reúne 
a pessoa, o tempo e o espaço. O enunciado, assim, 
deve ser analisado levando em consideração esses 
elementos: o enunciador, o enunciatário e o tempo 
e espaço em que os sujeitos estão inseridos.
A enunciação trata-se do processo de uso da língua, 
o próprio ato de dizer de alguém que enuncia; e 
o enunciado refere-se ao produto, àquilo que foi 
dito ao enunciatário em determinado lugar, num 
determinado momento, conforme podemos ob-
servar na figura 4:
35
Figura 4: Quadro da Enunciação
EU TU
Quadro
da
Enunciação
Aqui/ Espaço Agora/ Tempo
Fonte: Silva, 2013. Adaptado.
Ao observarmos o quadro da enunciação, perce-
bemos que, conforme pressupõe Benveniste, é 
preciso considerar, na análise enunciativa, o locutor 
e o alocutário, bem como a situação na qual o ato 
de enunciação se realiza, compreendida, nesse 
viés, como espaço e o tempo. 
[...] na enunciação, a língua se acha empregada 
para a expressão de uma certa relação com o 
mundo. A condição mesma dessa mobilização 
e dessa apropriação da língua é, para o locutor, 
a necessidade de referir pelo discurso, e, para o 
outro, a possibilidade de co-referir identicamente, 
no consenso pragmático que faz de cada locutor 
um co-locutor. A referência é parte integrante da 
enunciação [...] (BENVENISTE, 1989, p. 84).
36
Ocorre, nesse processo, uma instrumentalização 
da língua pelo enunciador, que se “apropria” desse 
elemento para dizer. Isso, no entanto, não ocorre 
de maneira separada, como se a língua fosse um 
instrumento alheio ao sujeito, afinal o sujeito só é 
sujeito pela possibilidade de uso da língua. Essa 
apropriação ocorre, portanto, pela possibilidade 
de o locutor assumir o papel de sujeito e, assim, 
expressar suas ideias e pensamentos.
Benveniste concebe a enunciação, nesses termos, 
como um conjunto de mecanismos e situações 
que conduzem à produção de enunciados, em 
sua forma prática e também social. Para tanto, as 
línguas devem ser estudadas em seu exercício, na 
produção mesma do discurso. 
A partir das formulações propostas por Benvenis-
te, podemos afirmar que a Linguística inaugura 
os estudos em torno do discurso, possibilitando 
visualizar a língua sendo empregada em suas reais 
situações de uso, portanto a enunciação nunca 
ocorre da mesma maneira, pois a cada nova escrita 
ou leitura produzimos novos enunciados.
37
SAIBA MAIS
Para aprofundar seu conhecimento sobre a teoria da 
enunciação proposta por Benveniste, assista à sequência 
de videoaulas apresentadas por José Fiorin, no canal 
da TV Cultura no YouTube:
Vídeo 1 – Enunciação (1) - Conceito de enunciação
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=RQzJaFYiqhc
Vídeo 2 – Enunciação (2) - A categoria de pessoa
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=Htrw8tTmigY 
Vídeo 3 – Enunciação (3) - A categoria de tempo
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=Z6HUcpg8NoQ 
Vídeo4 – Enunciação (4) - A temporalização do discurso
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=_iNfwEO86yQ 
Vídeo 5 – Enunciação (5) - A categoria de espaço
Link de acesso: https://www.youtube.com/
watch?v=jjuU3SJromc 
SAIBA MAIS
38
https://www.youtube.com/watch?v=RQzJaFYiqhc
https://www.youtube.com/watch?v=RQzJaFYiqhc
https://www.youtube.com/watch?v=Htrw8tTmigY
https://www.youtube.com/watch?v=Htrw8tTmigY
https://www.youtube.com/watch?v=Z6HUcpg8NoQ
https://www.youtube.com/watch?v=Z6HUcpg8NoQ
https://www.youtube.com/watch?v=_iNfwEO86yQ
https://www.youtube.com/watch?v=_iNfwEO86yQ
https://www.youtube.com/watch?v=jjuU3SJromc
https://www.youtube.com/watch?v=jjuU3SJromc
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse e-book, buscamos trabalhar com 
os elementos língua, enunciação e discurso. Apre-
sentamos, para tanto, o território da AD francesa, 
buscando compreender o lugar que a Análise de 
Discurso ocupa nos estudos da linguagem. Como 
estudamos, a teoria, que nasceu na década de 60 
pelos estudos de Michel Pêcheux, elegeu como 
categoria de estudo, e análise, o discurso, que, 
como o próprio nome refere, dá a ideia de ‘curso’, 
da língua em funcionamento, distanciando-se, 
portanto, de sua classificação como um sistema 
abstrato, da compreensão dessa materialidade de 
maneira transparente. A noção de discurso per-
mite-nos abarcá-lo como “[...] essa configuração 
necessária da língua com a história, produzindo a 
impressão de realidade” (ORLANDI, 2007, p. 40).
Além disso, apresentamos ainda contribuições 
teóricas de outras áreas do conhecimento para a 
AD francesa, como da Linguística, do materialismo 
histórico e da Psicanálise, assim como diferenças 
conceituais, como na abordagem da teoria intera-
cionista, respaldada num processo de interação 
que consiste na transmissão de uma mensagem, 
e também na análise de conteúdo, que buscas 
respostas prontas na estrutura textual.
39
Vale ressaltar que essa diferenciação entre análise 
de conteúdo e análise de discurso sempre está pre-
sente nas discussões principalmente de analistas 
do discurso, uma vez que a análise do objeto estu-
dado deve se dar num viés discursivo, remetendo 
o texto à sua opacidade, por isso a importância de 
conhecer o campo de inscrição dessas áreas, de 
modo que o analista, nesse sentido, não incorra 
num movimento de análise conteudista.
Avançamos, ainda, numa discussão que visou 
demarcar o lugar da língua e da fala no discurso, 
que, diferentemente do que pressupôs Saussure, 
são elementos que, na AD francesa, encontram-se 
indissociáveis, afinal a teoria do discurso não trabalha 
com dicotomias. Assim, conforme apresentamos, 
Benveniste, ao contrário do sistema saussureano, 
considerou língua e fala como elementos que inte-
gram o discurso, problematizando, nessa instância, 
como ocorre a passagem da língua para a fala.
Nessa empreitada, Benveniste desenvolve, como 
mencionamos, a chamada teoria da enunciação, 
a qual, diferentemente da teoria da comunicação, 
que apresentamos na figura 2, não ocorre de ma-
neira estática, alheia aos processos sociais, mas 
considerando o funcionamento da língua em sua 
materialidade histórica.
40
As discussões que empreendemos ao longo desse 
e-book permitem que nos situemos no arcabouço 
teórico da AD de linha francesa, que teve como seu 
precursor Michel Pêcheux, na França da década de 
1970, e hoje encontra-se no Brasil bastante difundi-
da, principalmente nas publicações de Eni Orlandi, 
autora que há mais de 30 anos vem desenvolvendo 
suas pesquisas e formando pesquisadores na área 
do discurso.
41
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https://www.slideshare.net/DienneDinniz/benveniste-e-a-noo-de-pessoa
	_Hlk95989077
	_Hlk96450094
	Introdução
	A História da Análise de Discurso Francesa (ADf): Materialismo Histórico, Linguística e Psicanálise
	Análise do Conteúdo X Análise do Discurso
	Língua e Linguagem em uma perspectiva interacional
	O discurso: entre a língua e a fala
	O Aparelho Formal da Enunciação (Benveniste)
	Considerações finais
	Referências Bibliográficas & Consultadas

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